O GLOBO PROJETOS DE MARKETING Segunda-feira, O GLOBO PROJETOS DE MARKETING18 de março de 2013 DOENÇAS RARAS DOENÇAS RARAS A SITUAÇÃO BRASILEIRA NO CONTEXTO GLOBAL A luta pela vida PACIENTES E FAMÍLIAS SOFREM COM INEXISTÊNCIA DE TRATAMENTO ADEQUADO E, AO LADO DE ESPECIALISTAS, BUSCAM SENSIBILIZAR AS AUTORIDADES PARA A URGÊNCIA DE CRIAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA SOBRE O TEMA Estimativas dizem que eles são 13 milhões no Brasil. Se considerarmos o mundo todo, o número fica entre 420 e 560 milhões, ou seja, de 6 a 8% da população mundial. Eles são as pessoas portadoras de doenças raras e enfrentam dificuldades diariamente: a começar pela condição em si, mas também pela demora no diagnóstico e, no caso dos brasileiros, pela falta de uma política governamental que os ampare. Pensando na importância dessa discussão, a Interfarma, em parceria com O Globo, reuniu especialistas no último dia 11 em São Paulo: médicos, políticos, representantes do governo e, claro, das famílias afetadas. E o grito que se ouviu foi um só: é preciso que se crie uma política que garanta cuidado adequado para esses pacientes. A doença é uma coisa assustadora para qualquer ser humano. “Já reparou que a pior doença é sempre a que dá na gente?”, pondera Dirceu Barbano, diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Com o tempo, a gente descobre que existe uma doença ainda pior: a que dá nos filhos.” E é geralmente isso que enfrentam os pais de pessoas com doenças raras: têm nas mãos um filho pequeno doente (75% das doenças raras se manifestam no início da vida e atingem crianças de 0 a 5 anos) e não encontram diagnóstico com facilidade. “A gente tem de mudar a própria postura para dar uma melhor condição de vida ao paciente”, comenta Regina Próspero, da Associação Paulista dos Familiares e Amigos dos Portadores de Mucopolissacaridoses (APMPS). 1 2 DOENÇAS RARAS Segunda-feira, 18 de março de 2013 O GLOBO PROJETOS DE MARKETING Médicos, políticos, representantes do governo e das famílias afetadas, participaram de Seminário sobre Doenças Raras Uma questão de humanidade DEBATE EVIDENCIA A URGENTE NECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE UMA POLÍTICA PARA TRATAR DOENÇAS RARAS NO PAÍS A preocupação com os pacientes portadores de doenças raras por parte dos governos é recente: até o início da década de 1980, essas pessoas não faziam parte da agenda. O primeiro país a criar uma política para o grupo foram os EUA, em 1983 – a partir da pressão exercida por organizações de pacientes e movimentos sociais. No Brasil, o projeto ainda engatinha. Há propostas tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, mas os passos têm sido lentos. “Existem, na ação dos governos, limites de ordem financeira e não há como fechar os olhos para isso”, diz Antônio Britto, presidente-executivo da Interfarma.“O que não se pode mais aceitar é que o governo empurre tudo para um poço sem fundo de burocracia na tentativa de evitar buscar uma solução para o problema.” Britto vai além: segundo ele, se há vontade mas não há dinheiro, é preciso que o governo se una a outros setores da sociedade para discutir meios de abordar o tema. “Se, por um lado, não é possível exigir que os governos sejam capazes de fazer tudo, também não se pode permitir que eles nada façam”, diz Antônio Britto. “É fundamental que se saia do jogo do tudo ou nada e se comece a pensar numa solução”, completa. Florentino Cardoso, presidente da Associa- “Se, por um lado, não é possível exigir que os governos sejam capazes de fazer tudo, também não se pode permitir que eles nada façam” Antônio Britto ção Médica Brasileira, lembra que a assistência a esses pacientes é uma questão de compaixão e humanidade. “Não podemos, sob nenhum pretexto, deixar essas pessoas desassistidas. O maior impacto, o que realmente faz a diferença para um portador de doença rara, é o rápido acesso e a qualidade desse acesso”. Hoje, como não há uma política que possa ser aplicada a todos os casos, alguns pacientes acabam recorrendo à Justiça para ter o atendimento garantido. Isso torna o sistema muito mais caro e quem paga pelo desperdício é o contribuinte. Existem, no Brasil, situações em que já há distribuição periódica de medicamentos – e alguns, inclusive, chegam pelo Correio. Segundo Clarice Alegre Petramale, do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde do Ministério da Saúde (CONITEC/ MS), o relacionamento tem de ir além: é preciso humanizar o contato com o doente. “Estamos preocupados com o atendimento ao paciente, não apenas com a distribuição de medicamentos”,diz. Diagnóstico – Regina Próspero, da APMPS, teve dois filhos portadores de mucopolissacaridose e percorreu médicos de todas as especialidades até encontrar uma resposta. Seu primeiro filho, Niltinho, nasceu com uma forma mais severa da doença e, infelizmente, não resistiu por muito tempo.“Daí, ofereci meu outro filho para ser objeto de estudo”, conta. “Se eu não tivesse feito isso, ele também teria morrido.” A experiência de Regina, e de tantos outros pais e famílias, mostra que, para que seja possível prestar um atendimento bom e abrangente aos portadores de doenças raras é necessário investir na capacitação dos médicos. Quando não há casos anteriores daquela doença na família, o diagnóstico é ainda mais difícil e demorado. Em mais da metade dos casos, quem faz o diagnóstico é um geneticista. No Brasil, hoje, existem apenas 200 desses especialistas. Assim, além das sensações de desespero, medo, desamparo, impotência e culpa, os pais dos pacientes de doenças raras se deparam com a falta de informação. “Existe uma total ignorância da grande maioria dos médicos sobre as doenças raras. Existe a minha própria ignorância”, avalia Roberto Luiz d’Avilla, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM). “Os médicos hoje dão mais importância à prescrição do que ao cuidado com o paciente. Estamos nos perdendo por privilegiar o tratamento e não o doente. É preciso voltar a tratar as pessoas como pessoas”. Produção: Link Comunicação Integrada Coordenação e Edição: Cláudia Bensimon Editor Assistente: Henrique Brandão Desenho: João Carlos Guedes Reportagem: Fanny Zygband, Márcia Gomes, Rosane de Sousa e Roseli Andrion Fotografia: Paulo Henrique Pampolin A apuração das informações deste suplemento é de responsabilidade da Link Comunicação Integrada O GLOBO PROJETOS DE MARKETING Segunda-feira, 18 de março de 2013 DOENÇAS RARAS 3 1. Introdução que ajudam apenas a atenuar os sintomas. No Brasil, o tema também não é novo para as autoridades de saúde. Embora o país careça de políticas públicas O GLOBO PROJETOS DE MARKETING O GLOBO PROJETO específicas para doenças raras, desde o início dos anos 2000 o assunto tem sido alvo de discussões – ainda que se tenha optado por tratá-lo pelo viés das doenças genéticas. O interesse pelas doenças raras tem aumentado nos úlSegunda-feira, DOENÇAS RARAS ao reconhecimento timos anos, paralelamente de que 18 de março de 2013 4 representam um problema de saúde pública. A última década concentrou o desenvolvimento da maior parte dos programas oficiais para doenças raras em várias partes do mundo, período em que inúmeros países, inclusive emergentes, criaram políticas específicas voltadas à questão. Uma radiografia da situação Embora possuam diferentes definições e abordagens em torno do tema, as políticas públicas desenvolvidas ao redor do mundo têm apresentado uma gama de solue demora do diagnóstico, falta de centros O estudo Raras: Contribui-dos ções para Doenças ampliar o acesso pacientes à assistência. ções para uma Política Nacional, apresene médicos especializados, O desafio é considerável, levando-se em conta que desconheci95% geral sobreeadependem doença e limitação tado pela Interfarma – Associação da In- mento das doenças raras não possuem tratamento dústria Farmacêutica de Pesquisa, deixou a pesquisas estão entre os principais prode rede deem cuidados paliativos que garantam ou de clarouma que, pelo menos um ponto, reblemas enfrentados pelos 13 milhões melhorem a qualidade de vida dos pacientes. presentantes do governo, parlamentares, brasileiros que sofrem de algum dos sete profissionais de saúde e associações de mil tipos de doenças raras – 75% menoNa outra ponta do espectro está uma pequena porcentapacientes concordam: o Brasil precisa de res de 5 anos. gem das doenças dispõeOsde tratamentos uma política nacional queraras faciliteque o acespacientes levam de medidois a quatro camentosos capazes de ainterferir na sua progressão –A osmaioso das pessoas com doenças raras cuida- anos para receber diagnóstico. dos e tratamentomedicamentos e solucione os principais ria – dasmas doenças raras tem origem gechamados órfãos o custo elevado obstáculos que enfrentam hoje no sistema nética, masdecisões o Brasil possui apenas 200 das drogas tem exigido dos governos políticas público de saúde. médicos geneticistas. Seriam necessáe procedimentos específicos para garantir seu forneciDurante dois anos, o estudo fez uma rios mais 1.800 para atender a demanda, mento contínuo. Entre um grupo e outro, encontram-se radiografia da assistência dispensada às de acordo com o estudo. O próprio SUS certas modalidades doenças(Sistema raras que ser pessoas com doenças raras.de Dificuldade Únicopodem de Saúde) nãotracobre os Em 2004, o Ministério da Saúde criou um grupo de trabalho com o intuito de sistematizar uma proposta de Política Nacional de Atenção à Genética Clínica no SUS. A proposta chegou a ser elaborada, mas não foi levada adiante. testes genéticos que ajudariam a apres- os protocolos clínicos do Ministério da de cinco anos mais tarde, sar oCerca diagnóstico. Saúde. foi instituída a Política Nacionaldede IntegralDos à Genética 18 protocolos Clínica clínicos emcujos anda“Precisamos umaAtenção política de atenção que defina o queembora são doenças raras, mento,um apenas um, para da resultados, constituam avanço, sãotratamento consideidentifique as que existem no Brasil, prioDoença de Gaucher, oferece medicamenrados insuficientes por especialistas do setor. rize e estabeleça os mecanismos para uma to órfão. Os outros tratam os pacientes assistência integrada”, defende Antônio com remédios queleve apenasem atenuam os sinA falta de uma perspectiva ampla, que conta as tomas. Hoje existem 14 drogas órfãs que, Britto,especificidades presidente-executivo da Interfarma. e ofereça respostas para as diferentes neO estudo revela que os pacientes en- embora aprovadas pela Anvisa e comerciacessidades universo envolvendo as estão doenças frentam dificuldadesdo também para oblizadas no país, fora do raras SUS. – as que não possuem tratamento; as que podem se ter no SUS os chamados medicamentos A saída encontrada pelos benefipacientes órfãos (destinados pessoas com doenpara transpore os é recorrer ciar com oatratamento dos sintomas; asobstáculos que dispõem deà ças raras). Como são de alto custo e sem justiça. Em 2011, o governo desembolsou tratamentos com medicamentos órfãos – tem sido uma tratamento similar que permita compa- R$ 167 milhões para atender 433 ações barreira que dificulta e, ás vezes, até impede, o acesso do ração de eficácia, acabam sendo barra- judiciais que determinaram a compra de paciente umase assistência dos no SUS e só aentram integrarem adequada. medicamentos órfãos. MEDICAMENTOS ÓRFÃOS, QUE INFLUENCIAM NA EVOLUÇÃO DAS DOENÇAS, SÃO BARRADOS NA REDE DO SUS Figura 1. A última década concentrou a maior parte da inclusão de programas de doenças raras. 1983 1993 1996 1998 1999 Canadá Regulamento para garantir acesso a medicamentos essenciais EUA Orphan Drug Act FDA 2000 2002 China 2010 • China:projeto projeto dede doenças raras raras • China: doenças revisão pelo Congresso está está sobsob revisão pelo Congresso Nacional doPovo. Povo. Nacional do Colômbia 2 provisões para doenças raras Ley 1392 Congreso de la República • Canadá: em2008, 2008 o parlamento • Canadá: em o parlamento Japão Orphan Drug Regulation Min. Health, Labour & Welfare Austrália Orphan Drugs Program TGA União EURO México Reg. 141/2000 EMEA 244 BIS Gen. Congress Fonte: Dossiê de doenças raras e drogas orfãs: entendendo a situação Brasileira no contexto global (IMS - Junho 2012) Regulamentações em desenvolvimento 2012 aprovou BillM-426 M-426 chamando aprovou Bill chamando o desenvolvimento de uma parapara o desenvolvimento de uma abordagemnacional nacional para o abordagem para o financiamento de medicamentos financiamento de medicamentos de doenças raras (a proposta de doenças raras (apelo proposta aguarda a aprovação Senado). aguarda a aprovação pelo Senado). • Chile:em em setembro de 2011, • Chile: setembro de 2011 um projeto de lei foi proposto e um projeto de lei foi proposto e está aguardando aprovação pelo está Congresso. aguardando aprovação pelo Congresso. Proposta inclui novos mecanismos para registro de medicamentos na Anvisa O estudo da Interfarma apresenta uma proposta para criação de uma Política Naaras.indd 7 cional para Doenças Raras. O principal desafio é articular uma rede de serviços que contemple necessidades muito diferentes: 95% das doenças raras não têm tratamento e dependem de cuidados paliativos; 3% têm tratamento para alívio dos sintomas e 2% podem se beneficiar com medicamentos órfãos, que interferem na evolução da doença. O modelo propõe duas frentes integradas de atuação: cuidados e tratamento; e medicamentos órfãos. Para organizar a assistência, prevê a criação de uma Rede Nacional de Cuidados ao Paciente com Doença Rara, composta por Unidades de Atenção Especializada e Reabilitação e Centros de Referência estaduais. A ideia é que sejam do SUS e se encarreguem da assistência básica e especializada. Em relação à incorporação das drogas órfãs no SUS, sugere a adoção de critérios de análise mais compatíveis com as doenças raras, substituindo os atuais parâmetros de custo–efetividade – uma das barreiras apontadas pelo estudo – pelo da efetividade clínica. O levantamento apresenta mecanismos para acelerar o registro de novas drogas órfãs e a disponibilização no mercado, hoje dificultados por entraves burocráticos. Uma das medidas prevê que a Anvisa dê a esses remédios prioridade de análise para concessão de registro. O estudo faz uma projeção de custos para a implementação de uma política oficial para doenças raras. Espera-se que ocorra melhora da assistência, com otimização de recursos públicos. A experiência internacional mostra, por exemplo, que o tratamento praticado em centros de referência custa 1/3 do valor da assistência em outros locais. Se adotar uma política integrada, o país poupará parte das despesas hoje destinadas às complicações das doenças. Devem diminuir ainda os custos com processos ju- diciais, seguridade social e benefícios previdenciários de pacientes e cuidadores. 04/03/2013 A maior parcela dos custos recai sobre os medicamentos. Estima-se que, com uma política oficial, mais de 5 mil pacientes poderão se beneficiar com drogas órfãs – aumento de 75% na população atendida. Para isso, serão necessários investimentos de R$ 300 milhões – 60% a mais do que o governo gasta atualmente com doenças raras. Se forem consideradas, porém, as despesas federais com medicamentos para programas especializados – no qual se inserem as doenças raras –, o desembolso aumentará apenas 8,5%. Segunda-feira, 18 de março de 2013 OS DE MARKETING O GLOBO PROJETOS DE MARKETING no Brasil Figura 2. Menos de 2% das mais de 7 mil doenças raras são tratadas por drogas órfãs, principalmente para condições oncológicas. Estimadas mais de 7.000 doenças raras Sem tratamento ~6.600 (95%) Tratamento com drogas convencionais ~250 (3,5%) Tratadas com drogas órfãs ~131 (1,8%) Indicações terapêuticas de drogas órfãs nos EUA 13 Neurológicas 12% Metabólicas 12% Cardio e Respiratória 51% Oncológicas 13% Imunológicas Fonte: Dossiê de doenças raras e drogas entendendo situação brasileira no contextoBrasileira global (IMSno Health – Junho de 2012) Fonte: Dossiê de doenças raras orfãs: e drogas orfãs:aentendendo a situação contexto global (IMS - Junho 2012) 5 MS promete para breve anúncio da criação de uma politica nacional os sintomas. Nesses casos, o medicamento, apesar de ministrado no cuidado de um paciente com doença rara, milhões nãode é considerado um medicamento órfão. pessoas têm algum tipo de doença rara no Brasil O Ministério da saúde deve anun- trados a pacientes quando não houver ciar, nos próximos dias, a criação de outro tratamento disponível. uma Política de Atenção às Pessoas A diretora da Comissão Nacional com Doenças Raras. Segundo o dire- de Incorporação de Tecnologias no tor-presidente da Agência Nacional de SUS (CONITEC), Clarice Petramale, Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu explicou que, além da questão orçaBarbano, o programa deve estrutu- mentária, a inclusão de drogas órfãs rar uma rede de centros de referência no SUS depende da análise do impacem vários pontos do país e identificar to logístico que poderão causar. “Não os exames diagnósticos e tratamen- é suficiente apenas aprovar uma metos que serão incorporados no sistema dicação. Precisamos saber se daremos Prestar assistência adequada público de saúde.aos pacientes com doenças conta de usar essa nova tecnologia dos pacientes Como resultado de consultas públide forma racional. Precisamos acomraras significa formular uma política capaz de combinar são crianças cas que estão sendo finalizadas, a An- panhar e monitorar o uso das medias duasdeprincipais da questão: trata- avaliar resultados, eficácia e com menos visa facetas deverá aprovar, ainda nocuidados primeiro ecações, semestre, duasde novas normas referenpriorizar”, mento por um lado; oferta medicamentos órfãos, por assinala. 5 anos tes a medicamentos órfãos. “Uma dará Já o presidente-executivo da Interoutro. às drogas raras prioridade no proces- farma, Antônio Britto, disse que vê com so de concessão de registro, estabele- preocupação o anúncio de uma polítiNa prática, essecendo binômio prazo requer máximo adeorganização 60 dias para de ca uma que se limitará a estruturar centros do pedido. A outra estabelecede referência, sem oferecer opções para rede de serviçosanálise que mescle tratamentos e medicamenrá novas regrascom para procedimentos uso compassivo e dea baixa possibilidade terapêutica com drotos de alto teor tecnológico acesso expandido”, afirma Barbano. gas órfãs. “Se nada for feito, as pessoas complexidade e possa as principais medicamentos O usosuprir compassivo e o acessonecessidades ex- continuarão a bater na porta da Justiça pandido permitirão que medicamentos parados obter medicamentos. Nossa tarefa dos pacientes: diagnóstico preciso e precoce – um aprovados no novos e promissores, em processo de é encontrar mecanismos sensatos para grandes enfrentados por sejam essasminispessoas;viabilizar pro- essa questão”, completou. país estão foraproblemas desenvolvimento clínico, 3. O cenário no Brasil 75% 14 da lista do SUS qualificados – há um déficit de conhecimento fissionais médico e científico acerca dessas doenças; infraestrutura condizente com as diferentes necessidades de saúde dos pacientes; acesso a medicamentos e acompanhamento dos tratamentos ministrados. 25 % 12% DOENÇAS RARAS IBOPE aponta peregrinação de seis meses a três anos dos pacientes O fato de o BrasilO não possuir política oficial caminho para uma um paciente com tico esquando atinge 5 anos. doença rara receber diagnóstico pode “Esses consultaram pecífica para doenças raras não significa, porém, que dados mostram a imporser demorado e impreciso. Cerca de tância de investir em capacitação promaisos de 10 pacientes não recebam cuidados e tratamento. Os 25% consultaram mais de 10 médicos fissional. Os serviços de emergência médicos até medicamentos até acabam chegando até eeles, identificar o problema 21% na re- maioria não estão preparados e mesmo entre ceberam diagnóstico errado antes da médicos não há informação. A siidentificar a por via judicial. E o SUS, de uma maneira ou de os outra, confirmação. tuação é ainda mais difícil quando as doença atende essas pessoas – porém, de forma fragmentada, Esses dados fazem parte de uma famílias vivem distantes dos grandes pesquisa pelo IBOPE de em recursos centros e precisam se deslocar para sem planejamento, comrealizada grande desperdício 2012 e apresentados pela presidente receber tratamento”, afirma Regina públicos e prejuízo para os pacientes. 300 da Associação Paulista dos Familia- Próspero. res e Amigos dos Portadores de MuSegundo ela, que teve dois filhos copolissacaridoses, Regina Próspero, com MPS, o impacto da doença na fano Seminário sobre Doenças Raras. mília é enorme. A mãe é a principal O estudo envolveu 80 mães de cuidadora e, na maioria dos casos, milhões de crianças com mucopolissacaridose precisa abandonar a profissão. A pesreais é o (MPS) e, segundo Regina Próspero, quisa indica que 78% dedicam mais investimento revela o desagaste sofrido pelas famí- de 12 horas diárias aos cuidados do Ministério dalias Saúde informa que existem atualmente em busca de assistência adequada. paciente. que oOgoverno A peregrinação dos pacientes pe“Além da rotina estafante, há o 26 protocolos clínicos ligados a doenças raras no âmbito precisará fazer las várias especialidades médicas impacto emocional, financeiro, prodo SUS – 18 elaborados já sobdeaseis égide da anova em drogas dura, em média, meses três Política fissional e nas relações sociais, já que Genética Poruma tendência ao isolamento anos. OsIntegral primeirosàsintomas sãoClínica. ob- ocorre orfãs Nacional de Atenção servados antes dos dois anos de idapara não expor a criança ou por difimeio desses protocolos, – a porta oficial de acesso à asde, mas a maioria só obtém diagnós- culdades de locomoção”, diz. Política pública por protocolo clínico sistência para doenças raras no sistema público – estariam sendo oferecidos 45 medicamentos, tratamentos 6 DOENÇAS RARAS Segunda-feira, 18 de março de 2013 O GLOBO PROJETOS DE MARKETING Via crúcis para o tratamento PACIENTES SOFREM COM FALTA DE INFORMAÇÕES, DESPREPARO DO SISTEMA DE SAÚDE E PRECONCEITO Q uase 100% dos portadores de doenças raras têm o tratamento, que inclui medicação importada e cara, custeado pelo governo. É uma verdadeira via crúcis o caminho das famílias para ter acesso aos remédios que, até hoje, apenas dão uma melhor qualidade de vida a quem nasceu com algum distúrbio genético, cujo diagnóstico é difícil e demorado. Em alguns caso, leva, pelo menos, cinco anos para ser concluído. “Depois do diagnóstico, que é sempre devastador, a família pede os medicamentos ao governo, mas ele sempre nega”, afirma Regina Próspero, presidente da Associação Paulista dos Familiares e Amigos dos Portadores de Mucopolissacaridose (APMPS). Nenhum dos 400 portadores da doença, dos 650 cadastrados no Brasil, conseguiu o direito ao tratamento de reposição enzimática (TER) sem antes recorrer à Justiça. Vencida essa etapa, os medicamentos levam, em média, de seis a oito meses para chegar. É preciso, ainda, encontrar um centro de infusão ou algum hospital disposto a receber os pacientes. “A gente percebe que, quando o portador chega ao hospital, os profissionais de saúde ficam apavorados”, diz Regina, acrescentando que, além da inexistência de uma política pública para as do- enças raras, faltam infraestrutura hospitalar e capacitação profissional. Segundo Rogério Lima, presidente da Associação MariaVitória (AMAVI), entidade que reúne pessoas portadoras de neurofibromatose e suas famílias, pacientes com essas enfermidades convivem com a falta de informação, de diagnóstico correto e de tratamento. “Para 61% das pessoas que responderam a uma enquete da AMAVI, a ausência de informações é mais preocupante que a falta de tratamento”. Por isso, a entidade firmou parceria com a Universidade de Brasília, para promover, divulgar e sensibilizar a socieda- de sobre as doenças raras. Segundo o geneticista Roberto Giugliani, é preciso investir mais na estrutura que permite o diagnóstico e o tratamento das doenças raras no Brasil. O médico, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que a instituição mantém um centro bastante especializado, mas ainda esbarra em burocracias. “Atualmente demora em torno de cinco anos para aprovar um medicamento. O Brasil tem grande potencial para o desenvolvimento de pesquisa, mas é preciso melhorar a regulamentação e aumentar o investimento.” “O avanço na formulação de políticas públicas começa na construção do conhecimento, que deve ser repassado às autoridades de saúde, para que tomem decisões acertadas. Nada melhor do que as associações de pacientes para fazer isso” Patricia Chaves Restrepo DOENÇAS RARAS Neurofibromatose (doença de von Recklinghausen) O que é – distúrbio de origem genética que afeta principalmente o sistema nervoso e a pele. Pode comprometer outros órgãos e provocar alterações ósseas, endócrinas e mentais. Até agora, foram identificados oito tipos diferentes da doença. O tipo 1, causado por mutações herdadas ou novas no cromossomo 17, resulta em disfunção de uma proteína supressora de neoplasias, conhecida como neurofibromina. Sintomas – manchas café com leite ou semelhantes às sardas nas axilas ou na região prineal; tumores benignos. Tratamento – Cirúrgico, quando as lesões aumentam de tamanho ou provocam sintomas. Mucopolissacaridose (há seis tipos com nomes variados) O que é – doença metabólica hereditária. Seu portador nasce com falta ou diminuição de algumas substâncias encontradas no organismo, as enzimas que digerem os glicosaminoglicanos (GAG). Há seis tipos da enfermidade. Sintomas – macrocefalia; hidrocefalia; deficiência mental; alterações da face; aumento do tamanho da língua; dificuldade visual e auditiva; má formação dos dentes; infecções de ouvido; rinite; atraso de crescimento; rigidez nas articulações; deformidades ósseas; compressão da medula espinhal; apnéia do sono; infecções respiratórias; insuficiência da válvula cardíaca; aumento do fígado ou do baço. Tratamento – Terapia de reposição enzimática. Na Colômbia, as pessoas portadoras de enfermidades raras também recorrem ao Judiciário para conseguir tratamento. Mas, no país vizinho, entidades representativas dos pacientes elaboraram um esboço de política pública e conseguiram aprovar a Lei 1.392/2010. Já o decreto 1.954, de 2012, estabeleceu o censo obrigatório dos pacientes, e a resolução 430, do Ministério da Saúde, definiu o universo das patologias a serem consideradas raras, de acordo com Angela Patricia Chaves Restrepo, da Federação Colombiana de Enfermidades Raras (Fecoer). Segundo ela, a regulamentação da Lei, a elaboração da lista de doenças raras e da metodologia do censo dos portadores estão sendo feitas em conjunto com pesquisadores, economistas, sociedades científicas, associações de neurologia infantil e genética, a superintendência de Saúde, a Defensoria e representantes dos pacientes. “O avanço na formulação de políticas públicas começa na construção do conhecimento, que deve ser repassado às autoridades de saúde, para que tomem decisões acertadas. Nada melhor do que as associações de pacientes para fazer isso”, afirma. Para Maria José Delgado Fagundes, diretora da Interfarma, “a experiência colombiana poderia ser ponto de partida para construção de um modelo de política para o Brasil”. Segunda-feira, 18 de março de 2013 O GLOBO PROJETOS DE MARKETING DOENÇAS RARAS 7 Diagnóstico ainda é um desafio AUSÊNCIA DE CAPACITAÇÃO E DE EXAMES COMPLEMENTARES NA REDE PÚBLICA DIFICULTAM TRATAMENTO O s médicos geneticistas são os que mais diagnosticam os casos de doenças hereditárias: 54%, de acordo com pesquisa do IBOPE. São, portanto, os mais gabaritados a sugerir uma política nacional de saúde que inclua as pessoas portadoras de doenças raras nos tratamentos gratuitos oferecidos pelo governo brasileiro. Dafne Horovitz, coordenadora clínica do Departamento de Genética Médica do Instituto Fernandes Figueira (IFF/ Fiocruz), acredita que programas de tratamento e centralização da compra dos remédios, além do acompanhamento das terapias por comitês de especialistas, levariam à economia e a uma melhor aplicação dos recursos. “Diagnóstico correto e direcionamento é o caminho mais adequado para muitas das doenças, e não necessariamente envolvem alta tecnologia e alto custo”. Segundo ela, a compra desordenada dos medicamentos é o que encarece o tratamento. “Muitos tratamentos são apenas de suporte”, lembra. A especialista sugere a criação de uma rede de serviços em clínica genética (estruturada em âmbito federal, estadual e municipal) como uma maneira de canalizar adequadamente os investimentos e estruturar os serviços já existentes em um sistema integrado e eficiente. Na sua opinião, um importante aliado do governo é a declaração de nascimento Roberto Luiz d’Ávila, presidente do Conselho Federal de Medicina, foi um dos debatedores “Diagnóstico correto e direcionamento é o caminho mais adequado, e não necessariamente envolvem alta tecnologia e alto custo” Dafne Horovitz “Muitos estão aptos para o mercado de trabalho, mas são excluídos, até mesmo do convívio social, em função da aparência física causada pelo quadro degenerativo da doença” João Gabriel Daher “É preciso dialogar com os médicos e com os pacientes para encontrar uma solução para este problema de assistência” Roberto Luiz d’Ávilla de uma criança dada pelos hospitais. Hoje, eles só registram se há ou não alguma má formação congênita no nascituro. “Um campo aberto para a descrição e a classificação de todos os defeitos observados, de acordo com a CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), poderia fornecer um registro bastante completo da anomalia”, afirma. A prevenção também deve ser abordada, de acordo com Dafne Horovitz, porque em muitas situações a detecção precoce de doenças é a única forma de impedir o nascimento de uma criança afetada. João Gabriel Daher, médico do Instituto da Criança da UFRJ e do Hospital de Itaocara, também acredita ser necessária uma política de saúde pública que garanta uma rede de diagnóstico eficiente nos centros de referência equitativamente distribuídos nas diversas regiões do País.“Eles deveriam integrar uma rede de serviços, dentro da estrutura do próprio sistema de saúde“, assinala. O especialista, que atende cerca de 50 pacientes por mês acometidos de neurofibromatose, afirma que os médicos trabalham com estimativas sobre a doença, que afetaria, no caso do tipo 1, um individuo a cada 2.500 nascimentos. Atualmente, o único tratamento é o acompanhamento ou a cirurgia dos tumores decorrentes da doenças, que têm uma chance de 2% a 5% de se tornaram malignos. “Nos Estados Unidos, há medicamentos, em fase de estudos, considerados promissores para o tratamento dos tumores”, informa. De acordo com o médico, as maiores dificuldades encontradas pelos pacientes são a falta de médicos capacitados, a falta de exames complementares públicos para o diagnóstico, a escassez de centros de referência e a ausência de tratamentos efetivos. Assinala que os pacientes não possuem qualquer amparo legal. “Muitos estão aptos e capacitados para o mercado de trabalho, mas são excluídos e discriminados até mesmo do convívio social, em função da aparência física, causada pelo quadro degenerativo da doença”, enfatiza. Por isso, o médico, junto com alguns dos seus pacientes, procurou a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro para discutir uma lei que ampare as pessoas portadoras. O ex-jogador e deputado estadual Bebeto (PDT-RJ) abraçou a ideia e criou o Projeto de Lei 649/2011, que inclui estes doentes como pessoas portadoras de necessidades especiais. Ela deve ser votada e aprovada ainda este ano. O médico Roberto Luiz d’Ávilla, presidente do Conselho Federal de Medicina, diz que as doenças raras são uma questão de política pública. “Saúde é um direito garantido pela Constituição Brasileira”, diz. Na sua avaliação, o assunto tem sido relegado a segundo plano por conta da baixa incidência dos problemas de saúde relacionados. “É preciso dialogar com os médicos e com os pacientes para encontrar uma solução para este problema de assistência”, conclui. 8 DOENÇAS RARAS Segunda-feira, 18 de março de 2013 O GLOBO PROJETOS DE MARKETING Parlamentares se mobilizam RELATOR DOS CINCO PROJETOS EM TRAMITAÇÃO NA CÂMARA PROMETE CONCLUIR TRABALHOS EM ATÉ 90 DIAS A falta de uma política governamental para o amparo das pessoas portadoras de doenças raras não afeta apenas os doentes. Toda a sociedade é atingida pela ausência de uma lei específica. O motivo é, principalmente, o que se chama de judicialização: como não conseguem atendimento pelas vias normais, os pacientes recorrem a ações judiciais, na maioria das vezes em caráter de emergência, para garantir que o governo se responsabilize pelos cuidados e medicamentos caros de que precisam. O estudo da IMS Health, encomendado pela Interfarma, demonstra que, se o Brasil adotar uma política nacional de doenças raras (contemplando parte das enfermidades mais comuns), o aumento no gasto atual anual será de R$ 300 milhões – um impacto financeiro de 8,5% nos R$ 3,5 bilhões gastos atualmente por ano. O que é mais surpreendente é o alcance: haveria um aumento de 75% nos pacientes atendidos, atingindo 5 mil doentes. Esses números, embora oficiais, podem não representar os verdadeiros gastos do governo, já que mostram apenas o que é usado para pagar por medicamentos. Seria preciso adicionar custos periféricos (como os judiciais, solicitados por pacientes que impetram ações pedindo atendimento) para obtenção de um retrato real. Dafne Horovitz, coordenadora clínica do Departamento de Genética Médica do Instituto Fernandes Figueira (IFF/ Fiocruz), está no grupo de trabalho que estuda o desenvolvimento de uma política de doenças raras. Ela é mais uma dos que defendem o cui- dado global ao paciente, não apenas medicamentoso. “Estou muito satisfeita porque todos estão falando a mesma língua”, comemorou, durante o Seminário sobre Doenças Raras. “Hoje, sem uma política específica, o custo é alto e o atendimento, deficiente. O que esperamos com a implantação de uma política é que haja melhores práticas, racionalidade em relação ao acesso e atenção integral, indo do básico ao complexo”, disse. A criação de uma lei passa pelas mãos dos parlamentares e vários deles têm propostas tramitando nas casas legislativas federais. Os deputados Mara Gabrilli (PSDB-SP), Jean Wyllys (PSOL -RJ) e Romário (PSB-RJ) são alguns dos que colocaram suas ideias no papel na tentativa de beneficiar os portadores de doenças raras. Mara, a primeira deputada federal tetraplégica do país, sugeriu o Projeto de Lei 4815/2012. Ele institui o serviço do cuidador para pessoas com deficiência severa ou doenças raras com grande restrição de movimentos, com o objetivo de garantir sua autonomia e independência pessoal. “O tratamento de uma doença assim é complexo e caro. Por isso, não estamos falando apenas de remédio, mas de todo o entorno de acessibilidade e de dignidade do paciente”, diz Mara, que sabe o quão fundamental é a presença de um cuidador para um doente nessas condições. Das mãos do deputado Romário saiu o PL 4411/2012, para simplificar o processo de importação de mercadorias destinadas à pesquisa científica e tecnológica. “Sei exatamente quais são as necessidades que essas pessoas passam e estou realmente Seminãrio contou com parlamentares que têm projetos em tramitação no Congresso Nacional disposto a fazer algo por elas.” Do gabinete de Jean Wyllys, saiu o PL 2669/2011, que trata de diretrizes para o tratamento de doenças raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda durante sua campanha política, o deputado conheceu uma pessoa portadora de doença rara. “Era um menino e a doença o fazia praticar autocanibalismo, além de afetar sua estrutura cognitiva. Os pais da criança dedicavam quase todo o seu tempo a cuidar do filho e isso levou a um empobrecimento daquela família.” Já eleito, Jean recebeu a visita de representantes da AMAVI, que pediram que o tema das doenças raras fosse incluído na agenda do deputado. “O desafio foi redigir um projeto que contemplasse todas as doenças raras.” Na Câmara Federal, cinco projetos relacionados ao tema das doenças raras estão sob a responsabilidade do deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS). “Meu objetivo é relatá-los em um prazo máximo de 60 a 90 dias”, avisa. O deputado conta, ainda, que está participando de uma comissão especial, criada há 15 dias na Câmara.“Vamos voltar a discutir o financiamento da saúde”, adianta. No Senado, quem se destaca na defesa dessa bandeira é o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). O parlamentar tem dois projetos em tramitação: PL 159/2011 (que nomeia o último dia de fevereiro como o Dia da Doença Rara) e PL 231/2012 (que cria o Fundo Nacional de Pesquisas relacionadas a Doenças Raras).