Alimentação
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Comer em Família: Será que os Pais
têm uma Prática Saudável à Mesa?
Claudia Cozer – Doutora em Endocrinologia
pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo; membro da Diretoria da ABESO.
Fernanda Pisciolaro – Nutricionista
do Ambulatório de Transtorno Alimentar
(Ambulim) do Hospital das Clínicas da FMUSP;
membro do Departamento de Psiquiatria e
Transtornos Alimentares da ABESO.
V
ários fatores estão envolvidos na formação de hábitos
alimentares e, dentre eles,
a influência da família é de grande
importância. As refeições em família são momentos em que os membros se sentam juntos e aproveitam
a refeição, mantendo uma socialização, um bom diálogo e trocando
experiências. Entretanto, esse não é
um momento adequado para que
o assunto esteja voltado para a alimentação. Alguns comentários dos
pais sobre peso, tipo de alimentação
e comportamentos ligados à forma
de se alimentar ou ao corpo podem
contribuir para o desenvolvimento
de desordens alimentares em crian-
ças e adolescentes.
Muitas vezes, esses pais adotam
estratégias contraprodutivas à mesa.
Pesquisas indicam que exercer excessivo controle sobre o quê e quanto
é consumido pode contribuir para
o sobrepeso da criança e desenvolvimento de sintomas de transtornos
alimentares, como insatisfação corporal, compulsão alimentar e atitudes inadequadas em busca da perda de peso. Algumas restrições e autoimposições parecem ter um efeito rebote, resultando em compulsão
alimentar, a qual pode associar-se a
consequências psicológicas, como
perda da autoestima, mudança de
humor e devemos adotar particular
interesse nas mães, uma vez que elas
passam mais tempo em interação direta com os filhos. Sabe-se que mães
que exercem um alto grau de controle sobre a alimentação de seus filhos criam crianças que demonstram
menor habilidade para regular sua
ingestão alimentar, não tendo mui-
tas vezes controle sobre seus excessos, e podendo indiretamente forçar o desenvolvimento de excesso de
peso da criança. Da mesma forma,
mães que são preocupadas com seu
próprio peso e com o quanto consomem de calorias, acabam restringindo mais a alimentação de suas filhas,
encorajando-as a perder peso, atitude muitas vezes não saudável para
essa fase de vida de crescimento e desenvolvimento.
Os pais devem criar um ambiente adequado para que os filhos possam desenvolver comportamentos
alimentares e de peso saudáveis. Entretanto, algumas condutas podem
promover o inverso. Quanto mais se
conversa sobre peso ideal e suas próprias medidas corporais, sobre controle alimentar e hábitos do filho à
mesa, preferências alimentares saudáveis ou não, de forma a categorizar
os alimentos em “bons” ou “ruins”,
“proibidos” ou “permitidos”, maior
é a associação com a presença de disagosto 2012 – ABESO 58 – 15
túrbios alimentares e corporais nos
filhos.
O desenvolvimento das preferências alimentares das crianças envolve um mecanismo complexo sobre o
qual fatores inatos, familiares e ambientais interagem. Os pais têm um
papel essencial no desenvolvimento
das preferências alimentares de seus
filhos e na sua ingestão de energia
- não apenas pelos alimentos que
tornam acessíveis, mas também por
seu próprio estilo de alimentação. A
imposição do hipercontrole dos pais
pode aumentar a preferência por alimentos densos em energia e ricos em
gordura, limitar a aceitação de alimentos mais variados por parte da
criança e interromper a regulação
da ingestão energética em resposta
às sensações internas de fome e saciedade. Essa imposição pode ocorrer quando pais bem intencionados,
porém preocupados, assumem que
seus filhos precisam de ajuda para
determinar o quê, quando e o quanto devem comer e quando os pais
impõem práticas alimentares, sem
oferecer às crianças a oportunidade
do autocontrole.
As refeições em família, por representarem a união familiar e a
base interativa entre os indivíduos,
podem ter impacto preventivo não
apenas nos hábitos alimentares e
obesidade, mas em outras questões
como abuso de cigarro, álcool e outras drogas, desempenho escolar e
até início precoce da atividade sexual. A importância desses momentos
prazerosos em família está no fato de
que esses hábitos alimentares adquiridos na infância persistem na vida
adulta.
Alguns trabalhos analisaram que
as refeições em família estavam associadas com melhores hábitos alimentares (geralmente esses jovens
comiam mais frutas, vegetais e grãos;
bebiam menos refrigerantes); menor
IMC e menor propensão ao sobrepeso; menor consumo de álcool, cigarro e drogas (uma vez que fornecem oportunidade para um contato
de base com os filhos regularmente); melhores notas na escola; menores taxas de depressão e menos
pensamentos suicidas e de comportamentos desordenados de alimentação (9% das meninas que tinham
refeições em família cinco ou mais
vezes na semana tiveram comportamentos extremos para controle de
peso, comparado com 18% das que
Leituras Recomendadas
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2.
tinham menos de cinco refeições/semana).
As refeições em família podem
ter, portanto, um efeito protetor
contra os transtornos alimentares.
Possivelmente isso se dê por oferecer a oportunidade aos pais de serem
modelo de padrões alimentares saudáveis e fornecer alimentos saudáveis, e também porque, se não fazem
as refeições em conjunto, os pais podem não ter a chance de perceber o
início de um transtorno alimentar.
As análises estatísticas provaram que
as refeições em família têm impacto
em todos estes fatores, independentemente da relação entre os membros da família (do quanto eram conectados).
As recomendações que sugerimos para mudança da rotina em
casa são de aumentar a frequência das refeições em família (buscar
pelo menos 3-4 refeições em conjunto por semana), fazer com que
esses momentos sejam de qualidade e prazerosos, evitar comentários
a respeito de peso e discussões sobre como ou quanto os outros estão
comendo e oferecer uma variedade
de alimentos e opções que possam
agradar a todos. c
16 – ABESO 58 – agosto 2012
5.
tors. Appetite 2007, 49: 476-485
7.
- Estima CCP; Leal GVS; Alvarenga M; Philli-
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