UM ESTUDO DE CASO DA INTERAÇÃO ENTRE A CONVECÇÃO NO PACÍFICO OESTE E A AMÉRICA DO SUL Edilson Marton* e Pedro Leite da Silva Dias Departamento de Ciências Atmosféricas – IAG/USP ABSTRACT This article discusses the hypothesis of a connection between Central Pacific and South America through a tropical wavetrain. With this purpose, the kinetic energy equation, on its barotropic and baroclinic components, is applied to a two-level model. 1 – Introdução A atividade convectiva na região tropical exerce papel significativo na circulação atmosférica, provocando alterações nas mais variadas escalas de tempo e espaço, tanto localmente quanto do ponto de vista das teleconexões. Grimm e Silva Dias (1995), mostraram que a zona de convergência do Pacífico Sul (ZCPS) exerce importante influência, via subtrópicos, sobre a zona de convergência do Atlântico Sul (ZCAS), no verão do Hemisfério Sul. Existe também suporte observacional desta interação do ponto de vista da variabilidade intrasazonal, (Casarin e Kousky, 1986). Parece haver também uma ligação entre o Pacífico e a América do Sul via trópicos. Esta conexão aparece no trabalho de Hurrel e Vincent (1987), onde o fluxo de energia cinética em 200 hPa é máximo na longitude 115°W, próximo ao equador. Segundo os autores, a ZCPS pode estar ajudando na manutenção da ZCAS através dessa transferência de energia cinética. Uma questão que ainda não foi investigada é justamente a natureza barotrópica/baroclínica dessa transferência de energia. Sabe-se que a estrutura vertical da atmosfera é predominantemente baroclínica nos trópicos e barotrópica em latitudes mais altas (Silva Dias e Bonatti, 1985) e que o cisalhamento vertical do vento é fundamental na conversão de energia entre modos verticais (Kasahara e Silva Dias, 1986). O objetivo desse trabalho é explorar a conexão entre a região da ZCPS e da ZCAS do ponto de vista barotrópico/baroclínico. 2 – Metodologia A equação da energia cinética, dividida nas componentes barotrópica e baroclínica, é aplicada num modelo de dois níveis. A componente barotrópica de qualquer variável é dada pela integral vertical média e a componente baroclínica é a diferença entre o campo total e o valor médio calculado. São utilizados dados diários de vento e de altura geopotencial nos níveis de 850 e 200 hPa da reanálise do NCEP para os meses de Janeiro e Fevereiro de 1986. As componentes barotrópica e baroclínica integradas na vertical ficam na seguinte forma (Wiin-Nielsen e Chen, 1993): ∂ Km 1 =− ∂t g ∂ Ks 1 =− ∂t g 1 ∇ • Vm K dp − g 0 B(Km) ∫ 1 ∇ • Vs K dp − g B(Ks) P0 ∫ ∫ P0 P0 0 ( ) ( ) P0 0 ∫ 0 [ k • (V × V )ς + (V • V )∇ • V ]dp + Re ∫ 1 Vm • ∇φ m dp − g G(Km) 1 Vs • ∇φ s dp + g G(Ks) P0 s m s s m s (1) 0 C(Ks,Km) [ k • (V × V )ς + (V • V )∇ • V ]dp + Re ∫ P0 s m s s m s (2) 0 -C(Ks,Km) 1 Vm • Vm , K s = K − K m e K é a energia cinética total integrada na vertical. Os 2 subescritos m e s representam as componestes barotrópica e baroclínica, respectivamente. As condições de contorno ω = 0 em P = 0 e P = P0 são aplicadas nas equações acima, onde ω é a velocidade vertical em coordenada de pressão e P0 = 1000 hPa. O termo G(K) é a geração de energia onde K m = ( ) cinética devido ao vento que cruza as linhas de geopotencial, B(K) é a divergência do fluxo de energia cinética, C(Ks,Km) é o termo que converte energia cinética baroclínica em barotrópica e Re é o resíduo da equação. Por uma questão de simplicidade, somente a equação (1) será discutida a seguir. 3 – Resultados O campo médio de radiação de onda longa emitida (ROLE) no período de janeiro a fevereiro de 1986 (figura não mostrada) destaca a convecção na região tropical na Indonésia e Amazônia e também suas extensões subtropicais, ZCPS e ZCAS, respectivamente. A figura 1 mostra a variação temporal da ROLE através de uma seção longitudinal de uma faixa de 10 graus de latitude (5°-15°S, figura 1a e 25°-35°S, figura 1b). A convecção na região da Indonésia (120°E-180°) e na Amazônia (por volta de 60°W) são marcantes na figura 1a. Nota-se que na Amazônia a convecção praticamente não muda de posição mas sua intensidade é modulada com período de aproximadamente 15 dias. Por outro lado, na região da Indonésia ocorre um deslocamento da convecção para leste, atingindo a longitude de 130°W no início de fevereiro e recuando para oeste no final do período. A parte subtropical da ZCPS e da ZCAS pode ser observada na figura 1b por volta de 140°W e 30°W, respectivamente. Ao contrário da figura 1a, a convecção nas zonas de convergência não se apresenta de forma contínua no tempo. Isso é resultado da própria ondulação e realimentação das zonas de convergência por sistemas frontais. A ZCAS tem uma característica pouco mais transiente que a ZCPS neste período, com velocidade de fase da ordem de 7 graus de longitude por dia enquanto que a velocidade de fase na ZCPS é da ordem de 10 graus por dia. Explorando mais detalhadamente a figura 1a, nota-se uma intensificação da convecção entre os dias 14 e 26 de janeiro (por volta de 140°E), seguido de um deslocamento para leste, atingindo 120°W no dia 11 de fevereiro. A seguir será discutido uma possível ligação entre a intensidade e posicionamento da convecção na região da Indonésia e da ZCPS com a excitação de um trem de ondas, via trópicos, que se desloca do Pacífico Central para o sul da América do Sul. Possivelmente relacionado a este fato está a excitação de um trem de ondas via trópicos que faz uma ligação entre a parte tropical da ZCPS e o sul da América do Sul. A variação diária da divergência do fluxo de energia cinética barotrópica (termo B(Km)) mostra que esse trem de ondas é mais evidente entre os dias 12/01 a 12/02, desaparecendo quase que totalmente no final do período. As figuras 2a e 2b evidenciam essas duas fases, mostrando médias de 15 dias para o termo B(Km). A variação temporal deste termo revela sua importância em função da latitude. A figura 3a mostra que, na região tropical, B(Km) é mais importante por volta de 120°W, onde existe um jato de oeste em 200 hPa (que será discutido com mais detalhes na figura 3c). Nos subtrópicos, B(Km) é praticamente nulo por volta de 120°W e bastante importante no Pacífico Oeste e Leste (figura não mostrada). A razão para essa diferença é que existe uma bifurcação por volta de 160°W do trem de ondas que se desloca do Pacífico em direção à América do Sul (ver figura 2a), caracterizando um ramo equatorial e outro de latitudes mais altas. O primeiro está associado ao jato tropical de oeste em 200 hPa por volta de 120W° e o segundo ao jato subtropical. Outro fato relevante é que a propagação de ondas nos subtrópicos ocorre em toda a extensão longitudinal somente no início e final do período, quando a convecção na região da Indonésia é menos intensa e recuada para oeste. O termo de geração G(Km) está em balanço aproximado com B(Km). Isso mostra que onde existe convergência do fluxo de energia cinética barotrópica, existe também a dissipação da mesma (e vice-versa). A conversão de energia cinética barotrópica em baroclínica mostra que na região tropical o termo C(Ks,Km) é mais importante na faixa de longitude 120°-140°W (figura 3b). Entretanto, C(Ks,Km) é menos importante que os demais termos da equação, mostrando que a conversão do modo baroclínico para barotrópico não é o dominante nesta região. Em latitudes mais altas a conversão passa a ser igualmente importante aos outros termos da equação. A componente zonal do vento em 200 hPa na região tropical é mostrada na figura 3c. Nota-se uma alternância leste/oeste na direção do vento e com máximos de oeste por volta de 120°W e 20°W. Esta primeira região caracteriza-se por um acúmulo de energia cinética (Hurrel e Vincent, 1987) e é exatamente onde os termos B(Km), G(Km) e C(Ks,Km) são máximos. Outro fato muito interessante é a relação existente entre a ROLE (figura 1a) e este campo de vento. Quando a convecção se intensifica e posteriormente se desloca para leste (entre os dias 14/01 e 16/02) ocorre também uma intensificação do vento zonal em 120°W. Depois do dia 16/02 a convecção enfraquece e recua para oeste e os ventos de oeste também se enfraquecem. O mesmo fato acontece com os ventos de oeste na região do cavado do nordeste do Brasil (por volta de 20°W), porém para um intervalo de tempo mais restrito, que vai do dia 11/01 a 06/02. Esta variação temporal na intensidade dos ventos de oeste em 200 hPa pode estar relacionada com a geração de onda de Kelvin pela convecção tropical (Silva Dias et al., 1983). A atividade convectiva na região da Indonésia e na parte tropical da ZCPS parece influenciar não somente os ventos no Pacífico Equatorial Central mas também o cavado do nordeste do Brasil (também sugerido por Grimm,1992). Então, o quadro geral da análise é uma inter-relação entre a convecção na Indonésia e na parte tropical da ZCPS (quanto a intensidade e posicionamento), a região da ZCAS (através dos trens de ondas via trópicos e latitudes mais altas) e cavado do Nordeste. Uma análise do campo de vento em 200 hPa (figura não mostrada) revela indícios de que o jato tropical de oeste em 120°W e o cavado do nordeste do Brasil sofrem influência do jato subtropical do Hemisfério Norte, o que possibilita uma interação inter-hemisférica favorecida pelos ventos de oeste. Existe forte indício de conexão inter-hemisférica no período analisado e este fato também é respaldado pelo recente trabalho de Kiladis (1998). No entanto, este ponto precisa ser melhor investigado, no que se refere ao período em estudo. O estudo de outros períodos se faz necessário para a confirmação dos vários indícios de conexão (hemisférica e inter-hemisférica) entre o Pacífico e América do Sul. O modelo diagnóstico de dois níveis é uma ferramenta simples e eficiente para tal estudo, entretanto o resíduo da equação é da mesma ordem de magnitude dos demais termos. Isso mostra que a análise deve ser cautelosa e apenas qualitativa. Para que se faça análise quantitativa, a estrutura vertical da atmosfera tem que ser melhor descrita e este fato deve minimizar o resíduo. Referências Bibliográficas CASARIN, D. P. , V. E. KOUSKY, 1986. Anomalias de Precipitação no Sul do Brasil e Variações na Circulação Atmosférica. Rev. Bras. Meteor., 1, 83-90. GRIMM, A. M., 1992. Influência Remota de Fontes Tropicais Anômalas de Calor. Tese de Doutoramento – Dpto. Ciências Atmosféricas – IAG/USP, 216 pp. GRIMM, A. M., P. L. SILVA DIAS, 1995. Analysis of Tropical-Extratropical Interactions with Influence Functions of a Barotropic Model. J. Atmos. Sci., 52 (20), 3538-3555. HURRELL, J. W., D. G. VINCENT, 1987. Significance of the South Pacific Convergence Zone (SPCZ) in the Energy Budget of the Southern Hemisphere Tropics. Mon. Wea. Rev., 115, 17971801. KASAHARA, A. , P. L. SILVA DIAS, 1986. Response of Planetary Waves to Stationary Tropical Heating in a Global Atmosphere with Meridional and Vertical Shear. J. Atmos. Sci., 43 (18), 1893-1911. KILADIS, G. N., 1998. Observations of Rossby Waves Linked to Convection over the Eastern Tropical Pacific. J. Atmos. Sci., 55, 321-339. SILVA DIAS, P. L., W. H. SCHUBERT, M. DeMARIA, 1983. Large-Sacale Response of the Tropical Atmosphere to Transient Convection. J. Atmos. Sci., 40, 2689-2707. SILVA DIAS P. L. , J. P. BONATTI, 1985. A preliminary Study of the Observed Vertical Mode Structure of the Summer Circulation Over Tropical South America. Tellus, (37A), 185-195. WIIN-NIELSEN A., T.-C. CHEN, 1993. Fundamentals of Atmospheric Energetics. Oxford University Press, Inc., New York, 376 pp. (a) (b) Fig. 1 - Variação temporal da ROLE, mediada numa faixa de 10 graus de latitude (5-15S Fig 1a e 2535S Fig 1b). O valor máximo dos contornos é de 240W/m2. (a) (b) Fig 2 - Média do termo B(Km) nos períodos 29/01-12/02, Fig. 2a e 14/02-28/02, Fig. 2b (a) (b) (c) Fig. 3 - Variação temporal dos termos (a) B(Km), (b) C(Ks,Km) e (c) componente zonal do vento em 200 hPa. Todos os campos foram mediados na faixa de latitude de 5-15S.