SEGURANÇA URBANA: AUTORIDADES E INEFICIÊNCIA - 16 QUEM DÁ O DELINQÜENTE À LUZ? Aristoteles Rodrigues Professor e Psicólogo, Mestre em Ciência da Religião. Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da UFJF. [email protected] Um amigo manda uma pergunta indignada, pela Internet: “você já foi ameaçado por um galalau de 16 anos repetindo a toda hora, eu sô di menó, eu sô di menó?” A estultícia de quem deve combater o crime, em nome da nação e do Estado, certamente não se constitui em novidade: vale pensar na origem do criminoso e não na origem do crime (este não pode existir sem aquele). Temos um sujeito típico: o sujeito que nasceu preto, pobre, periférico não precisa ser negro puro, pode ser mulato claro ou escuro - afro-brasileiro, como gostam de dizer - já pode, hoje, concluir o ensino fundamental; com freqüência, até o ensino médio. E, durante a formação, pode ter uma ocupação. Depois, pode aspirar um emprego melhor, como vendedor de sapatos, caixa de supermercado, talvez gari. Então, vamos ao primeiro cenário: usará tênis Nike falsos, cópias de camisetas de grifes e comerá em restaurantes de R$1,00, além de preferir comprar em farmácias de R$1,00, pegar filas do SUS, desde as 4h da manhã. Dividirá o ônibus ou os trens suburbanos com mais pessoas do que o espaço permite, ficará feliz por poder encostar atrás de uma mulher desconhecida e ficar excitado, sem chegar a lugar algum. Por volta de 30 anos de idade, usará dentes postiços mal feitos. Aos domingos, com a patroa e os filhos, freqüentará uma igreja; jogará futebol aos sábados, após o que beberá algumas cervejas (algumas doses de cachaça?) com os amigos, irá para casa e terá relação sexual com a esposa. Eventualmente, conseguirá sexo de graça com outra mulher, conhecida no trabalho ou na rua. Segundafeira, voltará ao trabalho. Se for empregado da iniciativa privada, fará periódicos acordos com o chefe, para ser demitido e resgatar o fundo de garantia. Aposentar-se-á por volta dos 60 anos e tornar-se-á levemente alcoólatra, talvez alcoólatra, até morrer, por volta de 68 anos. Será enterrado em cemitério municipal, em caixão barato. Mas, e se ele não terminar nem o fundamental e arranjar um revólver, por volta de 15 anos de idade e descobrir o que já sabia (um bandido, negro, de revólver na mão, pergunta ao personagem de Sidney Poitier se ele o respeitaria sem um revólver na mão. Sidney demora a responder que não, não o respeitaria sem um revólver na mão; está meio assustado, mas não mente. O bandido gargalha, um pouco histérico, gira em torno de si mesmo e volta-se para o cúmplice: “Eu não falei? Eu não falei? Eu tinha certeza de que ele não me respeitaria, sem o revólver!”)? Com um revólver, nosso sujeito merece o respeito de cada um e de todos. Arranja dinheiro. Arranja mulheres. Roupas e tênis de grife. Come bem. Bebe bem. Vai a todos os bailes que quiser. Se o dinheiro acabar, arranja mais. Talvez até compre uma casa para seus pais. Por volta dos 22 anos, morrerá, de bala de alguma gangue, da polícia, de algum inimigo. Vamos ao segundo cenário: o mesmo sujeito vira avião de alguém, na favela. Ganhará uns quatro salários mínimos, no ingresso. Ganhará mulheres, às pencas. Usará tênis Nike, legítimos. Irá a todos os bailes que quiser. Fará alguns filhos, por inadvertência, mas as cachorras cuidarão deles, com orgulho: o pai é temido. Terá roupas de grife, dentista, dinheiro para ajudar os pais, os irmãos, talvez até compre uma casa para eles. Por volta dos 22 anos, morrerá, de bala de outra gangue, da polícia, de algum inimigo. Ainda há um terceiro cenário: Cartola tem uma letra pungente, em O Mundo é um moinho (“Ainda é cedo, amor, mal começaste a conhece a vida, já anuncias a hora da partida, sem saber mesmo o rumo que irás tomar“). Quando se sabe a história, a letra torna-se patética: sua filha saía de casa, para tornar-se prostituta e ele tentava impedi-la. Não conseguiu. Se ela se tornar avião, ou tiver um revólver, não precisa sair de casa para tornar-se prostituta e ainda por dar uma força para os velhos, além de usar perfumes franceses não alternativos, material de primeira para maquiagem, usar roupas de grife, daquelas que podem revelar o quanto seu corpo é gostoso. Pode até vir a ser chamada de “quebra-barraco”, elogio supremo. É este o momento para lembrar Mussolini e sua frase emblemática sobre ser melhor viver um dia de leão do que uma vida de cordeiro e perguntar a si mesmo qual seria sua opção, no lugar de um desses personagens. O caminho passa, então, por criar condições para que ele prefira uma vida de cordeiro, desde que não signifique aquela desgraça acima descrita, porque senão é pedir-lhe demais. Por que não se buscaram essas condições? Talvez porque minha análise seja vazia e tola, talvez porque quem pense nas condições seja vazio e tolo.