ESTADOS CONSCIENCIAIS INDUZIDOS POR ENTEÓGENOS Sabe-se que estados incomuns de consciência podem ser induzidos por substâncias que alteram a cognição e a percepção sensorial. Segundo Strassman (2001, p.21), o uso dessas substâncias na forma de plantas e cogumelos é mais antigo que a história escrita, e provavelmente anterior ao aparecimento da espécie do homem moderno. Ronald Siegel e Terence McKenna sugerem que nossos ancestrais imitavam os animais, ingerindo substância que lhes causavam alteração de comportamento, e que estas substâncias formaram a base de uma percepção primitiva da experiência religiosa. Na Europa havia pouco interesse e acesso a esse tipo de substância até o século XIX. Alguns autores, citados por Strassman, descrevem suas próprias experiências com substâncias como o ópio e o haxixe, mas as quantidades necessárias para um efeito psicodélico eram altas e perigosas, muitas vezes causando intoxicação e morte. Com a descoberta da mescalina, por volta de 1890, uma substância presente no peiote, um cacto originário das Américas, o cenário começou a mudar, e abriram-se novas portas para o uso e a investigação dos estados alterados de consciência com o emprego dos psicoativos. Os pajés e xamãs das diversas religiões sempre usaram algum tipo de planta de poder em seus rituais para entrarem em estado alterado de consciência. Algumas dessas bebidas sacramentais - como o soma e o haoma -, foram usadas respectivamente no subcontinente indiano no período de composição dos Vedas, e no vale da mesopotâmia pelos zoroastristas, por volta de dois milênios antes da era moderna. Segundo Wasson (Wasson, apud, Shanon, 2002), o sacramento denominado soma seria uma infusão do cogumelo 'Amanita Muscaria', enquanto o haoma seria uma infusão de uma planta denominada 'Peganum Harmala'. Mas Flattery e Schwartz (1989) sugerem que a bebida Soma também possa conter uma infusão de Peganum Harmala e não somente do cogumelo Amanita Muscaria. De fato, pouco se sabe sobre a composição destas bebidas, por que seu preparo nunca foi descrito com exatidão, e resíduos nunca foram encontrados para análise química. A Amanita muscaria foi o enteógeno do mundo antigo. As citações sobre o Soma no Rig Veda são consistentes com esta leitura, e algumas se encaixam na Amarita muscaria como uma luva (Wasson et all., 1986, p. 33). Shanon (2008) sugere que os enteógenos também foram usados no período bíblico. Na região árida da península do Sinai, ao sul de Israel, crescem duas plantas enteógenas; uma é a já mencionada Peganum Harmala, e a outra é a Mimosa Hostilis, que no Brasil é conhecida como Jurema Preta, e usada por índios nas cerimônias de pajelança. Esta hipótese é baseada em uma revisão de textos do antigo testamento ligados a vida de Moisés.1 LSD 25 2 3 Fig. 3.2 No século XX, o uso de substâncias psicoativas foi amplamente divulgado nos livros de Aldous Huxley e Carlos Castaneda. Huxley no livro “As Portas da Percepção”, escrito em 1954, descreve suas experiências com a mescalina, e Castaneda em 1968 publica a “Erva do Diabo”4, um livro no qual descreve suas experiências com Dom Juan Marcus, um xamã da tribo Yaqui, do deserto de Sonora no México, que o introduziu nos rituais xamãnicos com o uso do peyote. Na mesma época Albert Hofmann, um químico do Laboratório Sandoz, na Suiça, pesquisava várias substâncias psicoativas, como a psilocibina - o princípio ativo de alguns cogumelos -, o Salvinorin A (Fig. 3.2) - o princípio ativo da planta Salvia Divinorum -, e o isolamento do ácido lisérgico que culminou com a síntese da dietilamida do ácido lisérgico (1938), popularizado como LSD-25 (Fig. 3.2), o fruto de seu trabalho com o ergot, um fungo conhecido como esporão-do-centeio. A questão da denominação atribuída às substâncias psicoativas é complexa e, algumas vezes carregada de preconceito. Uma denominação comum é o termo alucinógeno, numa indicação de que estas substâncias causariam alucinações. Entretanto, na opinião deste autor, esta é uma denominação inadequada, pois segundo o dicionário, o termo alucinação é definido como: “uma perturbação mental que se caracteriza pelo aparecimento de perturbações visuais, auditivas, etc., atribuídas a causas objetivas que, na realidade, inexistem” (Dicionário Houaiss). Não seria uma ingenuidade pensar que a ingestão de uma substância teria a capacidade de criar no cérebro imagens de templos, seres míticos, regiões do astral e figuras geométricas como yantras e mandalas, a partir do nada? Isto não parece ser possível, mesmo quando ainda não saibamos como o cérebro cria as imagens ‘normais’, que vemos no estado de vigília, e que chegam ao centro do córtex visual através do impulso elétrico transportado pelo nervo ótico. Contemporaneamente, os cientistas têm sido mais cautelosos, e dado preferência a designações como: molécula, composto, agente, substância, medicina e sacramento. Entretanto, os investigadores e usuários de psicoativos para fins cerimoniais preferem a 1 Shanon, Benny. Journal of Consciousness Studies, 9, No. 4, 2002 pp. 85-94. Retirado de: http://www.biopsychiatry.com/lsd/index.html, em 07/06/2010. 3 Retirado de: http://totallysynthetic.com/blog/?p=692, em 07/06/2010. 4 Publicado em inglês com o título “A Yaqui Way of Knowledge”. 2 designação de enteógeno, palavra que tem o significado de substância que desperta o Deus interior. 5 A palavra ‘droga’ tem sido evitada por ser uma terminologia vaga, e pela confusão que causa com outras substâncias modificadoras do comportamento, que são de uso abusivo e causam dependência química. O enteógeno não é uma droga, neste sentido, porque não existe evidência de que os enteógenos causem dependência química ou adicção. “Drogas psicodélicas não causam dependência química. Mesmo proponentes entusiásticos dos psicodélicos os usam com pouca frequência, devido à intensidade e a natureza das viagens” (Lyvers, 2003, p. 2). Serotonina6 Dimetiltriptamina7 Fig. 3.3 – Moléculas da Serotonina e Dimetiltriptamina Outra questão é como os enteógenos produzem os estados alterados de consciência, independentemente do efeito psicodélico. Uma primeira hipótese pode ser a similaridade molecular entre algumas destas substâncias e à serotonina, que é um mediador químico do cérebro. Este é o caso da DMT (N, N-dimetiltriptamina) (Fig. 3.3), e a serotonina (5-hidroxitriptamina). Devido a esta similaridade, sugere-se que a maioria das drogas psicodélicas atua competindo nos receptores (5-HT2) da serotonina (Fig. 3.3). A pesquisa da ação dos enteógenos sobre o cérebro tem uma importante implicação na teoria dos estados conscienciais durante o transe místico. Meditadores experientes, que tiveram experiências espirituais devido à ingestão de enteógenos, relatam que estas não são diferentes dos transes místicos naturais, ou seja, sem o uso de ativadores exógenos. Eles relatam basicamente as mesmas vivências de unidade entre todos os seres vivos, união com Deus e o Universo, e a percepção da ilusória natureza da existência humana. (Pahnke & Richards, apud Lyvers, p. 1-3). Mas, independentemente da designação, permanece a questão: as substâncias psicoativas causam alucinação ou somente facilitam o trânsito da consciência por regiões obscuras do inconsciente coletivo, ou mesmo de espaços dimensionais ocultos aos sentidos, no estado de vigília? Por enquanto é impossível responder. Alguns enteógenos induzem a estados alterados de consciência que estão além de nossa compreensão. Para se ter uma ideia do que seja uma sessão conduzida sob a indução de um enteógeno, como por exemplo, a ayahuasca, - cujo principal princípio ativo é a dimetiltriptamina, é necessário passar pela experiência muitas vezes, e mesmo 5 Ruck, C.A.P., Entheogens, Journal of Psychedelic Drugs. 11 (1-2) pp. 145-146. Retirada de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Serotonin-skeletal.png, em 07/06/2010. 7 Retirada de: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:DMT.png, em 07/06/2010. 6 assim, ter o entendimento de que a complexidade do transe vivenciado dificulta a sua compreensão. As visões são mais reais e nítidas, que as que temos no estado comum de vigília. As entidades vistas são claras, luminosas, e têm uma luz e um colorido que não existem no mundo físico. Muitas imagens sugerem seres míticos e lendários, como elfos, gnomos, fadas e anjos. A tridimensionalidade das imagens é perfeita, e a maioria delas quase nunca são estáticas, como um quadro, elas são vivas, com movimentos reais, e algumas vezes se comunicam com a pessoa durante o transe. Então se questiona: como a ingestão do extrato de uma planta pode criar algo assim? Ninguém explica. Pesquisadores sérios, com experiência de mais de vinte anos usando este sacramento, não ousam tentar uma explicação, porque sabem que o fenômeno desafia todos os nossos pressupostos científicos baseados na ortodoxia neurobiológica. Alguns têm explicações baseadas nas suas crenças e na fé em seres espirituais. Ayahuasca: – esta já mencionada bebida é de uso exclusivo em rituais religiosos dentro de uma linha cristã, ligada aos povos da floresta. Seu uso é muito antigo e pode ter sua origem na civilização Inca, há mais de quatro mil anos.8 A história da bebida não é conhecida com precisão, mas sua descoberta pelos índios é um mistério. A ayahuasca é uma cocção de duas plantas: a chacrona ou rainha (Psychotria viridis) e o cipó mariri (Banisteriopsis caapi), sendo que o efeito da bebida somente ocorre porque os alcalóides componentes da Banisteriopsis caapi são inibidores da enzima MAO, que se não inativada, impede a absorção da dimetiltriptamina. Então, o mistério é saber como em meio a centenas de milhares de plantas da diversidade amazônica, eles pegaram exatamente as duas que se complementam para uso ritualístico. Os pajés dizem que são os espíritos da floresta quem os orientam na busca das plantas usadas para as curas e rituais! Esta informação foi obtida pelo autor diretamente do pajé Sapaim, da tribo Kamayurá. No Brasil, existem grupos ‘ayuhasqueiros’, derivados do Santo Daime, um movimento iniciado pelo Mestre Raimundo Irineu Serra, e da UDV – União do Vegetal, outro movimento iniciado por Mestre José Gabriel da Costa. Estes dois ramos deram origem a muitos outros núcleos, como a ABLUSA - Associação Beneficente Luz de Salomão, um grupo independente que segue o ritual da UDV, e a Fraternidade do Coração, um grupo que segue a linha do Daime e outros ritos ligados a tradições da Índia. O princípio ativo da chacrona é a molécula de DMT (dimetiltriptamina), e os princípios ativos do cipó mariri são alcalóides da família da harmala, e das beta-carbolinas, que inibem a enzima MAO (monoaminoxidase), permitindo assim a absorção da DMT. A ingestão da ayahuasca proporciona uma importante expansão consciencial. O uso simultâneo da bebida com a audição de 8 Naranjo, 1986. “El Ayahuasca in La arqueología ecuatoriana. América Indígena 46: 117-128”. sons musicais, cantos ou chamadas - que são frases utilizadas como um mantra -, têm a finalidade de guiar a consciência durante o transe, proporcionando a penetração em dimensões de conteúdos espirituais, onde visões de seres míticos e templos aparecem com uma viva nitidez. O som musical e rítmico por si já induz a estados alterados de consciência. Segundo Mello (MELLO 2003, Relações Cognitivas entre Localizações Cerebrais em Música e Linguagem. Marcelo Mello, Unicamp.)9: Embora relações clínicas (médicas, terapêuticas) entre o cérebro e a psique formem atualmente o conjunto do que é conhecido como neuropsicologia, uma abordagem constitutiva dos processos humanos a partir de processos materiais ou biológicos poderá ser mais adequadamente enquadrada dentro da epistemologia como uma abordagem cognitiva, ou cognitivista. No terreno musical, as relações entre música e a cognição humana têm suscitado uma miríade de trabalhos nos mais diversos assuntos correlatos, que podem ser reunidos sob o termo genérico de cognição musical, ou outros de igual valor. Durante as sessões com ayahuasca, algumas músicas e sons levam a estados espirituais elevados, e outros a estados sombrios que podem resultar em sofrimento físico, tais como tremores, frio, vômito, etc. Entretanto, o uso ritualístico da ayahuasca, conduzido dentro de uma proposta espiritualista, desperta à maioria dos participantes para a vida espiritual, com transformações pessoais importantes. DMT – A Molécula do Espírito: Strassman no livro “The Spirit Molecule” relata os estudos que efetuou na Universidade do Texas, em 1990, onde administrou cerca de 400 doses de DMT a um grupo de sessenta voluntários acadêmicos. O protocolo do estudo foi aprovado pelo DEA – “Drug Enforcement Administration” e pelo FDA, depois de um longo processo, inicialmente junto ao comitê de ética da universidade, depois junto aos centros de pesquisa de química aplicada para conseguir as autorizações necessárias para o estudo, que envolveu a síntese de 5g de DMT, 99,5% de pureza, com classificação de “para uso humano”, e a rigorosa seleção dos participantes. O estudo foi efetuado de acordo com o protocolo ‘duplo cego’, onde os participantes envolvidos não eram informados sobre certas particularidades e efeitos da substância, evitando-se assim que fossem inconscientemente influenciados. A DMT foi administrada através de injeção intravenosa em doses iniciais de 0,05 mg / Kg peso, com aumento posterior para 0,2 mg/Kg, até a dose máxima de 0,8 mg/Kg, para alguns voluntários. O protocolo estabeleceu a metodologia para dosagem da DMT no sangue dos voluntários em várias fases do experimento. No capítulo 3 ‘A Pineal: Encontrando a Glândula do Espírito’, e no capítulo 4 ‘A Pineal Psicodélica’, Strassman descreve os estudos que o levaram à investigação dos efeitos da DMT no ser humano. 9 Disponível em: http://www.marcelomelloweb.kinghost.net/mmconferencialinguisticacognicao2003.htm Segundo Strassman (2001, p. 56): Uma das minhas mais profundas motivações por detrás da pesquisa com a DMT foi à busca da base biológica da experiência espiritual. De tudo que eu tinha aprendido durante todos estes anos, nada me tornou mais surpreso que a possibilidade da glândula pineal produzir DMT durante os estados místicos, e durante outros estados naturais e semelhantes a estados psicodélicos. A pineal, ou epífise (Fig. 6), é uma pequena glândula (5-8 mm e 0,15g de peso) localizada entre os dois hemisférios cerebrais, sob o corpo caloso, e considerada parte do epitálamo. Há algumas décadas, acreditava-se que a pineal fosse um órgão vestigial, e sem função, pois a glândula é maior durante a infância, reduzindo seu tamanho na puberdade, quando então se pensava que ela não tivesse mais função. Entretanto, o cientista Aaron Lerner, da Universidade de Yale, ao estudar a despigmentação da pele pela doença vitiligo, investigou a pineal e descobriu que a melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina), um hormônio derivado do aminoácido triptofano, cujo mecanismo de produção envolve os neurostransmissores adrenalina e noradrenalina, está presente em grandes concentrações nessa glândula, representada na figura, acima do cerebelo e sob o corpo caloso (Fig. 3.4). Fig. 3.4 Corte do Córtex Cerebral10 Segundo Strassman, a pineal torna-se visível após sete semanas, ou seja, no quadragésimo nono dia do desenvolvimento fetal, exatamente quando ocorre a diferenciação sexual. Sob o aspecto histológico, ela não faz parte dos tecidos cerebrais, e desenvolve-se a partir de tecidos do palato fetal, migrando posteriormente para o centro do cérebro, sob o sistema límbico. A fisiologia da pineal está relacionada com o sono e com a atividade sexual. Estimulada por pouca luminosidade, ou seja, no escuro, ela bloqueia a função reprodutiva e atrofia os órgãos sexuais, produzindo melatonina. Quando a Pineal é estimulada pela luminosidade, há uma redução na produção de melatonina (Fig. 3.5), e uma estimulação das funções sexuais, com um papel importante no ciclo circadiano (Strassman, 2001, p. 56). 10 Retirado de: http://www.sbneurociencia.com.br/draclaudia/artigo_claudia.htm, em 05/05/2010. Fig.3.5 – Molécula da Melatonina (N-acetil-5-metoxi-triptamina)11 O papel da pineal no estudo místico, deve-se a René Descartes, que afirmou ser a pienal a sede da alma. Nas tradições da Índia, a pineal é associada ao terceiro olho, o Chakra Ajña. Na busca de uma molécula que intermediasse na psique as experiências espirituais, Strassman considerou que esta deveria no mínimo ter uma ação psicodélica. A primeira suspeita caiu sobre a DMT, uma molécula muito semelhante à melatonina, ambas com um anel derivado do triptofano. Na primeira etapa, na biosíntese da DMT, o triptofano sofre uma descarboxilação (1), dando origem ao triptofano descarboxilado (2), que em seguida sofre uma dimetilação nucleofílica pela S-dimetil metionina (3). (Fig. 3.6) Fig. 3.6 - Biosíntese do DMT12 Em decorrência de sua pesquisa, Strassman elaborou um conjunto de hipóteses não provadas, mas baseadas em dados científicos válidos, e combinados com observações religiosas e espirituais, principalmente das tradições orientais. Como ele afirma: “Muitas dessas ideias são testáveis com uso de ferramentas científicas e métodos válidos. As implicações dessas teorias são profundas e perturbadoras, mas também criam um contexto de esperança e promessa” (Strassman, 2001, p. 68). Segundo Strassman (2001, p. 68): A glândula pineal produz quantidades psicodélicas de DMT, em tempos notáveis de nossas vidas. A produção de DMT na pineal é a representação física de um processo imaterial ou energético. Ela nos fornece o veículo para experienciarmos conscientemente o movimento de nossa força vital em sua mais extrema manifestação, ou seja, quando nossa força vital individualizada penetra no nosso corpo fetal, ela passa através da pineal e dispara a primeira e primordial onda de DMT, e posteriormente, no momento do parto, a pineal libera mais DMT. Em alguns de nós, a DMT da pineal media as principais experiências de meditação profunda, psicoses, e experiências de quase morte. No momento da morte, a força 11 12 Retirado de: http://www.anagen.net/mela.htm, em 05/05/2010. Retirado de: http://acetoeteno.blogspot.com/2010/03/dmt-spiriit-molecule.html, em 08/05/2010. vital abandona o corpo através da glândula pineal, liberando outra onda dessa psicodélica molécula espiritual. A glândula pineal tem todas as condições para produzir a DMT: ela possui os maiores níveis de serotonina (hidroxi-triptamina) por grama de tecido, de todo o corpo. Ela também tem uma quantidade apreciável da enzima metil-transferase, que converte as moléculas com núcleo triptaminico em DMT (Fig. 3.6, etapa 3). Por outro lado, Strassman afirma que a glândula pineal também produz quantidades apreciáveis de Beta-carbolinas, um grupo de substâncias que impede a decomposição da molécula DMT, pela enzima MAO – mono amina oxidase, um dos compostos também presentes na infusão da bebida ayahuasca. Então, ele afirma que existem condições que fazem com que a glândula pineal produza DMT, em vez de melatonina. Essas condições são a anulação de um ou mais dos fatores restritores da produção de DMT (Strassman, 2001, p. 73), ou seja: 1. A malha bioquímica do sistema de segurança em volta da glândula pineal. 2. A presença de compostos que impedem a síntese da DMT na glândula pineal. 3. A baixa atividade da enzima metil-transferase. 4. A ação da enzima MAO [monoaminoxidase] na decomposição da DMT. Assim, quando alguns, ou todos estes fatores, são anulados, a glândula pineal tem condições de produzir a DMT (Strassman, 2001, p. 70). Estas suposições são originárias do princípio guia da primeira pesquisa sobre a ação da DMT em humanos, que foi a relação entre esta molécula e a esquizofrenia. Segundo Strassman (2001, p. 70): Minha ênfase na relação entre a DMT e a esquizofrenia, não é porque eu acredito que esta seja a única função da DMT endógena, mas porque esta psicopatia é o único estado alterado de consciência natural, sobre o qual temos dados reais e significativos. Por outro lado, eu também acredito que outros estados psicodélicos espontâneos, como as experiências espirituais de quase morte, dividem uma similar relação com a presença endógena de DMT. A ação da glândula pineal sobre os estados de consciência foram estudadas e Jace Callaway, sugeriu que derivados das betas-carbolinas e do DMT podem ser mediadores responsáveis pelas visões durante os sonhos. A produção de DMT pela pineal pode também estar atuando nos efeitos da meditação profunda e dos vários tipos de experiências espirituais. Concluindo seu estudo, ao analisar todos os relatos dos voluntários, Strassman questiona sobre o que acontece quando a ‘molécula espiritual’ nos puxa e empurra para além do limite consciencial físico e emocional, concluindo que nós entramos em regiões invisíveis que não podemos sentir e sequer imaginar. E, para maior surpresa, estas regiões invisíveis parecem ser habitadas. Nenhum dos voluntários teve dúvidas em afirmar que existe uma marcante diferença entre suas experiências durante os contatos induzidos com DMT, e as visões de sonhos comuns. Finalmente ele afirma (Strassman, 2001, p. 314): O DMT permite que tenhamos um regular, repetitivo e seguro acesso a outros canais de cognição. Estes outros planos de existência estão sempre ali. De fato, eles estão exatamente aqui, transmitindo todo o tempo! Porém, nós não podemos percebê-los porque não fomos projetados para fazê-lo. Nossa ‘máquina’ nos mantêm sintonizados no canal normal. Mas, bastam somente um ou dois segundos – e poucas batidas cardíacas para o DMT abrir o caminho -, mudar o canal e abrir nossa mente para outros planos de existência. “Os físicos teóricos propõem a existência de universos paralelos baseados sobre o fenômeno de interferência [....] os universos paralelos interagem uns com os outros quando há alguma interferência. O DMT pode permitir que nosso cérebro receptor sintonize estes multiversos” (Strassman, 2001, p. 316).13 LSD - Stanislav Grof - em seus livros “LSD Psychotherapy” (Grof, 1979), “Além do Cérebro” (Grof, 1988), e “The Holotropic Mind” (1993) -, relata cerca de 3500 experiências de psicoterapia com LSD, conduzidas em pacientes e voluntários com o objetivo do estudo do inconsciente transpessoal. Segundo Crinspoon (1979, p. 202): Muitas pessoas lembram vagamente que o LSD e outros agentes psicodélicos foram usados experimentalmente em psiquiatria, porém poucos perceberam o quanto, e por quanto tempo eles foram usados. Entre 1950 e 1960, foram publicados milhares de artigos, discutindo mais que 40.000 casos de pacientes, além de muitas dúzias de livros e seis conferências internacionais sobre terapia com substâncias psicodélicas. Embora o LSD seja uma substância psicoativa, ela não deve ser considerada um enteógeno, mas somente um agente psicodélico. Apesar do LSD produzir estados alterados de consciência, esta substância não é usada em ritual com a finalidade de abrir o portal da espiritualidade. A razão pela qual Grof utilizou o LSD foi puramente casual. Na época em que ele estava terminando sua graduação em medicina - na Charles University, em Praga -, a Farmacêutica Roche estava distribuindo amostras de LSD-25 para vários centros de estudo de psiquiatria para avaliação da droga e sua possível utilização como psicofármaco. “Minha primeira sessão com LSD mudou radicalmente tanto a minha vida pessoal, como a profissional” (Grof, 1993, p. 15). Segundo Grof (1993, p. 15): Eu experienciei um extraordinário encontro com o meu inconsciente, e esta experiência instantaneamente ofuscou todos os meus interesses prévios em psicanálise freudiana. Eu fui submetido a uma fantástica exibição de visões coloridas, algumas de cunho abstrato e geométrico, outras cheias de sentido simbólico. Eu senti um conjunto de emoções de uma intensidade que jamais sonhei ser possível. Durante esta fase do experimento, eu fui atingido por uma radiância que se fez comparável à luz no epicentro de uma explosão atômica, ou possivelmente a luz sobrenatural descrita nas escrituras orientais, como aquela que aparece no momento da morte. Não havia dúvida em minha mente que o que eu 13 Ver capítulo 4, multiversos e branas. havia experienciado estava muito perto da ‘experiência cósmica’ tal como eu li a respeito nas grandes escrituras místicas do mundo. Segundo Grof a pesquisa psicodélica esclareceu muitos dados históricos e antropológicos, anteriormente enigmáticos, a respeito de xamanismo, cultos misteriosos, ritos de passagem, cerimônias de cura e fenômenos paranormais que envolvem o uso de plantas sagradas (Grof, 1988, p. 19). Segundo Grof (1988, p. 20), a maioria dos pesquisadores que estuda os efeitos dos psicodélicos chegou à conclusão de que essas drogas poderiam muito bem ser encaradas como amplificadores do processo mental. “Parece que elas ativam matrizes preexistentes ou potenciais da mente humana, em vez de induzirem a estados específicos relacionados a elas próprias” (ibidem). A experiência com enteógenos, como a já descrita ayahuasca, indica que, de fato, esta substância psicoativa expande a consciência para além dos limites das restrições controladoras da estrutura psíquica. Desta forma, parece que não há diferença entre o transe induzido por esta classe de substâncias e a experiência mística natural, ou seja, induzida pelos ritos meditativos. Por outro lado existe - como já mencionado -, a suspeita de que os enteógenos desempenharam um papel importante no afloramento da religiosidade, ao proporcionarem as primeiras experiências místicas entre os povos antigos. Wasson menciona entre outros enteógenos, o Soma – na cultura védica; a ergotamina – nos Mistérios de Elêusis; entre muitos outros povos que fizeram uso de substâncias psicoativas de plantas e cogumelos. (Wasson, 1986, p. 29-32).