1 Sobre a montanha da Transfiguração, Deus Pai doa-nos o seu Filho predileto. É assim que inicia a celebração da Páscoa e que é já terminada, por assim dizer. São Paulo nos recorda precisamente isso na segunda Leitura: “Ele não poupou o seu próprio Filho e o entregou por todos nós, como não nos haverá de agraciar em tudo junto com ele?” (Rm 8,32). No início este Jesus, assim como os três apóstolos o descobrem na montanha, os surpreendeu. Era o mesmo de antes, está certo, mas agora é também totalmente diferente; tão diferente que quase não o reconheceram. Também ficaram com medo quando a nuvem os envolveu. Mas depois não temeram mais esta transformação surpreendente de Jesus, a tal ponto que no final das contas Pedro quis armar três tendas no topo da montanha para poderem viver e contemplar sem fim este doce semblante de luz. Todavia, não é ainda chegada a hora da contemplação eterna. Esta pode ser somente passageira, como um sonho que se esvai ao despertar. O Pai em pessoa explica aos três apóstolos o mistério manifesto. Este ser radiante de luz é seu Filho predileto e ele o faz dom para nós. O dá a nós. Seu Filho é doravante um de 2 nós e a sua palavra não deverá mais deixar os nossos ouvidos e o nosso coração. “Escutai-o”, nos diz o Pai. Esta palavra condensa o essencial do verbo paterno, de tudo aquilo que o Pai tem para dizernos, ou seja, que todo o seu amor está neste Filho e que é necessário escutarmos incansavelmente este Filho, mergulharmos em seu amor: “Escutai-o”. As duas ou três vezes que o Pai tomou a palavra no Evangelho foi para esconder-se e falar somente o seu Filho. Hoje, na montanha, ele se dirige a nós só para dizer que nós devemos escutar alguém, Jesus. Se permanecermos juntos do seu Filho, contemplando o seu rosto, atentos aos seus lábios, podemos estar certos de sermos impetrados pelo amor do Pai e de poder unir-nos a ele em comunhão de amor. De fato, o Pai tanto amou o mundo e cada um de nós ao ponto de dar-nos o seu Filho (Jo 3,16). E isto não só até ao final da vida terrestre de Jesus, mas, de modo mais glorioso, até depois da sua ressurreição, até ao fim dos tempos. O gesto do Pai e a sua recomendação permanecem sempre os mesmos: Ele nos dá o seu Filho, nós lhe damos ouvido e o escutamos sem fim. 3 Ainda hoje, como para os Apóstolos, são os nossos ouvidos, os ouvidos do nosso coração, que ultrapassam nossos olhos. A visão de Jesus é rara, efêmera e sempre prestes a esvair-se. Mas a sua palavra permanece e não cessa de ressoar na Igreja desde o profundo do nosso coração. É verdade que temos uma vaga recordação do rosto de Jesus, naquele misterioso sudário, o sagrado lençol, sobre o qual teria ficado impressos, não se sabe bem como, os traços ensanguentados de um rosto que se estima ser o mesmo daquele que celebramos hoje transfigurado e radiante de luz. Sem dúvida também isso é um dom misterioso do Pai, porque estes traços continuam a fascinar tantos fiéis e ainda permanece objeto de amoroso estudo. Esta visão permanece, todavia, obscura e precária, enquanto que a palavra de Deus é sempre tão clara e forte, capaz de sobrepor a todo ruído da terra e a todas as falsas vozes do nosso coração: “Vós perscrutais as Escrituras... são elas que dão testemunho de mim” (Jo 5,39), nos diz Jesus. Ele poderia dizer também: “Sou eu quem fala nelas”. De fato, todas as Escrituras apontam para Jesus, convergem para ele, se cumprem em sua Páscoa. 4 Nem mesmo é mais necessário levantar três tendas, como queria fazer o Apóstolo Pedro, para habitar sobre esta montanha na luz e não ser impedido desta visão. De fato, a Palavra não nos abandona jamais. Ela adere em nós. Habita em nós. Torna-se uma só coisa com o nosso coração, como diz a Carta aos Romanos citando o autor do Deuteronômio: “Ao teu alcance está a palavra, em tua boca e em teu coração” (Dt 30,14;Rm 10,8). Nesta Palavra, cada dia, o Pai nos dá seu Filho amado. Escutemo-lo incansavelmente! AMÈM.