Caracterização da prescrição de antibióticos em infecções do tracto respiratório por parte dos médicos de Medicina Geral e Familiar do continente português Caldeira L, Almeida Remísio E, António A, Faria Vaz A, Aguiar P, Fonseca A, Maria V Observatório do Medicamento e dos Produtos de Saúde Introdução: A emergência e as variações na distribuição de fenótipos Objectivo: Analisar a distribuição e adequação da prescrição dos diferentes subgrupos de AM, de acordo com a classificação ATC, por parte dos médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF) para cada uma de um grupo de indicações relacionadas com patologia infecciosa das vias respiratórias (amigdalite, faringite, bronquite, otite, sinusite, rinite/rinofaringite, pneumonia). resistentes aos antimicrobianos de estirpes bacterianas patogénicas têm sido relacionadas com a exposição da população àqueles fármacos, sendo geralmente aceite, hoje em dia, a existência de uma relação directa, se bem que complexa, entre a utilização dos antimicrobianos e a prevalência de microrganismos patogénicos resistentes entre as comunidades humanas. Os antimicrobianos (AM) utilizados em medicina humana são maioritariamente prescritos em Cuidados de Saúde Primários, sendo as patologias do tracto respiratório o principal motivo de prescrição a este nível. Metodologia: O estudo baseou-se em questionários enviados por correio em Dezembro de 2001, tendo participado 247 médicos, correspondendo a 2200 prescrições. O desenho do estudo assegurou o anonimato dos pacientes e dos prescritores. A adequação foi avaliada através da dispersão da prescrição e da adesão às recomendações do Formulário Europeu de Medicamentos (FEM). A dispersão foi avaliada através de um indicador (ATC5p) que reflecte o número de fármacos ao nível ATC5 prescritos para as percentagens (p) de 50%, 80%, 90% e 100% de cada indicação, ponderado relativamente ao número total de prescrições para essa mesma indicação. Obtiveram-se, deste modo, os valores de ATC550, ATC580, ATC590 e ATC5100. A “dose diária prescrita” (DDP) foi determinada para cada um dos 11 medicamentos mais frequentemente prescritos multiplicando a dose por toma pela posologia diária e correlacionada com a respectiva DDD. Resultados: Participaram 247 médicos, correspondendo a 2200 prescrições. Quanto à distribuição por região de saúde, a amostra revelou-se representativa da população dos MGF portugueses. A amigdalite foi a indicação mais frequente, seguida pela bronquite (aguda: 55%) e otite (Quadro I). Os grupos ATC3 de AM mais prescritos foram, por ordem decrescente de frequência e independentemente do diagnóstico, os betalactâmicos/penicilinas, os macrólidos, as cefalosporinas, as quinolonas, as tetraciclinas e as sulfonamidas/trimetoprim (Figura I). Quadro I. Distribuição das indicações que motivaram a prescrição de Antimicrobianos Indicação Amigdalite Bronquite Otite Sinusite Faringite Rinite/rinofaringite Pneumonia Laringite Infecção respiratória não especificada Bronquiolite Síndroma gripal Abcesso amigdalino Total % 29,38 19,05 13,96 10,28 10,10 9,39 5,14 1,91 0,35 0,31 0,09 0,04 100,00 Figura I. Distribuição da prescrição ao nível ATC3 N 663 430 315 232 228 212 116 43 8 7 2 1 2257 60 Beta-lactâmicos, penicilinas 50 40 % 30 20 >=65 1,7% Grupo etário 13-40 46% 0 Otite 41-64 9,1% 13-40 16,3% Sinusite Grave 9,3% Ligeira 23,2% <=12 5,3% >=65 10,6% >=65 2,3% Pneumonia <=12 65,6% Ligeira 19,2% Grave 6,4% <=12 13,0% >=65 40,0% 13-40 23,1% 41-64 33,6% Grave 6,6% Quinolonas Tetraciclinas <=12 12,0% >=65 38,1% <=12 38,5% Sulfonamidas e trimetoprim 10 Bronquite Amigdalite Ao nível ATC5, o AM mais prescrito para cada indicação foi a associação amoxicilina/ácido clavulânico. 41-64 12,6% Macrólidos, lincosaminas e estreptograminas Outros antibacterianos beta-lactâmicos 13-40 14,8% 13-40 46,7% 41-64 37,4% 41-64 32,2% Grave 4,3% Ligeira 18,4% Ligeira 8,6% Grave 19,0% Ligeira 24,1% Gravidade Moderada 70,1% Moderada 71,5% Aguda 99,5% Prescrição (ATC5) Crónica 5,4% Amoxicilina/ácido clavulânico 34,9% Outros 15,8% Outros 16,4% Azitromicina 10,6% Moxifloxacina 7,9% Ciprofloxacina 8,1% Claritromicina 12,1% Claritromicina 11,9% Azitromicina 9,3% Amoxicilina 12,7% Penicilina G 14,8% Outros 17,5% Aguda 63,2% Crónica 5,2% Aguda 95,9% Amoxicilina/ácido clavulânico 33,5% Moderada 72,4% Crónica Crónica agudizada 3,5% 1,8% Crónica agudizada 31,6% Aguda 54,5% Crónica agudizada 0,5% Doxiciclina 5,6% Amoxicilina 6,5% Crónica agudizada 3,5% Crónica 0,6% Crónica agudizada 40,1% Apresentação Moderada 71,6% Moderada 75,2% Amoxicilina/ácido clavulânico 48,9% Cefixima 7,3% Outros 18,5% Cefaclor 3,9% Claritromicina 5,2% Amoxicilina/ácido clavulânico 24,6% Cefixima 5,6% Cefaclor 7,3% Cefuroxima Amoxicilina 7,9% 11,1% Doxiciclina 7,3% Cefuroxima 8,2% Azitromicina 12,1% Moxifloxacina 14,7% Aguda 94,7% Amoxicilina/ácido clavulânico 29,3% Outros 17,2% Levofloxacina 6,9% Ceftriaxona 8,6% Ciprofloxacina 10,3% Moxifloxacina 11,2% Claritromicina 16,4% A penicilina G foi prescrita em apenas 15% dos casos de amigdalite. Nesta indicação o risco de prescrição de amoxicilina/ácido clavulânico foi significativamente mais elevado (p= 0,03) para os médicos com 10 ou menos anos de prática clínica, o que também se verificou para a bronquite (p<0,01) e para a pneumonia (p<0,01). Dispersão: A maior dispersão, em qualquer das percentagens consideradas, observou-se para a pneumonia e a menor para a amigdalite. Figura II. Dispersão da prescrição (ATC5) para cada uma das indicações ATC5 50 ATC5 80 ATC5 90 Adequação ao FEM: O AM mais Dose Diária Prescrita (DDP) - A prescrito para a amigdalite/faringite, bronquite, otite e sinusite não correspondeu à recomendação pelo FEM. média da dose diária prescrita foi de 1.33 DDD com um máximo para a doxicilina e um mínimo de 0.48 para a ceftriaxona. Quadro II. Recomendações do FEM Quadro III- Dose Diária Prescrita (DDP) ATC5 100 16 14 12 10 8 6 Patologia Terapêutica Faringite/ amigdalite aguda Penicilina benzatínica Claritromicina Bronquite Amoxicilina, Amoxicilina/ácido clavulânico Doxiciclina Eritromicina Otite média aguda Amoxicilina Cotrimoxazol 4 2 0 pneum rinit sinus farin otit bronq amigd O valor para o ATC590 variou consideravelmente entre as várias indicações, com um máximo de 7,66 para a pneumonia e um mínimo de 1,34 para a amigdalite, sendo de 2,07 para a bronquite, o que, considerando que a maioria dos fármacos estão indicados simultaneamente para esta indicação e para a pneumonia, revela uma variação considerável na abordagem terapêutica destas duas indicações. Sinusite aguda Amoxicilina Cotrimoxazol Pneumonia Amoxicilina, Amoxicilina/ácido clavulânico Doxiciclina Eritromicina DDP expressa em número de DDDs Antimicrobiano N Média Mínimo Máximo Doxicilina Amoxicilina Amoxicilina/ácido clavulânico Cefuroxima Cefaclor Ceftriazona Cefixima Claritromicina Azitromicina Ciprofloxacina Moxifloxacina 43 220 1,88 1,62 1,00 0,38 645 1,24 0,19 2,00 4,00 3,00 82 51 18 60 204 229 54 78 1,72 1,06 0,48 0,83 1,31 1,54 1,03 1,02 0,50 0,25 0,00 0,25 0,30 0,33 0,50 1,00 3,00 1,50 1,00 1,00 2,00 3,33 2,00 2,00 TOTAL 1684 1,33 0 4 Conclusões Os dados analisados permitem admitir a existência de alguma inadequação na prescrição de AM nas infecções do tracto respiratório, considerando o FEM como referência. Registou-se uma considerável dispersão dos fármacos prescritos e um excesso do valor médio da DDP relativamente à DDD. Evidencia-se a necessidade de dispor de melhores dados epidemiológicos em termos da susceptibilidade das estirpes bacterianas e de um maior investimento na formação pré e pósgraduada dos prescritores.