ENTREVISTA Moneris considera Nova diretiva contabilística vai obrigar a mais esforços de adaptação por parte dos profissionais A entrada em vigor do SNC levou a alterações profundas nos procedimentos contabilísticos, com os profissionais a raciocinarem de acordo com o modelo anglo-saxónico. A Moneris admite que essas alterações implicaram um enorme esforço de investimento na formação e em meios tecnológicos. A nova Diretiva Contabilística vai obrigar a novo esforço de adaptação e assimilação por parte dos profissionais da contabilidade. C&E - Quais os principais aspetos a ter em conta nas novas normas contabilísticas? Moneris - A publicação do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, que aprovou o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010, revogou o Plano Oficial de Contabilidade (POC), as Diretrizes Contabilísticas (DC) e demais legislação complementar. O POC contava já com cerca de 33 anos de existência e vinha denotando grandes lacunas ao nível da preparação e análise da informação económica e financeira, face aos desenvolvimentos empresariais e dos mercados financeiros, assim como aos efeitos da globalização das economias. O núcleo central do SNC é constituído por um corpo de normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) que consistem numa adaptação à realidade portuguesa das normas internacionais de contabilidade (IAS/IFRS) emitidas pelo IASB – International Accounting Standards Board e tal como foram adotadas pela União Europeia (UE), as quais são já utilizadas por um vasto número de países dos cinco continentes, possibi- litando um alinhamento do sistema contabilístico nacional com as melhores práticas contabilísticas mundiais. Posteriormente à entrada em vigor do SNC, no ano 2011, foi publicada a Normalização Contabilística para Microentidades (NCM), assim como a Normalização Contabilística para as Entidades do Setor Não Lucrativo (NC-ESNL), completando-se assim o panorama contabilístico para entidades do setor privado. PANORAMA CONTABILÍSTICO PARA AS ENTIDADES DO SETOR PRIVADO Entidades cotadas em bolsa (IAS/ FRS) Entidades em regime geral do SNC (28 NCRF) Pequenas entidades (NCRF-PE) Microentidades (NCM) CONTABILIDADE & Empresas | JAN/FEV 2015 | nº 31 - 2ª série Entidades do setor não lucrativo (NCRF-ESNL) 5 ENTREVISTA Os normativos contabilísticos têm em comum a mesma estrutura organizacional relativamente a cada matéria, que consiste basicamente em: a) definição do âmbito e objetivos; b) sujeição, enquadramento e definições; c) regras para reconhecimento e desreconhecimento; d) regras de mensuração; e e) regras de apresentação e divulgação. Também os códigos de contas e os modelos de demonstrações financeiras foram adaptados para fazer face ao “ambiente IFRS”, com as inerentes especificidades para cada um dos cinco tipos de entidades descritas. De uma forma transversal, pode dizer-se que as questões relacionadas com a mensuração a justo valor de vários itens do ativo, os ativos intangíveis, os instrumentos financeiros e as concentrações de atividades empresariais trouxeram alguma complexidade acrescida face ao normativo POC, tendo em conta que têm subjacente vários conceitos, métodos e técnicas das finanças empresariais, de molde a possibilitar a expressão contabilística de realidades que outrora eram relegadas para o campo da análise económica e financeira, ultrapassando assim as lacunas do relato financeiro face à crescente necessidade de informação por parte dos “stakeholders”, com destaque para a banca e os acionistas. E quando já se esperava uma certa acalmia e estabilização nos normativos contabilísticos nacionais, eis que foi publicada a Diretiva 2013/34/ UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas, que altera a Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 78/660/CEE (4.ª 6 Diretiva A Diretiva deverá ser transposta pelos Estados-Membros até 20 de julho de 2015, os quais colocarão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias ao seu cumprimento Diretiva) e 83/349/CEE (7.ª Diretiva) do Conselho. A Diretiva 2013/34/UE, também conhecida por “Nova Diretiva da Contabilidade”, configura a criação de um modelo contabilístico a adotar pelos Estados-Membros da União Europeia e que, em certos aspetos, se distancia das normas internacionais de relato financeiro emitidas pelo IASB (IFRS), sendo que, em algumas áreas, até faz apelo às metodologias que eram seguidas pelo “velho POC”, com influência dos modelos contabilísticos da Alemanha e da França. A Diretiva deverá ser transposta pelos Estados-Membros até 20 de julho de 2015, os quais colocarão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias ao seu cumprimento. Para além das alterações concetuais em determinadas matérias contabilísticas, como seja o tratamento do “goodwill”, alguns princípios contabilísticos, capital subscrito e ações/ quotas próprias, readoção do LIFO, alteração do método de equivalência patrimonial (MEP), enquadramento da consolidação de contas, justo valor e modelo de revalorização, a Diretiva prevê também a introdução de novos limiares na classificação de micro, pequenas, médias e grandes empresas, quer para efeitos de contas individuais, quer na elaboração de contas consolidadas pelos grupos económicos, assim como várias me- didas de simplificação para as micro e pequenas empresas, bem como a eventual possibilidade de dispensa de revisão/auditoria. Destaca-se também a eventual alteração nos modelos de demonstrações financeiras, quer no conteúdo, quer na forma. As disposições da Diretiva aplicam-se às sociedades comerciais, incluindo as sociedades anónimas, mas excluem as Entidades do Setor Não Lucrativo (ESNL), pelo que o modelo contabilístico utilizado por estas entidades poderá assistir a uma certa estabilização. C&E - Até que ponto afeta a atividade dos profissionais? Moneris - Com a entrada em vigor do SNC, os profissionais da contabilidade tiveram que mudar radicalmente os seus procedimentos contabilísticos que estavam consolidados há cerca de três décadas, passando a raciocinar de acordo com o modelo anglo-saxónico preconizado pelo IASB. Tratou-se de uma mudança de paradigma, passando a contabilidade a estar fortemente vocacionada para o relato financeiro, o que exigiu a aprendizagem de matérias multidisciplinares dos domínios das finanças empresariais, da economia e da análise financeira. Obviamente que tais alterações implicaram um esforço e investimento em formação e em meios tecnológicos, com especial destaque para os sistemas de informação, sem os quais não seria possível dar cabal resposta às novas exigências. Contudo, assistiu-se a uma resposta positiva por parte dos profissionais da contabilidade, sendo que, decorridos cinco anos de implementação do SNC, existem ainda algumas dúvidas de enquadramento e necessidades constantes de novas ações de formação, tanto mais que a fiscali- CONTABILIDADE & Empresas | JAN/FEV 2015 | nº 31 - 2ª série ENTREVISTA dade tem vindo, paralelamente, a implementar algumas reformas que implicam um conhecimento aprofundado das matérias contabilísticas. Pode até afirmar-se que, no atual panorama legislativo, não é possível aos contabilistas não disporem de bons conhecimentos de fiscalidade, assim como os fiscalistas dificilmente conseguem exercer as suas funções sem um grande domínio das matérias contabilísticas, pois cada vez existem mais pontos de interseção entre as duas disciplinas. E numa altura em que já se vislumbrava alguma consolidação do SNC, surge agora a nova Diretiva da Contabilidade, que, com poucas ou muitas alterações que traga face ao modelo contabilístico vigente, exigirá novos esforços de adaptação e assimilação por parte dos profissionais da contabilidade e da fiscalidade. Tais alterações terão também impacto junto dos profissionais da administração pública, nomeadamente os técnicos da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Maior impacto para as entidades de grande dimensão C&E - Quais os principais problemas que se colocam? Moneris - Para além dos novos desafios que serão colocados aos profissionais da contabilidade e da fiscalidade, toda esta turbulência legislativa impacta a atuação dos agentes económicos, especialmente as entidades de maior dimensão que elaboram planos de negócio a médio prazo e que podem assistir a enviesamentos face às previsões estabelecidas, decorrente das novas disposições contabilísticas e fiscais. Do lado das micro e pequenas empresas não haverá grande impacto decorrente das mudanças, já que a maioria delas externaliza a função contabilística, ficando, neste caso, a adaptação a cargo dos profissionais da contabilidade. Como é óbvio, perante a introdução de novas exigências, poderá assistir-se ao aumento dos honorários a cobrar pela execução das tarefas contabilísticas. C&E - A CNC está a proceder adequadamente? Moneris - À semelhança das exigências que têm vindo a ser constantemente colocadas aos profissionais da contabilidade, também a CNC não tem conseguido estabilizar o exercício da sua atividade, face às constantes alterações nos modelos contabilísticos que lhe têm vindo a ser exigidas. Começou pela adoção, em 2005, das IAS/IFRS para as entidades cotadas em bolsa, passou pela implementação do SNC em 2010, implementação da normalização contabilística para microentidades em 2011, assim como da normalização contabilística para as entidades do setor não lucrativo no mesmo ano, encontrando-se agora a desenvolver o Sistema de Normalização Contabilística — Administrações Públicas (SNC-AP), baseadas nos trabalhos do International Public ENTIDADES Sector Accounting Standards Board (IPSASB), visando substituir o POCAL e demais planos específicos das entidades do setor público, bem como a transposição da Nova Diretiva da Contabilidade. Mas não será expectável que a CNC venha a sugerir profundas alterações, a avaliar pelas informações divulgadas pelo seu Conselho Geral, na reunião de 11 de abril de 2012, o qual analisou e debateu o projeto de Diretiva proposto pela Comissão Europeia, com vista a revogar as 4.ª e 7.ª Diretivas. Com efeito, suscitaram grande preocupação, atentos os impactos negativos para as empresas portuguesas e para a economia em geral, o aumento dos limites para classificação das pequenas entidades e redução na qualidade da informação financeira, pelo que a CNC apelou ao Governo e aos representantes nacionais nas instâncias comunitárias para que o atual texto da Diretiva não viesse a ser aprovado. Apresenta-se infra o confronto da classificação das micro e pequenas empresas entre o SNC/NCM e a nova Diretiva, sendo que devem ser verificados dois dos três limites para efeitos de enquadramento: NOVA DIRETIVA DA CONTABILIDADE SNC/NCM MICROEMPRESAS Total do balanço J 350 000 J 500 000 Volume de negócios líquido J 700 000 J 500 000 Número médio empregados 10 5 J 4 000 000 a J 6 000 000 J 1 500 000 Volume de negócios líquido J 8 000 000 a J 12 000 000 J 3 000 000 Número médio empregados 50 50 PEQUENAS EMPRESAS Total do balanço CONTABILIDADE & Empresas | JAN/FEV 2015 | nº 31 - 2ª série 7 ENTREVISTA Alterações a implementar sem definições claras C&E - Não existe uma certa confusão na transmissão da informação? Moneris - Tem-se assistido a uma visão crítica da CNC face às disposições da Diretiva, fazendo inculcar a ideia de que apenas serão transpostas as disposições imperativas. O mote das alterações será em sede de atualização do SNC e da NCM, com o forte sentimento de que tais modelos já têm plena aderência à realidade do tecido empresarial português e que mudanças de fundo poderiam tornar-se contraproducentes, com perda de qualidade da informação financeira. A OTOC tem vindo a realizar algumas sessões de esclarecimento sobre o tema e também outras entidades, como é o caso da APOTEC, têm divulgado as suas opiniões face aos prós e contras da transposição da Diretiva, pese embora sem que existam ideias claras ou notícias vinculativas sobre o que, efetivamente, vai, ou deve, mudar. Refira-se, por último, que a cerca de seis meses do prazo para a transposição da Diretiva para o direito interno nacional, ainda não existem definições claras acerca das alterações a implementar, sendo certo que o tempo urge e que já não existe grande folga para a introdução de alterações estruturantes. C&E - Que aspetos positivos caraterizam as novas regras contabilísticas? Moneris - O SNC configura um modelo contabilístico moderno e de cariz universal, que permite uma melhoria qualitativa do relato financeiro e facilidade de leitura e análise por parte dos investidores internacionais. Logo, as disposições da Direti- 8 Prazos A cerca de seis meses do prazo para a transposição da Diretiva para o direito interno nacional, ainda não existem definições claras acerca das alterações a implementar va parecem trazer algum retrocesso no processo contabilístico, mas, ao mesmo tempo, poderá ser positiva a implementação de novas medidas de simplificação para as micro e pequenas empresas e redução dos seus custos de contexto. É fundamental que seja definitivamente implementado um modelo contabilístico pela União Europeia, capaz de responder às especificidades dos seus vários Estados-Membros e que possa estabilizar num horizonte temporal duradouro. C&E - A vossa empresa tem-se adaptado às novas regras? Moneris - O grupo Moneris, líder na prestação de serviços de contabilidade, consultoria e apoio à gestão em Portugal, é uma organização empenhada em ajudar as empresas a atingirem as suas metas e a superarem os desafios na gestão dos seus negócios. Neste contexto, o grupo Moneris tem estado sempre na vanguarda da informação contabilística e fiscal, desde o POC, Normas Internacionais de Contabilidade e de Relato Financeiro, Contabilidade do Setor Financeiro, Contabilidade Pública, Sistema de Normalização Contabilística, Normalização Contabilística para Microentidades e Normalização Contabilística para Entidades do Setor Não Lucrativo, desenvolvendo constantes ações de formação e divulgação internas e externas. De resto, dispomos no grupo Moneris de três Comités Técnicos (Co- mité Técnico Fiscal, Comité Técnico Contabilístico e Comité Técnico Laboral) que promovem a análise e a partilha de informações multidisciplinares, com vista à sua propagação por toda a organização, com o consequente benefício na prestação de serviços aos nossos clientes. Este ecossistema de competência técnica permite-nos estar de modo proativo e empenhado na adaptação e até mesmo na antecipação dos grandes temas da profissão, como sejam as alterações ou reformas dos normativos contabilísticos e/ou fiscais. Com efeito, o grupo Moneris atua em diversas áreas de apoio à gestão, como seja a Contabilidade Financeira e Reporting, Assessoria Fiscal, Recursos Humanos, Corporate Finance, Gestão de Seguros e Formação Profissional, dispondo também de centros de competência na Agricultura, Setor Social, Sistemas de Informação e Turismo. Esta visão global e agregadora permite-nos ter valências e capacitação para percecionar os impactos que alterações desta natureza podem ter nas diferentes dimensões da gestão das empresas e que não se circunscrevem apenas e só a matérias de mero relato financeiro. Relativamente ao acompanhamento das alterações decorrentes da nova Diretiva, o grupo Moneris desde logo começou a analisar e debater estas matérias, destacando-se a intervenção do Coordenador do Comité Técnico Contabilístico, Jorge Pires, na Conferência intitulada “A Diretiva Europeia da Contabilidade”, organizada pela Ordem dos Economistas do Porto e pelo Grupo Editorial Vida Económica, realizada no Porto, no dia 27 de março de 2014, no âmbito do lançamento o livro do Prof. Eduardo Sá Silva, com o título “A Nova Diretiva de Contabilidade – Diretiva 2013/34/ EU (A mudança previsível)”. CONTABILIDADE & Empresas | JAN/FEV 2015 | nº 31 - 2ª série