A magia da Hermenêutica
Flávio Henrique Miranda1
RESUMO
Vários juízes, várias sentenças, cada um dos Tribunais, um entendimento,
e nesta selva jurídica, neste mar de decisões e conflitos é que aparecem as
preciosas teorias da Hermenêutica que têm como objetivo direcionar o magistrado
na hora de uma decisão. O presente trabalho expõe um problema envolvendo um
Habeas Corpus que trás um conflito de normas na hora de aplicar uma sanção a
uma lesão provocada por um motorista. Lei de Contravenções penais, ou Código de
Trânsito Brasileiro? Esta problemática foi solucionada depois de muita discussão
envolvendo a Corrente Positivista e a Pós Positivista.
Palavras-chave: princípios jurídicos; “letra fria da lei”; contravenção
penal; crimes de trânsito.
Na antiga Grécia, os deuses viviam em conflito com os mortais...
Esses mitos gregos sugerem geralmente que as relações entre deuses e
mortais precisam ser evitadas, sendo que raramente esses envolvimentos possuem
finais felizes, como quando Prometeu roubou o fogo dos deuses e quando ele ou
Licaão inventou o sacrifício, quando Tântalo roubou o néctar e a ambrósia da mesa
de Zeus e de seus súditos, revelando-lhes o segredo dos deuses, ou quando o
Oráculo de Delfos, através da conexão com algum deus, interviu na história de
Édipo, que é muito citada nas teorias do Psicólogo Evaristo Magalhães.
Essas histórias sugerem geralmente que as relações entre deuses e
mortais precisam ser evitadas, sendo que raramente esses envolvimentos possuem
finais felizes. Como toda regra tem lá a sua exceção, podemos citar que houve um
deus importante para os mortais, pois era através Hermes que os humanos
conseguiam saber as paixões e ódios dos deuses, pois Hermes facilitava a
comunicação entre homens e deuses, interpretando e encaminhando as mensagens
destes1.
1
Agente penitenciário. Graduando em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto
Deodato.
Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG.
Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391
Voltando para o mundo jurídico atual, Hermenêutica é a ciência
filosófica voltada para o meio de interpretação de um objeto. No caso do Direito,
trata-se de técnica específica que visa a compreender a aplicabilidade de um texto
legal.
E foi através da Hermenêutica que o STF conseguiu julgar um complexo
caso que envolvia duas legislações similares, semelhantes, mas não iguais. Trata-se
do julgamento do Habeas Corpus n. 80362-8/SP, decide que o art. 32 da LCP foi
derrogado pelo art. 309 do Código de Trânsito e a simples direção sem habilitação,
conduzindo o motorista o veículo de forma normal, não configura crime e sim ilícito
administrativo.
O problema levantado por Silvia Portilho, professora de Hermenêutica
dizia o seguinte: a lei das contravenções penais prescreve em seu art. 32: dirigir sem
a devida habilitação do veículo na via pública ou embarcação a motor em águas
públicas: multa (Lei ordinária de 1941). Enquanto que o CTB (Lei ordinária de 1997)
dispõe no art. 309: dirigir veículo automotor em via pública sem a devida permissão
ou habilitação, ou ainda se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano,
penas: detenção de seis meses a um ano ou multa.Considerando que: pelo critério
da especialidade, a LCP continuaria aplicável aos casos de direção sem habilitação
que não geram perigo de dano, e levando em conta os princípios aplicáveis ao caso,
pergunta-se: dirigir automóvel sem habilitação, não gerando perigo de dano continua
sendo contravenção?
Qual opção você escolheria? LCP ou CTB?!
Neste caso, o entendimento do STF foi de que a lei especial derrogou a
lei geral, principalmente por ser norma anterior à constituição, sendo que a LCP foi
recepcionada pela CF/88, porém os legisladores emanaram uma lei especial do
congresso para reger a matéria do trânsito de modo particular ou excepcional. Pois a
lei que regulamentava o trânsito era da época das ruas de paralelepípedo, das
carroças, ferraduras de cavalos, ruas esburacadas e cheias de mato, na época em
que os carros andavam na incrível velocidade de 60 km/h.
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O primeiro acidente de trânsito que se tem notícia no Brasil foi em 1897,
quando o poeta Olavo Bilac colidiu com uma árvore. Se ele se feriu ninguém sabe,
mas com certeza sobreviveu uma vez que veio a falecer apenas em 1918.
Em 1958, foi fabricado nos EUA o primeiro carro com cinto de segurança.
No Brasil se tornou obrigatório em 19692.
Voltando acima no entendimento do STF, a lei especial derrogou a geral,
lembrando que derrogar é o ato de abolir ou alterar uma lei ou regulamento apenas
numa de suas partes ou em certas disposições. Eu citei acima a constituição e a
teoria da Recepção por que a Sexta Turma do Supremo questionou qual norma
estaria mais de acordo com a lei maior.
Na sumula 720, a sexta turma do STF decidiu que o simples ato de dirigir
automóvel sem carteira de habilitação não é contravenção penal e, por isso, o
responsável só pode ser punido com medidas administrativas, como cobrança de
multa e apreensão do veículo.
Pela decisão, se a pessoa dirigir de forma perigosa, como por exemplo,
em ziguezague, pode responder a processo por crime de trânsito e eventualmente
ser condenada a detenção de seis meses a um ano.
No site do universo jurídico, José Carlos de Oliveira escreveu um artigo
sobre dirigir sem habilitação e o princípio da ofensividade, cuja explanação segue
abaixo:
Percebe-se, com efeito, que a doutrina penal, numa perspectiva do bem
jurídico, trabalha com as hipóteses do crime de dano e crime de perigo. Isso significa
que para punir alguém criminalmente exige-se ora, o efetivo dano ao bem jurídico,
como por exemplo, no crime de homicídio, de lesão corporal, de roubo, de estupro
etc.
Na perspectiva do Direito Penal moderno, o ordenamento jurídico-penal
não deve se preocupar com a mera possibilidade de dano ao bem jurídico, exige-se
uma probabilidade de lesão mais direta ao valor que se pretende preservar, daí a
divisão doutrinária e jurisprudencial: perigo concreto e perigo abstrato.
Foi justamente essa a interpretação dada pelo STJ? Superior Tribunal de
Justiça?Em recente decisão da sua 6ª Turma, ao julgar o HC 28.500, onde se
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questionava a inexistência de crime no fato de dirigir sem habilitação, porém sem
causar perigo de dano concreto à pessoa, conquanto o abalroamento de outro
veículo que se encontrava estacionado.
Não se trata de impunidade ou de incentivo à violação das regras de
trânsito. Dirigir veículo automotor sem Permissão para tal, por si só, já constitui
infração administrativa, aliás, infrações administrativas, com sanções razoavelmente
altas: multa, perda de ponto, apreensão do veículo etc., o que, na maioria das vezes,
são bem mais eficazes que a punição penal.
É necessário termos em mente que a sanção penal não pode ser
encarada como o remédio para todos os males3.
A Jurista Silvia de Abreu Andrade Portilho orienta que no caso em tela
haveria de ter duas interpretações, e que por isto, houve muita discussão entre os
ministros para que se chegasse a uma decisão. Pois a polêmica envolvia duas
correntes bastante coerentes na intepretação do ordenamento jurídico, trata-se da
positivista (Tratava-se de um movimento que reconhecia tão somente a "letra fria da
lei".
Direito seria o que estaria positivado em texto legal) e da corrente póspositivista (No pós-positivismo há uma compreensão do Direito muito além da "letra
fria da lei", porém sem desprezar o direito positivo. Trata-se de uma leitura ética,
moral do Direito; todavia, sem recorrer ao abstrato, ao metafísico).
Os princípios mais relevantes que foram levados em conta param se
chegar à esta decisão foram, princípio da recepção, princípio da especialidade
(diferente de princípio da especialização e princípio da especificidade), princípio da
ofensividade e princípio da intervenção mínima.
Referências Bibliográficas
DURANT, Will. História da Filosofia- A Vida e as Ideias dos Grandes Filósofos. 1
ed. São Paulo: Editora Nacional, 1926
ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Dirigir sem habilitação e princípio da
ofensividade.
Universo
Jurídico.
Disponível
em:
<http://www.universojuridico.com.br/publicacoes/doutrinas/3663/DIRIGIR_SEM_HAB
ILITACAO_E_O_PRINCIPIO_DA_OFENSIVIDADE>. Acesso em 04 mar 2011.
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