SEGURANCA AERONAUTICA Nº 104 2007-11-09 Meu Caro, Para a croniqueta desta semana tomámos como ponto de partida o relatório N° 17/INCID/2006 do GPIAA. Para conheceres o seu texto completo poderás consultar o seguinte endereço: http://www.moptc.pt/tempfiles/20061103175725moptc.pdf . Felizmente não se tratou de um acidente com repercussões físicas para os ocupantes da aeronave, saldando-se apenas por ligeiros danos materiais. Respiguemos o relatório para conhecermos o que é que afinal aconteceu? “No dia 14 de Fevereiro de 2006, a aeronave da marca SOCATA, modelo TB20 Trinidad GT, matrícula CS-DEO, com um aluno-piloto, o instrutor e um passageiro, depois de efectuar um circuito visual, aterrou na pista 29 do aeródromo de Portimão pelas 10:30 horas. Na altura do toque no asfalto, o pneu do lado esquerdo rebentou, a aeronave guinou para esse lado. Ao mesmo tempo que o instrutor tomou os comandos e aplicou rudder contrário para retomar o centro da pista, o pneu do lado direito também rebentou. O avião imobilizouse na metade esquerda da pista. A aeronave cumpria um voo de instrução tendo descolado do aeródromo de Évora, e efectuava a viagem para o aeródromo de Portimão segundo as regras de voo visual.” Se não conheces o Aeródromo de Portimão posso dizer-te que é um aeródromo com pista asfaltada com 920m de comprimento e 30m de largura, sem declive e QFU 11/29. A entrada para a pista 11 é completamente aberta enquanto a entrada para a pista 29 é menos desafogada visto o terreno subir e ter moradias implantadas na ligeira encosta. Porém, dentro do normativo legal para este tipo de aeródromos. Prosseguindo na leitura do relatório do GPIAA passemos ao pormenor do acidente. “...Depois de efectuar um circuito visual para a pista 29, o aluno-piloto fez uma aproximação com velocidade acima da Vref e aterrou comprido, no segundo terço da faixa de aterragem. Na altura, o vento era calmo, a visibilidade superior a 10 km, o céu estava limpo e a temperatura era normal para a época e para o local. No momento da aterragem o aluno-piloto aplicou travões com firmeza e o avião guinou para a esquerda, verificando-se o rebentamento do pneu desse lado, seguindo-se o rebentamento do pneu do lado direito por efeito em conjunto de possível excedência do limite de velocidade estrutural dos pneus e das forças dinâmicas exercidas nos pneumáticos por alteração súbita do rumo da trajectória da aeronave. O piloto instrutor reagiu de imediato tomando os comandos e reconduzindo o avião para o centro da pista, tendo imobilizado a aeronave na faixa esquerda da pista...” Dos factos estabelecidos nas conclusões do relatório tomo a liberdade de respigar os pontos seguintes por me parecerem os mais interessantes para a nossa análise: 1. “...A viagem decorreu sem incidentes até ao momento da aterragem que foi efectuada com velocidade superior à Vref e no segundo terço da pista; 2. A travagem foi agressiva tendo o aluno-piloto perdido o controlo da aeronave que guinou para o lado esquerdo da pista; 3. A acção conjunta do excesso de velocidade e das forças dinâmicas aplicadas nos pneumáticos da aeronave conduziram ao rebentamento dos pneus do trem principal...” ATERRAGENS LONGAS Todos nós já entrámos para uma aterragem com a Vref um pouco mais elevada do que aquilo que devíamos. Ainda te lembras da definição de Vref? Sei que sim. Contudo, há uns tantos pilotos mais enferrujados de memória que não se lembram. É para eles que vai este lembrete. A Vref é a velocidade de ar indicada, definida pelo fabricante do avião para a aproximação. Como é que se calcula: Vref = 1,3 x Vso + ½ da velocidade da rajada de vento no momento Nesta fórmula a Vso é a velocidade de perda da aeronave para a configuração de flaps aplicados no momento, com o motor debitando pouca potência, tal como acontecerá antes da aterragem. Calculemos, por aplicação da fórmula, um exemplo para um Cessna C172R que aterrará numa situação de rajada de vento igual a 12 kts. Consultando o POH do avião podemos verificar que a Vso é igual a 33 kts. Assim: Vref = 1,3 x 33 kts + 6 kts = 43 kts + 6 kts = 49 kts Depois deste lembrete para uns tantos pilotos com menos memória, não nós que sabemos prontamente todos estes pormenores de “lana caprina”, voltemos às nossas entradas com uma Vref mais elevada do que aquilo que seria desejável. Nestas situações vem ao de cima a capacidade, por parte do piloto, de julgar a situação e tomar a decisão mais correcta. Para decidir, normalmente em pouquíssimos segundos, o piloto tem de ponderar diversos factores. Normalmente as decisões certas não são as mesmas para qualquer situação. Por isso exigem a tal ponderação para que o piloto atinja a solução mais em harmonia com a situação. Para uma situação igual ou semelhante à descrita no relatório do acidente, em meu entendimento, o piloto, antes de mais, teria de decidir se a pista remanescente era suficientemente comprida para que o avião pudesse dissipar a energia cinética de que vinha animado, atingindo assim a Vref correcta a tempo da aterragem ficando dentro dos limites da pista. Se o piloto chegasse à conclusão ou tivesse dúvidas que a pista remanescente já não tinha comprimento suficiente para poder atingir a Vref correcta e, assim, aterrar em segurança, a decisão mais assisada seria partir para um “go-around”. Nunca ficar à força na pista só para não borregar. Infelizmente há pilotos que teimam em não entender que não perdem os seus pergaminhos de bons pilotos só por fazerem um “borrego”. Afinal, um bom piloto não é aquele que em cada momento toma a decisão mais correcta para prosseguir o seu voo em segurança? Infelizmente, tu e eu, conhecemos ou conhecíamos pilotos amadores ou profissionais, que no momento de uma aterragem demasiado comprida ou com uma Vref acima do aconselhável, insistiram em ficar a qualquer preço e esta sua decisão levou-os ao desastre, por vezes arrastando-os para a morte. Por isso, meu Caro, nunca tenhas vergonha de borregar se isso for a decisão mais adequada. Não ligues aos críticos de “porta de hangar”. Porém, não tentes ficar a qualquer preço. Um conselho do Fernando. 4 ATRITO DE ROLAMENTO vs ATRITO DE ESCORREGAMENTO Quando um pneu entra em contacto com a pista e o piloto exerce uma acção de travagem, a distância de paragem da aeronave é menor enquanto houver, durante a travagem, um movimento de rotação do pneu em relação há pista. No momento em que a roda bloqueia e passa a escorregar sobre a superfície daquela, passa-se a uma situação de atrito de escorregamento que é mais adversa do que uma situação de atrito de rolamento. Para te esclarecer com números reais deixa-me apresentar-te um diagrama da variação do coeficiente de travagem versus percentagem de escorregamento da roda em relação à pista. Pela análise deste diagrama podes verificar que o máximo coeficiente de travagem numa pista seca de cimento – 0,73 – obtém-se quando a roda, em relação, a pista escorrega somente 10%. Se a roda escorregar 100%, situação do bloqueamento da roda, o citado coeficiente de travagem baixa para 0,53 que se traduz numa penalização de cerca de 38% na distancia de travagem. Deste mesmo diagrama poderás verificar que a situação é ainda mais grave em situações de pista molhada. Como já sabias, meu Caro, quando as rodas entram a escorregar vais sempre parar mais longe. Por isso deixa-me aconselhar-te mais uma vez: nunca te pendures em cima dos pedais dos travões até bloqueares as rodas. Se isso acontecer a tua distância de paragem vai ser sempre maior. Como tal, podes ultrapassar os limites da pista e perder o controlo do teu avião. Para além da tua distância de paragem aumentar, com as rodas bloqueadas, arriscas-te, ainda, a perder o controlo direccional da aeronave. Acredita que já vi um Piper Cherokee fazer dois peões quando o piloto, por ter aterrado muito comprido, resolveu pendurar-se nos travões bloqueando as rodas. Cuidado! 4 EFEITOS DO BLOQUEAMENTO DA RODA SOBRE O RASTO DO PNEU Quando acontece uma situação de escorregamento devida a uma travagem muito violenta, devido à produção de calor, por atrito, numa área muito localizada do pneu, desenvolve-se no pneumático uma marca de forma oval que corresponde ao arranque de material de que este é constituído. Não é invulgar que os materiais arrancados se limitem simplesmente à borracha da camada de desgaste. Muitas vezes estas travagens violentas provocam, mesmo, arranque dos materiais estruturais do pneu: as telas. Quando tal acontece é muito provável que acabe por se abrir um orifício na carcaça do pneumático provocando o seu esvaziamento. O esvaziamento extemporâneo do pneu pode provocar uma perda grave de capacidade direccional da aeronave, com as consequências que daí se podem imaginar. Foi o que aconteceu no acidente de Portimão. Na fotografia anterior pode ver-se o estado em que ficaram os pneus das duas rodas do trem principal após a travagem violenta. Mesmo numa aterragem sem ser em situação limite, por norma, nunca faças travagens muito violentas. Mais vale fazer um pouco de “back-track” do que virares na primeira intersecção com os pneus quadrados. Não te esqueças que os pneus estão caríssimos. Um lembrete do Fernando.4 Deixa-me terminar recomendando-te mais uma vez que te associes à AOPA Portugal. Perguntarás, de imediato, como o poderás fazer. Visita o site da AOPA Portugal em www.aopa.pt e manda as tuas perguntas para o Presidente da AOPA Portugal através do seguinte e-mail address: [email protected]. Gostaria de contar com a tua presença na nossa AOPA. 4 Como sempre, um abração do Fernando