Antônio Baggio – um pastor chamado por Deus “Sou ministro para Servir às almas, para Salvar as almas, para Santificar as almas” No culto de abertura do Concílio Regional de 1970, durante o qual se aposentaria após quarenta anos de serviço, o Rev. Antônio Baggio começou o seu sermão com as palavras: “recordar é viver”. Antes de escrever estas linhas, ouço de novo a gravação que fiz daquele sermão. Seu tema, “o sinal dos tempos”. Antes de entrar no assunto, o pregador informou que era a quarta vez que tinha a honra de pregar na abertura de um concílio. Dentro do “recordar é viver”, ele mencionou que a primeira vez, no antigo templo de Belo Horizonte, ele pregou sobre o versículo “vinde a mim e eu vos farei pescadores de homens”. No segundo, em Juiz de Fora, o tema foi “o que é o cristianismo? Cristianismo é vida”. A terceira vez ocorreu no Catete e o tema foi “sê tu uma bênção”. Ouvindo de novo esse sermão, matando as saudades do seu pensamento, do seu timbre de voz e do sotaque meio italianado que herdou de seus antepassados, não consegui segurar a emoção. O Rev. Baggio, um dos maiores amigos de meu pai, era uma pessoa muito querida. E muito simples, apesar da importância que tinha na Igreja Metodista, delegado a cinco concílios gerais e ex-pastor de cinco das principais igrejas do Brasil: Juiz de Fora, Belo Horizonte, Catete, Vila Isabel e Cascadura. Nada disto, no entanto, era importante para ele. O importante é que ele era pastor e, como o Cristo que o chamara, um bom pastor. Fui seu paroquiano duas vezes. A primeira, no início da adolescência, em Juiz de Fora. A segunda, já adulto, na igreja de Vila Isabel, bairro onde ele morou longos anos após a aposentadoria, no mesmo prédio em que meu pai morava. A amizade dos bancos acadêmicos e da vida pastoral tinha agora a alegria de um convívio mais freqüente e de papos mais prolongados, de muitos dos quais eu tive oportunidade de participar. O Rev. Baggio, como um bom pastor, amava o ser humano intensamente. Estava presente em todas as oportunidades. Nos momentos mais alegres dos seus paroquianos, nem sempre. Nos momentos de dor e desespero, no entanto, ele era geralmente a primeira pessoa que chegava. Esse é o relato que muitos fazem dele, essa diligência em estar junto no momento em que mais se precisa de amparo. Tive um acidente de carro em 1966, felizmente sem maiores proporções do que ligeiras equimoses. Quando chego a minha casa horas depois do acidente, após ter sido atendido no Hospital Salgado Filho, no bairro do Méier, o Rev. Baggio já estava me esperando, para dar graças a Deus por minha vida e para o conforto da família. Como pastor, o Rev. Baggio ia muito mais longe na sua preocupação com o seu rebanho. Muitas vezes, como meu pastor, o Rev. Baggio, numa época em que os pastores não tinham carro, me pedia que saísse com ele para fazer algumas visitas pastorais a locais mais distantes. Relembrando aquelas vezes, mais tenho a convicção de que o que realmente ele fazia comigo não era um pedido de carona mas, com amor pastoral, capacitar-me para o atendimento ao ser humano em suas dificuldades. Uma vez, fomos visitar um irmão internado num hospital em Parada de Lucas. Conversamos com o doente e oramos com ele. Ao preparar-me para ir embora, o Rev. Baggio me diz carinhosamente: “Wesley, tem muita gente nas enfermarias precisando de conforto e de oração. Eu vou visitar a enfermaria das mulheres. Para ganharmos tempo, visite a dos homens”. Que experiência empolgante conversar com pessoas que eu não conhecia e poder orar por elas. Era assim o Rev. Baggio, ele nos ensinava a viver. Daquele hospital, perguntando se eu ainda tinha tempo, acabamos visitando uma pessoa em Irajá e outra em Madureira na rua Conselheiro Galvão. Só pelas nove da noite deixei o Rev. Baggio na porta de sua casa. O Rev. Baggio vivia o mundo do seu tempo. Em seu último sermão, ele falava que um dos sinais do tempo era a evolução dos meios de comunicação. E mencionou dois fatos recentes, a primeira caminhada do homem na lua e o milésimo gol de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, acontecimentos que foram vistos, simultaneamente, por milhões de pessoas pela televisão. Ele gostava de futebol e torcia pelo Fluminense, embora nunca tivesse tempo de ouvir os jogos pelo rádio ou assistir as transmissões de televisão. Era pastor dos jovens, das crianças e dos adultos. Para cada grupo tinha uma mensagem especial. Tinha alguns gestos característicos. Um deles era erguer bem alto salvas ou sacolas de coleta enquanto se fazia a oração de ação de graças. Não se preocupava muito com as questões administrativas. Era pastor de pessoas e não de cargos. Não tinha preferência por grupos ou por pessoas, amava a todos. Também não tinha preocupações políticas na igreja, nem na geral nem na regional. Era sempre o ponto de equilíbrio em tudo. Só houve uma exceção, que eu permito relembrar aqui para mostrar a inteireza de seu caráter e para registrar o fato para a história. Em 1968, quando o Colégio Episcopal, na época composto pelos bispos e presidentes das juntas gerais, determinou o fechamento da Faculdade de Teologia, houve protestos em toda a comunidade metodista do Brasil. Os mais fortes, sem dúvida, foram os de nossa região eclesiástica. Reunidos em minha casa, mais de vinte pessoas, pastores e leigos, preparamos um manifesto ao Colégio Episcopal pedindo a reabertura da Casa dos Profetas ou a convocação de um Concílio Geral Extraordinário, que acabou sendo realizado em Piracicaba em setembro daquele ano. Cópias do manifesto foram levadas às igrejas para obtenção de assinaturas de seus pastores e dos paroquianos. O Rev. Baggio, contrário à atitude das autoridades da Igreja, assinou conscientemente o manifesto. Como o seu temperamento era de equilíbrio, no entanto, ele deu a marca de sua personalidade acrescentando à assinatura, uma vírgula e a expressão “com todo o respeito”. Hoje tenho a certeza de que a assinatura do Rev. Baggio e o seu adendo devem ter tido, ao lado do impacto de milhares de assinaturas, um peso muito importante nas decisões que foram tomadas. Leio num artigo do Rev. Baggio, publicado no Expositor Cristão de 10.11.49 sob o título “Por que sou Ministro do Evangelho”, a profissão de fé do seu chamado por Cristo: “No ministério, o homem de Deus é chamado para o exercício dos mais nobres misteres da vida, pois o Ministro de Deus é o anjo do Céu, portador da mensagem de Paz, de Perdão, de amor e de salvação eternal. No ministério, nada se pede, nada se exige, não se tem direitos a reclamar, nem conforto, nem alegrias, nem comodidade; no ministério, porém, tem-se de tudo, desde a paz de Deus até o “pão nosso de cada dia” e, muitas vezes, aqueles que buscam, no mundo, só os bens materiais, não conseguem aquilo que o ministro recebe, dadivosamente, das mãos divinas. É assim o ministério, inexplicável, misterioso, milagre constante da graça do Mestre”. O Rev. Baggio nasceu em 26.5.1901, na cidade de Santa Bárbara em Minas Gerais. Nasceu católico romano mas converteu-se com 18 anos na igreja Metodista de Belo Horizonte. Recebido à comunhão da igreja em 4 de abril de 1920, foi chamado para o ministério, tendo chegado ao Granbery em 13 de fevereiro de 1922. Formou-se em Teologia e foi ordenado diácono em 18 de novembro de 1930 pelo Bispo J.W. Tarboux. Posteriormente, foi consagrado presbítero pelo Bispo César Dacorso Filho, que ele considerava o maior dos metodistas de nossa pátria. Casou-se em Juiz de Fora, em 16 de dezembro de 1931 com Dulce de Campos Nascimento, também já falecida, de família tradicional metodista. Foi oficiante o Bispo César, na época pastor daquela igreja. Deixou sete filhos, um homem, Walter, e seis mulheres, Wanda, Wilma, Vera, Vilda, Vilna e Vani. Durante o seu ministério, foi capelão do Bennett, professor do Seminário e presidente da Confederação Evangélica do Brasil. Aos oitenta e dois anos de idade, o Rev. Baggio foi chamado de volta ao lar no dia 11 de novembro de 1983, no Rio de Janeiro, para grande tristeza de seus familiares, amigos e ex-paroquianos. Como ele dizia no seu citado artigo, “sou ministro para Servir às almas, para Salvar as almas, para Santificar as almas”. Porque assim ele viveu, dando sempre exemplo de sua fé, honramos sua memória. Deus seja louvado pela vida de Antônio Baggio, aquele que, ouvindo o chamado do mestre, não olhou nunca para trás e a ofereceu integralmente ao Senhor da Igreja e de tudo. Texto de João Wesley Dornellas. Publicado originalmente no AVANTE.