VI Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde Fortaleza 27, 28 e 29 de março de 2007 Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde Relatório do VI Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde Abertura Gostaria de pedir a benção aos meus mais velhos e aos meus mais novos e agradecer aos nossos deuses e deusas pela criação desse espaço de resistência do povo de terreiro e do povo negro, que é o VI Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde. Quero agradecer também ao povo de Fortaleza que nos recebeu carinhosamente fazendo desse seminário um encontro de confraternização. Seria injusto de minha parte não agradecer a Marco Antonio Guimarães, a Lucia Xavier, a Fernanda Lopes e a Roger Barros, grandes parceiros que me escutaram em momentos de aflição que antecederam a esse evento. Gostaríamos de agradecer também o empenho do Dr Odorico, Secretário Municipal de Saúde de Fortaleza e ao Vice-prefeito dessa cidade, Sr Carlos Veneranda. Agradecimento aos nossos apoiadores e colaboradores: Ministério da Saúde(PN DST/AIDS e PNH), Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, SEPPIR, Prefeitura de Fortaleza, Instituto Cuidar e OPAS, que acreditaram em nossa proposta. Não poderíamos deixar de falar da importância da Equipe de Acolhimento e da Equipe da Secretaria de nosso seminário. Sabemos que acolher e cuidar é uma arte que possibilita a criação de um meio ambiente bom o bastante, características fundamentais do povo de terreiro. O acolhimento, o cuidado e o respeito deve ser a nossa meta nesse encontro, onde muitas vezes vamos divergir no campo das idéias, vamos nos deparar com visões de mundo diferentes da nossa, vamos conhecer outros valores, vamos tomar posições diferentes dos nossos parceiros e parceiras, mas isso certamente é o que nos torna mais ricos, mais fortes e saudáveis. Agradecemos a cada um dos senhores e senhoras aqui presentes que saíram de suas casas para compartilhar conosco um desejo: o desejo de que seja garantido o direito a saúde de todas as pessoas, independente de cor, religião, sexo, idade ou orientação sexual. O desejo de que o SUS que sonhamos possa se tornar realidade de norte a sul desse imenso país. E certamente nós, povo de terreiro, estamos contribuindo para isso pois foi a nossa força e o nosso axé que fez com que todos e todas pudessem estar aqui. Sejam todas e todos bem-vindos pois esse seminário é nosso José Marmo Silva, secretário-executivo da Rede Nacional de Religiões AfroBrasileiras e Saúde VI Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde Realização: • • • Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza Prefeitura de Fortaleza Colaboração: • • • • Instituto Ori- Apere Criola Instituto Cuidar PCRI/Programa de Combate ao Racismo Institucional Apoio: • • • • Ministério da Saúde SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial SPM - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres OPAS – Organização Panamericana de Saúde A entrega do presente para às deusas das águas Na tarde do dia 27 de março, os atabaques começaram a rufar na Praia de Iracema e os participantes do seminário entoaram os cânticos de louvor às deusas das águas. Cada representante e liderança de terreiro saudava as deusas de acordo com sua tradição de matriz africana. Foram cânticos para Oxum, Iemanjá, Dandalunda, Janaína e Mãe Dágua. Todas foram homenageadas e logo a seguir o presente foi levado, em cortejo, ao mar. O clima de confraternização era grande. Povo de angola, de jurema, de keto, de ijexá, de umbanda, do batuque, de tambor de mina, de terecô, de xambá, gestores e profissionais de saúde saíram cantando juntos em direção a praia. Foi chegado o momento de colocar o presente no mar. Os mais velhos, conhecedores dos segredos, iniciaram o ritual como manda a tradição, enquanto os mais novos continuavam cantando. Tudo transformou-se em magia e encantamento. Os homens, carregando os balaios de flores, caminhavam em direção a jangada que levaria o presente. Já na beira d’ água uma onda mais forte aproxima-se e molha a todos e todas. O povo fica feliz e grita: Odôyá! Odôyá! Salve Mãe D’Água, Dandalunda... Ora Iyê Iyê o! As deusas recebem o presente e retornamos com a certeza que tudo correria bem. Dia 27 de março de 2007 17:30h - Mesa de Abertura Pai Silvio, Dr. Odorico, Carlos Veneranda, Maria Palmira, Adailton e Cleide Convidados: Pai Silvio de Iemanjá - representante do Núcleo da Rede em Fortaleza Mãe Beata de Yemanjá - conselheira da Rede Nacional Sra. Cleide Carmen - representante do Programa Nacional de Humanização/Ministério da Saúde Sr. Adailton Silva - representante do Programa Nacional de DST/AIDS/Ministério da Saúde Sra. Maria Palmira da Silva - representante da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Dr. Luis Odorico Monteiro - Secretário Municipal de Saúde de Fortaleza Sr. Carlos Veneranda - Vice-prefeito da Cidade de Fortaleza Pai Silvio de Iemanjá “Boa noite a todos e todas. Peço à benção aos meus mais velhos e mais novos. Aproveito para saudar os gestores e os colaboradores desse evento. É um prazer Fortaleza sediar um seminário como esse. A vida da gente parece uma rede. Em nome de todas as pessoas de terreiro de Fortaleza e da Região Metropolitana, sejam bem-vindos. Fortaleza tem a necessidade de tê-los como parceiros. Tudo que for tratado aqui nesse Seminário, seja captado e absorvido, da forma mais carinhosa e consciente. Obrigado. Mãe Beata de Iemanjá “Em primeiro lugar eu peço a bênção a todos os meus irmãos, aos meus filhos e quero abençoar a todos. É com grande prazer que estou nesse lugar tão maravilhoso. Fortaleza tem a ver comigo: mulher idosa cansada, mas estou aqui. Agradeço a acolhida. O povo precisa de apoio, de amor e de compreensão. Se você tem um elo de corrente e você colocar mais um elo, a corrente vai crescer. É o que acontece com a Rede de Religiões Afro e Saúde. Lembro-me o começo disso tudo. Hoje tenho muito prazer em pertencer a essa Rede de Saúde. A cada dia eu me sinto mais fortalecida. Quando olho e vejo todas as religiões: a umbanda, o catimbó, o tambor de mina, o candomblé, o batuque e outras que estão unidas. É isso que Olorum quer. Ele criou o aiyê para existir amor e fé. Uma religião ou culto não pode pensar que é mais importante que o outro. Todos somos irmãos iguais para Olorum. Obrigada Sra. Cleide Carneiro, representante da Política de Nacional de Humanização do Ministério da Saúde “Boa noite a todos e a todas. Peço licença para pedir a bênção de todos. Não poderia perder a oportunidade de sair tão abençoada daqui. Nesse momento represento a Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde. Faço parte desse conjunto, dessa política que nesse momento é o espaço mais adequado para que façamos com que haja nova cultura em que todos possam se sentir representados e capazes de contribuir. Nós que estamos inseridos dentro da Política Nacional de Humanização precisamos muito daquilo que sairá daqui. Muitas vezes colocar na lei é fácil mas saber mudar mentalidade é que é difícil. Precisamos mudar mentalidades. Falamos muito e as coisas não acontecem. Quem está lá dentro sabe dessa dificuldade. Vocês sabem podem nos ajudar a modificar essa situação. Por isso, é muito bem-vindo esse momento que se inicia. Obrigada a todos e que o trabalho seja bom para todos nós.” Sr. Adailton Silva, representante do Programa Nacional de DST/AIDS “Boa noite. Agradeço ao convite para participar do evento. O Programa Nacional de DST/AIDS tem feito parcerias com a Rede de Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde. Vim aqui representar o Programa Nacional junto com os bolsistas do Projeto Afroatitude. Meu principal objetivo é contribuir com vocês, e principalmente, aprender com o acúmulo da Rede de Religiões ao longo desses anos. Com certeza além desse espaço ser de construção de vários setores da sociedade, é oportunidade de aprendizado para os gestores em relação a algumas políticas. Estou aqui para ouvir e aprender com vocês sobre o que pode ser feito para melhorar e qualificar as políticas com as quais trabalho e, espero contribuir no que for preciso. Desejo um bom seminário para todos nós.” Sra. Maria Palmira da Silva, representante da SEPPIR “ Boa noite. Quero aproveitar para cumprimentar a coordenação do VI Seminário Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde. Quero cumprimentar as representações de governo, a Mãe Beata, representando todas as lideranças religiosas aqui presentes. Cumprimento o Vice-Prefeito e demais autoridades e cumprimento o Secretário de Saúde, representando todos os trabalhadores da saúde, aqueles que fazem no dia a dia, a saúde da população negra entrar de fato na agenda do SUS no Brasil. É uma honra muito grande poder participar dessa mesa porque venho da saúde, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Trabalhei anos naquela Secretaria em que iniciei a implantação da Área Temática da Saúde da População Negra. Vi esse pezinho aqui no cartaz e fiquei emocionada, pois também fizemos um pezinho lá, iniciamos a divulgação de medidas preventivas para o diagnóstico precoce de anemia falciforme. Vejo essa iniciativa se espalhando Brasil afora. É gratificante saber que no início do processo de institucionalização dessa temática havia dúvidas das autoridades sanitárias e dos profissionais de saúde se de fato esse era o caminho: institucionalizar uma Área Temática de Saúde da População Negra. Hoje vemos que isso era verdade e que era importante a nossa bandeira. Em 2003, na XII Conferência Nacional de Saúde, tive a honra de liderar ao lado de outras lideranças – José Marmo era uma liderança presente- a inclusão nas resoluções da Conferência dos terreiros como espaços de promoção de saúde. Foi um ganho. A primeira vez em que uma Conferência reconheceu a importância dos terreiros como promotores de saúde. Hoje não trabalho mais na saúde. Na SEPPIR trabalho com políticas para comunidades tradicionais, temos recorte para a saúde da população quilombola e membros das comunidades tradicionais. Sou recém-chegada nessa área. Acho que vai ser importante esse trabalho para fortalecer as comunidades de terreiro. Temos parcerias e projetos financiados para esse público. Mas na área da saúde é importante fortalecer essa parceria. Infelizmente, não ficarei o Seminário inteiro. Deixo aqui os cumprimentos da Ministra Matilde Ribeiro que em virtude de outra agenda não pôde estar aqui. Mas ela me fez recomendações pessoais de desejo de que essa Rede e o Seminário se expandam pelo Brasil afora. Pois o terreiro é o legado mais importante para a resistência contra racismo, desde a escravidão. A partir das iniciativas de municípios, estados e do governo federal começa a entrar na agenda das políticas públicas a questão dos terreiros. Há um livro do Ministério da Previdência Social, não sei se todos o conhecem... em que as religiões de matrizes-africanas figuram como organizações sociais importantes para a preservação e a conquista de direitos. Aparecem como guardiãs dos direitos de nossa população. Espero que os próximos dias sejam proveitosos. Que os resultados desse Seminário possam de fato influenciar técnicos, trabalhadores e gestores da saúde do poder público Brasil afora. Estou à disposição e deixo um abraço forte para todos aqui. Cumprimento-os por essa iniciativa tão bela. Estou muito honrada em fazer parte da abertura desse Seminário. Muito obrigada.” Dr. Luis Odorico Monteiro, Secretário Municipal de Saúde de Fortaleza “Boa noite. Gostaria de pedir a bênção a vocês (Axé) e saudar a mesa: Mãe Beata, Pai Silvio, o Vice-Prefeito, a Cleide, ao Adailton, a Palmira. Gostaria de saudar e parabenizar o Marmo e o Roger. Estou muito feliz em estar aqui. Esse momento é importante e tem a ver com a nossa trajetória. Desde o movimento estudantil, acreditamos na possibilidade de construir uma sociedade em que se possa conviver com valores das diferenças. Para ilustrar essa trajetória vou contar um caso: era médico, clínico, recém formado em 1990, residente e Secretário de Saúde de Capuí, cidade do litoral. Consultei uma moça que tinha transtorno mental e a trouxe de ambulância para o hospital psiquiátrico de Fortaleza. A paciente voltou para casa, para a família. A família me pediu emprestado a ambulância para levá-la para o terreiro. Isso foi uma polêmica na cidade. Eu a levei por considerar o terreiro um espaço terapêutico. Eu fui diretor de hospital em Quixadá e muitas vezes a família falava: Nosso irmão está bem aqui , mas precisamos levá-lo para o terreiro e depois ele volta para a internação. Isso aconteceu várias vezes e deve estar acontecendo em vários lugares. O terreiro fica sendo uma militância clandestina e isso precisa deixar de existir. A militância dos terreiros é muitas vezes mais acolhedora do que certos espaços do SUS. Fico feliz pelo VI Seminário acontecer em Fortaleza. Agradeço ao Marmo por dar preferência para nossa cidade. Aproveito para dar boas vindas a vários companheiros de outros estados. Sejam bemvindos. Não tenho dúvida de que estamos no rumo certo para a construção de nova sociedade, de novo homem e nova mulher em que novos valores irão vigorar. O terreiro é historicamente um espaço de resistência importante de afirmação de nossa cultura. Do ponto de vista terapêutico, ele é um espaço de escuta, de acolhimento e de cura. Vivemos um momento em que o sofrimento está presente nas pessoas e a medicina não dá conta desse sofrimento. O terreiro é esse espaço de acolhimento e de cura do sofrimento. Muito obrigado. Um grande abraço e feliz Seminário para todos.” Sr. Carlos Veneranda, vice-Prefeito de Fortaleza “A tô tô Obaluiaê. Começo minha fala saudando o Orixá da saúde. (Axé) Muito axé. Que esse encontro que reúne o povo de santo e os profissionais de saúde seja profícuo. Responda pelas nossas necessidades de interação e de compreensão para que a nossa saúde e a saúde do povo brasileiro tenha muitos ganhos. Vivemos momento de inclusão graças à força do movimento social e à posse de um homem do povo no Planalto Nacional, o operário Luis Inácio Lula da Silva. Vivemos raro momento de aumento da inclusão no nosso país. Temos hoje mais voz e mais respostas. Temos mais programas voltados para os excluídos do que anos atrás. Isso não é ainda suficiente para evitar as trágicas manchetes de crianças índias morrendo de desnutrição, de morte por dengue hemorrágica, morte por falta de saúde pública e pelas mazelas do mal atendimento nos hospitais públicos. Mesmo assim, volto a dizer, esse é um momento de inclusão. Povo de santo, de umbanda, do candomblé e de outras religiosidades que não citei, precisamos empunhar a bandeira da inclusão. Ela se manifesta num encontro como esse. Aqui hoje estão dignamente representados os babalorixás, as ialorixás, as ekédis, os ogãs e os iniciados. Outros sacerdotes e profissionais de saúde buscando a inclusão dos saberes africanos guardados nos rincões desse país, esperando momento de ver a luz da sociedade brasileira para contribuir para o crescimento desse país. Os que vieram da África, nossos ancestrais, trouxeram ciência e tecnologia, malgrado dos mal tratos sofridos. Foram esses saberes responsáveis pela construção do Brasil. Mas as elites voltaram as costas para a nossa cor e mantiveram o racismo por anos a fio. Racismo escondido nas frases profanas: como preto tem alma branca; é negro mas é limpinho; é negro mas é honesto. O racismo é inibidor do acesso ao emprego, ao estudo e a inclusão na sociedade. Foram séculos de mitigação, mas também séculos de resistência. É por isso que estamos aqui hoje, porque resistimos. Muitos de nós não têm carapinha, nariz chato, nem característica negróide. Mas tem estranha ligação profunda com a mãe África. Sabem que em seu sangue vermelho correm os rios de Oyá, os rios de Xangô, de Oxalá, nas veias da mãe África. E esse sangue é belo porque corrompe o sangue novo da anemia. Vamos corromper com esse sangue positivamente a medicina que nos escuta; é com esse sangue que vamos irrigar a saúde pública com os saberes de nossos terreiros em que o mais importante é o carinho, o afago e a interação da mente com o corpo, do corpo com a natureza, do corpo com o astral, com os céus doa orixás e o Universo de Odumaré. Axé meu povo da saúde. Axé meu povo de santo.” 18:30h - Conferência: As Contribuições das Religiões de Matrizes Africanas para a Sociedade e o Estado. Edson Cardoso/ editor do Jornal Irohin “Boa noite. Sinceramente peço licença para ocupar esse espaço que é de uma relevância, que a mesa anterior já pontuou. Espero ser abençoado por todos e todas. (Axé). A tarefa é difícil. Falo há mais de 25 anos e comentei com amigos que essa seria a minha fala mais difícil. Não imaginei que aos 57 anos fosse sentir uma tensão para falar já que faço isso sempre. Estou emocionado por estar aqui com vocês. Espero estar a altura do convite feito por Marmo. Penso que seja um prêmio não só a mim, mas ao ativismo de uma militância anônima que tem se dedicado há décadas na luta pelo racismo e pela superação das desigualdades raciais. Ao me escolherem para estar aqui, imagino que seja homenagem a outros ativistas que fazem esse trabalho pelo país. Vou dividir minha fala em dois momentos: no primeiro momento, peço licença para ler notícia de jornal. Sou de Salvador e moro em Brasília.É uma realidade que muitas vezes vocês conhecem mais do que eu. Mas achei necessário escolher texto que tivesse como pano de fundo uma referência comum para todos durante minha fala. É um texto que se refere ao Cabula 4. Cabula é referência antiga para nós. Em 1826, por exemplo, nesse mesmo lugar havia o quilombo do Urubu e que as lutas desenvolvidas por esse quilombo tiveram a participação de terreiros de candomblé. Vou ler matéria do Jornal Folha da Tarde, de 18 de março de 2007 se referindo a uma nova área do Cabula, o Cabula 4. Uma ladeira estreita e mal pavimentada, à direita da rua Silveira Martins, no Cabula 4, dá acesso a uma comunidade de 6 mil habitantes esquecida pelos órgão públicos de Salvador. Lá embaixo moradores convivem com lixo acumulado, esgoto a céu aberto, ratos, baratas e cobras. “Aqui reina o caos e o descaso. É muito sofrimento”, resume o líder comunitário , Eliosvaldo José Marcos França presidente da Associação de Moradores da rua Amazônia de Baixo que existe há 2 anos e luta por melhorias estruturais para a comunidade. O caminhão da Limpurb só passa na área de baixada onde tem casebres a cada dois meses. Anteontem foi dia de coleta e foram retiradas 11 caçambas de lixo. O órgão consegue acesso só pela rua ao lado ao Posto Shell. Quando chove a estrada de barros cria crateras e é preciso jogar entulho para passar. “A culpa não é da Limpurb, ela tenta tirar o lixo mas não consegue. “É questão de infra-estrutura”, diz Eliosvaldo. Com o problema acumulam-se por mais de meses materiais e detritos em um canto de uma área de barro usada por jovens e crianças como campo de futebol. Os moradores que moram em uma rua mais afastada preferem jogar o lixo no córrego do Cascão, braço de uma lagoa no Cabula 4, que passa ao lado da área de reserva federal do Exército. Ubiracira de Asunção, desempregada, 49 anos, que vive com filho e neto em casebre perto de ruir com a chuva , diz “todo mundo joga.” “A água desce pela encosta e entra no quarto” , diz Ubiracira. “Convivemos com ratos, cobras, ruas sem iluminação, não tem área para as crianças brincarem, é precário mesmo”, desabafa Risonilde Santana, casada, 53 anos e com quatro filhos. Há alguns anos foi registrado caso de lepitospirose que vitimou morador da região. Dengue é doença comum no local devido à proliferação de mosquitos. Moradora da Alameda Santa Bárbara ao lado do campo de futebol, Angélica Conceição Gomes 47 anos, conta que o maior problema da sua rua é o esgoto que a qualquer chuva , sobe e alga o chão de barro. Presidente da Associação de Moradores da Vila Amazônia disse que precisou ligar mais de cinco vezes para a Embasa na manhã da última sexta para que uma equipe fosse fazer a limpeza dos canais entupidos. Fala Angélica “É como se o bairro não existisse. Isso causa revolta” Enquanto o problema não era resolvido crianças de pés descalços brincavam nas poças em que era possível sentir o mal-cheiro de esgoto. Eliosvaldo França à frente de toda movimentação para chamar a atenção de órgãos municipais para os problemas da região disse que já enviou para a Administração, nos últimos anos, diversos ofícios para melhorar a infra-estrutura. Ele apresentou documentos mostrando que a comunidade já foi contemplada pelo orçamento participativo da Prefeitura. Até hoje os moradores nada receberam. Em março do ano passado foi realizada audiência pública no Ministério Público a fim de resolver a questão. Na ocasião, ficou decidida a realização imediata de obra de contenção e das vias de acesso. Nada foi feito como qualquer autoridade pode constatar ao visitar a rua Amazônia de Baixo. Até o momento tudo o que tem sido feito na localidade é obra dos próprios residentes liderados pela Associação de Moradores, participam da equipe: representantes de cinco igrejas, quatro terreiros de candomblé, um centro espírita e cinco escolas comunitárias. Juntos elas organizam 12 projetos sociais conveniados com a UFBA, a UNINI e o 19º Batalhão de Catadores. São oferecidas aulas de teatro, música e cidadania para 650 crianças e adolescentes. O Superintendente de Urbanização da Capital e subsecretário de Transporte Infra-estrutura, Adriano Peixoto, indicado como responsável por esclarecer o que está sendo feito a respeito daquela região, afirmou que nessa segunda irá enviar equipe até o local. “Priorizamos as áreas que faze parte do orçamento participativo”, disse Peixoto. Houve uma referência na matéria a quatro terreiros de candomblé que estão envolvidos com outras instituições religiosas ou Associações de Moradores para de algum modo suprir a ausência do poder público. Estamos em 2007 e nesse mesmo lugar os terreiros estavam, no início do século XIX, buscando animar, apoiar as pessoas que ali lutavam por sua liberdade num país escravocrata. Eu penso que não precisaria dizer mais nada sobre a importância dos terreiros na sociedade. Uma matéria de jornal diz bem em que tipo de atividade um terreiro está envolvido. A questão que temos de refletir é que tipo de apoio um terreiro tem para desempenhar esse papel. O Estado brasileiro é laico quando se trata de religiões de matriz-africana, quando não se trata, ele não é laico. Vocês não têm idéia do tipo de acesso ao dinheiro público que a Igreja Católica tem. Vocês não têm idéia hoje do tipo de acesso dos grupos evangélicos ao dinheiro público. Mas na hora que se trata de religiões de matriz africana o Estado é laico mas ele pode repassar recursos para igrejas, outrsa religiões. A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra é transparente no que diz respeito à importância de participação de entidades e organizações negras para que a Política funcione. Temos certeza de que é preciso essa participação para a Política funcionar, mas essa participação já existe independente da existência da Política. A questão é que condições de empoderamento dessas instituições, desses terreiros, para que elas possam de fato contribuir para que uma Política de saúde voltada para a população negra possa funcionar. As Santas Casas de Misericórdia receberão 3% da loteria dos Clubes (para resolver o problema de dívidas dos clubes de futebol). É recurso carimbado. Como os terreiros poderão exercer a sua misericórdia em relação ao seu povo? Como se observa, para que alguns possam exercer a sua misericórdia existe a destinação de recursos numa loteria. Mas não existe nenhuma iniciativa do poder público que diga “olha, essas estruturas frágeis que desempenham tarefas de esgotamento sanitário, de saneamento básico , de saúde pública, fazem a tarefa do poder público.” Se a Prefeitura de Salvador não cumpre essa tarefa com toda a arrecadação fiscal que possui, imaginem como um terreiro pode dar conta de uma tarefa dessa. O terreiro tem que “correr” para socorrer um quadro de descalabro como o citado na matéria do jornal. Numa área que já ocupamos há séculos. Ela permanece em estado de absoluto abandono, é como se não existíssemos. A contribuição que posso dar é organizar um pouco o conjunto de obstáculos que temos nesse momento para realizar o que pretendemos realizar: assegurar a atenção devida com equidade para a saúde de nossa população. Mas que tipo de obstáculos nós podemos enfrentar? Vou dar exemplo: o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, esteve visitando alguns estados para falar de Copa de Mundo, em 2014. Ele foi mimado por vários governadores estados, pois nem todos os estados poderão ser sedes da Copa e das eliminatórias. Há uma matéria do Jornal O Estadão, de 17 de março, que trata do agrado dos governadores para Ricardo Teixeira. A Bahia o presenteou com um Oxalá. Vejam só, estávamos nos referindo a uma parte do estado da Bahia – Salvador- e a situação de penúria da população negra em que os terreiros tinham que correr para supri-la no lugar do governo. Mas na visita de alguém que quero agradar, eu dei um Oxalá. Esse é o primeiro obstáculo ou desafio que temos na relação com o Estado: a apropriação que o Estado faz de nosso patrimônio cultural. O Estado se apodera disso como se fosse dele sem ter vínculo com a população negra. Não se sente comprometido com aquela população. Não é possível se falar de Oxalá sem olhar as condições de vida dois filhos de Oxalá. Mas essa apropriação é feita a todo tempo. É só chegar na minha cidade, no aeroporto, você vê a apropriação dos valores do universo cultural do negro. Apropriam-se dos valores, faturam com eles e não dão a mínima atenção à população portadora desses valores de cultura e de civilização. O Estado quer tirar vantagem de nossos valores culturais e não quer cumprir com suas obrigações de poder público e de Estado conosco. Os outros quatro obstáculos a que vou me referir, vou extrair da matéria sobre a cerimônia do Palácio do Planalto, no dia 21 de março. A Ministra Matilde e o Presidente Lula não compareceram à cerimônia de comemoração dos quatro anos de existência da SEPPIR e o dia Internacional contra Todas as Formas de Discriminação. Então, em seu lugar compareceu o Vice-Presidente da República que leu o discurso do presidente Lula. Eu já li o discurso diversas vezes e o Presidente não se referiu à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra aprovada no Ministério da Saúde. Ela não foi mencionada entre os avanços do seu governo. É bom ficarmos atentos a isso. Mas, o Vice-presidente não apenas leu, ele resolveu fazer considerações sobre o tema. As considerações do Vice-Presidente permitem ver o tipo de dificuldade que teremos com o institucional, com os gestores para mudar essa realidade que vimos no Cabula 4. Ele disse “é muito importante que a gente reconheça sempre que o Brasil é um país de raça miscigenada. Aqui não há outra coisa senão a mestiçagem santa.” Isso ele está dizendo para uma população majoritariamente negra que possui reivindicações específicas e que estaria comemorando quatro anos da sua Secretaria, de que aqui não existe isso. Ao falar de miscigenação ele nega a identidade negra, sua historicidade, sua especificidade, a validade e legitimidade de suas reivindicações. Como se trata de negar a identidade negra, ele continua “eu, por exemplo, tenho sangue negro e me orgulho disso, porque minha avó materna era negra.” A representação política do Estado afirma que é branca e que tem avó negra para negar a realidade da população negra. Então, vamos parar com essa conversa de negro, de religião negra, de segmento negro, todo mundo aqui é miscigenado. Como é que a Política vai ser implementada se isso não existe. Bom, não vai ser. Na cerimônia, Tereza Santos, uma ativista de longa data, teve uma fala forte do movimento negro e da necessidade de avançar e tornar esse país uma democracia de verdade. O Vice-Presidente se sentiu ameaçado e respondeu “eu acho que nós, que somos considerados brancos, vamos precisar de gente como elas (Matilde Ribeiro, Tereza Santos, Benedita da Silva e outras) para nos defender porque senão, eu não sei não, os excluídos seremos nós.” Vejam só. Ele revela o medo da perda de privilégios diante das reivindicações da população negra. Ora vejam, José Alencar é um grande empresário brasileiro do ramo de lençóis, toalhas. Como foi que ele construiu esse patrimônio? A biografia dele mostra que ele soube aproveitar bem os recursos públicos para construir o patrimônio dele. Os mesmos recursos públicos que estamos disputando e que nunca tivemos acesso. Historicamente estamos nos organizando para exigir políticas públicas e recursos públicos. De repente, aqueles que sempre foram os donos desses recursos públicos e tiveram o privilégio de utilizálos em seus investimentos, se sentem ameaçados com as nossas reivindicações de políticas públicas. Eu falei da apropriação simbólica e aqui temos dois outros obstáculos: a afirmação da miscigenação como negação da identidade negra e o outro, o pavor e o pânico de perder os privilégios no acesso aos recursos públicos. Mas falta um quarto obstáculo: a eliminação física. Não existirá mãe sem filhos. Não existirá pai sem filhos. Os nossos filhos estão morrendo numa proporção que ameaça a nossa continuidade e o nosso futuro. A Política está preocupada com essas mortes da juventude negra. No entanto, nas estratégias da Política se toca muito pouco em qual estratégia será utilizada para deter essa agressão, esse genocídio. Nós temos que construir essas possibilidades. O fato de um Conselho ter aprovado uma Política não significa que ela está completa e acabada. Um Seminário como esse é para passá-la e repassá-la, e ver possibilidades onde vamos ampliá-la na definição de objetivos, onde vamos ampliá-la na concepção de estratégias, onde vamos ampliá-la nessa concepção de descentralização do governo. É fundamental que façamos isso. Só o reconhecimento do saber de vocês na Política é pouco. O importante é saber de que modo vocês serão incorporados à implementação da Política. No aeroporto, conversei com Ogã Wilson de Piracicaba, no bairro onde está localizado o terreiro dele, não existe Posto de Saúde, nem PSF. Então, como é que o terreiro dele com todas as debilidades conseguirá reunir pessoas e fazer um trabalho sem ser empoderado para isso. Como isso vai ser feito? Esse Seminário é a oportunidade para vocês definirem essa possibilidade de empoderamento dos terreiros. Os terreiros, ao se relacionarem com o município, com o estado e com o governo federal na implementação da Política, tem que deixar claro a necessidade de empoderar nossas instituições religiosas de matriz-africana. Não pode ser um terreiro da Baixada Fluminense que tem dificuldade para segurar suas telhas que vai para a rua, à frente da implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Isso é uma ficção. Sabemos que sem a participação de nossas instituições, entidades, organizações, terreiros, a Política não será realidade no Brasil. Há uma urgência na Política Nacional de saúde Integral da População Negra : como deter as mortes dos jovens negros? Só nós nos importamos com isso. Ninguém está preocupado com crianças negras de 12 a 19 anos que morrem no Brasil. São as nossas possibilidades de futuro. Vocês não podem terminar esse Seminário sem um documento e sem fazer alusão a esse genocídio de nossa população. No Jornal Irohin que mostrarei para vocês amanhã coloquei entrevista com Ana Costa na capa para que ela falasse das dificuldades para a implementação da Política e uma matéria sobre a morte do Clodoaldo, rapper, de 22 anos que foi assassinado por policiais. Clodoaldo não existe mais. Ele se parece com os personagens negros e jovens das novelas: ninguém tem pai, ninguém tem casa, ninguém sabe de onde eles vêm, para onde eles voltam. Existe uma moça negra que aparece na novela das oito apenas para transar com um rapaz e expor as partes do corpo nu. Eu nunca vi a TV mostrar as mesmas partes de corpos das atrizes brancas. Os personagens negros flutuam nas novelas com vidas em fragmentos. O discurso do Presidente de República é sintomático: não houve alusão ao projeto de cotas que está tramitando no Congresso; não houve alusão ao Estatuto da Igualdade Racial e nem à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Nós não sabemos com quem nós vamos contar. O Ministro da Saúde é novo. É preciso checar compromissos. O Ministro anterior fez algo histórico ao dizer em evento público que há racismo na saúde. E O ministro novo, vai manter essa leitura? Então, o que espero estar transmitindo para vocês é a idéia de que existem obstáculos que não são de uma pessoa. Os obstáculos são de uma cultura que o racismo criou entre nós. As pessoas dizem que quem matou o garoto foi um policial negro. Como se isso fosse nos calar. Sabemos como o racismo opera na sociedade brasileira. Há quinhentos anos o racismo construiu uma imagem de inferioridade das pessoas negras e a construiu para todas as pessoas. Não só para as pessoas brancas. O fato de um policial negro atirar em uma criança negra não quer dizer que não há racismo no Brasil. É a prova de que há racismo no Brasil que foi capaz de romper o vínculo de identidade que ele deveria guardar com os seus. Foi capaz de tirar dele o pertencimento que ele deveria manter e guardar com os seus. Marmo, espero ter dado conta da minha tarefa. Temos que sair desse Seminário construindo respostas. Temos que ter a capacidade de construílas. Muito obrigado.” 20h- Programação Cultural Grupo musical Batukajé Dia 28/03 (das 8h às 17h30) 08:30h - Canticos de louvor à vida e a natureza Os cânticos foram entoados por Mãe Venina de Ogum(Tambor de Mina do Maranhão), Mãe Ivanize de Xangô(Recife) e Babá Dyba de Iemanjá(Batuque do Rio Grande do Sul) Após os cânticos José Marmo da Silva, secretário-executivo da Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde ressaltou a importância do Programa Nacional de Anemia Falciforme pela presença e apoio possibilitando que técnicos e representantes de Associações de Anemia Falciforme pudesses participar do VI Seminário Nacional. “Gostaria de chamar o Dr. Paulo Ivo, da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, que nesse evento está representando a Dra. Joyce Aragão do Ministério da Saúde, uma antiga parceira nossa na luta pela saúde da população negra. Paulo Ivo Paulo Ivo, representando o Programa Nacional de Anemia Falciforme Bom dia a todos e todas. Gostaria de saudar meu pai Ogum e todos os sacerdotes e sacerdotisas presentes. Saudar todos os deuses e deusas de todas as religiões de matrizes-africanas que estão aqui no evento. Saúdo nossos ancestrais, sem eles não estaríamos aqui hoje. É com um enorme prazer que participo aqui em nome da Dra. Joyce, coordenadora da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Falciformes, do Ministério da Saúde. É uma política de ação afirmativa que vem sendo implantada para a população afrodescendente. É uma doença genuinamente ligada à população negra e que foi esquecida e tornada invisível pelo racismo institucional. Essa doença veio da África e foi dada como invisível esses anos todos, matando nossas crianças e nossos adultos. É uma doença que tem controle cuja política afirmativa vem mostrando que com verbas do Ministério das Saúde, conseguimos implantar políticas estaduais e municipais. Temos no Rio de Janeiro uma Política Estadual de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Falciformes com redução de 25% para 1,28% de mortalidade nessa população. Existe a Política de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Falciformes em Recife, em Salvador e, em fase inicial em outros estados. Finalmente, desde 2001, existe a Política de Triagem Neonatal – portaria 822 que obriga todos os estados a ter a triagem neonatal para essa doença através do teste do pezinho. Porém, nem todos os gestores estaduais são sensíveis a essa Política e nem todos resolveram implantar o teste do pezinho. O Sul e o Sudeste todo possuem o teste do pezinho. No Nordeste o teste do pezinho existe só em Pernambuco, Bahia e Maranhão. Faço apelo às pessoas que trabalham com a saúde da população negra para que tentem sensibilizar seus gestores e possamos implantar a política estadual de triagem neonatal em cada estado da federação. O Ministério da Saúde está à disposição para a implantação dessas políticas estaduais, damos apoio para eventos, treinamentos, tudo que esteja relacionado com a doença falciforme. Estamos aqui eu, a Dra. Silma e mais alguns representantes da sociedade civil organizada que vieram financiados pelo Ministério da Saúde. Nossa proposta é entrar nos terreiros com a questão das doenças falciformes. A quantidade de pessoas da etnia negra é grande e sabemos que a prevalência e a quantidade de pessoas com traço falciforme é enorme nessa população. É uma população que merece uma atenção com qualidade e humanizada em que são respeitadas suas tradições e suas culturas. O Ministério da Saúde lança um projeto de contadores de histórias africanas para crianças internadas com doenças falciformes para humanizar o seu atendimento e resgatar a questão africana dentro de suas culturas e de suas raízes. Obrigado.” Painel 1- Religiões de Matrizes Africanas, Ancestralidade e Saúde Expositores: Mãe Beata de Iemanjá(candomblé ketu) – Rio de Janeiro Makota Valdina(candomblé angola)- Salvador Pai Euclides(tambor de mina) – São Luis Coordenador: João Benício - Coordenadoria de Assuntos da População Negra da Prefeitura de São Paulo. Mãe Beata de Iemanjá, Pai Euclides, Makota Valdina e João Benício Sr. João Benício, coordenador do painel “Bom dia a todos e a todas. Antes de compor a mesa vou contar uma história para vocês. Antes de pedir à benção a vocês, peço a benção a Xangô meu pai, Kao Kabiecili. É muita honra estar aqui coordenando uma mesa em que está o Babalorixá Pai Euclides Talabian e Mãe Beata de Iemanjá. Na ECO 92 lá pelas 3 da madrugada, eu , Mãe Beata de Iemanjá, e mais 4 militantes do Brasil escrevíamos o primeiro tratado internacional contra o racismo. Portanto, é uma honra muito grande estar aqui. A bênção de vocês. A bênção dos mais velhos e a benção dos mais novos. (Axé) Gostaria de convidar a Sra. Makota Valdina de Salvador para compor a mesa. Gostaria também de convidar Mãe Beata do Rio de Janeiro. E por fim gostaria de convidar o babalorixá Euclides Talabian.” Expositora: Mãe Beata de Iemanjá “Minha bênção a todos e a todas, ogãs, ekédis, abiãs porque para Iemanjá todos são filhos dela e de Odorum. Trocar as bênçãos só nos faz ter mais consciência de nossas raízes. Eu quero agradecer ao acolhimento do povo do Ceará, aos organizadores do Seminário, ao Marmo que teve a grande iniciativa de criar o Projeto Ató-Irê e depois formar a Rede de Religiões Afro e Saúde. Isso só nos fez crescer. Ele nunca esquece de mim. Isso é maravilhoso, só nos dá auto-estima. O que seria de mim, uma mulher de 76 anos, se não tivesse o acolhimento de vocês. Nós precisamos disso, desse afeto, do olhar. O olhar é tudo. Digo que Marmo tem três olhares, para frente, para os lados, para tudo. Eu estava dizendo que me preocupava com o que estava escrito. Só que eu falo aquilo que sinto no momento. O papel é só uma mostra de que estou inserida com vocês de corpo e alma. Vocês me construíram. Vocês me gestaram e minha mãe me pariu. Iemanjá me deu outra vida. Nós, povo de terreiro, temos a vida da aparição e adquirimos outra identidade quando somos iniciados. Quando os orixás dão o orukó(nome) no barracão. Ali é o nosso verdadeiro nome. Nós temos o orukó, o axé. Isso é maravilhoso! Nesse momento peço a todos os meus irmãos e meus filhos que estão aqui para que esse encontro em Fortaleza não fique no abstrato e sim, no concreto. Não fique dentro dos seus egbés, dentro de seus terreiros. Levem suas vozes a outros povos, aos índios, à angola, à umbanda, ao catimbó, ao jeje, pois todos nós precisamos. Nós estaremos multiplicando e mostrando que precisamos de políticas de ações em Rede de Saúde . Todos somos responsáveis. Nós precisamos do nosso ara(corpo) sadio. O orixá, o inkice, o vodum, os encantados usam nosso corpo para trazer sua força, sua energia, sua grandeza. Esse legado foi entregue a todos nós. No Brasil não existem arianos, todos são negros e fazem parte dessa ancestralidade. Cuidem de si, do seu corpo que é o aperê e a cabeça que é o ori. Em primeiro lugar está o ori, a cabeça. É mais velho. Cuidem das pessoas que chegam no axé e pedem colo. Querem uma palavra em uma hora desesperada. Não se neguem. Foi para isso que Olorum criou o aiyê, com essa visão de amor, de fé, de multiplicação e de ajuda. Ele não nos mandou ao aiyê para vivermos separados, mas em união. Por isto que ele teve respeito, segundo minha avó contava, a cabeça é fêmea, por isso é criativa. Olorum criou os corpos e os deixou sem cabeças. Olorum chamou Ajalá(o fazedor de cabeças) e ele pegou argila, mandou fazer uma bola e disse “ quero esta bola com sete buracos para eles serem transmissores de tudo que eu quero que vocês sejam perfeitos.” Contem em suas cabeças quantos buracos de transmissão existem: os ouvidos para ouvirmos coisas boas, os olhos para vermos tudo, o nariz para sentirmos o olfato e levarmos o oxigênio para dentro do nosso corpo, a boca para nós passarmos a força da nossa saliva, a força do nosso ar, da nossa fala, das nossas atitudes para aqueles que querem nos ouvir. O ori antes de tudo nos dá oportunidade de sermos humildes, sensatos e construtores de cidadãos conscientes. Esse salão está cheio de ancestralidade. Na visão de mundo yorubá nós não morremos. É como um vidro de perfume. A essência está dentro daquele vidro. O vidro se quebra e a essência fica no ar. Por isso devemos ter unidade, amor, participar de ação da Rede. Não importa sua etnia ou posição social. O que importa é dar a mão ao irmão. O nosso corpo é mantenedor de axé. Esse axé precisa ser multiplicado. Eu mantenho essa posição. Lá no meu axé não interessa a cor, se é homossexual, soropositivo, se tem tuberculose, todos somos iguais. O apartheid não chega até o portão. Outra coisa preciso dizer: as mulheres casadas que se cuidem com a AIDS. Tomem cuidado. Boi gordo pula a cerca, não importa o tamanho. Já é constatado que há mais mulheres soropositivas do que antes. Negociem o uso de camisinha. Façam como eu que vou para o portão ensinar os meninos e as meninas como utilizar a camisinha, eu ensino sim. Temos que ter consciência de que somos seres humanos e que somos morada dos deuses. Não estou aqui para ser a dona do saber. Fiz todas as faculdades, apesar de ter só o terceiro ano primário. Fiz a faculdade no Recôncavo Baiano, no fundo da senzala. O pilão era meu lápis para fazer o azeite de dendê. Aprendi a fazer a farinha de inhame. Meu pai dizia que mulher não precisava aprender a ler para não mandar bilhete para o namorado. Mas aprendi mais do que ele. Eu fertilizei o meu ori com a minha fé, o meu amor e a ânsia de ser uma cidadã negra do candomblé, amando a minha religião, os meus deuses e minhas deusas e todos que chegam até mim. Em nome de Iroko. Quando se fala em Omolu, em Ossaim, devemos lembrar de Iroko. Quero agradecer a essa linda cidade que nos acolheu. Que vocês saiam daqui pensando que essa corrente tem que ser mil vezes multiplicada. Iemanjá abençoe a todos e todas. Obrigada.” Expositor:Babalorixá Euclides Talabian “Bom dia a todos os irmãos. A bênção para quem é de bênção. Para quem é de ketu, motumbá. Para quem é de angola, mokoiu. Para quem é de jeju, kolofé. Saúdo as ancestralidades que fazem parte da saúde juntando Obaluaiê, Ossaim e Iroko. Estou saudando a ancestralidade de cada corpo presente aqui. (Axé) Canto de saudação. Estamos no VI Seminário Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde e gostaria de falar da saúde como um todo, mas não tenho conhecimento dos nomes científicos. O que sei dizer é que nós, os descendentes dos africanos, aprendemos tudo sobre ervas, folhas, sementes raízes, cascas com os mais velhos. Sabemos que o terreiro é o sustentáculo do ser humano. Lembro que 30 e 40 anos atrás quando a medicina não era como agora, a maioria das pessoas iam para a casa de curandeiros, mães de santo, pais de santo buscar o seu remédio. Na maioria das vezes, as pessoas tinham problemas de queda de nervos. Era epilepsia ou problema mental. E sempre nessas casas, as pessoas eram acolhidas e elas ficavam curadas. Hoje isso não é diferente, a medicina está avançada e surge o SUS, mas há dificuldades. Enquanto alguém fica na fila de espera 30 dias, aguardando médico, outra vai lá na nossa casa(no terreiro) e obtém a cura. Nós de casa de culto temos que ter cuidado com isso. Temos que acolher, abraçar, incluir as pessoas que vem atrás de uma palavra amiga. Aliviar aquela dor. Ainda que elas possam ir ao médico, buscar outras saídas para suas doenças. Não podemos fechar nossas portas. Nós somos cultuadores de orixá e temos que receber qualquer pessoa. Avise que você vai atendê-la assim que terminar a sua tarefa. Se nós fecharmos nossa porta, qual a referência nossa para elas? Nenhuma. Não posso me estender mais porque não conheço palavras. Mas aqui há pessoas que podem ir mais longe. Obrigado.” Expositora: Makota Valdina “Em primeiro lugar quero reverenciar nossos ancestrais que chegaram nessa terra que está nos acolhendo para esse Seminário e que iluminaram os que ficaram para recriar e re-elaborar nas formas que ainda encontramos hoje. Isso é ancestralidade, é a nossa marca de ontem na atualidade. Como Pai Euclides, não sou da saúde. Mas vou tentar, a partir do nosso entendimento de saúde que temos da visão do candomblé, compartilhar com vocês algumas das minhas reflexões. Nós angoleiros entendemos saúde como estado de equilíbrio. Esse equilíbrio é físico, espiritual, psíquico, como queiram. Para atingirmos esse equilíbrio temos que nos remeter a uma ancestralidade maior: as energias, os inkices. No Brasil, com a reconstrução, a re-elaboração dessas tradições, fazemos equivalência com os orixás – do povo de ketu- e com os voduns – da nação jeje. Pelo menos estou me referindo ao que tenho na Bahia e que pode ter outros nomes pelo Brasil afora. Outro dia me perguntaram sobre uma lenda ou mito sobre inkisi. Eu disse que não sabia. Alguns acham que a lei 10639 é para ensinar candomblé nas escolas. Ela não existe para isso. Existe para se trabalhar a questão do respeito às religiões africanas. Não conheço lenda de inkisi. Só sei aquilo que ouvi e aprendi de mais velhos. Não lembro de mais velho contando sobre lenda de inkisi. Lembro dos próprios inkisi que se manifestam e que nos ensinam. Então me perguntaram o que era inkisi. Bom , para mim, se você olhar para a natureza, você vê o inkisi. O inksi está em você mesmo. Eles estão no ar, na terra, na água, nas plantas, nos animais. Então, como pode... Isso é mistério. Eu só acredito e aceito. Mistério é mistério. Inkisi é isso. Então, de onde tiramos nosso equilíbrio? É da natureza. É a natureza que nos alimenta e o remédio nos alimenta. Essa é a essência. É assim que entendo o que é orixá, vodum. Podemos falar nomes diferentes para terra, água, ar. A essência é uma só. Água é água. Chamam água...É essência. É o que vemos e o que não vemos. Isso é a essência. Bebemos água. Bebemos o orixá. Bebemos inkisi. O que a água contém para que a maior parte do nosso corpo precise dela para viver. É mistério. É o que dá equilíbrio e concorre para a saúde. É o que nos ajuda na cura. O que age mesmo é a essência. Somos apenas instrumentos. Esse Seminário é cura o tempo todo. Estamos nos curando, se renovando, tomando remédio, dando remédio, trocando remédio um com o outro. O fato de nos encontrarmos para refletir, ensinar coisas, receber coisas, isso leva ao equilíbrio. Leva à saúde. Esbarramos em outros processos que estão por aí. O processo de dureza que por não entender esse nosso mundo, esse nosso jeito, essa forma ancestral, que criaram para a gente, nos fizeram doentes. Falo de doenças que talvez o gestor de saúde não tenha consciência. Talvez até nós não tenhamos consciência. A doença da exclusão, a doença do “não” que foi dito para nós e nos causou mal. Precisamos entender isso, tirar isso da gente e curar essa doença da gente. Temos que recorrer ao poder de nos autocurar para passar por esse processo e ser mais fácil o trabalho de cura dos outros. Falo das doenças, dos males, que o racismo, a exclusão, a injustiça, provoca em nós e que nenhum médico vai conseguir diagnosticar. Temos que ter consciência de que carregamos essas doenças e precisamos lançar mão de nossos próprios remédios para curá-las: a essência de nossos inkisi, de nossos orixás, de nossos voduns. Temos que ter muito carinho e cuidado com esses remédios para não irmos atrás de jeitos modernos e esquecermos da essência. Digo isso porque nós somos praticantes de religiões de matrizes-africanas. Há muito modismo e muita procura de quê? A essência atravessa tempos. Ela é sempre atual. Falo de algo que paira sobre nós que é se deixar levar por coisas da modernidade, dizendo que o antigo é cafona. Temos que ser atuais. Temos que viver o hoje porque não estamos na realidade do ontem. Mas não podemos jogar a essência fora porque a essência é que é raiz. É o que nos mantém o tempo todo. Tirou a essência, é qualquer coisa com o mesmo nome, mas não é a mesma coisa. Quando se joga a essência fora e se coloca outras coisas passageiras no lugar. Só a gente pode se curar dela. Eu lembrava das palavras sábias de Mãe Beata. Temos que nos agarrar a isso. É isso que vai nos levar para frente. Esses jeitos e essas formas de entender. Existe uma doença que já vem há algum tempo. Aliás, foi uma das formas racistas que encontraram para incorporar em nós. Falo de associar uma energia - Exu - ao mal. É uma energia que foi distorcida há séculos. Está na hora de parar e desconstruir isso. O inkisi Unjira, como a própria palavra já diz, é o caminho, nkisi do caminho, o remédio do caminho. Depois da reverência aos bakulu, os ancestrais, Unjira é o primeiro inkisi a ser reverenciado, não para afastálo dos demais nem para mandá-lo embora para não fazer confusão. Mas para levar a mensagem e conduzir com equilíbrio os caminhos dos nossos rituais. O poder de selar, codificar, enlaçar (kanga) empoderar cada um no seu caminho é de Bombonjira, Unjira, pois é sua atribuição ser o guardião do caminho e quem não tem caminho não pode andar ou, quem escolhe um caminho que não é o seu não pode avançar. É o inkisi que sinaliza o equilíbrio ou o desequilíbrio do caminho de cada um. Mas a escolha de buscar a manutenção do equilíbrio ou a cura para o desequilíbrio depende de cada um. Todas as formas de expressão religiosa são para dar o equilíbrio e fazer com que cada vez mais cada um desenvolva a semente do bem que possui em si. Acredito mesmo que o Unjira/Exu/Elegbara quer é que cada vez mais continuemos lutando para a construção de um mundo melhor, justo e de iguais direitos para todos nós. NZILA A NGEMBA! (caminho de paz!) NZILA MAVÍMPI ! (caminho de saúde!) NZILA KYESE! (caminho de alegria, de felicidade!) Painel 2 - O SUS e a Rede Nacional de religiões Afro-brasileiras e saúde: uma parceria em construção Expositores: Miranete Arruda - médica e coordenadora do GT Saúde da População Negra/Secretaria Municipal de Saúde do Recife Ana Luisa – socióloga e profissional do CTA do Lira/Secretaria Municipal de Saúde de São Luis Coordenadora: Vera Dantas – médica da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza Miranete Arruda, Ana Luisa e Vera Dantas Vera Dantas Bom dia. Antes de começarmos, gostaria de falar que na Fortaleza dos anos 20, 30, 40 e 60, adoecer nem pensar. Só não podia faltar raiz para fazermos chás. Nas periferias, ali estavam eles e elas: as rezadeiras, as cachimbeiras, as macumbeiras, os macumbeiros, amparando, acolhendo, apoiando, curando aqueles que o sistema excludente teimava em ignorar. Faço parte do Projeto Cirandas da Vida, da Secretaria de Saúde de Fortaleza. Quando falamos de SUS, nosso sistema continua excluindo devido ao preconceito arraigado no coração das pessoas. Agradeço à organização, aos povos dos terreiros pela oportunidade de aprender todas essas lições. Aprendo desde que conheci Marmo na Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular de Saúde na qual a Rede e os terreiros têm ajudado a construir. Convidamos para discutir o SUS e Rede Nacional de Religiões Afro :uma parceria em construção, primeiro a Dra. Miranete Arruda, representante da Secretaria Municipal de Saúde de Recife. Convidamos também a Dra. Ana Luíza, socióloga e integrante do Programa de DST/AIDS de São Luís para que possamos conhecer como é que o sistema de saúde fará diferente para acolher as pessoas, os credos e os saberes para efetivarmos o SUS sem exclusão e discriminação.” Expositora:Dra. Miranete Arruda “Bom dia. Enquanto representante da Secretaria de Saúde de Recife agradeço à Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde pela oportunidade de participar nesse Seminário. Agradeço também aos realizadores desse evento, à Prefeitura de Fortaleza e à Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. Gostaria de agradecer pelo aprendizado. A Secretaria de Saúde de Recife vem desenvolvendo o trabalho desde 2001, na gestão do Prefeito João Paulo. O Programa de Anemia Falciforme começou a ser implantado em Recife em 2002. A distribuição da população negra de acordo com o IBGE: 44% no Brasil; 65% no nordeste, 58% em Pernambuco e 53% no Recife. Um rápido informe de indicadores socioeconômicos na cidade de Recife que mostram inúmeras desigualdades da população negra em relação à população branca. Os distritos sanitários em Recife são seis. A população negra se concentra nos distritos 3 e 6 que possuem maior área geográfica e maior concentração populacional. A rede municipal tem mudado de característica no decorrer dos últimos anos. A atenção básica possui 219 equipes do PSF. Os agentes comunitários e ambientais possuem quantitativo bastante elevado. A composição de média complexidade possui unidades de saúde que incrementam a hospitalização em relação a saúde mental. Há uma nova modalidade de abastecimento farmacêutico que são as Farmácias da Família que permite acesso rápido da população aos medicamentos. O modelo de atenção dentro do SUS é hierarquizado por complexidade de serviços. Temos atenção básica que contempla o Programa Saúde da Família, os agentes comunitários, o Programa de Saúde Ambiental e os Pólos de Academia da Cidade de promoção da saúde através de prática de atividades físicas. A partir de um contexto político favorável em que o governo municipal comprometido com as questões dos direitos humanos, da igualdade racial, da inclusão social e da gestão democrática e participativa, se soma a essa sensibilidade política, a existência de um movimento social participativo, organizado, atento e contribuindo com esse processo de trabalho e a participação de profissionais de saúde comprometidos com a defesa do SUS. A conjugação desses três fatores possibilitou que desenvolvéssemos ações de saúde em prol da população negra. Iniciou-se esse processo com a criação do Programa de Anemia Falciforme. A política municipal de saúde baseia-se nos planos municipais de saúde, na política de promoção da igualdade racial, no plano nacional de saúde da população negra, na perspectiva do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e em 2005, na instituição do Programa de Atenção Integral aos Portadores de Anemia Falciforme e outras Hemoglobinopatias. Houve a instituição da lei que criou o Programa de Anemia Falciforme, a criação de Comitê da Igualdade e Direitos Humanos, a participação do Comitê Municipal na Conferência de Durban e a criação de Núcleo de Cultura Afro-brasileira. A partir daí tivemos vários desdobramentos na educação e cultura. O eixo mais forte desse trabalho foi na saúde com a instituição do GT da Anemia Falciforme que foi o início de nosso processo de trabalho e deu suporte para a Secretaria de Saúde implementar todo o trabalho em relação à anemia falciforme. Tivemos a criação da Coordenadoria da Mulher que incorporou a dimensão de gênero e de raça na sua política. Em 2004 tivemos uma plenária de negras e negros que foi determinante para o processo de construção da Política Municipal de Promoção da Igualdade Racial e de Combate ao Racismo e a celebração do convênio entre a Prefeitura e o Ministério Britânico para o desenvolvimento do Programa de Combate ao Racismo Institucional desenvolvido de 2004 a 2006. Houve outras iniciativas da gestão como a realização da I Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial, a criação da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e dentro dela a criação da Diretoria da Igualdade Racial e a implantação e a implementação do quesito cor em todos os sistemas de informação da Secretaria de Saúde do município. E por fim, a aprovação da Política de Atenção à Saúde da População Negra na VII Conferência Municipal de Saúde em 2005. Em 2006 tivemos a instituição da Política Municipal de Atenção à Saúde da População Negra, a ampliação de componentes do GT da Anemia Falciforme que se transformou no GT da Saúde da População Negra. Nesse GT participam dois representantes das religiões de matrizes africanas. Até 2001, o sistema de saúde não possuía informações sobre a anemia falciforme. Nosso trabalho foi no sentido de dar visibilidade para essa doença. Partimos para a construção de uma política de combate ao racismo e a implantação dessa política exigiu mudanças no processo de trabalho: capacitações de profissionais, seminários etc nesse processo tivemos apoio financeiro e técnico do Ministério da Saúde. As ações do Programa de Anemia Falciforme são mais amplas, denominando a doença falciforme que compreendem o diagnóstico precoce através da triagem neonatal nas maternidades, assistência especializada e o desenvolvimento de trabalhos de aconselhamentos de gestantes por profissionais especializados. O Programa de Combate do Racismo Institucional foi catalisador das ações isoladas de diversas Secretarias (de Educação, da Mulher, da Cultura) no trabalho que se transformou, no sentido de que o próprio município, após o encerramento do convênio, adotar o Programa de Combate do Racismo e o combate ao racismo institucional como forma de expressão desse racismo dentro da instituição. Nesse processo tivemos a oportunidade de aproximar os profissionais de saúde dos Seminários que os Núcleos de Cultura Afro desenvolviam em parceria com a Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde. Realizamos, em parceria, a campanha de vacinação dentro dos terreiros. Doze terreiros participaram dessa atividade. Essas relações foram estreitadas e produtivas para garantir a implantação da Política de Saúde da População Negra. Nossa próxima atividade conjunta será a campanha de vacinação de idosos que contará com 36 postos de vacinação nos terreiros. Planejaremos outras ações conjuntas com os terreiros voltadas para crianças, o aleitamento materno, prevenção do câncer cervi-uterino, do câncer de próstata. Um conjunto de ações que são de prevenção e de promoção serão incrementadas nessa parceria. Estamos aqui no Seminário em caravana de 50 pessoas de Recife. É um trabalho que caracteriza a construção do processo de combate ao racismo. Como itens finais, há o desenvolvimento de institucionalização de práticas de combate ao racismo institucional e o fortalecimento da Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde, estimulando a articulação intermunicipal e a disseminação de lições aprendidas. Essa articulação vem se dando do Recife com outras Secretarias dos municípios da região metropolitana. Para terminar mostro fotos de momentos da campanha de vacinação do ano passado e das oficinas do quesito raça/cor. Nesse ano, fotos da reunião preparatória para o fortalecimento desse processo de trabalho que se desdobrará em abril com essas ações que desenvolvemos na Rede. Aqui algumas imagens de nossa cidade para vocês matarem a saudade e para conhecerem um dia. Gostaria de agradecer a todas as pessoas da nossa caravana que vieram, pelo esforço não só institucional, mas pessoal, de saírem de suas rotinas, de seus afazeres, e se integrarem a esse processo de trabalho, ainda que muitas vezes passando por situações desconfortáveis, incômodas e que estão aqui, muito integrados, participativos e comprometidos com essa parceria que vem se estabelecendo. Obrigada.” Expositora: Sra. Ana Luíza “Bom dia a todos. Parabenizo a organização desse evento que acompanhamos já há três anos e, cada vez mais, ficamos felizes por ver um número maior de pessoas participando. Acreditamos que há uma disseminação maior, uma publicização maior do que vem se discutindo nesses encontros. Ratificando: sou Ana Luíza e técnica do Programa Municipal de DST/AIDS e enquanto gestora da Secretaria de Saúde, a minha fala vai se reportar à parceria que a Rede de Religiões AfroBrasileiras e Saúde vem estabelecendo com a Secretaria, especificamente, no Programa de DST/AIDS. Isso nos dá a abertura para uma intersetorialização com outros Programas. Essa parceria vem sendo construída desde 2005, com um diálogo aberto e salutar. Continuando essa parceria temos no Plano de Ações e Metas em que se alocam recursos vinculados a atividades para o período de um ano. Ano passado iniciamos atividades para profissionais de saúde do PSF e PAC. São Luís está dividido em 7 distritos sanitários em que aconteceram capacitações nos terreiros e dos gestores e trabalhadores da saúde com o auxílios do pessoal da Rede de Religiões. Nesse ano de 2007 já temos algumas ações pactuadas no PAM: 1) o I Seminário da Região Metropolitana da Grande São Luis que envolve os municípios de Passo do Lumiar, Raposa e São José de Ribamar. Esse Seminário será aberto para ONGs, gestores e Programas Municipais de DST/AIDS. 2) levantar o número de pessoas existentes nos terreiros na Grande São Luís. Foi negociada uma pesquisa com o Núcleo de São Luís da Rede de Religiões para fazer um levantamento da situação da saúde da população negra que freqüenta esses terreiros. 3) está pactuada a realização de 3 oficinas de capacitação sobre religiões de matrizes africanas e saúde para gestores e profissionais de saúde. 4) 6 oficinas para população de terreiros de 2 em 2 meses. A Rede vem se ampliando porque estamos juntos, nesses diálogo, visitando inclusive outros terreiros para que façam parte da Rede. O trabalho da rede em parceria como SUS no Maranhão vem tendo boa aceitação e só se efetiva uma política pública se tivermos a participação dos terreiros no controle social. 5) a continuidade das ações de saúde nos terreiros através da articulação com outros programas de saúde: saúde bucal – aplicação de flúor- tuberculose, hipertensão, etc. Realizamos em dois terreiros, no fim de semana passado, atividades que foram sucesso. A Secretaria de Saúde tem consciência de que ainda se faz pouco diante do que está proposto nas políticas públicas. Há um déficit de políticas que contribuam para a acessibilidade como direito humano e fundamental no que se refere à população negra e de terreiros. Vou ser breve e para finalizar mostro um material (fotos) das atividades da campanha de vacinação e da Casa da Águas, em parceria com o Programa de DST/AIDS, profissionais de bioquímica e a comunidade comemorando o Dia Internacional da Mulher com a feijoada do batom. Fazemos uma ação educativa sobre a importância da discussão do tema DST/AIDS porque é grande o número de mulheres com HIV. Tivemos boa adesão aos testes da população da terceira idade. Demonstração do uso do preservativo. A participação das parteiras na comunidade. Para finalizar o Programa de DST/AIDS elaborará material específico para a população de terreiro. Será estruturada uma pesquisa para fazer um levantamento da população negra de terreiros no estado articulada pela Secretaria de Saúde do Estado. Muito obrigada.” Dra Vera Dantas, coordenadora do Painel “As duas experiências trazem olhares diferentes: a de Recife apontou a luta pela discussão da legalidade da política de igualdade racial e de algumas ações dirigidas para dentro dos serviços de saúde em interação com o sistema municipal de saúde, a experiência de São Luís já apontou para iniciar essas ações a partir da Rede de Religiões constituída. Trago questões: o que o SUS aprende com as experiências dos terreiros? E o que nós trabalhadores aprendemos com experiências que acontecem nos terreiros? Aqui em Fortaleza temos ouvido um pouco da experiência de acolhimento, de cuidado dos terreiros. Como fazer a integração desses saberes? O que podemos incorporar dessas experiências no cotidiano da saúde? Foi interessante na experiência de S. Luís ouvir sobre a capacitação para gestores para eles pensarem como isso pode ser incorporado. Essas são coisas para serem problematizadas no debate. 14/17h - Realização das Oficinas Coordenação: Pai Silvio de Iemanjá Oficina 1 - Juventude e Tradição Facilitador: Pai Celso de Oxaguiã – Núcleo da Rede São Paulo Oficina 2 - Mobilização e Controle Social das Políticas Públicas de Saúde Facilitador: José Ivo Pedrosa – Ministério da Saúde Oficina 3- Direitos Humanos e Saúde Facilitadora: Lucia Xavier - Criola Oficina 4- Saúde da População Negra Facilitadores: Luis Eduardo Batista – Secretaria Estadual de Saúde de SP Fernanda Lopes – PCRI-Saúde Oficina 5 – Educação, Saúde e Axé nas religiões de Matrizes Africanas Facilitadora: Vanda Machado – Secretaria de Cultura de Salvador Apresentação dos resultados das oficinas Pai Silvio, coordenador das oficinas “Antes de passar para a leitura dos resultados das oficinas, quero divulgar o site do ORIAXÉ –www.oriaxe.com.br no qual já estão as fotos de ontem do evento Presente para as Deusas das Águas. Quem se interessar acesse o site. Vamos agora para a leitura dos resultados das oficinas. Cada relator terá 5 a 10 minutos para divulgar os resultados e fazer seus comentários”. Oficina Tradição e Juventude nos Terreiros. Relator- Pai Celso de Oxaguiã “Motumbá. (Axé) Quero agradecer à Fortaleza pela acolhida e pela possibilidade de estar aqui. Que Exu receba meus cumprimentos por poder partilhar essa atividade com os senhores e as senhoras. Iniciamos a oficina conversando sobre as dificuldades, os embates, os nós do diálogo entre a tradição e a modernidade. (Estou nervoso, pois não sabia que iria apresentar a oficina. Mas Exu é o meu pai e irá me ajudar a comunicar.) Agora quando você quer falar com alguém, você envia um e-mail. Esse é ponto para refletir na medida em que não existe futuro sem passado. Sou sacerdote de Oxaguiã e não poderia deixar de cuidar da vida, das pessoas, a partir da minha história do meu momento e do meu presente pois o candomblé é feito de jovens, mais velhos, homens e mulheres. A tradição e a modernidade são coisas que precisam ser conversadas. Como disse Marcos na oficina, não existe caminho a seguir , daqui para frente, se os mais novos seguirem sozinhos. É preciso beber da fonte a todo momento para que o candomblé se estruture e se mantenha com qualidade cada vez melhor. Entre nós existem muito meninos escolhidos para ogãs e meninas escolhidas para ekédis, mas nem sempre a autonomia, o respeito a essas lideranças mais novas está colocado em primeiro lugar. Não existe candomblé, não existe umbanda, não existe nagô sem continuidade, sem os mais novos. Para as questões do protagonismo infantil, é preciso discutir políticas e o controle social das políticas de saúde. Mas existe outra política que é a política do relacionamento entre nós, no mercado, na fila do açougue, dentro do terreiro e na relação entre terreiros. Se somos lideranças devemos respeitar e ser respeitado nessa condição em que estamos. Somos eternos e continuamos em outro espaço. Não existe ação que gere resultado. Ao pensar em protagonismo, você pensa em autonomia. Às vezes você tem um e não tem o outro. Ao pensar a atuação, você deve pensar articulação. Nem todo mundo é articulado como gostaríamos que fossem. Muitas vezes por não sermos articulados, não falarmos tão bem, não freqüentarmos a Academia, não sermos lideranças, impede que sejamos respeitados por outros iguais a nós mesmos. O fato de você não ter titulação, impede que você tenha ascensão no seu grupo. Isso é um desafio. É preciso que as pessoas construam a sua autonomia. A autonomia, o poder, o controle e a autoridade caminham juntos. Para garantir o debate, o diálogo é a ferramenta.” Oficina Saúde da População Negra Relatora - Fernanda Lopes “Listamos alguns pontos que são essenciais para que haja uma maior participação dos terreiros, do povo de santo das várias denominações de matrizes africanas na construção do Sistema Único de Saúde(SUS) na garantia do direito humano à saúde e na promoção da saúde da população negra: 1) Reconhecer que os valores e saberes cultivados nos espaços religiosos das religiões de matrizes africanas não passam, eles permanecem. Esses espaços devem ser vistos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e por todos os cidadãos e cidadãs brasileiras como espaços promotores de saúde, de vida, de dignidade e de direito. Em razão disso, essas pessoas estão discutindo direito humano à saúde. 2) Para discutir direito á saúde e saúde da população negra é necessário reconhecer que o racismo está nas instituições e interfere a prestação de um bom serviço. As instituições são as mais diversas que se pode imaginar: a escola, a família, a religião, o serviço de saúde e outras. Nós, no grupo, assumimos que inclusive nos espaços religiosos existe racismo. Se existe racismo nesses espaços, é preciso construir estratégias para repensar essa organização. É preciso identificar e aprender como abordar as questões relativas ao racismo para depois construir estratégias de como combater. Mas esses espaços promotores de saúde já possuem algumas estratégias, então, é necessário o intercâmbio com profissionais de saúde e gestores, seja nas universidades, seja nos pólos de educação permanente, seja em todas as oportunidades de educação de profissionais e de gestores. E que essas pessoas participem de fato nesses processos formativo para criar e recriar conhecimentos no interior das casas religiosas ou para as casas compreenderem mais o que os profissionais de saúde estão fazendo. Investir na produção de informação sobre o impacto do racismo na vida das pessoas e na vida das pessoas que seguem as religiões de matrizes africanas. É preciso disseminar essa informação. 3) Quesito cor é uma estratégia de combate ao racismo. Como o racismo não é uma opinião pessoal, é uma programação social e muitos não querem ser negros e negras porque isso não é bom e faz mal a saúde, então, é preciso investir na implantação do quesito cor e na formação dos profissionais e usuários da saúde. 4) Os espaços que o povo de santo, das religiões de matrizes africanas estão construindo: as redes, os fóruns devem ser vistos como espaços de controle social , mas é importante também participarem dos conselhos de saúde. É importante que os gestores, os profissionais e os conselheiros transfiram um pouco desse conhecimento sobre esses mecanismos para o povo de terreiro. As pessoas de religiões de matrizes africanas precisam entender melhor o que é o SUS e de como atuar no controle social para dentro do SUS. Dizemos que as leis não são adequadas às pessoas, então precisamos conhecê-las para podermos cobrar que se adeqüem para promover a saúde da população negra e saúde para a população de terreiros. Houve uma fala de alguém do grupo que disse que os terreiros e casas eram um microSUS. Então, teriam muito para contribuir com o SUS que é política de Estado que não interessa quem esteja no governo. Promover saúde da população é promover saúde para metade da população brasileira e isso não é um favor.” Oficina Mobilização e Controle Social das Políticas Públicas de Saúde Relator - Helio/ estudante de enfermagem da UERJ- Afroatitude “Boa noite. Sou o relator da oficina e estou substituindo o José Ivo. Num primeiro momento, houve a exposição de como ocorre o controle social em determinados lugares. Algumas pessoas trouxeram as dificuldades do controle social nos seus estados e de como ele não funciona e na fiscalização e no acompanhamento da população na formulação e no andamento de políticas públicas. Algumas leis que são elaboradas de forma correta e na prática não funcionam. José Ivo fez síntese da formação do controle social desde 1986 até os dias de hoje. Houve divisão do grupo em três subgrupos para a criação de estratégias que fortaleçam o controle social: • Grupo 1 : a forma de divulgação da informação. O controle social é feito pela população que não sabe que é ela que tem participação na forma de fazer esse controle social; • Grupo 2 :A mobilização para a humanização no atendimento dos serviços e o alinhamento das políticas do Ministérios de forma mais transversal; • Grupo 3 : A participação equânime dos terreiros e dos profissionais de saúde. A participação do povo de terreiros em todos os conselhos (de idoso, da criança, de saúde, da mulher etc) . Os conselheiros escolhidos devem ter comprometimento com a saúde da população negra. Garantir a representação da Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde nas conferências nacionais e o Ministério da Saúde deve divulgar a convocação das conferências através das redes de comunicação nacionais para permitir a cobrança dos cidadãos da democratização dos processos de instalação das mesmas. Trazer para as pautas dos conselhos de discussões sobre a formulação de políticas para a população negra, fortalecendo as religiões de matrizes africanas.” Oficina Direitos Humanos e Saúde Relatora - Mãe Torodi de Ogun “É a parte mais complicada porque lutamos pela saúde e às vezes parece que as coisas não dão certo. Lucia arrumou um meio de nós falarmos como agimos em nossas casas. O resultados das propostas foram estas: • Articulação e mobilização das religiões afro-brasileiras com outras religiões; • Monitoramento de políticas através de conselhos; • Capacitações de gestores, de professores e dos religiosos para o entendimento do legado das religiões afro-brasileiras; • Legalização das instituições religiosas afro-brasileiras; • Envolver a saúde com a educação e os direitos humanos para construção de um Brasil melhor; • Fazer cumprir as leis através de reivindicações permanentes. Igualdade de tratamento com exercício da cidadania e o conhecimento pleno das leis; • Movimentos negros trabalharem junto com as religiões afrobrasileiras; • Reconhecer as religiões afro-brasileiras como comunidades tradicionais. • Mobilização em nível nacional, no mesmo dia, na mesma hora, de cada Núcleo de Religiões Afro-brasileiras para entregar documento de reivindicações para autoridades estaduais, municipais e para o Ministério Público. Todos segmentos : prostitutas, gays se unirem nessa mobilização, com divulgação da mídia nacional e local.” Oficina Saúde e Axé nas religiões de Matrizes Africanas Relatoras: Egbomi Vanda Machado e Jocimara- Projeto Afroatitude “Conversamos sobre a representação das religiões como matrizes sadias. Houve a observção de que não éramos doentes por podermos explicitar as características e os jeitos dos nossos santos. No contexto histórico, Vanda ressaltou a questão da exclusão dos colonizadores de nossa religião. A importância da religião para a transformação das comunidades com ações educativas porque impulsionam na aceitação da identidade do negro e na consciência histórica da cultura do negro. Preocupação com os jovens que se distanciam dos terreiros por não depositarem credibilidade no trabalho. Eles se iniciam e querem logo assumir o poder no terreiro. Característica da família de santo: ela acolhe; um depende do outro; as festas são atividades sérias; nada é mais importante do que a festa dos santos; o terreiro é formador de sujeitos autônomos e solidários; desenvolve trabalho educativo para um cuidar do outro - proteção pessoal e proteção ultra; a força dos ancestrais em manter a cultura. Uma pessoa do grupo disse que nos terreiros há a idéia de dar de si sem pensar em si. Muitos usam a religião para tirar proveito, mas as outras religiões também fazem isso. Nesse ponto o grupo se dividiu: uns ficaram balançados, alguns acharam que se faz pela comunidade, daí as coisas vão acontecendo progressivamente.” Pai Silvio: “Acho que todos ficaram satisfeitos com os resultados. Agradeço aos facilitadores e relatores das oficinas. Creio que o que foi colocado aqui teremos muito trabalho para desenvolver e no próximo Seminário boas histórias para contar. Obrigado.” Fernanda Lopes: “No grupo foi solicitado que os relatos das oficinas fossem apresentados para os participantes do Seminário como instrumento de cobrança, igual a Carta de Recife que fortaleceu a criação da Rede de Religiões Afro e Saúde. Que essas prioridades possam voltar para nós como instrumentos de cobrança , de monitoramento, de controle social.” José Marmo da Silva: Gostaria de lembrar que ao pensarmos esse Seminário achamos bom ter os jovens como participantes. Foi pensando nisso que convidamos os jovens do Projeto Brasil Afroatitude porque está mais do que na hora desses jovens tomarem uma atitude e compreenderem nossa cultura, a cultura dos terreiros. Estando conosco, tomando contato com a nossa visão de mundo, certamente eles poderão incorporar essa experiência a vida deles. Convido a todas e todos para nossa programação cultural: o cortejo do Maracatu que sairá do Náutico e irá até o anfiteatro da volta da Jurema. Obrigado.” Dia 29/03 (das 8 às 13h30) Cânticos de saudação à vida e a natureza Mãe Christina de Oxum – São Paulo Mãe Jane de Oyá - Recife Pai Celso de Oxaguiã – São Paulo Mãe Narê - Belém Painel 3 – Os Terreiros e a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da População Negra Expositora: Ana Costa - Ministério da Saúde Debatedores: Pai Celso de Oxaguiã- Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde /Núcleo São Paulo e Denize Almeida , coordenadora da Saúde da População Negra da SMS de Salvador Coordenadora: Rita Vasconcelos - jornalista da Fiocruz- Recife Pai Celso, Rita Vasconcelos, Ana Costa e Denize Almeida Rita Vasconcelos “Bom dia a todos e todas. É um prazer estar aqui novamente no encontro da Rede em que o pessoal de Recife participa ativamente. Convido a expositora Ana Costa do Ministério da Saúde. Como debatedores Pai Celso de Oxaguian e Denize Almeida da SMS de Salvador”. Ana Costa “É uma grande honra para o Ministério da Saúde estar aqui expondo a Política de Saúde da População Negra que é resultado de um processo de luta de todos vocês dos movimentos sociais, das pessoas que se preocupam com a população negra e a questão da saúde. É o coroamento de um processo e o início de outro processo muito mais difícil que é a transformação da política em prática de vida para as pessoas em cada município. Estamos celebrando uma conquista e, ao mesmo tempo, fazendo com que a política aconteça e modifique o nível de saúde da população negra. A política é fruto de diretriz socioeconômica que tem o objetivo de reduzir as desigualdades em nosso país, de classe social, local de moradia, etnia, renda e esse comando do governo fez com que cada Ministério formulasse um conjunto de políticas específicas para esse fim. No caso do Ministério da Saúde atuamos numa frente de redução de desigualdades em saúde relacionadas a várias populações, uma delas é a população negra, mas atuamos fortemente no campo, porque a maioria da população do campo é negra. Ela é fruto de processo de diálogo com os movimentos sociais e pesquisadores, desde quando se iniciou a luta pelo quesito cor nos anos 90. Evidenciou-se através de números a desigualdade racial no Brasil. Quando se colocou o quesito cor nos formulários da saúde pudemos medir o quadro da saúde em relação à população negra. Percebeu-se que as crianças de 0 a 5 anos negras morrem muito mais do que as brancas. As mulheres negras quando engravidam e tem os seus filhos, morrem mais de morte materna do que as mulheres brancas. Os jovens negros morrem mais do que os jovens brancos. Os idosos negros têm condição de vida pior do que os idosos brancos. As evidências dos dados mostraram que devíamos ter ação direta para a população negra a fim de termos equidade em saúde. Equidade em saúde é uma prática em que se oferecem ações e especiais para tirar aquela população em situação de desvantagem daquele lugar. Há anos que essa condição persiste e é uma condição passível de intervir. Se o governo atua com políticas eficientes, essa situação perversa de iniqüidade se reverte. A mortalidade, a letalidade e a ocorrência de doenças podem ser reduzidas. Isso é importante porque a demanda do movimento negro e social, nos anos 90, era voltada para a anemia falciforme e a AIDS. A anemia falciforme é geneticamente determinada e é relacionada com a população negra. Porém, não tem significado expressivo nos grandes problemas de saúde da população negra. É importante que continuemos atuando em relação à anemia falciforme. Mas o movimento negro tem cada vez mais consciência de que a diversidade, a complexidade, a profundidade dos problemas da saúde da população negra é muito maior do que isso. Outra doença que ocupou os movimentos foi a AIDS que vem alastrando entre mulheres pobres e negras. No entanto, a violência e a mortalidade materna entre mulheres negras, ausência de serviços de saúde é mais grave que a AIDS entre mulheres negras. Então, estamos dando um passo importante. Nós saímos do pensamento de uma política focalizada para combater algumas doenças, para um pensamento de uma política que dê conta de promover melhores condições de vida para a população negra como um todo. Nós estamos nos aproximando do conceito mais ampliado de saúde. Saúde é condição de vida e qualidade de vida. Isso entra em sintonia com o pensamento e a prática de saúde realizada pelos terreiros. Estamos com um desafio de que mais do que prevenir e curar doenças devemos promover qualidade de vida. Para gerar saúde para uma população, precisamos de políticas de assistência médica e de todos os setores sociais que promovem saúde. Morar bem gera saúde. Comer bem gera saúde. Ter lazer gera saúde. Ter trabalho gera saúde. Ter uma cultura preservada gera saúde. Dentro desse conceito ampliado de saúde, a convocatória hoje para o movimento social, para os terreiros, para toda a comunidade mobilizada em prol da saúde da população negra, ela fica mais séria. O sistema único de saúde é uma conquista popular da qual muito de vocês fizeram parte. Antes o sistema era assim: uma parte da população era atendida no seguro, a outra, estava na fila do INPS, a outra pagava por atendimento médico e o resto da população era indigente. O SUS veio para igualar todo mundo. Todos têm direito à saúde e é dever do Estado. O SUS é uma conquista que está sempre sendo ameaçada porque é política generosa demais. Uma política gerada nos anos 80 e, que logo depois nos anos 90, surge a onda liberal de que o Estado tem que reduzir suas obrigações com a população. Até os dias de hoje brigamos no Congresso Nacional para manter o SUS vinculado a um sistema de seguridade social. É uma luta permanente e precisamos nos irmanar nela. Não podemos jogar fora o bebê junto com a água do banho. Precisamos defender o SUS como uma política generosa, acolhedora e voltada para atendimento universal, de todos. O Sistema Único de Saúde não dá conta de gerar saúde, temos que garantir que outras políticas sociais gerem saúde. Isso é importante para a população negra. Quando a população negra está vulnerável, ela na verdade, está mais vulnerável porque está desempregada, está nos estratos sociais mais baixos, vive em habitações precárias porque historicamente foi subjugada a um regime de dominação no nosso país. Temos que lutar por saúde, pelo SUS e lutar por políticas sociais de educação, de trabalho, de inclusão social, de melhoria de renda para que as pessoas possam produzir, numa visão ampliada de saúde, a sua saúde. Esse trabalho de mobilização dos terreiros do Brasil inteiro, é importante para a saúde, não só porque vocês resolvem os problemas de saúde da comunidade, é no sentido do significado cultural da dignidade que representa o fortalecimento das práticas religiosas de matrizes africanas para a identidade cultural da população negra e isso é gerador de saúde. Então, gostaria de lembrar que a saúde da população negra é um assunto complexo e está vinculado a um processo de civilização, de cultura e de sociedade que se desenvolveu no Brasil. Não podemos nos fixar unicamente em algumas doenças que são significantes da população negra, mas que possamos ir mais além para ver todas as situações em que a população negra está em desvantagem. A saúde da população negra é um processo que estamos construindo e que a política foi aprovada no Conselho Nacional de Saúde ano passado. Agora o grande desafio será implantar a política para que se traduza em ações e mudanças na vida das pessoas. Essa é a nossa tarefa. O SUS é único e composto pelo Ministério da Saúde e pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. O dinheiro que é repassado do Ministério, vai para o município e o município tem que realizar as ações propostas pelas políticas definidas. Cada município fará de acordo com o compromisso político que o Prefeito e o Secretário de Saúde possuem com a população. Se houver um grupo pressionando para que as coisas aconteçam, as coisas acontecem em velocidade maior. Se não houver ninguém, nada acontecerá. No SUS existem as formas de participação e de pressão popular que são os conselhos de saúde e as conferências. É importante que a população negra esteja representada em todos os conselhos para viabilizarmos essa política. É necessário ter ação presente e que corresponda à fortaleza e à grandeza da população negra. Todos os conselhos precisam ter representações dos negros para que discutam com os seus representados as suas necessidades. Cada localidade tem que discutir o que é relevante em saúde para a população. Isso é a vida cotidiana e que precisamos transformar em políticas junto aos conselhos e aos profissionais. A política vai cuidar bem do aspecto do fortalecimento dos movimentos sociais para que atuem em defesa da política. Vai atuar fortemente na capacitação dos profissionais de saúde para atender melhor os negros e combater o racismo. O racismo é inerente às desigualdades. É importante a campanha de combate ao racismo no SUS. Ela sensibiliza os profissionais, mas encoraja a denúncia e a apuração de denúncias de racismo e discriminação no serviço. A política tem foco para a organização de atenção e de serviços das situações que mais expressam desigualdade em relação à população negra:, do alcoolismo, da violência doméstica, a questão da saúde mental -mulheres negras se deprimem mais do que as brancas porque a vida delas é pior do que das brancas. Estamos começando uma luta e contribuindo para que a população negra tenha a dignidade e a força que ela merece na sociedade. Acho que os terreiros, além da prática de ação política concreta em relação à exigência, à pressão, também tem outra missão que é toda essa energia e oração para que estejamos fortalecidos na consolidação dessa política de justiça social e que é merecida por todos vocês. Obrigada. Denize Almeida “Gostaria de agradecer aos meus antepassados. Pedir à bênção a todos os presentes. Peço a bênção a Ogum, o dono da minha cabeça. Agradeço a Rede pelo convite e pela oportunidade de eu estar aqui falando e contribuindo com essa política. De tudo o que foi falado e discutido, devemos levar em consideração a importância dessa política no cenário nacional. Ela culmina com várias lutas do movimento negro. Luta que não começou agora. A saúde dos escravos sempre foi um problema. A condição de vida dos escravos sempre foi insalubre. Toda luta por afirmação, por identidade, por conquista de direitos, sempre foi uma luta pela saúde, ela nunca se constituiu a partir do agravo. A concepção de saúde ampliada dos terreiros sempre fez parte do trabalho dos terreiros. Um dos problemas que temos que encarar no Brasil, na atualidade, é a questão da intolerância religiosa. Em Salvador tivemos alguns avanços e uma das coisas que tem sido uma barreira é a intolerância religiosa. Ela é permitida pelo governo brasileiro. Ela é aceita. É uma forma de expressão do racismo. Se o governo não se posiciona para combater isso fortemente, ele também está sendo racista por permitir isso. A intolerância religiosa afeta a saúde da população negra praticante das religiões de matrizes africanas. O país nunca se posicionou com relação a isso. Trouxe um pedaço de uma entrevista que está no site da UFBA: www.tvufba.br, vocês podem baixá-lo. É um vídeo que fala da intolerância religiosa em Salvador e um trecho da entrevista de uma pessoa que declara como a intolerância religiosa afeta a sua saúde. Bom, isso foi só para refletirmos sobre o que a intolerância religiosa faz com a saúde da população negra. E para nós refletirmos sobre o que tem sido feito por nós, que também ajudamos a construir esse sistema, para o enfrentamento desses problemas. Nós devemos contribuir com o SUS, com a nossa percepção, com o nosso compromisso, com a nossa luta para que essa medidas, essas ações, essas políticas sejam imediatamente implementadas pelo prejuízo histórico que nós temos presenciado diante de tudo o que tem acontecido. Trouxe um pouco da experiência de Salvador, da Secretaria Municipal de Saúde, de 2005 até agora, com muitas dificuldades, sem recursos para isso. Mas temos começado a combater a intolerância religiosa e o racismo institucional na saúde. Na Prefeitura de Salvador foi assinado um convênio com o PNUD para implantar o Programa de Combate ao Racismo Institucional em toda a Prefeitura e a saúde tem sido um desses espaços em que o Programa é desenvolvido eficientemente. Fizemos várias oficinas de combate do racismo na saúde e durante as oficinas identificamos a intolerância religiosa como um problema. Na conferência de saúde do ano passado, em Salvador, mobilizamos os representantes das religiões de matrizes africanas do município para que tivéssemos a representação desses seguimentos na conferência e as pessoas pudessem defender o que querem do SUS municipal. Foi possível trazer para os conselhos os representantes das religiões de matrizesafricanas. Então, hoje, temos no conselho de saúde de Salvador uma pessoa que é das religiões de matrizes africanas. Esse espaço é quase todo ocupado por padres católicos. Temos estabelecidos parcerias com terreiros, com ONGs, com outras Secretarias da Prefeitura, com universidades – na UFBA, no curso de medicina, na disciplina de política de saúde, foi introduzido o tema saúde da população negra. Dentro dessa turma de 40 estudantes, eles farão as aulas práticas conosco, e seis alunos querem trabalhar com as religiões de matrizes africanas.É pouco, mas importante fazermos essa ação de formação dos nossos quadros. Temos investido no desenvolvimento de ações para implantação de núcleos distritais, pois Salvador é dividido em 12 distritos sanitários e a experiência da Rede nos ajudou a refletir numa metodologia de ação no município - cada distrito sanitário tenha seu núcleo de religião de matriz africana que se reúna periodicamente, monitore e proponha ações em saúde e investimento em capacitações, reuniões, oficinas, seminários e feiras de saúde. O espaço das feiras de saúde é de articulação, reunindo terreiros, instituições etc. Houve o desenvolvimento de estratégias de monitoramento e de avaliação das ações realizadas. Há um grupo de pesquisadores baianos que estão entrevistando pessoas da rede para desenvolvermos metodologia de monitorar e avaliar essas ações. È uma experiência nova e precisamos construir conceitos novos e aprender com a prática dos terreiros qual deve ser essa metodologia. Trouxe desafios para a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no que se refere aos terreiros de candomblé, do ponto de vista de Salvador: • Há a necessidade do estabelecimento de protocolos para a incorporação da rede de terapeutas de matriz africana ao SUS. Esse foi um encaminhamento que saiu da Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial e das Conferências de Saúde de Salvador. Precisamos discutir como faremos isso. • Destinar recursos financeiros para o desenvolvimento das ações de saúde com os terreiros. Não basta ter a intenção de valorizar é preciso mostrar com número, recursos. Precisamos fazer muita coisa. Nós não temos mais quinhentos anos para ficar esperando. • Divulgar para a população a Política Nacional de Saúde Integral para a População Negra. Precisamos divulgá-la mais pelo valor dela para nós, pelo impacto que ela pode ter na saúde da população negra. • Divulgar para toda a população os impactos do racismo na saúde. • Investir na divulgação das ações de combate ao racismo institucional que já vem sendo desenvolvidas no âmbito do SUS. Duas questões merecem ser discutidas por nós em relação aos terreiros e a política: 1)Até que ponto os terreiros podem contar com o Ministério da Saúde para utilizar o que já fazem há séculos pela saúde da população negra? 2) Como estão sendo pensadas as pactuações com os gestores em termos de responsabilidade sanitária, que todo gestor tem que ter com a população do município e do estado, com a saúde da população negra. Como isso está sendo pensado pelo Ministério da Saúde? Pai Celso de Oxaguiã “Queria mais uma vez agradecer e estar aqui tem nos proporcionado momentos de paz, de tranqüilidade, de reflexão. È sempre bom conhecer a casa do outro. Quero cumprimentar aqui as diferentes tradições religiosas afro-brasileiras. Novamente estamos dando lição para o Brasil de como é possível conviver diante da diversidade. Estamos dando muitas contribuições para isso, basta ver a pluralidade de religiões nesse auditório. Deveria agradecer a Marmo pela oportunidade de estar aqui. Ele é parceiro que tem me incentivado a fazer o máximo possível diante de tantos desafios. Mas, sem muitas, delongas, quero me valer aqui do som do pilão nos nossos ouvidos para fazer reflexões pertinentes diante do espírito da política. Para isso Exu meu pai me dê licença, eu preciso falar e que seja a fala dos meus ancestrais. Estou muito empolgado com o debate sobre ética e pesquisa com seres humanos, já que faço parte de um Comitê de Ética e Pesquisa, da Secretaria de Estado da Saúde. Tenho aprendido muito com aquelas senhoras, ainda que não tenha os títulos delas, sou respeitado. O debate sobre ética, o debate sobre o cumprimento da ética, o debate sobre direitos e deveres não pode se limitar a faculdades de “achologias”. Tenho dito para os gestores do meu estado e da minha cidade que médicos e pais de santo não devem achar, devem ter certeza, porque lidam com vida e com morte. Não existe “achismo”, não tem “achologia”. No terreno da espiritualidade, temos que lidar com o concreto quando vemos uma mulher gestante, com o filho prestes a nascer, sem ter hospital próximo de casa, sem ter unidade que a atenda. Exemplo bem conhecido nosso. Então, me empolguei com Mario Sergio Portela e fico aqui pensando: a Política Nacional de Saúde da População Negra vem falar de iniquidades, e de uma forma geral, de conceito de equidade e de promoção dessa equidade. O Brasil tem uma idéia equivocada de justiça na medida em que Jesus Cristo ocupa espaços laicos do Estado como um Fórum, um hospital público e assim por diante. Por que não ocupa com Buda, com Obatalá, Exu e Pombagira, com Alah e outros. Isso se reproduz em todas as instâncias do poder público, no Legislativo, no Judiciário. Portanto a questão da justiça parece ser conceito baseado num certo cristianismo. Não tenho nada contra Jesus Cristo. Não sou anticristo, nem candidato. Mas não fala minha língua. Sou descendente de africanos e descendente mítico de Oxaguiã. O meu prato preferido é inhame, não por acaso. É preciso pensar que na medida em que tenho em Cristo colocado na Assembléia Legislativa, na Câmara Municipal e no judiciário municipal e estadual, e que nas sessões iniciadas o que se diz é fale a verdade em nome de Cristo. É também esse conceito o que vai dizer o que é justiça nesse Brasil que é baseada numa tradição religiosa que não é a minha. Para falar de justiça, nós iremos ralar 12 quiabos, alguns ororobôs e assim por diante. Ao falar de justiça temos que falar de equidade. Aprendi que equidade é dar mais a quem precisa de mais; é cuidar de forma diferenciada de quem de forma diferenciada sobrevive em determinado terreno. Há quem diga que essa tradução de equidade já é ultrapassada. Esse é o ponto chave dessa política: de que justiça estamos falando? De que iniquidades estamos falando? Que estratégias são essas para a promoção da equidade e o respeito à justiça? Estamos falando de direito humano à saúde, é claro. Não estou falando da saúde mercantilizada praticada aqui no Brasil. É claro que existem laboratórios, Organização Mundial do Comércio e tantas outras instituições interessadas nessa pauta. Somos pessoas interessadas também nessa pauta, na medida em que o conceito de saúde da OMS não é novidade para o povo de santo porque ele é muito mais antigo do que as organizações multilaterais. Como se dão as respostas para os desafios do SUS? Será que o SUS atende os nossos anseios? Mario Sergio Portela vem dizer isso quando fala do “querer”. Eu quero fazer. Eu não quero fazer. A fala de Salvador que me antecedeu, disse que quis fazer e mostrou que está fazendo. Há muitos exemplos pelo Brasil afora e que devem ser divulgados. Ação focalizada: se vou trabalhar com anemia falciforme, eu tenho que saber sobre essa doença; se vou trabalhar com AIDS, tenho que entender um pouco de AIDS – AIDS se divide em prevenção e assistência. Nossa pauta contempla essas duas pautas. Prevenir e reeducar–se. Os terreiros fazem isso bem quando iniciam pessoas que não entendem nada, não sabem sua origem e dá a elas a possibilidade de nascerem de novo. O Ministério da Saúde deve aprender gestão com Exu. Quando abrimos um comércio, fazemos padê. Quando abrimos um terreiro, fazemos padê. Exu para fazer acontecer depende de todo o círculo da terra, da força do outro para dizer que ele quer que o feirante venda naquele dia. Do contrário, não teria sentido. Há muitos exemplos de intolerância religiosa na relação médico e paciente. Se por um lado, temos médicos que dizem para os pacientes procurarem as mães-de-santo, porque não conseguem resolver fisicamente o problema. Cresci vendo isso. A Academia vem dizer para mim que “ela” é quem sabe tudo e o governo vai nesse ritmo, sem deixar valer o poder da escuta. É claro que essas perguntas não são para o Ministério; são para todo o sistema de saúde público, para o Estado como um todo. Estou falando de um tema que gosto muito: a relação entre Estado e Religião, sobretudo Estado e Religiões Afro-brasileiras. O Estado brasileiro foi um dos sujeitos que mais nos massacrou, na medida em que D. Pedro I e tantos outros baluartes e cardeais resolveram fazer na cabeça da gente o que eles bem queriam. Daí o modelo arcaico de pagamento de impostos em que você tem direito de pagar e nem sempre o direito de receber. No conceito ampliado de saúde, outro dilema: a tecnocracia. Parece que a Política de Saúde da População Negra só terá êxito quando tivermos claro o que é a humanização dos humanos. Se não conseguirmos humanizar os serviços e as pessoas, não haverá a saúde da população negra. Porque estamos falando de relações humanas, de racismo e vale lembrar que racismo mata, ainda que subjetivamente. Conheço pessoas que não estão dispostas a trocarem o Faustão por um espaço como esse, porque não querem ser apedrejadas de lá até aqui. Vale dizer que nos espaços do SUS, a chegada de um pai-de-santo ou de uma mãe-de-santo, com fios de contas nos pescoços, não é bem visto pelos funcionários e gestores do serviço de saúde. Isso é um problema e um desafio. Outra coisa: temos os agentes de saúde da atenção básica que passam despercebidos pelas nossas portas de candomblé, fazendo de conta que lá não há famílias. O meu conceito de família é ampliado, ele envolve pessoas estranhas, ou que se acham estranhas, porque há casos na nossa casa em que as pessoas não têm dinheiro pela manhã para comer e na nossa casa elas não passam fome. Tecnocracia, Política Nacional de Saúde da População Negra e Humanização da saúde esse é o grande crivo no meu ponto de vista. O SUS veio para igualar todo mundo, disse minha amiga Ana Costa que tanto respeito. Essa frase é usada por muita gente. Mas se cada um tem um ori, quem disse que eu quero ser igual a Mãe Beata de Iemanjá? Eu quero ser diferente. No candomblé somos singulares. Nós somos um, ainda que esse um se transforme em um todo. Não quero ser igual a Mãe Beata porque não quero ter as responsabilidades que ela tem. Eu, se tivesse mais de 70 anos, estaria de férias em Bangcoc. Para finalizar volto a Mario Sergio Portela: as questões do dever e as questões do poder estão colocadas na implementação que qualquer política que fazem por aí. No domingo a família decide o canal da TV: ou Faustão ou Gugu e isso é fazer política. Eu me nego a assistir os dois e também faço minha política. No SUS boa parte desses desafios se fazem presente, segundo Mario Sergio Portela, no campo da bioética. Quero, mas não devo. Quero ser bom profissional, mas não devo dar bom atendimento aquela mulher porque ela é negra, está suada. Devo, mas não posso. Devo atender ao idoso, mas não posso porque estou ocupado. Outro exemplo: a famosa fala estou cumprindo ordens, pai Celso. Você nunca encontra o caboclo que deu a ordem. Isso é igual no IML. O gestor que não deixar fazer a minha cerimônia fúnebre. Falo de morte porque não tenho problema com ela. O SUS não permite culto dentro dos serviços, mas sabemos que é preciso bori, ebó, obi, orobô e fumaça de cachimbo da vovó, antes do médico, muitas vezes. Fátima de Oliveira disse , uma vez, que a terapêutica dos terreiros é , em muitos os casos, acessada pela maioria da população brasileira. As parteiras, as raizeiras, a comunidade quilombola têm dado respostas à saúde da população brasileira anterior a Getúlio Vargas. Isso são questões do poder, do querer e do dever. O gestor é pago para fazer o trabalho. Ele é pago com o meu dinheiro. É pago com o meu suor. Ele é meu funcionário. Se ele pode, eu posso também. É isso que temos que dizer para todos os cantos do mundo: não existe diferença entre religiões, tradições e filosofias. Nada justifica essa intolerância, sobretudo na relação médico e paciente. E antes que eu morra do coração, é preciso pensar que as diretrizes já estão dadas pelo Ministério e pelo CNS em que estou muito bem representado. A política não se limita à esfera nacional. Temos a gestão plena com a liberdade dos municípios para fazerem as coisas. Em São Paulo, a Rede de Religiões tem feito coisas no município dentro do SUS sem que o Gabinete da Secretária de Saúde fique sabendo. Ela nem sabe que eu ando pelas unidades básicas de saúde defumando. Já disse a Adailton que a minha resposta não vai mais ser aceitar participar de eventos do governo. A minha resposta será enviar envelopes para o governo com uma pena de galinha preta dentro. É preciso ensinar a partir das ferramentas disponíveis. Temos que virar o jogo na medida em que somos desrespeitados. Médico não sai de casa sem sua ferramenta de trabalho. Acho que essa febre tem que contaminar todo nós. Se eu funcionário não trabalho, sou demitido. Esses gestores não trabalham, são mantidos e quando questionados, caem para cima. O Pacto de Gestão altera boa parte do sistema de saúde, sobretudo, no que tange a atenção básica e ao financiamento do sistema. A Emenda 29 ainda é um sonho da população. Então, vamos pensar no âmbito municipal e estadual em que há muitas políticas engavetadas, com um monte de propostas engavetadas, ao mesmo tempo em que o racismo e a intolerância religiosa matam. As pessoas estão morrendo e me procuram pensando que eu tenho o poder de Deus para salvá-las. É isso o que acontece no nosso cotidiano. Então, uma resposta qualificada tem que ser dada em Rede que o terreiro constrói no Brasil inteiro. Quando Mãe Beata põe um iaô em casa, todo mundo do terreiro se mobiliza para dar vida a esse iaô. Quando o caboclo Sete Flechas chega para receber suas oferendas no dia 20 de janeiro, todos os caboclos vêm para comemorar esse dia. É uma rede calcada nos valores da tradição afro-brasileira. É uma rede calcada nos valores de nossa ancestralidade. É preciso que o governo conheça o que é uma rede. Parece que o SUS é uma rede equivocada. Temos que pensar em âmbito local e municipal qual é o impacto de projetos governamentais que dizem combater o racismo, como o Brasil Afroatitude. Já disse aos meninos: ou eles voltam para casa e fazem um trabalho decente ou vão se ver comigo daqui a 10 anos. Nós da Rede Nacional queremos que eles estivessem aqui porque sabemos que hoje eles são meio órfãos e deserdados. Vide Congresso de Prevenção de DST/AIDS 2006. Acompanhemos a implantação da política nos municípios que é onde a vida acontece. Devo querer e fazer com que a vida aconteça. Essa discussão não deve ficar no campo do pessoal. Eu tenho gestores que andam me renegando por causa dessa minha fala. Mas, essa minha fala não é para fulana ou cicrano. Ela é para o estado laico. O Estado que não é laico, não é democrático e não é de direito. E capítulos como o de ontem lá no Maracatu que fiquei sabendo porque Exu existe devem ser denunciados. Fizemos muito mal em termos voltado para casa, devíamos ter ficado e feito barulho. A resposta que a gente tem que dar para mudar esse processo é a participação popular. Estou cansado do debate de que vem alguém e diz que temos que participar. Estou cansado disso. Precisamos entender o que é essa mensagem. Participação popular é dar plantão sem ganhar. Conselheiro de saúde é agente público e não recebe para isso. Quero saber quem de vocês vai tocar tambor nas plenárias preparativas, nas conferências municipais e conferências estaduais. Nós temos que abrir a conferência, enquanto agentes promotores de saúde com uma saúde colocada de outra forma na boca de todos nós. Temos que estar na primeira fila porque somos sacerdotes e sacerdotisas. Temos que participar das Conferências. Falo das conferências preparatória nos municípios e nos estados. Não adianta PTA e brigar para ir para Brasília. Vamos parar com isso. É lá em casa que o bicho pega. O galo come milho no meu quintal e não no quintal de Brasília. É no município que a vida acontece. Exu toma conta de todas as portas do mundo, inclusive da minha. É da minha que tenho que cuidar primeiro antes de cuidar da porta do outro. Quero propor que esse Seminário vá oficialmente aos cuidados do novo Ministro da Saúde, Dr. Temporão, dizer a ele que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra deve ser implementada e que esse discurso de que não precisa de rubrica é equivocado. Não existe política sem dinheiro. Não há nada no governo que venha a garantir que esses gestores façam a política acontecer sem ter a rubrica prevista lá. Vamos parar com essa conversa de que participação popular é passeio no parque, é briga por poder. É isso.” Painel 4 : As Religiões de Matrizes Africanas e os Pactos Pela Vida e em Defesa do SUS. Expositora: Fernanda Lopes - PCRI/Saúde Debatedores: Roger Barros – SMS Fortaleza Lúcia Xavier - Criola Coordenadora – Mãe Nalva de Oxum/Belém Fernanda Lopes Roger Barros, Lucia Xavier e Mãe Nalva Mãe Nalva de Oxum “Bom dia a todos e todas. Minhas bênçãos para todos meus irmãos, babás, ogãs, ekédis, iyás e todos me abençoem. (Axé). Vamos começar o próximo Painel. Chamo a Dra. Fernanda Lopes do PCRI-Saúde como expositora. Chamo os debatedores Ogã Roger Barros, da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza e a ekédi Lucia Xavier, de Criola, no Rio de Janeiro.” Fernanda Lopes “Gostaria de agradecer mais uma vez a oportunidade de estar aqui compartilhando desses saberes diversos. Agradecer a possibilidade de a cada dia estar aprendendo um pouco mais e tendo mais nitidez na responsabilidade que a gente tem em contribuir para um mundo mais justo e solidário e tendo como pano de fundo os nossos valores ancestrais. Então, muito obrigada por mais essa oportunidade. A minha tarefa é discutir um pouco sobre os Pactos. O Pacto pela Saúde é apresentado hoje pelo Ministério da Saúde como um instrumento de 3 dimensões. Mas um instrumento para consolidarmos essa política de direito que o Pai Celso falou aqui na mesa que nos antecedeu. Viemos discutindo isso: a importância dessa política de saúde, a importância de politizar a discussão de saúde como um direito, a importância de ter concretizado as vias para garantir esse direito. Então, quando falamos desses novos instrumentos que os gestores municipais, estaduais e federais, os conselheiros e conselheiras de saúde e nós que estamos nesses outros espaços de controle social e porque existem mecanismos formais, como os conselhos , mas existem os mecanismos de participação, de mobilização e de controle social que a gente tem que valorizar, aprimorar, controlar, resgatar as informações para atuar ordenadamente em todos os lugares para contemplar as nossas necessidades. Então, o Pacto pela Vida traz alguns compromissos que são prioritários, algumas metas que devem ser negociadas, pactuadas. Por que pactuadas? Aqui na Rede vocês fazem o tempo inteiro pactos. Os valores estão dados, mas o tempo inteiro você tem que resgatar para se lembrar de que todos têm responsabilidades. Então, repactuam-se as responsabilidades. Lembrem-se aquilo que nossos ancestrais nos contaram, agora a sua responsabilidade é essa para manter. E a dele? A responsabilidade dele é outra, tem que pactuar e são vários os atores que pactuam. Nessa pactuação do Pacto pela Vida foram eleitas algumas prioridades, por exemplo: saúde da população idosa, morte materno infantil, redução da morte materna e infantil, garantir uma qualidade para o envelhecimento, garantir o acesso aos exames preventivos de câncer de colo de útero e de mama, reduzir a morte por câncer de colo de útero ou por câncer de mama, reduzir as mortes e taxas de adoecimento por doenças emergentes, tuberculose, gripe aviária, influenza, promover a saúde, estimular hábitos mais saudáveis de vida, garantir que as pessoas saibam o que é melhor para a sua saúde e garantir a atenção básica. E agora vamos fazer a conexão com a nossa vida. Envelhecimento saudável tem a ver com os terreiros? Sim. Vamos pensar o que é tempo a mais na vida? Axé, saber acumulado. Tempo de vida de santo é posto. Então, os nossos espaços já são promotores de envelhecimento saudável, mas temos que cobrar a não exploração de idosos e idosas. Nós temos que nos utilizar desses espaços para garantir a discussão do Estatuto do Idoso. Temos que garantir a discussão nesses espaços sobre acesso, casas com menos possibilidades de evitar quedas para os idosos, olha quanta coisa relacionada com aquilo que a gente faz. Mas, sobretudo, revitalizar essa discussão da valorização da pessoas idosa. Embora algumas pessoas achem que não precisemos saber de números. Digo que é preciso entender deles. Gestores só definem coisas a partir de números. Quando falam para a gente que isso não é necessário. Está considerando que a gente não vai controlar porque para saber se melhorou ou piorou, precisamos saber o quadro no início. Vou mostrar alguns números: mulheres brasileiras com mais de 25 anos, a cada 100, só 36 conseguem fazer um exame clínico de mama. Para as mulheres negras com mais de 25 anos, a cada 100, 46 nunca tinham feito o exame clínico de mama. Para as mulheres brancas, 28. Acesso ao recurso preventivo do câncer de mama. É um exame clínico bem simples. Mas precisa de toque. O profissional tem que estar disposto a ofertar o cuidado. E, então, as mulheres negras sofrem mais com a indisposição da prestação do cuidado, quando conseguem acessar o serviço de saúde. Pensando no câncer de colo de útero, como prevenir? Como fazer o exame de papanicolau? No geral, 20% das mulheres, a cada 100, nunca teve acesso. Mas quando pensamos em mulheres brancas e negras muda um pouco. Para as mulheres brancas, a cada 100, 17 nunca fizeram o exame, para as mulheres negras, a cada 100, 25 nunca fizeram. Quando em nossa cidade falarem: estamos trabalhando para reduzir o câncer de mama e o câncer de colo de útero entre as mulheres. Nós temos que gritar: ótimo! Que os investimentos venham. Mas para melhorar a desigualdade, falei isso no Seminário Nacional de Saúde da População Negra, o esquema é o seguinte: é aquilo que pode ser o que há de melhor para a saúde? É a melhor concepção? Então, temos que colocar a pratos limpos o que nós queremos. Então, agora a gente quer reduzir as desigualdades no acesso aos exames preventivos. Se a gente tem um grupo que acessa um elevador, mas acessa só o subsolo e o outro grupo pegou o elevador até o terceiro andar e sobe até o quinto andar. Se não tiver alguma coisa para parar um pouquinho o que está no quinto andar,ou fazê-lo andar mais devagar, e fazer o que está no subsolo subir rápido, nunca a gente vai alcançar o SUS que a gente quer. Nunca vamos garantir que as pessoas sejam respeitadas e tenham contempladas as suas necessidades. Então, é sempre isso que vai ser o nosso instrumento de luta pela saúde, de luta em defesa da vida, de luta em defesa desse sistema. Mortalidade infantil: melhoramos muito da década de 70 até os dias de hoje. O que reduz mortalidade infantil? Saneamento, vacina, aleitamento materno, investir em educação da mãe, amamentação. Essas várias coisas acontecem separadamente. Tudo tem que estar integrado. A vida melhorou dos anos 40, 60, 70 para cá, então, reduziu a mortalidade infantil. Em 1980, tínhamos aquela desigualdade entre crianças brancas e negras. No ano 2000, duplicou a desigualdade. Piorou. Os investimentos na redução da mortalidade infantil não levaram em consideração que cada uma estava num andar diferente. Hoje o Ministério da Saúde publicou o seguinte dado: a principal causa de morte no Brasil como um todo para crianças com menos de 1 ano são doenças infecciosas e parasitárias. As crianças negras de até 5 anos de idade têm 60% mais risco de morrer do que quando comparadas as crianças brancas. 60% mais de chance de morrer, é preciso ter um investimento pelo menos 60 vezes maior. Quando formos fechar, monitorar redução da morte infantil, vamos dizer: vejam o que vocês fizeram antes.Não consideraram que os andares eram diferentes. O que aconteceu? Um elevador andou rápido e o outro andou na mesma velocidade. Um chegou à cobertura e ou outro ficou na metade do prédio. Mortalidade Materna: a chance de uma mulher negra morrer por causas denominadas maternas, é 41 vezes maior para o Brasil como um todo. Há localidade em que o número é ainda maior. Há localidade em que o número é menor. Há localidade em que é igual a 41. No Rio, por exemplo, os núcleos de enfrentamento da violência decidiram que uma das formas de reduzir a violência contra a mulher é reduzir a morte materna. Quando gritar vamos ter que gritar isso: tem que mudar mas tem que investir mais para reduzir a desigualdade entre um grupo e outro. Promover a saúde: na Política Nacional de Promoção da Saúde o que se estimula? Diminuição do tabagismo, hábitos mais saudáveis, alimentação saudável. Mas na alimentação, a prescrição não combina com a realidade desse povo. E muitas vezes pode não combinar com a realidade da dieta de outros povos. Então, tem que discutir isso. Promover saúde e a construção de um ambiente mais saudável, é combater racismo e intolerância religiosa. Ninguém fala disso. Só mandam para de fumar e que por sinal, quem ainda está com essa prática tem que repensar porque é prática não saudável. Mas também, as pessoas têm o direito a terem um estilo de vida de acordo com aquilo que acham interessante. Pensar em direito humano é sempre pensar que o outro pode apresentar os seus argumentos para fazer as suas escolhas. É o mais difícil. Então, para saber se um gestor ou profissional de saúde está mesmo comprometido com esse Pacto pela Vida que acreditamos, primeiro tem que reconhecer que existem injustiças e que às vezes, essas pessoas adeptas da ética e que acreditam que estejam acima do bem o do mal, porque elas têm como missão salvar vidas, esse povo pode também trazer elementos de qual é a ética de proteção de vida que se quer? Como construir essa nova ética? Como resgatar aquela antiga ética? Bom, reconhecer que existem desigualdades e reconhecer que as desigualdades são injustas é o primeiro passo para construir os caminhos de superação, com ética, com respeito à diversidade, com a nãodiscriminação, com a não-intolerância. Para defender o SUS que é uma política de direito que reconhece o valor de todo o ser humano. Que deve oferecer tudo para todos e para todas, de acordo com as necessidades individuais e também coletivas, partindo de construções democráticas como essa e de uma forma descentralizada. Nós brincamos ao dizer que descentralização é um engodo. Mas, a vida acontece no município e devemos exigir, por exemplo, do Ministério da Saúde, representado na mesa anterior, diretrizes nítidas. As diretrizes são os caminhos. Tem que dar caminho e tem que ter nitidez no caminho. Quando você for executar os rumos orientados pelo Ministério da Saúde, você tem que fazer as adequações. Você tem que definir quais as necessidades. Identificou necessidades, criou uma demanda e um processo de trabalho. Por isso gostei quando na oficina de ontem alguém falou que os terreiros são microSUS. É isso aí. Olha como a lógica se repete. Então, falar que essa lógica é alternativa e não é tradicional, não tem fundamento. Defesa do SUS: lembrar que nenhum gestor está nos fazendo um favor. Existem obrigações. Nós temos obrigações como cidadãos e cidadãs. Mas aqueles que estão na representação do estado também têm obrigações. As obrigações deles são para com todos e com todas. Reconhecer que existem fatores que definem, determinam e modificam a condição de saúde. Como por exemplo: o racismo, a lesbofobia, a homofobia, a xenofobia. É importante. A Rosangela lembrou aqui. Mas na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra tivemos esse cuidado porque destacamos que as experiências de vida, as experiências de saúde são influenciadas por vários fatores para além daqueles sempre considerados. E que fatores como ciclo de vida, a sua orientação sexual, a sua filiação religiosa, a sua identidade de gênero, que é quando existem homens que tem uma expressão de gênero próxima do feminino. Mãe Beata falou disso ontem aqui. O direito à liberdade, à autonomia, à dignidade. Ainda que seja homem que tenha expressão do gênero feminino e orientação homossexual. Ainda que seja uma mulher que tenha expressão de gênero masculino e orientação homossexual. Que seja uma travesti, que seja uma transsexual. A expressão de gênero independe do sexo biológico. Mas a experiência de conceber a doença e a saúde deve ser considerada. Quando na população negra não se considera isso você está contribuindo para que as pessoas adoeçam. Você está contribuindo para que essas pessoas acessem o serviço de saúde e sejam potencialmente discriminadas. Sejam desrespeitadas no seu direito básico. Mas essas preocupações já estão presentes em várias outras mentes, em vários outros corações. Isso é muito importante. A promoção da cidadania: a saúde como elemento fundamental na construção da cidadania. Ou quando a doença se instala porque uma série de coisas falhou, o processo de adoecer pode ser a marca de violação da cidadania. É muito importante ter financiamento. Agora nas nossas mobilizações, no balançar da nossa Rede daqui até o próximo Seminário, muita coisa deve acontecer. Muita coisa deve acontecer no mundo e muita coisa deve acontecer conosco, a partir das nossas responsabilidade , a partir dos nossos pactos que a gente refaz aqui todos os dias, no nosso território sagrado. No nosso espaço promotor de saúde, de dignidade, de cidadania. Obrigações públicas da saúde com a sociedade: garantir informação de boa qualidade, que a gente possa compreender. Mas, não quer dizer deixar de falar algumas coisas para alguns e falar para outros, porque aqueles alguns não vão entender. Informação de boa qualidade é traduzir. E tem que ser informação completa. Toda vez que alguém quiser dar informação pela metade, tem que dizer que essa informação não cabe aqui, se não a gente não consegue controlar. Sem informação não há poder. Informação é poder. Por isso que ninguém quer dar. Poder é bom. As pessoas não querem dividir. Esse é o nosso papel, cobrar. Carta de Direitos dos Usuários: é um instrumento muito legal, mas em todos os serviços de saúde tem lá um cartaz: se você desrespeitar o funcionário, você pode ser preso. Em nenhum serviço de saúde tem a carta ou cartaz com os direitos dos usuários. Não há cartaz dizendo que se os usuários forem desrespeitados, eles podem ligar para a ouvidoria da saúde, ou procurar outros mecanismos. Esse é o nosso instrumento, tem que estar na nossa bolsa o tempo inteiro. Financiamento da saúde: garantir financiamento. Garantir que ninguém pode pegar o dinheiro da saúde e fazer outras coisas. Esse contingenciamento, quando existe o dinheiro, mas fica guardado para sair naquelas horas, nas eleições. Sai de vários jeitos, mas não sai para o lugar certo. Ou sai como troca de favores. Isso para a gente que defende a política de Estado, acaba com qualquer um. Temos que gritar pela regularização de uma lei para garantir orçamento específico para saúde – Emenda 29. Se quiserem usar esse recurso numa estratégia de contingenciamento, temos que gritar que a saúde não admite esse tipo de estratégia. A Conferência de Saúde vai discutir esse tema: Saúde, Qualidade de vida e Política de Estado. Saúde a gente já sabe: várias condições individuais, integrais e coletivas tem várias influências do social, do político, do econômico , do ambiental, do religioso, do cultural. Qualidade de vida sabemos o que é porque estamos sempre em busca dela. A política de Estado é estável. A saúde e o SUS devem ser reconhecidos como uma política para todos e para todas independente do governo. Temos que discutir uma coisa que é assim: se vocês querem fazer o país crescer, se vocês acreditam que desenvolvimento seja sinônimo de crescimento econômico e que isso significa destituir as pessoas da terra, colocar as pessoas em ambientes mais degradados, isso não é desenvolver. Se vocês querem nos enganar, nós não somos trouxas. Desenvolvimento não é só colocar as pessoas para aprenderem a costurar, a fazer pão, etc. não é isso só. É muito mais. Garantir a saúde das pessoas. Garantir a saúde como direitos de cidadania. Garantir que elas participem. Garantir que as pessoas tenham emprego. Garantir que elas tenham autonomia. Isso é promover o desenvolvimento, ampliar o que as pessoas têm de melhore suas potencialidades. Essa a discussão que vai tocar mais para a gente no dia a dia. Quando formos participar das Conferências, vamos ter que saber o que é isso que eles dizem que é desenvolvimento, mas que pra gente não tem nada a ver? Como que é discutir essas políticas de crescimento sem pensar no meio-ambiente, sem pensar no impacto na saúde, sem pensar que o impacto pode ser diferente para jovens, crianças e idosos, para brancos e negros, para homens e mulheres porque existem outras desigualdades que vão se acumulando e vão nos colocando em desvantagem. Essas são as nossas tarefas. São muitas. Esses instrumentos não são normalmente muito simples, mas alguns vão estudando um pouco mais e dão uma traduzida. Tem que ter sempre esse retorno. Porque se não houver troca, a coisa não vai para frente ou a gente não está entendendo. Se não entendemos, não temos como cobrar. Se a gente não tem informação, a gente nunca vai ter poder.” Roger Barros, Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. “Boa tarde para todos e todas. A bênção aos meus mais velhos e às minhas mais novas. Que Oxossi proteja a todos e a todas.(axé) Gostaria de dizer da minha satisfação e alegria em poder participar desse evento e poder colaborar para a construção do sistema de saúde a partir da cara do povo brasileiro com toda a riqueza que a gente tem. Sou gestor do SUS e estou tentando construir essa proposta dentro do SUS em conexão com os terreiros. Estamos com vários projetos e brigas boas de se fazer. A Secretaria de Saúde de Fortaleza está apoiando outro evento que acontece paralelo a esse que é uma mostra do sistema saúde-escola. Temos dois eventos: um , científico e esse aqui que tem a proposta de integralidade. Esse evento tem chamado mais a atenção da cidade do que o outro e houve um esvaziamento do outro evento. Só que temos que integrar, não podemos excluir nada. Nossa proposta é de conexão de saberes. Pacto pela Saúde: gostaria de parabenizar a mesa anterior que esgotou os tópicos que eu ia abordar. O SUS é único no mundo. Possui falhas, mas é novo e está em construção. É nossa missão fazê-lo o melhor possível. Como se defende o SUS: para esse Seminário há recursos para pode gastar e fazer toda a programação. Então, fizemos o trâmite burocrático e a verba não saiu. Quando eu fui ver o que era o que tinha acontecido, verifiquei que uma secretária, burocrata, engavetou o projeto. Ela não se identificou com o tema por ser evangélica e engavetou o projeto. Temos que ficar atentos para defender o SUS porque o sistema de saúde é composto de trabalhadores, gestores e usuários. Então, defender o SUS significa tomar conta do SUS. Convoco a todos e a todas a tomarem conta do SUS. Numa reunião de gestores da Secretaria fiz a seguinte provocação: quantos de vocês aqui são usuários do SUS? Só eu levantei a mão. Como é que um sistema de saúde sai do papel, quando quem toma conta dos recursos, das diretrizes da política, não utilizam o SUS? Isso é muito importante. Mas quando eles têm alguma dificuldade com os planos de saúde, correm para o SUS. O SUS está presente em toda a Vigilância do SUS, em todo restaurante, na água. Todos somos usuários do SUS. Convoco a todos para tomarem conta do SUS através dos conselhos de saúde. Todas as pessoas que trabalham no SUS têm poder. A partir das discussões que fizemos quais os mecanismos para desencadear ações na rede SUS? Fiquei preocupado quando o Secretário de Saúde, na presença do Ministro da Saúde, combinou a vinda do Ministro para Fortaleza para lançar o projeto Religiosidade Afro-brasileira e Saúde. Temos discussão acumulada, mas falta acúmulo das outras pessoas sobre essa discussão. Na visão de quem não é de terreiro, sobretudo médicos e outros profissionais, acham que o SUS estabelece relação de doutrinação dos terreiros. Infelizmente, vemos muito isso nas pessoas. A nossa função é desconstruir essa história. Não queremos que o SUS nos doutrine em nada. Nós precisamos de uma conexão em que cada um respeite os limites do outro e a sua importância para o sistema. O mais importante não é o que o SUS tem a oferecer para nós. Mais importante é o que a gente tem para oferecer ao SUS. Temos muito o que ensinar. Estamos traçando um plano de construção das ações concretas dos terreiros a partir de oficinas de integralidade, juntando trabalhadores da saúde e povo dos terreiros. Vamos construir essas oficinas de integralidade para começarmos a levantar os nós críticos e os caminhos que a gente tem para melhorar essa conexão. É uma enorme satisfação receber vocês em Fortaleza. A Prefeita não pôde vir ao evento e mandou um abraço para todos vocês. Obrigado.” Ekédi Lucia Xavier “Boa tarde a todos e a todas. A bênção. (axé) Tenho a triste tarefa de fazer um debate sobre o que Fernanda trouxe para vocês. Triste porque ela falou muitas coisas. Resolvi, então, fazer um esquema do que eu achei que seria o recado de Fernanda para nós. Ela veio dizer que o Sistema Único de Saúde está passando por uma nova fase: os gestores estão fazendo um acordo. Eles estão dizendo: “Bom, tem isso tudo de problemas, e o que a gente vai fazer primeiro?” Vocês já sabem o que fazer : tem que se meter no pacto dos gestores. Ela nem perguntou se vocês querem fazer isso. Mas, ela disse que vocês já são uma Rede, atuam na defesa da saúde, são maravilhosos e maravilhosas e ainda falou para vocês para colocarem a cartilha dos usuários embaixo do braço e saírem por aí. Eu fiz um esquema pensando o seguinte: muitos de nós entraram nessa luta porque se sentia discriminado, muito de nós vieram para essa luta dizendo que havia intolerância contra nós. Hoje são os evangélicos, mas já foram os católicos e no final há muita gente que também acha que pertencemos a um grupo muito desprivilegiado. Acham que a nossa fala, nossa religiosidade, nossa forma de vestir não tem valor e foi isso que juntou um pouco a gente. E a gente se juntou por uma característica importante: não há na história das religiões de matrizes africanas alguém que não diga, eu estava mal, eu não tinha saúde, estava perdido, entrei num barracão e fui buscar ajuda para melhor a nossa condição de vida. Isso trouxe um sentido de saúde diferente do SUS. Saúde não é só casa, comida, roupa lavada, também é paz de espírito, ligação com os nosso mestres, deusas e orixás, aí começamos a desenhar uma idéia diferente de saúde. Muita gente diz que as pessoas vão para os terreiros porque o SUS não atende. Não é verdade. Nós vamos para o terreiro porque lá a gente encontra um acolhimento diferente e , sobretudo, encontramos um remédio que não vende na farmácia e não está no SUS. Acolhimento pode ser eu abrir a porta e deixar a pessoa entrar , sentar e esperar um tempão. Mas , a gente busca trazer para a vida dela outras formas de pensar, valores, e trazer para ela raiz, nome, família, que vocês sabem muito bem. Elas começam a dizer eu tenho essa origem, sou filha de fulano, eu tenho essa força. A pessoa que entrou sofrendo, sai forte. Isso não vende na farmácia, nem no SUS. Essa intolerância tem um nome: é racismo e atinge os negros e brancos do candomblé porque admitiram essa raiz, essa força como real. Nós colocamos o apelido do racismo na religião de intolerância. E por causa do racismo, nós vemos a intolerância religiosa, a discriminação, alguns sofrem mais por causa da cor da pele, outros porque têm orientação sexual diferente, outros porque têm práticas de vida diferentes por causa da religião. Esse racismo acaba tirando o acesso aos bens e serviços da sociedade. Pouco posto de saúde, pouca escola. O pai de santo pode morar em uma área boazinha, mas o seu terreiro está em local que não tem nada. Por que será? Isso é causado pelo racismo. O racismo também fortalece e engorda a pobreza em que vivemos mergulhados, por isso o povo em torno da gente está sempre com esse problema, sem emprego, sem dinheiro. O racismo sempre traz pouca ou nenhuma informação. E parece que somos um saco vazio. Quanto mais a gente lê, mais a gente estuda, parece que não completa. Quando a gente vai falar com o gestor, lembra que não estudou algo. Parece que a gente nunca sabe do que está tratando. O que isso tem a ver com a saúde? A saúde é o nosso bem. É o bem mais importante para nós. A saúde significa nossa vida, nossa cultura, nossa religiosidade, nossa importância no mundo, nossa relação com as pessoas e muito mais. É o sentido de uma vida saudável e digna. Quando vemos uma pessoa caída, a gente lembra que está faltando a dignidade ali. A gente vê que ela pode estar doente e sem condições de uma vida saudável e digna. A saúde está no pano que a gente veste, no remédio que a gente toma e na alimentação que a gente come. Não é verdade que ninguém é atingido por ela, mesmo quem tem plano de saúde, também precisa de um sistema de saúde que possa dar atenção a sua qualidade de vida. E o povo de santo resolveu então escolher um , dentre tantos problemas, que achava fundamental para uma série de coisas: valorizar sua religiosidade, valorizar o seu povo, dar apoio e vida digna aos seus, para trazer exemplo de melhor condição de vida, para viver melhor. Escolheu a saúde para cuidar. Nossa sabedoria é tão completa que pensou o seguinte: não adianta cuidar só da minha saúde, é preciso cuidar da saúde do nosso povo e de todo mundo que vive em torno de nós. Quando a gente exige a água encanada, ela não vai cair só na nossa bica. Quando exige um sistema de saúde que atenda com qualidade, ele não vai atender só o posto de saúde ou o hospital, mas ele vai melhorar a nossa alimentação e nossa roupa. E o que as religiões de matrizes africanas têm a ver com isso? Tudo. Somos um grupo que sempre defendeu a vida, sempre defendeu a cultura, sempre defendeu uma maneira de viver onde as pessoas com a sua diferença pudessem estar em conflito ou não, no mesmo espaço, sendo respeitadas e valorizadas. Muitas vezes esses conflitos pareçam diferentes para algumas pessoas, mas o respeito, o que une essas pessoas está para além das diferenças de cada um, é olhar o ser humano com ele é e cuidar dele como ele precisa. Por outro lado, a gente nunca disse como é que acolhe. O segredo de nosso acolhimento é que eu sendo filha de Oxum tenho um cuidado diferente de Mãe Nalva que tem o mesmo orixá. Isso é tão fácil para nós, receber duas filhas de Oxum e saber o que cada uma vai precisar. E por que não é fácil para um sistema? È muito difícil tratar o individual de forma diferente? Não. É porque há uma tradição em vigor na sociedade de que tudo o que a gente faz deve ser partilhado por todos, mas no nosso caso, um pequeno grupo fica com a maior parte e a gente nem consegue dizer para ele que não acha de que deve ser desse jeito. Então, tudo isso tem a ver com a gente. Porque para nós é importante que as pessoas que vivem com a gente, que são da nossa família, que são da família de nossos amigos, que são de nossa comunidade, que são de nosso país também tenham melhores condições de vida. O candomblé cresce, o terreiro cresce, quando a sua comunidade cresce. O candomblé é rico, quando a sua comunidade está bem. Um pai de santo e uma mãe de santo são respeitados, quando se colocam a disposição da sociedade para melhorar a vida de todo mundo. Em que pese que cada um de vocês tem um grupo razoavelmente grande. Mas não se furtam a fechar a porta para as comunidades. Nós também somos um grupo que queremos melhorar a vida de todo mundo, mas queremos ter direitos. Nós queremos ter o direito de ter direitos, a partir da experiência de vida e de religiosidade que nós temos O que isso tem a ver religião? Estou aqui para cuidar do caboclo, do mestre, do orixá, por que tenho que me meter no SUS/ Assim, a gente vai construindo uma vida melhor. Nós podemos cuidar dos nossos orixás, dos nossos mestres e eles nos dão forças para melhorarmos o entorno. Esse axé se revitaliza no momento em que a gente compreende que os orixás, os mestres atuam em tudo. Eles não ficam só no nosso terreiro. Ele também interage com a vida, ele também participa.Muitos de vocês possuem essa experiência: encontram alguém na rua que nunca viu e acham que ela precisa de ajuda e levam ela ao terreiro. Essa exigência de se comunicar com o mundo é uma exigência da nossa tradição. Nossa tradição sempre se comunicou com todos, pobres e ricos. Não é porque ela é melhor do que outra tradição,mas porque ela aprendeu na dor e no sofrimento a valorizar o que é importante na vida. Bom, “vocês perguntarão: vou para casa fazer o quê? Já que você, Lucia, está dizendo que o sistema de saúde que tem esse tempo todo, não atende todo mundo legal”.Sem o SUS a nossa vida corre risco. A nossa qualidade de vida se perde. Então, preparei uma lista do que a gente tem que fazer. Já que a Fernanda disse que temos que fazer alguma coisa. 1- Abraçar essa causa da defesa do SUS de verdade. Não basta dizer que pertencemos a Rede de Religiões, que agente acredita nos orixás, que estamos com o Marmo todo ano. Essa causa é nossa. Quando a gente diz que quer um sistema de saúde funcionando, significa estar num Estado brasileiro democrático que respeita as religiões afro-brasileiras, valoriza a vida, distribui bem os recursos dos impostos que a gente paga. Quero participar dessa vida tendo a mesma importância que outras pessoas. 2- Apresentar-se como pessoa que é capaz de acompanhar essa política e exigir esse direito. Lembrando sempre que o conhecimento dos terreiros é suficiente para a defesa da vida e do sistema de saúde. Não caiam nesse engodo que dizem que vocês não sabem de orçamento, não conhecem a legislação, não sabem dos pactos e que vocês têm que ficar em casa. É assim que a política tem tratado a gente. Ora, esse conhecimento de que somos portadores e portadoras levou anos sendo acumulado e ele muda a qualquer hora, mas a essência não muda. A essência que precisamos saber é que a saúde é um direito de todo mundo e o Estado brasileiro tem que dar conta dela. Se não está dando conta, é dever nosso dizer para o Estado que ele tem que dar conta. Aqui tem pai de santo e mãe de santo que comanda 100, 200 pessoas. Como que essa pessoa não sabe falar de política? Como que essa pessoa não saber gerenciar serviços? Alguém que gerencia com poucos recursos do candomblé, umbanda, ou qualquer outra religião, está apto a dizer como quer a saúde, como quer a sua vida, como quer participar. Essa coisa que diz que a gente não sabe nada, é forma de tirara gente dessa história. 3- Participar dos conselhos. Em cada bairro existe um conselho distrital que reune os gestores da área, os usuários, os trabalhadores, os prestadores e os pais e mães de santo têm que aparecer por lá. Se arrumem todos e vão lá dizer sou chefe tal e vim aqui participar da saúde do meu país. No primeiro dia vão olhar torto, mas deixa pra lá, não sabem fazer ebó, deixa pra lá.... No segundo dia, vão continuar olhando torto, também não sabem fazer ebó, deixa pra lá... mas no terceiro dia vão perceber bem o significado dessa participação. Temos que estar lá para defender a vida. Se não participarmos dos conselhos distritais, não conseguimos interferir na saúde. 4- Participar dos debates que tratam da saúde , mas que são contra o racismo, o sexismo, a homofobia, a lesbofobia, porque isso também é a apelido do racismo. A pessoa diz que racismo não tem nada a ver com racismo: Olha, sabe, a pessoa chega aqui no posto e veio toda suja. Ela chegou aqui às 7h. Ela tinha que chegar às 4h. Não vai ser atendida. Não veio na hora certa. Ora, isso é motivo para uma pessoa não ser atendida no SUS? Não. Abraçar essas ações da discriminação é importante. Afinal, pretos e brancos sofrem a mesma coisa. Vê o cara com uma bata(roupa), fala: Lá vai o macumbeiro. 5- Fortalecer a Rede na cidade e no estado de vocês. Quando o gestor da saúde numa reunião do conselho pergunta Você é de onde? Você diz Sou da Rede de Religiões Afro e Saúde. E só. A pessoa pergunta novamente em outra reunião e você responde a mesma coisa. Ela não vai dar crédito a você. Mas na próxima vez que você trouxer um monte de pai e mãe de santo para dizerem que não estão gostando da saúde no bairro, ele vai pensar duas vezes, depois ele vai pensar mais duas. Até que um dia, ele não vai pensar, vai ouvir e vai dar solução para o problema. Porque quando a pessoas estão organizadas para enfrentar o problema, o primeiro problema que ela se livra é da dificuldade de trabalhar junto. No terreiro todo mundo trabalha junto, independente da pessoa saber ou não, da escolaridade, da relação amigável ou não, em função de um objetivo. A festa tem que sair perfeita. A obrigação tem que dar certo. A pessoa tem que ser bem atendida. Precisamos fortalecer nossas organizações para que isso aconteça. Se a gente vai mesmo participar de uma Rede, temos que sentar lá na nossa cidade, convidar A B C D dizer que tem uma proposta. Se a pessoa não tem a mesma proposta, ela vai embora, mas você segue com o trabalho. 6- Reunir os terreiros em todos os espaços que vocês puderem ir. Reunir pessoas num terreiro é importante para que elas reconheçam naquele espaço, um grupo, alguém, uma religião que está buscando uma melhoria Para a sua comunidade, para a sua vida e também para si. 7- Acreditar que quando falamos de saúde da população negra, estamos falando de direito à saúde , ao SUS, sem discriminação por causa de nossa cor da pele, por causa de nossa religião. Às vezes, as pessoas não sofrem o racismo e não querem se envolver. Se está ruim para a população negra que é a maior usuária do SUS, se está ruim para população negra que é a maior do Brasil, imaginem para o resto. Se agente não quer fazer para os outros, então faz para si. Mas se está ruim para um grupo, está ruim para todo mundo. 8- Não esquecer de conversar e discutir com gestores e autoridades, com os funcionários públicos. Os funcionários são agentes públicos e têm a obrigação de fazerem a parte deles.Vou me aborrecer com a Fernanda, mas o cartaz colado na parede do serviço que diz que você vai ser preso por isso e aquilo, aquilo é inibidor da busca de nossos direitos, tem que arrancá-lo da parede. Por que conversava com Mãe Nalva que se você está no balcão e o funcionário te desrespeita, você pede a ele respeito. Mas se for funcionário, você já é enquadrado em crime ou penalidade. Só que você foi procurar o serviço porque está doente. Vá me desculpar...Isso quer dizer que é para você entrar quietinho, ficar na sua e aguardar atendimento. Você é cidadão e merece respeito. Então, colem também a carta dos usuários que diz que podemos ser respeitado pelas nossas condições, não podemos ser discriminados. 9- Conversar com os conselheiros da saúde do município, do estado. Muitos vão dizer que movimento negro não vem aqui, nem pessoas das religiões africanas. Vocês dirão: E daí, a obrigação de vocês é cuidar da saúde de todo mundo . Viemos aqui para dar o recado para cuidarem da saúde de todo mundo 10- Ter muito cuidado com o aparelhamento dos terreiros. Os terreiros podem servir de postos de saúde para a população, ter campanha de vacinação etc. Mas, é obrigação do Estado prover serviços necessários e é nossa obrigação participar e fiscalizar. Essa é nossa principal tarefa. Perguntei a Mãe Nalva porque ela se meteu nessa história. Estava com tempo livre?? Ela me disse que olhou para dentro do terreiro dela e viu situações desagradáveis de violação de direitos, de pobreza, de discriminação e ela se dedicou a evitar que essa discriminação e pobreza afetassem a vida dos seus filhos e filhas da comunidade. Então, convido a todos e a todas para acompanharem a Mãe Nalva e outros na luta pelo direito á saúde. Fernanda deu mais algumas tarefas: cobrar o Pacto de Saúde que de fato deixa a saúde chegar até a população; fiscalizar para ver se vai chegar e a última, continuar se reunindo para fortalecer essa cultura, essa tradição que faz com que cada um de nós tenha saúde. Axé.” José Marmo da Silva, secretário-executivo da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde “Nosso tempo está avançado e acho que cada painel mostrou que temos muito trabalho para alcançar o SUS que queremos. Temos que ficar atentos a fiscalização do SUS e na garantia de nossos direitos. Cada pessoa aqui presente deverá multiplicar essas informações em seus estados e municípios. Vamos agora escolher a próxima cidade-sede do VII Seminário Nacional e logo depois finalizaremos nossos trabalhos com os cânticos de louvor à vida e à natureza”. Votação da próxima cidade que sediará o VII Seminário da Rede de Religiões: Natal, Porto Alegre, São Paulo e Salvador. José Marmo da Silva Por que o VII Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde deve ser realizado em Natal, ou Porto Alegre, ou São Paulo, ou Salvador? Cada representante dos Núcleos das respectivas cidades fez a defesa de sua cidade. Denize Almeida - defendeu a cidade de Salvador Edilzenira – defendeu a cidade de Natal Babá Dyba – defendeu a cidade de Porto Alegre Pai Celso de OXaguiã – defendeu a cidade São Paulo O público presente votou e a cidade escolhida foi Natal no Rio Grande do Norte. Encerramento Canticos de louvor à vida e à natureza Programação Cultural: Maracatu e Grupo de Dança Afro O público do Seminário Nacional Perfil dos participantes do VI Seminário Nacional Religiões AfroBrasileiras e Saúde Total de de participantes: 310 pessoas • distribuição segundo sexo: 135 homens e 175 mulheres • distribuição segundo cor: apenas 34 participantes consideraramse brancos(auto-classificação) Número de participantes por áreas de representação conforme fichacadastro: • religiões de matrizes africanas - 127 pessoas • profissionais de saúde/SUS - 61 pessoas • representantes do Ministério da Saúde – 6 pessoas • cultura – 10 pessoas • educação – 5 pessoas • movimento negro- 29 pessoas • movimento de mulheres – 10 pessoas • meio ambiente – 1 pessoa • movimento popular – 2 pessoas • movimento homossexual – 4 pessoas • universidades – 19 pessoas • movimento anemia falciforme – 6 pessoas • movimento de aids - 6 pessoas • movimento hanseníase – 2 pessoas • arte – 4 pessoas • direitos humanos – 5 pessoas • juventude – 4 pessoas • planejamento – 1 pessoa • comunicação – 5 pessoas • agência de cooperação internacional - 1 pessoa • movimento de prostitutas – 1 pessoa • pastoral da saúde - 1 pessoa Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde Secretário-executivo: José Marmo da Silva Contatos: [email protected] Instituto Ori-Aperê: Psicossomática Psicanalítica Coordenação: Ângela B. Podkameni e Marco Antonio Guimarães E-mail: [email protected] Relatoria: Gilza Melo e José Marmo da Silva Fotos: Luciana Kamel