VI Seminário Nacional Religiões
Afro-Brasileiras e Saúde
Fortaleza
27, 28 e 29 de março de 2007
Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
Relatório do VI Seminário Nacional Religiões
Afro-Brasileiras e Saúde
Abertura
Gostaria de pedir a benção aos meus mais velhos e aos meus mais novos e
agradecer aos nossos deuses e deusas pela criação desse espaço de
resistência do povo de terreiro e do povo negro, que é o VI Seminário
Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde.
Quero agradecer também ao povo de Fortaleza que nos recebeu
carinhosamente fazendo desse seminário um encontro de confraternização.
Seria injusto de minha parte não agradecer a Marco Antonio Guimarães, a
Lucia Xavier, a Fernanda Lopes e a Roger Barros, grandes parceiros que
me escutaram em momentos de aflição que antecederam a esse evento.
Gostaríamos de agradecer também o empenho do Dr Odorico, Secretário
Municipal de Saúde de Fortaleza e ao Vice-prefeito dessa cidade, Sr Carlos
Veneranda.
Agradecimento aos nossos apoiadores e colaboradores: Ministério da
Saúde(PN DST/AIDS e PNH), Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres, SEPPIR, Prefeitura de Fortaleza, Instituto Cuidar e OPAS, que
acreditaram em nossa proposta.
Não poderíamos deixar de falar da importância da Equipe de Acolhimento
e da Equipe da Secretaria de nosso seminário. Sabemos que acolher e
cuidar é uma arte que possibilita a criação de um meio ambiente bom o
bastante, características fundamentais do povo de terreiro. O acolhimento,
o cuidado e o respeito deve ser a nossa meta nesse encontro, onde muitas
vezes vamos divergir no campo das idéias, vamos nos deparar com visões
de mundo diferentes da nossa, vamos conhecer outros valores, vamos
tomar posições diferentes dos nossos parceiros e parceiras, mas isso
certamente é o que nos torna mais ricos, mais fortes e saudáveis.
Agradecemos a cada um dos senhores e senhoras aqui presentes que
saíram de suas casas para compartilhar conosco um desejo: o desejo de
que seja garantido o direito a saúde de todas as pessoas, independente de
cor, religião, sexo, idade ou orientação sexual. O desejo de que o SUS que
sonhamos possa se tornar realidade de norte a sul desse imenso país. E
certamente nós, povo de terreiro, estamos contribuindo para isso pois foi a
nossa força e o nosso axé que fez com que todos e todas pudessem estar
aqui.
Sejam todas e todos bem-vindos pois esse seminário é nosso
José Marmo Silva, secretário-executivo da Rede Nacional de Religiões AfroBrasileiras e Saúde
VI Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
Realização:
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Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza
Prefeitura de Fortaleza
Colaboração:
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Instituto Ori- Apere
Criola
Instituto Cuidar
PCRI/Programa de Combate ao Racismo Institucional
Apoio:
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Ministério da Saúde
SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial
SPM - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
OPAS – Organização Panamericana de Saúde
A entrega do presente para às deusas das águas
Na tarde do dia 27 de março, os
atabaques começaram a rufar na
Praia de Iracema e os participantes
do seminário entoaram os cânticos
de louvor às deusas das águas.
Cada representante e liderança de
terreiro saudava as deusas de
acordo com sua tradição de matriz
africana. Foram cânticos para
Oxum,
Iemanjá,
Dandalunda,
Janaína e Mãe Dágua. Todas foram
homenageadas e logo a seguir o presente foi levado, em cortejo, ao mar.
O clima de confraternização era grande. Povo de angola, de jurema, de
keto, de ijexá, de umbanda, do batuque, de tambor de mina, de terecô, de
xambá, gestores e profissionais de saúde saíram cantando juntos em
direção a praia. Foi chegado o momento de colocar o presente no mar.
Os mais velhos, conhecedores dos segredos, iniciaram o ritual como
manda a tradição, enquanto os mais novos continuavam cantando. Tudo
transformou-se em magia e encantamento.
Os homens, carregando os balaios de flores, caminhavam em direção a
jangada que levaria o presente. Já na beira d’ água uma onda mais forte
aproxima-se e molha a todos e todas. O povo fica feliz e grita: Odôyá!
Odôyá! Salve Mãe D’Água, Dandalunda... Ora Iyê Iyê o!
As deusas recebem o presente e retornamos com a certeza que tudo
correria bem.
Dia 27 de março de 2007
17:30h - Mesa de Abertura
Pai Silvio, Dr. Odorico, Carlos Veneranda, Maria Palmira, Adailton e Cleide
Convidados:
Pai Silvio de Iemanjá - representante do Núcleo da Rede em
Fortaleza
Mãe Beata de Yemanjá - conselheira da Rede Nacional
Sra. Cleide Carmen - representante do Programa Nacional de
Humanização/Ministério da Saúde
Sr. Adailton Silva - representante do Programa Nacional de
DST/AIDS/Ministério da Saúde
Sra. Maria Palmira da Silva - representante da Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
Dr. Luis Odorico Monteiro - Secretário Municipal de Saúde de
Fortaleza
Sr. Carlos Veneranda - Vice-prefeito da Cidade de Fortaleza
Pai Silvio de Iemanjá
“Boa noite a todos e todas. Peço à benção aos meus mais velhos e
mais novos. Aproveito para saudar os gestores e os colaboradores desse
evento. É um prazer Fortaleza sediar um seminário como esse.
A vida da gente parece uma rede. Em nome de todas as pessoas de
terreiro de Fortaleza e da Região Metropolitana, sejam bem-vindos.
Fortaleza tem a necessidade de tê-los como parceiros. Tudo que for tratado
aqui nesse Seminário, seja captado e absorvido, da forma mais carinhosa e
consciente. Obrigado.
Mãe Beata de Iemanjá
“Em primeiro lugar eu peço a bênção a todos os meus irmãos, aos
meus filhos e quero abençoar a todos. É com grande prazer que estou
nesse lugar tão maravilhoso. Fortaleza tem a ver comigo: mulher idosa
cansada, mas estou aqui. Agradeço a acolhida.
O povo precisa de apoio, de amor e de compreensão. Se você tem um
elo de corrente e você colocar mais um elo, a corrente vai crescer. É o que
acontece com a Rede de Religiões Afro e Saúde. Lembro-me o começo disso
tudo. Hoje tenho muito prazer em pertencer a essa Rede de Saúde. A cada
dia eu me sinto mais fortalecida. Quando olho e vejo todas as religiões: a
umbanda, o catimbó, o tambor de mina, o candomblé, o batuque e outras
que estão unidas. É isso que Olorum quer. Ele criou o aiyê para existir
amor e fé. Uma religião ou culto não pode pensar que é mais importante
que o outro. Todos somos irmãos iguais para Olorum. Obrigada
Sra. Cleide Carneiro, representante da Política de Nacional de Humanização
do Ministério da Saúde
“Boa noite a todos e a todas. Peço licença para pedir a bênção de
todos. Não poderia perder a oportunidade de sair tão abençoada daqui.
Nesse momento represento a Política Nacional de Humanização do
Ministério da Saúde. Faço parte desse conjunto, dessa política que nesse
momento é o espaço mais adequado para que façamos com que haja nova
cultura em que todos possam se sentir representados e capazes de
contribuir. Nós que estamos inseridos dentro da Política Nacional de
Humanização precisamos muito daquilo que sairá daqui. Muitas vezes
colocar na lei é fácil mas saber mudar mentalidade é que é difícil.
Precisamos mudar mentalidades. Falamos muito e as coisas não
acontecem. Quem está lá dentro sabe dessa dificuldade. Vocês sabem
podem nos ajudar a modificar essa situação. Por isso, é muito bem-vindo
esse momento que se inicia. Obrigada a todos e que o trabalho seja bom
para todos nós.”
Sr. Adailton Silva, representante do Programa Nacional de DST/AIDS
“Boa noite. Agradeço ao convite para participar do evento. O
Programa Nacional de DST/AIDS tem feito parcerias com a Rede de
Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde. Vim aqui representar o
Programa Nacional junto com os bolsistas do Projeto Afroatitude. Meu
principal objetivo é contribuir com vocês, e principalmente, aprender com
o acúmulo da Rede de Religiões ao longo desses anos.
Com certeza além desse espaço ser de construção de vários setores
da sociedade, é oportunidade de aprendizado para os gestores em relação
a algumas políticas. Estou aqui para ouvir e aprender com vocês sobre o
que pode ser feito para melhorar e qualificar as políticas com as quais
trabalho e, espero contribuir no que for preciso. Desejo um bom seminário
para todos nós.”
Sra. Maria Palmira da Silva, representante da SEPPIR
“ Boa noite. Quero aproveitar para cumprimentar a coordenação do
VI Seminário Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde. Quero
cumprimentar as representações de governo, a Mãe Beata, representando
todas as lideranças religiosas aqui presentes. Cumprimento o Vice-Prefeito
e demais autoridades e cumprimento o Secretário de Saúde, representando
todos os trabalhadores da saúde, aqueles que fazem no dia a dia, a saúde
da população negra entrar de fato na agenda do SUS no Brasil.
É uma honra muito grande poder participar dessa mesa porque
venho da saúde, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Trabalhei
anos naquela Secretaria em que iniciei a implantação da Área Temática da
Saúde da População Negra. Vi esse pezinho aqui no cartaz e fiquei
emocionada, pois também fizemos um pezinho lá, iniciamos a divulgação
de medidas preventivas para o diagnóstico precoce de anemia falciforme.
Vejo essa iniciativa se espalhando Brasil afora. É gratificante saber que no
início do processo de institucionalização dessa temática havia dúvidas das
autoridades sanitárias e dos profissionais de saúde se de fato esse era o
caminho: institucionalizar uma Área Temática de Saúde da População
Negra. Hoje vemos que isso era verdade e que era importante a nossa
bandeira.
Em 2003, na XII Conferência Nacional de Saúde, tive a honra de
liderar ao lado de outras lideranças – José Marmo era uma liderança
presente- a inclusão nas resoluções da Conferência dos terreiros como
espaços de promoção de saúde. Foi um ganho. A primeira vez em que uma
Conferência reconheceu a importância dos terreiros como promotores de
saúde. Hoje não trabalho mais na saúde. Na SEPPIR trabalho com
políticas para comunidades tradicionais, temos recorte para a saúde da
população quilombola e membros das comunidades tradicionais. Sou
recém-chegada nessa área. Acho que vai ser importante esse trabalho para
fortalecer as comunidades de terreiro. Temos parcerias e projetos
financiados para esse público. Mas na área da saúde é importante
fortalecer essa parceria.
Infelizmente, não ficarei o Seminário inteiro. Deixo aqui os
cumprimentos da Ministra Matilde Ribeiro que em virtude de outra agenda
não pôde estar aqui. Mas ela me fez recomendações pessoais de desejo de
que essa Rede e o Seminário se expandam pelo Brasil afora. Pois o terreiro
é o legado mais importante para a resistência contra racismo, desde a
escravidão. A partir das iniciativas de municípios, estados e do governo
federal começa a entrar na agenda das políticas públicas a questão dos
terreiros. Há um livro do Ministério da Previdência Social, não sei se todos
o conhecem... em que as religiões de matrizes-africanas figuram como
organizações sociais importantes para a preservação e a conquista de
direitos. Aparecem como guardiãs dos direitos de nossa população.
Espero que os próximos dias sejam proveitosos. Que os resultados
desse Seminário possam de fato influenciar técnicos, trabalhadores e
gestores da saúde do poder público Brasil afora. Estou à disposição e deixo
um abraço forte para todos aqui. Cumprimento-os por essa iniciativa tão
bela. Estou muito honrada em fazer parte da abertura desse Seminário.
Muito obrigada.”
Dr. Luis Odorico Monteiro, Secretário Municipal de Saúde de Fortaleza
“Boa noite. Gostaria de pedir a bênção a vocês (Axé) e saudar a
mesa: Mãe Beata, Pai Silvio, o Vice-Prefeito, a Cleide, ao Adailton, a
Palmira. Gostaria de saudar e parabenizar o Marmo e o Roger. Estou
muito feliz em estar aqui. Esse momento é importante e tem a ver com a
nossa trajetória.
Desde o movimento estudantil, acreditamos na
possibilidade de construir uma sociedade em que se possa conviver com
valores das diferenças.
Para ilustrar essa trajetória vou contar um caso: era médico, clínico,
recém formado em 1990, residente e Secretário de Saúde de Capuí, cidade
do litoral. Consultei uma moça que tinha transtorno mental e a trouxe de
ambulância para o hospital psiquiátrico de Fortaleza. A paciente voltou
para casa, para a família. A família me pediu emprestado a ambulância
para levá-la para o terreiro. Isso foi uma polêmica na cidade. Eu a levei por
considerar o terreiro um espaço terapêutico. Eu fui diretor de hospital em
Quixadá e muitas vezes a família falava: Nosso irmão está bem aqui , mas
precisamos levá-lo para o terreiro e depois ele volta para a internação. Isso
aconteceu várias vezes e deve estar acontecendo em vários lugares.
O terreiro fica sendo uma militância clandestina e isso precisa deixar
de existir. A militância dos terreiros é muitas vezes mais acolhedora do que
certos espaços do SUS. Fico feliz pelo VI Seminário acontecer em Fortaleza.
Agradeço ao Marmo por dar preferência para nossa cidade. Aproveito para
dar boas vindas a vários companheiros de outros estados. Sejam bemvindos. Não tenho dúvida de que estamos no rumo certo para a construção
de nova sociedade, de novo homem e nova mulher em que novos valores
irão vigorar. O terreiro é historicamente um espaço de resistência
importante de afirmação de nossa cultura. Do ponto de vista terapêutico,
ele é um espaço de escuta, de acolhimento e de cura. Vivemos um
momento em que o sofrimento está presente nas pessoas e a medicina não
dá conta desse sofrimento. O terreiro é esse espaço de acolhimento e de
cura do sofrimento. Muito obrigado. Um grande abraço e feliz Seminário
para todos.”
Sr. Carlos Veneranda, vice-Prefeito de Fortaleza
“A tô tô Obaluiaê. Começo minha fala saudando o Orixá da saúde.
(Axé) Muito axé. Que esse encontro que reúne o povo de santo e os
profissionais de saúde seja profícuo. Responda pelas nossas necessidades
de interação e de compreensão para que a nossa saúde e a saúde do povo
brasileiro tenha muitos ganhos. Vivemos momento de inclusão graças à
força do movimento social e à posse de um homem do povo no Planalto
Nacional, o operário Luis Inácio Lula da Silva. Vivemos raro momento de
aumento da inclusão no nosso país. Temos hoje mais voz e mais respostas.
Temos mais programas voltados para os excluídos do que anos atrás. Isso
não é ainda suficiente para evitar as trágicas manchetes de crianças índias
morrendo de desnutrição, de morte por dengue hemorrágica, morte por
falta de saúde pública e pelas mazelas do mal atendimento nos hospitais
públicos. Mesmo assim, volto a dizer, esse é um momento de inclusão.
Povo de santo, de umbanda, do candomblé e de outras religiosidades que
não citei, precisamos empunhar a bandeira da inclusão. Ela se manifesta
num encontro como esse. Aqui hoje estão dignamente representados os
babalorixás, as ialorixás, as ekédis, os ogãs e os iniciados. Outros
sacerdotes e profissionais de saúde buscando a inclusão dos saberes
africanos guardados nos rincões desse país, esperando momento de ver a
luz da sociedade brasileira para contribuir para o crescimento desse país.
Os que vieram da África, nossos ancestrais, trouxeram ciência e
tecnologia, malgrado dos mal tratos sofridos.
Foram esses saberes
responsáveis pela construção do Brasil. Mas as elites voltaram as costas
para a nossa cor e mantiveram o racismo por anos a fio. Racismo
escondido nas frases profanas: como preto tem alma branca; é negro mas
é limpinho; é negro mas é honesto. O racismo é inibidor do acesso ao
emprego, ao estudo e a inclusão na sociedade. Foram séculos de
mitigação, mas também séculos de resistência. É por isso que estamos
aqui hoje, porque resistimos. Muitos de nós não têm carapinha, nariz
chato, nem característica negróide. Mas tem estranha ligação profunda
com a mãe África. Sabem que em seu sangue vermelho correm os rios de
Oyá, os rios de Xangô, de Oxalá, nas veias da mãe África. E esse sangue é
belo porque corrompe o sangue novo da anemia. Vamos corromper com
esse sangue positivamente a medicina que nos escuta; é com esse sangue
que vamos irrigar a saúde pública com os saberes de nossos terreiros em
que o mais importante é o carinho, o afago e a interação da mente com o
corpo, do corpo com a natureza, do corpo com o astral, com os céus doa
orixás e o Universo de Odumaré. Axé meu povo da saúde. Axé meu povo
de santo.”
18:30h - Conferência: As Contribuições das Religiões de Matrizes Africanas
para a Sociedade e o Estado.
Edson Cardoso/ editor do Jornal Irohin
“Boa noite. Sinceramente peço licença para ocupar esse espaço que é de
uma relevância, que a mesa anterior já pontuou. Espero ser abençoado por
todos e todas. (Axé).
A tarefa é difícil. Falo há mais de 25 anos e comentei com amigos que essa
seria a minha fala mais difícil. Não imaginei que aos 57 anos fosse sentir
uma tensão para falar já que faço isso sempre. Estou emocionado por
estar aqui com vocês. Espero estar a altura do convite feito por Marmo.
Penso que seja um prêmio não só a mim, mas ao ativismo de uma
militância anônima que tem se dedicado há décadas na luta pelo racismo e
pela superação das desigualdades raciais. Ao me escolherem para estar
aqui, imagino que seja homenagem a outros ativistas que fazem esse
trabalho pelo país.
Vou dividir minha fala em dois momentos: no primeiro momento, peço
licença para ler notícia de jornal. Sou de Salvador e moro em Brasília.É
uma realidade que muitas vezes vocês conhecem mais do que eu. Mas
achei necessário escolher texto que tivesse como pano de fundo uma
referência comum para todos durante minha fala. É um texto que se
refere ao Cabula 4. Cabula é referência antiga para nós. Em 1826, por
exemplo, nesse mesmo lugar havia o quilombo do Urubu e que as lutas
desenvolvidas por esse quilombo tiveram a participação de terreiros de
candomblé.
Vou ler matéria do Jornal Folha da Tarde, de 18 de março de 2007 se
referindo a uma nova área do Cabula, o Cabula 4. Uma ladeira estreita
e mal pavimentada, à direita da rua Silveira Martins, no Cabula 4, dá
acesso a uma comunidade de 6 mil habitantes esquecida pelos órgão
públicos de Salvador. Lá embaixo moradores convivem com lixo
acumulado, esgoto a céu aberto, ratos, baratas e cobras. “Aqui reina o
caos e o descaso. É muito sofrimento”, resume o líder comunitário ,
Eliosvaldo José Marcos França presidente da Associação de Moradores da
rua Amazônia de Baixo que existe há 2 anos e luta por melhorias
estruturais para a comunidade. O caminhão da Limpurb só passa na área
de baixada onde tem casebres a cada dois meses. Anteontem foi dia de
coleta e foram retiradas 11 caçambas de lixo. O órgão consegue acesso só
pela rua ao lado ao Posto Shell. Quando chove a estrada de barros cria
crateras e é preciso jogar entulho para passar. “A culpa não é da Limpurb,
ela tenta tirar o lixo mas não consegue. “É questão de infra-estrutura”, diz
Eliosvaldo. Com o problema acumulam-se por mais de meses materiais e
detritos em um canto de uma área de barro usada por jovens e crianças
como campo de futebol. Os moradores que moram em uma rua mais
afastada preferem jogar o lixo no córrego do Cascão, braço de uma lagoa
no Cabula 4, que passa ao lado da área de reserva federal do Exército.
Ubiracira de Asunção, desempregada, 49 anos, que vive com filho e neto
em casebre perto de ruir com a chuva , diz “todo mundo joga.” “A água
desce pela encosta e entra no quarto” , diz Ubiracira. “Convivemos com
ratos, cobras, ruas sem iluminação, não tem área para as crianças
brincarem, é precário mesmo”, desabafa Risonilde Santana, casada, 53
anos e com quatro filhos. Há alguns anos foi registrado caso de
lepitospirose que vitimou morador da região. Dengue é doença comum no
local devido à proliferação de mosquitos. Moradora da Alameda Santa
Bárbara ao lado do campo de futebol, Angélica Conceição Gomes 47 anos,
conta que o maior problema da sua rua é o esgoto que a qualquer chuva ,
sobe e alga o chão de barro. Presidente da Associação de Moradores da
Vila Amazônia disse que precisou ligar mais de cinco vezes para a Embasa
na manhã da última sexta para que uma equipe fosse fazer a limpeza dos
canais entupidos. Fala Angélica “É como se o bairro não existisse. Isso
causa revolta” Enquanto o problema não era resolvido crianças de pés
descalços brincavam nas poças em que era possível sentir o mal-cheiro de
esgoto. Eliosvaldo França à frente de toda movimentação para chamar a
atenção de órgãos municipais para os problemas da região disse que já
enviou para a Administração, nos últimos anos, diversos ofícios para
melhorar a infra-estrutura. Ele apresentou documentos mostrando que a
comunidade já foi contemplada pelo orçamento participativo da Prefeitura.
Até hoje os moradores nada receberam. Em março do ano passado foi
realizada audiência pública no Ministério Público a fim de resolver a
questão. Na ocasião, ficou decidida a realização imediata de obra de
contenção e das vias de acesso. Nada foi feito como qualquer autoridade
pode constatar ao visitar a rua Amazônia de Baixo. Até o momento tudo o
que tem sido feito na localidade é obra dos próprios residentes liderados
pela Associação de Moradores, participam da equipe: representantes de
cinco igrejas, quatro terreiros de candomblé, um centro espírita e cinco
escolas comunitárias. Juntos elas organizam 12 projetos sociais
conveniados com a UFBA, a UNINI e o 19º Batalhão de Catadores. São
oferecidas aulas de teatro, música e cidadania para 650 crianças e
adolescentes. O Superintendente de Urbanização da Capital e
subsecretário de Transporte Infra-estrutura, Adriano Peixoto, indicado
como responsável por esclarecer o que está sendo feito a respeito daquela
região, afirmou que nessa segunda irá enviar equipe até o local.
“Priorizamos as áreas que faze parte do orçamento participativo”, disse
Peixoto.
Houve uma referência na matéria a quatro terreiros de candomblé
que estão envolvidos com outras instituições religiosas ou Associações de
Moradores para de algum modo suprir a ausência do poder público.
Estamos em 2007 e nesse mesmo lugar os terreiros estavam, no início do
século XIX, buscando animar, apoiar as pessoas que ali lutavam por sua
liberdade num país escravocrata. Eu penso que não precisaria dizer mais
nada sobre a importância dos terreiros na sociedade. Uma matéria de
jornal diz bem em que tipo de atividade um terreiro está envolvido. A
questão que temos de refletir é que tipo de apoio um terreiro tem para
desempenhar esse papel. O Estado brasileiro é laico quando se trata de
religiões de matriz-africana, quando não se trata, ele não é laico. Vocês
não têm idéia do tipo de acesso ao dinheiro público que a Igreja Católica
tem. Vocês não têm idéia hoje do tipo de acesso dos grupos evangélicos ao
dinheiro público. Mas na hora que se trata de religiões de matriz africana o
Estado é laico mas ele pode repassar recursos para igrejas, outrsa
religiões.
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra é
transparente no que diz respeito à importância de participação de
entidades e organizações negras para que a Política funcione. Temos
certeza de que é preciso essa participação para a Política funcionar, mas
essa participação já existe independente da existência da Política. A
questão é que condições de empoderamento dessas instituições, desses
terreiros, para que elas possam de fato contribuir para que uma Política de
saúde voltada para a população negra possa funcionar. As Santas Casas
de Misericórdia receberão 3% da loteria dos Clubes (para resolver o
problema de dívidas dos clubes de futebol). É recurso carimbado. Como os
terreiros poderão exercer a sua misericórdia em relação ao seu povo?
Como se observa, para que alguns possam exercer a sua misericórdia
existe a destinação de recursos numa loteria. Mas não existe nenhuma
iniciativa do poder público que diga “olha, essas estruturas frágeis que
desempenham tarefas de esgotamento sanitário, de saneamento básico ,
de saúde pública, fazem a tarefa do poder público.” Se a Prefeitura de
Salvador não cumpre essa tarefa com toda a arrecadação fiscal que possui,
imaginem como um terreiro pode dar conta de uma tarefa dessa. O terreiro
tem que “correr” para socorrer um quadro de descalabro como o citado na
matéria do jornal. Numa área que já ocupamos há séculos. Ela permanece
em estado de absoluto abandono, é como se não existíssemos.
A contribuição que posso dar é organizar um pouco o conjunto
de obstáculos que temos nesse momento para realizar o que
pretendemos realizar: assegurar a atenção devida com equidade para a
saúde de nossa população. Mas que tipo de obstáculos nós podemos
enfrentar? Vou dar exemplo: o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, esteve
visitando alguns estados para falar de Copa de Mundo, em 2014. Ele foi
mimado por vários governadores estados, pois nem todos os estados
poderão ser sedes da Copa e das eliminatórias. Há uma matéria do Jornal
O Estadão, de 17 de março, que trata do agrado dos governadores para
Ricardo Teixeira. A Bahia o presenteou com um Oxalá. Vejam só,
estávamos nos referindo a uma parte do estado da Bahia – Salvador- e a
situação de penúria da população negra em que os terreiros tinham que
correr para supri-la no lugar do governo. Mas na visita de alguém que
quero agradar, eu dei um Oxalá.
Esse é o primeiro obstáculo ou desafio que temos na relação
com o Estado: a apropriação que o Estado faz de nosso patrimônio
cultural. O Estado se apodera disso como se fosse dele sem ter vínculo
com a população negra. Não se sente comprometido com aquela
população. Não é possível se falar de Oxalá sem olhar as condições de
vida dois filhos de Oxalá. Mas essa apropriação é feita a todo tempo. É só
chegar na minha cidade, no aeroporto, você vê a apropriação dos valores
do universo cultural do negro. Apropriam-se dos valores, faturam com eles
e não dão a mínima atenção à população portadora desses valores de
cultura e de civilização. O Estado quer tirar vantagem de nossos valores
culturais e não quer cumprir com suas obrigações de poder público e de
Estado conosco.
Os outros quatro obstáculos a que vou me referir, vou extrair da
matéria sobre a cerimônia do Palácio do Planalto, no dia 21 de março. A
Ministra Matilde e o Presidente Lula não compareceram à cerimônia de
comemoração dos quatro anos de existência da
SEPPIR e o dia
Internacional contra Todas as Formas de Discriminação. Então, em seu
lugar compareceu o Vice-Presidente da República que leu o discurso do
presidente Lula. Eu já li o discurso diversas vezes e o Presidente não se
referiu à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra aprovada
no Ministério da Saúde. Ela não foi mencionada entre os avanços do seu
governo. É bom ficarmos atentos a isso. Mas, o Vice-presidente não apenas
leu, ele resolveu fazer considerações sobre o tema. As considerações do
Vice-Presidente permitem ver o tipo de dificuldade que teremos com o
institucional, com os gestores para mudar essa realidade que vimos no
Cabula 4. Ele disse “é muito importante que a gente reconheça sempre
que o Brasil é um país de raça miscigenada. Aqui não há outra coisa senão
a mestiçagem santa.” Isso ele está dizendo para uma população
majoritariamente negra que possui reivindicações específicas e que estaria
comemorando quatro anos da sua Secretaria, de que aqui não existe isso.
Ao falar de miscigenação ele nega a identidade negra, sua historicidade,
sua especificidade, a validade e legitimidade de suas reivindicações. Como
se trata de negar a identidade negra, ele continua “eu, por exemplo, tenho
sangue negro e me orgulho disso, porque minha avó materna era negra.” A
representação política do Estado afirma que é branca e que tem avó negra
para negar a realidade da população negra. Então, vamos parar com essa
conversa de negro, de religião negra, de segmento negro, todo mundo aqui
é miscigenado. Como é que a Política vai ser implementada se isso não
existe. Bom, não vai ser.
Na cerimônia, Tereza Santos, uma ativista de longa data, teve uma
fala forte do movimento negro e da necessidade de avançar e tornar esse
país uma democracia de verdade. O Vice-Presidente se sentiu ameaçado e
respondeu “eu acho que nós, que somos considerados brancos, vamos
precisar de gente como elas (Matilde Ribeiro, Tereza Santos, Benedita da
Silva e outras) para nos defender porque senão, eu não sei não, os
excluídos seremos nós.” Vejam só. Ele revela o medo da perda de
privilégios diante das reivindicações da população negra. Ora vejam, José
Alencar é um grande empresário brasileiro do ramo de lençóis, toalhas.
Como foi que ele construiu esse patrimônio? A biografia dele mostra que
ele soube aproveitar bem os recursos públicos para construir o patrimônio
dele. Os mesmos recursos públicos que estamos disputando e que nunca
tivemos acesso. Historicamente estamos nos organizando para exigir
políticas públicas e recursos públicos. De repente, aqueles que sempre
foram os donos desses recursos públicos e tiveram o privilégio de utilizálos em seus investimentos, se sentem ameaçados com as nossas
reivindicações de políticas públicas.
Eu falei da apropriação simbólica e aqui temos dois outros
obstáculos: a afirmação da miscigenação como negação da identidade
negra e o outro, o pavor e o pânico de perder os privilégios no acesso
aos recursos públicos. Mas falta um quarto obstáculo: a eliminação
física. Não existirá mãe sem filhos. Não existirá pai sem filhos. Os nossos
filhos estão morrendo numa proporção que ameaça a nossa continuidade e
o nosso futuro. A Política está preocupada com essas mortes da juventude
negra. No entanto, nas estratégias da Política se toca muito pouco em qual
estratégia será utilizada para deter essa agressão, esse genocídio. Nós
temos que construir essas possibilidades. O fato de um Conselho ter
aprovado uma Política não significa que ela está completa e acabada. Um
Seminário como esse é para passá-la e repassá-la, e ver possibilidades
onde vamos ampliá-la na definição de objetivos, onde vamos ampliá-la na
concepção de estratégias, onde vamos ampliá-la nessa concepção de
descentralização do governo. É fundamental que façamos isso.
Só o reconhecimento do saber de vocês na Política é pouco. O
importante é saber de que modo vocês serão incorporados à
implementação da Política. No aeroporto, conversei com Ogã Wilson de
Piracicaba, no bairro onde está localizado o terreiro dele, não existe Posto
de Saúde, nem PSF. Então, como é que o terreiro dele com todas as
debilidades conseguirá reunir pessoas e fazer um trabalho sem ser
empoderado para isso. Como isso vai ser feito?
Esse Seminário é a oportunidade para vocês definirem essa
possibilidade de empoderamento dos terreiros. Os terreiros, ao se
relacionarem com o município, com o estado e com o governo federal na
implementação da Política, tem que deixar claro a necessidade de
empoderar nossas instituições religiosas de matriz-africana. Não pode ser
um terreiro da Baixada Fluminense que tem dificuldade para segurar suas
telhas que vai para a rua, à frente da implementação da Política Nacional
de Saúde Integral da População Negra. Isso é uma ficção. Sabemos que
sem a participação de nossas instituições, entidades, organizações,
terreiros, a Política não será realidade no Brasil.
Há uma urgência na Política Nacional de saúde Integral da
População Negra : como deter as mortes dos jovens negros? Só nós
nos importamos com isso. Ninguém está preocupado com crianças
negras de 12 a 19 anos que morrem no Brasil. São as nossas
possibilidades de futuro. Vocês não podem terminar esse Seminário sem
um documento e sem fazer alusão a esse genocídio de nossa população. No
Jornal Irohin que mostrarei para vocês amanhã coloquei entrevista com
Ana Costa na capa para que ela falasse das dificuldades para a
implementação da Política e uma matéria sobre a morte do Clodoaldo,
rapper, de 22 anos que foi assassinado por policiais. Clodoaldo não existe
mais. Ele se parece com os personagens negros e jovens das novelas:
ninguém tem pai, ninguém tem casa, ninguém sabe de onde eles vêm,
para onde eles voltam. Existe uma moça negra que aparece na novela das
oito apenas para transar com um rapaz e expor as partes do corpo nu. Eu
nunca vi a TV mostrar as mesmas partes de corpos das atrizes brancas.
Os personagens negros flutuam nas novelas com vidas em fragmentos. O
discurso do Presidente de República é sintomático: não houve alusão ao
projeto de cotas que está tramitando no Congresso; não houve alusão ao
Estatuto da Igualdade Racial e nem à Política Nacional de Saúde Integral
da População Negra. Nós não sabemos com quem nós vamos contar. O
Ministro da Saúde é novo. É preciso checar compromissos. O Ministro
anterior fez algo histórico ao dizer em evento público que há racismo na
saúde. E O ministro novo, vai manter essa leitura?
Então, o que espero estar transmitindo para vocês é a idéia de
que existem obstáculos que não são de uma pessoa. Os obstáculos são
de uma cultura que o racismo criou entre nós. As pessoas dizem que
quem matou o garoto foi um policial negro. Como se isso fosse nos calar.
Sabemos como o racismo opera na sociedade brasileira. Há quinhentos
anos o racismo construiu uma imagem de inferioridade das pessoas
negras e a construiu para todas as pessoas. Não só para as pessoas
brancas. O fato de um policial negro atirar em uma criança negra não quer
dizer que não há racismo no Brasil. É a prova de que há racismo no Brasil
que foi capaz de romper o vínculo de identidade que ele deveria guardar
com os seus. Foi capaz de tirar dele o pertencimento que ele deveria
manter e guardar com os seus.
Marmo, espero ter dado conta da minha tarefa. Temos que sair desse
Seminário construindo respostas. Temos que ter a capacidade de construílas. Muito obrigado.”
20h- Programação Cultural
Grupo musical Batukajé
Dia 28/03 (das 8h às 17h30)
08:30h - Canticos de louvor à vida e a natureza
Os cânticos foram entoados por Mãe Venina de Ogum(Tambor de Mina do
Maranhão), Mãe Ivanize de Xangô(Recife) e Babá Dyba de Iemanjá(Batuque
do Rio Grande do Sul)
Após os cânticos José Marmo da Silva, secretário-executivo da Rede de
Religiões Afro-brasileiras e Saúde ressaltou a importância do Programa
Nacional de Anemia Falciforme pela presença e apoio possibilitando que
técnicos e representantes de Associações de Anemia Falciforme pudesses
participar do VI Seminário Nacional. “Gostaria de chamar o Dr. Paulo Ivo,
da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, que nesse evento está
representando a Dra. Joyce Aragão do Ministério da Saúde, uma antiga
parceira nossa na luta pela saúde da população negra.
Paulo Ivo
Paulo Ivo, representando o Programa Nacional de Anemia Falciforme
Bom dia a todos e todas. Gostaria de saudar meu pai Ogum e todos os
sacerdotes e sacerdotisas presentes. Saudar todos os deuses e deusas de
todas as religiões de matrizes-africanas que estão aqui no evento. Saúdo
nossos ancestrais, sem eles não estaríamos aqui hoje. É com um enorme
prazer que participo aqui em nome da Dra. Joyce, coordenadora da Política
Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Falciformes, do
Ministério da Saúde. É uma política de ação afirmativa que vem sendo
implantada para a população afrodescendente. É uma doença
genuinamente ligada à população negra e que foi esquecida e tornada
invisível pelo racismo institucional. Essa doença veio da África e foi dada
como invisível esses anos todos, matando nossas crianças e nossos
adultos. É uma doença que tem controle cuja política afirmativa vem
mostrando
que com verbas do Ministério das Saúde, conseguimos
implantar políticas estaduais e municipais.
Temos no Rio de Janeiro uma Política Estadual de Atenção Integral às
Pessoas com Doenças Falciformes com redução de 25% para 1,28% de
mortalidade nessa população.
Existe a Política de Atenção Integral às Pessoas com Doenças
Falciformes em Recife, em Salvador e, em fase inicial em outros estados.
Finalmente, desde 2001, existe a Política de Triagem Neonatal – portaria
822 que obriga todos os estados a ter a triagem neonatal para essa doença
através do teste do pezinho. Porém, nem todos os gestores estaduais são
sensíveis a essa Política e nem todos resolveram implantar o teste do
pezinho. O Sul e o Sudeste todo possuem o teste do pezinho. No Nordeste
o teste do pezinho existe só em Pernambuco, Bahia e Maranhão. Faço
apelo às pessoas que trabalham com a saúde da população negra para que
tentem sensibilizar seus gestores e possamos implantar a política estadual
de triagem neonatal em cada estado da federação. O Ministério da Saúde
está à disposição para a implantação dessas políticas estaduais, damos
apoio para eventos, treinamentos, tudo que esteja relacionado com a
doença falciforme. Estamos aqui eu, a Dra. Silma e mais alguns
representantes da sociedade civil organizada que vieram financiados pelo
Ministério da Saúde. Nossa proposta é entrar nos terreiros com a questão
das doenças falciformes. A quantidade de pessoas da etnia negra é grande
e sabemos que a prevalência e a quantidade de pessoas com traço
falciforme é enorme nessa população. É uma população que merece uma
atenção com qualidade e humanizada em que são respeitadas suas
tradições e suas culturas. O Ministério da Saúde lança um projeto de
contadores de histórias africanas para crianças internadas com doenças
falciformes para humanizar o seu atendimento e resgatar a questão
africana dentro de suas culturas e de suas raízes. Obrigado.”
Painel 1- Religiões de Matrizes Africanas, Ancestralidade e Saúde
Expositores: Mãe Beata de Iemanjá(candomblé ketu) – Rio de Janeiro
Makota Valdina(candomblé angola)- Salvador
Pai Euclides(tambor de mina) – São Luis
Coordenador: João Benício - Coordenadoria de Assuntos da População
Negra da Prefeitura de São Paulo.
Mãe Beata de Iemanjá, Pai Euclides, Makota Valdina e João Benício
Sr. João Benício, coordenador do painel
“Bom dia a todos e a todas. Antes de compor a mesa vou contar uma
história para vocês. Antes de pedir à benção a vocês, peço a benção a
Xangô meu pai, Kao Kabiecili.
É muita honra estar aqui coordenando uma mesa em que está o
Babalorixá Pai Euclides Talabian e Mãe Beata de Iemanjá. Na ECO 92 lá
pelas 3 da madrugada, eu , Mãe Beata de Iemanjá, e mais 4 militantes do
Brasil escrevíamos o primeiro tratado internacional contra o racismo.
Portanto, é uma honra muito grande estar aqui. A bênção de vocês. A
bênção dos mais velhos e a benção dos mais novos. (Axé) Gostaria de
convidar a Sra. Makota Valdina de Salvador para compor a mesa. Gostaria
também de convidar Mãe Beata do Rio de Janeiro. E por fim gostaria de
convidar o babalorixá Euclides Talabian.”
Expositora: Mãe Beata de Iemanjá
“Minha bênção a todos e a todas, ogãs, ekédis, abiãs porque para
Iemanjá todos são filhos dela e de Odorum. Trocar as bênçãos só nos faz
ter mais consciência de nossas raízes. Eu quero agradecer ao acolhimento
do povo do Ceará, aos organizadores do Seminário, ao Marmo que teve a
grande iniciativa de criar o Projeto Ató-Irê e depois formar a Rede de
Religiões Afro e Saúde. Isso só nos fez crescer. Ele nunca esquece de mim.
Isso é maravilhoso, só nos dá auto-estima. O que seria de mim, uma
mulher de 76 anos, se não tivesse o acolhimento de vocês. Nós precisamos
disso, desse afeto, do olhar. O olhar é tudo. Digo que Marmo tem três
olhares, para frente, para os lados, para tudo. Eu estava dizendo que me
preocupava com o que estava escrito. Só que eu falo aquilo que sinto no
momento. O papel é só uma mostra de que estou inserida com vocês de
corpo e alma. Vocês me construíram. Vocês me gestaram e minha mãe me
pariu. Iemanjá me deu outra vida. Nós, povo de terreiro, temos a vida da
aparição e adquirimos outra identidade quando somos iniciados. Quando
os orixás dão o orukó(nome) no barracão. Ali é o nosso verdadeiro nome.
Nós temos o orukó, o axé. Isso é maravilhoso! Nesse momento peço a todos
os meus irmãos e meus filhos que estão aqui para que esse encontro em
Fortaleza não fique no abstrato e sim, no concreto. Não fique dentro dos
seus egbés, dentro de seus terreiros. Levem suas vozes a outros povos, aos
índios, à angola, à umbanda, ao catimbó, ao jeje, pois todos nós
precisamos. Nós estaremos multiplicando e mostrando que precisamos de
políticas de ações em Rede de Saúde . Todos somos responsáveis. Nós
precisamos do nosso ara(corpo) sadio. O orixá, o inkice, o vodum, os
encantados usam nosso corpo para trazer sua força, sua energia, sua
grandeza. Esse legado foi entregue a todos nós. No Brasil não existem
arianos, todos são negros e fazem parte dessa ancestralidade. Cuidem de
si, do seu corpo que é o aperê e a cabeça que é o ori.
Em primeiro lugar está o ori, a cabeça. É mais velho. Cuidem das
pessoas que chegam no axé e pedem colo. Querem uma palavra em uma
hora desesperada. Não se neguem. Foi para isso que Olorum criou o aiyê,
com essa visão de amor, de fé, de multiplicação e de ajuda. Ele não nos
mandou ao aiyê para vivermos separados, mas em união. Por isto que ele
teve respeito, segundo minha avó contava, a cabeça é fêmea, por isso é
criativa. Olorum criou os corpos e os deixou sem cabeças. Olorum chamou
Ajalá(o fazedor de cabeças) e ele pegou argila, mandou fazer uma bola e
disse “ quero esta bola com sete buracos para eles serem transmissores de
tudo que eu quero que vocês sejam perfeitos.” Contem em suas cabeças
quantos buracos de transmissão existem: os ouvidos para ouvirmos coisas
boas, os olhos para vermos tudo, o nariz para sentirmos o olfato e
levarmos o oxigênio para dentro do nosso corpo, a boca para nós
passarmos a força da nossa saliva, a força do nosso ar, da nossa fala, das
nossas atitudes para aqueles que querem nos ouvir. O ori antes de tudo
nos dá oportunidade de sermos humildes, sensatos e construtores de
cidadãos conscientes. Esse salão está cheio de ancestralidade. Na visão de
mundo yorubá nós não morremos. É como um vidro de perfume. A
essência está dentro daquele vidro. O vidro se quebra e a essência fica no
ar. Por isso devemos ter unidade, amor, participar de ação da Rede. Não
importa sua etnia ou posição social. O que importa é dar a mão ao irmão.
O nosso corpo é mantenedor de axé. Esse axé precisa ser multiplicado. Eu
mantenho essa posição. Lá no meu axé não interessa a cor, se é
homossexual, soropositivo, se tem tuberculose, todos somos iguais. O
apartheid não chega até o portão. Outra coisa preciso dizer: as mulheres
casadas que se cuidem com a AIDS. Tomem cuidado. Boi gordo pula a
cerca, não importa o tamanho. Já é constatado que há mais mulheres
soropositivas do que antes. Negociem o uso de camisinha. Façam como eu
que vou para o portão ensinar os meninos e as meninas como utilizar a
camisinha, eu ensino sim. Temos que ter consciência de que somos seres
humanos e que somos morada dos deuses.
Não estou aqui para ser a dona do saber. Fiz todas as faculdades,
apesar de ter só o terceiro ano primário. Fiz a faculdade no Recôncavo
Baiano, no fundo da senzala. O pilão era meu lápis para fazer o azeite de
dendê. Aprendi a fazer a farinha de inhame. Meu pai dizia que mulher não
precisava aprender a ler para não mandar bilhete para o namorado. Mas
aprendi mais do que ele. Eu fertilizei o meu ori com a minha fé, o meu
amor e a ânsia de ser uma cidadã negra do candomblé, amando a minha
religião, os meus deuses e minhas deusas e todos que chegam até mim.
Em nome de Iroko. Quando se fala em Omolu, em Ossaim, devemos
lembrar de Iroko. Quero agradecer a essa linda cidade que nos acolheu.
Que vocês saiam daqui pensando que essa corrente tem que ser mil vezes
multiplicada. Iemanjá abençoe a todos e todas. Obrigada.”
Expositor:Babalorixá Euclides Talabian
“Bom dia a todos os irmãos. A bênção para quem é de bênção. Para
quem é de ketu, motumbá. Para quem é de angola, mokoiu. Para quem é
de jeju, kolofé. Saúdo as ancestralidades que fazem parte da saúde
juntando Obaluaiê, Ossaim e Iroko. Estou saudando a ancestralidade de
cada corpo presente aqui. (Axé) Canto de saudação. Estamos no VI
Seminário Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde e gostaria de falar
da saúde como um todo, mas não tenho conhecimento dos nomes
científicos. O que sei dizer é que nós, os descendentes dos africanos,
aprendemos tudo sobre ervas, folhas, sementes raízes, cascas com os mais
velhos. Sabemos que o terreiro é o sustentáculo do ser humano. Lembro
que 30 e 40 anos atrás quando a medicina não era como agora, a maioria
das pessoas iam para a casa de curandeiros, mães de santo, pais de santo
buscar o seu remédio. Na maioria das vezes, as pessoas tinham problemas
de queda de nervos. Era epilepsia ou problema mental. E sempre nessas
casas, as pessoas eram acolhidas e elas ficavam curadas. Hoje isso não é
diferente, a medicina está avançada e surge o SUS, mas há dificuldades.
Enquanto alguém fica na fila de espera 30 dias, aguardando médico, outra
vai lá na nossa casa(no terreiro) e obtém a cura. Nós de casa de culto
temos que ter cuidado com isso. Temos que acolher, abraçar, incluir as
pessoas que vem atrás de uma palavra amiga. Aliviar aquela dor. Ainda
que elas possam ir ao médico, buscar outras saídas para suas doenças.
Não podemos fechar nossas portas. Nós somos cultuadores de orixá
e temos que receber qualquer pessoa. Avise que você vai atendê-la assim
que terminar a sua tarefa. Se nós fecharmos nossa porta, qual a referência
nossa para elas? Nenhuma. Não posso me estender mais porque não
conheço palavras. Mas aqui há pessoas que podem ir mais longe.
Obrigado.”
Expositora: Makota Valdina
“Em primeiro lugar quero reverenciar nossos ancestrais que
chegaram nessa terra que está nos acolhendo para esse Seminário e que
iluminaram os que ficaram para recriar e re-elaborar nas formas que ainda
encontramos hoje. Isso é ancestralidade, é a nossa marca de ontem na
atualidade. Como Pai Euclides, não sou da saúde. Mas vou tentar, a
partir do nosso entendimento de saúde que temos da visão do candomblé,
compartilhar com vocês algumas das minhas reflexões. Nós angoleiros
entendemos saúde como estado de equilíbrio. Esse equilíbrio é físico,
espiritual, psíquico, como queiram. Para atingirmos esse equilíbrio temos
que nos remeter a uma ancestralidade maior: as energias, os inkices. No
Brasil, com a reconstrução, a re-elaboração dessas tradições, fazemos
equivalência com os orixás – do povo de ketu- e com os voduns – da nação
jeje. Pelo menos estou me referindo ao que tenho na Bahia e que pode ter
outros nomes pelo Brasil afora.
Outro dia me perguntaram sobre uma lenda ou mito sobre inkisi. Eu
disse que não sabia. Alguns acham que a lei 10639 é para ensinar
candomblé nas escolas. Ela não existe para isso. Existe para se trabalhar a
questão do respeito às religiões africanas. Não conheço lenda de inkisi. Só
sei aquilo que ouvi e aprendi de mais velhos. Não lembro de mais velho
contando sobre lenda de inkisi. Lembro dos próprios inkisi que se
manifestam e que nos ensinam. Então me perguntaram o que era inkisi.
Bom , para mim, se você olhar para a natureza, você vê o inkisi. O inksi
está em você mesmo. Eles estão no ar, na terra, na água, nas plantas, nos
animais. Então, como pode... Isso é mistério. Eu só acredito e aceito.
Mistério é mistério. Inkisi é isso. Então, de onde tiramos nosso equilíbrio?
É da natureza. É a natureza que nos alimenta e o remédio nos alimenta.
Essa é a essência. É assim que entendo o que é orixá, vodum. Podemos
falar nomes diferentes para terra, água, ar. A essência é uma só. Água é
água. Chamam água...É essência. É o que vemos e o que não vemos. Isso
é a essência. Bebemos água. Bebemos o orixá. Bebemos inkisi. O que a
água contém para que a maior parte do nosso corpo precise dela para
viver. É mistério. É o que dá equilíbrio e concorre para a saúde. É o que
nos ajuda na cura. O que age mesmo é a essência. Somos apenas
instrumentos. Esse Seminário é cura o tempo todo. Estamos nos curando,
se renovando, tomando remédio, dando remédio, trocando remédio um
com o outro. O fato de nos encontrarmos para refletir, ensinar coisas,
receber coisas, isso leva ao equilíbrio. Leva à saúde. Esbarramos em
outros processos que estão por aí. O processo de dureza que por não
entender esse nosso mundo, esse nosso jeito, essa forma ancestral, que
criaram para a gente, nos fizeram doentes. Falo de doenças que talvez o
gestor de saúde não tenha consciência. Talvez até nós não tenhamos
consciência. A doença da exclusão, a doença do “não” que foi dito para nós
e nos causou mal. Precisamos entender isso, tirar isso da gente e curar
essa doença da gente. Temos que recorrer ao poder de nos autocurar para
passar por esse processo e ser mais fácil o trabalho de cura dos outros.
Falo das doenças, dos males, que o racismo, a exclusão, a injustiça,
provoca em nós e que nenhum médico vai conseguir diagnosticar. Temos
que ter consciência de que carregamos essas doenças e precisamos lançar
mão de nossos próprios remédios para curá-las: a essência de nossos
inkisi, de nossos orixás, de nossos voduns. Temos que ter muito carinho e
cuidado com esses remédios para não irmos atrás de jeitos modernos e
esquecermos da essência. Digo isso porque nós somos praticantes de
religiões de matrizes-africanas. Há muito modismo e muita procura de
quê? A essência atravessa tempos. Ela é sempre atual. Falo de algo que
paira sobre nós que é se deixar levar por coisas da modernidade, dizendo
que o antigo é cafona. Temos que ser atuais. Temos que viver o hoje
porque não estamos na realidade do ontem. Mas não podemos jogar a
essência fora porque a essência é que é raiz. É o que nos mantém o tempo
todo. Tirou a essência, é qualquer coisa com o mesmo nome, mas não é a
mesma coisa. Quando se joga a essência fora e se coloca outras coisas
passageiras no lugar. Só a gente pode se curar dela. Eu lembrava das
palavras sábias de Mãe Beata. Temos que nos agarrar a isso. É isso que
vai nos levar para frente. Esses jeitos e essas formas de entender.
Existe uma doença que já vem há algum tempo. Aliás, foi uma das
formas racistas que encontraram para incorporar em nós. Falo de associar
uma energia - Exu - ao mal. É uma energia que foi distorcida há séculos.
Está na hora de parar e desconstruir isso.
O inkisi Unjira, como a própria palavra já diz, é o caminho, nkisi do
caminho, o remédio do caminho. Depois da reverência aos bakulu, os
ancestrais, Unjira é o primeiro inkisi a ser reverenciado, não para afastálo dos demais nem para mandá-lo embora para não fazer confusão. Mas
para levar a mensagem e conduzir com equilíbrio os caminhos dos nossos
rituais. O poder de selar, codificar, enlaçar (kanga) empoderar cada um no
seu caminho é de Bombonjira, Unjira, pois é sua atribuição ser o guardião
do caminho e quem não tem caminho não pode andar ou, quem escolhe
um caminho que não é o seu não pode avançar. É o inkisi que sinaliza o
equilíbrio ou o desequilíbrio do caminho de cada um. Mas a escolha de
buscar a manutenção do equilíbrio ou a cura para o desequilíbrio depende
de cada um.
Todas as formas de expressão religiosa são para dar o equilíbrio e
fazer com que cada vez mais cada um desenvolva a semente do bem que
possui em si. Acredito mesmo que o Unjira/Exu/Elegbara quer é que cada
vez mais continuemos lutando para a construção de um mundo melhor,
justo e de iguais direitos para todos nós.
NZILA A NGEMBA! (caminho de paz!)
NZILA MAVÍMPI ! (caminho de saúde!)
NZILA KYESE! (caminho de alegria, de felicidade!)
Painel 2 - O SUS e a Rede Nacional de religiões Afro-brasileiras e
saúde: uma parceria em construção
Expositores:
Miranete Arruda - médica e coordenadora do GT Saúde da População
Negra/Secretaria Municipal de Saúde do Recife
Ana Luisa – socióloga e profissional do CTA do Lira/Secretaria Municipal de
Saúde de São Luis
Coordenadora: Vera Dantas – médica da Secretaria Municipal de Saúde de
Fortaleza
Miranete Arruda, Ana Luisa e Vera Dantas
Vera Dantas
Bom dia. Antes de começarmos, gostaria de falar que na Fortaleza
dos anos 20, 30, 40 e 60, adoecer nem pensar. Só não podia faltar raiz
para fazermos chás. Nas periferias, ali estavam eles e elas: as rezadeiras,
as cachimbeiras, as macumbeiras, os macumbeiros, amparando,
acolhendo, apoiando, curando aqueles que o sistema excludente teimava
em ignorar.
Faço parte do Projeto Cirandas da Vida, da Secretaria de Saúde de
Fortaleza. Quando falamos de SUS, nosso sistema continua excluindo
devido ao preconceito arraigado no coração das pessoas.
Agradeço à organização, aos povos dos terreiros pela oportunidade
de aprender todas essas lições. Aprendo desde que conheci Marmo na
Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular de
Saúde na qual a Rede e os terreiros têm ajudado a construir. Convidamos
para discutir o SUS e Rede Nacional de Religiões Afro :uma parceria em
construção, primeiro a Dra. Miranete Arruda, representante da Secretaria
Municipal de Saúde de Recife. Convidamos também a Dra. Ana Luíza,
socióloga e integrante do Programa de DST/AIDS de São Luís para que
possamos conhecer como é que o sistema de saúde fará diferente para
acolher as pessoas, os credos e os saberes para efetivarmos o SUS sem
exclusão e discriminação.”
Expositora:Dra. Miranete Arruda
“Bom dia. Enquanto representante da Secretaria de Saúde de Recife
agradeço à Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde pela oportunidade
de participar nesse Seminário. Agradeço também aos realizadores desse
evento, à Prefeitura de Fortaleza e à Secretaria Municipal de Saúde de
Fortaleza. Gostaria de agradecer pelo aprendizado. A Secretaria de Saúde
de Recife vem desenvolvendo o trabalho desde 2001, na gestão do Prefeito
João Paulo.
O Programa de Anemia Falciforme começou a ser implantado em
Recife em 2002. A distribuição da população negra de acordo com o IBGE:
44% no Brasil; 65% no nordeste, 58% em Pernambuco e 53% no Recife.
Um rápido informe de indicadores socioeconômicos na cidade de Recife
que mostram inúmeras desigualdades da população negra em relação à
população branca.
Os distritos sanitários em Recife são seis. A população negra se
concentra nos distritos 3 e 6 que possuem maior área geográfica e maior
concentração populacional.
A rede municipal tem mudado de característica no decorrer dos
últimos anos. A atenção básica possui 219 equipes do PSF. Os agentes
comunitários e ambientais possuem quantitativo bastante elevado. A
composição de média complexidade possui unidades de saúde que
incrementam a hospitalização em relação a saúde mental. Há uma nova
modalidade de abastecimento farmacêutico que são as Farmácias da
Família que permite acesso rápido da população aos medicamentos.
O modelo de atenção dentro do SUS é hierarquizado por
complexidade de serviços. Temos atenção básica que contempla o
Programa Saúde da Família, os agentes comunitários, o Programa de
Saúde Ambiental e os Pólos de Academia da Cidade de promoção da saúde
através de prática de atividades físicas.
A partir de um contexto político favorável em que o governo
municipal comprometido com as questões dos direitos humanos, da
igualdade racial, da inclusão social e da gestão democrática e participativa,
se soma a essa sensibilidade política, a existência de um movimento social
participativo, organizado, atento e contribuindo com esse processo de
trabalho e a participação de profissionais de saúde comprometidos com a
defesa do SUS. A conjugação desses três fatores possibilitou que
desenvolvéssemos ações de saúde em prol da população negra. Iniciou-se
esse processo com a criação do Programa de Anemia Falciforme. A política
municipal de saúde baseia-se nos planos municipais de saúde, na política
de promoção da igualdade racial, no plano nacional de saúde da população
negra, na perspectiva do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade
Materna e em 2005, na instituição do Programa de Atenção Integral aos
Portadores de Anemia Falciforme e outras Hemoglobinopatias.
Houve a instituição da lei que criou o Programa de Anemia
Falciforme, a criação de Comitê da Igualdade e Direitos Humanos, a
participação do Comitê Municipal na Conferência de Durban e a criação de
Núcleo de Cultura Afro-brasileira. A partir daí tivemos vários
desdobramentos na educação e cultura. O eixo mais forte desse trabalho
foi na saúde com a instituição do GT da Anemia Falciforme que foi o início
de nosso processo de trabalho e deu suporte para a Secretaria de Saúde
implementar todo o trabalho em relação à anemia falciforme. Tivemos a
criação da Coordenadoria da Mulher que incorporou a dimensão de
gênero e de raça na sua política.
Em 2004 tivemos uma plenária de negras e negros que foi
determinante para o processo de construção da Política Municipal de
Promoção da Igualdade Racial e de Combate ao Racismo e a celebração do
convênio entre a Prefeitura e o Ministério Britânico para o desenvolvimento
do Programa de Combate ao Racismo Institucional desenvolvido de 2004 a
2006. Houve outras iniciativas da gestão como a realização da I
Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial, a criação da
Secretaria Municipal de Direitos Humanos e dentro dela a criação da
Diretoria da Igualdade Racial e a implantação e a implementação do
quesito cor em todos os sistemas de informação da Secretaria de Saúde do
município. E por fim, a aprovação da Política de Atenção à Saúde da
População Negra na VII Conferência Municipal de Saúde em 2005. Em
2006 tivemos a instituição da Política Municipal de Atenção à Saúde da
População Negra, a ampliação de componentes do GT da Anemia
Falciforme que se transformou no GT da Saúde da População Negra. Nesse
GT participam dois representantes das religiões de matrizes africanas.
Até 2001, o sistema de saúde não possuía informações sobre a
anemia falciforme. Nosso trabalho foi no sentido de dar visibilidade para
essa doença. Partimos para a construção de uma política de combate ao
racismo e a implantação dessa política exigiu mudanças no processo de
trabalho: capacitações de profissionais, seminários etc nesse processo
tivemos apoio financeiro e técnico do Ministério da Saúde. As ações do
Programa de Anemia Falciforme são mais amplas, denominando a doença
falciforme que compreendem o diagnóstico precoce através da triagem
neonatal nas maternidades, assistência especializada e o desenvolvimento
de trabalhos de aconselhamentos de gestantes por profissionais
especializados.
O Programa de Combate do Racismo Institucional foi catalisador das
ações isoladas de diversas Secretarias (de Educação, da Mulher, da
Cultura) no trabalho que se transformou, no sentido de que o próprio
município, após o encerramento do convênio, adotar o Programa de
Combate do Racismo e o combate ao racismo institucional como forma de
expressão desse racismo dentro da instituição. Nesse processo tivemos a
oportunidade de aproximar os profissionais de saúde dos Seminários que
os Núcleos de Cultura Afro desenvolviam em parceria com a Rede de
Religiões Afro-brasileiras e Saúde. Realizamos, em parceria, a campanha
de vacinação dentro dos terreiros. Doze terreiros participaram dessa
atividade. Essas relações foram estreitadas e produtivas para garantir a
implantação da Política de Saúde da População Negra. Nossa próxima
atividade conjunta será a campanha de vacinação de idosos que contará
com 36 postos de vacinação nos terreiros. Planejaremos outras ações
conjuntas com os terreiros voltadas para crianças, o aleitamento materno,
prevenção do câncer cervi-uterino, do câncer de próstata. Um conjunto de
ações que são de prevenção e de promoção serão incrementadas nessa
parceria. Estamos aqui no Seminário em caravana de 50 pessoas de
Recife. É um trabalho que caracteriza a construção do processo de
combate ao racismo. Como itens finais, há o desenvolvimento de
institucionalização de práticas de combate ao racismo institucional e o
fortalecimento da Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde, estimulando
a articulação intermunicipal e a disseminação de lições aprendidas. Essa
articulação vem se dando do Recife com outras Secretarias dos municípios
da região metropolitana. Para terminar mostro fotos de momentos da
campanha de vacinação do ano passado e das oficinas do quesito
raça/cor. Nesse ano, fotos da reunião preparatória para o fortalecimento
desse processo de trabalho que se desdobrará em abril com essas ações
que desenvolvemos na Rede. Aqui algumas imagens de nossa cidade para
vocês matarem a saudade e para conhecerem um dia. Gostaria de
agradecer a todas as pessoas da nossa caravana que vieram, pelo esforço
não só institucional, mas pessoal, de saírem de suas rotinas, de seus
afazeres, e se integrarem a esse processo de trabalho, ainda que muitas
vezes passando por situações desconfortáveis, incômodas e que estão aqui,
muito integrados, participativos e comprometidos com essa parceria que
vem se estabelecendo. Obrigada.”
Expositora: Sra. Ana Luíza
“Bom dia a todos. Parabenizo a organização desse evento que
acompanhamos já há três anos e, cada vez mais, ficamos felizes por ver
um número maior de pessoas participando. Acreditamos que há uma
disseminação maior, uma publicização maior do que vem se discutindo
nesses encontros. Ratificando: sou Ana Luíza e técnica do Programa
Municipal de DST/AIDS e enquanto gestora da Secretaria de Saúde, a
minha fala vai se reportar à parceria que a Rede de Religiões AfroBrasileiras e Saúde vem estabelecendo com a Secretaria, especificamente,
no Programa de DST/AIDS. Isso nos dá a abertura para uma
intersetorialização com outros Programas. Essa parceria vem sendo
construída desde 2005, com um diálogo aberto e salutar. Continuando
essa parceria temos no Plano de Ações e Metas em que se alocam recursos
vinculados a atividades para o período de um ano. Ano passado iniciamos
atividades para profissionais de saúde do PSF e PAC. São Luís está
dividido em 7 distritos sanitários em que aconteceram capacitações nos
terreiros e dos gestores e trabalhadores da saúde com o auxílios do pessoal
da Rede de Religiões. Nesse ano de 2007 já temos algumas ações
pactuadas no PAM: 1) o I Seminário da Região Metropolitana da Grande
São Luis que envolve os municípios de Passo do Lumiar, Raposa e São
José de Ribamar. Esse Seminário será aberto para ONGs, gestores e
Programas Municipais de DST/AIDS. 2) levantar o número de pessoas
existentes nos terreiros na Grande São Luís. Foi negociada uma pesquisa
com o Núcleo de São Luís da Rede de Religiões para fazer um
levantamento da situação da saúde da população negra que freqüenta
esses terreiros. 3) está pactuada a realização de 3 oficinas de capacitação
sobre religiões de matrizes africanas e saúde para gestores e profissionais
de saúde. 4) 6 oficinas para população de terreiros de 2 em 2 meses. A
Rede vem se ampliando porque estamos juntos, nesses diálogo, visitando
inclusive outros terreiros para que façam parte da Rede. O trabalho da
rede em parceria como SUS no Maranhão vem tendo boa aceitação e só se
efetiva uma política pública se tivermos a participação dos terreiros no
controle social. 5) a continuidade das ações de saúde nos terreiros através
da articulação com outros programas de saúde: saúde bucal – aplicação de
flúor- tuberculose, hipertensão, etc. Realizamos em dois terreiros, no fim
de semana passado, atividades que foram sucesso. A Secretaria de Saúde
tem consciência de que ainda se faz pouco diante do que está proposto nas
políticas públicas. Há um déficit de políticas que contribuam para a
acessibilidade como direito humano e fundamental no que se refere à
população negra e de terreiros. Vou ser breve e para finalizar mostro um
material (fotos) das atividades da campanha de vacinação e da Casa da
Águas, em parceria com o Programa de DST/AIDS, profissionais de
bioquímica e a comunidade comemorando o Dia Internacional da Mulher
com a feijoada do batom. Fazemos uma ação educativa sobre a
importância da discussão do tema DST/AIDS porque é grande o número
de mulheres com HIV. Tivemos boa adesão aos testes da população da
terceira idade. Demonstração do uso do preservativo. A participação das
parteiras na comunidade.
Para finalizar o Programa de DST/AIDS elaborará material específico
para a população de terreiro. Será estruturada uma pesquisa para fazer
um levantamento da população negra de terreiros no estado articulada
pela Secretaria de Saúde do Estado.
Muito obrigada.”
Dra Vera Dantas, coordenadora do Painel
“As duas experiências trazem olhares diferentes: a de Recife apontou
a luta pela discussão da legalidade da política de igualdade racial e de
algumas ações dirigidas para dentro dos serviços de saúde em interação
com o sistema municipal de saúde, a experiência de São Luís já apontou
para iniciar essas ações a partir da Rede de Religiões constituída. Trago
questões: o que o SUS aprende com as experiências dos terreiros? E o que
nós trabalhadores aprendemos com experiências que acontecem nos
terreiros? Aqui em Fortaleza temos ouvido um pouco da experiência de
acolhimento, de cuidado dos terreiros. Como fazer a integração desses
saberes? O que podemos incorporar dessas experiências no cotidiano da
saúde? Foi interessante na experiência de S. Luís ouvir sobre a
capacitação para gestores para eles pensarem como isso pode ser
incorporado. Essas são coisas para serem problematizadas no debate.
14/17h - Realização das Oficinas
Coordenação: Pai Silvio de Iemanjá
Oficina 1 - Juventude e Tradição
Facilitador: Pai Celso de Oxaguiã – Núcleo da Rede São Paulo
Oficina 2 - Mobilização e Controle Social das Políticas Públicas de
Saúde
Facilitador: José Ivo Pedrosa – Ministério da Saúde
Oficina 3- Direitos Humanos e Saúde
Facilitadora: Lucia Xavier - Criola
Oficina 4- Saúde da População Negra
Facilitadores: Luis Eduardo Batista – Secretaria Estadual de Saúde de SP
Fernanda Lopes – PCRI-Saúde
Oficina 5 – Educação, Saúde e Axé nas religiões de Matrizes Africanas
Facilitadora: Vanda Machado – Secretaria de Cultura de Salvador
Apresentação dos resultados das oficinas
Pai Silvio, coordenador das oficinas
“Antes de passar para a leitura dos resultados das oficinas, quero
divulgar o site do ORIAXÉ –www.oriaxe.com.br no qual já estão as fotos de
ontem do evento Presente para as Deusas das Águas. Quem se interessar
acesse o site. Vamos agora para a leitura dos resultados das oficinas. Cada
relator terá 5 a 10 minutos para divulgar os resultados e fazer seus
comentários”.
Oficina Tradição e Juventude nos Terreiros.
Relator- Pai Celso de Oxaguiã
“Motumbá. (Axé) Quero agradecer à Fortaleza pela acolhida e pela
possibilidade de estar aqui. Que Exu receba meus cumprimentos por
poder partilhar essa atividade com os senhores e as senhoras. Iniciamos a
oficina conversando sobre as dificuldades, os embates, os nós do diálogo
entre a tradição e a modernidade. (Estou nervoso, pois não sabia que iria
apresentar a oficina. Mas Exu é o meu pai e irá me ajudar a comunicar.)
Agora quando você quer falar com alguém, você envia um e-mail.
Esse é ponto para refletir na medida em que não existe futuro sem
passado. Sou sacerdote de Oxaguiã e não poderia deixar de cuidar da vida,
das pessoas, a partir da minha história do meu momento e do meu
presente pois o candomblé é feito de jovens, mais velhos, homens e
mulheres.
A tradição e a modernidade são coisas que precisam ser
conversadas. Como disse Marcos na oficina, não existe caminho a seguir ,
daqui para frente, se os mais novos seguirem sozinhos. É preciso beber da
fonte a todo momento para que o candomblé se estruture e se mantenha
com qualidade cada vez melhor. Entre nós existem muito meninos
escolhidos para ogãs e meninas escolhidas para ekédis, mas nem sempre a
autonomia, o respeito a essas lideranças mais novas está colocado em
primeiro lugar. Não existe candomblé, não existe umbanda, não existe
nagô sem continuidade, sem os mais novos. Para as questões do
protagonismo infantil, é preciso discutir políticas e o controle social das
políticas de saúde. Mas existe outra política que é a política do
relacionamento entre nós, no mercado, na fila do açougue, dentro do
terreiro e na relação entre terreiros. Se somos lideranças devemos
respeitar e ser respeitado nessa condição em que estamos. Somos eternos
e continuamos em outro espaço. Não existe ação que gere resultado. Ao
pensar em protagonismo, você pensa em autonomia. Às vezes você tem um
e não tem o outro. Ao pensar a atuação, você deve pensar articulação. Nem
todo mundo é articulado como gostaríamos que fossem. Muitas vezes por
não sermos articulados, não falarmos tão bem, não freqüentarmos a
Academia, não sermos lideranças, impede que sejamos respeitados por
outros iguais a nós mesmos. O fato de você não ter titulação, impede que
você tenha ascensão no seu grupo. Isso é um desafio. É preciso que as
pessoas construam a sua autonomia. A autonomia, o poder, o controle e a
autoridade caminham juntos. Para garantir o debate, o diálogo é a
ferramenta.”
Oficina Saúde da População Negra
Relatora - Fernanda Lopes
“Listamos alguns pontos que são essenciais para que haja uma
maior participação dos terreiros, do povo de santo das várias
denominações de matrizes africanas na construção do Sistema Único de
Saúde(SUS) na garantia do direito humano à saúde e na promoção da
saúde da população negra:
1) Reconhecer que os valores e saberes cultivados nos espaços religiosos
das religiões de matrizes africanas não passam, eles permanecem.
Esses espaços devem ser vistos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e
por todos os cidadãos e cidadãs brasileiras como espaços promotores de
saúde, de vida, de dignidade e de direito. Em razão disso, essas pessoas
estão discutindo direito humano à saúde.
2) Para discutir direito á saúde e saúde da população negra é necessário
reconhecer que o racismo está nas instituições e interfere a prestação
de um bom serviço. As instituições são as mais diversas que se pode
imaginar: a escola, a família, a religião, o serviço de saúde e outras.
Nós, no grupo, assumimos que inclusive nos espaços religiosos existe
racismo. Se existe racismo nesses espaços, é preciso construir
estratégias para repensar essa organização. É preciso identificar e
aprender como abordar as questões relativas ao racismo para depois
construir estratégias de como combater. Mas esses espaços promotores
de saúde já possuem algumas estratégias, então, é necessário o
intercâmbio com profissionais de saúde e gestores, seja nas
universidades, seja nos pólos de educação permanente, seja em todas
as oportunidades de educação de profissionais e de gestores. E que
essas pessoas participem de fato nesses processos formativo para criar
e recriar conhecimentos no interior das casas religiosas ou para as
casas compreenderem mais o que os profissionais de saúde estão
fazendo. Investir na produção de informação sobre o impacto do
racismo na vida das pessoas e na vida das pessoas que seguem as
religiões de matrizes africanas. É preciso disseminar essa informação.
3) Quesito cor é uma estratégia de combate ao racismo. Como o racismo
não é uma opinião pessoal, é uma programação social e muitos não
querem ser negros e negras porque isso não é bom e faz mal a saúde,
então, é preciso investir na implantação do quesito cor e na formação
dos profissionais e usuários da saúde.
4) Os espaços que o povo de santo, das religiões de matrizes africanas
estão construindo: as redes, os fóruns devem ser vistos como espaços
de controle social , mas é importante também participarem dos
conselhos de saúde. É importante que os gestores, os profissionais e os
conselheiros transfiram um pouco desse conhecimento sobre esses
mecanismos para o povo de terreiro. As pessoas de religiões de matrizes
africanas precisam entender melhor o que é o SUS e de como atuar no
controle social para dentro do SUS. Dizemos que as leis não são
adequadas às pessoas, então precisamos conhecê-las para podermos
cobrar que se adeqüem para promover a saúde da população negra e
saúde para a população de terreiros. Houve uma fala de alguém do
grupo que disse que os terreiros e casas eram um microSUS. Então,
teriam muito para contribuir com o SUS que é política de Estado que
não interessa quem esteja no governo. Promover saúde da população é
promover saúde para metade da população brasileira e isso não é um
favor.”
Oficina Mobilização e Controle Social das Políticas Públicas de Saúde
Relator - Helio/ estudante de enfermagem da UERJ- Afroatitude
“Boa noite. Sou o relator da oficina e estou substituindo o José Ivo.
Num primeiro momento, houve a exposição de como ocorre o controle
social em determinados lugares. Algumas pessoas trouxeram as
dificuldades do controle social nos seus estados e de como ele não
funciona e na fiscalização e no acompanhamento da população na
formulação e no andamento de políticas públicas. Algumas leis que são
elaboradas de forma correta e na prática não funcionam. José Ivo fez
síntese da formação do controle social desde 1986 até os dias de hoje.
Houve divisão do grupo em três subgrupos para a criação de estratégias
que fortaleçam o controle social:
• Grupo 1 : a forma de divulgação da informação. O controle social é
feito pela população que não sabe que é ela que tem participação na forma
de fazer esse controle social;
• Grupo 2 :A mobilização para a humanização no atendimento dos
serviços e o alinhamento das políticas do Ministérios de forma mais
transversal;
• Grupo 3 : A participação equânime dos terreiros e dos profissionais
de saúde. A participação do povo de terreiros em todos os conselhos (de
idoso, da criança, de saúde, da mulher etc) . Os conselheiros escolhidos
devem ter comprometimento com a saúde da população negra. Garantir a
representação da Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde nas
conferências nacionais e o Ministério da Saúde deve divulgar a convocação
das conferências através das redes de comunicação nacionais para
permitir a cobrança dos cidadãos da democratização dos processos de
instalação das mesmas. Trazer para as pautas dos conselhos de
discussões sobre a formulação de políticas para a população negra,
fortalecendo as religiões de matrizes africanas.”
Oficina Direitos Humanos e Saúde
Relatora - Mãe Torodi de Ogun
“É a parte mais complicada porque lutamos pela saúde e às vezes parece
que as coisas não dão certo. Lucia arrumou um meio de nós falarmos
como agimos em nossas casas. O resultados das propostas foram estas:
• Articulação e mobilização das religiões afro-brasileiras com outras
religiões;
•
Monitoramento de políticas através de conselhos;
• Capacitações de gestores, de professores e dos religiosos para o
entendimento do legado das religiões afro-brasileiras;
• Legalização das instituições religiosas afro-brasileiras;
• Envolver a saúde com a educação e os direitos humanos para
construção de um Brasil melhor;
• Fazer cumprir as leis através de reivindicações permanentes.
Igualdade de tratamento com exercício da cidadania e o conhecimento
pleno das leis;
•
Movimentos negros trabalharem junto com as religiões afrobrasileiras;
• Reconhecer as religiões afro-brasileiras como comunidades
tradicionais.
• Mobilização em nível nacional, no mesmo dia, na mesma hora, de
cada Núcleo de Religiões Afro-brasileiras para entregar documento de
reivindicações para autoridades estaduais, municipais e para o Ministério
Público. Todos segmentos : prostitutas, gays se unirem nessa mobilização,
com divulgação da mídia nacional e local.”
Oficina Saúde e Axé nas religiões de Matrizes Africanas
Relatoras: Egbomi Vanda Machado e Jocimara- Projeto Afroatitude
“Conversamos sobre a representação das religiões como matrizes sadias.
Houve a observção de que não éramos doentes por podermos explicitar as
características e os jeitos dos nossos santos. No contexto histórico, Vanda
ressaltou a questão da exclusão dos colonizadores de nossa religião. A
importância da religião para a transformação das comunidades com ações
educativas porque impulsionam na aceitação da identidade do negro e na
consciência histórica da cultura do negro. Preocupação com os jovens que
se distanciam dos terreiros por não depositarem credibilidade no trabalho.
Eles se iniciam e querem logo assumir o poder no terreiro.
Característica da família de santo: ela acolhe; um depende do outro; as
festas são atividades sérias; nada é mais importante do que a festa dos
santos; o terreiro é formador de sujeitos autônomos e solidários;
desenvolve trabalho educativo para um cuidar do outro - proteção pessoal
e proteção ultra; a força dos ancestrais em manter a cultura. Uma pessoa
do grupo disse que nos terreiros há a idéia de dar de si sem pensar em si.
Muitos usam a religião para tirar proveito, mas as outras religiões também
fazem isso. Nesse ponto o grupo se dividiu: uns ficaram balançados,
alguns acharam que se faz pela comunidade, daí as coisas vão
acontecendo progressivamente.”
Pai Silvio: “Acho que todos ficaram satisfeitos com os resultados. Agradeço
aos facilitadores e relatores das oficinas. Creio que o que foi colocado aqui
teremos muito trabalho para desenvolver e no próximo Seminário boas
histórias para contar.
Obrigado.”
Fernanda Lopes: “No grupo foi solicitado que os relatos das oficinas fossem
apresentados para os participantes do Seminário como instrumento de
cobrança, igual a Carta de Recife que fortaleceu a criação da Rede de
Religiões Afro e Saúde. Que essas prioridades possam voltar para nós
como instrumentos de cobrança , de monitoramento, de controle social.”
José Marmo da Silva: Gostaria de lembrar que ao pensarmos esse
Seminário achamos bom ter os jovens como participantes. Foi pensando
nisso que convidamos os jovens do Projeto Brasil Afroatitude porque está
mais do que na hora desses jovens tomarem uma atitude e
compreenderem nossa cultura, a cultura dos terreiros. Estando conosco,
tomando contato com a nossa visão de mundo, certamente eles poderão
incorporar essa experiência a vida deles. Convido a todas e todos para
nossa programação cultural: o cortejo do Maracatu que sairá do Náutico e
irá até o anfiteatro da volta da Jurema. Obrigado.”
Dia 29/03 (das 8 às 13h30)
Cânticos de saudação à vida e a natureza
Mãe Christina de Oxum – São Paulo
Mãe Jane de Oyá - Recife
Pai Celso de Oxaguiã – São Paulo
Mãe Narê - Belém
Painel 3 – Os Terreiros e a Política Nacional de Atenção Integral a
Saúde da População Negra
Expositora: Ana Costa - Ministério da Saúde
Debatedores: Pai Celso de Oxaguiã- Rede de Religiões Afro-brasileiras e
Saúde /Núcleo São Paulo e Denize Almeida , coordenadora da Saúde da
População Negra da SMS de Salvador
Coordenadora: Rita Vasconcelos - jornalista da Fiocruz- Recife
Pai Celso, Rita Vasconcelos, Ana Costa e Denize Almeida
Rita Vasconcelos
“Bom dia a todos e todas. É um prazer estar aqui novamente no encontro
da Rede em que o pessoal de Recife participa ativamente. Convido a
expositora Ana Costa do Ministério da Saúde. Como debatedores Pai Celso
de Oxaguian e Denize Almeida da SMS de Salvador”.
Ana Costa
“É uma grande honra para o Ministério da Saúde estar aqui expondo a
Política de Saúde da População Negra que é resultado de um processo de
luta de todos vocês dos movimentos sociais, das pessoas que se
preocupam com a população negra e a questão da saúde. É o coroamento
de um processo e o início de outro processo muito mais difícil que é a
transformação da política em prática de vida para as pessoas em cada
município. Estamos celebrando uma conquista e, ao mesmo tempo,
fazendo com que a política aconteça e modifique o nível de saúde da
população negra.
A política é fruto de diretriz socioeconômica que tem o objetivo de reduzir
as desigualdades em nosso país, de classe social, local de moradia, etnia,
renda e esse comando do governo fez com que cada Ministério formulasse
um conjunto de políticas específicas para esse fim. No caso do Ministério
da Saúde atuamos numa frente de redução de desigualdades em saúde
relacionadas a várias populações, uma delas é a população negra, mas
atuamos fortemente no campo, porque a maioria da população do campo
é negra. Ela é fruto de processo de diálogo com os movimentos sociais e
pesquisadores, desde quando se iniciou a luta pelo quesito cor nos anos
90. Evidenciou-se através de números a desigualdade racial no Brasil.
Quando se colocou o quesito cor nos formulários da saúde pudemos medir
o quadro da saúde em relação à população negra. Percebeu-se que as
crianças de 0 a 5 anos negras morrem muito mais do que as brancas. As
mulheres negras quando engravidam e tem os seus filhos, morrem mais de
morte materna do que as mulheres brancas. Os jovens negros morrem
mais do que os jovens brancos. Os idosos negros têm condição de vida pior
do que os idosos brancos. As evidências dos dados mostraram que
devíamos ter ação direta para a população negra a fim de termos equidade
em saúde. Equidade em saúde é uma prática em que se oferecem ações e
especiais para tirar aquela população em situação de desvantagem daquele
lugar. Há anos que essa condição persiste e é uma condição passível de
intervir. Se o governo atua com políticas eficientes, essa situação perversa
de iniqüidade se reverte.
A mortalidade, a letalidade e a ocorrência de doenças podem ser reduzidas.
Isso é importante porque a demanda do movimento negro e social, nos
anos 90, era voltada para a anemia falciforme e a AIDS. A anemia
falciforme é geneticamente determinada e é relacionada com a população
negra. Porém, não tem significado expressivo nos grandes problemas de
saúde da população negra. É importante que continuemos atuando em
relação à anemia falciforme. Mas o movimento negro tem cada vez mais
consciência de que a diversidade, a complexidade, a profundidade dos
problemas da saúde da população negra é muito maior do que isso. Outra
doença que ocupou os movimentos foi a AIDS que vem alastrando entre
mulheres pobres e negras. No entanto, a violência e a mortalidade materna
entre mulheres negras, ausência de serviços de saúde é mais grave que a
AIDS entre mulheres negras. Então, estamos dando um passo importante.
Nós saímos do pensamento de uma política focalizada para combater
algumas doenças, para um pensamento de uma política que dê conta de
promover melhores condições de vida para a população negra como um
todo. Nós estamos nos aproximando do conceito mais ampliado de saúde.
Saúde é condição de vida e qualidade de vida. Isso entra em sintonia com
o pensamento e a prática de saúde realizada pelos terreiros. Estamos com
um desafio de que mais do que prevenir e curar doenças devemos
promover qualidade de vida. Para gerar saúde para uma população,
precisamos de políticas de assistência médica e de todos os setores sociais
que promovem saúde. Morar bem gera saúde. Comer bem gera saúde. Ter
lazer gera saúde. Ter trabalho gera saúde. Ter uma cultura preservada
gera saúde. Dentro desse conceito ampliado de saúde, a convocatória hoje
para o movimento social, para os terreiros, para toda a comunidade
mobilizada em prol da saúde da população negra, ela fica mais séria. O
sistema único de saúde é uma conquista popular da qual muito de vocês
fizeram parte. Antes o sistema era assim: uma parte da população era
atendida no seguro, a outra, estava na fila do INPS, a outra pagava por
atendimento médico e o resto da população era indigente. O SUS veio para
igualar todo mundo. Todos têm direito à saúde e é dever do Estado. O SUS
é uma conquista que está sempre sendo ameaçada porque é política
generosa demais. Uma política gerada nos anos 80 e, que logo depois nos
anos 90, surge a onda liberal de que o Estado tem que reduzir suas
obrigações com a população. Até os dias de hoje brigamos no Congresso
Nacional para manter o SUS vinculado a um sistema de seguridade social.
É uma luta permanente e precisamos nos irmanar nela. Não podemos
jogar fora o bebê junto com a água do banho. Precisamos defender o SUS
como uma política generosa, acolhedora e voltada para atendimento
universal, de todos. O Sistema Único de Saúde não dá conta de gerar
saúde, temos que garantir que outras políticas sociais gerem saúde. Isso é
importante para a população negra. Quando a população negra está
vulnerável, ela na verdade, está mais vulnerável porque está
desempregada, está nos estratos sociais mais baixos, vive em habitações
precárias porque historicamente foi subjugada a um regime de dominação
no nosso país. Temos que lutar por saúde, pelo SUS e lutar por políticas
sociais de educação, de trabalho, de inclusão social, de melhoria de renda
para que as pessoas possam produzir, numa visão ampliada de saúde, a
sua saúde. Esse trabalho de mobilização dos terreiros do Brasil inteiro, é
importante para a saúde, não só porque vocês resolvem os problemas de
saúde da comunidade, é no sentido do significado cultural da dignidade
que representa o fortalecimento das práticas religiosas de matrizes
africanas para a identidade cultural da população negra e isso é gerador
de saúde. Então, gostaria de lembrar que a saúde da população negra é
um assunto complexo e está vinculado a um processo de civilização, de
cultura e de sociedade que se desenvolveu no Brasil. Não podemos nos
fixar unicamente em algumas doenças que são significantes da população
negra, mas que possamos ir mais além para ver todas as situações em que
a população negra está em desvantagem. A saúde da população negra é
um processo que estamos construindo e que a política foi aprovada no
Conselho Nacional de Saúde ano passado. Agora o grande desafio será
implantar a política para que se traduza em ações e mudanças na vida das
pessoas. Essa é a nossa tarefa. O SUS é único e composto pelo Ministério
da Saúde e pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. O dinheiro
que é repassado do Ministério, vai para o município e o município tem que
realizar as ações propostas pelas políticas definidas. Cada município fará
de acordo com o compromisso político que o Prefeito e o Secretário de
Saúde possuem com a população. Se houver um grupo pressionando para
que as coisas aconteçam, as coisas acontecem em velocidade maior. Se
não houver ninguém, nada acontecerá. No SUS existem as formas de
participação e de pressão popular que são os conselhos de saúde e as
conferências. É importante que a população negra esteja representada em
todos os conselhos para viabilizarmos essa política. É necessário ter ação
presente e que corresponda à fortaleza e à grandeza da população negra.
Todos os conselhos precisam ter representações dos negros para que
discutam com os seus representados as suas necessidades. Cada
localidade tem que discutir o que é relevante em saúde para a população.
Isso é a vida cotidiana e que precisamos transformar em políticas junto
aos conselhos e aos profissionais. A política vai cuidar bem do aspecto do
fortalecimento dos movimentos sociais para que atuem em defesa da
política. Vai atuar fortemente na capacitação dos profissionais de saúde
para atender melhor os negros e combater o racismo. O racismo é inerente
às desigualdades. É importante a campanha de combate ao racismo no
SUS. Ela sensibiliza os profissionais, mas encoraja a denúncia e a
apuração de denúncias de racismo e discriminação no serviço. A política
tem foco para a organização de atenção e de serviços das situações que
mais expressam desigualdade em relação à população negra:, do
alcoolismo, da violência doméstica, a questão da saúde mental -mulheres
negras se deprimem mais do que as brancas porque a vida delas é pior do
que das brancas. Estamos começando uma luta e contribuindo para que a
população negra tenha a dignidade e a força que ela merece na sociedade.
Acho que os terreiros, além da prática de ação política concreta em relação
à exigência, à pressão, também tem outra missão que é toda essa energia e
oração para que estejamos fortalecidos na consolidação dessa política de
justiça social e que é merecida por todos vocês. Obrigada.
Denize Almeida
“Gostaria de agradecer aos meus antepassados. Pedir à bênção a
todos os presentes. Peço a bênção a Ogum, o dono da minha cabeça.
Agradeço a Rede pelo convite e pela oportunidade de eu estar aqui falando
e contribuindo com essa política. De tudo o que foi falado e discutido,
devemos levar em consideração a importância dessa política no cenário
nacional. Ela culmina com várias lutas do movimento negro. Luta que não
começou agora. A saúde dos escravos sempre foi um problema. A condição
de vida dos escravos sempre foi insalubre. Toda luta por afirmação, por
identidade, por conquista de direitos, sempre foi uma luta pela saúde, ela
nunca se constituiu a partir do agravo. A concepção de saúde ampliada
dos terreiros sempre fez parte do trabalho dos terreiros. Um dos problemas
que temos que encarar no Brasil, na atualidade, é a questão da
intolerância religiosa. Em Salvador tivemos alguns avanços e uma das
coisas que tem sido uma barreira é a intolerância religiosa. Ela é permitida
pelo governo brasileiro. Ela é aceita. É uma forma de expressão do
racismo. Se o governo não se posiciona para combater isso fortemente, ele
também está sendo racista por permitir isso. A intolerância religiosa afeta
a saúde da população negra praticante das religiões de matrizes africanas.
O país nunca se posicionou com relação a isso. Trouxe um pedaço de uma
entrevista que está no site da UFBA: www.tvufba.br, vocês podem baixá-lo.
É um vídeo que fala da intolerância religiosa em Salvador e um trecho da
entrevista de uma pessoa que declara como a intolerância religiosa afeta a
sua saúde. Bom, isso foi só para refletirmos sobre o que a intolerância
religiosa faz com a saúde da população negra. E para nós refletirmos sobre
o que tem sido feito por nós, que também ajudamos a construir esse
sistema, para o enfrentamento desses problemas. Nós devemos contribuir
com o SUS, com a nossa percepção, com o nosso compromisso, com a
nossa luta para que essa medidas, essas ações, essas políticas sejam
imediatamente implementadas pelo prejuízo histórico que nós temos
presenciado diante de tudo o que tem acontecido. Trouxe um pouco da
experiência de Salvador, da Secretaria Municipal de Saúde, de 2005 até
agora, com muitas dificuldades, sem recursos para isso. Mas temos
começado a combater a intolerância religiosa e o racismo institucional na
saúde.
Na Prefeitura de Salvador foi assinado um convênio com o PNUD
para implantar o Programa de Combate ao Racismo Institucional em toda
a Prefeitura e a saúde tem sido um desses espaços em que o Programa é
desenvolvido eficientemente. Fizemos várias oficinas de combate do
racismo na saúde e durante as oficinas identificamos a intolerância
religiosa como um problema.
Na conferência de saúde do ano passado, em Salvador, mobilizamos
os representantes das religiões de matrizes africanas do município para
que tivéssemos a representação desses seguimentos na conferência e as
pessoas pudessem defender o que querem do SUS municipal. Foi possível
trazer para os conselhos os representantes das religiões de matrizesafricanas. Então, hoje, temos no conselho de saúde de Salvador uma
pessoa que é das religiões de matrizes africanas. Esse espaço é quase todo
ocupado por padres católicos. Temos estabelecidos parcerias com terreiros,
com ONGs, com outras Secretarias da Prefeitura, com universidades – na
UFBA, no curso de medicina, na disciplina de política de saúde, foi
introduzido o tema saúde da população negra. Dentro dessa turma de 40
estudantes, eles farão as aulas práticas conosco, e seis alunos querem
trabalhar com as religiões de matrizes africanas.É pouco, mas importante
fazermos essa ação de formação dos nossos quadros. Temos investido no
desenvolvimento de ações para implantação de núcleos distritais, pois
Salvador é dividido em 12 distritos sanitários e a experiência da Rede nos
ajudou a refletir numa metodologia de ação no município - cada distrito
sanitário tenha seu núcleo de religião de matriz africana que se reúna
periodicamente, monitore e proponha ações em saúde e investimento em
capacitações, reuniões, oficinas, seminários e feiras de saúde. O espaço
das feiras de saúde é de articulação, reunindo terreiros, instituições etc.
Houve o desenvolvimento de estratégias de monitoramento e de avaliação
das ações realizadas. Há um grupo de pesquisadores baianos que estão
entrevistando pessoas da rede para desenvolvermos metodologia de
monitorar e avaliar essas ações. È uma experiência nova e precisamos
construir conceitos novos e aprender com a prática dos terreiros qual deve
ser essa metodologia. Trouxe desafios para a Política Nacional de Saúde
Integral da População Negra no que se refere aos terreiros de candomblé,
do ponto de vista de Salvador:
• Há a necessidade do estabelecimento de protocolos para a incorporação
da rede de terapeutas de matriz africana ao SUS. Esse foi um
encaminhamento que saiu da Conferência Nacional de Promoção da
Igualdade Racial e das Conferências de Saúde de Salvador. Precisamos
discutir como faremos isso.
• Destinar recursos financeiros para o desenvolvimento das ações de
saúde com os terreiros. Não basta ter a intenção de valorizar é preciso
mostrar com número, recursos. Precisamos fazer muita coisa. Nós não
temos mais quinhentos anos para ficar esperando.
• Divulgar para a população a Política Nacional de Saúde Integral para a
População Negra. Precisamos divulgá-la mais pelo valor dela para nós, pelo
impacto que ela pode ter na saúde da população negra.
• Divulgar para toda a população os impactos do racismo na saúde.
• Investir na divulgação das ações de combate ao racismo institucional
que já vem sendo desenvolvidas no âmbito do SUS.
Duas questões merecem ser discutidas por nós em relação aos
terreiros e a política:
1)Até que ponto os terreiros podem contar com o Ministério da
Saúde para utilizar o que já fazem há séculos pela saúde da população
negra?
2) Como estão sendo pensadas as pactuações com os gestores em
termos de responsabilidade sanitária, que todo gestor tem que ter com a
população do município e do estado, com a saúde da população negra.
Como isso está sendo pensado pelo Ministério da Saúde?
Pai Celso de Oxaguiã
“Queria mais uma vez agradecer e estar aqui tem nos proporcionado
momentos de paz, de tranqüilidade, de reflexão. È sempre bom conhecer a
casa do outro. Quero cumprimentar aqui as diferentes tradições religiosas
afro-brasileiras. Novamente estamos dando lição para o Brasil de como é
possível conviver diante da diversidade. Estamos dando muitas
contribuições para isso, basta ver a pluralidade de religiões nesse
auditório. Deveria agradecer a Marmo pela oportunidade de estar aqui. Ele
é parceiro que tem me incentivado a fazer o máximo possível diante de
tantos desafios. Mas, sem muitas, delongas, quero me valer aqui do som
do pilão nos nossos ouvidos para fazer reflexões pertinentes diante do
espírito da política. Para isso Exu meu pai me dê licença, eu preciso falar e
que seja a fala dos meus ancestrais.
Estou muito empolgado com o debate sobre ética e pesquisa com
seres humanos, já que faço parte de um Comitê de Ética e Pesquisa, da
Secretaria de Estado da Saúde. Tenho aprendido muito com aquelas
senhoras, ainda que não tenha os títulos delas, sou respeitado. O debate
sobre ética, o debate sobre o cumprimento da ética, o debate sobre direitos
e deveres não pode se limitar a faculdades de “achologias”. Tenho dito para
os gestores do meu estado e da minha cidade que médicos e pais de santo
não devem achar, devem ter certeza, porque lidam com vida e com morte.
Não existe “achismo”, não tem “achologia”. No terreno da espiritualidade,
temos que lidar com o concreto quando vemos uma mulher gestante, com
o filho prestes a nascer, sem ter hospital próximo de casa, sem ter unidade
que a atenda. Exemplo bem conhecido nosso. Então, me empolguei com
Mario Sergio Portela e fico aqui pensando: a Política Nacional de Saúde
da População Negra vem falar de iniquidades, e de uma forma geral, de
conceito de equidade e de promoção dessa equidade. O Brasil tem uma
idéia equivocada de justiça na medida em que Jesus Cristo ocupa espaços
laicos do Estado como um Fórum, um hospital público e assim por diante.
Por que não ocupa com Buda, com Obatalá, Exu e Pombagira, com Alah e
outros. Isso se reproduz em todas as instâncias do poder público, no
Legislativo, no Judiciário. Portanto a questão da justiça parece ser
conceito baseado num certo cristianismo. Não tenho nada contra Jesus
Cristo. Não sou anticristo, nem candidato. Mas não fala minha língua. Sou
descendente de africanos e descendente mítico de Oxaguiã. O meu prato
preferido é inhame, não por acaso. É preciso pensar que na medida em
que tenho em Cristo colocado na Assembléia Legislativa, na Câmara
Municipal e no judiciário municipal e estadual, e que nas sessões iniciadas
o que se diz é fale a verdade em nome de Cristo. É também esse conceito o
que vai dizer o que é justiça nesse Brasil que é baseada numa tradição
religiosa que não é a minha. Para falar de justiça, nós iremos ralar 12
quiabos, alguns ororobôs e assim por diante. Ao falar de justiça temos que
falar de equidade. Aprendi que equidade é dar mais a quem precisa de
mais; é cuidar de forma diferenciada de quem de forma diferenciada
sobrevive em determinado terreno. Há quem diga que essa tradução de
equidade já é ultrapassada. Esse é o ponto chave dessa política: de que
justiça estamos falando? De que iniquidades estamos falando? Que
estratégias são essas para a promoção da equidade e o respeito à justiça?
Estamos falando de direito humano à saúde, é claro. Não estou falando da
saúde mercantilizada praticada aqui no Brasil. É claro que existem
laboratórios, Organização Mundial do Comércio e tantas outras
instituições interessadas nessa pauta. Somos pessoas interessadas
também nessa pauta, na medida em que o conceito de saúde da OMS não
é novidade para o povo de santo porque ele é muito mais antigo do que as
organizações multilaterais. Como se dão as respostas para os desafios do
SUS? Será que o SUS atende os nossos anseios? Mario Sergio Portela vem
dizer isso quando fala do “querer”. Eu quero fazer. Eu não quero fazer. A
fala de Salvador que me antecedeu, disse que quis fazer e mostrou que
está fazendo. Há muitos exemplos pelo Brasil afora e que devem ser
divulgados. Ação focalizada: se vou trabalhar com anemia falciforme, eu
tenho que saber sobre essa doença; se vou trabalhar com AIDS, tenho que
entender um pouco de AIDS – AIDS se divide em prevenção e assistência.
Nossa pauta contempla essas duas pautas. Prevenir e reeducar–se. Os
terreiros fazem isso bem quando iniciam pessoas que não entendem nada,
não sabem sua origem e dá a elas a possibilidade de nascerem de novo. O
Ministério da Saúde deve aprender gestão com Exu. Quando abrimos um
comércio, fazemos padê. Quando abrimos um terreiro, fazemos padê. Exu
para fazer acontecer depende de todo o círculo da terra, da força do outro
para dizer que ele quer que o feirante venda naquele dia. Do contrário, não
teria sentido. Há muitos exemplos de intolerância religiosa na relação
médico e paciente. Se por um lado, temos médicos que dizem para os
pacientes procurarem as mães-de-santo, porque não conseguem resolver
fisicamente o problema. Cresci vendo isso. A Academia vem dizer para
mim que “ela” é quem sabe tudo e o governo vai nesse ritmo, sem deixar
valer o poder da escuta. É claro que essas perguntas não são para o
Ministério; são para todo o sistema de saúde público, para o Estado como
um todo. Estou falando de um tema que gosto muito: a relação entre
Estado e Religião, sobretudo Estado e Religiões Afro-brasileiras. O Estado
brasileiro foi um dos sujeitos que mais nos massacrou, na medida em que
D. Pedro I e tantos outros baluartes e cardeais resolveram fazer na cabeça
da gente o que eles bem queriam. Daí o modelo arcaico de pagamento de
impostos em que você tem direito de pagar e nem sempre o direito de
receber. No conceito ampliado de saúde, outro dilema: a tecnocracia.
Parece que a Política de Saúde da População Negra só terá êxito quando
tivermos claro o que é a humanização dos humanos. Se não conseguirmos
humanizar os serviços e as pessoas, não haverá a saúde da população
negra. Porque estamos falando de relações humanas, de racismo e vale
lembrar que racismo mata, ainda que subjetivamente. Conheço pessoas
que não estão dispostas a trocarem o Faustão por um espaço como esse,
porque não querem ser apedrejadas de lá até aqui. Vale dizer que nos
espaços do SUS, a chegada de um pai-de-santo ou de uma mãe-de-santo,
com fios de contas nos pescoços, não é bem visto pelos funcionários e
gestores do serviço de saúde. Isso é um problema e um desafio. Outra
coisa: temos os agentes de saúde da atenção básica que passam
despercebidos pelas nossas portas de candomblé, fazendo de conta que lá
não há famílias. O meu conceito de família é ampliado, ele envolve pessoas
estranhas, ou que se acham estranhas, porque há casos na nossa casa em
que as pessoas não têm dinheiro pela manhã para comer e na nossa casa
elas não passam fome. Tecnocracia, Política Nacional de Saúde da
População Negra e Humanização da saúde esse é o grande crivo no meu
ponto de vista. O SUS veio para igualar todo mundo, disse minha amiga
Ana Costa que tanto respeito. Essa frase é usada por muita gente. Mas se
cada um tem um ori, quem disse que eu quero ser igual a Mãe Beata de
Iemanjá? Eu quero ser diferente. No candomblé somos singulares. Nós
somos um, ainda que esse um se transforme em um todo. Não quero ser
igual a Mãe Beata porque não quero ter as responsabilidades que ela tem.
Eu, se tivesse mais de 70 anos, estaria de férias em Bangcoc. Para finalizar
volto a Mario Sergio Portela: as questões do dever e as questões do poder
estão colocadas na implementação que qualquer política que fazem por aí.
No domingo a família decide o canal da TV: ou Faustão ou Gugu e isso é
fazer política. Eu me nego a assistir os dois e também faço minha política.
No SUS boa parte desses desafios se fazem presente, segundo Mario Sergio
Portela, no campo da bioética. Quero, mas não devo. Quero ser bom
profissional, mas não devo dar bom atendimento aquela mulher porque ela
é negra, está suada. Devo, mas não posso. Devo atender ao idoso, mas não
posso porque estou ocupado. Outro exemplo: a famosa fala estou
cumprindo ordens, pai Celso. Você nunca encontra o caboclo que deu a
ordem. Isso é igual no IML. O gestor que não deixar fazer a minha
cerimônia fúnebre. Falo de morte porque não tenho problema com ela. O
SUS não permite culto dentro dos serviços, mas sabemos que é preciso
bori, ebó, obi, orobô e fumaça de cachimbo da vovó, antes do médico,
muitas vezes. Fátima de Oliveira disse , uma vez, que a terapêutica dos
terreiros é , em muitos os casos, acessada pela maioria da população
brasileira. As parteiras, as raizeiras, a comunidade quilombola têm dado
respostas à saúde da população brasileira anterior a Getúlio Vargas. Isso
são questões do poder, do querer e do dever. O gestor é pago para fazer o
trabalho. Ele é pago com o meu dinheiro. É pago com o meu suor. Ele é
meu funcionário. Se ele pode, eu posso também. É isso que temos que
dizer para todos os cantos do mundo: não existe diferença entre religiões,
tradições e filosofias. Nada justifica essa intolerância, sobretudo na relação
médico e paciente. E antes que eu morra do coração, é preciso pensar que
as diretrizes já estão dadas pelo Ministério e pelo CNS em que estou muito
bem representado. A política não se limita à esfera nacional. Temos a
gestão plena com a liberdade dos municípios para fazerem as coisas. Em
São Paulo, a Rede de Religiões tem feito coisas no município dentro do
SUS sem que o Gabinete da Secretária de Saúde fique sabendo. Ela nem
sabe que eu ando pelas unidades básicas de saúde defumando. Já disse a
Adailton que a minha resposta não vai mais ser aceitar participar de
eventos do governo. A minha resposta será enviar envelopes para o
governo com uma pena de galinha preta dentro. É preciso ensinar a partir
das ferramentas disponíveis. Temos que virar o jogo na medida em que
somos desrespeitados. Médico não sai de casa sem sua ferramenta de
trabalho. Acho que essa febre tem que contaminar todo nós. Se eu
funcionário não trabalho, sou demitido. Esses gestores não trabalham, são
mantidos e quando questionados, caem para cima. O Pacto de Gestão
altera boa parte do sistema de saúde, sobretudo, no que tange a atenção
básica e ao financiamento do sistema. A Emenda 29 ainda é um sonho da
população. Então, vamos pensar no âmbito municipal e estadual em que
há muitas políticas engavetadas, com um monte de propostas
engavetadas, ao mesmo tempo em que o racismo e a intolerância religiosa
matam. As pessoas estão morrendo e me procuram pensando que eu
tenho o poder de Deus para salvá-las. É isso o que acontece no nosso
cotidiano. Então, uma resposta qualificada tem que ser dada em Rede que
o terreiro constrói no Brasil inteiro. Quando Mãe Beata põe um iaô em
casa, todo mundo do terreiro se mobiliza para dar vida a esse iaô. Quando
o caboclo Sete Flechas chega para receber suas oferendas no dia 20 de
janeiro, todos os caboclos vêm para comemorar esse dia. É uma rede
calcada nos valores da tradição afro-brasileira. É uma rede calcada nos
valores de nossa ancestralidade. É preciso que o governo conheça o que é
uma rede. Parece que o SUS é uma rede equivocada. Temos que pensar em
âmbito local e municipal qual é o impacto de projetos governamentais que
dizem combater o racismo, como o Brasil Afroatitude. Já disse aos
meninos: ou eles voltam para casa e fazem um trabalho decente ou vão se
ver comigo daqui a 10 anos. Nós da Rede Nacional queremos que eles
estivessem aqui porque sabemos que hoje eles são meio órfãos e
deserdados. Vide Congresso de Prevenção de DST/AIDS 2006.
Acompanhemos a implantação da política nos municípios que é onde a
vida acontece. Devo querer e fazer com que a vida aconteça. Essa
discussão não deve ficar no campo do pessoal. Eu tenho gestores que
andam me renegando por causa dessa minha fala. Mas, essa minha fala
não é para fulana ou cicrano. Ela é para o estado laico. O Estado que não
é laico, não é democrático e não é de direito. E capítulos como o de ontem
lá no Maracatu que fiquei sabendo porque Exu existe devem ser
denunciados. Fizemos muito mal em termos voltado para casa, devíamos
ter ficado e feito barulho. A resposta que a gente tem que dar para mudar
esse processo é a participação popular. Estou cansado do debate de que
vem alguém e diz que temos que participar. Estou cansado disso.
Precisamos entender o que é essa mensagem. Participação popular é dar
plantão sem ganhar. Conselheiro de saúde é agente público e não recebe
para isso. Quero saber quem de vocês vai tocar tambor nas plenárias
preparativas, nas conferências municipais e conferências estaduais. Nós
temos que abrir a conferência, enquanto agentes promotores de saúde com
uma saúde colocada de outra forma na boca de todos nós. Temos que
estar na primeira fila porque somos sacerdotes e sacerdotisas. Temos que
participar das Conferências. Falo das conferências preparatória nos
municípios e nos estados. Não adianta PTA e brigar para ir para Brasília.
Vamos parar com isso. É lá em casa que o bicho pega. O galo come milho
no meu quintal e não no quintal de Brasília. É no município que a vida
acontece. Exu toma conta de todas as portas do mundo, inclusive da
minha. É da minha que tenho que cuidar primeiro antes de cuidar da
porta do outro. Quero propor que esse Seminário vá oficialmente aos
cuidados do novo Ministro da Saúde, Dr. Temporão, dizer a ele que a
Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra deve ser
implementada e que esse discurso de que não precisa de rubrica é
equivocado. Não existe política sem dinheiro. Não há nada no governo que
venha a garantir que esses gestores façam a política acontecer sem ter a
rubrica prevista lá. Vamos parar com essa conversa de que participação
popular é passeio no parque, é briga por poder. É isso.”
Painel 4 : As Religiões de Matrizes Africanas e os Pactos Pela Vida e
em Defesa do SUS.
Expositora: Fernanda Lopes - PCRI/Saúde
Debatedores: Roger Barros – SMS Fortaleza
Lúcia Xavier - Criola
Coordenadora – Mãe Nalva de Oxum/Belém
Fernanda Lopes
Roger Barros, Lucia Xavier e Mãe Nalva
Mãe Nalva de Oxum
“Bom dia a todos e todas. Minhas bênçãos para todos meus irmãos, babás,
ogãs, ekédis, iyás e todos me abençoem. (Axé). Vamos começar o próximo
Painel. Chamo a Dra. Fernanda Lopes do PCRI-Saúde como expositora.
Chamo os debatedores Ogã Roger Barros, da Secretaria Municipal de
Saúde de Fortaleza e a ekédi Lucia Xavier, de Criola, no Rio de Janeiro.”
Fernanda Lopes
“Gostaria de agradecer mais uma vez a oportunidade de estar aqui
compartilhando desses saberes diversos. Agradecer a possibilidade de a
cada dia estar aprendendo um pouco mais e tendo mais nitidez na
responsabilidade que a gente tem em contribuir para um mundo mais
justo e solidário e tendo como pano de fundo os nossos valores ancestrais.
Então, muito obrigada por mais essa oportunidade.
A minha tarefa é discutir um pouco sobre os Pactos. O Pacto pela Saúde é
apresentado hoje pelo Ministério da Saúde como um instrumento de 3
dimensões. Mas um instrumento para consolidarmos essa política de
direito que o Pai Celso falou aqui na mesa que nos antecedeu. Viemos
discutindo isso: a importância dessa política de saúde, a importância de
politizar a discussão de saúde como um direito, a importância de ter
concretizado as vias para garantir esse direito. Então, quando falamos
desses novos instrumentos que os gestores municipais, estaduais e
federais, os conselheiros e conselheiras de saúde e nós que estamos nesses
outros espaços de controle social e porque existem mecanismos formais,
como os conselhos , mas existem os mecanismos de participação, de
mobilização e de controle social que a gente tem que valorizar, aprimorar,
controlar, resgatar as informações para atuar ordenadamente em todos os
lugares para contemplar as nossas necessidades. Então, o Pacto pela Vida
traz alguns compromissos que são prioritários, algumas metas que devem
ser negociadas, pactuadas. Por que pactuadas? Aqui na Rede vocês fazem
o tempo inteiro pactos. Os valores estão dados, mas o tempo inteiro você
tem que resgatar para se lembrar de que todos têm responsabilidades.
Então, repactuam-se as
responsabilidades. Lembrem-se aquilo que
nossos ancestrais nos contaram, agora a sua responsabilidade é essa para
manter. E a dele? A responsabilidade dele é outra, tem que pactuar e são
vários os atores que pactuam. Nessa pactuação do Pacto pela Vida foram
eleitas algumas prioridades, por exemplo: saúde da população idosa, morte
materno infantil, redução da morte materna e infantil, garantir uma
qualidade para o envelhecimento, garantir o acesso aos exames
preventivos de câncer de colo de útero e de mama, reduzir a morte por
câncer de colo de útero ou por câncer de mama, reduzir as mortes e taxas
de adoecimento por doenças emergentes, tuberculose, gripe aviária,
influenza, promover a saúde, estimular hábitos mais saudáveis de vida,
garantir que as pessoas saibam o que é melhor para a sua saúde e
garantir a atenção básica. E agora vamos fazer a conexão com a nossa
vida. Envelhecimento saudável tem a ver com os terreiros? Sim. Vamos
pensar o que é tempo a mais na vida? Axé, saber acumulado. Tempo de
vida de santo é posto. Então, os nossos espaços já são promotores de
envelhecimento saudável, mas temos que cobrar a não exploração de
idosos e idosas. Nós temos que nos utilizar desses espaços para garantir a
discussão do Estatuto do Idoso. Temos que garantir a discussão nesses
espaços sobre acesso, casas com menos possibilidades de evitar quedas
para os idosos, olha quanta coisa relacionada com aquilo que a gente faz.
Mas, sobretudo, revitalizar essa discussão da valorização da pessoas idosa.
Embora algumas pessoas achem que não precisemos saber de números.
Digo que é preciso entender deles. Gestores só definem coisas a partir de
números. Quando falam para a gente que isso não é necessário. Está
considerando que a gente não vai controlar porque para saber se melhorou
ou piorou, precisamos saber o quadro no início. Vou mostrar alguns
números: mulheres brasileiras com mais de 25 anos, a cada 100, só 36
conseguem fazer um exame clínico de mama. Para as mulheres negras
com mais de 25 anos, a cada 100, 46 nunca tinham feito o exame clínico
de mama. Para as mulheres brancas, 28. Acesso ao recurso preventivo do
câncer de mama. É um exame clínico bem simples. Mas precisa de toque.
O profissional tem que estar disposto a ofertar o cuidado. E, então, as
mulheres negras sofrem mais com a indisposição da prestação do cuidado,
quando conseguem acessar o serviço de saúde. Pensando no câncer de
colo de útero, como prevenir? Como fazer o exame de papanicolau? No
geral, 20% das mulheres, a cada 100, nunca teve acesso. Mas quando
pensamos em mulheres brancas e negras muda um pouco. Para as
mulheres brancas, a cada 100, 17 nunca fizeram o exame, para as
mulheres negras, a cada 100, 25 nunca fizeram. Quando em nossa cidade
falarem: estamos trabalhando para reduzir o câncer de mama e o câncer
de colo de útero entre as mulheres. Nós temos que gritar: ótimo! Que os
investimentos venham. Mas para melhorar a desigualdade, falei isso no
Seminário Nacional de Saúde da População Negra, o esquema é o seguinte:
é aquilo que pode ser o que há de melhor para a saúde? É a melhor
concepção? Então, temos que colocar a pratos limpos o que nós queremos.
Então, agora a gente quer reduzir as desigualdades no acesso aos exames
preventivos. Se a gente tem um grupo que acessa um elevador, mas acessa
só o subsolo e o outro grupo pegou o elevador até o terceiro andar e sobe
até o quinto andar. Se não tiver alguma coisa para parar um pouquinho o
que está no quinto andar,ou fazê-lo andar mais devagar, e fazer o que está
no subsolo subir rápido, nunca a gente vai alcançar o SUS que a gente
quer. Nunca vamos garantir que as pessoas sejam respeitadas e tenham
contempladas as suas necessidades. Então, é sempre isso que vai ser o
nosso instrumento de luta pela saúde, de luta em defesa da vida, de luta
em defesa desse sistema.
Mortalidade infantil: melhoramos muito da década de 70 até os dias de
hoje. O que reduz mortalidade infantil? Saneamento, vacina, aleitamento
materno, investir em educação da mãe, amamentação. Essas várias coisas
acontecem separadamente. Tudo tem que estar integrado. A vida melhorou
dos anos 40, 60, 70 para cá, então, reduziu a mortalidade infantil. Em
1980, tínhamos aquela desigualdade entre crianças brancas e negras. No
ano 2000, duplicou a desigualdade. Piorou. Os investimentos na redução
da mortalidade infantil não levaram em consideração que cada uma estava
num andar diferente. Hoje o Ministério da Saúde publicou o seguinte
dado: a principal causa de morte no Brasil como um todo para crianças
com menos de 1 ano são doenças infecciosas e parasitárias. As crianças
negras de até 5 anos de idade têm 60% mais risco de morrer do que
quando comparadas as crianças brancas. 60% mais de chance de morrer,
é preciso ter um investimento pelo menos 60 vezes maior. Quando formos
fechar, monitorar redução da morte infantil, vamos dizer: vejam o que
vocês fizeram antes.Não consideraram que os andares eram diferentes. O
que aconteceu? Um elevador andou rápido e o outro andou na mesma
velocidade. Um chegou à cobertura e ou outro ficou na metade do prédio.
Mortalidade Materna: a chance de uma mulher negra morrer por causas
denominadas maternas, é 41 vezes maior para o Brasil como um todo. Há
localidade em que o número é ainda maior. Há localidade em que o
número é menor. Há localidade em que é igual a 41. No Rio, por exemplo,
os núcleos de enfrentamento da violência decidiram que uma das formas
de reduzir a violência contra a mulher é reduzir a morte materna. Quando
gritar vamos ter que gritar isso: tem que mudar mas tem que investir mais
para reduzir a desigualdade entre um grupo e outro.
Promover a saúde: na Política Nacional de Promoção da Saúde o que se
estimula? Diminuição do tabagismo, hábitos mais saudáveis, alimentação
saudável. Mas na alimentação, a prescrição não combina com a realidade
desse povo. E muitas vezes pode não combinar com a realidade da dieta de
outros povos. Então, tem que discutir isso. Promover saúde e a construção
de um ambiente mais saudável, é combater racismo e intolerância
religiosa. Ninguém fala disso. Só mandam para de fumar e que por sinal,
quem ainda está com essa prática tem que repensar porque é prática não
saudável. Mas também, as pessoas têm o direito a terem um estilo de vida
de acordo com aquilo que acham interessante. Pensar em direito humano
é sempre pensar que o outro pode apresentar os seus argumentos para
fazer as suas escolhas. É o mais difícil. Então, para saber se um gestor ou
profissional de saúde está mesmo comprometido com esse Pacto pela Vida
que acreditamos, primeiro tem que reconhecer que existem injustiças e
que às vezes, essas pessoas adeptas da ética e que acreditam que estejam
acima do bem o do mal, porque elas têm como missão salvar vidas, esse
povo pode também trazer elementos de qual é a ética de proteção de vida
que se quer? Como construir essa nova ética? Como resgatar aquela antiga
ética? Bom, reconhecer que existem desigualdades e reconhecer que as
desigualdades são injustas é o primeiro passo para construir os caminhos
de superação, com ética, com respeito à diversidade, com a nãodiscriminação, com a não-intolerância.
Para defender o SUS que é uma política de direito que reconhece o valor
de todo o ser humano. Que deve oferecer tudo para todos e para todas, de
acordo com as necessidades individuais e também coletivas, partindo de
construções democráticas como essa e de uma forma descentralizada. Nós
brincamos ao dizer que descentralização é um engodo. Mas, a vida
acontece no município e devemos exigir, por exemplo, do Ministério da
Saúde, representado na mesa anterior, diretrizes nítidas. As diretrizes são
os caminhos. Tem que dar caminho e tem que ter nitidez no caminho.
Quando você for executar os rumos orientados pelo Ministério da Saúde,
você tem que fazer as adequações. Você tem que definir quais as
necessidades. Identificou necessidades, criou uma demanda e um
processo de trabalho. Por isso gostei quando na oficina de ontem alguém
falou que os terreiros são microSUS. É isso aí. Olha como a lógica se
repete. Então, falar que essa lógica é alternativa e não é tradicional, não
tem fundamento.
Defesa do SUS: lembrar que nenhum gestor está nos fazendo um favor.
Existem obrigações. Nós temos obrigações como cidadãos e cidadãs. Mas
aqueles que estão na representação do estado também têm obrigações. As
obrigações deles são para com todos e com todas. Reconhecer que existem
fatores que definem, determinam e modificam a condição de saúde. Como
por exemplo: o racismo, a lesbofobia, a homofobia, a xenofobia. É
importante. A Rosangela lembrou aqui. Mas na Política Nacional de Saúde
Integral da População Negra tivemos esse cuidado porque destacamos que
as experiências de vida, as experiências de saúde são influenciadas por
vários fatores para além daqueles sempre considerados. E que fatores
como ciclo de vida, a sua orientação sexual, a sua filiação religiosa, a sua
identidade de gênero, que é quando existem homens que tem uma
expressão de gênero próxima do feminino. Mãe Beata falou disso ontem
aqui. O direito à liberdade, à autonomia, à dignidade. Ainda que seja
homem que tenha expressão do gênero feminino e orientação
homossexual. Ainda que seja uma mulher que tenha expressão de gênero
masculino e orientação homossexual. Que seja uma travesti, que seja uma
transsexual. A expressão de gênero independe do sexo biológico. Mas a
experiência de conceber a doença e a saúde deve ser considerada. Quando
na população negra não se considera isso você está contribuindo para que
as pessoas adoeçam. Você está contribuindo para que essas pessoas
acessem o serviço de saúde e sejam potencialmente discriminadas. Sejam
desrespeitadas no seu direito básico. Mas essas preocupações já estão
presentes em várias outras mentes, em vários outros corações. Isso é
muito importante.
A promoção da cidadania: a saúde como elemento fundamental na
construção da cidadania. Ou quando a doença se instala porque uma série
de coisas falhou, o processo de adoecer pode ser a marca de violação da
cidadania. É muito importante ter financiamento. Agora nas nossas
mobilizações, no balançar da nossa Rede daqui até o próximo Seminário,
muita coisa deve acontecer. Muita coisa deve acontecer no mundo e muita
coisa deve acontecer conosco, a partir das nossas responsabilidade , a
partir dos nossos pactos que a gente refaz aqui todos os dias, no nosso
território sagrado. No nosso espaço promotor de saúde, de dignidade, de
cidadania.
Obrigações públicas da saúde com a sociedade: garantir informação de boa
qualidade, que a gente possa compreender. Mas, não quer dizer deixar de
falar algumas coisas para alguns e falar para outros, porque aqueles
alguns não vão entender. Informação de boa qualidade é traduzir. E tem
que ser informação completa. Toda vez que alguém quiser dar informação
pela metade, tem que dizer que essa informação não cabe aqui, se não a
gente não consegue controlar. Sem informação não há poder. Informação é
poder. Por isso que ninguém quer dar. Poder é bom. As pessoas não
querem dividir. Esse é o nosso papel, cobrar.
Carta de Direitos dos Usuários: é um instrumento muito legal, mas em
todos os serviços de saúde tem lá um cartaz: se você desrespeitar o
funcionário, você pode ser preso. Em nenhum serviço de saúde tem a
carta ou cartaz com os direitos dos usuários. Não há cartaz dizendo que se
os usuários forem desrespeitados, eles podem ligar para a ouvidoria da
saúde, ou procurar outros mecanismos. Esse é o nosso instrumento, tem
que estar na nossa bolsa o tempo inteiro.
Financiamento da saúde: garantir financiamento. Garantir que ninguém
pode pegar o dinheiro da saúde e fazer outras coisas. Esse
contingenciamento, quando existe o dinheiro, mas fica guardado para sair
naquelas horas, nas eleições. Sai de vários jeitos, mas não sai para o lugar
certo. Ou sai como troca de favores. Isso para a gente que defende a
política de Estado, acaba com qualquer um. Temos que gritar pela
regularização de uma lei para garantir orçamento específico para saúde –
Emenda 29. Se quiserem usar esse recurso numa estratégia de
contingenciamento, temos que gritar que a saúde não admite esse tipo de
estratégia. A Conferência de Saúde vai discutir esse tema: Saúde,
Qualidade de vida e Política de Estado. Saúde a gente já sabe: várias
condições individuais, integrais e coletivas tem várias influências do
social, do político, do econômico , do ambiental, do religioso, do cultural.
Qualidade de vida sabemos o que é porque estamos sempre em busca dela.
A política de Estado é estável. A saúde e o SUS devem ser reconhecidos
como uma política para todos e para todas independente do governo.
Temos que discutir uma coisa que é assim: se vocês querem fazer o país
crescer, se vocês acreditam que desenvolvimento seja sinônimo de
crescimento econômico e que isso significa destituir as pessoas da terra,
colocar as pessoas em ambientes mais degradados, isso não é desenvolver.
Se vocês querem nos enganar, nós não somos trouxas. Desenvolvimento
não é só colocar as pessoas para aprenderem a costurar, a fazer pão, etc.
não é isso só. É muito mais. Garantir a saúde das pessoas. Garantir a
saúde como direitos de cidadania. Garantir que elas participem. Garantir
que as pessoas tenham emprego. Garantir que elas tenham autonomia.
Isso é promover o desenvolvimento, ampliar o que as pessoas têm de
melhore suas potencialidades. Essa a discussão que vai tocar mais para a
gente no dia a dia. Quando formos participar das Conferências, vamos ter
que saber o que é isso que eles dizem que é desenvolvimento, mas que pra
gente não tem nada a ver? Como que é discutir essas políticas de
crescimento sem pensar no meio-ambiente, sem pensar no impacto na
saúde, sem pensar que o impacto pode ser diferente para jovens, crianças
e idosos, para brancos e negros, para homens e mulheres porque existem
outras desigualdades que vão se acumulando e vão nos colocando em
desvantagem. Essas são as nossas tarefas. São muitas. Esses
instrumentos não são normalmente muito simples, mas alguns vão
estudando um pouco mais e dão uma traduzida. Tem que ter sempre esse
retorno. Porque se não houver troca, a coisa não vai para frente ou a gente
não está entendendo. Se não entendemos, não temos como cobrar. Se a
gente não tem informação, a gente nunca vai ter poder.”
Roger Barros, Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza.
“Boa tarde para todos e todas. A bênção aos meus mais velhos
e às minhas mais novas. Que Oxossi proteja a todos e a todas.(axé)
Gostaria de dizer da minha satisfação e alegria em poder participar desse
evento e poder colaborar para a construção do sistema de saúde a partir
da cara do povo brasileiro com toda a riqueza que a gente tem. Sou gestor
do SUS e estou tentando construir essa proposta dentro do SUS em
conexão com os terreiros. Estamos com vários projetos e brigas boas de se
fazer. A Secretaria de Saúde de Fortaleza está apoiando outro evento que
acontece paralelo a esse que é uma mostra do sistema saúde-escola.
Temos dois eventos: um , científico e esse aqui que tem a proposta de
integralidade. Esse evento tem chamado mais a atenção da cidade do que
o outro e houve um esvaziamento do outro evento. Só que temos que
integrar, não podemos excluir nada. Nossa proposta é de conexão de
saberes. Pacto pela Saúde: gostaria de parabenizar a mesa anterior que
esgotou os tópicos que eu ia abordar. O SUS é único no mundo. Possui
falhas, mas é novo e está em construção. É nossa missão fazê-lo o melhor
possível. Como se defende o SUS: para esse Seminário há recursos para
pode gastar e fazer toda a programação. Então, fizemos o trâmite
burocrático e a verba não saiu. Quando eu fui ver o que era o que tinha
acontecido, verifiquei que uma secretária, burocrata, engavetou o projeto.
Ela não se identificou com o tema por ser evangélica e engavetou o projeto.
Temos que ficar atentos para defender o SUS porque o sistema de saúde é
composto de trabalhadores, gestores e usuários. Então, defender o SUS
significa tomar conta do SUS. Convoco a todos e a todas a tomarem conta
do SUS. Numa reunião de gestores da Secretaria fiz a seguinte provocação:
quantos de vocês aqui são usuários do SUS? Só eu levantei a mão. Como é
que um sistema de saúde sai do papel, quando quem toma conta dos
recursos, das diretrizes da política, não utilizam o SUS? Isso é muito
importante. Mas quando eles têm alguma dificuldade com os planos de
saúde, correm para o SUS. O SUS está presente em toda a Vigilância do
SUS, em todo restaurante, na água. Todos somos usuários do SUS.
Convoco a todos para tomarem conta do SUS através dos conselhos de
saúde. Todas as pessoas que trabalham no SUS têm poder.
A partir das discussões que fizemos quais os mecanismos para
desencadear ações na rede SUS? Fiquei preocupado quando o Secretário
de Saúde, na presença do Ministro da Saúde, combinou a vinda do
Ministro para Fortaleza para lançar o projeto Religiosidade Afro-brasileira e
Saúde. Temos discussão acumulada, mas falta acúmulo das outras
pessoas sobre essa discussão. Na visão de quem não é de terreiro,
sobretudo médicos e outros profissionais, acham que o SUS estabelece
relação de doutrinação dos terreiros. Infelizmente, vemos muito isso nas
pessoas. A nossa função é desconstruir essa história. Não queremos que o
SUS nos doutrine em nada. Nós precisamos de uma conexão em que cada
um respeite os limites do outro e a sua importância para o sistema. O mais
importante não é o que o SUS tem a oferecer para nós. Mais importante é o
que a gente tem para oferecer ao SUS. Temos muito o que ensinar.
Estamos traçando um plano de construção das ações concretas dos
terreiros a partir de oficinas de integralidade, juntando trabalhadores da
saúde e povo dos terreiros. Vamos construir essas oficinas de integralidade
para começarmos a levantar os nós críticos e os caminhos que a gente tem
para melhorar essa conexão. É uma enorme satisfação receber vocês em
Fortaleza. A Prefeita não pôde vir ao evento e mandou um abraço para
todos vocês. Obrigado.”
Ekédi Lucia Xavier
“Boa tarde a todos e a todas. A bênção. (axé) Tenho a triste tarefa de fazer
um debate sobre o que Fernanda trouxe para vocês. Triste porque ela falou
muitas coisas. Resolvi, então, fazer um esquema do que eu achei que seria
o recado de Fernanda para nós. Ela veio dizer que o Sistema Único de
Saúde está passando por uma nova fase: os gestores estão fazendo um
acordo. Eles estão dizendo: “Bom, tem isso tudo de problemas, e o que a
gente vai fazer primeiro?” Vocês já sabem o que fazer : tem que se meter no
pacto dos gestores. Ela nem perguntou se vocês querem fazer isso. Mas,
ela disse que vocês já são uma Rede, atuam na defesa da saúde, são
maravilhosos e maravilhosas e ainda falou para vocês para colocarem a
cartilha dos usuários embaixo do braço e saírem por aí.
Eu fiz um esquema pensando o seguinte: muitos de nós entraram
nessa luta porque se sentia discriminado, muito de nós vieram para essa
luta dizendo que havia intolerância contra nós. Hoje são os evangélicos,
mas já foram os católicos e no final há muita gente que também acha que
pertencemos a um grupo muito desprivilegiado. Acham que a nossa fala,
nossa religiosidade, nossa forma de vestir não tem valor e foi isso que
juntou um pouco a gente. E a gente se juntou por uma característica
importante: não há na história das religiões de matrizes africanas alguém
que não diga, eu estava mal, eu não tinha saúde, estava perdido, entrei
num barracão e fui buscar ajuda para melhor a nossa condição de vida.
Isso trouxe um sentido de saúde diferente do SUS. Saúde não é só casa,
comida, roupa lavada, também é paz de espírito, ligação com os nosso
mestres, deusas e orixás, aí começamos a desenhar uma idéia diferente de
saúde. Muita gente diz que as pessoas vão para os terreiros porque o SUS
não atende. Não é verdade. Nós vamos para o terreiro porque lá a gente
encontra um acolhimento diferente e , sobretudo, encontramos um
remédio que não vende na farmácia e não está no SUS. Acolhimento pode
ser eu abrir a porta e deixar a pessoa entrar , sentar e esperar um
tempão. Mas , a gente busca trazer para a vida dela outras formas de
pensar, valores, e trazer para ela raiz, nome, família, que vocês sabem
muito bem. Elas começam a dizer eu tenho essa origem, sou filha de
fulano, eu tenho essa força. A pessoa que entrou sofrendo, sai forte. Isso
não vende na farmácia, nem no SUS. Essa intolerância tem um nome: é
racismo e atinge os negros e brancos do candomblé porque admitiram essa
raiz, essa força como real. Nós colocamos o apelido do racismo na religião
de intolerância. E por causa do racismo, nós vemos a intolerância
religiosa, a discriminação, alguns sofrem mais por causa da cor da pele,
outros porque têm orientação sexual diferente, outros porque têm práticas
de vida diferentes por causa da religião. Esse racismo acaba tirando o
acesso aos bens e serviços da sociedade. Pouco posto de saúde, pouca
escola. O pai de santo pode morar em uma área boazinha, mas o seu
terreiro está em local que não tem nada. Por que será? Isso é causado pelo
racismo. O racismo também fortalece e engorda a pobreza em que vivemos
mergulhados, por isso o povo em torno da gente está sempre com esse
problema, sem emprego, sem dinheiro. O racismo sempre traz pouca ou
nenhuma informação. E parece que somos um saco vazio. Quanto mais a
gente lê, mais a gente estuda, parece que não completa. Quando a gente
vai falar com o gestor, lembra que não estudou algo. Parece que a gente
nunca sabe do que está tratando. O que isso tem a ver com a saúde? A
saúde é o nosso bem. É o bem mais importante para nós. A saúde significa
nossa vida, nossa cultura, nossa religiosidade, nossa importância no
mundo, nossa relação com as pessoas e muito mais. É o sentido de uma
vida saudável e digna. Quando vemos uma pessoa caída, a gente lembra
que está faltando a dignidade ali. A gente vê que ela pode estar doente e
sem condições de uma vida saudável e digna. A saúde está no pano que a
gente veste, no remédio que a gente toma e na alimentação que a gente
come. Não é verdade que ninguém é atingido por ela, mesmo quem tem
plano de saúde, também precisa de um sistema de saúde que possa dar
atenção a sua qualidade de vida. E o povo de santo resolveu então escolher
um , dentre tantos problemas, que achava fundamental para uma série de
coisas: valorizar sua religiosidade, valorizar o seu povo, dar apoio e vida
digna aos seus, para trazer exemplo de melhor condição de vida, para viver
melhor. Escolheu a saúde para cuidar. Nossa sabedoria é tão completa que
pensou o seguinte: não adianta cuidar só da minha saúde, é preciso
cuidar da saúde do nosso povo e de todo mundo que vive em torno de nós.
Quando a gente exige a água encanada, ela não vai cair só na nossa bica.
Quando exige um sistema de saúde que atenda com qualidade, ele não vai
atender só o posto de saúde ou o hospital, mas ele vai melhorar a nossa
alimentação e nossa roupa. E o que as religiões de matrizes africanas têm
a ver com isso? Tudo. Somos um grupo que sempre defendeu a vida,
sempre defendeu a cultura, sempre defendeu uma maneira de viver onde
as pessoas com a sua diferença pudessem estar em conflito ou não, no
mesmo espaço, sendo respeitadas e valorizadas. Muitas vezes esses
conflitos pareçam diferentes para algumas pessoas, mas o respeito, o que
une essas pessoas está para além das diferenças de cada um, é olhar o ser
humano com ele é e cuidar dele como ele precisa. Por outro lado, a gente
nunca disse como é que acolhe. O segredo de nosso acolhimento é que eu
sendo filha de Oxum tenho um cuidado diferente de Mãe Nalva que tem o
mesmo orixá. Isso é tão fácil para nós, receber duas filhas de Oxum e
saber o que cada uma vai precisar. E por que não é fácil para um sistema?
È muito difícil tratar o individual de forma diferente? Não. É porque há
uma tradição em vigor na sociedade de que tudo o que a gente faz deve ser
partilhado por todos, mas no nosso caso, um pequeno grupo fica com a
maior parte e a gente nem consegue dizer para ele que não acha de que
deve ser desse jeito. Então, tudo isso tem a ver com a gente. Porque para
nós é importante que as pessoas que vivem com a gente, que são da nossa
família, que são da família de nossos amigos, que são de nossa
comunidade, que são de nosso país também tenham melhores condições
de vida. O candomblé cresce, o terreiro cresce, quando a sua comunidade
cresce. O candomblé é rico, quando a sua comunidade está bem. Um pai
de santo e uma mãe de santo são respeitados, quando se colocam a
disposição da sociedade para melhorar a vida de todo mundo. Em que pese
que cada um de vocês tem um grupo razoavelmente grande. Mas não se
furtam a fechar a porta para as comunidades. Nós também somos um
grupo que queremos melhorar a vida de todo mundo, mas queremos ter
direitos. Nós queremos ter o direito de ter direitos, a partir da experiência
de vida e de religiosidade que nós temos O que isso tem a ver religião?
Estou aqui para cuidar do caboclo, do mestre, do orixá, por que tenho que
me meter no SUS/ Assim, a gente vai construindo uma vida melhor. Nós
podemos cuidar dos nossos orixás, dos nossos mestres e eles nos dão
forças para melhorarmos o entorno. Esse axé se revitaliza no momento em
que a gente compreende que os orixás, os mestres atuam em tudo. Eles
não ficam só no nosso terreiro. Ele também interage com a vida, ele
também participa.Muitos de vocês possuem essa experiência: encontram
alguém na rua que nunca viu e acham que ela precisa de ajuda e levam
ela ao terreiro. Essa exigência de se comunicar com o mundo é uma
exigência da nossa tradição. Nossa tradição sempre se comunicou com
todos, pobres e ricos. Não é porque ela é melhor do que outra tradição,mas
porque ela aprendeu na dor e no sofrimento a valorizar o que é
importante na vida. Bom, “vocês perguntarão: vou para casa fazer o quê?
Já que você, Lucia, está dizendo que o sistema de saúde que tem esse
tempo todo, não atende todo mundo legal”.Sem o SUS a nossa vida corre
risco. A nossa qualidade de vida se perde. Então, preparei uma lista do
que a gente tem que fazer. Já que a Fernanda disse que temos que fazer
alguma coisa.
1- Abraçar essa causa da defesa do SUS de verdade. Não basta dizer que
pertencemos a Rede de Religiões, que agente acredita nos orixás, que
estamos com o Marmo todo ano. Essa causa é nossa. Quando a gente
diz que quer um sistema de saúde funcionando, significa estar num
Estado brasileiro democrático que respeita as religiões afro-brasileiras,
valoriza a vida, distribui bem os recursos dos impostos que a gente
paga. Quero participar dessa vida tendo a mesma importância que
outras pessoas.
2- Apresentar-se como pessoa que é capaz de acompanhar essa política e
exigir esse direito. Lembrando sempre que o conhecimento dos terreiros
é suficiente para a defesa da vida e do sistema de saúde. Não caiam
nesse engodo que dizem que vocês não sabem de orçamento, não
conhecem a legislação, não sabem dos pactos e que vocês têm que ficar
em casa. É assim que a política tem tratado a gente. Ora, esse
conhecimento de que somos portadores e portadoras levou anos sendo
acumulado e ele muda a qualquer hora, mas a essência não muda. A
essência que precisamos saber é que a saúde é um direito de todo
mundo e o Estado brasileiro tem que dar conta dela. Se não está dando
conta, é dever nosso dizer para o Estado que ele tem que dar conta.
Aqui tem pai de santo e mãe de santo que comanda 100, 200 pessoas.
Como que essa pessoa não sabe falar de política? Como que essa
pessoa não saber gerenciar serviços? Alguém que gerencia com poucos
recursos do candomblé, umbanda, ou qualquer outra religião, está apto
a dizer como quer a saúde, como quer a sua vida, como quer participar.
Essa coisa que diz que a gente não sabe nada, é forma de tirara gente
dessa história.
3- Participar dos conselhos. Em cada bairro existe um conselho distrital
que reune os gestores da área, os usuários, os trabalhadores, os
prestadores e os pais e mães de santo têm que aparecer por lá. Se
arrumem todos e vão lá dizer sou chefe tal e vim aqui participar da
saúde do meu país. No primeiro dia vão olhar torto, mas deixa pra lá,
não sabem fazer ebó, deixa pra lá.... No segundo dia, vão continuar
olhando torto, também não sabem fazer ebó, deixa pra lá... mas no
terceiro dia vão perceber bem o significado dessa participação. Temos
que estar lá para defender a vida. Se não participarmos dos conselhos
distritais, não conseguimos interferir na saúde.
4- Participar dos debates que tratam da saúde , mas que são contra o
racismo, o sexismo, a homofobia, a lesbofobia, porque isso também é a
apelido do racismo. A pessoa diz que racismo não tem nada a ver com
racismo: Olha, sabe, a pessoa chega aqui no posto e veio toda suja. Ela
chegou aqui às 7h. Ela tinha que chegar às 4h. Não vai ser atendida.
Não veio na hora certa. Ora, isso é motivo para uma pessoa não ser
atendida no SUS? Não. Abraçar essas ações da discriminação é
importante. Afinal, pretos e brancos sofrem a mesma coisa. Vê o cara
com uma bata(roupa), fala: Lá vai o macumbeiro.
5- Fortalecer a Rede na cidade e no estado de vocês. Quando o gestor da
saúde numa reunião do conselho pergunta Você é de onde? Você diz
Sou da Rede de Religiões Afro e Saúde. E só. A pessoa pergunta
novamente em outra reunião e você responde a mesma coisa. Ela não
vai dar crédito a você. Mas na próxima vez que você trouxer um monte
de pai e mãe de santo para dizerem que não estão gostando da saúde
no bairro, ele vai pensar duas vezes, depois ele vai pensar mais duas.
Até que um dia, ele não vai pensar, vai ouvir e vai dar solução para o
problema. Porque quando a pessoas estão organizadas para enfrentar o
problema, o primeiro problema que ela se livra é da dificuldade de
trabalhar junto. No terreiro todo mundo trabalha junto, independente
da pessoa saber ou não, da escolaridade, da relação amigável ou não,
em função de um objetivo. A festa tem que sair perfeita. A obrigação
tem que dar certo. A pessoa tem que ser bem atendida. Precisamos
fortalecer nossas organizações para que isso aconteça. Se a gente vai
mesmo participar de uma Rede, temos que sentar lá na nossa cidade,
convidar A B C D dizer que tem uma proposta. Se a pessoa não tem a
mesma proposta, ela vai embora, mas você segue com o trabalho.
6- Reunir os terreiros em todos os espaços que vocês puderem ir. Reunir
pessoas num terreiro é importante para que elas reconheçam naquele
espaço, um grupo, alguém, uma religião que está buscando uma
melhoria
Para a sua comunidade, para a sua vida e também para si.
7- Acreditar que quando falamos de saúde da população negra, estamos
falando de direito à saúde , ao SUS, sem discriminação por causa de
nossa cor da pele, por causa de nossa religião. Às vezes, as pessoas não
sofrem o racismo e não querem se envolver. Se está ruim para a população
negra que é a maior usuária do SUS, se está ruim para população negra
que é a maior do Brasil, imaginem para o resto. Se agente não quer fazer
para os outros, então faz para si. Mas se está ruim para um grupo, está
ruim para todo mundo.
8- Não esquecer de conversar e discutir com gestores e autoridades, com
os funcionários públicos. Os funcionários são agentes públicos e têm a
obrigação de fazerem a parte deles.Vou me aborrecer com a Fernanda, mas
o cartaz colado na parede do serviço que diz que você vai ser preso por
isso e aquilo, aquilo é inibidor da busca de nossos direitos, tem que
arrancá-lo da parede. Por que conversava com Mãe Nalva que se você está
no balcão e o funcionário te desrespeita, você pede a ele respeito. Mas se
for funcionário, você já é enquadrado em crime ou penalidade. Só que você
foi procurar o serviço porque está doente. Vá me desculpar...Isso quer
dizer que é para você entrar quietinho, ficar na sua e aguardar
atendimento. Você é cidadão e merece respeito. Então, colem também a
carta dos usuários que diz que podemos ser respeitado pelas nossas
condições, não podemos ser discriminados.
9- Conversar com os conselheiros da saúde do município, do estado.
Muitos vão dizer que movimento negro não vem aqui, nem pessoas das
religiões africanas. Vocês dirão: E daí, a obrigação de vocês é cuidar da
saúde de todo mundo . Viemos aqui para dar o recado para cuidarem da
saúde de todo mundo
10- Ter muito cuidado com o aparelhamento dos terreiros. Os terreiros
podem servir de postos de saúde para a população, ter campanha de
vacinação etc. Mas, é obrigação do Estado prover serviços necessários e é
nossa obrigação participar e fiscalizar. Essa é nossa principal tarefa.
Perguntei a Mãe Nalva porque ela se meteu nessa história. Estava com
tempo livre?? Ela me disse que olhou para dentro do terreiro dela e viu
situações desagradáveis de violação de direitos, de pobreza, de
discriminação e ela se dedicou a evitar que essa discriminação e pobreza
afetassem a vida dos seus filhos e filhas da comunidade. Então, convido a
todos e a todas para acompanharem a Mãe Nalva e outros na luta pelo
direito á saúde. Fernanda deu mais algumas tarefas: cobrar o Pacto de
Saúde que de fato deixa a saúde chegar até a população; fiscalizar para ver
se vai chegar e a última, continuar se reunindo para fortalecer essa
cultura, essa tradição que faz com que cada um de nós tenha saúde. Axé.”
José Marmo da Silva, secretário-executivo da Rede Nacional de Religiões
Afro-Brasileiras e Saúde
“Nosso tempo está avançado e acho que cada painel mostrou que temos
muito trabalho para alcançar o SUS que queremos. Temos que ficar
atentos a fiscalização do SUS e na garantia de nossos direitos.
Cada pessoa aqui presente deverá multiplicar essas informações em seus
estados e municípios.
Vamos agora escolher a próxima cidade-sede do VII Seminário Nacional e
logo depois finalizaremos nossos trabalhos com os cânticos de louvor à
vida e à natureza”.
Votação da próxima cidade que sediará o VII Seminário da Rede de
Religiões: Natal, Porto Alegre, São Paulo e Salvador.
José Marmo da Silva
Por que o VII Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde deve
ser realizado em Natal, ou Porto Alegre, ou São Paulo, ou Salvador?
Cada representante dos Núcleos das respectivas cidades fez a defesa de
sua cidade.
Denize Almeida - defendeu a cidade de Salvador
Edilzenira – defendeu a cidade de Natal
Babá Dyba – defendeu a cidade de Porto Alegre
Pai Celso de OXaguiã – defendeu a cidade São Paulo
O público presente votou e a cidade escolhida foi Natal no Rio Grande do
Norte.
Encerramento
Canticos de louvor à vida e à natureza
Programação Cultural: Maracatu e Grupo de Dança Afro
O público do Seminário Nacional
Perfil dos participantes do VI Seminário Nacional Religiões AfroBrasileiras e Saúde
Total de de participantes: 310 pessoas
• distribuição segundo sexo: 135 homens e 175 mulheres
• distribuição segundo cor: apenas 34 participantes consideraramse brancos(auto-classificação)
Número de participantes por áreas de representação conforme fichacadastro:
• religiões de matrizes africanas - 127 pessoas
• profissionais de saúde/SUS - 61 pessoas
• representantes do Ministério da Saúde – 6 pessoas
• cultura – 10 pessoas
• educação – 5 pessoas
• movimento negro- 29 pessoas
• movimento de mulheres – 10 pessoas
• meio ambiente – 1 pessoa
• movimento popular – 2 pessoas
• movimento homossexual – 4 pessoas
• universidades – 19 pessoas
• movimento anemia falciforme – 6 pessoas
• movimento de aids - 6 pessoas
• movimento hanseníase – 2 pessoas
• arte – 4 pessoas
• direitos humanos – 5 pessoas
• juventude – 4 pessoas
• planejamento – 1 pessoa
• comunicação – 5 pessoas
• agência de cooperação internacional - 1 pessoa
• movimento de prostitutas – 1 pessoa
• pastoral da saúde - 1 pessoa
Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
Secretário-executivo: José Marmo da Silva
Contatos: [email protected]
Instituto Ori-Aperê: Psicossomática Psicanalítica
Coordenação: Ângela B. Podkameni e Marco Antonio Guimarães
E-mail: [email protected]
Relatoria: Gilza Melo e José Marmo da Silva
Fotos: Luciana Kamel
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