NOTAS SOBRE TRABALHO EM REDE
Carmem Lussi♦
Roberto Marinucci∗
INTRODUÇÃO
A época atual está sendo caracterizada e moldada por um expressivo desenvolvimento
tecnológico, sobretudo no que se refere aos meios de transportes e comunicação. Hoje é possível
realizar longas viagens em tempos cada vez mais reduzidos e, sobretudo, é possível conversar
com pessoas distantes ou participar de reuniões ou conferências permanecendo na própria
residência, através da web. Enfim, o desenvolvimento tecnológico, em princípio, tem favorecido
os contatos entre os povos, abrindo novos horizontes para a estruturação da vida pessoal e social.
Os processos internacionais produzidos pela globalização, trazem consigo, além da primazia
da economia e dos princípios neoliberais, também amplas chances que podem ser canais e
ferramentas para a construção de possibilidades e recursos abertos a todos, na perspectiva da
“globalização da solidariedade” e da promoção e defesa dos direitos de todos e todas,
independentemente de sua condição sociocultural e administrativa.
Neste contexto, tornou-se cada vez mais comum falar de “trabalho em rede”, enquanto nova
forma de organização das atividades humanas. A simbologia da “rede” é significativa para a
compreensão do conceito: a rede não é apenas a soma de cordas. É uma maneira de entrelaçar as
cordas de tal modo que, juntas, conseguem adquirir potencialidades que ultrapassam as
capacidades individuais de cada uma delas. Em outras palavras, o trabalho em rede, além de ser
uma forma privilegiada para somar forças, é também uma maneira de trabalhar de forma
articulada que permite desdobrar as habilidades dos sujeitos envolvidos, garantindo uma maior
eficácia no trabalho e maior eficiência nos resultados.
A simbologia da rede permite também um olhar sobre os “nós”. Estes são necessários para o
funcionamento do todo. O termo “nó” é definido pelo dicionário de português como
“entrelaçamento de fios”, mas também como “união, vínculo” ou “problema, empecilho”. Os nós
permitem a um conjunto de cordas de se tornarem uma rede. Os nós nascem de um vínculo, de
uma relação, de uma comunicação entre as partes envolvidas. Os nós malfeitos acabam
prejudicando o trabalho do todo, se tornando um empecilho, um problema. Aqui reside o maior
desafio do trabalho em rede: como entrelaçar as cordas? Quais relações, quais vínculos
estabelecer entre as sujeitos envolvidos na rede? Esta reflexão pode trazer luz quanto aos modelos
possíveis de redes. Algumas funcionam como redes horizontais, focalizadas na articulação entre
partes iguais; outras são inter-relações focalizadas em um objetivo comum que contam com uma
unidade especial que desenvolve o papel de centro, que mantém, dinamiza, articula, coordena seu
funcionamento; outro modelo ainda, prevê mais centros, potencialmente de co-coordenação e
fortalecimento do campo de articulação; entre outros modelos.
CARACTERÍSTICAS
É bom elucidar que, ao tratar o tema de um ponto de vista teórico, não existem respostas
definitivas e exaustivas a esta reflexão. O tipo de relação entre as partes envolvidas no trabalho
em rede, deve ser pensado e resolvido caso por caso, implicando todas as realidades interessadas.
♦
Religiosa missionária scalabriniana, missióloga, diretora do CSEM – Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios
de Brasília/DF.
∗
Missiólogo, pesquisador do CSEM – Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios de Brasília/DF e Professor do
Instituto Teológico Open-ISB.
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No entanto, a apresentação mais ampla de algumas características do trabalho em rede pode
auxiliar na compreensão mais aprofundada da questão.
Antes de tudo, com a expressão “Trabalho em rede”, em geral, costuma-se designar um
conjunto diversificado de ações de articulação entre diferentes sujeitos sociais. Essas articulações
podem ser de vários tipos, entre as quais se podem destacar:
- o apoio: a relação de apoio estabelece vínculos extremamente sutis entre os atores
envolvidos; em geral, há um sujeito (ou mais de um) que desenvolve autonomamente e
unilateralmente uma determinada atividade e pede o apoio externo de outros sujeitos que, por
questões de afinidade ou outras razões, têm interesse na realização da mesma. O apoio pode ser
entendido também como simples fornecimento de um determinado serviço ou recurso.
A relação de apoio é comum quando existem dificuldades de comunicação ou interação entre
as partes envolvidas, ou, então, quando a atividade realizada é uma ação específica e peculiar do
sujeito que a promove.
- a parceria: a relação de parceria estabelece vínculos mais profundos entre os sujeitos
envolvidos. Em geral, no planejamento das atividades todos os parceiros são implicados, embora
não necessariamente de forma simétrica. A parceria exige que todos os interlocutores participem
em todas as instâncias do processo no qual são parceiros, sobretudo nos processos decisórios.
Trata-se de um projeto comum, no qual atores diferentes podem desenvolver papéis
diversificados, todavia, a responsabilidade e as metas são partilhadas.
A busca de parcerias – simétricas ou assimétricas - é uma prática muito comum na
organização de eventos ou na realização de atividades que exigem auxílios externos.
- a rede simétrica: na relação de rede os vínculos são ainda mais profundos. Em geral, o
planejamento é realizado em conjunto, estabelecendo objetivos e princípios básicos de ação em
comum. A relação é simétrica, pois exige de todos os sujeitos uma participação ativa de coresponsabilidade. Mesmo mantendo certa flexibilidade, ou seja, uma relativa autonomia das
várias partes, a rede estabelece princípios e critérios gerais de ação que, na medida do possível,
devem ser respeitados por todos, mesmo em projetos e atividades cuja participação local não seja
conjunta.
O trabalho em rede é mais comum em atividades de médio e longo prazo, de ampla
abrangência e que envolvem sujeitos afins espraiados em diferentes lugares geográficos.
- a rede assimétrica: a relação de rede, em alguns casos, exige um centro coordenador ou
articulador, sobretudo quando a abrangência da rede é muito grande, os sujeitos envolvidos muito
distantes e o acesso aos canais de articulação limitado. O princípio da participação ativa coresponsável dos atores sociais continua, mas gerenciado por um “Centro” encarregado de
coordenar as atividades, claramente, sem poder decisório autônomo.
Além dessas quatro formas de organizar o trabalho, existem atividades pontuais, esporádicas,
isoladas que se configuram também como tentativas de estabelecer contatos, relações, articulações
entre sujeitos. Alguns exemplos: a organização de congressos ou outros eventos em que diferentes
atores sociais trocam experiências; a publicação de livros ou revistas que relatam as próprias
atividades; a lista de e-mail ou o sito Internet para a comunicação constante de informações, etc.
Na realidade, essas atividades esporádicas teriam uma eficácia maior se inseridas no contexto e no
planejamento de um trabalho articulado em rede.
VANTAGENS E DESVANTAGENS
Quais as vantagens e as desvantagens do trabalho em rede?
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O trabalho em rede, nas modalidades acima apresentadas, pode ter a vantagem de tornar o
trabalho:
- mais qualificado, enquanto canaliza competências e diversidades que convergem na
mesma direção, mirando ao alcance de um objetivo. A qualificação do trabalho deriva também do
fato que a rede é sempre enriquecedora também pela multiplicação de perspectivas, no
conhecimento das realidades, na sua interpretação e na visão das ações e dos processos a serem
ativados, caso por caso.
- mais eficaz, enquanto valoriza etapas e investimentos realizados em circunstâncias
similares ou afins, em outros lugares e por outras disciplinas e/ou atores. A eficácia das redes se
manifesta também na convergência, que aumenta as possibilidades de alcance dos objetivos.
- mais abrangente, porque o limite de recursos, de alcance geográfico e temático, de
resultado na relação trabalho-e-tempo, se não é superado, ao menos é limitado em suas
conseqüências pelo trabalho em rede, porque a articulação ou coordenação otimiza o investimento
e os resultados.
Por outro lado, existem também riscos ou resistências ao trabalho em rede provocados por
diferentes fatores, nem sempre inerente intrinsecamente à metodologia e ao contexto do trabalho
em rede. Entre estes se podem sublinhar: a falta de consciência em relação à importância de
trabalhar em rede em certos ambientes, a justaposição que normalmente acontece entre o novo
trabalho em rede e a precedente situação de vivência e trabalho, às vezes já acumulados, a
dificuldade da compreensão do significado e das vantagens do trabalho participativo, entendido
como contraposição à qualidade de investimento localizado e micro-contextualizado. Pode-se
destacar ainda: limites de conhecimentos e competências nas disciplinas e nas ferramentas que
atualmente já são pré-requisitos para o trabalho em rede, como o uso de Internet.
A experiência de trabalho em rede já mostrou a existência de algumas dificuldades que lhe
são típicas, tais como o desânimo pela não visibilidade dos ganhos e das vantagens por parte dos
sujeitos que a compõem, a falta de clareza em relação aos objetivos que justificam o investimento
que a rede exige por parte de seus membros, a falta de tecnologia suficiente (computadores,
Internet etc.) para o desenvolvimento dos processos desejados ou planejados, e, em particular, as
metamorfoses pelas quais toda rede normalmente está sujeita, sobretudo aquelas relacionadas à
quantidade de trabalho e à complexidade da gestão da mesma. Uma das maiores dificuldades que
a articulação em rede já revelou, de fato, é o envolvimento e a quantidade de investimento em
uma rede, em todos os sentidos, tende a se multiplicar em ritmos mais acelerados que o da
possibilidade de correspondente aumento de recursos humanos e materiais implicados.
A realidade migratória e a dimensão da comunhão eclesial sugerem, enfim, uma leitura mais
abrangente de uma dificuldade basilar na perspectiva do trabalho em rede, que é potencialmente
uma possibilidade fecunda; a saber, o desinteresse que pode ser ocasião de renovar e diversificar
motivações para o compromisso, e a espiritualidade de comunhão que inclui a reciprocidade e
cumplicidade na realização da missão, a qual por sua vez se renova e se alimenta constantemente
na ação e na mística de quantos a compõem.
Brasília, 30 de abril de 2007.
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