brasil :: o independente :: pg 3 jornal do CMI Floripa | número dois | janeiro 2005 nBIOTECNOLOGIA Governo libera soja transgênica por mais um ano Não conseguindo aprovar o Projeto de Lei de Biossegurança no Congresso, o Governo Federal recorreu novamente à uma medida provisória e liberou pela terceira vez o plantio de soja transgênica, que já ocupa 22,4% da produção do gênero no Brasil. A Medida Provisória (MP) 223 foi sancionada no dia 12 de janeiro e publicada no Diário Oficial da União no dia 13. Ela regulamenta o plantio e comercialização da soja geneticamente modificada entre 31 de dezembro de 2004 e 31 de janeiro de 2006, podendo o prazo ser prorrogado por até 180 dias. A MP 223 não exige a realização de um Estudo de Impacto AmO quê isso tem de tão polêmico? Um organismo é considerado transgênico quando misturam a ele genes de outras espécies. Essa técnica foi apelidada de “recortar e colar” e desenvolve novas características nos organismos. Hoje é praticada com mais intensidade na agricultura com o fim de criar alimentos que resistam a herbicidas, pragas e ao clima. Existem duas formas de criar alimentos transgênicos. Na primeira, recolhe-se um fragmento do DNA de um organismo e mistura-se com o fragmento de DNA de alguma outra espécie. Depois, esse novo fragmento é inserido na planta, atuando como o “transportador” das características dos DNAs. A outra técnica parece ser mais simples. Ao invés de juntar DNAs de dois organismos, coloca-se o gene diretamente na planta. Esse gene vai se adaptar ao DNA gerando uma planta com novas características. Mas um fato é omitido. Durante esse processo de mutação, ocorre uma reação química de conseqüências desconhecidas. Isso significa que não há certeza sobre os resultados da transformação de alimento convencional para transgênico. Uma indústria japonesa, Showa Denko, utilizou um organismo geneticamente modificado em um suplemento alimentar e acabou criando uma toxina letal que matou 35 pessoas e deixou outras 1.500 permanentemente lesadas. Meio ambiente ameaçado A diversidade de sementes também está em risco. A campanha pela liberação dos transgênicos, financiada pelas empresas transnacionais que os produzem, dizia que camarada d. biental para averiguar os possíveis riscos para a saúde e meio ambiente. O texto também retira a responsabilidade das empresas que produzem a soja geneticamente modificada, obrigando apenas os/as produtores/as assinarem o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta. Não bastasse isso, o Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, demitiu a diretoria da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no dia 20 de janeiro. Rodrigues deu a entender que a Embrapa não se posicionou ao lado do governo durante a campanha de liberação dos transgênicos e que a nova equipe deve se alinhar às políticas da agricultura de exportação. Dessa forma, o Governo Federal confirma sua disposição em defender o grande mercado do agronegócio, marginalizando a agricultura familiar, passo fundamental para a consolidação das safras transgênicas. as plantações seriam mais econômicas, pois as sementes seriam mais resistentes a certos herbicidas. Mas na prática elas desenvolvem imunidade, exigindo doses mais fortes, prejudicando mais o meio ambiente e levando a uma uniformização das sementes, que terão cada vez mais as mesmas características. E mais: o órgão estadunidense que faz os testes nos organismos geneticamente modificados só tem acesso a dados que as próprias transnacionais cedem. Como confiar nisso? provenientes de animais alimentados com ração transgênica. No rótulo deve vir, também, a espécie doadora do gene. Mas até agora, poucos alimentos foram vistos com a rotulagem nos supermercados. O Ministério da Agricultura, que deve fiscalizar o processo no campo, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, responsável pela fiscalização nos supermercados, não estão fazendo grandes esforços. a escassez de alimentos, mas a má distribuição de riqueza produzida. De acordo com a Organização para Agricultura e Alimentação, órgão ligado a ONU, existem 826 milhões de pessoas que chegaram ao nível mais elevado de fome enquanto 32% da produção de alimentos cresceu nos últimos anos. Rotulagem No dia 24 de abril de 2004, o presidente Luis Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº 4.680. O documento diz que todo e qualquer alimento que contenha mais de 1% de organismos geneticamente modificados devem trazer essa informação em um rótulo destacado, para que consumidores/as possam decidir se querem ou não consumí-lo. Vale para produtos embalados, vendidos a granel e in natura. Também para alimentos A fome mundial como uma desculpa Outro mito utilizado para legimitar o mercado dos transgênicos é o aumento de produção dos alimentos, que supostamente resolveria o problema da fome. Não precisa ser nenhum economista pra saber que a causa da miséria não é :: camarada d. é mebro do coletivo editorial deste jornal e do CMI Floripa [email protected] →após receber um guia de orientação ao consumidor, de ativistas do Greenpeace, funcionária da Kellogs instrui seu colega de trabalho: TODOS os cereais “originais” da marca podem conter transgênicos. http://www.greenpeace.org.br/tour2004_ogm/guia_consumidor.php vídeos em: http://www.midiaindependente.org/pt/red/2004/06/283862.shtml http://brasil.indymedia.org/pt/red/2004/07/287455.shtml http://www.midiaindependente.org/pt/blue//2003/11/267834.shtml “monsanto veicula propaganda enganosa sobre transgênicos”: http://www.midiaindependente.org/pt/blue//2003/12/270737.shtml O processo de liberação dos transgênicos no Brasil Desde que Lula assumiu a presidência, em janeiro de 2003, não cumpriu nada do que disse em sua campanha eleitoral no que diz respeito ao cultivo de transgênicos. Prometeu que se realizariam Estudos de Impacto Ambiental, toxicológicos e sócio-econômicos, reprimiria os cultivos clandestinos e ilegais e proporcionaria informação plena ao consumidor. Frente às 4 milhões de toneladas de soja transgênica colhida durante o mês de março de 2003, o governo Lula, com a desculpa de solucionar uma “situação dada”, adaptou pouco a pouco a lei através de Medidas Provisórias (MPs), desencadeando o processo de liberação de organismos geneticamente modificados (OGMs). Estas MPs, chamadas durante a ditadura de Decretos de Lei, são simplesmente uma manobra do poder executivo para criar leis que passem por cima do legislativo. O cultivo de soja transgênica no Brasil estava proibido por uma sentença da Justiça Federal de junho de 1999. Apesar dela, há muito tempo, o contrabando de sementes da Argentina e Paraguai e os cultivos ilegais eram tolerados. Um mês de governo do PT. Em fevereiro, começou um “pânico midiático” por causa da existência de cultivos de soja transgênica no país. Os meios de comunicação apresentaram a liberação da soja transgênica como única solução frente a crise econômica que provocaria sua proibição. Os dados apresentados pelo governo sobre o nível de contaminação da safra de soja foram contraditórios e nunca se informou a fonte. O Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, falou em 8% da safra nacional (que representam 4 milhões de toneladas) e outros membros do governo estimaram 30% (15 milhões de toneladas). O aumento dos cultivos clandestinos e ilegais, a pressão da mídia, dos grupos pró-transgênicos e a postura tolerante do governo indicavam uma possível liberação da soja transgênica que estava sendo colhida. Frente a isso, em março de 2003, 85 organizações brasileiras se reuniram em Brasilília no seminário “Ameaça dos transgênicos: maria carrascosa propostas da sociedade civil.” As informações recolhidas por estas entidades, que incluem grupos vinculados a agroecologia, defesa dos direitos do consumidor e a maior parte das organizações de produtores familiares do país, indicam que a soja contaminada não está tão amplamente difundida como o governo insinua. A soja transgênica da Monsanto, empresa transnacional responsável pela maior parte da produção das sementes transgênicas, foi desenvolvida para ser cultivada em condições específicas e no Brasil só poderia ser produzida no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. A produção poderia ser isolada facilmente. Assim, o governo teria que lidar com 9 milhões de toneladas de soja contaminada (18% da produção total), concentrada no Rio Grande do Sul e uma menor escala no Mato Grosso do Sul, que não pode ser vendida no Brasil legalmente. As 85 entidades reunidas no seminário propuseram ao governo, como solução paliativa e in- suficiente, a exportação excepcional da safra contaminada e a adoção de uma série de medidas para impedir o cultivo ilegal. No dia 26 de março o governo aprovou a MP 113, que liberava a comercialização da safra de soja de 2003 contaminada com transgênicos, no mercado interno e para exportação. Segundo esta medida, a soja poderia ser ser vendida como grão ou transformada até o dia 31 de janeiro de 2004, sendo proibida sua utilização e comercialização como semente. Depois de 6 meses de pressões e promessas de mudança por parte do governo, no dia 25 de setembro se aprovou a MP 131, que regulava o cultivo e o comércio da soja transgênica da safra passada (2003/2004), permitindo unicamente o uso de grãos guardados da safra anterior para uso próprio como semente no cultivo daquele ano. A MP 131 desobedeceu a decisão judicial que restringiu o cultivo de soja transgênica, já que a MP 113 claramente proibiu o plantio de OGMs, e reforçou a posição daqueles que defendem os interesses das multinacionais da biotecnologia. A Monsanto, por sua vez, não deixa de aproveitar as oportunidades que lhe brindam e exige o pagamento de royalties. Nesse momento, está negociando com os agricultores, mas já avisou que a outra opção é cobrar diretamente do governo já que não realizou controle para impedir o uso de sua tecnologia. Embora alguns governos estaduais adotarem posições claras proibindo o cultivo de transgênicos (o Paraná pede que o Governo reconheça o Estado como área livre de transgênicos), a política do Governo Federal continua na direção da liberação total dos transgênicos. :: Maria Carrascosa é agrônoma e membro do CMI Biotech http://biotech.indymedia.org (copyleft) é livre e estimulada a reprodução do conteúdo deste jornal desde que não seja para fins comerciais, que a fonte [autor + cmi] seja citada e esta nota incluída | www.midiaindependente.org