Por mais redes e menos paredes no ensino superior Por Marcio Gonçalves Doutor em Ciência da Informação Resumo Busca desenvolver argumentos que justifiquem pensar o ensino superior além da sala de aula tradicional. Contextualiza o atual cenário da modernidade e apresenta as perspectivas futuras da educação diante do pensamento proposto, principalmente, por Edgar Morin. Mostra-se que professores e instituições de ensino devem estar alertas de como é possível transformar o ensino para que ele se torne mais atraente para os públicos que buscam o aprendizado em rede. Introdução O relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, publicado no Brasil, em 1998, sob o título “Educação: um tesouro a descobrir”, é, sem dúvida, uma obra que merece ser lida e discutida por professores dos diversos níveis escolares. O documento, entretanto, menciona a palavra “sala de aula” apenas em 3 passagens ao longo da obra. Uma delas, porém, é a única que ainda faz jus àquele lugar cercado por quatro paredes em que ficam trancados um professor e a turma para que lá aconteça uma aula sobre determinado tema. Destaca-se no relatório a necessidade do professor estar sempre antenado com as tendências do mundo: devem começar a admitir que a sua formação inicial não lhes basta para o resto da vida. Precisam se atualizar e aperfeiçoar os seus conhecimentos e técnicas ao longo de toda a vida. “A formação de professores deve, por outro lado, inculcar-lhes uma concepção de pedagogia que transcende o utilitário e estimule a capacidade de questionar, a interação, a análise de diferentes hipóteses”, destaca o documento. Uma das finalidades essenciais da formação de professores, quer inicial quer contínua, é desenvolver neles as qualidades de ordem ética, intelectual e afetiva que a sociedade espera deles de modo a poderem em seguida cultivar nos seus alunos o mesmo leque de qualidades. (UNESCO, 1998, p. 161-162). Desperta-se, nesse sentido, uma pergunta diante desses fatos: na educação do século XXI a sala de aula deixa de estar diretamente ligada à atividade de ensino e ao professor? Ainda sem resposta nesse parágrafo, fica um convite ao leitor que prosseguir nessa leitura: faz sentido pensar o professor em sala de aula como um indivíduo que detém o argumento da autoridade sem permitir que se pense uma forma de valorizar a autoridade do argumento? É hora de (re)ler a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96) e vê-la com outros olhos? À convite da UNESCO, que à época buscava aprofundar a visão transdisciplinar da educação, o sociólogo francês Edgard Morin é convidado a escrever sobre a educação do amanhã. Em 2000, no Brasil, sob o título de “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, Morin enuncia sete pontos: as cegueiras do conhecimento; os princípios do conhecimento pertinente; o ensino da condição humana; o ensino da identidade terrena; o enfrentamento das incertezas; o ensino da compreensão e ética do gênero humano. Como anunciado na apresentação à edição brasileira dessa obra por Jorge Werthein, à época representante da UNESCO no País, esses sete saberes dizem respeito aos “sete buracos negros da educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos”. Não devem, porém, ser entendidos como um credo, mas, sim, como inspirações que motivariam o educador a repensar seu papel na relação com os currículos, com as disciplinas e com a avaliação. O que os pontos estabelecidos pelo pesquisador francês, afinal, têm a ver com o que esse ensaio busca, que é o de pensar a educação com menos paredes e mais redes? Universidade: lugar de desafios diante da educação de hoje Levando-se em consideração que o aluno está dentro da universidade em busca de uma formação profissional capaz de assegurar-lhe empregabilidade ao longo de sua vida acadêmica e após a mesma, a educação de hoje, estabelecida por currículos diferentes de uma universidade para outra, consegue acompanhar as transformações do capitalismo, da sociedade da informação e em rede? É a partir desses pontos que Morin, em certo sentido, pensa estabelecer, como fio condutor das transformações do ensino, uma proposta de indicar saberes fundamentais à sociedade pertencente a uma esfera pública interconectada. Um novo professor, assim como um novo aluno, surge nesse cenário em que a modernidade apresentada por Bauman destaca que o capitalismo pesado, no estilo à época de Henry Ford, “era o mundo dos que ditavam as leis, dos projetistas de rotinas e dos supervisores; o mundo de homens e mulheres dirigidos por outros, buscando fins determinados por outros, do modo determinado por outros”. Na modernidade líquida apresentada por Bauman, esse capitalismo era também o “mundo das autoridades: de líderes que sabiam mais e de professores que ensinavam a proceder melhor”. No capitalismo leve, amigável com o consumidor, as autoridades que ditam as leis não são abolidas e nem dispensáveis. Elas, na verdade, dão lugar e permitem que coexistam autoridades em número tão grande que nenhuma poderia se manter por muito tempo e menos ainda atingir a posição de exclusividade (BAUMAN, 2001, p. 83). É o mundo líquidomoderno em que a solidez das coisas, assim como a solidez dos vínculos, é vista como uma ameaça. Bauman, então, indaga que em todas as épocas o conhecimento foi avaliado com base em sua capacidade de representar fielmente o mundo. “Mas como fazer quando o mundo muda de uma forma que desafia constantemente a verdade do saber existente, pegando de surpresa até os mais “bem-informados”? (BAUMAN, 2010, p. 40; 43). Nas palavras de Marazzi (2009, p. 17), a comunicação é a característica mais posta em evidência para se explicar essa transformação socioeconômica e política do pós-fordismo. É a comunicação que deve estar no centro da inovação tecnológico-produtiva. Em expressões provenientes do universo filosófico, a base das transformações radicais do modo de produção pós-fordista se encontra a sobreposição entre agir instrumental e agir comunicativo, conforme postulado por Habermas (1991). “O agir comunicativo e o instrumental não podem coincidir apenas na vertente da produção de bens e de serviços, mas devem também aparecer no campo da reprodução das relações sociais, da distribuição coletiva do salário e do saber” (MARAZZI, 2009, p.108) À respeito da universidade vale destacar o que Sibilia (2012, p. 33) considera como conceito de universidade. Para essa autora, universidade é um templo do saber que nunca necessitou da infância para funcionar e cuja estirpe, talvez por isso, precede amplamente a genealogia escolar, não só no mundo ocidental, mas também em várias culturas orientais, como a chinesa e a árabe. “Na vertente europeia, seus vínculos com os conventos e as catedrais são evidentes até na arquitetura dos claustros mais tradicionais, por exemplo”. Destaca-se, nesse contexto, rever o que está por detrás do curioso vocábulo aluno. Sibilia (2012, p. 22-23) relembra que alguns o associam à falta de luz e à conseguinte necessidade de ser iluminado, enquanto outros estudiosos da língua sublinham a ideia de nutrição, segundo o qual o aluno seria aquele que deve ser alimentado para poder crescer. Mas deve-se levar em consideração que esse aluno de hoje deve ser aquele já apresentado por Antipoff apud Pinto lá em 1949: o aluno como sujeito produtor de conhecimento e não consumidor de informações (PINTO, p. 89-89). O futuro da educação em meio à educação do futuro: desafios dos 7 saberes Em relação às cegueiras do conhecimento faz-se necessário perceber que a transmissão de conhecimentos é cega ao que é conhecimento humano, seus dispositivos, enfermidades, dificuldades, tendências ao erro e à ilusão. Morin indica ser necessário introduzir e desenvolver na educação o estudo das características cerebrais, mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais que o conduzem ao erro e à ilusão. É preciso integrar os erros nas concepções para que o conhecimento avance. Como princípios do conhecimento pertinente, Morin exalta a necessidade de se ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo. Para ele, a supremacia do conhecimento fragmentado de acordo com as disciplinas impede frequentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade. Deve, portanto, ser substituída por um modo de conhecimento capaz de aprender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto. A ideia é contra a fragmentação das disciplinas e rearticulá-las para que se tornem integradas. Ensinar a condição humana dever ser o objeto essencial de todo o ensino, afirma Morin. Para o sociólogo, o ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Com base nas disciplinas atuais, ao reconhecer a unidade e a complexidade humanas, é possível reunir e organizar conhecimentos dispersos nas ciências da natureza, nas ciências humanas, na literatura e na filosofia. Para o francês, ensinar a identidade terrena convém ensinar a história da era planetária, que se inicia com o estabelecimento da comunicação entre todos os continentes no século XVI, e mostrar como todas as partes do mundo se tornaram solidárias, sem, contudo, ocultar as opressões e a dominação que devastaram a humanidade e que ainda não desapareceram. A ideia está ligada à sustentabilidade. Enfrentar as incertezas também está na pauta dos saberes necessários à educação do futuro. É preciso ensinar princípios de estratégia que permitam enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza, e modificar seu desenvolvimento, em virtude das informações adquiridas ao longo do tempo. Morin destaca que é “preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certeza”. É preciso ensinar que o conhecimento científico nunca é absoluto de certeza. A compreensão é a um só tempo meio e fim da comunicação humana. A educação para a compreensão, entretanto, está ausente do ensino. Considerando a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão pede a reforma das mentalidades. Esta deve ser a obra para a educação do futuro. A compreensão mútua entre os seres humanos, quer próximos, quer estranhos, é daqui para a frente vital para que as relações humanas saiam de seu estado bárbaro de incompreensão. A comunicação humana dever ser voltada para a compreensão. Como sétimo saber está a ética do gênero humano. A ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo e do indivíduo pela sociedade, ou seja, a democracia. Esboçam-se duas grandes finalidades ético-políticas do novo milênio: estabelecer uma relação controle mútuo entre a sociedade e os indivíduos pela democracia e conceber a humanidade como comunidade planetária. Esses 7 saberes, portanto, na vida prática de uma instituição, merecem atenção para a reforma de currículos mais criativos e interdisciplinares. Um novo tipo de professor, portanto, surge nesse cenário para ser capaz de acompanhar as mudanças propostas. Não é mais possível que o conhecimento fique entre os muros da universidade. Professor e aluno devem atuar na complementaridade do acesso e do compartilhamento de informação e de conhecimento. As mudanças estruturais, que são impossíveis de fugir, merecem ser acompanhadas de uma transformação das mentalidades que o admirável mundo novo da tecnologia exige: valorização do saber compartilhado, da cognição, da linguagem e da comunicação. Muros derrubados, visões ampliadas Sibilia explica a função básica da instituição escolar desde os primórdios: “humanizar o animal da nossa espécie, disciplinando-o para modernizá-lo e, desse modo, iniciar a evolução capaz de convertê-lo num bom cidadão”. Para a pesquisadora, a educação formal constituiu um importante braço armado do Iluminismo: além de desenvolver seus ímpetos modernizantes e secularizadores, libertando o soberano das trevas da ignorância. Acabou, também, sendo um forte movimento de uniformização cultural, capaz de desqualificar e asfixiar sob sua hegemonia racionalista todas as (muitas) manifestações consideradas inferiores. Por mais redes e menos paredes, entende-se, portanto, o estudo da ética na internet, a discussão sobre o estudo das estratégias de ensino e de aprendizagem no ciberespaço, o uso da tecnologia como ferramenta de (co)criação na escrita e na aprendizagem colaborativa e a contribuição dos jogos digitais nos processos de aprendizagem dentro e fora da sala de aula. Essa (nova) mídia internet, quando usada como ferramenta pedagógica, contribui para o bom uso da leitura do hipertexto digital a fins de pesquisa, investe em uma democratização e construção da autonomia do aluno no ensino a distância, valoriza as interações por meio de plataformas digitais móveis, a reflexão sobre as identidades culturais que surgem nas mídias sociais e a automação de exercícios para fixação. Professor e aluno devem compreender que o conhecimento tácito de um complementa a habilidade técnica do outro e, tudo isso, sem determinante da ordenação desses vetores. Teoria e prática devem contribuir para o entendimento dessas novas questões. Pesquisa empírica e reflexão garantem crescimento da ciência por meio de um olhar científico em que o empiricismo do aluno merece casar com o conhecimento prévio de professores. Conclusão Quando alunos e professores estão conectados, repensa-se a autonomia, a autoria e a colaboração em rede. Diante do argumento da autoridade o mundo caminha para que se pense a autoridade do argumento. Em rede é possível que as plataformas digitais móveis joguem a favor da valorização do ensino, pois as fontes de pesquisa podem ser mais facilmente consultadas e, com isso, caminha-se para uma popularização do acesso ao conhecimento com o uso de recursos educacionais abertos. A autonomia do aluno ganha força com o professor como mediador e, assim, faz-se jus ao aluno com capacidade de produzir conhecimento sob a orientação de professores capazes de entender que pode ser levado em conta a autoridade do argumento. Professores capazes de ouvir e de saber valorizar a participação do aluno dentro e fora da sala de aula ganham apreço dos alunos porque os entendem como motivadores do processo moderno de ensinoaprendizagem. Gabriel (2013, p. 208-226), por exemplo, alerta que “as mídias digitais transcendem os limites físicos de paredes e geográficos de locais, ampliando o alcance das instituições de ensino”. Gabriel cita como exemplos as iniciativas dos Massive Open On-Line Courses (MOOCs), que permitem aos interessados de qualquer lugar do planeta se inscreverem para frequentarem cursos on-line. Desse modo, as instituições não ficam mais restritas às instalações físicas. É preciso ficar alerta de como a realidade aumentada, o audiovisual, os mundos virtuais 3D, as plataformas móveis e os jogos digitais contribuem para a extensão do ensino. Como essas tecnologias surgem a cada dia, a postura de professor e de aluno deve ser a de encarar as novidades de forma que essas práticas sejam levadas em conjunto com grupos de pesquisa e na coletividade. O professor dever ser capaz de instigar o senso crítico e de interpretação dessas novas formas de produção. Vozes a discutir, no mais genuíno sentido comunicativo proposto pelo sociólogo e filósofo alemão Jürgen Habermas, o hoje e o amanhã da educação e do ensino no país, são convocadas. Sabe-se que o desafio da mudança para um ensino mais atraente, integrado, interdisciplinar é proposto a professores, diretores de escola, reitores, pesquisadores, pais e a todos aqueles que pensam em um ensino menos opressor e mais compartilhado entre os que pensam promover um mundo melhor. Faz-se necessário abrir um espaço de negociação quando se pensa em educação para o futuro. Como já fora lembrado por Sutil; Bortoletto e Carvalho (2009), em um trabalho que articula a ação dialógica e comunicativa com professores de Física, é preciso por em prática uma concepção de formação delineada nos pressupostos da ação dialógica na perspectiva dos estudos de Paulo Freire. Ao mesmo tempo, entra em campo a ação comunicativa de Habermas, associado com uma perspectiva de negociações. Para as autoras negociação é aspecto manipulativo ou democrático e pode ser encarado como fundamento de formação ou de opressão – possibilidades diversas de compreensão de tais processos. Quando em ação dialógica e comunicativa, negociar se associa a formar e transformar. A negociação busca a formação de cultura, de sociedade e de personalidade em âmbito coletivo e democrático, pois traduz a realidade como espaço e tempo de possibilidades. Negociação, portanto, é um processo colaborativo, crítico e criativo de resolução de conflitos e construção/reconstrução de acordos com respeito às diferenças dos sujeitos envolvidos e que serve à libertação e humanização. Por fim, que a mensagem de Jesus Martín-Barbero (2013, p. 121), publicada em A comunicação na educação, seja percebida pelos governos e pedagogos: “a educação já não é mais concebível a partir de um modelo de comunicação escolar que se encontra ultrapassado tanto espacial como temporalmente por processos de formação correspondentes a uma era informacional na qual “a idade para aprender são todas””. Para Martín-Barbero o lugar para estudar pode ser qualquer um: “uma fábrica, uma casa para idosos, uma empresa, um hospital, os grandes e pequenos meios, e especialmente, a internet”. A escola da vida, desse jeito, parece mais interessante que a tradicional. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar: 2010. COLEÇÃO GRANDES Educadores: Edgar Morin. Apresentação de Edgard de Assis Carvalho e participação especial de Edgard Morin. São Paulo: ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO: PAULUS, 2006. 1 DVD. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. GABRIEL, Martha. Educ@r: a (r)evolução digital na educação. São Paulo: Saraiva, 2013. HABERMAS, Jürgen. Comentários à Ética do Discurso. Tradução: Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Instituto Piaget, 1991. MARTÍN-BARBERO, Jesús. A comunicação na educação. São Paulo: Contexto, 2014. MORIN, Edgard. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2.ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2000. PINTO, Helder de Moraes. A invenção da professora ruralista nas políticas públicas do estado de Minas Gerais, no fim da década de 1940. In: CASTRO, Magali de; MAFRA, Leila de Alvarenga (org.). A pesquisa sobre a profissão docente: desafios e perspectivas. Curitiba, PR: CRV, 2010. SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. SUTIL, Noemi; BORTOLETTO, Adriana; CARVALHO, Maria Orquiza. Ação dialógica e comunicativa: a formação de professores de física sob a perspectiva das negociações. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 7., 2009, Florianópolis. Anais ... Florianópolis: UFSC, 2009. UNESCO. Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez; Brasília, DF, MEC, UNESCO, 1998.