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– Eu não sei.
Ele sabe que tinha tentado outras coisas antes
de ir. Derrubara paredes (mudou a sede da fábrica), árvores (reformou a casa), tecido adiposo (patrocinou a
plástica da esposa), mas não podia ludibriar a mesmice
dos dias. Na modorra de um domingo, separou revistas
para recortar. Escolheu rostos de atrizes, congressistas,
até de animais, que começou a colar com fita adesiva
em cima da imagem que lhe respondia o espelho pela
manhã. O que Giulietta Masina faria, quando, ao sair
por essa porta, ouvisse o filho do meio fazendo manha
para cortar as unhas? Que emoção Milarepa, o iogue
tibetano, teria ao encontrar Meacyr, o contínuo manco, mais uma vez segurando o mostruário de azulejos
com os dedos sujos de bolo doce?
Yazgim sorria, talvez de nervoso.
Por quantos anos assistiria, como lobos à lua,
ao crepúsculo repetido da mesma pergunta: Quem
eu sou?
Aprendera a lição quando viu a mulher de Zhelaniea com o megafone e sentiu a mesma culpa entediada que o invadira mais cedo, ao sair do novo apartamento, no instante em que a nova esposa reclamou,
fazendo charme, que Yazgim nunca mais lhe chamara
“a minha bonequinha”. Novo apartamento, nova esposa, velha culpa entediada. Mesmo longe, em um lugar
diferente, Yazgim tinha repetido o mesmo padrão de
existência. Ele precisava mudar por dentro.
De fato, voltando para Zhelaniea, Yazgim conseguiu evitar várias emoções viciadas e manias antigas.
Não era mais colérico, não tinha medo de ficar sem
dinheiro, não implicava com o corpo mole dos subordinados, evitava exagerar no sal. Comportava-se agora
de forma diferente e considerou isso uma grande vitória, a ser comemorada em comunidade com damascos
translúcidos, churrasco de ovelha, queijos malcheirosos, taças de vinho para esvaziar os dramas de todos.
Seus colegas, amigos e parentes, porém, não
conseguiam aceitar essa transformação e o colocavam
de volta no lugar anterior. Faziam piadas sobre o antigo gênio de Yazgim e serviam-lhe bacalhau sem dessalgar. Nem se esqueciam de sua fuga frustrada. Até
hoje a esposa falava, com orgulho:
– E ele estava casado com uma mulher igualzinha a mim.
Yazgim compreendeu que para se transformar
e continuar vivendo em família, todos teriam de se
transformar. Mas como ela era unida e numerosa, e a
vida, longa, ele mais uma vez foi embora.
Desta vez, tentou se explicar o melhor que pôde
para o máximo de pessoas e garantiu uma pensão para
os filhos e a mulher. Redigiu uma carta para ser lida com
desconcerto no aniversário da menina, de duração de
doze laudas. Como tinha mudado, quase não lamentou
a incompreensão geral, até que reagissem muito mal,
falassem que ele era ingrato e incapaz de aguentar o
peso do amor. Yazgim avisou que talvez não voltasse a
procurá-los. Seria melhor, para todos, esquecerem-no.
Que recortassem as memórias com tesourinha de plástico. Doassem os discos assinados na capa, incendiassem as fotografias em que um menino de touca listrada
brinca de cavalinho sobre os ombros do pai, na piscina.
Mas como ele não deu notícias e ninguém o vira
no dia do sumiço, levantaram-se outras possibilidades.
Andavam muito incomodados com Yazgim. Seu nome
voltou à lista de desaparecidos de Zhelaniea.
Muitos anos depois, a filha do meio voltou de
uma viagem dizendo que havia achado o pai. Ela era
agente de turismo e tinha fotografado o Monte Meru
e a Torre Eiffel, conhecido dromedários, búlgaros, pigmeus, índios Krenak e islandeses, barganhado até a
exaustão um bracelete de esmeraldas no Grande Bazar
de Istambul. Encontrou o pai, no entanto, a mil quilômetros da cidade natal.
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– Eu não sei. Ele sabe que tinha tentado outras coisas