LITERAFRO - www.letras.ufmg.br/literafro
Alzira dos Santos Rufino
Textos selecionados
RESISTO
De onde vem este medo?
sou
sem mistério existo
busco gestos
de parecer
atando os feitos
que me contam
grito
de onde vem
esta vergonha
sobre mim?
Eu, mulher, negra,
RESISTO.
(Eu, mulher negra, resisto, p. 14)
****
levante
nêgo chorará não
não chorará não
vão te pôr
para fazer esse chão
sei que teu mundo
é de guerra
nêgo bonito
tu não sabes
que força odara
tu tens de obá
teus pés amarrados
correntes de safado
qué te segurá
(Eu, mulher negra, resisto, p. 20)
****
Tempo presente gera
negros gera
brancos
e a convivência
com a vida
mistura sono com
LITERAFRO - www.letras.ufmg.br/literafro
luta
os seres fazem a divisão
diferença geográfica
mudam a língua
cultuam a racionalidade
da máquina
repartem a nossa cultura
esquecem nossos líderes
símbolos mortos
nascem negros
formam trincheiras
crescem em sonhos
trocando lágrimas
aventuras guerreiras
loucos que perguntam
o significado das palavras
“é inútil resistir”
APARTHEID
(Eu, mulher negra, resisto, p. 26)
****
BRASIL PALMARES
Rostos com a imensidão do mar
sem pingos de desespero
negros
não mais fujões
libertam seu nome
recém-nascido
como árvore brotando flores
flores grávidas de frutos
sem cheiro de noite gemida
no peito movimento de força
e o sol fazendo a mistura
com a chama de Zumbi.
(Eu, mulher negra, resisto, p. 43)
****
escrita
paixão se revelando
paixão nas mãos
minha face meio pedra
a perda não foi perder
LITERAFRO - www.letras.ufmg.br/literafro
pedras
horas mortas
dor nos olhos
e no cansaço
ternura na minha mão
resiste
o silêncio que corri
os nomes que escrevi
na pele brusca do medo
quantas vezes tropecei
(Eu, mulher negra, resisto, p. 70)
****
ladainha
vamos lá
não pra ver o que é que dá
vamos lá pra virar
não são milhas pra partir
são encruzilhadas
barricadas
pra proteger e curar
essas feridas que sangram
cicatrizes que ficam
marcas que reivindicam
um grito de verdade
(Eu, mulher negra, resisto, p. 85)
****
não
não sei se tirei a couraça
não sei se rolei na cachaça
não sei se curei a ferida
pois não suporto a ausência
quando os outros dizem não
só sei que é violência
essa marca rotulada
essa coisa velada
não
minha vida diz não
(Eu, mulher negra, resisto, p.87)
Download

Textos