UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado em Design Design e vida: uma perspectiva sobre uma evolução Realizado por: Maria Azevedo Mendes Albuquerque Passos Orientado por: Prof. Doutor Alcino Baptista Ferreira Constituição do Júri: Presidente: Orientador: Arguente: Prof. Doutor Luís Manuel Aguiar de Morais Teixeira Prof. Doutor Alcino Baptista Ferreira Prof.ª Doutora Arqt.ª Maria João dos Reis Moreira Soares Dissertação aprovada em: 19 de Março de 2010 Lisboa 2009 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado em Design Design e vida: uma perspectiva sobre a evolução Maria Azevedo Mendes Albuquerque Passos Lisboa 2009 Maria Azevedo Albuquerque Passos Design e vida: uma perspectiva sobre a evolução Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa, para obtenção do grau de Mestre em Design. Orientador: Prof. Doutor Alcino Baptista Ferreira Lisboa 2009 Ficha Técnica Autora Orientador Maria Azevedo Albuquerque Passos Prof. Doutor Alcino Baptista Ferreira Título Design e vida: uma perspectiva sobre a evolução Local Lisboa Ano 2009 Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação PASSOS, Maria Azevedo Albuquerque, 1982Design e vida : uma perspectiva sobre a evolução / Maria Azevedo Albuquerque Passos ; orientado por Alcino Baptista Ferreira. - Lisboa : [s.n.], 2009. - Dissertação de Mestrado em Design, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I – FERREIRA, Alcino Baptista, 1942LCSH 1. Design - Aspectos Antropológicos 2. Design - Técnica 3. Design - Filosofia 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 5. Teses – Portugal - Lisboa 1. Design - Anthropological Aspects 2. Design - Technique 3. Design - Philosophy 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes Dissertations 5. Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon LCC - NK1520.P37 2009 AGRADECIMENTOS No contexto da dissertação que se apresenta, deveria agradecer a todos os que têm cruzado o meu caminho, para o bem e para o mal. Mas como isso é uma condição inerente à existência de cada um de nós, guardo os meus agradecimentos para três pessoas. Ao professor Doutor Alcino Ferreira, pela sua disponibilidade e pelas suas bonitas e esmagadoras frases. Ao Professor Mestre Pedro Cortesão Monteiro, pela bibliografia recomendada, mas sobretudo, pelas suas aulas. Foi lá que compreendi o Design como uma disciplina global, razão pela qual escolhi este tema. E um agradecimento especial à Teresa Durães, não apenas pela ajuda, mas por me ter ensinado a ser exigente comigo mesma. SUMÁRIO Introdução 1 1. Tempo e Evolução 3 1. 1. Início da especialização das ferramentas 7 1.2. Agricultura e transportes 16 1.3. Início da mecanização 29 1.4. Industrialização 36 2. Meio e Condicionalismo 63 3. Acaso e Criação 79 Conclusão 94 Bibliografia 96 APRESENTAÇÃO Título: Design e vida: uma perspectiva sobre a evolução Resumo: Este trabalho é uma reflexão sobre o eventual paralelismo entre a evolução da vida natural (acompanhando a actual visão cientifica do Neodarwinismo), e a evolução da vida material, ou seja, dos objectos criados pelo homem. Na vida material, o homem tem vindo a criar ferramentas que o auxiliam no seu dia-a-dia tanto numa perspectiva prática, como cultural ou religiosa. Os objectos surgem exponencialmente, tanto em quantidade como em diversidade. É nessa profusão de objectos e sua adaptação às necessidades do Homem que tentaremos compreender as razões que tornam uns objectos mais aptos do que outros. Para isso, analisamos as técnicas e os objectos numa perspectiva global e temporal, estudando a função e a procura que os enquadra num contexto sócio/cultural ao longo da história da civilização. Por último, fazemos uma reflexão sobre o acto de criar, acompanhando o debate com exemplos de ligação entre a vida material e a vida natural, conducentes à averiguação da hipótese inicial de existência de paralelismo entre ambas. Um objecto, não é apenas a sua forma e a sua função. Um objecto é também a sabedoria da técnica que o produz. Ele engloba toda uma história que permite a sua existência. Desta forma cada objecto é como uma flor, que nasce numa árvore que foi semeada pela polinização de outra e que, por sua vez, também encerra em si toda uma história evolutiva da sua espécie. Assim, podemos dizer que todos os objectos têm inscrito em si a história da humanidade. Palavras-chave: 1. Design - Aspectos Antropológicos 2. Design - Técnica 3. Design - Filosofia 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 5. Teses – Portugal - Lisboa PRESENTATION Title: Design and Life. Abstract: This work analyses a possible parallelism between the evolution of natural life (according to the present day Neo-Darwinist scientific view) and Man’s production of artefacts or material life. Since the beginning of civilization Man has created tools to help him in his daily life, both in practical and in cultural and religious matters. Consequently, artefacts have grown exponentially in number and scope. The purpose of this study is to understand the reasons why some creations are a better fit than others to men’s needs: the better the fit, the longer the longevity. We conduct a socio-cultural contextualization of artefacts’ and techniques’ evolution throughout the history of civilization. Based on the collected data we try to verify if there is a consistency to the referred parallel between natural and material life. Lastly, we reflect on the act of creating and use examples of material life and natural life that might enlighten us about a possible similitude between both. Each object or artefact is more than its mere function or form. It contains the knowledge of the creating technique and the story of events that precedes the conditions to do so. In this sense, each artefact is like a flower that grows from a tree pollinated by other trees which, by themselves, have their own evolutionary story preceding them. Therefore, it can be said that every object or artefact encapsulates the history of mankind. Keywords: 1. Design - Anthropological Aspects 2. Design - Technique 3. Design - Philosophy 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes Dissertations 5. Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon PALAVRAS-CHAVE Vida natural - Matéria viva natural que compõem a fauna e a flora Vida material - Matéria artificial, ou seja, dos objectos criados pelo homem. Selecção natural - Processo da evolução proposto por Charles Darwin e aceite pelo mainstream da comunidade científica como a melhor explicação para a adaptação e especialização dos seres vivos como evidenciado pelo registo fóssil. INTRODUÇÃO Este trabalho é uma reflexão sobre o eventual paralelismo entre a evolução da vida natural1 (acompanhando a actual visão cientifica do Neodarwinismo), e a evolução da vida material2, ou seja, dos objectos criados pelo homem. Não é pretendido fazer uma viagem exaustiva pela ciência evolucionista, apenas seleccionar alguns pontos-chave sintetizados no início de cada capítulo, para que desta forma se possa chegar ao objecto de estudo. A tese é dividida em três capítulos: 1- Tempo e Evolução; 2- Meio e Condicionalismo; 3- O Acaso e a Criação. No primeiro capítulo é estudada a problemática do tempo. Só é possível admitir a existência de uma Evolução, havendo tempo para a observar. A descoberta da “idade” da terra, permitiu a Darwin compreender a evolução da vida e as suas transformações. De igual forma se considera que a consciência “tempo” permite analisar a evolução dos objectos usados pelo homem. Os objectos tornam-se cada vez mais diferenciados e sofisticados mantendo, no entanto, o objectivo principal para que foram criados, satisfazer as necessidades do Homem. No primeiro capítulo são escolhidos um conjunto de objectos e técnicas que considerámos mais relevantes numa perspectiva histórica, sobre os quais é feita uma análise evolutiva. A possibilidade de observar a evolução das espécies no tempo, permitiu a Darwin estabelecer a sua teoria. De igual modo, a análise da evolução dos objectos e das técnicas desenvolvidos pelo Homem permitirão o debate conceptual deste trabalho, sobre se poderá existir um paralelismo entre ambos. Esta questão será o tema central dos capítulos dois e três. 1 Vida natural vidé em “palavras-chave” 2 Vida material vidé em “palavras-chave” Design e Vida 1 O segundo capítulo, “Meio e condicionalismo”, aborda a influência do meio, bem como dos factores que condicionam o aparecimento e sobrevivência dos objectos. Na vida natural, a fauna e a flora lutam pela sobrevivência contra todos os agentes “agressores” que os rodeiam. Em cada espécie os indivíduos demonstram maior ou menor capacidade para superar os desafios que o meio lhes impõe. Na vida material, o homem tem vindo a criar ferramentas que o auxiliam no seu dia-a-dia, tanto numa perspectiva prática, como cultural ou religiosa. Os objectos surgem exponencialmente, tanto em quantidade como em diversidade. É nessa profusão dos mais variados utensílios e sua adaptação às necessidades do Homem, que iremos analisar as razões que tornam uns mais aptos do que outros. Para isso, analisaremos os objectos numa perspectiva global estudando a função e a procura que os enquadra num contexto sócio/cultural. Por outro lado, observamos na natureza um enorme equilíbrio, em que todas as espécies têm uma função, num ecossistema maravilhoso. O homem respira o oxigénio produzido pelas plantas, as plantas servem de alimento a animais e insectos, os insectos são fundamentais para a polinização das mesmas plantas, etc. Será que a forma como os objectos se influenciam e estão interligados, um dos possíveis pontos de paralelismo entre a vida natural e a vida material? Por último, o terceiro capítulo é destinado ao acaso e à criação. No aparecimento da vida, de um ser singular, o acaso tem uma preponderância enorme. Mesmo quando tudo surge numa perfeita naturalidade, o acaso esteve lá. Está presente no nascimento de uma maravilhosamente frágil vida humana, ou na criação de uma simples caneta. São inúmeros os factores que condicionam o aparecimento, ou não, de um novo objecto. Partiremos do pressuposto de que os objectos surgem sempre de uma necessidade, seja ela funcional, cultural, ou mesmo religiosa. Desta forma, tentaremos compreender de que forma a conjugação de determinados factores, condicionam o aparecimento de uma nova técnica. Design e Vida 2 1. TEMPO E EVOLUÇÃO A Terra tem milhões de anos e está em mudanças constantes e graduais. De modo semelhante, a Vida sobre a terra segue o mesmo percurso, isto é, experimenta ao longo dos anos mudanças contínuas e graduais, inicialmente imperceptíveis, mas com o passar do Tempo acabam por ter significado. Desta forma, a noção de Tempo, é imprescindível, para explicar a Evolução. Darwin lê a obra fundamental de Charles Lyell, “Princípios da Geologia”3. As ideias de Lyell eram sobretudo inovadoras, por este insistir que a terra era incomensuravelmente antiga e que continuaria, infindavelmente, a atravessar ciclos geológicos. Ciclos contínuos, sem direcção determinada por Deus. Esta era uma obra, em geral, considerada radical a nível teológico, visto que o autor rejeitava a autoridade da Bíblia como fonte de explicação geológica. Mas é esta ideia de Tempo, de muito tempo, que permite as alterações cíclicas nas montanhas e nos oceanos, que ajudará Darwin a desenvolver toda a sua teoria. A ideia de que pequenas alterações podem produzir grandes efeitos, foi essencial no estudo da Evolução. O conceito de pequenas alterações acumulativas foi utilizado como chave para explicar a origem das espécies. Só é possível admitirmos a existência de uma Evolução, havendo tempo para a observar. Da mesma maneira que a descoberta da idade da terra permitiu a Darwin compreender que a vida na terra sofria alterações ao longo do tempo, é também, através da idade do Homem, que podemos observar a evolução dos objectos desde os primórdios da vida humana. Analisar os objectos, quer na sua evolução, quer na sua diversidade, é analisar o Homem e as suas necessidades ao longo da história. 3 Lyell, desafiava as ideias da época que acreditavam que a terra for a criada por decreto divino, e progressivamente moldada por Deus, em seis ou sete fases, para abrigar a humanidade. Segundo o Autor dos “Princípios da geologia”, a terra não apresentava vestígios destas fases da criação Divina. Lyell acreditava que a terra era constantemente sujeita a inúmeras alterações, minúsculas e acumulativas, resultantes das forças naturais que operavam uniformemente ao longo de períodos imensamente extensos. Cf. BROWN, Jane. 2008. A Origem das Espécies de Charles Darwin. Lisboa: Gradiva. p.40 Design e Vida 3 A História das invenções é a História da Civilização. Os nomes que usamos para descrever as grandes épocas dos passado - a Idade da Pedra, a Idade do Bronze, a Idade do Ferro - dizem-nos o quanto as invenções são a essência da civilização. Nos diferentes povos houve sempre inúmeras diferenças de costumes sociais, governamentais e religiosos. No entanto, a tecnologia aparece como uma base comum cuja importância é fundamental para todos. Quando aqui falamos de tecnologia, não nos estamos a referir ao conceito de hoje, em que a tecnologia é sinónimo de ciência, mas sim a um conceito mais lato, em que o conhecimento adquirido é aplicado para fins práticos e úteis. É interessante verificar como a tecnologia foi fundamental na organização da sociedade. A existência de diferentes técnicas organizou o trabalho, fazendo com que os homens se dividissem entre agricultores, ceramistas, vendedores, costureiros, e outros.4 As tecnologias básicas, como a agricultura e a construção, foram inicialmente apreendidas de forma empírica e transmitidas de geração em geração. Podemos afirmar que, mesmo no campo das artes, os artistas/artesãos estavam dependentes de suporte tecnológico. O escultor precisava de ferramentas, o escritor de tinta e de papiros (e mais tarde papel), o dramaturgo necessitava de teatros com condições especiais de construção para favorecer a acústica e os joalheiros tinham de dominar formas especiais de trabalhar o metal.5 A evolução não é linear, quer com a vida natural (das espécies), quer com a vida material (dos objectos). Existem variações mais adaptadas de espécies que convivem com os seus antepassados, partilhando muitas vezes o mesmo habitat. Da mesma maneira, temos como dado adquirido que a pedra talhada é o primeiro utensílio do homem, no entanto, há, ainda hoje, povos que a continuam a utilizar. 4 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. Time Warner Books UK, London 5 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. Time Warner Books UK, London. pag.10 Design e Vida 4 criptopage.caixapreta.org arteseva.blogspot.com 1. Celacanto, peixe que se julgava ter sido extinto na era dos dinaussauros, há 65 milhões de anos atráz. 2. Aborigenes Australianos. Os povos aborígenes australianos, por exemplo, continuam a utilizar a técnica de pedra talhada para fabricar as pontas das suas lanças, ao mesmo tempo que o primeiro homem pisa a lua. Efectivamente, povos como estes, que estiveram isolados do resto do mundo até à sua “colonização”, com a sua forma de vida tão “primitiva”, são sem dúvida um testemunho impressionante e uma excelente oportunidade de estudo de tempos longínquos, aos quais só chegaríamos através da arqueologia, não fossem esse testemunho vivo. Eles também demonstram que nem sempre existe uma continuidade evolutiva óbvia e igual em toda a dimensão da vida. Em algumas espécies e em alguns habitats aparentemente o meio parece diminuir a pressão evolutiva, e a espécie adapta-se tão bem ao meio que a rodeia que se mantém praticamente inalterada. Tal poderá ter acontecido com os aborígenes australianos, contemporâneos da modernidade. Noutros ambientes, porém, a pressão do meio sobre as espécies é enorme, exigindo sucessivas mudanças evolutivas, das quais só os mais aptos (adaptados) perdurarão. Na vida material, a evolução também não é linear nem segue um padrão único. Há zonas do globo onde ainda existem moinhos de vento a funcionar como na Idade Média, em concomitância com outras zonas que usam energias muito mais poderosas, como as derivadas do petróleo. Design e Vida 5 Todavia, a presente preocupação com a finitude do petróleo e as questões ambientais levam o Homem a repensar as técnicas antigas. Hoje em dia há um esforço para recuperar o uso das energias “limpas”, como a eólica. O Homem esforça-se por recuperar essa técnica ancestral, mas adaptando-a à luz de novos conhecimentos. Não vemos os moinhos de vento, mas vemos parques eólicos altamente sofisticados, a gerarem energia eléctrica a comunidades inteiras. São sabedorias antigas aplicadas aos conhecimentos e às novas tecnologias, numa teia de conhecimentos reorganizados em novas soluções perante as necessidades que se impõem. Design e Vida 6 1.1. Início da especialização das ferramentas Sabemos muito pouco da história dos povos. Possuímos muitos documentos históricos respeitantes à segunda metade do século XIX e ao século XX, mas do século XV ao século XIX as informações são escassas e de pouco rigor científico. Posterior ao século XV, a maioria da informação histórica é-nos fornecida pelos vestígios que a arqueologia encontra. O nosso conhecimento sobre a pré-história é ainda muito incompleto, mas possuímos muitas informações do campo tecnológico, que nos permitem fundamentar a evolução das técnicas e dos objectos até aos dias de hoje. A tecnologia é um ramo particularmente importante na compreensão da história humana. O testemunho das técnicas é precioso “pois é a única que evidencia uma continuidade total no tempo, [...] permite apreender os primeiros actos propriamente humanos e acompanhá-los de milénio em milénio até ao limiar dos tempos actuais.”6 As técnicas, quando sobrevivem, permitem recuar no tempo, recuar às origens humanas, a um ou dois milhões de anos de distância no tempo. A evolução da técnica, paralelamente à evolução do Homem, seguiu uma lógica de conjugação de necessidades e de apreensão de conhecimentos, o que é facilmente observável na análise da Pré-história do Homem. O primeiro utensílio do homem foram as suas próprias mãos, que servem para agarrar, pinçar, torcer, conter (com as mãos juntas em forma de recipiente), desenhar, etc. No entanto, as mãos têm limitações e o homem teve necessidade de criar objectos que o auxiliassem nas suas tarefas pela sobrevivência. Por exemplo, para a função de agarrar o homem criou o anzol e, desta forma, capturar o peixe com maior facilidade. O gancho é também exemplo de utensílio para agarrar; para a função de pinçar, criou a pinça, para desta forma poder apanhar coisas finas; para prender criou atacadores, laços, armadilhas com maxilas, criou também ferramentas como alicates, tornos e prensas, entre outros; para a função de conter, criou, por exemplo, o 6 LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.11 Design e Vida 7 balde que possibilitou o transporte de corpos líquidos como a água, ou de comportamentos fluidos como o grão. Quando nos questionamos acerca do início da civilização, partimos do princípio de que o homem se distingue dos primatas que o antecederam pela capacidade de construir e usar ferramentas. A inteligência permitiu ao homem criar diferentes técnicas para o auxiliarem. “Fender, martelar, talhar, polir, dividir a matéria para seguidamente a recompor são finalidades que absorvem o melhor da inteligência técnica.”7 A percussão é o meio que permite a execução destas técnicas. É interessante verificar como a forma de a aplicar evoluiu no sentido de criar um enorme leque de possibilidades de execução. Acredita-se que inicialmente o homem não fabricava ferramentas, dependia do que lhe aparecia á mão (uma pedra afiada, um osso partido, ou um pau), e que só mais tarde começou a trabalhar a madeira, o osso e a pedra em instrumentos úteis.8 A madeira e o osso acabam por se decompor, e por essa razão, as únicas ferramentas ancestrais que chegaram, em razoável bom estado, até aos nossos dias, são as feitas de pedra. O sílex foi por todo o mundo o material de eleição pelas suas pouco usuais propriedades físicas. Uma pancada forte quebra o sílex reduzindo em muitos bocados com tamanhos mais fáceis de manusear, e pancadas ligeiras produzem fracturas em forma de concha. Controlando a força e a direcção das pancadas no bloco de sílex, o homem consegue regular o tamanho e a forma dos pequenos pedaços com alguma precisão. Estes bocados de sílex eram usados para produzir lâminas e pontas de lança.9 Nas zonas do globo em que não havia sílex, era usada a sílica, que por sua vez, era também utilizada para fabricar ferramentas pesadas. 7 LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.38 8 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. Time Warner Books UK, London. p.13 9 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. Time Warner Books UK, London. p.14 Design e Vida 8 A History Of Invention. 2009 3 5 4 3. As primeiras ferramentas eram pouco mais que simples blocos de pedras. 4. Ferramentas de sílex do Homem Neandertal. 5. Ferramentas de sílex que se estima datarem do inicio da era do Bronze Algumas rochas ígneas10, de granulação fina como o basalto, eram quebradas e posteriormente trabalhadas por raspagem e fricção com o auxílio de um bloco grosseiro de granito, até à sua forma final. Outra forma de trabalhar o basalto era com uma mistura de água e areia.11 Analisando os utensílios de pedra talhada, das culturas que antecederam o Homo Sapiens desde o remoto Homo Habilis12, ao Homo Erectus e ao Homem Neandertal, podemos observar que estes evoluíram de um período para o outro, como se cada forma de utensílio tivesse tido como ascendente a forma que o precede. “Os utensílios seguiram, no seu conjunto, uma linha de evolução progressiva, comparável à que seguiram as formas humanas”.13 10 As Rochas ígneas, rochas magmáticas ou rochas eruptivas (derivado do latim ignis, que significa fogo) são um dos três principais tipos de rocha (sendo que as outras são, as rochas sedimentares e as rochas metamórficas). A formação das rochas ígneas vêm do resultado da consolidação devida ao resfriamento do magma derretido ou parcialmente derretido. 11 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. Time Warner Books UK, London. p.14 12 A tentativa de classificação da evolução do Hominídeos, faz a seguinte divisão: Austrolantropos (os mais antifos) que se subdividem em dois géneros - Australopithecus (gracilis e robustus pertendentes a uma fase pré-humana) e Homo (habilis correpondente à fase pré-humana); os Arcantropos cujo género é o Homo erectus (da fase humana antiga); os Paleantropos - Homo Sapiens Neanderthalensis (da fase humana moderna); e os Neantropos - Homo sapiens sapiens. Todos se increvem na Era Quaternária e os mais antigos andarão em torno dos 4 milhões ou mesmo 5 milhões de anos. Cf. Hominização. In Diciopédia 2008 [DVDROM]. Porto : Porto Editora, 2007. 13 LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.22 Design e Vida 9 7 6 8 Evolução e Técnicas. 2009 Como já tinha sido referido anteriormente a percussão teve, e tem, um papel fundamental nas tarefas diárias do ser humano. Dentro as técnicas de percussão, a percussão apoiada (que consiste em aplicar o utensílio na matéria imprimindo a força na matéria dos músculos, imagem 6), e a percussão arremessada (quando o utensílio seguro na mão é arremessado na direcção da matéria, imagem 7) são as formas mais primitivas. A força empregada é o que distingue estas duas formas de percussão. Quando a percussão é apoiada, é aplicada com bastante precisão no ponto desejado, mas a força aplicada é de menor intensidade, pois está limitada à força dos músculos. Quando a percussão é arremessada, a força aplicada é bastante maior, visto que é consideravelmente ampliada no decorrer da trajectória, mas a precisão é muito menor. A forma de percussão, exemplificada na imagem 8, é a combinação destes dois processos, e representa uma notável evolução na técnica, visto que permite ampliar a força com a trajectória do braço e ao mesmo tempo aplica-la com precisão (é a percussão apoiada com percutor).14 Por outro lado, o percutor parece ter uma evolução natural, no sentido de mudar o centro de gravidade para a ponta do utensílio. Podemos observar isso em diversos exemplos encontrados pelo mundo. 14 Cf. LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.38 Design e Vida 10 a b g h 9 c d e f i Evolução e Técnicas. 2009 Provavelmente tudo começou com um seixo bruto seguro com a mão (imagem 9, fig. a) e foi evoluindo gradualmente, consoante o homem se apercebia de como o podia aperfeiçoar. Existem alguns exemplos, que demonstra como esta evolução poderá ter ocorrido. Em África encontram-se alguns exemplos em que a massa se confunde com o cabo (imagem 9, fig. b), os exemplos das figuras c e d são de povos esquimós, e representam duas etapas para a descoberta da importância do centro de gravidade na ponta do utensílio. Os japoneses criaram maços que permitem a leveza de uma percussão ampla e o peso a uma curta distância (fig. e, maço para amolecer o tecido e fig. f, maço para aplanar sandálias). Os maços em pedra polida (fig. g e h) servem para enterrar e para esmagar. Conforme as tarefas que pretendia executar, o Homem, foi compreendendo, provavelmente até de forma acidental, que o efeito de uma pancada variava consoante uma série de factores. Assim, foi compreendendo que uma superfície de choque maior tem um tipo de utilidade diferente da dos martelos com superfícies mais pequenas (imagem 9, fig. i, martelo de ferreiro). Apercebeu-se também que o ângulo de ataque do utensílio na superfície material, pode ter um papel importante naquilo que se pretende efectuar. E por essa razão, criou algumas técnicas, para controlar o ângulo de corte, como a da imagem 10 para o corte perpendicular. Design e Vida 11 Evolução e Técnicas. 2009 10 11 12 13 14 Compreende que o efeito produzido pelo percutor é definido pela forma da parte que percute. “Se for em gume, a percussão será linear; se for uma ponta, será punctiforme; se tratar de uma massa bastante larga, a percussão será difusa.”15 Com esta pequena breve análise do simples acto de percussão, já podemos observar um primeiro grau de diferenciação dos utensílios, e compreender, de alguma maneira, a razão da sua evolução. Ainda dentro da análise dos objectos de percussão, temos a percussão circular, cujo objectivo é perfurar. São, para esse efeito, utilizados utensílios pontiagudos animados de movimento de rotação. Podemos afirmar que a necessidade de perfurar materiais duros como a pedra estimulou o sentido inventivo do homem, que acabou por conseguir descobrir uma técnica eficaz. “Mecanicamente trata-se da combinação de uma pressão perpendicular imprimida à broca que fura com as percussões oblíquas com movimento helicoidal das facetas constantes que seguem a broca na sua progressão.”16 É muito interessante analisar a evolução da percussão circular, pela forma engenhosa que o homem acabou por encontrar para solucionar este problema. Provavelmente começaram com furadores manuais rodados com as palmas das mãos, como o da imagem 11. Existem testemunhos de furados de corda, muito rudimentares (imagem 12), cuja evolução são os furadores de arco (com a corda amarrada ás extremidades de uma vareta, imagem 13). Acabaram por evoluir destes furadores em arco, para uma solução muito eficaz, os furadores de mola (ou peão), em que a haste horizontal é animada por movimentos verticais que mantêm a rotação devido ao efeito 15 Cf. LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.44 16 Cf. LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.44 Design e Vida 12 mola, provocado pela corda enrolada em torno da haste vertical (imagem 14). Nestes exemplos de furadores, o movimento efectuado é circular e alternativo, fazendo com que os fragmentos de matéria que são destacados á ida, sejam expulsos na volta, permitindo assim que estes não se interponham entre a ponta da broca e o fundo do buraco. O peão ainda hoje é utilizado por artesãos e a técnica que permite o efeito de mola significou uma magnífica evolução mecânica no mundo anterior à grande indústria. Não se sabe ao certo quando é que o fogo começou a ser utilizado, mas a sua descoberta para cozinhar, aquecer, iluminar e até como defesa, foi juntamente com os utensílios de pedra talhada, um critério essencial de humanidade. Os vestígios de carvão das lareiras são muito poucos, visto que são muito difíceis de preservar. No entanto, foram encontrados Sinantropos da China do Norte (parentes próximos dos Pitecantropos de java), que datam de há varias centenas de milhares de anos, rodeados pelos seus utensílios e por camadas de cinza das suas lareiras.17 Mesmo com estas descobertas, pouco se sabe sobre as técnicas de obtenção de fogo na pré-história. Evolução e Técnicas. 2009 15 16 19 20 17 21 18 22 O choque de dois pedaços de sílex produz faísca, mas é praticamente impossível produzir fogo desta forma. As formas mais primitivas que se conhecem para fazer fogo são através da percussão. As imagens (15 a 22) são exemplos disso e, ilustram bem, como a descoberta de simples técnicas podem estar associadas a outras técnicas com fins distintos. 17 Cf. LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.52 Design e Vida 13 É bem visível como a furação em arco (13) e o método de fazer fogo (imagem 22) são semelhantes e podemos afirmar que o conhecimento de uma das técnicas originou a outra. 25 24 23 Evolução e Técnicas. 2009 26 28 27 29 30 31 32 33 34 35 36 O maçarico18 (23 a 25) é um objecto muito simples, que permite concentrar num espaço muito reduzido toda a pressão do sopro e por consequência levar as brasas a uma temperatura elevada. Para a descoberta deste utensílio, tão simples e tão eficaz, o homem teve de aprender quais os factores que avivam o fogo. Provavelmente descobriu que se soprasse com a boca, ou se agitasse com um abanador, produzia o efeito desejado, mas 18 Um objecto muito semelhante ao maçarico, é a Zarabatana, que é, talvez, a mais primitiva forma de uso da força do ar. A zarabatana é uma arma bastante precisa até 30 metros, capaz de fazer penetrar uma pequena flecha a uma profundidade de pelo menos um centímetro e utilizando flechas envenenadas é uma arma muitíssimo perigosa para todos os animais e para o homem. O conhecimento desta técnica, esteve, muito provavelmente, na origem do maçarico. Design e Vida 14 teve necessidade de criar objectos mais precisos e de maior intensidade, como o maçarico e os objectos de fole. Os objectos de fole, para atear o fogo, são muito utilizados para trabalhar o ferro e fundição, porque conseguem uma corrente de ar regular e potente. Os três importantes centros de trabalho do ferro (Europa medieval, África e Extremo oriente) criaram os seus instrumentos de fole, que evoluíram de diferentes formas (imagens 26 a 36). Os modelos africanos (26 a 28) são simples, mas permitem accionar o fole, com cada uma das mãos alternadamente, e desta forma conseguem uma corrente de ar contínua sobre as brasas. Este sistema atinge um elevado grau de aperfeiçoamento na última versão (26), em que é acrescentada uma válvula rudimentar e dois paus, o ar é comprimido numa caixa de olaria, aumentando assim a regularidade da corrente. Na Europa, o fole é feito com válvulas de couro e a bolsa de couro é dobrada entre placas de madeira (30 e 31). Os foles para grandes fornos, muitas vezes exigiam a conjugação da força de vários homens. No Japão criam-se sistemas em que são necessários 6 a 8 homens (imagem 32). O extremo oriente, é extremamente interessante, porque combina o fole de êmbolo, com o acendedor de êmbolo, e o maçarico. “Não restam dúvidas, que o encontro das três aplicações do ar comprimido nas mesmas regiões não tem um carácter fortuito e que há associação de ideias na origem das inovações.”19 A descoberta das técnicas é feito da apreensão de conhecimento, da associação de ideias e sobretudo da necessidade. Se o homem conhece o maçarico (24) e o efeito do fole juntá-los potencia a força do ar, e é sem dúvida um passo técnico significativo. 19 LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.64 Design e Vida 15 1.2. Agricultura e transportes Agricultura No Neolítico, para além da pedra que era de extrema importância para fabricar ferramentas, a agricultura e a criação de gado, foram-se tornando a base do seu sustento. Em algumas zonas do “Velho Mundo” (Crescente Fértil do Próximo Oriente, as colinas do Paquistão, as planícies da China e o Delta de Langtsé) “as comunidades caçadoras-recolectoras experimentaram plantas locais disponíveis e animais de tal forma que levou á domesticação.”20 “Por volta de 10.000 a.C., o homem começou a perder a sua dependência dos animais e plantas selvagens e começou a domesticá-los fazendo com que os seu recursos de comida estivessem seguros e imediatamente disponíveis.”21 Esta não foi uma mudança rápida, mas sim gradual, levou cerca de um milénio, e foi, sem dúvida, um enorme passo para a civilização. O Homem começou por caçar e por recolher os alimentos das árvores e plantas consoante aquilo que encontrava, tendo de migrar na procura do alimento. Numa segunda fase, terá compreendido como é que as plantas cresciam, e começou a plantar, de forma a garantir-lhe algum alimento. O mesmo terá acontecido com o gado quando num espaço controlado, pelo homem, um macho e uma fêmea ao reproduzirem-se diminuíram a imprevisibilidade e o esforço da caça assegurando o alimento necessário. A teoria de que os animais domésticos surgiram de animais selvagens, que acabaram por se habituar ao homem, é suportada por recolhas arqueológicas de ossadas das primeiras comunidades da época do Neolítico e que nos dão claras indicações do que os animais e os homens comiam. 20 Plantas e Animais Domesticados: Primeiras Sociedades Produtoras do Neolítico. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto: Porto Editora, 2007 21 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. Time Warner Books UK, London. p.24 Design e Vida 16 As primeiras cidades estavam ainda muito distantes no futuro, mas as recolhas arqueológicas demonstram, também, que há indícios de pequenas comunidades a viverem agrupadas. Com a agricultura, o homem não precisava de se deslocar em constantes migrações à procura de alimento. Desta forma, pôde construir abrigos permanentes e decorá-los com inúmeras ferramentas domésticas. Esta prática permitiu, também, libertar o homem para novas actividades como a cerâmica e a tecelagem. As culturas, incluindo o pasto, forneciam comida para os homens e os animais, e para além da carne os animais forneciam pele, e mais tarde lã e força de tracção. Os animas davam, também, à terra os nutrientes para que continuasse fértil. Desta forma, a agricultura era uma alternativa vantajosa, em relação à caçarecolecção, porque possibilitava alimento para um maior número de pessoas. Segundo alguns autores, o que incentivou o homem a levar a agricultura e a domesticação do gado como modo de vida, não foi apenas a necessidade, mas também, uma forte atracção pela segurança. Durante o período do Neolítico, o homem não tinha consciência de todo este sistema, apenas iniciava uma domesticação empírica de animais e plantas, consoante os seus recursos selvagens. Por outro lado, mesmo nas comunidades ancestrais mais progressivas, há evidências que provam que a caça a animais selvagens continuou lado a lado, com a agricultura e domesticação de animais e em algumas zonas do mundo, a domesticação nunca chegou a ser descoberta. No entanto, os homens que não enveredaram pela domesticação e que continuaram na tarefa solitária de caçar e colher alimento (caçadores-recolectores), também desenvolveram muito as suas técnicas e os seus complexos costumes sociais. “Em algumas regiões, tais como o Japão, Noroeste da Europa e África subsariana, as fontes de alimentos Design e Vida 17 selvagens eram suficientemente abundantes para suportar populações relativamente grandes, sem recorrer à agricultura”22. Foram dois caminhos evolutivos diferentes, mas a civilização, como nós a conhecemos hoje, evoluiu das comunidades agrícolas. Para o auxiliar nesta tarefa agrícola, o homem criou inúmeros artefactos e técnicas, que evoluíram (e continuam a evoluir) até aos nossos dias, e que de certa forma, têm inscritos em si a história da humanidade. Transportes Desde muito cedo, os transportes foram de extrema importância, não só para o transporte local de bens, como também para as exportações e importações. O Homem, perante a necessidade de transportar cargas, foi encontrando formas de o fazer, quer com o seu próprio corpo, quer com o auxílio de ferramentas, ou de animais. Evolução e Técnicas. 2009 37 43 38 39 40 44 45 42 41 46 47 Existem várias formas de transporte através do corpo humano. 22 Plantas e Animais Domesticados: Primeiras Sociedades Produtoras do Neolítico. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto: Porto Editora, 2007 Design e Vida 18 O transporte directamente com a mão, é utilizado pelo homem no seu dia-a-dia nas tarefas mais comuns, e foi com certeza, o primeiro método utilizado para transportar pequenas cargas. O transporte à cabeça, (assinalado na Europa ocidental (38), em África (37), e em certas regiões do Japão 39), requer, na grande maioria dos casos, a colocação de um pano enrolado em coroa, ou de um cesto de palha, entre a cabeça e o objecto a transportar. “Na Mesopotâmia, um baixo-relevo, mostra um homem a transportar cargas nas suas costas com a ajuda de uma cinta a passar pela testa”23, como fazem algumas tribos em África, ainda hoje. A vara com a carga em cada uma das extremidades, carregada num dos ombros, ou duas varas (uma em cada ombro), foi, também, outra das formas conhecidas para o transporte de carga. Este princípio foi usado para desenhar várias formas de Palanquins, usados para o transporte de pessoas importantes. Transportes Terrestres A domesticação dos animais trouxe novas possibilidades de transporte. Com a força do animal, era possível transportar bens pesados e pessoas. Tal como em todas as técnicas, o homem foi utilizando os materiais (neste caso os animais) que tinha disponíveis no seu habitat e, por outro lado, os que melhor se adaptavam às suas necessidades. O burro é um animal muito resistente e consegue carregar cerca de 60 kg. Há registos da sua utilização antes de 3500 a.C. e foi provavelmente o primeiro animal de carga. O camelo chegou muito mais tarde que o burro mas foi, e é, muito utilizado pelos povos do deserto, pela sua capacidade de andar por longos períodos de tempo sem água. Os povos da Lapónia utilizam a rena, tanto como animal de carga, como para o arrastamento de trenós. Os esquimós usam os cães e na Índia o elefante foi utilizado desde a mais alta Antiguidade.24 23 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. Time Warner Books UK, London. p.31 24 Cf. LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.102 Design e Vida 19 Dentro dos animais de carga, o cavalo veio ocupar um lugar único, pela velocidade que atinge e pela sua versatilidade. Eram montados por nómadas asiáticos, incluindo os Hyksos, que conquistaram o Egipto em 1700 a.C., mas só começaram a ter um uso generalizado depois de 1000 a.C..25 Em zonas de clima seco e quente o cavalo sofria de calor e os burros eram pequenos para os trabalhos muito pesados. A Mula, híbrido resultante do cruzamento do burro com o cavalo, veio dar resposta a esta dificuldade, por ter pele dura (resistente ao calor e ao frio), por precisar de relativamente menos água, e por ter mais força que o burro. Quando analisamos a origem dos veículos, fazemos a distinção de dois estádios nitidamente diferenciados: os veículos de tracção e os veículos de rolamentos. Entre estes dois tipos de veículos pode observar-se uma progressão, tendo como princípio lógico que os veículos com rodas são posteriores aos de arrastamento. É muito difícil do ponto de vista histórico reconstruir uma filiação dos objectos, desde o arrastamento até ao rolamento, mas podemos observar alguns exemplos que sugerem essa evolução. Temos ainda de ter em conta que o facto de o arrastamento ser anterior ao rolamento, não significa que este seja literalmente menos eficaz, visto que “na grande maioria das aplicações [...] pertencem a necessidades diversas, sendo o solo o factor determinante na sua utilização.”26 O método de tracção mais simples consiste em arrastar a carga directamente sobre o solo, mas o simples acto de arrastar pode danificar os bens transportados. A criação dos trenós foi pensada para proteger a carga que é arrastada. Estes são especialmente eficazes em condições de neve e em algumas zonas do globo não faria sentido substituí-los por veículos com rodas. Isto é mais um exemplo em que se demonstra como a evolução não é linear e se ramifica consoante as necessidades que se impõem. 25 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. London, Time Warner Books UK. p.32 26 Cf. LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.104 Design e Vida 20 Evolução e Técnicas. 2009 48 49 50 51 Existem diferentes tipos de trenós. Inicialmente deverá ter tido formas simples, como os dos esquimós, “que na ausência de outro material, constroem veículos grosseiros com barbas de baleia ligadas em forma de jangada”27. Posteriormente a forma mais comum é a do trenó com dois patins, que pode ser baixo, ou ligeiramente levantado (50), e nas formas mais aperfeiçoadas torna-se ainda mais alto (51). A maior parte das utilizações dos trenós dizem respeito ao Ártico e a culturas invernais, mas também aparecem noutros locais, como no Japão (48), onde os lenhadores fazem descer a lenha sobre trenós que deslizam numa via de toros. Evolução e Técnicas. 2009 52 Ainda nos veículos de arrastamento, a padiola (52), considerada por alguns autores o protótipo dos veículos com rodas, consistia em amarrar a carga entre duas varas. Era utilizada pelos povos Ameríndios e pelos Finlandeses antes de conhecerem os veículos de rolamentos. A padiola necessitava de grandes extensões de terreno de vegetação rasa, e não apresentava grandes vantagens em relação com os veículos de rolamentos, e acabou por desaparecer com a generalização da roda. Mas se observarmos a padiola com travessas, verificamos que apenas falta um eixo e rodas para se tornar um carro. Por outro lado, a padiola faz lembrar a estrutura de uma maca, o que poderá sugerir que esta proveio de algum tipo de transportes humano de carga. 27 LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.104 Design e Vida 21 A History Of Invention. 2009 53 É fácil imaginar que as primeiras rodas surgiram de troncos de árvores usados como rolos, mas na realidade muitos autores defendem que não há evidências que o comprovem e que a roda de oleiro (a rodar em torno de um eixo central) é possivelmente a origem mais provável. No entanto, qualquer que tenha sido a origem, o importante é que foi uma invenção fundamental na história técnica do ser humano. Não sabemos quando é que a roda foi inventada, mas a partir de 3000 a.C. existem inúmeros artefactos (como pinturas de vasos, frescos e baixos relevos) com imagens dos primeiros veículos e também de alguns protótipos. As primeiras rodas de que se tem conhecimento eram cortadas como discos, feitos através de três placas, unidas por duas peças em forma de cruz. “O uso generalizado da roda tripartida, sugere que tenha sido uma invenção, provavelmente na região da Mesopotâmia, por volta de 3000 a.C., mas a possibilidade de ter sido inventada em mais do que um local, não pode ser totalmente descartada.”28 Por volta de 2000 a.C. as rodas eram finas, em alguns casos com pouco mais de 2,5cm, mas no entanto eram rodas pesadas e desajeitadas. Esta desvantagem foi atenuada pela invenção da roda com raios, que estruturam a roda e tornam-na mais leve. 54 A History Of Invention. 2009 28 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. Time Warner Books UK, London. p.34 Design e Vida 22 Os primeiros veículos eram todos, em geral, de duas rodas, mas existiam vagões de quatro rodas para o transportar cargas mais pesadas. (54) De simples veículos de duas rodas, evoluíram para carroças de quatro rodas cada vez com melhores características, umas destinadas ao transporte de cargas, outras destinadas ao transporte de pessoas. O carrinho de mão é uma variante dos veículos com rodas. Existem dois tipos diferenciados. O veículo de uma só roda, baseado na alavanca (55) com a roda numa extremidade e os varais na outra (assinalado na Europa Ocidental, e nalgumas partes do Extremo Oriente) e o carrinho de mão Chinês clássico (56) que se baseia no equilíbrio da balança, em que a roda é colocada no meio do veículo e o centro de gravidade da carga está por cima da roda.29 Este tipo de carrinho de mão foi muito usado na China desde o Século I d.C., mas não apareceu na Europa até à Época Medieval.30 Evolução e Técnicas. 2009 The Evolution of Useful Things. 2009 55 56 29 Cf. LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.108 30 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. London,Time Warner Books UK. p.34 Design e Vida 23 Transportes Aquáticos 57 Existem inúmeros e variados meios de transporte pela água. A jangada, o meio mais simples, existiu em todas as regiões do mundo, e poderá ter surgido de um pedaço de madeira flutuante. São, geralmente, armações flutuantes feitas com troncos ou outros objectos leves e normalmente a propulsão é feita com o auxílio de uma vara. Conforme as diferentes zonas do Globo, os materiais com que as jangadas são construídas variam, mas em geral as jangadas são limitadas e de pouco interesse técnico. A Balsa da América do Sul (57) é interessante, na medida em que representa um meio-termo entre a jangada e a embarcação. Tem uma forma semelhante à da canoa e a propulsão é feita por meio de uma vara. A primeira embarcação terá sido uma canoa feita do tronco de uma árvore. Um dos exemplos mais antigos que se conhece é uma canoa Holandesa datada de 6400 a.C. (58). 58 A History Of Invention. 2009 59 60 Design e Vida 24 No norte da Europa, abundavam árvores com tamanho suficiente para construir uma canoa, mas no vale do Nilo não existiam árvores com essas dimensões pelo que tiveram de ser utilizados outros materiais mais disponíveis para o efeito. O Papiro31 existia em abundância no Delta do Nilo e a casca desta planta, que depois de seca era bastante resistente, foi utilizada na confecção de barcos (59). No rio Tigre e no rio Eufrates, por outro lado, não havia plantas com as características do papiro, pelo que as populações destas zonas recorreram a outros materiais, gerando outro tipo de embarcações. Na Mesopotâmia, as jangadas e os barcos eram feitos de pele insuflada amarrada a uma estrutura de madeira. Existiram homólogos destes barcos tipo de barcos, nos primeiros barcos escandinavos, no País de Gales, nos caiaques dos Esquimós, e nos coracles32 Irlandeses (60). 61 62 Evolução e Técnicas. 2009 A Canoa dos índios da América do Norte (61) é bastante aperfeiçoada, versátil e fácil de manejar, era fabricada colocando em cima do cavername33 uma bordagem34 de tabuinhas finas reforçada por uma folha de casca cozida, e as juntas eram calafetadas com resina e estopa. Um possível parente da canoa é o caiaque esquimó (62) (dos povos da Gronelândia, Terra do Bafim e Alasca) visto que são vizinhos em toda a costa setentrional da América. “As qualidades náuticas dos caiaques são surpreendentes [...] não só é a única embarcação monologar que pode enfrentar uma ondulação violenta, como é também a única a virar-se e a endireitar-se com o simples movimento do corpo e da pangaia.”35 31 O Papiro (Cyperus papyrus) é uma planta aquática. foi utilizada também para a produção de Papiro no Egipto antigo. O miolo era transformado em papiro e a casca em cestaria, camas e barcos. 32 Pequeno barco, só para uma pessoa, com uma armação leve de madeira e revestido de peles. 33 Cavername é o conjunto das balizas que formam o esqueleto do casco de um navio. Mais precisamente é um conjunto de cavernas, que são peças que saem da quilha criando assim a forma das embarcações. 34 Bordagem, é a madeira que forma o bordo do costado do navio. 35 LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.113 Design e Vida 25 Tanto a Canoa, como o Caiaque, foram adoptados pelos povos Europeus e hoje todos conhecemos estas embarcações, mas fabricadas em materiais mais evoluídos, como a fibra de vidro. As técnicas de propulsão e de controlo de direcção das embarcações são fundamentais na qualidade da navegação. A vara é bastante observada em jangadas e em embarcações que se movimentam em águas pouco profundas. A pagaia, um tipo de remo com pá nas duas extremidades, é o método de propulsão do caiaque e da canoa. Com remadas alternativas (direita - esquerda) o canoísta controla a velocidade e a direcção da embarcação. O remo, ao contrário da pagaia que se destina a embarcações estreitas, é apropriado para embarcações mais largas e necessita de ter um ponto de apoio. Foram, e são, tanto utilizados em pequenos barcos de 3 ou 4 passageiros, como em embarcações de 200 tripulantes, como é o caso das galés Fenícias e Gregas, que representam uma interessante forma de utilização dos remos. A History Of Invention. 2009 63 As galés Fenícias evoluíram das embarcações do Egipto Antigo e tinham como principal arma de ataque um esporão colocado na proa, que se destinava a abalroar os barcos inimigos. Estas embarcações foram muito interessantes na evolução naval, pelas suas ordens de remos, que permitiram aumentar bastante a velocidade de deslocação. Numa fase inicial tinham apenas uma ordem de remos, mas mais tarde evoluiriam para Design e Vida 26 duas ou três (os birremes e os trirremes) (63 e 64), que permitiam a colocação de remadores em alturas diferenciadas aumentando assim a velocidade da embarcação. Curiosamente o leme, que veio melhorar e simplificar as manobras, surgiu de grandes embarcações que tinham um ou dois remos muito compridos colocados na retaguarda. 64 A vela, que consiste num aproveitamento da força do vento, já teve diversas formas, mas as principais são as quadradas e as triangulares. A vela quadrada era muito popular na Grécia antiga, Rússia, Sibéria e Extremo Oriente. As primeiras velas triangulares (ou vela latina) surgiram na região do Mediterrâneo cerca de 200 a. C., mas só chegaram á Europa Ocidental na Idade Média. 65 A vela Latina foi aproveitada e melhorada pelos Portugueses, por volta de 1420, aquando dos Descobrimentos Portugueses. Este tipo de velas faz um ângulo de 45º com o mastro e possibilitam o aproveitamento dos ventos laterais e de popa. Eram colocadas ao Design e Vida 27 longo do barco, da proa para a popa, possibilitando e navegação á bolina (contra o vento, avançando em zig-zag). É de salientar que até ao século XV predominavam no Mediterrâneo a nave (navio redondo) e a galé grande, ambos de velas latinas (triangulares). No Norte da Europa, especialmente na Flandres, no Báltico, nas Ilhas Britânicas e Norte de França, o navio mais comum era a coca (de casco chato, como uma "concha de tábuas"), com mastro único de vela redonda. Os barcos dos Descobrimentos Portugueses trouxeram várias inovações. Eram equipados com três mastros e vários tipos de velas, cada vez mais adaptados à navegação à bolina, tinham maior capacidade de carga, maior potência, alojamento mais fácil da tripulação, melhor transporte da crescente quantidade de artilharia e menos madeira utilizada na construção (65).36 É interessante verificar como o domínio da agricultura permitiu libertar o Homem para a descoberta de novas técnicas. A domesticação dos animais trouxe a segurança do alimento, mas também possibilitou outras invenções como o transporte de mercadorias e de pessoas. Nesta evolução apercebemo-nos que há sempre uma progressão em que a vida material produzida pelo Homem sofistica as técnicas e os objectos criados. O transporte não só melhorou a capacidade do Homem de agir sobre o meio como se tornou num precursor daquilo que poderia ser (e foi) o domínio de todo o planeta. A globalização começou aqui. O Homem começou a impor a sua presença em todo o globo e com isto, a marcar o horizonte pleno da vida natural com a sua pegada ecológica37. 36 Cf. Embarcações dos Descobrimentos. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto : Porto Editora, 2007. 37 Vidé Palavras-Chave Design e Vida 28 1.3. Início da Mecanização Um dos principais progressos mecânicos foi a compreensão da possibilidade de transformar um movimento rectilíneo em movimento circular, que por sua vez é novamente reconvertido em movimento rectilíneo ao nível da parte actuante. Estamos a falar desde o mais simples moinho manual, aos mais complexos sistemas mecânicos com rodas dentadas. Foi a compreensão deste princípio que permitiu a construção de máquinas de elevação de água, de moinhos e martelos hidráulicos, etc. Supomos, por exemplo, que esta ideia tenha sido originada a partir de outras conquistas simples, como a do efeito da rotação alternada de um punção entre as palmas das mãos (com este gesto consegue também compreender que quanto mais fino for o pau, maior a velocidade de rotação). Depois, descobre-se que em vez de usar as palmas das mãos para rodar o eixo, pode utilizar-se duas tábuas, (friccionando rapidamente e de forma alternada, para a frente e para trás, uma das tábuas), e desta forma as técnicas foram sucessivamente evoluindo e de simples movimentos circulares alternados, o Homem conseguiu criar aparelhos que permitem uma rotação contínua. Conquistou, assim, passo a passo, cada uma das maravilhosas técnicas que mais tarde levaram às correias e todos os sistemas de engrenagem. Evolução e Técnicas. 2009 68 66 67 O movimento circular contínuo começou por ser utilizado para mover massas, ou para aumentar a velocidade. Em geral, este tipo de movimento é auxiliado por um volante ou por uma manivela, e em alguns casos pelos dois. O torno de oleiro é um exemplo da aplicação simples desta ideia. Constitui-se a partir de um pesado volante de madeira horizontal que imprime movimento à massa de argila colocada no centro do volante (66). O moinho manual (67 e Design e Vida 29 68) é constituído por um volante e por uma manivela e é também, tal como o torno de oleiro, um exemplo da utilização do movimento circular contínuo. Evolução e Técnicas. 2009 69 O torno de madeira (69) usa um sistema de correia simples, em que a correia está presa a uns pedais que accionam o torno. É, sem dúvida, uma aplicação paralela do sistema dos furadores de corda e demonstra como se pode aplicar uma mesma técnica em diferentes situações. No furador a correia rectilínea recebe força de cada uma das extremidades e transmite-a a um eixo. Esta foi uma técnica evoluiu segundo dois principais tipos de uso: a engrenagem e a desmultiplicação. Evolução e Técnicas. 2009 70 71 72 73 A engrenagem transmite a uma roda a força directamente recebida por outra roda, e é a diferença do diâmetro destas duas rodas que é responsável pela desmultiplicação neste processo mecânico. Na imagem 70, as rodas são accionadas por simples fricção, mas isto só é possível quando aplicado a órgãos leves. Quando se trata de uma engrenagem pesada como um moinho e uma instalação hidráulica, as rodas têm de ser dentadas para que se accionem sucessivamente (71,72,73). Para complementar a engrenagem o Homem criou a lingueta, cujo princípio é evitar que um cilindro volte para trás. Vemo-la aplicada alguns objectos como na imagem 72. Design e Vida 30 Evolução e Técnicas. 2009 74 75 A desmultiplicação, que é tão frequente na mecânica actual, pode observar-se em inúmeras rodas de fiar e sarilhos, desde os mais simples (como em 74, roda de fiar oriental) em que a manivela se encontra na roda grande, ou em rodas de fiar mais complexas (75, roda de fiar da Europa Ocidental) em que podemos observar mecanismos de desmultiplicação combinados, “as duas correias de transmissão do volante accionam duas rodas de diâmetros diferentes. A maior comanda o torcedor, a mais pequena a bobina, de tal maneira que girando a bobina mais depressa, o fio torcido é enrolado”38. Força motriz 76 A History Of Invention. 2009 38 LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.82 Design e Vida 31 A History Of Invention. 2009 77. Quatro formas diferentes de utilização da força da água. Na antiguidade clássica a principal força utilizada era a do homem e a dos animais, esta era tornada mais eficaz com o auxílio de aparelhos simples como as alavancas. Após a queda do Império Romano39 já não havia tantos escravos disponíveis, passando a mão-de-obra a ter de ser paga. A resposta natural foi uma evolução das técnicas existentes, no sentido de as tornar mais eficientes e, sobretudo, no sentido de permitir a progressiva substituição da força braçal do homem por máquinas. 40 Este é um ponto muito interessante que nos lembra também a América do século XIX pós-guerra civil e abolição da escravatura. Todavia, falar só da pressão decorrente da escassez de mão-de-obra ou da valorização da mesma, é simplificar os acontecimentos. www.telosnet.com 78 A History Of Invention. 2009 79 39 Império Romano (395-476 d. C.) 40 Cf. WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. London, Time Warner Books UK. p.76 Design e Vida 32 Apesar da força do vento ser utilizada há já algum tempo nas velas dos barcos, os moinhos de vento ainda estavam por ser inventados. Os moinhos de água, que aproveitavam a energia cinética do movimento dos rios para moer os cereais, foram inventados por volta do século II d. C. pelos Gregos e pelos Romanos e posteriormente acabaram por se espalhar pela Europa. Não se sabe bem qual a origem do moinho de vento, mas se por um lado é fácil relacioná-los com as velas dos barcos, por outro, muitos moinhos demonstram uma construção similar ao moinho de água. O mais natural é que tenha surgido da contracção destes dois conhecimentos prévios. Mas o que parece óbvio é que foi certamente uma enorme evolução em todos os locais onde o moinho de água não se podia construir. Os moinhos de vento mais antigos que se conhece são os Persas (78) e datam do século VII d. C.. Por sua vez, os moinhos Europeus só surgiram muito tempo depois, e as suas características técnicas sugerem que tenha tido uma origem independente, diferente, da dos moinhos persas. No moinho Europeu (79) o eixo das velas é horizontal. Segundo alguns autores esta característica demonstra que deriva do moinho de água romano, e é sem dúvida, uma enorme melhoria em relação ao moinho persa. Com o eixo das velas horizontal, o vento bate em contínuo em toda a área das velas, em vez de numa só parte, o que aumenta consideravelmente a potência do moinho. Claro que esta vantagem só era obtida quando a força do vento estava de acordo com a posição das velas, mas este foi um problema ultrapassado com a construção do moinho sobre um poste central, possibilitando a rotação da máquina consoante a orientação do vento. O grande desenvolvimento foi estender a utilização do moinho de água, e mais tarde do moinho de vento, a outros fins. Originalmente os moinhos serviam para moer cereais e transformá-los em farinha, mas mais tarde, o homem compreendeu que podia aplicar o mesmo princípio como motor para serrar madeira, forjar metal, accionar foles para atear fornos, entre outras utilidades. Conseguiu assim mecanizar um considerável número de processos básicos, que antes dependiam na totalidade da força do homem e dos animais. O mecanismo dos moinhos produzia um movimento circular contínuo, e foi a descoberta de como se poderia transformar esse movimento contínuo num movimento Design e Vida 33 alternativo (de vai e vem) que permitiu a generalização da aplicação desta técnica a outros fins. Os moinhos de vento, ou de água, raramente produziam mais do que a força de cinco cavalos. As máquinas que conduziam eram muito pesadas, feitas de madeira maciça, e muita da força era perdida no atrito que os rolamentos e a engrenagem faziam. Apesar de no século XV d. C., na cidade Alemã de Nurenberga, já se construírem instrumentos mecânicos, metálicos, com alguma precisão (em especial objectos para observação astronómica e navegação), na generalidade dos países, só no século XVIII e XIX houve um comparável grau de precisão de execução e talvez por isso, só nessa altura se aplicaram estas técnicas nas máquinas de engrenagem, melhorando assim, consideravelmente a sua performance. Concluindo, é importante frisar que os povos que possuíam o torno de oleiro, também possuíram a roda de fiar e os moinhos de vento e de água, o que demonstra a influência de uma descoberta sobre a outra. De certa forma, podemos afirmar que “quando se possui o princípio da roda, também se pode possuir o carro, a roda de oleiro, a roda de fiar, o torno para madeira; saber coser possibilita não só a existência de um vestuário de forma específica mas também vasos de casca cosida, tendas cosidas, canoas cosidas; sabendo canalizar o ar comprimido pode ter-se a zarabatana, o ascensor de pistão, a seringa.” 41 A Roda de fiar é um objecto simples, mas o mecanismo que permitiu a sua existência representou um enorme progresso. Sem este mecanismo nunca teríamos tido a locomotiva. “Bastou acrescentar uma caldeira e substituir o braço humano por um êmbolo, pois a biela existe no pedal, a manivela na roda de fiar e nos primeiros veículos mecânicos e a mudança de velocidade, existindo em potência nas bobinas.”42 41 LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p. 42 LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.78 Design e Vida 34 O Homem apercebe-se do potencial das técnicas e das ferramentas que está a criar. Abre a Era da Mecanização e, com ela, muda de forma irreversível, a sua própria existência e a do mundo à sua volta. Design e Vida 35 1.4 Industrialização Diciopédia, 2008 80. O universo heliocêntrico de Copérnico Diciopédia, 2008 81. "Estudo das Proporções do Corpo Humano", desenho de Leonardo Da Vinci. As ideias dos Renascimento43, apesar de mais dos dois séculos de distância, foram, de certa forma, um contributo fundamental para as bases da ciência moderna e para o acontecimento da Revolução Industrial. Os Renascentista viam a antiguidade clássica como a era em que o homem atingira o apogeu dos seus poderes criadores e contestavam o “obscurantismo” medieval, em que a religião influencia de forma repressora a cultura e o pensamento. A ciência evoluiu, por exemplo, devido aos médicos Renascentistas que “admiraram os manuais anatómicos dos Antigos, considerando-os mais certos que os da Idade Média, mas descobriram também falhas nestes consagrados textos clássicos ao aferilos pela sua experiência directa [...] aprendendo a confiar na eminência dos seus próprios olhos”44. Os Homens do Renascimento foram como um aprendiz de feiticeiro que ao querer igualar o seu mestre, acabou por superá-lo. 43 Movimento cultural que se desenvolveu nos séculos XIV a XVI em países da Europa Central e Ocidental. Itália, foi o berço do Renascimento (de Florença a Siena e depois a Roma, e alastrando posteriormente a toda a Península Italiana) e que veio a irradiar e a ter fundas repercussões na cultura de praticamente todos os países do continente europeu. 44 JANSON, H.W.. 2007. História da Arte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. p.367 Design e Vida 36 É importante frisar que o apelo ao ressurgimento da Antiguidade Clássica é extraordinário sobretudo pela perspectiva desta apologia em que se revela um humanismo individualista45 (consciência e afirmação do próprio Eu). Na Idade Média a mentalidade dominante era o Teocentrismo, a terra era vista como o centro do mundo e toda a vida espiritual era dominada pela autoridade da igreja. A primeira contestação a esta ideologia vigente deu-se com o Humanismo Renascentista e a sua visão antropocêntrica e naturalista do homem no universo. O Humanismo Renascentista, ou Renascença, é a corrente filosófica que regressa aos grandes filósofos Gregos, mas a forma de os ler e interpretar não se põe ao serviço da fé. Os humanistas proclamam o renascer da arte e da cultura clássica e através delas, o Homem. Foi o despertar para o individualismo, para a necessidade de desenvolvimento e da livre expansão da vida. Esta ideologia foi aproveitada pela Burguesia, ligada à Banca e aos grandes negócios internacionais, que estava ansiosa por desfrutar da autoridade política que até então estivera na mão dos Nobre e Eclesiásticos. A Burguesia teve, por isso, um papel fundamental no financiamento e divulgação desta nova era. O crescimento comercial que se deu nesta época permitiu que a burguesia, através do mecenato, financiasse pintores, escultores, arquitectos e escritores, encorajandoos a trabalhar e a divulgar as suas ideias, promovendo assim o desenvolvimento cultural e intelectual. Foi neste espírito Renascentista, em Itália, no ano de 1560, que surgiu a primeira academia científica, que se chamava Secretorium Naturae (segredos da natureza), em que a condição para qualquer membro ser aceite era ter descoberto algum segredo para a medicina ou para a filosofia natural. Esta academia acabou por ser fechada pela inquisição em 1578, por ordem do Papa, acusando-a de práticas de bruxaria. Mas a esta academia sucedeu-se a Accademia dei Lincei, fundada em 1603, e que teve alguns membros importantes, dos quais se destaca Galileu Galilei46. Galileu deixou um enorme contributo 45 Cf. JANSON, H.W.. 2007. História da Arte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. p.367 46 Galileu Galiei (1564 - 1642), matemático, astrónomo e físico italiano. Fundador do método experimental. Descobriu a lei da aceleração uniforme da queda dos corpos e a lei do isocronismo das pequenas oscilações do pêndulo, entre outras, tendo conseguido traduzi-las matematicamente. Construiu um sistema de ajustes de lentes, que lhe permitiu utilizar o telescópio na observação astronómica. Galileu abraçou publicamente a teoria copernicana de um universo heliocêntrico e de uma terra móvel. Como as suas teorias eram contrárias Design e Vida 37 para as ciências, e as suas pesquisas astronómicas foram uma das primeiras grandes ameaças à “verdade” da Bíblia. Se Darwin no século XIX, foi inovador e duramente contestado por uma sociedade cristã, credora numa ideologia criacionista, imaginemos o que seria dizer, em pleno século XVII, a uma sociedade ainda mais vincada pelo poder da igreja e convicta no Teocentrismo, que a terra era redonda e que girava à volta do Sol. Mas é certo que foi graças às pesquisas de Galileu, e de outros cientistas que se seguiram a ele, que a ciência evoluiu e que todo o progresso científico do século XVIII e XIX foi possível. Ainda no século XVII, surgiram mais duas importantes academias científicas. Em 1660, é criada a Royal Society, em Londres, e no ano 1666 os Franceses criam, em Paris, a Academia Real da Ciências. Em 1700 é criada a Academia da Ciências de Berlim. Foi o próprio Renascimento que cunhou o termo para se designar a si próprio. Era o retorno ao Antigos, o “renascimento” da Antiguidade Clássica. É interessante pensarmos o porquê da nossa era ainda não ter um nome. Como é que ainda não encontrámos um conceito “chave” que a defina. Na realidade, o Mundo contemporâneo tem sido caracterizado por mudanças rápidas, mas ao avaliarmos a nossa Era, podemos constatar que há duas alterações estruturais que têm decorrido por todos os continentes: a Industrialização e Democracia.47 http://www.klickeducacao.com.br 82. Ilustração sobre as alterações provocadas pela Revolução industrial na paisagem. ao que vinha escrito na Biblia, Galileu foi duramente criticado, e em 1633 chegou mesmo a ser condenado, e teve de renunciar a sua ideologia perante a inquisição. 47 Cf. JANSON, H.W.. 2007. História da Arte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. p.570 Design e Vida 38 Quando falamos de industrialização, falamos de toda a evolução científica e tecnológica que a ela está associada. pt.wikipedia.org www.egr.msu.edu 83. Máquina a vapor de T. Savery. 84. Máquina a vapor de T. Newcomen www.stationarysteamengines.co.uk 85. Máquina a Vapor de J. Watt. Design e Vida 39 A industrialização tem como símbolo a invenção da máquina a vapor. A primeira máquina a vapor (83) servia para bombear a água dos poços.48 Foi criada em 1698, pelo inglês Thomas Savery, e apresentada à Royal Society em 1699. No século XVII em Inglaterra, graças à procura do carvão mineral, havia uma enorme exploração mineira que obrigava a escavarem cada vez mais fundo, acabando muitas vezes por se descobrir água e consequentemente a transformar as minas em poços. Nessa época, o único método que existia para bombear água era um sistema de vácuo, que não funcionava a mais de 10 metros de altura. Foi para superar esse problema que Thomas Savery criou o seu engenho que curiosamente, foi um importante passo para a entrada da civilização neste mundo Industrializado. Embora não fosse um motor a vapor, no sentido moderno, esta máquina foi a primeira a fornecer energia mecânica proveniente do aproveitamento de vapor. Em 1712, Thomas Newcomen aperfeiçoou a máquina de Savery (84), incluindo o acoplamento de um cilindro e de um êmbolo. Mas foi só em 1763 que James Watt compreendeu que o rendimento energético aumentaria significativamente, se a condensação do vapor decorresse no exterior do cilindro, ou seja, se o aquecimento e o arrefecimento se fizessem em zonas distintas.49 A máquina de Watt podia assim, ser aplicada em inúmeros processos mecânicos (85). O vapor era, em relação à energia eólica e hídrica, uma energia potente e menos dependente das condições locais e atmosféricas. A força do vapor foi, por isso, substituindo gradualmente todas as outras formas de energia existentes. Esta invenção esteve na origem da Revolução Industrial e transformou os meios de transporte. Mas foi, sobretudo, geradora de uma profunda alteração da organização da sociedade. Em meados do século XVIII em Inglaterra ocorreram importantes transformações técnicas e industriais, que se alastraram no decorrer do século XIX ao continente Europeu, América do Norte e Japão. Este conjunto de alterações foi intitulado pelos historiadores de Revolução Industrial. 48 Nesta máquina “o vapor, proveniente de água aquecida até à ebulição numa caldeira, entrava numa câmara. Esta câmara, depois de fechada a entrada de vapor, era arrefecida por aspersão com água fria, o que provocava a condensação do vapor no seu interior. O vácuo criado desta forma era então aproveitado para puxar água da mina.” Máquina a vapor. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto: Porto Editora, 2007. 49 Cf. Máquina a vapor. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto : Porto Editora, 2007. Design e Vida 40 No inicio do século XVIII, Inglaterra era um país que vivia de uma agricultura próspera. Atravessava uma revolução estratégica na agricultura, composta por um corpo de leis que tinham como objectivo aumentar a produção agrícola. Para isso, transformou o espaço rural, introduziu novas espécies de vegetais e animais (ou o seu apuramento), e aplicou novas técnicas e processos de produção. Desta forma, as terras foram divididas pelos grandes latifundiários (expropriando muitas pequenas propriedades), de forma a garantir grandes volumes de produção. Com este investimento na agricultura, introduziram-se novas técnicas de cultivo, entre as quais a rotação de culturas sem pousio, o cultivo de espécies mais produtivas e a mecanização. Os resultados não tardaram a aparecer, e na primeira metade do século XVIII a produção agrícola cresce 20%, aumentando em quantidade e em qualidade. Desta forma houve um natural crescimento de capital e os produtos agrícolas essenciais (carne, leite e derivados, legumes, batata, cereais, etc.) passaram a existir em abundância, A dieta dos ingleses melhorou consideravelmente, aumentando a esperança de vida e o crescimento natural da população, o que também representou uma importante e abundante mão-deobra. Por outro lado, havia em Inglaterra bons portos e canais, que facultavam muito boas condições de transporte para o escoamento e circulação de produtos, tanto em território nacional como internacional ou colonial. Este conjunto de factores proporcionou a Inglaterra as condições ideais para iniciar o processo daquilo a que mais tarde se veio a chamar a Revolução Industrial. Mas a “Revolução” só aconteceu porque em Inglaterra havia uma Burguesia muito activa que estava verdadeiramente interessada em multiplicar o seu dinheiro. Ela era detentora de importantes capitais e estava ciente de toda esta dinâmica produtiva e comercial. Por outro lado, a nível tecnológico, Inglaterra fez, ao longo do século XVIII, importantes descobertas. Em 1733, Richard Arkwright50, inventa a máquina de cardar e em 1785 o mecânico Cartwright cria o tear mecânico. Mas de todas as invenções a mais 50 Richard Arkwright após a sua invenção criou uma próspera fábrica textil, tornando-se o primeiro inventor a criar com sucesso um sistema de produção em massa. Design e Vida 41 importante, e de plural aplicação, foi a máquina a vapor de James Watt, com introdução de uma inovadora fonte de energia. O primeiro impacto da energia do vapor foi na indústria mineira, mas a máquina a vapor foi sem dúvida o grande impulsionador da expansão da indústria têxtil inglesa da segunda metade do século XVIII. Como já havia sido referido, esta era já uma indústria emergente mas que, antes do vapor, estava dependente da força do moinho de água. Curiosamente, ao contrário do que se poderia pensar, o vapor não veio logo substituir os moinhos, mas veio primeiramente servir para bombear água para os moinhos funcionarem (com o auxilio da máquina de T. Savery). Só mais tarde, com a invenção de Watt, é que foi directamente usado como força motriz, associada ao tear mecânico e à máquina de cardar. A revolução industrial, para além de ser caracterizada pela adopção do vapor, é também referida pelo significativo aumento do uso de maquinaria, que substituiu progressivamente o trabalho manual. Maquinaria esta que tinha, também ela, de ser fabricada. Foi desta forma que se deu um enorme salto evolutivo ao nível das técnicas. Outro sector que teve um enorme crescimento nesta época foi a metalurgia. O ferro era utilizados para fazer todos os tipos de maquinaria e com a invenção da locomotiva, a indústria metalúrgica foi extremamente necessária na construção de carris por toda a Inglaterra. Também na construção o ferro e o aço surgiram como uma alternativa eficaz aos materiais utilizados até então. Entre 1740 e 1850 a produção de ferro na Grã-Bretanha subiu de 17.000 toneladas, para 1,4 milhões de toneladas ano.51 Alguns historiadores referem a Revolução Industrial Inglesa como servindo de ponto de partida para uma denominada revolução dos transportes, visível quer na construção de uma rede de canais, quer na construção contínua de milhares de quilómetros de caminhos-de-ferro, principalmente no século XIX. Com a invenção de Watt, a energia do vapor generalizou-se e foi, para além da indústria, aplicada aos transportes. Em Inglaterra, entre 1830 e 1850, a rápida difusão da locomotiva altera radicalmente o panorama visual da cidade Vitoriana. “E não apenas o panorama visual: as linguagens literária, e até a quotidiana, aparecem saturadas de 51 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. London,Time Warner Books UK. p.95 Design e Vida 42 metáforas mecânicas de todos os tipos”52. Pela primeira vez, o homem vitoriano verifica a irrupção do mecânico no orgânico.53 A energia do vapor, não revolucionou só os transportes terrestres, como também os transportes no mar. Em 1787, o metalúrgico Inglês, John Wilkinson, lança no rio Severn o primeiro navio com casco de ferro. E no inicio do século XIX, foi associado aos navios de ferro, um motor a vapor.54 O Design de produtos é um processo de criação, invenção, e também de definição dos processos de produção. A Indústria veio acrescentar ao processo de criação, todo um novo modelo produtivo, capaz de multiplicar a reprodução dos objectos por meios mecânicos. A liberalização do comércio foi, sem dúvida, um importante impulsionador dos investimentos na indústria Inglesa e isso explica o porquê de nesta época, a maioria dos nomes associados ao design e à produção, não serem artistas e designers, mas sim empreendedores e inovadores comerciantes, tais como Boulton, Chippendale, e Wedgwood. Matthew Boulton herdou em 1759 o negócio do seu pai. Produzia quinquilharias e pequenas peças de metal. Foi sobretudo importante pela forma que encontrou de vencer a concorrência, alterando os métodos de produção reduzindo os custos. Tinha uma enorme visão comercial e associa-se a James Watt na produção e comercialização da máquina a vapor. Thomas Chippendale começa por fabricar móveis (era um cabinet-maker), mas mais tarde associa-se a outros artesãos, com os quais trabalha em conjunto, com o objectivo de fabricar os seus próprios desenhos. Tinha uma série de oficinas a trabalhar para ele e ficou para a história pelo facto de ter separado a fase de projecto da fase de produção, ou seja separar o trabalho do designer do trabalho do fabricante. 52 MALDONADO, Tomás. 1991. Design Indústrial. Lisboa: Edições 70. p. 29 53 Cf. MALDONADO, Tomás. 1991. Design Indústrial. Lisboa: Edições 70. p. 29 54 É de salientar que o navegador Inglês James Cook (que descobriu, em 1770, a Austrália e a Nova Zelândia) e que morreu violentamente nas ilhas do Havai em 1779, ainda viajava em navios de madeira, mais sofisticados, mas muito semelhantes aos utilizados pelos Portugueses, nos descobrimentos, 300 anos antes. Cf. 54 WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. London,Time Warner Books UK. p.86 Design e Vida 43 Josiah Wedgwood55, construiu uma fábrica de olaria e cerâmica, que ficou na história pela forma como o seu sucesso comercial foi conquistado. Wedgwood subdivide o trabalho dos operários56, fazendo com que estes efectuem apenas uma tarefa na totalidade do processo de fabrico. Inova, introduzindo moldes que permitem uma uniformização das peças produzidas. Promove a investigação, descobre novos vidrados, procura uma faiança mais barata, e utiliza o transfer (para impressão das peças, em vez de serem pintadas à mão). Por outro lado, como o seu sucesso se torna internacional, faz investimentos políticos no sentido de criar canais para o transporte das suas porcelanas. A empresa de Wedgwood tinha uma importante consciência de mercado e nessa perspectiva, criou diferentes linhas de produtos em função das classes económicas a que se destinavam. Como exportava para um mercado internacional, investigava os costumes dos países e adaptava-se aos hábitos dos potenciais compradores (como na Turquia se bebe chá em taças, Wedgwood produz chávenas sem asa). Foi sem dúvida uma empresa projectada com uma importante visão estratégica e cujo modelo foi mais tarde aproveitado por outras indústrias. Em Chippendale, Boulton e Wedgwood verifica-se uma tendência para integrar novos sistemas de laboração com carácter nitidamente industrializado, apesar de manterem esquemas estilísticos do passado (excessivamente ornamentados, como os objectos feitos à mão, em que, de certa forma, quanto maior o número de detalhes decorativos, maior era o valor do objecto) 57. 55 Curiosamente, Wedgwood era avô materno de Charles Darwin. 56 Um importante contributo para a organização do trabalho, foi dado pelo Escocês Adam Smith (1723 1790). A sua obra principal foi An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (A Riqueza das Nações, 1776), e o aspecto mais importante de todo o seu raciocínio económico é a explicação da forma como, numa economia de mercado, a busca do interesse próprio por parte de cada indivíduo conduz à maximização do bem-estar de toda a sociedade, em que o sistema de mercado funciona perfeitamente. Nas suas análises deu especial ênfase aos factores produtivos do trabalho, tendo considerado que a organização da divisão do trabalho era um factor fulcral no aumento da produtividade e, consequentemente, fundamental para o equilíbrio e progresso das economias. Ao teorizar sobre o funcionamento das fábricas, defendia que a capacidade produtiva melhorava se a actividade de cada operário fosse reduzida ao mais simples e fundamental, de forma optimizar a sequência produtiva. 57 Cf. DORFLES, Gillo. 1963. Introdução ao Desenho Indústrial. Lisboa: Edições 70. p.17 Design e Vida 44 Diciopédia, 2008 86. Vista exterior do Crystal Palace, edifício que acolheu a Great Exhibition de 1851. Em 1851, o Príncipe Alberto de Inglaterra, inspirando-se na Gewerbe Ausstellung de Berlim, de 1844, promove a Great Exhibition de Londres (em que participaram 14.000 expositores e seis milhões de visitantes), a que se seguiram várias outras exposições, em muitas cidades do mundo.58 Este evento tinha como objectivo expor o que melhor se fazia na indústria da época. Se por um lado a exposição de 1851 mostrava que a indústria Europeia ainda estava muito presa aos cânones estéticos da manufactura, em que os objectos eram sobrecarregados de detalhes decorativos (alguns autores consideram que a exposição veio mostrar a degradação estética daquele momento histórico)59, por outro lado, estavam expostos alguns objectos em que isso não era verdade, como as armas americanas e os sectores dedicados às máquinas, aos instrumentos técnicos, aos móveis estandardizados. Locomotivas, máquinas agrícolas, instrumentos de cirurgia, telescópios e armas, eram alguns exemplos daquilo que a Indústria fazia de melhor. 58 Em 1855, realiza-se a segunda exposição mundial em Paris, com 20.000 expositores e cinco milhões de visitantes; depois, de novo Londres, em 1862, com 29.000 expositores e seis milões de visitantes; em 1867 novamente Paris; E depois seguiram-se, Viena (1873), Filadélfia (1876), Paris (1878), Sydney (1879), Melbourne (1881), Paris (1889), Chicago (1893), e ainda outra vez Paris (1900). Cf. MALDONADO, Tomás. 1991. Design Indústrial. Lisboa: Edições 70. p. 27 59 Cf. MALDONADO, Tomás. 1991. Design Indústrial. Lisboa: Edições 70. p. 27 Design e Vida 45 De todos os objectos que estiveram expostos na Great Exhibition, o edifício que a acolhia, era sem duvida um dos mais inovadores e representativo daquilo que as novas tecnologias podiam fazer de melhor. O Palácio de Cristal (como foi intitulado) era um edifício todo feito de uma estrutura de ferro coberta de vidro e foi criado porque o Comité da Exposição pretendia uma estrutura ligeira, de construção fácil, rápida e barata que pudesse ser desmontada e posteriormente reconstruída noutro local. Nos Estados Unidos da América a proclamação da independência (4 de Julho de 1776), foi sucedida por um corte das importações Britânicas, que fez com que houvesse a necessidade de desenvolvimento da produção nacional. Como estavam em guerra com os ingleses era também urgente fabricar armas, visto que estas eram anteriormente importadas de Inglaterra. O facto de os Americanos, por esta altura, não terem um passado de produção artesanal bem como de produção industrial, faz com que todo o sistema produtivo tenha de ser pensado de raiz. Surge assim uma nova forma de pensar a indústria e, consequentemente, os objectos.60 Há também a necessidade de criar armamento em quantidade e com rapidez. Em 1782 Thomas Jefferson61, que à data era embaixador Americano em França, defende numa carta que o armamento, mais concretamente os mosquetes, deveriam ser todos feitos de forma idêntica, para que qualquer peça pudesse ser usada noutro mosquete.62 O fabricante de armamento Eli Whitney faz em 1791 um contrato com o governo Americano, para fabricar dez mil mosquetes. Este contrato só foi completo 7 anos depois 60 Na Europa, por outro lado, a resposta á industrialização foi condicionada pela adaptação dos processos artesanais à indústria e, consequentemente, pela ideia de que quanto maior era a quantidade de trabalho, maior era o valor do objecto. 61 Thomas Jefferson (1743 - 1826) foi deputado pela Virgínia ao 1.o Congresso Continental de Filadélfia, em 1774, tendo sido o redactor da Declaração de Independência dos E. U. A. (4 de Julho de 1776). Entre 1785 e 1789 esteve no posto de Embaixador em França, tendo contactado, na atmosfera parisiense, com os mais eminentes pensadores franceses. É escolhido por George Washington para secretário de Estado entre 1790 e 1793. Alcançou o cargo de vice-presidente dos E. U. A. em 1797. E em 1800, foi eleito 3.o presidente dos E. U. A., sendo reeleito em 1804. Um ano antes (1803), decidiu-se pela aquisição da Louisiana à França. Em 1809, recusa ser eleito pela 3.a vez. Nos seus dois mandatos presidenciais, incutiu nas instituições americanas os princípios conducentes à formação de uma sociedade democrática, baseada nos pequenos proprietários, livres e em igualdade de direitos e obrigações, à imagem daquilo que os filósofos franceses do seu tempo defendiam (Liberdade, Igualdade e Fraternidade). Cf. Thomas Jefferson. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto: Porto Editora, 2007. 62 Cf. HESKETT, John. 1980. Indústrial Design. United Kingdom: Thames & Hudson Design e Vida 46 mas apesar de limitados, os mosquetes de Whitney já apresentavam algumas peças intermutáveis. Mas outros fabricantes de armas dos EUA, como Simeon North e John Hancock Hall, repensaram todo o processo de fabrico das armas. Indústrial Design. 2009 87. Espingarda de John Hancock Hall (1824), um precursor da produção em massa. 88. Revolver Colt’s Navy (1851). A produção de armamento Americana foi inovadora, sobretudo na produção de produtos estandardizados, com peças permutáveis que se podem mudar em caso de avaria. Para isso, todas as armas deveriam ser feitas de peças iguais e essas peças deveriam ser simplificadas ao máximo. Para além disso, todo o processo de produção das armas era mecanizado e o trabalho do operário era organizado segundo uma lógica de repetição de acções. Em meados do século XIX, este sistema atinge um elevado ponto de desenvolvimento, com os revólveres de Samuel Colt. Colt, tal como outros Americanos empreendedores da sua geração, juntou as invenções e os princípios que já vinham sendo postos em prática e combinou-os de uma forma distinta e eficaz. Não só aplicou de forma profunda e consciente os princípios da produção em massa, como teve um excelente “faro” para arte de vender e para a promoção dos produtos. Estes requisitos fizeram da sua empresa um sucesso, que ajudou a espalhar além fronteiras a noção do quanto o sistema de produção americano podia ser eficaz. Design e Vida 47 O sucesso deve-se à manufactura em série de produtos estandardizados, com peças intermutáveis, utilizando a máquina numa sequência de operações mecânicas simples. Não podemos dizer que este método de produção tenha sido inventado por uma só pessoa, foi uma ideia que emergiu de uma série de melhorias que vinham sendo feitas nessa altura e que foram apreendidas pelos fabricantes, numa estratégia de superar os competidores. O sistema de produção americano é caracterizado pela produção, a uma larga escala, de produtos estandardizados mas esta forma de produzir não só alterou os métodos de produção, como os organizou e coordenou. Alterou, também, a forma como os bens eram comercializados e sobretudo, mudou o tipo e a forma dos objectos produzidos. Nesta época, os objectos produzidos nos EUA eram mais simples, a forma do objecto era encontrada pela sua função e pelo método que a produzia, ao passo que os objectos fabricados na Europa estavam ainda presos a valores sociais, associados às tradições do fabrico artesanal, que ditavam o valor estético e comercial de um objecto, pela quantidade de trabalho que aparentava. Os objectos americanos, como o revólver de Colt, ou os relógios de Waterbury (no final do século XIX, a maior indústria era a relojoeira), não só eram efectivamente objectos de qualidade, como eram muito mais baratos. Os produtos americanos eram criticados pelos europeus, pela sua “falta de acabamento”, pela utilização de materiais alternativos e por serem de baixo custo. Mas a participação de grandes industriais americanos na Great Exhibition de 1851, fez com que esta forma de pensar começasse a mudar. Nos anos após a exposição os revólveres Colt, e os produtos de borracha da Goodyear, ganharam um considerável respeito. Na sequência da exposição, uma comissão Britânica deslocou-se aos EUA, para observar a sua indústria e concluiu que se Inglaterra quisesse continuar no topo dos países industrializados teria, de alguma maneira, de incorporar o modelo de produção industrial Americano. Desta forma, começa a haver por todos os países industrializados, uma mudança, nas técnicas de produção e, consequentemente, dos objectos que daí resultavam. A par da evolução nas técnicas produtivas e, consequentemente, dos objectos de consumo, evoluíam também as ciências que, por sua vez, davam um enorme contributo para este ciclo evolutivo da história. Design e Vida 48 No final do século XIX, Charles Algernon Parsons criou a turbina a vapor, que apresentava melhor rendimento que a máquina de Watt e que tinha a vantagem de produzir directamente o movimento rotativo, evitando o recurso aos sistemas de transmissão para transformar o movimento de vai e vem do pistão em movimentos rotativos. No entanto, “se no final do século XVIII e no início do século XIX as novidades eram a máquina a vapor e o carvão, na Segunda Revolução Indústrial, no final do século XIX, inícios do século XX, a grande conquista foi a electricidade e o motor de explosão;”63 pt.wikipedia.org Diciopédia 2008 89. Modelo da Pilha de Volta. 90. Vários tipos de pilhas eléctricas usadas actualmente. A descoberta do pára-raios, por Benjamim Franklin, no final do século XVIII, faz com que se generalize o estudo dos fenómenos eléctricos64. Em 1800 o físico italiano Alessandro Volta constrói o primeiro gerador de corrente eléctrica contínua: a pilha de Volta. 63 Antecedentes da Revolução Indústrial. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto : Porto Editora, 2007. 64 Há registos do estudo dos fenómenos eléctricos desde a antiguidade clássica. O filósofo, astrónomo e matemático grego Thales de Mileto (634 a.C. - 548 a.C.), ao esfregar um pedaço de âmbar numa pele de carneiro, observa que este atrai pedaços de palha, testemunhando uma manifestação de electricidade estática. No século XVI, o médico e cientista William Gilbert descobriu que para além do âmbar, também outras substâncias tinham a capacidade de atrair corpos leves quando friccionadas e decidiu designar essa força de atracção por electricidade. Design e Vida 49 Michael Faraday65, em 1821 apresentou o seu primeiro trabalho á Royal Institution, que explicava como fazer girar um magnete, aproximando-o de um fio atravessado por uma corrente eléctrica. Era o inicio do motor eléctrico. Mais tarde, Faraday inventa o primeiro gerador, uma máquina que transforma energia mecânica em energia eléctrica. Passou assim a ser possível transformar uma energia primária (a energia do carvão, por exemplo, que alimenta um gerador) em energia eléctrica. A energia eléctrica é, portanto, uma fonte de energia secundária, originada por uma energia primária. Hoje em dia são utilizados vários tipos de energias primárias, entre as quais temos o carvão, o petróleo, a água, o vento, a energia nuclear e a energia solar. Em geral, a forma mais utilizada para produzir energia eléctrica é através de centrais, em que uma fonte de energia primária é utilizada para produzir vapor de água, que produz uma corrente de alta pressão que movimenta a turbina (sistema muito semelhante ao da turbina de Charles Algernon Parsons), um sofisticado mecanismo acoplado ao gerador. A combinação da turbina e do gerador denomina-se turbogerador. É desta forma que uma energia mecânica (primária) é transformada em energia eléctrica e posteriormente transferida para habitações, indústrias, hospitais… etc. Compreendemos, na breve explicação anterior, de que forma surgiu a energia eléctrica, e como evoluiu até aos nossos dias. Mas o mais importante é o que esta forma de produção de energia veio proporcionar. Quando pensamos em electricidade, pensamos quase automaticamente na luz eléctrica, mas antes da invenção da lâmpada incandescente, a electricidade já dava o seu enorme contributo no campo das comunicações. 65 Michael Faraday (1791- 1867), foi um importante físico e químico britânico. Formulou as leis da electrólise e descobriu a indução electromagnética. Apesar dos seus feitos, não lhe foi possível interpretar todos os fenómenos observados. Em 1844, teve a intuição da equivalência entre matéria e energia, única chave para a explicação coerente da conversão do trabalho em energia eléctrica ou magnética. Mas só sessenta anos mais tarde, Einstein estabeleceu a relação entre massa e energia na sua teoria da relatividade. A teoria de Einstein revolucionou a Ciência do século XX e a história mundial. Design e Vida 50 Em 1835, Samuel Morse e Alfred Vail criam o telégrafo, formado por um aparelho emissor e um outro receptor, que permitia comunicar através de uma única tecla que, quando premida, fechava um circuito eléctrico emitindo um sinal. Para poder existir comunicação através deste sistema Morse criou um código, que traduzia o alfabeto em pontos e traços, possibilitando a escrita de frases através deste sistema (o código Morse). Criava assim, o primeiro meio de comunicação electrónico, que permitia a troca de mensagens a vários quilómetros de distância. Em 1843, e após muita contestação, Samuel Morse consegue apoio económico para construir uma linha que ligava Washington a Baltimore e o seu sucesso começa a espalharse por todo o Mundo66. Graças a Morse, o Mundo começou a ficar cada vez mais interligado. 91. Registos das patentes do telégrafo duplo e da lâmpada incandescente de Thomas Edison. O telégrafo era limitado, pois não permitia a transmissão de mais do que uma mensagem de cada vez. Perante este problema, um jovem de espírito curioso, que trabalhava num posto de telégrafos, cria o telégrafo duplo, registando a patente desta sua 66 Em 1858 havia telégrafos na Áustria, na Prússia, em França, e em Portugal. Design e Vida 51 invenção no ano de 1864. Este jovem, Thomas Alva Edison67, ao aperceber-se da necessidade de comunicações rápidas durante a Guerra Civil (1861-1865), dedica-se às invenções neste campo e em 1874, com 27 anos de idade, inventa um telégrafo que permite a transmissão de quatro mensagens em simultâneo. Mas o telégrafo obrigava ao conhecimento do código Morse, que complicava a utilização deste meio de comunicação. Por essa razão, evolui-se mais tarde para o telegrama e para o telefone68, levando ao desaparecimento do telégrafo primitivo. Thomas Edison enriqueceu com a sua invenção do telégrafo, capaz de enviar quatro mensagens em simultâneo, consegue, assim, a autonomia financeira que lhe permite criar o primeiro centro de investigação fora das universidades. Desta forma, continua a investigar e faz inúmeras descobertas. Descobertas estas que fazem com que muitos autores o considerem o maior inventor de todos os tempos. Em 1879 Edison desenvolve a primeira lâmpada de incandescência. Esta era uma lâmpada constituída por um filamento de carvão que aquecia com a passagem de corrente eléctrica até ao ponto de fusão e desta forma emitia luz. A haste de carvão era inserida numa ampola de vidro em alto vácuo, hermeticamente fechada. No entanto, o filamento de carvão tinha pouca durabilidade e não ultrapassava mais do que umas horas de uso. Perante este problema, Edison começa a fazer experiências com filamentos em ligas metálicas. Mais tarde, a lâmpada incandescente é melhorada, introduzindo-se novos e melhores materiais para o filamento. Em 1910, as ampolas de vidro começam a ser enchidas com um gás inerte, que diminui o consumo de corrente eléctrica. 67 O inventor norte-americano Thomas Alva Edison (1847 – 1931), desempenhou um papel fundamental no campo das comunicações e da electricidade. Registou 1093 patentes na área da tecnologia, incluindo a lâmpada eléctrica incandescente, o fonógrafo e o aparelho de projecção. Foi muito novo trabalhar para um posto de telégrafo e como tinha muito interesse pela fisica, mecânica e quimica, aos 17 anos de idade regista a sua primeira patente, um telégrafo duplo. “A sua descoberta, denominada efeito de Edison, fenómeno que consiste na emissão de electrões por metais incandescentes, está na base da lâmpada de díodo.” Cf. Thomas Edison. 2007. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto: Porto Editora. 68 O telefone foi criado em 1876. A sua invenção é normalmente atribuída a Alexander Graham Bell, embora hoje se reconheça o italiano Antonio Meucci como o verdadeiro precursor do telefone moderno. Um terminal telefónico é constituído essencialmente por um microfone, um auscultador e uma unidade de marcação de dígitos. O microfone transforma as ondas sonoras em sinais eléctricos, que são transmitidos para a rede telefónica. O auscultador realiza a operação inversa. O estabelecimento de uma chamada dá-se após a fase de sinalização, durante a qual existe um conjunto de procedimentos que permite estabelecer uma ligação (um percurso) entre dois telefones. Este processo consiste essencialmente na troca de sinais entre um telefone e uma central telefónica e entre centrais telefónicas. Design e Vida 52 Antes do final do século XIX a electricidade já era fornecida por centrais para o consumo público e as lâmpadas incandescente começavam a tomar o lugar da iluminação a gás.69 É importante referir que antes de a electricidade estar disponível nas habitações, distribuindo luz eléctrica por meio de lâmpadas incandescente, toda a iluminação era feita por velas, ou por lanternas de azeite e de gás. www.swe.siemns.com 92. Berlim, Primeira linha de carris eléctricos, 1879. Em 1879, Werner Von Siemens desenvolve o dínamo, que lançou definitivamente a tracção eléctrica e que cria em Berlim, o primeiro carro eléctrico. A energia era gerada num ponto fixo e distribuída por um cabo suspenso ou pelos carris. Em 1881, a empresa Siemens & Halske fundou em Berlim o primeiro serviço público de eléctricos, alimentados através dos carris por uma corrente de 180 volts. Em 1884, Frankfurt inaugura a primeira rede de sistema de eléctrico no Mundo (que funciona até hoje). Esta tecnologia foi, na sua época, muito importante na medida em que veio substituir o sistema de carruagens por tracção animal. 69 Cf. WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. London,Time Warner Books UK. p.95 Design e Vida 53 As potencialidades da corrente eléctrica continuaram a ser estudadas por vários investigadores da época. Outro alemão, o físico Heinrich Hertz (1857-1894), descobre, em 1887, o efeito fotoeléctrico70. Na sequência dos seus estudos é o primeiro a produzir e a estudar ondas electromagnéticas e, consequentemente, é também o primeiro a criar um aparelho emissor e receptor de transmissão de energia à distância. Estava a criar as primeiras ondas de rádio, que tomaram o nome de ondas hertzianas. Em 1890 o engenheiro electrónico Guglielmo Marconi71 faz a aplicação prática dos princípios da Telegrafia sem Fios72 (princípios que se devem ao trabalho de Branly73 e Hertz) e em 1897 demonstra a possibilidade de comunicar a uma distância de 4 quilómetros. Em Julho do mesmo ano, em Itália, aumenta essa distância para 18 quilómetros, em 1899 transmite o primeiro telegrama entre Inglaterra e França e em 1902 é enviada a primeira mensagem radiotelegráfica entre o Canadá e a Inglaterra. Eram as primeiras aplicações práticas das ondas electromagnéticas, fundamentais para a transformação da sociedade em que vivemos na Era da Comunicação. 70 A equação que descreve a velocidade de emissão dos electrões no efeito fotoeléctrico, foi, mais tarde, proposta pelo físico alemão Albert Einstein. Cf. Efeito fotoeléctrico. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto : Porto Editora, 2007. 71 Guglielmo Marconi (1874-1937) recebeu em 1909 o prémio Nobel da Fisica, que didviu com o alemão Karl Braun. 72 Telegrafia sem fios, ou TSF, são transmissões telegráficas por ondas electromagnéticas ou radioeléctricas, e do tipo múltiplo, processo que utiliza a transmissão simultânea de várias informações através de um único circuito ou de uma banda de radiofrequência, como é o caso da fantomização dos circuitos telefónicos. 73 O físico francês Edouard Branly (1844-1940), realizou investigação sobre electricidade, magnetismo e electrostática. Nesta última área, fez investigações sobre a descarga de corpos electrizados por acção da luz e experiências de telecomando. Ficou conhecido por ter inventado um radiocondutor que permitia a recepção de sinais de telegrafia sem fios, aparelho que Marconi utiliza para transmissões à distância. Design e Vida 54 www.htforum.com www.leedeforest.org 93. Válvula de tríodo, Lee de Forest (1906). 94. Amplificador actual com válvulas de tríodo. O americano Lee de Forest74 desenvolve em 1906 a válvula de vácuo (ou válvula de tríodo), que vem permitir a transmissão de sons. A descoberta de Forest permite a transmissão radiotelefónica75, por outras palavras, era a tecnologia que faltava para o aparecimento do rádio76. www.tvhistory.tv 95. Televisão, General Electric HM171, do ano de 1939. www.samsung.com 96. Televisão, modelo Série 7, da Samsung (2009) 74 Lee de Forest (1873-1961) foi um físico norte-americano que trabalhou em pesquisas sobre electricidade e propagação de ondas electromagnéticas. Compôs uma tese sobre reflexão de ondas hertzianas e em 1906 inventa a válvula electrónica de três elementos ou, como ficou conhecida na época, "audion". Se Edison inventou a lâmpada de incandescência e Fleming a válvula de dois eléctrodos, díodo, que foi um enorme avanço para a rádio, Lee de Forest ao introduzir o terceiro elemento na válvula de Fleming, mudou o rumo da rádio e a rádio entrou numa nova era e nunca mais deixou de ser usada, nem mesmo depois da introdução do transístor em 1947. A válvula de três ou mais eléctrodos ainda hoje é utilizada. 75 As comunicações rádiotelefónicas, são os percursores dos telemóveis, como será explicado no segundo capitulo desta dissertação. 76 A comunicação por rádio baseia-se na capacidade das ondas hertzianas de transmitirem uma parte da sua energia aos electrões livres de um metal (na antena), produzindo neste uma corrente eléctrica alterna com frequência idêntica à da onda. Para que haja comunicação via rádio têm que existir um emissor e um receptor. No emissor encontra-se o gerador da onda portadora, que produz uma onda com uma frequência exacta (a chamada frequência da estação). Design e Vida 55 As ondas hertezianas foram também fundamentais para a criação daquele que foi, sem dúvida, um dos mais importantes meios de comunicação do século XX: a televisão. A televisão é uma tecnologia que se baseia em dois princípios: a persistência das imagens na retina, que permite que uma sucessão de imagens fixas dê a sensação de continuidade do movimento, e a decomposição de imagens em pontos passíveis de serem transmitidos através de ondas hertzianas.77 A televisão não foi apenas inventada por uma só pessoa. Várias descobertas, efectuadas ao longo de vários anos, permitiram criar a “caixa” que mudou o mundo. De todas as invenções que estiveram na sua origem podemos destacar o tubo de raios catódicos78 (1897), criado pelo alemão Karl Braun79, e o iconoscópio de Vladimir Zworykin80 (1934). A invenção de Zworykin, foi precursora dos tubos de imagem das câmaras de televisão actuais, permitia decompor uma imagem em milhares de pontos, convertidos num sinal modulado. Em 1936 surgiram as primeiras emissões regulares de televisão, feitas em Londres pela BBC. Numa primeira fase, a televisão era apenas transmitida a preto e branco. Em meados do século XX surgiu o primeiro sistema de codificação de cor o NTSC (mais tarde surgem o SECAM e o sistema PAL)81. Actualmente, as tecnologias associadas à televisão evoluíram bastante. Hoje, a codificação do sinal (emissão e recepção) pode ser feita de forma digital. Processo este que traz uma significativa melhoria da qualidade de recepção da imagem e do som. 77 Cf. Televisão. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto : Porto Editora, 2007. 78 Um tubo de raios catódicos, de sigla TRC, consiste num dispositivo que fornece a imagem no ecrã no tubo de televisão, no visor do radar e no osciloscópio de raios catódicos. 79 Físico alemão galardoado com o Prémio Nobel da Física em 1909, em conjunto com Guglielmo Marconi, pelo desenvolvimento da Telegrafia Sem Fios (TSF). 80 Vladimir Zworykin (1889-1982), engenheiro, nasceu na Rússia mas naturalizou-se americano. Inventou o iconoscópio do transmissor de televisão e o cinescópio do receptor. Devem-se-lhe ainda outros progressos técnicos, nomeadamente a invenção do microscópio electrónico, que se tornou um instrumento fundamental na investigação em disciplinas como a Biologia e a Medicina. 81 Nestes sistemas as imagens são reproduzidas através da combinação de três cores (vermelho, verde e azul) e para isso cada imagem é decomposta em três imagens, correspondendo cada uma a uma das cores. Design e Vida 56 Se o rádio foi fundamental na difusão de informação até ao final da segunda guerra mundial, na década de 50 a televisão começa a difundir-se, tornando-se num dos principais meios de comunicação. A televisão é, hoje em dia, o meio de comunicação com maior impacto na sociedade. Expandiu-se para todas as partes do mundo e a velocidade com que distribui a informação encurta as distâncias entre diferentes culturas. É, sem dúvida, uma das grandes responsáveis por vivermos num mundo global. Diciopédia 2008 97. Cinematógrafo dos irmãos Lumier. www.wordiq.com 98. Câmara obscura. Mas, neste contexto evolucionista, é importante referir que só foi possível transmitir uma sequência de imagens numa televisão porque, em 1895, os irmãos Lumier deram a conhecer ao mundo o cinematógrafo, precursor das máquinas de filmar. Por outro lado, um cinematógrafo é um aparelho com o qual, por meio da fotografia, se reproduzem cenas animadas, ou seja, nunca teria existido sem a invenção da câmara fotográfica. A fotografia, por sua vez, tem os seus antepassados na câmara obscura82 do Renascimento. É ainda de salientar que o espectro electromagnético83, que permite a existência do rádio e da televisão, vem também posteriormente dar origem ao telemóvel e, 82 Compartimento mantido na obscuridade, dispondo de um orifício num dos lados. A luz que entra por este orifício projecta na parede oposta uma imagem invertida dos objectos exteriores. Foi muito utilizada pelos pintores do renascimento como auxiliar de desenho. 83 O espectro electromagnético consiste no conjunto de todas as frequências observadas em fenómenos electromagnéticos, que vão desde alguns hertz nas ondas cerebrais beta até aos 100 000 THz da radiação, passando pelas ondas de rádio (longas, médias, curtas e ultracurtas), as microondas, os infravermelhos, a luz visível (segundo a série vermelho, amarelo, verde, azul e violeta) os ultravioleta, os raios X e os raios gama. Cf. Espectro Electromagnético. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto: Porto Editora, 2007. Design e Vida 57 surpreendentemente, ao microondas. A descoberta deste espectro tem sido fundamental, em variadas áreas, na evolução de tecnológica. 99. "Guernica", óleo sobre tela de Pablo Picasso (1937). 100. Diego Rivera, mural “Homem na Encruzilhada” (1933). http://mikeely.files.wordpress.com http://www.waltlockley.com/rockcenter/0430rock/0430rock.htm O século XX foi um século de rápidas evoluções e de contrastes. Dá-se uma grande mudança na estrutura da sociedade. A implantação de sistemas democráticos em muitos países do globo, a adopção programas educativos e importantes reformas sociais, foram veículos fundamentais para todo o desenvolvimento que se deu neste século. As cidades desenvolvem-se de forma acelerada, a classe média ganha poder numa sociedade massificada e as novas descobertas científicas provocam grandes avanços tecnológicos. Design e Vida 58 O século XX viu também o surgir de importantes regimes ditatoriais84, de duas grandes guerras85 e uma enorme corrida ao armamento. Todas estas alterações estiveram ligadas ao enorme desenvolvimento tecnológico que se deu ao longo do século, alteraram as necessidades e provocaram uma consequente evolução. O ritmo das cidades alterou-se as exigências das populações também. A alteração do modelo social, por exemplo, trouxe consigo a emancipação da mulher, que passou a trabalhar fora de casa. Neste sentido, o aparecimento de inúmeros dispositivos para auxílio do trabalho doméstico foi muito bem recebido, na medida em que reduziam o tempo dispendido neste tipo de tarefas. Por outro lado, com as Grandes Guerras, os países procuraram melhorar o armamento, os meios de comunicação e tudo o que lhes pudesse dar uma vantagem em relação ao inimigo. Diciopédia 2008 101. Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Isaac Newton, Albert Michelson, Albert Einstein, bomba atómica... Uma das figuras mais proeminentes do século foi, sem dúvida, Albert Einstein86. O seu pensamento ciêtifico revolucionou a física, a nossa concepção de espaço-tempo, energia e matéria ao criar a sua teoria (resumida na famosa fórmula E=mc2) 87 . 84 No século XX, surge o fascismo de Mussolini em Itália (1924-1943/45), o Nazismo germânico (19331945), o leninismo e estalinismo na URSS (1917-1991), o Franco em Espanha(1939-1945), o Estado Novo em Portugal (1926-1974), e na segunda metade do século, o Chile de Pinochet (1973-1990), Cuba, Argentina, Iraque, Afeganistão, e outros. 85 Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e Segunda Guerra Mundial (1939-1945). 86 Albert Einstein nasceu em Ulm, na Alemanha em 1879, e morreu no ano de 1955, em Princeton nos Estados Unidos da América. Em 1900 formou-se na Escola Politécnica de Zurique em Matemática e Física e, dois anos mais tarde, começou a trabalhar numa empresa de patentes em Berna. Foi também professor nas universidades de Zurique e Berlim, e membro da Academia de Ciências da Prússia. Nos primeiros anos do século XX, Einstein desenvolveu um conjunto de teorias que estabeleceram a equivalência entre massa e energia, instaurando uma nova perspectiva na consideração do espaço, do tempo e da gravidade. Em 1905, publicou nos Anais de Física cinco artigos que revolucionaram a Física newtoniana. Em 1915, através da teoria da relatividade geral, Einstein estende o princípio da relatividade a todos os movimentos da Física. Recebeu o Prémio Nobel da Física em 1921. Cf. Albert Einstein. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto : Porto Editora. 2007. Design e Vida 59 Também para Einstein os fenómenos electromagnéticos foram fundamentais na elaboração, em 1905, da teoria da relatividade especial. Para que pudesse concluir que o espaço e o tempo não são independentes entre si, mas relativos, formando uma conexão espaço-tempo, e que a massa é uma grandeza relativa, variando com o movimento e sendo equivalente à energia, Einstein teve de aliar a teoria da relatividade clássica de Issac Newton88 aos fenómenos electromagnéticos.89 Einstein, tal como qualquer cientista, baseou-se em trabalhos científicos anteriores e, nesse sentido, foram vários os que contribuíram para a elaboração das suas teorias, entre os quais, Galileu Galilei (1564-1642), Isaac Newton (1642-1727), o cientista dinamarquês Olaüs Roemer (1644-1710), o francês Hipólito Fizeau (1819-1896) e o norte-americano Albert Michelson (1852-1931) prémio Nobel de Física em 1907. Voltando à sua teoria, se a energia é igual à matéria, basta pegar num pouco de matéria e transformá-la em energia, que tem o seu valor ao quadrado. O princípio da aniquilação de matéria deixou fascinados os cientistas e tecnólogos da época. A teoria de Einstein está na base da descoberta da bomba Atómica. Que em 6 de Agosto de 1945, rebenta na cidade de Hiroshima, no Japão, destruindo tudo o que havia pela sua frente. Logo de seguida, mais uma bomba atómica é lançada em Nagazaki. Estava terminada a segunda guerra mundial. Acabámos, assim, de demonstrar o poder da ciência. As suas descobertas têm tanto de fantástico como de imprevisível. Os fins, ao qual é aplicada, são aqueles que o Homem quiser. A par da bomba atómica e do conceito da aniquilação de matéria de uma forma controlada, também se criaram as centrais nucleares para a produção eficaz de energia eléctrica. 87 E=mc2 ou a energia é igual à massa de um corpo multiplicado pela velocidade da luz ao quadrado. 88 Isaac Newton (1642-1727) foi um físico e matemático inglês. Ficou conhecido pela formulação das três leis do movimento, consideradas os princípios da Física Moderna, de onde resultou a formulação da Lei da Gravitação. Newton ao demonstrar que a Lei da Gravitação é universal, introduz um novo paradigma. Como matemático, inventou o cálculo infinitesimal e descobriu o teorema do binómio. Em 1672, entra para a Royal Society, e apresenta a sua teoria intitulada Nova Teoria sobre a luz e a cor, na qual enuncia que a luz branca é composta por muitas cores, tendo chegado a este resultado através de um prisma óptico. 89 Cf. Albert Einstein. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto : Porto Editora, 2007. Design e Vida 60 São muitos os campos em que a ciência evolui e consequentemente as técnicas e objectos que acaba por proporcionar. Desde áreas como a medicina ao aeroespacial, o homem não tem parado o seu desejo de descoberta e de criação. Como acabámos de observar, uma descoberta leva a outra e o conhecimento interliga-se para tentar responder às necessidades do homem. Desta forma a ciência faz-se, camada sobre camada, num ciclo contínuo que só acabará, se o homem também acabar. Por outro lado, vemos acontecer na sociedade uma série de factores que influenciam este ciclo evolutivo. Mas esses acontecimentos são, também eles, fruto de um consequencial desenrolar de acontecimentos. A Revolução Industrial, apesar de rápida e de uma dimensão incalculável, ocorreu de uma série de alterações graduais, que em determinada altura, todas conjugadas, proporcionaram este salto evolucional. O desenvolvimento ocorrido na Europa dos séculos XVIII e XIX é o fruto de um lento caminho percorrido a partir dos derradeiros anos da Idade Média e do Renascimento, que geraram diferentes disponibilidades materiais e intelectuais. Com essa época foi possível a acumulação de capitais pelo tráfico de produtos dos territórios recentemente descobertos acompanhados por uma mentalidade individualista propícia à iniciativa. A própria Idade Média e o Renascimento foram elas também fruto de uma longa história civilizacional que as precedeu. A teoria de Darwin de que pequenas alterações podem produzir grandes efeitos, é espelhada nesta análise que acabamos de efectuar. O conceito de pequenas alterações cumulativas que foi utilizado como chave na origem das espécies, é também aplicável na evolução das técnicas que proporcionaram as fases evolutivas da história da humanidade. Pequenas descobertas, como os efeitos de martelar uma matéria com outra matéria mais dura, vieram mais tarde originar, por exemplo, a maravilhosa técnica de furação através de um peão ou as rudimentares formas de fazer fogo, mecanismo que poderá estar na origem da engrenagem, princípio básico da mecânica moderna. Podemos, por isso, concluir que uma descoberta simples permite a aparição de muitas outras, num complexo ciclo progressivo. Da mesma maneira que Curvier sugere o princípio da correlação dos órgãos “a forma do dente implica com a forma do côndilo, a da omoplata, a das unhas, do mesmo Design e Vida 61 modo que a equação de uma curva implica todas as suas propriedades...” é também inegável, que numa lógica semelhante, a pedra lascada precedeu á pedra polida, que o bronze sucedeu ao cobre, etc.90 90 Cf. LEROI-GOURHAM, André. 1984. Evolução e Técnicas, I-O Homem e a Matéria. Lisboa: Edições 70. p.30 Design e Vida 62 2. MEIO E CONDICIONALISMO Fauna e flora diferem de continente para continente, das montanhas para os desertos. Ao observarmos a Natureza, podemos verificar como os seres vivos estão adaptados ao meio em que vivem. Charles Darwin, ao analisar fósseis e organismos recolhidos nas Ilhas Galápagos, durante a sua viagem a bordo do navio hidrográfico Britânico, HMS Beagle (de Dezembro de 1831 a Outubro de 1836), concluiu que apesar do arquipélago ter sido povoado a partir do continente americano, as características particulares de cada ilha, condicionaram a evolução de cada espécie e daí as diferenças existentes na biodiversidade de cada ilha. As ilhas evoluíram todas a partir de um elo comum (o continente americano), mas a forma como se diferenciaram, foi o objecto de estudo de Darwin, para compreender a forma como estas alterações aconteciam. Em Setembro de 1838, Darwin lê o livro, An Essay on the Principle of Population, do economista britânico Thomas Robert Malthus. O Autor afirmava que a humanidade tinha uma tendência natural para aumentar. No entanto, a produção de alimentos não conseguia acompanhar esse crescimento. Apesar disso, havia um equilíbrio aproximado de alimentos e população porque, segundo o autor, o número de indivíduos era restringido pelas limitações naturais, como a morte, a fome e a doença, ou por razões humanas (sociais), como a guerra, a abstenção sexual e práticas pecaminosas como o infanticídio. Malthus afirmava que estas limitações que recaíam normalmente sobre os mais fracos (mais pobres e mais doentes) da sociedade eram uma parte necessária à existência humana. Após ter lido An Essay on the Principle of Population, Darwin envolveu-se ainda mais na questão de como os animais e plantas podiam efectivamente mudar e de que forma os recursos alimentares poderiam ter influência nas alterações que observava nas espécies. Apercebe-se de que há uma luta pela sobrevivência e que os organismos mais fracos têm tendência a morrer primeiro, permitindo a continuidade de formas mais Design e Vida 63 saudáveis ou mais adaptadas. Consequentemente, seriam os mais fortes (mais saudáveis, e mais adaptados) que sobreviveriam e que, naturalmente, produziriam descendência. “Os recursos limitados, a escassez de habitats e uma fecundidade natural contínua tinham dado origem à batalha pela sobrevivência.”91 Se esta luta pela sobrevivência se repetisse em contínuo, de geração em geração, os organismos teriam tendência a ajustar-se de forma mais adequada às condições da existência. Foi a isto que Darwin chamou de “selecção natural” e é esta a teoria que serviu de base para o seu trabalho. “Selecção natural era o método através do qual algumas espécies prosperavam, enquanto outras falhavam.”92 “Que guerra a de insecto contra insecto, entre insectos, caracóis e outros animais contras aves e animais de rapina – lutando todos por proliferar, alimentando-se todos uns dos outros ou das árvores, das sementes e dos rebentos, ou das plantas que inicialmente cobriam o solo e haviam consequentemente impedido o crescimento das arvores”, escreveu Darwin em A Origem das Espécies. Sistematizando o conteúdo da teoria da selecção natural, podemos concluir o seguinte: - Os seres vivos, mesmo os da mesma espécie apresentam variações entre si. - As populações têm tendência para crescer em progressão geométrica. - No entanto, o número de indivíduos de uma espécie geralmente não se altera muito de geração em geração. - Em cada geração, uma boa parte dos indivíduos é naturalmente eliminada porque se estabelece entre eles uma “luta pela sobrevivência” devido à competição pelo alimento, refúgio, espaço e fuga aos predadores. - “Sobrevivência do mais apto”; nesta luta, sobrevivem os que estiverem melhor adaptados, isto é, os que possuírem as características que lhes conferem qualquer vantagem em relação aos restantes, que ao longo do tempo serão eliminados progressivamente. Existe pois uma selecção natural, processo que ocorre na natureza e pelo qual só os indivíduos mais bem dotados relativamente a determinadas condições do ambiente sobrevivem 91 BROWN, Jane. 2008. A Origem das Espécies de Charles Darwin. Lisboa:Gradiva. 92 BRYSON, Bill. 2006. Breve História de Quase Tudo. Lisboa:Quetzal Editores. p.381 Design e Vida 64 - Os indivíduos mais bem adaptados transmitem essas características à descendência. A acumulação das pequenas variações determina a longo prazo a transformação e o aparecimento de novas espécies. Como o objectivo desta dissertação é estabelecer um eventual paralelismo entre a evolução da vida natural e a evolução da vida material tentaremos, por isso, verificar se existe uma “selecção natural” nos objectos que o homem fabrica. Na vida material, o homem tem vindo a criar ferramentas que o auxiliam no seu dia-a-dia, tanto numa perspectiva prática, como cultural ou religiosa. Os objectos surgem exponencialmente, tanto em quantidade como em diversidade. É nessa profusão de objectos e sua adaptação às necessidades do Homem que tentaremos compreender as razões que tornam uns objectos mais aptos do que outros. Para isso, analisaremos os objectos numa perspectiva global estudando a função e a procura que os enquadra num contexto sócio/cultural. Os objectos de consumo lutam pelo seu destaque no mercado. No mundo global, com uma economia também ela globalizada, os objectos têm tendência para crescer em progressão geométrica. Há uma grande quantidade de objectos, que acaba por não vingar no mercado e outros que apesar de terem sido sucessos de vendas, acabam por ser substituídos por novos, acabando por desaparecer. Analisaremos, por exemplo, um objecto de consumo com o qual todos estamos familiarizados: o telemóvel. Design e Vida 65 a b e d f i h l c g j m k n www.webdesignerdepot.com Design e Vida 66 q p o r s u v x t w y www.webdesignerdepot.com Design e Vida 67 102. a.1973, Dr. Martin Cooper, da Motorola com um protótipo do DynaTAC. b. 1984, DynaTAC 8000x, foi o primeiro telefone móvel a ser comercializado. c. 1989, Motorola MicroTAC 9800x. d. 1992, Motorola International 3200 e. 1992, Nokia 1011. Um dos primeiros telemóveis a utilizar o serviço GSM. f. 1996, Motorola StarTAC. Foi o primeiro telemóvel abrir e fechar em concha e foi também o primeiro telefone com a opção vibratória, alternativa ao toque de chamada sonoro. g. 1996, Nokia 8110. Foi um modelo utilizado no filme Matrix. h. 1998, Nokia 5110. i. 1999, Nokia 3210. Com antena interna, e com sistema T9, para simplificar a escrita de SMS. j. 1999, Benefon Esq!. O primeiro telemóvel com GPS integrado. k. 2001, Nokia 5510. Este era um telefone com uma estética futurista e com um teclado QWERTY. l. 2001, Ericsson T39. Este pequeno e portátil aparelho, foi o primeiro com bluetooth. m. 2002, Nokia 3510i. Para além de te acesso à internet, foi dos primeiros telefones com ecrã a cores. n. 2002, Ericsson T66. Tem a altura de um cigarro. o. 2002, Nokia 7650. Um dos primeiros telefones com câmara fotográfica incorporada. Este modelo foi apresentado no filme Minority Report. p. 2002. Ericsson P800. Este telemóvel com touchscreen e memória de 128mb, foi um precursor dos smartphones. q. 2003. Nokia N-Gage. Com uma estética jovem e arrojada, este aparelho é em telefone e também uma consola de videojogos. r. 2003, BlackBerry Quark 6210. Telefone móvel e PDA. s. 2003, Nokia 7600. Um dos mais pequenos e leves telefones do mercado. t. 2004, Motorola Razor V3. Quando surgiu, foi extremamente inovador pela sua fina espessura. u. 2004. Sony Ericsson P910. Smartphone com acesso total à internet. v. 2004, Nokia 7280. Considerado o “Lpstick phone”. w. 2005, HTC Universal. Foi o primeiro 3G Pocket PC com Windows mobile. x. 2007, LG Prada KE850. y. 2007, iPhone. Vivemos numa sociedade em que a velocidade da circulação de informação é fundamental. A televisão, o telefone e a internet estão de tal forma enraizados que já temos muita dificuldade em imaginar as nossas vidas sem estas ferramentas. O telemóvel é, como o nome diz, um telefone portátil que estabelece a comunicação com outros aparelhos sem necessitar de uma ligação física fixa (cabo) à rede de telecomunicações. Permite a comunicação pessoal, em tempo real, em qualquer lugar e em movimento, entre duas pessoas a vários quilómetros de distância. A comunicação é feita por ondas electromagnéticas que permitem a transmissão bidireccional de voz e dados. Design e Vida 68 Os precursores dos telefones móveis foram os radiotelefones para os carros, particularmente utilizados pelos táxis, polícia e ambulâncias. Estes funcionavam com um aparelho emissor e receptor (de radiofrequências) conectado a uma central. Mas estes aparelhos eram muito limitados (existia um numero muito limitado de frequências disponíveis e o emissor e o receptor não se podiam ouvir em simultâneo), não estavam ligados a uma rede telefónica e o utilizador não podia marcar o número para onde queria ligar. O Walkie-talkie foi também um dos aparelhos precursores dos telefones móveis (com uma tecnologia muito semelhante à dos radiotelefones). Foi só em 1973 que a Motorola trabalhou pela primeira vez um protótipo de um telemóvel. A ideia era criar um telefone que pudesse ser transportado para todo o lado (na altura esta era uma ideia vista como inconcebível e pouco rentável). A empresa trabalha na ideia de criar um telefone móvel e na construção de infra-estruturas que suportem esta nova tecnologia. É ainda durante o ano de 1973, que apresenta o DynaTACTM, o primeiro da primeira geração de telefones móveis. Este telefone pesava 1089gr. Apenas 10 anos depois, em 1983, a Motorola apresenta o DynaTACTM 8000X que pesava 850 gr. e que foi o primeiro telefone celular a ser comercializado no mundo. A primeira geração de telemóveis estava confinada a sistemas de comunicação analógica que não tinham grande qualidade. No início da década de 90, começa a ser desenvolvido o sistema GSM (Global System for Mobile Communications), um sistema de comunicação digital que usa a banda estreita TDMA e que permite a realização de oito chamadas simultâneas na mesma frequência de rádio. No final de 1997, este serviço estava disponível em mais de 100 países. O GSM, originou aquilo a que chamamos a segunda geração de telemóveis (2G), com um sistema digital). Permitiu uma significativa melhoria na qualidade das comunicações móveis e trouxe a hipótese da utilização do roaming internacional93. “Em 1998, a popularidade do GSM continuou a acentuar-se, com a existência de 100 milhões de subscritores, cinco milhões de novos utilizadores/mês, 120 países envolvidos, com 300 operadores e com uma percentagem de 60% de telemóveis digitais com GSM.”94 Em 1992 surgiu o SMS95 (serviço de mensagens curtas), que utiliza a rede digital e que permite aos utilizadores de telemóveis enviar e receber pequenas mensagens de texto 93 Possibilidade de realizar e receber, a partir de um telemóvel, chamadas num país estrangeiro. 94 Cf. Telemóvel. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto : Porto Editora, 2007. A primeira mensagem escrita foi enviada em Dezembro de 1992 de um computador pessoal para um telefone celular da rede Vodafone GSM, no Reino Unido. Quando o utilizador envia uma SMS do seu 95 Design e Vida 69 (160 caracteres por mensagem, letras, números e símbolos). Este serviço serve para os utilizadores enviarem, entre si, pequenos recados e para as operadoras móveis notificarem os seus utilizadores quando estes têm mensagens de voz (voice mail), ou quando a operadora tem qualquer tipo de informação para dar ao cliente. Os SMS têm ganho crescente popularidade. Estima-se que em 2000 tenham sido enviados cerca de 17 biliões de SMS em todo o mundo, em 2001 este número cresceu para 250 biliões e em 2007 aumentou para 1,9 triliões de mensagens.96 Com os telefones, da chamada terceira geração (3G), surge um novo sistema de mensagens, o MMS (Multimedia Messaging Service), que permite o envio de mensagens com imagens de grande qualidade, animações de áudio e vídeo. Os telemóveis proliferam por todo o mundo, quer em quantidade, quer em modelos e marcas diferentes. Num mercado, em que a concorrência é muita, as empresas procuram variadas estratégias para que os consumidores escolham os seus aparelhos. Numa primeira fase vimos que os telemóveis evoluíram no sentido de se aperfeiçoarem quer a sua portabilidade, tornando-se mais pequenos e mais leves, quer na qualidade das suas funções, melhorando a qualidade da comunicação e aumentando a autonomia das baterias. As empresas empenhavam os seus esforços em criar um telefone mais portátil e eficaz que a concorrência. No final da década de 90 o telemóvel já era um objecto suficientemente pequeno e leve para caber confortavelmente num bolso, possuía excelentes capacidades comunicativas e tinha autonomia energética de vários dias. Podemos dizer que se tinha alcançado, na perfeição, o propósito para o qual foi inicialmente criado. Curiosamente, os telefones móveis não pararam de evoluir. Evoluem no sentido de ampliarem as suas funções, tornando-se cada vez menos telefones, e cada vez mais mini computadores. Hoje em dia podemos carregar no nosso bolso, uma agenda, um relógio, um despertador, uma máquina de calcular, uma consola de jogos, uma máquina fotográfica, uma câmara de filmar, uma aparelhagem de som, uma televisão, um computador com acesso à internet, um GPS e um telefone. Tudo num só aparelho. telemóvel, esta não chega directamente ao destinatário, segue para o centro de mensagens que a armazena e envia posteriormente. É também este centro que faz a cobrança do seu envio. Logo que o telemóvel do destinatário esteja ligado e com rede disponível, o centro de mensagens reencaminha a mensagem e o remetente pode ser notificado da sua recepção. Quando o SMS surgiu ainda as redes móveis e a internet estavam a dar os primeiros passos. 96 Cf. http://www.youtube.com/watch?v=JcnXOhrmDB8 Design e Vida 70 As marcas procuram descobrir novas funções para os seus gadgets, de forma a tornarem-nos melhores que os da concorrência e, sobretudo, mais atractivos ao consumidor. Observamos que cada marca disponibiliza vários modelos, todos com características diferentes. Mas perguntamo-nos o porquê de o fazerem? Se possuem conhecimentos tão avançados, porque não vendem apenas um telefone que concentre todas estas “fantásticas características”?! Quando observamos uma loja de telecomunicações, apercebemo-nos de que existem vários tipos destes aparelhos. Se alguns modelos são cheios de apetrechos tecnológicos, outros são simples e servem para pouco mais que fazer chamadas e enviar SMS. Existem também alguns telemóveis com uma estética marcadamente feminina, outros próprios para crianças, há também aparelhos preparados para resistir ao choque e à água, enquanto outros são com recheados de acabamentos metalizados. São objectos que tentam vingar no mercado. Mercado em que as estratégias de marketing têm um papel fundamental, na orientação do consumidor no acto da compra. O homem compra estes objectos não porque precise deles para sobreviver, mas porque de alguma maneira sente necessidade de o fazer para facilitar a comunicação com os outros e com o resto do mundo. A grande maioria dos telefones que existem à venda satisfaz, mais ou menos bem, esta necessidade. Podemos imaginar que se só existisse um modelo de telemóvel nas lojas, os consumidores utilizariam todos telefones iguais. Mas existem muitas marcas e também muitos modelos e todas as marcas lutam pela sobrevivência/sucesso no mercado. Por essa razão procuram inovar para captar a atenção do consumidor perante o seu produto e desta forma sobressair em relação à concorrência. O homem consumidor não é todo igual. Por isso, as empresas que querem ser bem sucedidas, orientam os seus produtos para determinados grupos de pessoas. Os consumidores são todos diferentes, por essa razão, também os objectos de consumo têm de acompanhar essa pluralidade. As diferenças encontradas nestes aparelhos, não são mais do que estratégias de mercado. Por essa razão, criam-se modelos com estéticas diferentes, aplicações diferentes e também preços diferentes. Estas estratégias, são um factor importante neste contexto evolucionista, na medida em que moldam os objectos e os fazem evoluir. Design e Vida 71 www.webdesignerdepot.com www.apple.com 103. Nokia 1100 versos iPhone. O Nokia 1100, e o iPhone da Apple, são dois sucessos de vendas, mas destinam-se a distintos nichos de mercados. O Nokia 1100 foi concebido em 2003 para ser comercializado sobretudo nos países em vias de desenvolvimento (42% das suas vendas foram na Rússia e na Índia). Este modelo é robusto (com uma capa bastante resistente), com um menu de utilização muito intuitivo, quase sem extras (tem apenas uma lanterna incorporada e relógio despertador), e com uma bateria de longa duração. Este telefone foi vendido por um preço muito acessível, e em 2007, a empresa finlandesa já tinha vendido mais de 200 milhões destes aparelhos. A Nokia construiu um telefone a pensar especificamente num tipo de consumidor e foi bem sucedida. Para além dos consumidores dos países em desenvolvimento, o Nokia 1100, foi também adquirido por todos os outros consumidores que desejavam um telemóvel simples, intuitivo e com um preço acessível. O iPhone, da Apple, é um telemóvel completamente diferente do telefone que acabámos de descrever. Este é, talvez, o mais carismático dos Smartphones97 existentes no mercado. Para compreendermos o sucesso comercial deste aparelho, temos de o entender no seio da empresa que o criou. 97 Este termo é utilizado para designar os aparelhos capazes de aliar às características comuns de um telefone sem fios algumas das funcionalidades próprias de um Pocket PC ou computador portátil. Assim, e dependendo do modelo de Smartphone em questão, o aparelho pode permitir ao utilizador não apenas conversar, mas também fotografar ou fazer vídeos, aceder à Internet, consultar o e-mail, enviar e receber faxes, ligar-se a uma rede local, e transferir dados de e para um computador ou outros aparelhos, entre outras. Cf. Smartphone. In Diciopédia 2008 [DVD-ROM]. Porto: Porto Editora, 2007. Design e Vida 72 1977 1998 104. Evolução dos computadores da Apple. 1980 1990 2002 2009 www.webdesignerdepot.com www.apple.com A Apple Computer Inc, criada em 1976, é um dos maiores fabricantes mundiais de computadores pessoais. Distingue-se do resto do mercado por utilizar um sistema operativo próprio e não o Windows da Microsoft. Os sistemas operativos da Apple são muito simples, intuitivos, e o seu design gráfico é limpo, acompanhando a ideia de simplicidade dos seus softwares. Os próprios aparelhos distinguem-se, dos restantes do mercado, pelo seu design pensado ao ínfimo detalhe. A empresa, Apple, é um dos melhores exemplos daquilo que é um bom design corporativo. Toda comunicação de imagem da empresa e todos os produtos (desde software, a hardware) obedecem ao mesmo código estético e transmitem todos a mesma mensagem inovadora de qualidade, simplicidade, sofisticação e beleza. Quem compra um produto Apple não é, nunca, indiferente a esta mensagem. Design e Vida 73 www.apple.com 105. Modelos de iPod disponíveis no mercado. IPod Classic, iPod Nano, iPod Shuffle e iPod Touch. O iPhone é a última grande aposta comercial da empresa. É o primeiro telemóvel criado pela marca e veio aproveitar o espaço de mercado criado pelo iPod98 (um dispositivo de portátil produzido pela Apple, equipado com um disco rígido, capaz de armazenar e reproduzir ficheiros de áudio ou imagens em formato digital, como, por exemplo, MP3 e WAV, ou JPG, BMP, GIF e TIFF.) A Apple, tendo em conta que o mercado do iPod começa a ficar saturado, cria o iPhone que no fundo não é mais do que um iPod Touch melhorado. O iPod touch é um aparelho, em tudo semelhante ao iPhone, mas sem GPS99, câmara fotográfica e sem as potencialidades de um telefone móvel (provavelmente este iPod já era uma estratégia de mercado a preparar a chegada do iPhone). O iPhone é, então, telemóvel, câmara fotográfica, sistema de áudio e vídeo, com acesso à internet e inúmeras aplicações, que vão desde a simples máquina de calcular, a uma bússola digital. Mas, as grandes mais-valias tecnológica do iPhone, em relação aos 98 O ipod foi criado pela empresa Apple em Outubro de 2001. Foi inovador em relação aos outros sistemas reprodutores de áudio digital por se servir de um disco rígido para armazenar os dados, ao invés de utilizar memória flash, ou recorrer à leitura de CD-ROM.A primeira versão do Ipod estava equipada com um disco rígido com capacidade para armazenar 5 GB, os (1000 músicas). Era de facil utilização e já funcionava em conjunto com o software iTunes.A 20 de Março de 2002, a Apple anunciou uma nova versão do iPod, agora com capacidade para armazenar 10 GB ou até 2000 músicas. O iPod continuou sucessivamente a melhorar as suas capacidades, surgindo várias versões, e diferentes modelos. Hoje existem no mercado quatro modelos diferentes: iPod shuffle, iPod nano, iPod classic e iPod touch. 99 GPS (Global Positioning System) sistema de posicionamento global, por satélite, que indica a posição no terreno. Desenvolvido durante vários anos nos Estados Unidos da América, foi considerado totalmente operacional apenas em 1995. Design e Vida 74 outros smartphones, são o ecrã panorâmico multi-touch e a possibilidade de se instalar varias aplicações disponíveis na app store100. A Apple tem uma série de seguidores que gostam dos seus dispositivos pela estética, sofisticação, qualidade e simplicidade de software. A estratégia de marketing da empresa passa, não só pela tentativa de captação de novos consumidores, como na introdução de melhorias nos aparelhos que cativem os seus habituais seguidores a substituírem os seus dispositivos electrónicos por versões mais sofisticadas. Assim, num mercado cada vez mais global e competitivo, não param de surgir, cada vez mais marcas e, consequentemente, mais modelos de telefones móveis. Todos os modelos de telemóveis existentes no mercado apresentam variações entre si. Em cada geração (fases temporais de criação) uma boa parte destes aparelhos é eliminada. Tal como acontece na vida natural, podemos dizer que existe uma luta entres os objectos para serem os escolhidos pelo consumidor. Nesta fase há logo uma boa parte de objectos que são eliminados, por não conseguirem vingar no mercado. Desta forma, são os aparelhos que apresentam melhores características, que irão ser escolhidos pelo consumidor. Se o objecto satisfizer as necessidades funcionais, que levaram o homem à sua aquisição, ele não sentirá necessidade de o substituir por outro, tendendo a não o fazer. Mas se este se revelar de má qualidade, o consumidor acabará por se descartar do objecto adquirido e este desaparecerá progressivamente. Por outro lado, as empresas continuam as suas pesquisas, no sentido de melhorar os seus produtos e de os tornar atractivos. Para isso partem dos objectos que são bem sucedidos e tentam melhorá-los acrescentando mais-valias aos seus produtos. Podemos dizer que são os objectos com melhores características (que vingam no mercado e que cumprem melhor a sua função) que transmitem as suas características às gerações seguintes de objectos. As estratégias de marketing das empresas tentarão depois criar a necessidade nos consumidores para comprar os seus novos produtos, aliciando mesmo à substituição dos produtos já existentes. 100 Loja on-line de onde se pode descarregar inúmeras aplicações, que vão desde os mais variados jogos, a um software que permite a visualização de televisão... Design e Vida 75 www.optimus.pt 106. Campanha de verão da Optimus 2009. O telefone é um objecto de consumo recente e a sua lógica evolutiva é semelhante à de todos os outros objectos que encontramos no mercado. A melhor adaptação de qualquer objecto da vida material será aquela que vence as leis do consumo e do mercado tal como ele se apresenta hoje em dia, na era da globalização e de competição entre marcas e atributos. Concluindo, verificamos que ao longo da história da humanidade, as técnicas e os objectos (tais como o telefone) evoluíram com base nas conquistas que o Homem foi alcançando. As técnicas e, consequentemente, os objectos evoluíram como as ramificações que nascem do tronco de uma árvore. Numa visão antropológica, o tronco comum desta evolução é a própria inteligência humana, cujos marcos evolutivos são: a postura erecta (da qual resulta a capacidade locomotora, bipedismo), a oponência do polegar (a qual permite a construção de utensílios), o aumento da caixa craniana e desenvolvimento do cérebro, a mobilidade do maxilar inferior e o aparecimento da linguagem. A aquisição de ferramentas e a descoberta da agricultura são consequência desta capacidade de apreender o mundo, que a inteligência permitiu ao Homem. As primeiras ferramentas utilizadas pelo Homem eram paus e pedras que encontrava no seu habitat. Quando este compreendeu que podia manipular estes materiais para os tornar mais eficazes começou a evoluir. Com esta progressiva evolução, começa a substituir as ferramentas menos competentes por outras que cumprem melhor as suas funções. Este é um fenómeno que observamos ao longo de toda a história evolutiva. Desta forma sobrevivem as técnicas mais evoluídas, eliminando progressivamente as suas formas ancestrais. Darwin, na sua teoria da selecção natural considera que, em cada geração há uma boa parte de indivíduos em cada espécie que são eliminados e que só alguns se chegam a Design e Vida 76 reproduzir e, desta forma, a transmitir as suas características às gerações seguintes. Os indivíduos que conseguem sobreviver e consequentemente reproduzir-se são os mais adaptados. É desta forma que a selecção natural se vai dando progressivamente. Na vida material, ocorre um processo semelhante, em que os objectos mais bem adaptados são os que persistem e que transmitem as suas características às futuras gerações de objectos. Melhor adaptação poderá em alguns casos significar um melhor fit à estética do objecto. O Homem tem tendência a escolher os objectos que se coadunam com o seu arquétipo de beleza. Por outro lado, observamos na natureza um enorme equilíbrio, em que todas as espécies têm uma função, num ecossistema maravilhoso. O homem respira o oxigénio produzido pelas plantas, as plantas servem de alimento a animais e insectos, os insectos são fundamentais para a polinização das mesmas plantas, etc. De certa forma, também encontramos na vida material um carácter sistémico semelhante ao que acontece na vida natural. A descoberta do homem dos factores que avivam o fogo, é fundamental para o trabalho do ferro. Por outro lado, os sistemas de fole só podem ser criados porque há conhecimento de técnicas construtivas como serrar e cozer. A técnica de cozer é essencial para a construção de tendas, de roupas que agasalham o homem e para o fabrico de velas para barcos. O aproveitamento do vento por velas proporciona energia aos moinhos de vento. A compreensão da engrenagem é o que permite transformar a força do vento em moagem de cereais. A engrenagem só é possível, porque existe a serra para serrar a madeira como que o mecanismo construído. Os cereais que o moinho mói, são vendidos em troca de dinheiro, tendo sido essas moedas fabricadas com o auxílio do fole. Se por algum factor, uma determinada espécie de fruto, que serve de alimento a uma determinada espécie de ave, é extinto, acontece uma quebra no ciclo virtuoso e o ecossistema tem de se readaptar. O mesmo acontece na vida material. Por vezes dão-se anomalias, que provocam crises e o Homem com o seu engenho tem de encontrar formas de solucionar o problema. Por outro lado são as diferentes condicionantes que o Homem vai encontrando, que de certa forma fazem emergir novas técnicas e consequentemente, novos objectos. Design e Vida 77 Quando, no primeiro capítulo, descrevemos as primeiras embarcação, percebemos que as formas dos barcos que surgiram em diferentes áreas do globo, estavam dependentes dos materiais disponíveis no habitat dos homens que as criaram. Percebemos, assim, como o meio poderá ter um papel preponderante na forma dos objectos. Por outro lado, a compreensão de processos construtivos simples, juntamente com a capacidade criativa do homem, possibilitam o parecer destes novos utensílios. É a conjugação de matérias-primas, conhecimentos adquiridos e criatividade, que permite o surgir de novas formas de objectos. Design e Vida 78 3. ACASO E A CRIAÇÃO www.jornallivre.com.br 107. Meiose, processo de divisão celular. Todos os seres vivos, mesmo os da mesma espécie, apresentam variações entre si. A acumulação de pequenas variações determina a longo prazo, variações significativas na biodiversidade da terra. Na sua obra, “A Origem das espécies”, Darwin explicava os mecanismos através dos quais uma espécie podia tornar-se mais forte, mais adaptada, mas não dizia como é que podia dar origem a uma espécie nova. Ironicamente, tendo em conta o nome do seu livro, a única coisa que ele não conseguiu explicar foi como foram originadas as espécies.101 Após 12 anos da elaboração da sua teoria original, Darwin formulou o Princípio da Divergência dos Caracteres, que explicava de que forma a selecção natural podia produzir as ramificações da árvore da vida, ou seja, originar novas espécies. Segundo esta teoria "as pequenas diferenças, que a princípio mal se podiam perceber, vão aumentando até se tornarem nítidas, distinguindo as raças entre si e em relação ao seu ancestral comum...quanto mais diversificados se tornam os indivíduos de 101 Cf. BRYSON, Bill. 2006. Breve História de Quase Tudo. Lisboa: Quetzal Editores, p.387 Design e Vida 79 uma espécie no que se refere à estrutura, constituição e hábitos, tanto mais estarão capacitados a predominar num habitat amplo, ocupando diversas vagas existentes na economia da natureza, podendo assim multiplicar-se extraordinariamente"102. No entanto, a teoria da evolução por selecção natural, tal como fora anunciada por Darwin apresentava alguns pontos frágeis. Os mecanismos responsáveis pelas variações verificadas nas espécies e o modo como essas variações se transmitem de geração em geração permaneciam por explicar. Darwin afirmava que todas as mudanças, consequentes da evolução das espécies, acontecem de forma gradual e é aqui que falha. William Bateson, na Inglaterra, e Hugo de Vries, na Holanda, por volta de 1900, descobriram que as espécies parecem evoluir em passos bruscos e descontínuos, chamados por de Vries de mutações. O conceito de Mutação, isto é, qualquer alteração que ocorra a nível do material genético e que origine o aparecimento de variações, foi considerado pelos geneticistas a base das mudanças evolutivas. Bateson e Vries, no inicio do sec. XX, re-descobrem o importante trabalho de Gregor Mendel 103. Mendel (1822 - 1884) foi um monge Austríaco, que realizou importantes trabalhos de hibridação com ervilheiras e com eles descobriu as leis da hereditariedade que revolucionaram a biologia e traçaram as bases da genética. Realizou centenas de cruzamentos entre plantas de características diferentes, embora da mesma espécie e observou os resultados, que foram surpreendentes. Constatou que as características obtidas não se diluíam nem tão pouco resultavam em meio-termo: ervilhas amarelas cruzada com umas ervilhas verdes produziam ervilhas amarelas, em vez de ervilhas amareloesverdeadas. 102 www.cienciahoje.pt/index.php?oid=29177&id=59 103 Mendel, nasceu em 1822, no antigo império austríaco, estudou Física e Matemática no Instituto Filosófico de Olmutz e na Universidade de Viena. Foi viver como Monge, em 1843, para o Mosteiro de Brno, que era uma instituição erudita e com uma tradição de cuidadosa investigação científica. Mendel dedicou-se ao estudo do cruzamento de muitas espécies: feijões, chicória, bocas-de-dragão, abelhas, camundongos e principalmente ervilhas que cultivava e analisava os resultados matematicamente, durante cerca de sete anos. Mendel percebeu quanto seria importante realizar as suas observações numa população numerosa de plantas, a fim de fazer um tratamento estatístico dos resultados. Desta maneira, estava a aplicar pela primeira vez o rigor da matemática à Biologia. As suas descobertas científicas foram, contudo, ignoradas pelos seus contemporâneos. Nem mesmo os dois grandes trabalhos que publicou na altura – «Ensaios com Plantas Híbridas» e «Hierácias obtidas pela fecundação artificial» – obtiveram qualquer tipo de reconhecimento. Actualmente, estas obras são clássicos e as leis da hereditariedade adquiririam o seu nome, sendo conhecidas como as Leis de Mendel. Design e Vida 80 As ideias deste monge explicavam o que Darwin não conseguiu explicar. Mendel deu o primeiro passo para se perceber por que é que um filho pode ter os olhos do pai e o nariz da mãe. Por volta de 1900, a microscopia tinha avançado muito e por essa razão, era possível observar os cromossomas e os fenómenos de meiose. Ora, as ideias desenvolvidas por Mendel sobre os "factores hereditários" transmitidos pelas células reprodutoras e a sua combinação aleatória aquando da fecundação, estavam de acordo com os dados fornecidos pela fisiologia celular que a microscopia começara a revelar. Foi precisamente esta semelhança entre as teorias de Mendel e o comportamento dos cromossomas que permitiu a Walter Sutton, em 1902, propor a primeira teoria cromossómica da hereditariedade. Mas tudo isto aconteceu porque os trabalhos de Mendel tinham sido um exemplo genial de concepção e de método.104 Os anos compreendidos entre 1930 e 1940 caracterizam-se por intensos debates acerca da evolução. É nesta altura que os investigadores combinam as ideias originais de Darwin com os dados que entretanto surgiam na Genética, na Paleontologia, na Biogeografia, na Embriologia e mais tarde na Etologia. A teoria que combinava estas ideias foi denominada Teoria Sintética da Evolução, ou Neodarwinismo e englobava duas ideias fundamentais: 1- Variabilidade genética; 2- Selecção Natural. As ideias de Darwin, associadas ao importante trabalho de Gregor Mendel foram, desta forma, os alicerces de todas as ciências da vida do Séc. XX. Hoje está demonstrado que os caracteres hereditários dos animais e das plantas são transmitidos pelo DNA dos cromossomas. O DNA é constituído por uma longa cadeia de unidades pertencentes a quatro tipos, que podemos representar pelas letras A, T, G, C. A informação hereditária está, pois, contida em longas mensagens escritas num alfabeto de quatro letras. Durante o processo de divisão das células, estas mensagens são recopiadas, e por vezes ocorrem alguns erros feitos ao acaso, erros que se chamam mutações. As novas células, ou os novos indivíduos, são por isso um pouco diferentes dos seus antepassados e mais ou menos aptos a sobreviverem e reproduzir-se. A selecção natural retém os indivíduos mais aptos. Desta forma, uma das questões fundamentais da vida pode ser 104 Cf. cfcul.fc.ul.pt 104 Cf. RUELLE, David. 1994. O Acaso e o Caos. Lisboa: Relógio d’água. p.14 e 15 Design e Vida 81 descrita em termos de criação e transmissão de mensagens genéticas na presença do acaso.105 Compreendemos pela descrição anterior de que forma se criam as espécies na vida Natural. Tentaremos agora perceber de que forma se dá a criação na vida material. Partindo do princípio que é através do pensamento humano que se elaboram as técnicas e os objectos procuraremos, então, encontrar razões de causalidade, que favoreçam o aparecimento dessas ideias. São as gandes Ideias humanas, que fazem a ciência e as técnicas evoluir. Ao longo da história, há momentos em que surgem ideias tão revolucionárias, que parecem romper com tudo o que se conhecia até então. A teoria da Evolução de Darwin é, sem dúvida, um desses exemplos. Uma breve análise à vida de Darwin, poderá mostrar-nos os factores que levaram à criação da sua teoria. Darwin nasceu a 12 de fevereiro de 1809, em Shrewsbury, o seu avô materno era Josiah Wedgwood, e o avô paterno era Erasmus Darwin. Josiah Wedgwood, era um famoso ceramista Inglês, um homem de visão, que deu um enorme contributo na Industrialização inglesa. Erasmus Darwin (1731-1802) foi médico, naturalista e poeta inglês. Foi um dos primeiros pensadores evolutivos. A sua principal obra, Zoonomia, or the Laws of Organic Life, foi publicada entre 1794 e 1796, prenunciava a teoria da evolução, baseada na especulação e não na observação, como mais tarde Darwin veio a efectuar. Estudou também a hereditariedade, a defesa das plantas e animais, a adaptação e selecção sexual. Tanto Eramus Darwin, como Josiah Wedgwood, foram figuras importantes no extraordinário florescimento intelectual do século XVIII. Darwin foi “criado numa atmosfera familiar intelectual e científica, e onde a liberdade de pensamento era cultivada.”106 É importante referir que, na terceira geração, a fortuna dos Wedgwood aumentou de forma consideravel, o que garantiu a Darwin um respeitoso lugar de classe média alta, e 105 Cf. RUELLE, David. 1994. O Acaso e o Caos. Lisboa: Relógio d’água. 106 BROWN, Jane. 2008. A Origem das Espécies de Charles Darwin. Lisboa: Gradiva. p.20 Design e Vida 82 sobretudo uma herança confortável. Estes dois factores vão ser determinantes nos seus empreendimentos posteriores. Em criança Darwin desejava ser médico, acompanhava o seu pai (Robert Darwin, médico próspero) nas visitas ao domicílio. Gostava também de coleccionar espécimes com interesse para a história natural e montou em casa, com um dos seus irmãos (Erasmus), um laboratório para fazer experiências durante as férias. Em 1825, quando ainda era um jovem de 16 anos, foi enviado pelo seu pai para a faculdade de medicina de Edimburgo. Mas Charles Darwin fica impressionado com duas operações que observa (no inicio do século XIX a medicina ainda era muito rudimentar e a anestesia ainda estava longe de ser inventada) e decide nunca vir a ser médico, abandonando a universidade em 1827. No entanto, a Universidade de Edimburgo era o principal pólo da ciência e da medicina da Grã-Bertanha e foi lá que Darwin frequentou aulas de Química de Thomas Hope e o curso de História Natural de Robert Jameson. Estas aulas foram fundamentais para continuar a estruturar o seu interesse pelas ciências e foram importantes influências para a estrutura do seu pensamento. Foi em Edimburgo que conheceu um taxidermista (John Edmonston), que o ensinou a embalsamar aves. O professor de História Natural (R. Jameson) inicia-o na disciplina de Geologia, e Darwin começa a acompanhar debates sobre fósseis e sobre a história da terra. Outro factor importante na sua formação foi o contacto com Robert Grant, um carismático professor universitário da Faculdade de Medicina. Grant defendia as ideias francesas, sobre evolução e anatomia do desenvolvimento, e incentiva Darwin a desenvolver o seu interesse pela história natural. Encorajado por este professor, começa a interessar-se pela geração e pela embriologia de invertebrados. Grant sugere, a Darwin, a leitura da obra de Lamarck, System of Invertbrate Animals (1801), obra que lhe suscitou muito interresse, em especial o último capitulo sobre transmutação (na época, o termo evolução não era utilizado, sendo substituido por transfomismo).107 Darwin tinha já lido a obra de seu avô, Erasmus Darwin, Zoonomia, onde era apresentada uma teoria do desenvolvimento muito semelhante à de Lamarck. São as ideias de Erasmus Darwin e Lamarck que, devidamente actualizadas, permitem a Grant sugerir uma árvore da evolução, em que a base desta árvore são 107 BROWN, Jane. 2008. A Origem das Espécies de Charles Darwin. Lisboa: Gradiva. p.23 Design e Vida 83 organismos simples, como as esponjas, a partir dos quais outras formas orgânicas se haviam desenvolvido. Apesar do pouco tempo que está em Edimburgo, Darwin sai da universidade com um enorme conhecimento em ciências naturais, e com horizonte intelectual muito alargado. Em 1828 Darwin ingressa no Christ’s College, em Cambridge, para obter o diploma que dava acesso à carreira eclesiástica. Era um jovem de 19 anos, gostava da idéia de se vir a tornar sacerdote e com isso ter tempo livre para se dedicar à história natural. O ambiente académico de Cambridge, dedicado ao estudo da religião, era muito diferente do contexto médico friamente austero de Edimburgo. No entanto, foi a forma como Darwin interligou os conhecimentos adquiridos nas duas escolas, que permitiram as suas realizações posteriores. Em Cambridge trava importantes conhecimentos na élite intelectual. Conhece o filósofo cientista William Whewell, e o pastor naturalista Leonard Jenyns. Entre os seus novos amigos encontra-se o jovem professor de botânica John Stevens Henslow (17961861) e o professor de geologia Adam Sedgwick (1785-1873). Como o horário do curso lhe deixava bastante tempo livre, permitia que este se dedicasse à história natural. Tornou-se um entomologista amador e caçava raposas e aves, espécimes que trocava com os amigos. No seu curriculo académico tinha disciplinas como Matemática, estudos clássicos e teologia, mas frequentava também as aulas de botânica de Henslow, e o curso de Geologia de Sedgwick. Henslow via em Darwin algo de promissor e apresenta-o a alguns dos notáveis da universidade. A nível de formação, Henslow aconselha Darwin a ler algumas das obras que o inspiraram, como Preliminary Discourse on the Study of Natural Philosophy, de John Herschel, e Narrativa Pessoal, de Alexander Von Humboldt. Com seu professor de filosofia teológica, William Paley, teve de ler as duas primeiras obras da trilogia de Paley, Evidences of Christianty e Moral Philosophy. Depois de se formar lê o último livro desta trilogia, Natural Theology (1802), “onde este argumentava que a adaptação dos seres vivos ao meio ambiente era tão perfeita que provava a existência de Deus.”108 Esta era a posição teológica dominante em Cambridge. 108 BROWN, Jane. 2008. A Origem das Espécies de Charles Darwin. Lisboa: Gradiva. p.27 Design e Vida 84 “O Deus do Cristianismo […] criara um mundo onde tudo tinha o seu lugar e fora concebido para desempenhar adequadamente uma função”109. Darwin fica deliciado e convencido com a argumentação da obra de Paley. Embora posteriormente Darwin tenha acabado por rejeitar a ideia de um Deus criador, quando elabora a sua teoria preocupa-se em apresentar uma alternativa á concepção perfeita de Paley. Mas de todos os acontecimentos da vida de Darwin, o mais determinante para a elaboração da sua teoria, foi sem dúvida a viagem pelo mundo que fez a bordo do navio hidrográfico Britânico HMS Beagle, de Dezembro de 1831 a Outubro de 1836. Esta viagem foi-lhe proporcionada pela universidade de Cambridge. Robert FitzRoy (1805-65), comandante do Beagle, era um jovem (4 anos mais velho que Darwin) interessado pela ciência e pelos novos desenvolvimentos na navegação marítima, acreditava que a viagem poderia impulsionar a ciência britânica. Por essa razão, pretendia levar consigo um cavalheiro que pudesse desfrutar da viagem para recolher espécimes com interesse para a história natural. Vários professores de Cambridge foram consultados no sentido de encontrar alguém para acompanhar FitzRoy. Henslow e Leonard Jenyns gostariam de ir, mas as suas obrigações paroquiais não permitiam. Assim, Henslow considerou que Darwin seria o homem que procuravam. Nesta viagem o Beagle visitou as ilhas de Cabo Verde, as Falkland, muitas localidades costeiras da América do Sul, entre as quais o Rio de Janeiro, Buenos Aires, a Terra do Fogo, Valparaíso e a ilha de Chiloé, seguidas das ilhas Galápagos, do Taiti, da Nova Zelândia, de uma passagem muito breve pela Austrália e pela Tasmânia e das ilhas Cocos, no Oceano Índico, tendo terminado com o cabo Boa Esperança e ilhas de Ascensão e Santa Helena. Durante a viagem, FitzRoy, que era um geólogo amador entusiasta, dá a ler a Darwin a obra fundamental de Charles Lyell, Princípios da Geologia. Durante a viagem debatem os dois sobre o conteúdo da obra. Ao longo da viagem, Darwin fez um pouco de tudo. Galopou em cavalos alugados, montou acampamentos em variados locais, caçou para comer, divertiu-se com os companheiros e entregou-se às actividades do navio com entusiasmo. Levou muito a sério as suas responsabilidades e no convés, foi acumulando todos os espécimes que encontrava 109 BROWN, Jane. 2008. A Origem das Espécies de Charles Darwin. Lisboa: Gradiva. p.27 Design e Vida 85 nos diferentes locais por onde passava e que considerava de interesse para a história natural. Darwin fazia, na cabine do navio, a observação ao microscópio e dissecação, tomando notas de tudo, desde habitats, comportamentos, colorações, distribuições, etc. Estes escrupulosos registos permitiram, mais tarde, fundamentar a sua teoria e foram a base de vários livros e artigos. As colecções de aves, vertebrados, invertebrados, organismos marinhos, insectos, fósseis, e amostras de rochas, que ia fazendo, eram regularmente enviadas para Henslow, em Cambridge, que as guardou até ao seu regresso. Durante a viagem, Darwin teve a oportunidade de conhecer povos, locais e habitats diferentes. Sobretudo teve oportunidade de conhecer profundamente a variedade do mundo natural. Aprende a observar e a reflectir profundamente sobre a natureza e desta forma desenvolve largamente o seu pensamento. Eram muitos os jovens entusiastas que coleccionavam espécimes de história natural, mas era poucos os que colocavam as questões que Darwin veio a colocar.110 Após a viagem analisa cuidadosamente os dados recolhidos e explora questões que o intrigavam. Se por um lado, tal como Paley afirmara, encontrava espécies perfeitamente adaptadas ao seu modo de vida, por outro lado encontrou alguns exemplos em que isso não se verificava. O ponto de partida para as suas ideias foi três descobertas efectuadas durante a viagem. Foram elas, os fósseis que desenterrara na Patagónia, os padrões de distribuição geográfica da Rhea sul-americana e a vida animal no arquipélago dos Galápagos. Com os fósseis da Patagónia, Darwin observa que os animais extintos tinham aproximadamente a mesma estrutura anatómica dos espécimes que actualmente habitam o mesmo local. Parecia existir uma igualdade de género ao longo de grandes períodos. Durante a viagem, quando passa pela argentina, encontra uma ave, mais pequena, mas muito semelhante à Reah existente na América do Norte. “Darwin utilizou este tipo de Reah para ilustrar o facto de na mesma área não habitarem normalmente espécies aparentadas, de elas se excluírem mutuamente.”111 Quando os homens do Beagle chegaram às ilhas Galápagos ficaram maravilhados. As ilhas localizadas precisamente sobre o equador e banhadas pelas águas frias do sul eram 110 BROWN, Jane. 2008. A Origem das Espécies de Charles Darwin. Lisboa: Gradiva. p.35 111 BROWN, Jane. 2008. A Origem das Espécies de Charles Darwin. Lisboa: Gradiva. p.35 Design e Vida 86 um maravilhoso mundo selvagem, com um variado número de espécies (árvores com grinaldas de líquenes, iguanas, tartarugas gigantes, falcões, ganso-patolas, tordosimitadores, e as águas frias atraiam focas-felpudas e pinguins). Durante a estadia de 5 semanas em quatro das catorze ilhas do arquipélago, Darwin observa as características próprias de cada ilha, tal como o clima, temperatura, vegetação e as suas características geológicas. As Galápagos foram fundamentais para a elaboração da sua teoria da evolução. Mas é apenas quando regressa da viagem que Darwin se apercebe do quanto tinham sido importantes as recolhas feitas naquele arquipélago. As tartarugas gigantes específicas de cada ilha, e os tordo-imitadores diferentes de ilha para ilha, e diferentes também dos da América do Sul, são fundamentais para que Darwin se questione acerca dos factores que poderiam pôr em causa a estabilidade das espécies. Mais tarde, quando observa os tentilhões que recolheu nas diferentes ilhas do arquipélago de Galápagos, conclui que o bico destes pássaros era adaptado a funções específicas. Alguns destes tentilhões possuíam bicos curtos e duros pois consumiam sementes de extrema dureza, as únicas existentes no seu habitat. A partir de exemplos como este apercebe-se que estruturas análogas evoluem para se adaptar ao meio ambiente. Como já havia sido referido nos dois primeiros capítulos, houve uma série de obras literárias que influenciaram de forma preponderante o pensamento de Darwin. Os esquemas teóricos da obra de Charles Lyell (1797-1875), Princípios da Geologia, e a forma como este explica os fenómenos geológicos rejeitando a autoridade bíblica, foram uma influência fundamental para a formulação da teoria evolucionista de Darwin. Lyell acreditava que a Terra era constantemente sujeita a inúmeras alterações, minúsculas e acumulativas, resultantes das forças naturais que operavam uniformemente ao longo de períodos imensamente extensos, mas não acreditava que essas alterações pudessem acontecer, também, nos animais e nas plantas. O autor de Princípios da Geologia, apesar de ter tido a capacidade de romper com o pensamento teológico instituído, não estava preparado para acreditar em qualquer género de transmutação dos seres vivos, como defendia Lamarck. Darwin, por sua vez, absorveu os ensinamentos de Lyell e de Lamarck. Design e Vida 87 As ideias expostas por Lyell foram a base que utilizou para explicar as formações geológicas que via. É importante frisar que Darwin lê os Princípios da Geologia durante a viagem, e que esta obra moldou a forma como passou então a percepcionar os fenómenos naturais. A ideia de que pequenas alterações podiam produzir grandes efeitos, foi a “chave”, com que “abriu as portas” para a sua teoria. Em Setembro de 1838, lê An Essay on the Principle of Population (1798), do economista britânico Thomas Robert Malthus. Como já foi descrito no inicio do segundo capitulo, a leitura desta obra foi preponderante para Darwin compreender de que forma os organismos lutam pela sobrevivência e consequentemente de que modo acontece aquilo a que chamou de selecção natural. A obra de Malthus foi um importante contributo para a economia social e política da Grã-Bretanha. Em meados de 1830, as doutrinas malthusianas haviam acabado por dominar a politica governamental. O economista, na sequência das suas teorias, afirmava que a caridade a favor dos pobres fomentaria a reprodução destes e faria escassear os alimentos. Estas eram ideias polémicas e estavam na base de leis controversas como a New Poor Law de 1834. Darwin vivia neste mundo, e não é de admirar que no meio de preocupações políticas, tenha sentido vontade de ler Na Essay on the Principle of Population. Foi, assim, através da sua curiosidade pela economia e política que encontrou uma teoria que serviu de base para o seu trabalho. Na sua autobiografia, sobre as conclusões a que chegou após a leitura da obra de Malthus, escreveu o seguinte: “Estando bem preparado para reconhecer a luta pela existência […] apercebi-me imediatamente de que, nesta circunstâncias, as variações favoráveis teriam tendência a ser preservadas, e as desfavoráveis a ser destruídas. Naquele momento, tinha finalmente encontrado uma teoria que servisse de base ao meu trabalho.”112 É desta forma que encontra, em Malthus, a forma de explicar adaptação perfeita das espécies ao meio sem recorrer ao Deus Criador de William Paley. Concluindo, poder-se-ia dizer que sem Lyell, Malthus, ou Paley nunca teria existido Darwin. Mas, neste sentido, não é menos verdade que sem a viagem abordo do Beagle, 112 BROWN, Jane. 2008. A Origem das Espécies de Charles Darwin. Lisboa: Gradiva. p.55 Design e Vida 88 nunca teria tido os elementos necessários para a formulação da sua teoria. Nesta lógica, se Darwin não tivesse desistido de tirar medicina, nunca teria ingressado no Christ’s College, e nunca teria recebido o convite de Henslow para acompanhar FitzRoy na sua viagem. Se continuarmos a recuar na vida de Darwin e a enumerar os acontecimentos que o auxiliaram a elaborar a sua teoria, verificamos que existem inúmeros acontecimentos acasos, todos eles fundamentais no seu crescimento como naturalista. É inegável que o acaso teve um papel preponderante na vida de Darwin. Pasteur disse que “os acasos só favorecem os espíritos preparados”, não devemos por isso, em momento algum, diminuir o mérito de Darwin perante a “aparente” vantagem que os acasos da vida lhe proporcionaram. Darwin foi sem dúvida um génio, um homem determinado e obsessivamente impregnado no seu trabalho. Sem estas características jamais teria conseguido estruturar uma teoria tão bem fundamentada. A teoria de Darwin foi, sem dúvida, revolucionária. Podemos dizer que Darwin provocou uma mutação no pensamento científico do século XIX. Como já foi dito anteriormente, mutações (na vida natural) são combinações de mensagens genéticas na presença do acaso, mas o acaso não está apenas presente no momento de combinação dos cromossomas, está também na vida das espécies e no encontro, ou não, de um óvulo para fecundar (por exemplo). Darwin rescreveu as mensagens que os acasos da vida lhe proporcionaram. Foi a forma como essas mensagens foram organizadas no seu pensamento que fez surgir uma nova teoria. Darwin fez aquilo a que Kuhn113 chamaria Ciência extraordinária. Segundo as ideias defendidas por Kuhn, o progresso científico é feito por rupturas, que transformam por completo o paradigma científico dominante. Para entendermos melhor o pensamento deste epistemólogo, temos de compreender os seus três principais conceitos: paradigma, ciência normal e ciência extraordinária. O paradigma representa um conjunto de teorias, regras, métodos e formulações que são naturalmente aceites pela comunidade científica. 113 Thomas S. Kuhn (1922-1996), físico, historiador e filósofo da ciência. Começa por estudar fisica na universidade de Harvard, mas acaba por virar o seu campo de estudo para a História da Filosofia das Ciências, tornando-se responsável por alterações substanciais no panorama da filosofia e da sociologia da ciência na década de 60. Design e Vida 89 Utilizando as próprias palavras de Kuhn, ciência normal consiste “na pesquisa solidamente baseada numa ou em várias descobertas científicas passadas, descobertas que uma determinada comunidade científica considera suficientes como ponto de partida para outros trabalhos”114. É portanto a ciência normal que se efectua no âmbito de paradigmas pré-existentes e que obedece às regras impostas por esses mesmos paradigmas. Caracteriza-se pela resolução de enigmas (problemas) que tenham solução e que respeitem determinadas regras, quanto à natureza da solução e aos modos de a atingir. No sentido figurado, ciência normal é como tentar solucionar um jogo/puzzle, em que se resolvem os problemas previstos, com solução possível, obedecendo a regras impostas. Não existe nesta prática, normalmente, a necessidade de inventar novas teorias. O cientista está antes preocupado em garantir que encontra a solução para o enigma, com todo o rigor e objectividade, de forma a garantir a concordância dos factos com as regras do paradigma em que se baseia.115 Quando, no decorrer da actividade científica normal, se descobrem problemas cujas regras do paradigma não conseguem resolver, procura-se reajustar a teoria ao fenómeno anómalo, tornando-o esperado. Mas isso nem sempre é possível. Algumas vezes não se consegue encontrar solução para a anomalia detectada e consequentemente instalasse progressivamente uma situação de crise. Com a crise, multiplicam-se as tentativas para encontrar a solução para o problema. Começa a dar-se um primeiro afastamento do cumprimento das regras paradigmáticas, e procura-se “ao acaso”, recorrendo a outros saberes. Começa, assim, a colocar-se em questão os fundamentos do paradigma vigente. É nestes momentos de crise, que se dá uma revolução e que à ciência normal dá lugar a ciência extraordinária. Ciência extraordinária acontece quando surge um paradigma radicalmente novo. São mutações, que reorganizam todo o domínio científico. O novo paradigma suscita a adopção de novos métodos, redefine o próprio domínio da pesquisa e transporta consigo uma diferença de fundo que o torna incompatível com o paradigma anterior. Deste modo, quando criado, e aceite, um novo paradigma dá-se inicio a um, também novo, período de ciência normal, que por sua vez só será interrompido se voltar a acontecer ciência extraordinária. 114 KUHN, Thomas S. 1970. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: Chicago University Press. p.10 115 Cf. CARRILHO, Manuel Maria. 1988. Kuhn e as Revoluções Científicas. Fundação Calouste Gulbenkian. Design e Vida 90 Ciência extraordinária foi o que fizeram homens como Newton, Lavoisier116 e Einstein. A teoria da evolução de Darwin foi o surgir de um novo paradigma, sobre o qual se baseou toda a ciência da vida do século XX. Com Darwin a ciência progredio. Progresso e ciência são dois conceitos intimamente ligados, visto que as descobertas ciêncificas estimulam o progresso. As técnicas e as ciências estão intimamente ligadas na medida em que se influenciam mutuamente. Por outro lado, quando pensamos na evolução dos objectos, e das técnicas, observamos um processo semelhante ao da evolução ciêntifica. Sempre que o homem tem necessidade de melhorar uma técnica, está perante um problema (enigma) que tem de resolver. Mas por vezes a técnica mesmo melhorada, não serve para solucionar o problema que se instala. É nestes momentos, que se instala um período de pesquisa (equivalente à fase de crise de que fala Kuhn), e que se procuram novas soluções, e que se põe em causa a técnica utilizada, substituindo-a por outra. Para ilustrarmos o que acabou de se dizer podemos utilizar o exemplo da evolução dos aparelhos de comunicação. O telégrafo, de Alfred Vail e Samuel Morse, surgiu como uma nova técnica para promover a comunicação a longa distância. Era no entanto muito limitado, por essa razão, Thomas Edison, melhora esta técnica, permitindo, primeiro, o envio de duas mensagens em simultâneo e mais tarde, o envio de quatro mensagens. Mas o telégrafo, mesmo melhorado por Edison, continuava a ser uma forma muito complicada de enviar mensagens. As mensagens tinham de ser curtas e enviadas em código. Para solucionar este problema Alexander Graham Bell criou o telefone fixo, capaz de pôr duas pessoas a conversarem a vários quilómetros de distância (um terminal telefónico é constituído por um microfone e por um auscultador e por uma unidade de marcação de dígitos. O microfone transforma as ondas sonoras em sinais eléctricos, que são transmitidos para a rede telefónica, e o auscultador realiza a operação inversa). O que observamos aqui são evoluções técnicas que acontecem, por haver necessidade de resolver um problema (enigma). Mas só foi possível criar o primeiro telégrafo, porque houve outra 116 Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794). Lançou os alicerces da Química moderna como Ciência sujeita a regras e princípios racionais (como já acontecia com a Fisica de Newton). Apoiado no trabalho experimental, definiu a matéria pela propriedade de ter um peso determinado, noção que desenvolveu paralelamente a um aperfeiçoamento da balança.Ao descobrir a composição da água, leva ao abandono da teoria do flogisto (teoria que dominou durante quase um século, que acreditava flogisto era um fluído que dava os vários compostos a capacidade de se inflamarem. Considerava-se que o carvão, o álcool e a madeira, por serem bons combustíveis, eram formados quase exclusivamente por flogisto. Acreditavam que o flogisto entrava na composição das substâncias combustíveis e era posto em liberdade durante a combustão). Design e Vida 91 descoberta, sem a qual muita da evolução que se deu no século XIX, não teria sido possível. Estamos a falar da corrente eléctrica. Esta foi uma descoberta extraordinária, e sem ela não teria existido nem telégrafo, nem telefone, nem carro eléctrico, nem muitas outras coisas. Verificamos nos objectos e nas técnicas, uma tendência para se substituírem pelas suas formas mais evoluídas. O motor eléctrico e o motor de injecção, acabaram por substituir por completo a máquina a vapor, o telefone, substituiu o telégrafo, o computador a máquina de escrever, etc. Não podemos afirmar, como Kuhn, que novo paradigma (no exemplo acima, a electricidade) transporta consigo uma diferença de fundo que o torna incompatível com o paradigma anterior. Mas podemos sim dizer, que suscita a adopção de novos métodos, redefine o próprio domínio da criação dos objectos, acabando por substituir gradualmente as técnicas e objectos menos evoluídos. Voltando à ideia de selecção natural, as ciências, técnicas e objectos mais bem adaptados, eliminam progressivamente os outros, e transmitem as suas características às futuras criações. É a acumulação de pequenas variações que determina a longo prazo a transformação e aparecimento de novos paradigmas na ciência, de novas técnicas e que criam a necessidade de aparecimento de objectos diferentes. Quando olhamos uma flor que nasce numa árvore, semeada pela polinização de outra, sabemos que encerra em si toda a História Evolutiva da sua espécie. O mesmo acontece com os objectos. Um objecto não é apenas a sua forma e a sua função. Um objecto é também a sabedoria da técnica que o produz. Engloba toda uma história que permite a sua existência. Todos eles têm inscritos em si a história da humanidade. De todas as reflexões efectuadas na tentativa de verificar a eventual existência de um paralelismo entre a evolução natural e a evolução material, a que parece mais evidente, é que há sempre um passado que sustenta um presente. No estudo da fenomenologia, apoiado pelo raciocínio da filosofia da Existência, Alcino Ferreira, fala da obra de arte como “realidade viva que o passado sustem, na exacta Design e Vida 92 medida em que o passado é o futuro anunciado que se torna visível no presente, porque o futuro é a possibilidade do fruto que amadurece na dobra da liberdade.”117 Isto é verdade não só na obra de arte, como em todos os objectos e técnicas criadas pelo homem. Porque é também verdade para o homem (ser natural), que a cria. O acaso está presente no aparecimento da obra de arte, desde a forma como todas as condicionantes que a vão originar foram reunidas, até à forma como o homem as articula no acto da criação. As características particulares de cada país, de cada clima, de cada cultura, condicionaram e condicionarão o aparecimento/evolução dos objectos e da própria natureza. 117 FERREIRA, Alcino. 2007. Metodologias: Método Fenomenológico e Obra de Arte. Lisboa:Universidade Lusíada de Lisboa. Design e Vida 93 CONCLUSÃO A história evolutiva da natureza e da vida material revelam a existência de pontos de contacto entre ambas. A evolução da vida na natureza, segundo a teoria sintética da evolução (Neodarwinista) acontece de forma contínua (por selecção natural), e por passos bruscos e descontínuos (mutações). De igual modo, a evolução da vida material, também acontece segundo dois registos diferentes. Ela pode acontecer de forma linear e progressiva, em que a criação dos objectos segue a satisfação das necessidades de cada período e de cada contexto social. Bem como pode acontecer de forma abrupta, na sequência de rupturas paradigmáticas da evolução científica. Podemos afirmar que existe uma selecção dos objectos mais adaptados às necessidades do Homem, criados ao longo da sua história. O Homem começou por criar técnicas, e consequentemente os objectos, porque sentia necessidade de auxílio nas suas tarefas diárias pela sobrevivência. À medida que estas técnicas foram sendo desenvolvidas, foram sucessivamente substituindo as suas formas ancestrais. Desta forma as técnicas e os objectos menos adaptados às funções a que se destinam foram e são progressivamente substituídos por formas mais competentes. Por vezes, o Homem dá saltos de Copérnico na evolução do seu pensamento e cria momentos de ciência extraordinária. Estas fases de ruptura paradigmática vêm instituir toda uma nova orientação no processo de criação da vida material. Esta mutação gera um salto brusco e reorganiza todo o processo evolutivo. Fica assim demonstrado o paralelismo existente entre as formas evolutivas da natureza e dos objectos criados pelo homem. No âmbito da reflexão efectuada pela comparação da vida natural com a vida material foi possível constatar a existência uma correlação sistémica entre as técnicas e objectos, semelhante à interligação entre os elementos naturais (ecossistema). Há tanto na natureza como nos objectos um equilíbrio, em as partes de um todo estão relacionadas e de Design e Vida 94 alguma forma se condicionam. Por vezes, tanto na natureza, como na vida material, acontecem falhas, anomalias, que provocam crises, e que obrigam a uma readaptação destes sistemas. Criando novas necessidades. Por outro lado, esta reflexão mostra o quanto a história das técnicas, das invenções, é a essência da civilização. Quando observamos a evolução por uma perspectiva histórica verificamos como a tecnologia foi fundamental na própria organização da sociedade. A existência de diferentes técnicas organizou o trabalho, fazendo com que os homens dividissem os seus esforços em diferentes áreas (agricultores, carpinteiros, ceramistas, costureiros, vendedores, etc.). Mas toda esta estrutura, só é possível graças a todo um longo caminho evolutivo. A procura de um paralelismo entre a evolução da vida natural e da vida material revelou a existência de uma unidade que condiciona o aparecimento dos objectos e da vida na terra. Essa unidade é a História. Admitirmos a existência de evolução é admitir a totalidade no universo. Design e Vida 95 BIBLIOGRAFIA Livros PETROSKI, Henry. 1992. The Evolution of Useful Things. A Division of Random House, Inc., New york. WILLIAMS, Trevor. 2003. A History Of Invention. London: Time Warner Books UK. WILLIAMS, Trevor I., DERRY, T.K. 1993. A Short History of Technology. New York: Dover Publicatons, Inc. MUMFORD, Lewis. 1986. Arte e Técnica. Lisboa: Edições 70. WILLIAMS, Trevor. 1982. A Short History of Twentieth- Century Technology. New York: Oxford University Press. PETROSKI, Henry. 1996. The Pencil. New York: Alfred A. Knopf. MUMFORD, Lewis. 1986. The Future of Technics and Civilization. London: Freedom Press. PETROSKI, Henry. 2003. Small Things Considered. New York: Alfred A. Knopf. 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