Prémio Jacques Delors 2006, cerimónia de entrega no CIEJD Intervenção de Vítor Constâncio, Presidente do júri do Prémio Jacques Delors e Governador do Banco de Portugal 28 de Maio de 2007 O Prémio Jacques Delors foi atribuído ex aequo às obras: “Educar para a Cidadania Europeia: Realidade, Desafio ou Utopia?” de Vitória Cardona e “Da Proclamação à Garantia Efectiva dos Direitos Fundamentais: em busca de um due process of law na União Europeia” de Patrícia Fragoso Martins. A apresentação das obras esteve a cargo do Presidente do júri do Prémio Jacques Delors e Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio. Este começou por caracterizar a colecção Prémio Jacques Delors como uma referência nas temáticas europeias em Portugal. “Por um lado tratam-se os temas relevantes para a problemática europeia, por outro permitem que haja um eco relativamente vasto na sociedade. Este ano, por exemplo, conjugaram-se as ciências jurídicas com as ciências da educação.(…) Procuramos sempre no júri conciliar o mérito do trabalho seja porque tem pergaminhos académicos, seja porque constitui divulgação de alto nível, mas sempre condicionado à possibilidade de ter uma visibilidade e ter um papel pedagógico mais vasto junto da opinião pública portuguesa.” Cidadania e Educação Vítor Constâncio referiu que, este ano, os trabalhos têm um ponto em comum que é preocupação com os direitos dos cidadãos europeus, passando à descrição do trabalho da autora Vitória Cardona, professora do 1º Ciclo do Ensino Básico e mestre em Ciências da Educação. “O livro é uma análise do que acontece no ensino básico em Portugal. Começa por discutir e analisar o próprio conceito de cidadania, mas depois orienta-se para os aspectos da educação que poderão servir para promover o conceito de cidadania europeia.” Existe um conceito de cidadania mais ligado às comunidades políticas organizadas e um conceito de cidadania/identidade que indica pertença a uma comunidade com uma história, uma cultura e uma língua própria. “A verdade é que penso que é necessário distinguir entre cidadania numa óptica de direitos em geral de cidadania/identidade. O primeiro conceito parece-me o mais relevante e nele nos devíamos concentrar porque é de facto num contexto de uma comunidade organizada politicamente que há a possibilidade de exercer e reivindicar direitos e ao mesmo tempo manifestar o dever de promoção do bem comum dessa comunidade. Na visão de Jürgen Habermas, (filósofo e sociólogo alemão, 1929), sobre a construção europeia encontramos no fundo a mesma distinção: a ideia de que o que é importante é a afirmação da cidadania no contexto a que eles chamam de patriotismo constitucional, a possibilidade de gozar direitos de cidadania por haver textos constitucionais da Europa que assim o definem como coisa mais importante do que a existência, ainda muito precária, de uma identidade europeia de conjunto.” Vítor Constâncio relacionou a temática da cidadania com a chamada “crise” da construção europeia. “Eu penso que é exagerado falar-se em crise a não ser que a nossa métrica seja comparar com os nossos ideais, ou seja com aquilo que gostaríamos que fosse a evolução da construção europeia. Embora seja manifesto que a Europa funciona, que a Europa continua a tomar decisões sobre todas as matérias das competências das instituições europeias sem problemas, e apesar de não ter sido aprovado o Tratado Constitucional, a Europa funciona fundamentalmente como um instrumento de cooperação intergovernamental. É no entanto, também verdade que os que sempre abraçaram o ideal europeu sempre desejaram um pouco mais para a construção europeia. No fundo, a Europa precisa de cidadãos que a par da reivindicação dos seus direitos tenham também a atitude correspondente de defender o bem comum europeu. E para haver cidadãos europeus é necessário formá-los e daí a importância deste trabalho sobre a educação para a cidadania.” O conceito de cidadania é referido no livro como algo que está em constante construção e evolução não só porque os próprios textos fundamentais da União Europeia vão evoluindo como também a pouco e pouco se vai constituindo uma identidade europeia mais forte. No entanto, o trabalho não trata apenas o conceito de cidadania, mas também os aspectos da educação para a cidadania e a autora traça-nos o panorama da evolução do tema da educação na construção europeia. “Sabemos que a Educação não é, nem creio que possa vir a ser uma Política Comum da União Europeia. Aquilo que foi decidido no princípio dos anos 90 é que a comunidade deverá promover uma educação de qualidade para todos os europeus e a União Europeia deverá apoiar, complementar, mas não pode pôr em causa, nem intervir no direito dos Estados de definirem o conteúdo da educação e organização do sistema educativo. Esse princípio mantém-se. Mantém-se também no projecto do Tratado Constitucional onde a Educação é um tema da exclusiva competência dos Estados-Membros. Depois de um Livro Branco sobre Educação, em 1995, surgiram algumas iniciativas, por exemplo, dois grandes programas europeus na área da educação e da formação profissional, o programa Sócrates e o programa Leonardo da Vinci.” O trabalho apresenta ainda uma análise do que acontece em Portugal, em particular no Ensino Básico, onde se chega à conclusão que a dimensão europeia ainda não é pensada, nem posta em prática, em pleno, nas escolas portuguesas. “Isto é de lamentar, por exemplo, num país que é considerado mais eurocéptico que Portugal, o Reino Unido, foi integrada uma disciplina de Educação para a Cidadania no currículo nacional, em 2002, centrada obviamente nos temas britânicos mas tendo numa das suas secções precisamente a União Europeia, o seu papel e a sua importância. Direitos dos cidadãos europeus Em relação à obra de Patrícia Fragoso Martins, Vítor Constâncio iniciou o seu discurso felicitando a autora por ter sido laureada, de forma inédita, com o Prémio Jacques Delors pela 2ª vez. A obra premiada ocupa-se de um aspecto muito importante na defesa dos direitos humanos que diz respeito à garantia da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos cidadãos na Europa face à legislação europeia e àquilo que ela consagra. O trabalho de Patrícia Fragoso Martins parte da identificação de um deficit europeu. Trata-se do deficit de existência de direitos de processo que garantam o efectivo exercício dos direitos dos europeus. “Nos textos europeus não encontramos praticamente nada sobre a garantia jurídica fundamental para a afirmação dos direitos dos europeus. O Tratado de Maastricht (1992) introduziu uma referência directa aos direitos fundamentais, mas sem os enumerar, sem os descrever ou sem dar quaisquer competências ao Tribunal de Justiça das Comunidades. Finalmente em Nice tivemos a proclamação por todos os Estados-Membros participantes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000), mas é uma proclamação, não é um texto que tenha sido integrado nos próprios tratados e uma vez mais também não há referencias directas a competências, embora a autora sublinhe que o art.47º da Carta1 faça uma referência ao aspecto da tutela jurisdicional dos direitos, mas não há a atribuição de uma competência ao Tribunal de Justiça das Comunidades. O Tribunal de Justiça das Comunidades foi criando uma jurisprudência no sentido de considerar o direito à tutela jurisdicional efectiva como um princípio geral do direito comunitário. No entanto, o Tribunal de Justiça tem recusado muitas acções que não estão definidas como sendo da competência e atribuição deste, ou seja remetem para os tribunais dos EstadosMembros. Não há por isso a garantia de que certos direitos que existem a nível europeu sejam, na prática, plenamente consagrados por todos os Estados-Membros. (…) Também as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são meramente declarativas, embora obriguem em princípio os Estados-Membros participantes a cumprirem as sentenças, mas são os Estados-Membros que têm que o fazer.” Mini Tratado Constitucional Em Outubro de 2004, os Estados-Membros da União assinaram o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. A entrada em vigor da Constituição europeia dependerá, todavia, da sua ratificação por todos os signatários. “O mini Tratado Constitucional que se fala agora é seguramente muito importante para assegurar a continuidade do projecto europeu, mas poderá não ser suficiente para responder aos desafios com que a Europa está confrontada. Muitos Estados que rectificaram o Tratado Constitucional estavam dispostos a ir mais longe. (…) A via de progresso da construção europeia passa pela utilização plena das cooperações reforçadas e pela vontade de Estados que estão dispostos a ir mais longe tomarem essa iniciativa sem receios de um mito que se criou há muito tempo de que a Europa a várias velocidades gera uma forma de fragmentação. Nós já temos Europa a várias velocidades. Por exemplo, uns são do euro outros não são e isso não fragmentou a Europa. (…) O euro é nessa matéria uma experiência de partilha de soberanias de grande importância e pode ser utilizado como elemento catalizador para novas experiências. Na verdade, a situação actual e as suas insuficiências desperta muita inquietação em muitos europeus e esperemos que essa consciência de uma certa crise possa trazer alguns progressos de acordo com a célebre frase de Jean Monnet que dizia: Os homens só actuam em estado de necessidade e só reconhecem a necessidade em momentos de crise.” 1 Consulte a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia: http://infoeuropa.eurocid.pt/F/2CXNFV7SKT9TJ654AYN2VE5P6RX5QAGMQNTI4GV7GXNTRIM9MU46530?func=service&doc_libr ary=CIE01&doc_number=000034894&line_number=0001&func_code=WEB-FULL&service_type=MEDIA