CONCEPÇÃO DE UNIVERSIDADE: ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO OU FORMAÇÃO PARA O MERCADO DE TRABALHO ? Adnilson José da Silva – [email protected] UEPG Marijane Zanotto 1– [email protected]/FADEC Maria Ester Schreiner Berbetz – [email protected] Priscila Larocca- [email protected] Silvia Hass Dolinski – [email protected] Resumo: Este artigo discute a Educação Superior no momento em que políticas e reformas vêm sendo pensadas e implementadas, diante das diferentes visões sobre o que pode constituir o papel e as funções da universidade na vida social e na formação dos indivíduos. Objetivouse desenvolver estudos sobre concepções de universidade que predominam entre docentes, acadêmicos e membros da comunidade. O grupo de mestrandos, sob orientação da professora da disciplina Educação Superior, do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa- PR, durante 2004, centrou-se na coleta de elementos para situar e re-discutir os fins da Educação Superior. Considerou-se a relação da universidade com a sociedade, o seu atrelamento ao Estado e aos interesses do capital. A concepção da formação para o mercado de trabalho, enquanto finalidade da universidade, predominou entre os respondentes na sua totalidade. Para os docentes, a universidade se caracteriza pela formação de pesquisadores, produção de conhecimentos e prestação de serviços, embora acadêmicos e comunidade não percebam da mesma forma. Para os acadêmicos, a universidade é espaço de formação profissional, tendo em vista assumirem posições no mercado de trabalho, sendo também, instituição de ensino da alta cultura. Para a comunidade, a universidade tem por fim a formação de profissionais e a prestação de 1 Marijane Zanotto. Mestranda do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa – Pr. E-mail: [email protected]. Endereço: Rua Rafael Picoli, 2675, bloco 02, apto 32, CEP 85020-220, Telefone: (45) 3222-2593/(45) 9965-6893. Cascavel, Paraná. serviços. No conjunto das manifestações verifica-se que, entre os agrupamentos obtidos, a concepção de universidade vinculada ao tripé é a menos representativa de todas, figurando em último lugar. Percebe-se que são os docentes seus respondentes típicos. Os acadêmicos e a comunidade em termos práticos não percebem que a universidade se faz na coexistência e articulação de ensino-pesquisa e extensão. Evidenciou-se semelhança do modelo de universidade brasileira com o norte-americano no que tange o aspecto da ênfase a formação de mão-de-obra para diferentes funções no mercado de trabalho, conseqüentemente para diferentes classes sociais, o que tende a fazer perpetuar as desigualdades, em beneficio da manutenção do sistema produtivo capitalista, via educação para o trabalho. Daí emerge a concepção presente da formação para o mercado de trabalho, o que constituiu não só uma mera semelhança ou herança que se recebeu como país periférico, mas um fardo que se carrega estrategicamente pelos atrelamentos econômicos vinculados aos interesses hegemônicos dos paises centrais. O conteúdo educacional, com cunho utilitarista e mercadológico, para os fins da produção do capital, beneficia os monopólios particulares em detrimento das necessidades coletivas. Isto está implícito na legislação educacional e evidente na concepção da sociedade, como no caso da Educação Superior, quando revela que a universidade tem como principal finalidade atuar na formação para o mercado de trabalho. Mostra-se ausente a compreensão da totalidade que envolve a problemática da utilização da educação como mero motor para a qualificação do trabalhador, enquanto produtor do capital, consumidor dos restos do que produz e reprodutor alienado de um sistema. Os equívocos na concepção de universidade como “agência de ensino e fomento do homem apenas trabalhador” perpetuam-se nas práticas internas da universidade. Com efeito, denota-se que a universidade, seguindo o movimento histórico do processo de acumulação capitalista e incorporando a identidade que lhe é atribuída no contexto das estratégias neoliberais, se distancia de desvelar, construir e consolidar com autonomia a sua própria identidade. Persiste a pergunta: o que e como mudar na universidade? Nas diferentes visões estudadas neste artigo, respostas estão dadas, porém, sem consenso. Uma solução simplista seria procurar mediante cessões dos reivindicadores uma síntese que agradasse a todos. Para o senso comum tal estratégia pareceria democrática e adequada por evitar confrontações maiores, todavia, para apreciações mais criteriosas essa estratégia do consenso revela-se falaciosa. Para clarear essa questão em perspectiva crítica é preciso complementar a pergunta a fim de se neutralizar o simplismo da resposta: o que e como mudar na universidade sem que esta instituição deixe de primar pela diversidade e pela excelência? Antes de qualquer iniciativa prática deve-se eleger como asserção norteadora a seguinte: é preciso evitar que a universidade deixe de ser universidade, ou seja, qualquer mudança deve objetivar a confirmação do nível sempre superior de formação, e não o seu oposto. Uma segunda exigência para se empreender qualquer mudança é a de que as alterações se concentrem naquilo que hoje desconfigura a universidade como tal. Sabe-se que a excessiva valorização do ensino para a formação de técnicos a serviço do sistema produtivo, tal como reivindica a maioria dos respondentes da pesquisa que subsidia este artigo, descumpre com os propósitos da formação universitária que prevê a valorização também da pesquisa e da extensão em um todo ativo entendido pela expressão ensino-pesquisa-extensão. Logo, também é verdade que o privilégio desmedido a qualquer uma destas últimas ações redundaria no mesmo efeito que hoje se verifica pela hipervalorização apenas do ensino, pois com isso o que se tem é a caracterização de um viés utilitarista que denuncia bases ideológicas neoliberais que influenciam o imaginário e as perspectivas da comunidade brasileira com relação às funções da universidade. Toda orientação político-pedagógica (e qualquer universidade tem uma), em uma democracia que supere as formas liberais, requer um contraponto. No atual estado de coisas, é preciso um contraponto que rechace as bases positivistas do neoliberalismo que orientam as universidades para um simples funcionamento utilitarista em detrimento de uma atuação que inclui a apreensão crítica da época em que vivemos. Isso evidencia a falácia do consenso, ainda que as partes cedam mutuamente: o consenso liberal não resulta de síntese dialética porque não prevê novas confrontações, assim, apresenta-se mais como um misto de conformação e homogeneização tal qual apreciam os regimes totalitários. Em um exercício etimológico é possível ilustrar o processo de homogeneização pretendido pelo consenso liberal e denunciar o seu efeito empobrecedor na universidade. Sabe-se que o sufixo - dade significa “modo, jeito, estilo de ser”, assim, uma universidade é caracterizada por um estilo universal de ser. Ao se negar a sua universalidade, exigindo dela a dedicação exclusiva ao ensino em detrimento das outras ações que a caracterizam como universidade, ainda que se mantenham diferenciadas funções para o ensino expressas em competências conceituais e procedimentais, o máximo que se obtém é uma monoversidade, ou seja, uma instituição com um jeito mono de ser, de inspiração monomotiva. O discurso privatista, que aponta as mais variadas especializações dentro do processo produtivo capitalista como produto excelente da universidade, cria o universismo, ou seja, uma variedade pretensamente universal de formações técnicas para atendimento às necessidades imediatas do mercado de trabalho em detrimento de uma formação política e de cultura geral dos trabalhadores graduados. Neste caso, o sufixo ismo é a deterioração pejorativa do jeito de ser institucional e denuncia uma tentativa de tornar universal um campo restrito a competências instrumentais produtivas. Se for considerada a diferença de tratamentos dispensados no setor de ensino às diferentes áreas do saber, com privilégio dos ramos tecnológicos sobre os humanos e sociais, pode-se perceber que a degeneração pode levar à institucionalização do monoversismo, que sem dúvida seria o mais baixo degrau da involução institucional. A diferença entre universidade e monoversismo é a mesma que existe entre as possibilidades que animam a formação superior e os determinismos que negam essa mesma formação. É determinista o consenso liberal, enquanto o debate é promissor. A presença excelente do debate requer a coexistência de todas as formas de saber e de concepções de mundo a que servem, logo, a universidade é a morada do debate. Tal forma de debate não se sustenta no espontaneísmo e na gratuidade ingênua, requerendo comprovação fundamentada e sistemática, e assim, pesquisas para renovação de propostas e de produtos que, para serem legítimos, devem promover o bem atestado e democratizado em extensão. Torna-se evidente que a universidade, como tal, identifica-se com o debate, abrigando-o, o que por sua vez requer, tanto o ensino, quanto a pesquisa e a extensão, superando o estado individual dessas ações e, em um contínuo, se fazer universal pela dinâmica ensino-pesquisa-extensão. Esta é, sem dúvida, uma atitude revolucionária para a universidade brasileira. Palavras-chave: EDUCAÇÃO SUPERIOR - ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO MERCADO DE TRABALHO REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BRASIL. Lei n. 010172 - 9 jan. 2001. Plano Nacional de Educação- PNE. Brasília, DF: MEC, 2001. CASTANHO, S. E. M. A universidade entre o sim, o não e o talvez. In: VEIGA, I. P.A e CASTANHO, S. E. M. (orgs.) 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