CASO DA DISPUTA FRONTEIRIÇA (BURKINA FASO/REPÚBLICA DO MALI) (MEDIDAS CAUTELARES) Decisão de 10 de janeiro de 1986 Uma decisão proferida pela Câmara da Corte constituída para lidar com o Caso da Disputa Fronteiriça entre Burkina Faso e Mali indicou, unanimemente, medidas cautelares. Entre outras medidas, a Câmara pediu aos governos de Burkina Faso e Mali que recuassem suas forças armadas dentro de vinte dias do pronunciamento da decisão, sendo entendido que os termos da retirada das tropas seriam determinados por acordo entre os governos. Falhando tal acordo, a própria câmara indicaria os termos. A Câmara também pediu a ambas as partes que continuassem o cessar-fogo, que não modificassem a situação anterior quanto à administração das áreas disputadas e que evitassem qualquer ato que pudesse agravar ou estender a disputa submetida ao seu julgamento. A Câmara, constituída no Caso da Disputa Fronteiriça (Burkina Faso/Mali), foi composta como se segue: Presidente Mohammed Bedjaoui, Juízes Manfred Lachs, José-Maria Ruda; Juízes ad hoc François Luchaire, Georges Abi-Saab. Decisão indicando medidas cautelares A Câmara, Unanimemente: 1. Indica, a título provisório e à espera de seu julgamento definitivo nos procedimentos instituídos em 20 de outubro de 1983 pela notificação de um Acordo Especial entre o governo da República do AltoVolta (agora Burkina Faso) e o governo da República do Mali, assinado em 16 de setembro de 1983 e relacionado à disputa fronteiriça entre os dois Estados, as seguintes medidas cautelares: A. o governo de Burkina Faso e o governo da República do Mali devem assegurar que não será tomada nenhuma ação de qualquer tipo que possa agravar ou estender a disputa submetida à câmara ou prejudicar o direito da outra parte em obter a execução de qualquer decisão que a câmara possa proferir no caso; B. ambos os governos devem abster-se de qualquer ato que possa impedir a reunião de elementos de prova necessários ao presente caso; C. ambos os governos devem continuar o cessar-fogo instituído pelo acordo entre os dois Chefes de Estado em 31 de dezembro de 1985; D. ambos os governos devem recuar suas forças armadas dentro de vinte dias da data da presente decisão, sendo entendido que os termos de retirada das tropas serão determinados por acordo entre os governos e que, falhando tal acordo, a Câmara indicará ela mesma os termos, por meio de uma decisão; E. Em relação à administração das áreas disputadas, a situação que prevalecia antes das ações armadas que deram origem às demandas por medidas cautelares não deve ser modificada; 2. Convida os representantes das partes a notificarem ao Secretário da Corte, sem atraso, qualquer acordo concluído entre os governos dentro do escopo do ponto A. 4 acima; 3. Decide que, à espera de seu julgamento definitivo, e sem prejuízo da aplicação do artigo 76 do Regulamento, a Câmara permanecerá investida das questões abrangidas pela presente decisão. (MÉRITO) Sentença de 22 de dezembro de 1986 Em sua decisão, a Câmara constituída pela Corte, para o Caso da Disputa Fronteiriça entre Burkina Faso e a República do Mali, adotou, por unanimidade, o traçado da linha de fronteira na zona contestada pelos dois Estados. (Para o traçado dessa linha, ver mapa 2 anexo) A composição da Câmara era a seguinte: Presidente Mohammed Bedjaoui; Juízes Manfred Lachs e José Maria Ruda; Juízes ad hoc François Luchaire e Georges Abi-Saab. Dispositivo da decisão da Câmara "A Câmara, Por unanimidade, Decide A. Que o traçado da fronteira entre Burkina Faso e a República do Mali na zona contestada, tal como foi definida no compromisso concluído em 16 de setembro de 1983 entre esses dois Estados, é o seguinte: 1) Partindo de um ponto de coordenadas geográficas 1° 59' 01" Oeste e 14° 24' 40" Norte (ponto A), a linha toma direção norte seguindo a linha em encruzilhadas descontínuas que figura no mapa da África Ocidental, à escala 1/200 000 editada pelo Instituto Geográfico Nacional (IGN) francês (doravante denominada 'linha IGN'), até o ponto de coordenadas 1º 58' 49" Oeste e 14° 28' 30" Norte (ponto B). 2) No ponto B, a linha se inclina em direção leste e corta a faixa que liga Dionouga e Diguel, aproximadamente a 7,5 quilômetros de Dionouga em um ponto de coordenadas geográficas 1º 54' 24" Oeste e 14° 29' 20" Norte (ponto C). 3) Do ponto C, a linha passa a uma distância aproximada de 2 quilômetros ao sul das vilas de Kounia e de Oukoulourou, pelo ponto de coordenadas geográficas 1° 46' 38" Oeste e 14° 28' 54" Norte (ponto D) e o ponto de coordenadas 1° 40' 40" Oeste e 14° 30' 03" Norte (ponto E). 4) Do ponto E, a linha segue em direção ao ponto de coordenadas geográficas 1° 19' 05" Oeste e 14° 43' 45" Norte (ponto F), situado aproximadamente a 2,6 quilômetros ao sul da lagoa de Toussougou. 5) Do ponto F, a linha segue para o ponto de coordenadas geográficas 1° 05' 34" Oeste e 14° 47' 04" Norte (ponto G), situado na margem oeste da lagoa de Soum, a qual atravessa na direção geral oeste-leste e divide em partes iguais entre os Estados; ela dirige-se, em seguida, na direção geral norte-nordeste para reencontrar a linha IGN no ponto de coordenadas geográficas 0° 43' 29" Oeste e 15° 05' 00" Norte (ponto H). 6) Do ponto H, a linha segue a linha IGN até o ponto de coordenadas geográficas 0° 26' 35" Oeste e 15° 05' 00" Norte (ponto I), de onde se inclina para sudeste e segue direto até encontrar o ponto J, definido abaixo. 7) Os pontos J e K, cujas coordenadas geográficas serão determinadas pelas partes com o auxílio de peritos designados conforme o artigo IV do compromisso, respondem a três condições: eles se situam em um mesmo paralelo de latitude; o ponto J se encontra na margem oeste da lagoa de In Abao e o ponto K a leste da mesma; a linha traçada entre eles resultará na divisão eqüitativa da área da lagoa entre as partes. 8) No ponto K, a linha se inclina para o nordeste e continua direto até o ponto de coordenadas geográficas 0° 14' 44" Oeste e 15° 04' 42" Norte (ponto L) e, desse ponto, segue direto até o ponto de coordenadas geográficas 0° 14' 39" Leste e 14° 54' 48" Norte (ponto M), situado aproximadamente a 3 quilômetros ao norte do vau de Kabia. B. Que a Câmara designará posteriormente, por decisão, três peritos conforme o artigo IV, alínea 3, do compromisso de 16 de setembro de 1983." Opiniões individuais foram juntadas à decisão pelos Juízes ad hoc François Luchaire e Georges AbiSaab. Os Juízes interessados declararam e explicaram em suas opiniões a posição que tomaram sobre certos pontos tratados na sentença. I. - Processo (parágrafo 1º ao 15) A Câmara relembrou as sucessivas fases do processo, desde a notificação ao Secretário do compromisso concluído em 16 de setembro de 1983 entre a República de Alto-Volta (conhecida como Burkina Faso desde 4 de agosto de 1984) e a República do Mali, pelo qual os dois Estados concordaram em submeter a uma Câmara da Corte um litígio concernente à delimitação de uma parte de sua fronteira em comum. II. - Missão da Câmara (parágrafo 16 ao18) A tarefa da Câmara consiste em indicar o traçado da fronteira entre Burkina Faso e a República do Mali na zona contestada, que é definida pelo artigo I do compromisso como "uma faixa de território que se estende do setor de Koro (Mali) Djibo (Alto Volta), até e inclusive a região do Béli". Os dois Estados indicaram, nas conclusões submetidas à Câmara, o traçado da fronteira que cada um deles considerava fundado em direito. Esses traçados aparecem no mapa n° 1 da sentença. III. - Regras aplicáveis. Fonte dos direitos que as partes reivindicam (parágrafo 19 ao 30) 1. O princípio da intangibilidade das fronteiras herdadas da colonização (parágrafo 19) A sentença examina as regras aplicáveis ao caso, se esforçando para apurar a fonte dos direitos que as partes reivindicam. Ela observa primeiramente que a determinação da fronteira à qual a Câmara deveria proceder se inscreve em um contexto jurídico marcado pelo fato de que os Estados em litígio advêm do processo de descolonização que ocorreu na África durante os trinta últimos anos: pode-se dizer que Burkina Faso corresponde à colônia do Alto-Volta e a República do Mali à do Sudão (antigo Sudão francês). As duas partes indicaram no preâmbulo de seu compromisso que a solução da controvérsia que os opunha deveria ser "fundada sobre o respeito ao princípio da intangibilidade das fronteiras herdadas da colonização", o que remeteu ao princípio proclamado na resolução AGH/ Res. 16 (I), adotada no Cairo em julho de 1964, na primeira conferência de cúpula que deu origem à criação da OUA (Organização da Unidade Africana), segundo o qual "todos os Estados-membro se comprometem a respeitar as fronteiras existentes no momento em que se tornaram independentes". 2. O princípio uti possidetis juris (parágrafo 20 ao 26) Assim sendo, a Câmara não afastou o princípio do uti possidetis júris, cuja aplicação tem precisamente por conseqüência o respeito das fronteiras herdadas. Ela ressaltou o alcance geral do princípio em matéria de descolonização, assim como a sua excepcional importância para o continente africano, incluindo as duas partes do caso em tela. Apesar do princípio ter sido invocado pela primeira vez na América hispânica, ele não tem como característica ser apenas uma regra inerente a um sistema determinado de direito internacional. É um princípio de alcance geral, logicamente ligado ao fenômeno da acessão à independência em que se manifesta. Seu objetivo evidente é evitar que a independência e a estabilidade dos novos Estados não sejam postas em perigo pelas lutas nascidas da contestação de fronteiras em seguida à retirada da potência administradora. O fato de que os novos Estados africanos respeitaram o status quo territorial que existia no momento da acessão à independência não deve ser visto como uma mera prática, mas sim como a aplicação na África de uma regra de alcance geral que foi firmemente estabelecida em matéria de descolonização; e a Câmara não entendeu ser necessário demonstrar isto no presente caso. O princípio do uti possidetis juris confere ao título jurídico preeminência sobre a possessão efetiva como base da soberania. Visa antes de tudo assegurar o respeito aos limites territoriais no momento da acessão à independência. Enquanto esses limites seriam apenas delimitações entre divisões administrativas ou colônias sujeitas ao mesmo ente soberano, a aplicação do princípio resultou na transformação dos mesmos em fronteiras internacionais, sendo justamente o que aconteceu com os dois Estados-parte no caso em tela, que se constituíram a partir de territórios da África ocidental francesa. Enquanto esses limites já eram, no momento da descolonização, fronteiras internacionais, a obrigação de respeitar fronteiras internacionais preexistentes advém de uma regra geral de direito internacional relativa à sucessão de Estados. As numerosas afirmações solenes relativas à intangibidade das fronteiras estabelecidas por representantes de Estados africanos ou órgãos da OUA devem então ser compreendidas como referências a um princípio já existente e não como afirmações que visam a formação de um princípio novo ou a extensão para a África de uma regra somente aplicável até então em outro continente. Esse princípio do uti possidetis colide frontalmente com o do direito dos povos à autodeterminação. Mas, na realidade, a manutenção do status quo territorial na África aparece freqüentemente como a mais sábia solução. A necessidade vital de estabilidade para sobreviver, se desenvolver e consolidar progressivamente sua independência em todos os domínios que levou os Estados africanos a consentir a respeito dos limites ou fronteiras coloniais e foi levá-los em conta na interpretação do princípio da autodeterminação dos povos. Se o princípio do uti possidetis é mantido na lista dos princípios jurídicos mais importantes, isso se deve à sua deliberada escolha por parte dos Estados africanos. 3. O papel da eqüidade (parágrafos 27 e 28) A Câmara examinou em seguida a questão de saber se é possível no caso em tela invocar a eqüidade, com relação à qual as duas partes tomaram vias opostas. Obviamente ela não pode decidir ex aequo et bono, uma vez que não foi requisitada pelas partes a fazê-lo. Mas levará em consideração a eqüidade tal como se exprime em seu aspecto infra legem, ou seja, a forma de eqüidade que constitui um método de interpretação do direito e que repousa sobre o mesmo. A tomada em consideração concreta dessa eqüidade se tornará clara na aplicação que a Câmara fará dos princípios e regras que julgar aplicáveis. 4. O direito colonial francês - droit d'outre-mer (parágrafos 29 e 30) As partes concordaram em reconhecer que a determinação do traçado da fronteira deveria ser apreciada também à luz do droit d'outre-mer francês. A linha que a Câmara devia determinar como sendo a que existia em 1959-1960 era apenas, originariamente, um limite administrativo separando dois antigos territórios franceses ultramarinos ("territórios d'outre-mer") e, como tal, seria agora necessariamente definida não pelo direito internacional, mas a partir da legislação francesa aplicável a esses territórios. A Câmara ressaltou que o direito internacional - e portanto também o princípio do uti possidetis - se aplica ao novo Estado a partir de sua acessão à independência e sem efeito retroativo. Ele congela o título territorial. O direito internacional não causa nenhum renvoi ao direito do Estado colonizador. Se este intervém, é como um elemento de fato entre outros ou como meio de prova do "legado colonial" na data. IV. - Evolução da organização administrativa (parágrafo 31 ao 33) Após ter brevemente relembrado a organização administrativa territorial da África Ocidental francesa da qual os dois Estados faziam parte, com sua hierarquia de unidades administrativas (colônias, cercles, subdivisões, cantões, vilas), a decisão traça um histórico das duas colônias desde 1919, a fim de determinar o que seria para cada uma das partes o legado colonial ao qual deveria se aplicar o uti possidetis. O Mali tornouse independente em 1960 sob o nome de Federação do Mali, que sucedeu à República sudanesa, nascida em 1959 de um território ultramarino denominado Sudão francês. Quanto ao Alto-Volta, cuja história é mais complicada, foi criado em 1919, suprimido em 1932, depois reconstituído pela lei de 4 setembro de 1947, segundo a qual os limites do "território do Alto-Volta restabelecido" seriam "o da antiga colônia do AltoVolta à data de 5 de setembro de 1932". Esse Alto-Volta reconstituído é que se tornou independente em 1960 e levou o nome de Burkina Faso em 1984. Trata-se então no caso em questão de pesquisar qual é a fronteira herdada da administração francesa, e mais precisamente qual era, na zona litigiosa, a fronteira que existia entre os territórios ultramarinos do Sudão e do Alto-Volta em 1959-1960. As duas partes concordam que no momento da independência havia uma fronteira bem definida e que nenhuma modificação ocorreu na zona contestada entre janeiro de 1959 e agosto de 1960, ou ainda após. V. - A disputa entre as partes e a questão preliminar da aquiescência eventual do Mali (parágrafo 34 ao 43) Burkina Faso sustentou que o Mali aceitou como obrigatória a solução da disputa proposta pela Comissão de Mediação da OUA, que ocorreu em 1975. Se esse argumento baseado sobre a aquiescência estivesse bem fundado, ele teria como efeito tornar inútil toda pesquisa destinada a estabelecer a fronteira herdada do período colonial. A Câmara examinou então se o Mali havia, como afirma Burkina Faso, aquiescido com a solução proposta pela Comissão, uma vez que esta nunca havia realmente sido examinada em seus trabalhos. Ela tratou em primeiro lugar do elemento de aquiescência que seria, segundo Burkina Faso, a declaração feita pelo Chefe de Estado do Mali, em 11 de abril de 1975, pela qual o Mali teria se declarado antecipadamente vinculado pelo relatório que a Comissão de Mediação deveria redigir com base nas proposições concretas de sua Subcomissão Jurídica. Esse relatório não foi concluído mas as propostas da Subcomissão são conhecidas. Após exame e levando em conta a jurisprudência da Corte, a Câmara considerou não caber interpretar essa declaração como um ato unilateral comportando efeitos jurídicos com relação à disputa. A sentença trata em segundo lugar dos princípios de delimitação tomados pela Subcomissão Jurídica os quais, segundo Burkina Faso, o Mali teria aceitado para fins da delimitação litigiosa. Após ter pesado os argumentos das partes, a Câmara concluiu que, posto que teria que fixar o traçado da fronteira com base no direito internacional, pouco importava que a atitude do Mali pudesse ou não ser interpretada como a tomada de uma determinada posição, ou até mesmo uma aquiescência quanto aos princípios tidos como aplicáveis à solução da disputa pela Subcomissão Jurídica. Se eles são aplicáveis enquanto elementos de direito, eles o são tal qual foi a atitude do Mali. Só seria diferente se as partes tivessem requisitado à Câmara que os levasse em consideração ou tivessem reservado a eles um lugar especial no compromisso como "regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litígio" (artigo 38, parágrafo1º, a, do Estatuto), o que não é o caso. VI. - Questão preliminar: fixação do ponto triplo (parágrafo 44 ao 50) A Câmara regulamentou outra questão preliminar, a saber de quais poderes ela dispunha com relação à fixação do ponto triplo que constitui o ponto terminal oriental da fronteira entre as partes. Essas tinham opiniões divergentes sobre o assunto: o Mali sustentava que a determinação do ponto Niger-Mali-Burkina Faso não poderia ser operada pelas partes sem o consentimento do Niger e que, assim, a Câmara não poderia fazê-lo; Burkina Faso considerava que a Câmara deveria, em virtude do compromisso, se pronunciar sobre a situação do ponto triplo. Por ser de sua competência, a Câmara considerou que, segundo os claros termos do compromisso, a intenção comum das partes era que ela indicasse o traçado da fronteira em toda a zona contestada. Ela considerou ainda que sua competência não se encontraria limitada pelo simples fato do ponto terminal da fronteira se situar sobre a fronteira de um terceiro Estado não-parte ao procedimento. Os direitos do Estado vizinho, o Niger, estavam salvaguardados, em todo caso, pelo artigo 59 do Estatuto da Corte. Quanto a saber se as considerações ligadas à salvaguarda de interesses desse terceiro Estado deveriam levá-la a se abster de exercer sua competência para identificar todo o traçado da linha, deve se pressupor que os interesses jurídicos deste Estado seriam não somente tocados pela sua decisão, mas constituiriam o objeto da decisão. Tal não ocorre aqui. Incumbe à Câmara constatar até onde se estende a fronteira herdada do Estado colonizador. Não se trata primordialmente de indicar um ponto triplo, mas sim de colocar o ponto terminal da fronteira a leste, ponto onde essa fronteira deixa de separar Burkina Faso da Republica do Mali. VII. - Meios de prova invocados pelas partes (parágrafo 51 ao 65) Para apoiar suas teses, as partes invocaram diversos meios de prova. 1. Elas citaram textos legislativos e regulamentares ou documentos administrativos, dentre os quais o documento fundamental é a lei francesa de 4 de setembro de 1947 "tendendo a restabelecer o território do Alto-Volta" que dispunha que os limites do território restabelecido seriam "aqueles da antiga colônia do Alto- Volta na data de 5 de setembro de 1932". Esses limites eram, no momento da acessão à independência em 1960, os mesmos existentes em 5 de setembro de 1932. Os textos e documentos produzidos não contêm nenhuma descrição completa do traçado do limite entre o Sudão francês e o Alto-Volta durante os dois períodos em que essas colônias coexistiram (1919-1932 e 1947-1960). São de alcance limitado e seu valor jurídico ou interpretação são objeto de controvérsias entre as partes. 2. Os dois Estados produziram também um material cartográfico volumoso e diversificado. Elas consagraram desenvolvimentos aprofundados da questão da força probante da cartografia e do valor jurídico comparado de diversos elementos de prova apresentados. A Câmara notou que, em matéria de delimitação de fronteiras, os mapas são apenas simples indicações e não constituem jamais, por si só, um título territorial. Eles são apenas elementos de prova extrínsecos, os quais podem ser usados, entre outros elementos de prova, para estabelecer a verdade real dos fatos. Seu valor depende de sua fidelidade técnica e de sua neutralidade com relação à disputa e às partes à disputa e, não podem ter o efeito de inverter o ônus da prova. Examinando os mapas produzidos no caso, a Câmara notou que não tinha à sua disposição nenhum mapa que ilustrasse de maneira oficial e direta as informações contidas em quatro textos essenciais (ver a seção VIII, infra), apesar de que dois deles deveriam, segundo seus próprios termos, estar acompanhados de mapas. Apesar dela ter diante de si um volume considerável de mapas, croquis e desenhos para uma região reputada como desconhecida, nenhum traçado fronteiriço indiscutível pode deles ser extraído. Uma cautela especial se impõe então no exame do dossiê cartográfico. Dois dos mapas produzidos apresentam uma importância particular. Trata-se do mapa das colônias da África Ocidental francesa, a 1/500 000, edição de 1925, dito mapa Blondel la Rougery e o da África do Oeste, a 1/200 000, publicado pelo Instituto Geográfico Nacional francês (IGN) e originariamente editado entre 1958 e 1960. A Câmara considerou, sobre o primeiro, que os limites administrativos que nele figuram não gozam de nenhuma autoridade particular. Quanto ao segundo, a Câmara considerou que, tendo sido estabelecido por um organismo neutro com relação às partes, e sem ter valor de título jurídico, ele constitui uma representação visual dos textos disponíveis e informações recolhidas no local. Se todas as outras provas são defeituosas ou insuficientes para mostrar um traçado preciso, o valor probante do mapa do IGN torna-se determinante. 3. Dentre os elementos de prova a serem considerados, as partes invocaram as "effectivités coloniais", em outras palavras, o comportamento das autoridades administrativas enquanto prova do exercício efetivo das competências territoriais na região durante o período colonial. O papel dessas effectivités é complexo e a Câmara deve pesar cuidadosamente seu valor jurídico em cada caso. A Câmara ressaltou a característica muito particular do caso no que concerne aos fatos a demonstrar ou às provas a produzir. Mesmo que as partes tenham fornecido um dossiê tão completo quanto possível, a Câmara não pôde, no entanto, ter a certeza de decidir com pleno conhecimento de causa. O dossiê apresenta incoerências e lacunas. A aplicação sistemática da regra relativa ao ônus da prova não fornece sempre a solução, e a rejeição de um argumento por falta de prova não é suficiente para que a tese contrária possa ser retomada. VIII. - Textos legislativos e regulamentares e documentos administrativos invocados pelas partes: sua aplicabilidade à determinação da linha de fronteira (parágrafo 66 ao 105) e sua execução (parágrafo 106 ao 111) A Câmara examinou, primeiramente, os textos legislativos e regulamentares e os documentos administrativos invocados pelas partes a fim de apreciar o valor de cada um deles no traçado da linha de fronteira no setor aos quais se referem. A sentença apresenta esses textos em ordem cronológica: - Resolução de 31 de dezembro de 1922 sobre reorganização da região de Tombouctou. As partes concordaram em reconhecer sua validade e pertinência. - Resolução de 31 de agosto de 1927 tomada pelo Governador Geral interino da AOF, relativa aos limites das colônias de Niger e do Alto-Volta; essa resolução foi modificada por um erratum de 5 de outubro de 1927. As partes a vêem como pertinente no que se refere ao ponto triplo, tema tratado anteriormente (seção VI). Mas têm opiniões opostas sobre sua validade, posto que o Mali sustentou que a resolução e o erratum são viciados por erro de fato, relativo ao local onde se situam as colinas de N'Gouma, de sorte que Burkina Faso não poderia se valer deles. A Câmara ressaltou que, no caso em espécie, a resolução e o erratum não têm outro valor que não o de elemento de prova quanto ao local do ponto terminal do limite entre o Sudão francês e o Alto-Volta, e considerou inútil procurar estabelecer a validade jurídica do texto, cujo valor probante admitido aliás pelo Mali - é independente. - Decreto de 5 de setembro de 1932, suprimindo a colônia do Alto-Volta e anexando os cercles que o compunham ao Sudão francês e ao Niger (ver o croqui n° 2 da decisão). - Troca de Cartas ocorrida em 1935: Trata-se da Carta 191 CM2 de 19 de fevereiro de 1935, endereçada aos Tenentes-Governadores do Niger e do Sudão francês pelo Governador Geral da África Ocidental francesa e da resposta do Tenente-Governador do Sudão francês na data de 3 de junho de 1935. O Governador Geral propunha uma descrição do limite entre o Niger e o Sudão francês, à qual o Tenente-Governador do Sudão só propôs uma modificação. Essa descrição corresponderia ao traçado presente no mapa "Blondel La Rougery" (ver croqui n° 3 da sentença). O projeto não teve seqüência, mas sua interpretação foi objeto de controvérsia entre as partes, a questão sendo saber se o limite proposto se restringia a descrever um limite de fato existente (tese declaratória de Burkina Faso) ou se a carta traduziria a intenção de definir de novo o limite de direito (tese modificadora do Mali). A Câmara concluiu que a definição do limite tal como presente na Carta 191 CM2 correspondia, no entendimento tanto do Governador Geral como de todos os administradores consultados, à situação de facto. - Resolução 2728 AP de 27 de novembro de 1935, do Governador Geral interino da África Ocidental francesa sobre a delimitação dos cercles de Bafoulabé, Bamako e Mopti (Sudão francês). Este era limítrofe ao cercle de Ouahigouya, sudanês à época, e que tornou a ser voltariano a partir de 1947. Esse limite deveria constituir novamente o limite entre os territórios do Alto-Volta e do Sudão até a independência. O texto descreve o limite oriental do cercle sudanês de Mopti, a saber "uma linha que segue sensivelmente na direção nordeste deixando ao cercle de Mopti as vilas de Yoro, Dioulouna, Oukoulou, Agoulourou, Koubo...". As partes não concordaram sobre o efeito jurídico que deveria ser reconhecido à disposição. Elas se opuseram sobre a questão de saber se a linha indicada pelo texto, que "deixa" para a área de Mopti as vilas em questão, teve por efeito atribuir a este cercle vilas que faziam parte anteriormente de um outro cercle (tese de Burkina Faso) ou se, ao contrário, a definição dessa linha implicaria que essas vilas já pertenceriam ao cercle de Mopti (tese do Mali). A Câmara analisou se o texto da Resolução 2728 AP e o contexto administrativo no qual ela se inscrevia forneciam indicações quanto ao alcance que o Governador Geral interino desejou lhe dar. Ela deduziu de seu exame que existe ao menos uma presunção de que a Resolução 2728 AP não teve por finalidade nem por efeito modificar os limites existentes em 1935 entre os cercles sudaneses de Mopti e de Ouahigouya (nenhuma modificação tendo sido feita entre 1932 e 1935). A Câmara analisou em seguida se o conteúdo da Resolução 2728 AP teve por efeito confirmar ou não essa presunção e concluiu, através de um estudo aprofundado dos elementos documentários e cartográficos que permitem localizar as vilas, que eles não são de natureza a inverter a presunção segundo a qual a Resolução 2728 AP teria caráter declaratório. No curso de sua demonstração, a Câmara salientou que a parte da fronteira para a determinação da qual deve-se extrair o alcance da Resolução 2728 AP, foi denominada na sentença como "o setor das quatro vilas", sendo que o termo "quatro vilas" designa as vilas de Dioulouna (que pode ser identificada como a vila atualmente conhecida pelo nome de Dionouga), Oukoulou, Agoulourou e Koubo (a vila de Yoro citada também na Resolução pertence sem nenhuma dúvida ao cercle de Mopti e não está incluída no litígio). A respeito da avaliação dos documentos, a Câmara examinou as relações que podiam ser estabelecidas entre os elementos de informação fornecidos pelos diversos textos que ela devia aplicar e fez diversas constatações. Ela notou que sobre certos pontos eles estão em harmonia e se reforçam mutuamente, mas que, de certos pontos de vista, relembradas as incapacidades cartográficas da época, eles parecem às vezes contraditórios (ver croqui n° 4 da decisão). IX. - Determinação da fronteira na zona contestada (parágrafo 112 ao 174) 1 . O ponto terminal oeste (parágrafos 112 e 113) A Câmara fixou inicialmente o ponto terminal da fronteira já estabelecida entre elas de comum acordo, conhecido como extremidade oeste da zona contestada. As partes não indicaram claramente esse ponto, mas a Câmara entendeu poder concluir que ambas reconheciam o traçado fronteiriço indicado no mapa da África do Oeste, a 1/200 000, editado pelo IGN ao sul do ponto de coordenadas geográficas 1° 59' 01" O e 14° 24' 40" N (ponto A do mapa anexo à sentença). É a partir desse ponto que as partes a requisitaram para indicar o traçado da fronteira comum em direção leste. 2. Vilas e povoados rurais (parágrafo 114 ao 117) A Câmara considerou dever examinar o sentido dado à palavra vila, pois os textos regulamentares que fixam limites dos distritos se restringem em geral a mencionar as vilas que o constituem, sem fornecer outros esclarecimentos geográficos. Ocorre que habitantes de uma vila freqüentemente cultivam terras afastadas, se instalando em "povoados rurais", dependentes dessa vila. A Câmara devia decidir se, a respeito da delimitação à qual devia proceder, os povoados rurais fazem parte das vilas das quais são dependentes. Ela não estava convencida de que, quando uma vila constitui um elemento que serve para definir a composição de uma entidade administrativa mais ampla, leva-se sempre em consideração tais povoados rurais para traçar o limite dessa entidade. Somente após ter examinado todos os elementos de informação disponíveis quanto à extensão de uma vila em particular é que ela estaria pronta para julgar se um determinado terreno deve ser tratado como parte dessa vila, em despeito à descontinuidade, ou ao contrário, como povoado satélite não incluído nos limites da vila. 3. O setor das quatro vilas (parágrafo 118 ao 126) Como a Resolução 2728 AP definiu o limite entre os cercles de Mopti e de Ouahigouya no que concerne às vilas "deixadas" ao cercle de Mopti, a Câmara identificou as vilas em questão e determinou sua extensão territorial. Ela constatou que Burkina Faso não contestou a característica maliana da vila de Yoro e que não há desacordo quanto à primeira parte da fronteira que toma a direção norte a partir do ponto A até o ponto de coordenadas 1° 58' 49" O e 14° 28' 30" N (ponto B). Quanto a Dionouga, as partes concordaram em assimilá-la à vila de Dioulouna mencionada na Resolução. A Câmara considerou poder concluir, pelos elementos de informação à sua disposição, principalmente os que foram apresentados nos trabalhos sob ordem dos administradores coloniais e que são um elemento significativo das "effectivités", que o limite administrativo existente no momento considerado da época colonial cortava a faixa que ligava essa vila à próxima de Diguel, a uma distância aproximada de 7,5 km ao sul de Dionouga. O traçado da fronteira encontra então o ponto de coordenadas 1° 54' 24" O e 14° 29' 20" N (ponto C). Quanto às vilas de Oukoulou e de Agoulourou, mencionadas na Resolução 2728 AP, a Câmara ressaltou que não importava se essas vilas existem ou não hoje. Seu desaparecimento eventual não tem efeito para o limite definido na época. Nota-se, todavia, que a situação das vilas de Kounia e de Oukoulourou correspondia àquela das duas vilas citadas na Resolução. Sobre Koubo, a propósito da qual existe uma certa confusão de topônimos, as informações das quais dispunha a Câmara não eram suficientes para estabelecer com certeza se era a vila de Kobou ou o povoado de Kobo que correspondia à vila de Koubo mencionada na Resolução. Mas como o povoado está apenas a 4 km da vila, ela considerou que não há lugar para considerá-los como um todo e traçar a fronteira de forma a deixar ambos no Mali. A Câmara considerou, então, que uma linha traçada a uma distância aproximada de 2 km ao sul das vilas atuais de Kounia e de Okoulourou correspondia ao limite descrito pela Resolução 2728 AP. Ela passa pelo ponto de coordenadas 1° 46' 38" O e 14° 28' 54" N (ponto D) e pelo ponto de coordenadas 1° 40' 40" O e 14° 30' 03" N (ponto E). 4. A lagoa de Toussougou, a lagoa de Kétiouaire e a lagoa de Soum (parágrafo 127 ao 150) A linha descrita na Resolução 2728 AP de 1935 se prolonga "sensivelmente na direção nordeste", "passando ao sul da lagoa de Toussougou para chegar a um ponto situado a leste da lagoa de Kétiouaire". A localização dessas lagoas criou um problema, pois nenhum dos mapas contemporâneos à Resolução que as partes apresentaram à Câmara indica lagoas com esses nomes. As duas partes admitiram, entretanto, que existia ao menos uma lagoa na região da vila de Toussougou, mas ofereceram apenas mapas contraditórios como elementos de prova. A questão que se colocou é a de saber se a lagoa de Féto Maraboulé, situada a sudoeste da vila e indicada em mapas razoavelmente recentes, é ou não parte integrante. A Câmara entendeu que as duas lagoas são distintas, mesmo durante a estação das chuvas, e que a lagoa de Féto Maraboulé não deve ser assimilada à lagoa de Toussougou visada pela Resolução, que é menor e se encontra mais próxima da vila de mesmo nome. Ainda, tal assimilação surtiria efeitos sobre o traçado da linha. A Câmara, que devia interpretar a menção da lagoa de Toussougou na Resolução 2728 AP, acreditou dever levar em consideração a interpretação que tivesse por efeito minimizar a margem de erro que comportaria a definição do ponto triplo que marca o encontro dos cercles de Mopti, Ouahigouya e Dori, dada pela Carta 191 CM2. Antes de definir o traçado da linha com relação à lagoa de Toussougou, a Câmara procurou localizar a lagoa de Kétiouaire, próximo da qual o limite descrito na Resolução 2728 AP igualmente passava. A lagoa de Kétiouaire constitui na Resolução 2728 AP um elemento importante do limite que esta define. Importa então saber se existia em 1935 uma lagoa que se encontrava "sensivelmente na direção nordeste" com relação a um ponto situado "ao sul da lagoa de Toussougou" e próxima ao ponto triplo marcando o encontro dos cercles de Mopti, Gourma-Rharous e Dori e a oeste desta. Levando em consideração todos os elementos de informação dos quais dispõe, a Câmara não é capaz de localizar a lagoa de Kétiouaire. Ela considera não mais poder concluir sobre a identidade da lagoa de Kétiouaire com a lagoa Soum, situada a alguns quilômetros a leste/nordeste da lagoa de Toussougou e próxima ao ponto de encontro, não dos três cercles acima mencionados, mas dos cercles de Mopti, Ouahigouya e Dori. Ela estava convencida, pelas peças do dossiê, de que a lagoa de Soum é uma lagoa fronteiriça mas não vê nenhum indício datado do período colonial que permitiria afirmar que a linha deve passar ao norte ou ao sul da lagoa, ou a dividir. Assim sendo, a Câmara observou que, se não recebeu nenhum mandato das partes para escolher com total liberdade uma fronteira apropriada, ela tem a missão de traçar uma linha precisa e que pode apelar à eqüidade infra legem, da qual as partes reconheceram a aplicabilidade ao caso em tela. Para atingir uma solução eqüitativa, repousando sobre o direito aplicável, a Câmara acreditou dever principalmente levar em consideração as circunstâncias nas quais os commandants dos dois cercles limítrofes, um no Mali e o outro no Alto-Volta, reconheceram em um acordo de 1965, não ratificado pelas autoridades competentes, que a lagoa deveria ser dividida. Ela concluiu que a lagoa de Soum deveria ser dividida em duas, de forma eqüitativa. A linha deveria então atravessar a lagoa de maneira a dividir em partes iguais, entre os dois Estados, a extensão máxima da lagoa durante a estação de chuvas. Ela notou que essa linha não passa pelas coordenadas mencionadas na Carta 191 CM2, e o exame dos dados topográficos a levou a concluir que o ponto triplo deveria se encontrar a sudeste do ponto indicado pela coordenadas. Essa carta, não sendo transformada em texto regulamentar, não vale como prova do limite que tinha "valor de fato" na época. Parece que os mapas então disponíveis não eram de uma fidelidade que justificasse uma definição tão precisa. Por conseguinte, o fato dessas coordenadas serem consideradas menos exatas do que o previsto não tem efeito de contradizer as intenções do Governador Geral ou de retirar o valor probante da carta. O traçado do limite é o seguinte para esta região: a partir do ponto E, a linha continua direto até o ponto de coordenadas 1° 19' 05" O e 14° 43' 45" N situado aproximadamente a 2,6 km do sul da lagoa de Toussougou (ponto F), depois atinge a lagoa de Soum no ponto de coordenadas 1° 05' 34" O e 14° 47' 04" N (ponto G); ela atravessa a lagoa de oeste a leste, dividindo-a em partes iguais. 5. Setor da lagoa de Soum ao monte Tabakarech (parágrafo 151 ao 156) Para determinar o traçado da fronteira a leste da lagoa de Soum, a Câmara deve se reportar aos termos da carta 191 CM2 de 1935, da qual ela constatou valor probante. Segundo Burkina Faso, a linha segue as indicações dessa carta e do mapa Blondel La Rougery de 1925, a partir do ponto de coordenadas 0° 50' 47" O e 15° 00' 03" N até a lagoa de In Abao. Parece sem dúvida que a Carta 191 CM2 tendia a definir através de um texto um limite que figurava nesse mapa e as partes aqui concordaram. O Mali ressaltou sua inexatidão e suas falhas quanto à toponímia e à orografia. A Câmara considerou que nenhum problema de escolha de mapa ocorreu no setor da lagoa de Soum ao Tabakarech. Na ausência de outras indicações em contrário, a interpretação da carta que se impõe é que esta visava uma reta que liga o monte Tabakarech ao ponto triplo onde convergem os limites dos cercles de Mopti, Ouahigouya e Dori. A Câmara concluiu que, a partir do ponto G, a fronteira segue uma direção norte/nordeste até o ponto mencionado por Burkina Faso e daí até o monte Tabakarech. Esse monte se identifica com aquele que aparece no mapa do IGN, a 1/ 200 000, sob o nome de Tin Tabakat e cujas coordenadas são 0° 43' 29" O e 15° 05' 00" N (ponto H). 6. A lagoa de ln Abao (parágrafo 157 ao 163) Para traçar a seqüência da linha, a Câmara deveria se reportar à Resolução de 31 de dezembro de 1922, tomada pelo Governador Geral da AOF, segundo a qual, a partir da lagoa de In Abao, o limite ocidental do cercle de Gao segue "o limite setentrional do Alto-Volta". A linha que a Câmara devia estabelecer passa por essa lagoa. Trata-se agora de identificá-la para determinar o traçado da fronteira relacionada a ela. Os diversos mapas contêm indicações contraditórias sobre a situação e extensão da lagoa (ver croqui n° 5 da sentença). Parece à Câmara que, vistos os elementos dos quais dispõe, essa lagoa é aquela que se situa na confluência de dois marigots1, um cujo curso é de oeste a leste, o Béli, e outro cujo curso vai de norte a sul. Na ausência de indicações mais precisas e mais confiáveis do que as que lhe foram submetidas sobre a relação entre a linha de fronteira e a lagoa de In Abao, a Câmara concluiu que a fronteira atravessa a lagoa de maneira a dividi-la em partes iguais para cada Estado. A fronteira deve seguir a linha IGN a partir do ponto H até o ponto de coordenadas 0° 26' 35" O e 15° 05' 00" N (ponto I), onde se inclina em direção sudeste para atingir o Béli e continua reto até o ponto J, situado na margem oeste da lagoa de In Abao, e ao ponto K, situado na margem leste da mesma. Do ponto K a linha sobe em direção nordeste e reencontra a linha IGN no ponto onde esta, após ter deixado o Béli em direção nordeste, parte em direção sudeste formando um limite orográfico (ponto L - 0° 14' 44" O e 15° 04' 42" N). Os pontos J e K serão determinados com o auxílio de peritos designados conforme o artigo IV do compromisso. 7. Região do Béli (parágrafo 164) Para toda a região, o Mali, rejeitando a Carta 191 CM2 de 1935, requereu uma fronteira seguindo o curso do marigot, e as duas partes longamente debateram a escolha que se oferecia à força administradora entre uma fronteira hidrográfica seguindo o Béli e uma fronteira orográfica seguindo a linha de fato das elevações que se formam ao norte do marigot. A Carta 191 CM2 constitui, na opinião da Câmara, a prova de que foi o limite orográfico o adotado. Sobre o traçado da linha descrita nessa carta, a Câmara observou que o mapa do IGN contava com a aprovação das duas partes, pelo menos em relação à representação da topografia. Ela não via razão em descartar a linha descontínua que nele figura e que lhe parece representar fielmente o limite descrito pela Carta 191 CM2, salvo no que concerne à parte mais oriental da linha, sobre a qual tem-se o problema da situação do monte N'Gouma. 8. Os morros de N'Gouma (parágrafo 165 ao 174) 1 Nota do tradutor: nas regiões tropicais, braço morto de um rio. Lugar baixo e sujeito a inundações. Para o último segmento da linha de fronteira, o problema essencial que a Câmara devia resolver era o da localização dos "morros de N'Gouma" mencionados no erratum à Resolução de 1927 relativa aos limites entre o Alto-Volta e o Niger (ver croqui n° 6 da sentença). Ele fixava como limite "uma linha partindo dos morros de N'Gouma, passando pelo vau de Kabia...". O Mali argüiu que esse texto era viciado por um erro de fato, ao localizar o monte N'Gouma ao norte do vau, quando esse se situa a sudeste, como indica o mapa do IGN de 1960, única representação exata da realidade segundo esse país. A Câmara já declarou que não convém descartar imediatamente o texto da Resolução e seu erratum, mas que é preciso apreciar o valor probante para fins da determinação do ponto terminal da fronteira. Ela ressaltou que os mapas da época, como o mapa Blondel La Rougery de 1925, situavam o monte N'Gouma ao norte do vau de Kabia, confirmado também pelo mapa a 1/1 000 000, no qual ela via um elemento de prova não negligenciável, mesmo que se desconheça a autoridade que o aprovou. Se o mapa a 1/ 200 000 do IGN de 1960 atribui a um monte situado a sudeste do vau o nome de N'Gouma, ele traz também indicações altimétricas que permitem supor que os montes, começando ao norte do vau e terminando a leste/sudeste, constituem um único conjunto que se poderia denominar N'Gouma. A existência de elevações ao norte do vau é, aliás, confirmada pelas constatações feitas in loco em 1975. Conseqüentemente, não tendo constatado a existência de uma tradição oral que remontasse ao menos a 1927 que teria contradito as indicações fornecidas pelos mapas e documentos da época, a Câmara concluiu que o Governador Geral, na Resolução de 1927 e seu erratum e na Carta 191 CM2 de 1935, descreveu um limite existente que passava pelos morros ao norte do vau de Kabia e que os administradores consideravam, correta ou incorretamente, que esses morros eram chamados pelas populações locais de "morros de N'Gouma". A Câmara não deveria, portanto, procurar no conjunto dos morros que contornam o vau o ponto terminal do limite definido pelos textos citados. Ela concluiu que deveria fixá-lo a 3 km ao norte do vau, no local definido pelas coordenadas 0° 14' 39" L e 14° 54' 48" N (ponto M). X. - Traçado da fronteira (parágrafo 175) A Câmara fixou o traçado da fronteira entre as partes na zona contestada. Ele é reproduzido a título ilustrativo em um mapa que consiste na reunião de cinco folhas do mapa do IGN a 1/200 000 e foi anexado à sentença. XI. - Demarcação (parágrafo 176) A Câmara aceitou a missão que as partes lhe confiaram de designar três peritos que as assistirão na operação de demarcação, a qual deveria acontecer dentro do ano seguinte ao pronunciamento da sentença. Ela considerou, todavia, que não devia proceder na própria sentença à designação solicitada pelas partes, mas que isso seria feito posteriormente. XII. - Medidas cautelares (parágrafos 177 e 178) A sentença afirma que a decisão interlocutória de 10 de janeiro de 1986 indicando medidas cautelares deixaria de produzir seus efeitos desde o pronunciamento da sentença. A Câmara observou com satisfação que os chefes de Estado de Burkina Faso e da República do Mali aceitaram "retirar todas as suas forças armadas de uma e de outra parte da zona contestada e retornar aos seus respectivos territórios". XIII. - Força obrigatória da sentença (parágrafo 178) A Câmara constatou também que as partes, já obrigadas pelo artigo 94, parágrafo 1º, da Carta das Nações Unidas, expressamente declararam no artigo IV, parágrafo 1º, do Compromisso que elas "aceitam, como definitiva e obrigatória para elas a sentença da Câmara". A Câmara se apraz em reconhecer o engajamento de ambas as partes com a justiça internacional e com a solução pacífica das controvérsias.