O Programa Cultura Viva de Ponto a Ponto: uma pesquisa avaliativa participante Autoria: Luciana Araujo de Holanda, Luisa Maria Rodrigues Diniz, Raquel de Oliveira Santos Lira Resumo: O campo da cultura no Brasil sempre foi influenciado pelo dirigismo do Estado e investimento do mercado. Grosso modo, a atuação do poder público restringiu-se à preservação do patrimônio cultural, principalmente o material de origem européia, e a iniciativa privada beneficiou a indústria cultural de massa, negligenciando a cultura popular. Nesse contexto, foi criado pelo Ministério da Cultura, em 2004, o Programa Cultura Viva com o propósito de apoiar manifestações que não encontram lugar no mercado cultural através da criação de Pontos de Cultura, ou seja, espaços/expressões de cidadania cultural. Transcorridos quatro anos desde a criação do mais abrangente e profundo programa na história das políticas culturais nacionais, a presente pesquisa contrapôs seu discurso e prática tomando por base o referencial teórico-metodológico da Ação Comunicativa de Habermas e pesquisa avaliativa participante, no intuito de trazer aportes para o aperfeiçoamento do programa. Os resultados apontam para a necessidade de mudança na legislação e de articulação ministerial. Indo Direto ao Ponto O presente artigo inicia-se com um breve resgate das políticas públicas culturais no Brasil, cuja história pode ser sintetizada por expressões como “autoritarismo, caráter tardio, descontinuidade, desatenção, paradoxos, impasses e desafios” (RUBIM, 2007a, p. 11), visando evidenciar as significativas transformações na forma de atuação do Estado no campo da cultura. Em seguida, apresenta-se como ponto de mutação na trajetória das políticas culturais brasileiras o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania - Cultura Viva criado em 2004, doravante designado como PCV, considerado o mais abrangente e profundo do campo da cidadania cultural. Definido, sobretudo como uma política pública de mobilização e encantamento social foi comparando pelo ministro Gilberto Gil o um do-in antropológico por potencializa as energias criadoras do povo brasileiro posto que os rumos e as escolhas foram deixados livres para ser definidos ao longo do processo. Pelo seu caráter experimental e inovador, Gil reconheceu que os resultados eram imprevisíveis, provavelmente surpreendentes: “Que acontece quando se solta uma mola comprimida, quando se liberta um pássaro, quando se abrem as comportas de uma represa? Veremos...” (MINC, 2004, p. 8). Transcorridos quatro anos após o lançamento do PCV, esta pesquisa se propôs a fazer um contraponto entre os propósitos anunciados pelo governo em seus discursos e a experiência vivenciada pelos Pontos de Cultura. Vale ressaltar que os termos contrapor e contraponto, segundo o dicionário Aurélio, têm o seguinte significado: Contrapor: [Do lat. contraponere.] V. t. d. 1. Pôr contra, em frente; opor; confrontar: 2 2. Pôr em paralelo. 3. Expor ou apresentar em oposição: 2 V. t. d. e i. 4. Pôr contra, em frente; opor: & 5. Expor ou apresentar em oposição: 2 V. p. 6. Pôr-se contra; opor-se. Contraponto: [Do it. contrappunto.] S. m. Mús. 1 1. Disciplina que ensina a compor polifonia. 2. A própria polifonia. 3. A arte de compor música para duas ou mais vozes ou instrumentos. [Cf. harmonia (13).] Pretendeu-se assim fornecer subsídios para os arranjos ainda necessários à orquestração deste importante programa. Análise Histórica das Políticas Culturais no Brasil O desenvolvimento do campo cultural no Brasil teve início com a vinda da Família Real Portuguesa em 1808, pelo interesse particular de Dom João VI em promover expressões da cultura erudita para a corte (CESNIK e BELTRAME, 2005, p. 149). Em tempo colonial, a monarquia portuguesa focava seus investimentos na cultura erudita, negava as culturas indígena e africana, e submetia a colônia a rigorosos controles, como por exemplo, a proibição de instalar imprensas, censurava livros e jornais estrangeiros, dificultava o desenvolvimento da educação, em especial a implantação de universidades, entre outras ações (RUBIM, 2007a, p. 13). Do Brasil Colônia ao início da República (1808 a 1929), o Estado foi o único mecenas, estabelecendo uma relação paternalista com artistas, o que levou esse período a ser chamado de “cultura do Estado balcão” (CESNIK e BELTRAME, 2005, p. 150). Não se pode falar que existiam políticas públicas culturais durante todo esse período (RUBIM, 2007). Nos primeiros anos da República, o tratamento dado pelo Estado à cultura pouco mudou. Com a crise mundial de 1929, a cultura foi utilizada como ferramenta ideológica na propaganda política, mantendo-se o não reconhecimento do trabalho artístico como trabalho e a herança do favor e do paternalismo. Instituições foram criadas para fomentar e conduzir a produção cultural (CESNIK e BELTRAME, 2005, pp. 150-51). No governo de Vargas (1930-1945) foram implementadas as primeiras políticas públicas de cultura no Brasil com o propósito de promover maior institucionalidade para o segmento cultural (CALABRE, 2007) - foi criado o Instituto Nacional de Cinema Educativo, Instituto Nacional do Livro e o primeiro Conselho Nacional de Cultura. Em 1934, o Ministério da Educação e Saúde, assumido por Gustavo Capanema, vinculou a educação e a cultura às políticas de desenvolvimento, porém o modo de promover esse desenvolvimento foi pouco democrático (MOISÉS, 2001). Em meado dos anos 40 e 50, teve início as iniciativas privadas da indústria cultural com projetos cinematográficos, teatrais e museológicos. Fruto de vaidades pessoais e status social, personalidades do meio empresarial (mecenas) criaram e mantiveram instituições. Em 1964, com o início da ditadura militar (1964-1985) o Estado retomou o projeto de uma maior institucionalização do campo da produção artístico-cultural. Nos primeiros anos de regime ditatorial, a cultura foi colocada em segundo plano, priorizava-se a área da educação. No final do governo de Médici foi elaborado um Plano de Ação Cultural, apresentado como um projeto de financiamento de eventos culturais. Ainda no período militar, houve no governo de Geisel um efetivo fortalecimento da área cultural com a criação do Conselho Nacional de Direito Autoral, Conselho Nacional de Cinema, Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e a Fundação Nacional de Arte (CALABRE, 2007, p.91). Se por um lado, houve nos governos autoritários uma maior atenção do Estado no âmbito da cultura, por outro, as ações visavam instrumentalizá-la. Segundo Rubim (2007) tal atuação do Estado na cultura visava domesticar seu caráter crítico; submetê-la aos interesses autoritários; buscar sua utilização como fator de legitimação das ditaduras e, por vezes, como 2 meio para a conformação de um imaginário de nacionalidade, de modo que esta a maior atenção significou, sem mais, enormes riscos para a cultura. Após 20 anos de governos autoritários, abriu-se espaço para uma nova experiência democrática na gestão pública de cultura; a mudança de regime político provocou várias tentativas de reestruturação da administração pública federal tendo sido criados vários ministérios, entre eles, o Ministério da Cultura (MinC) (MOISÉS, 2001). No governo do presidente Sarney, o novo MinC enfrentou sérios problemas financeiros e administrativos e na tentativa de criar novas fontes de recursos criou a Lei Sarney com o propósito de atrair investimentos privados para o fomento da cultura, mediante isenção fiscal às empresas investidoras. Em 1990, o governo de Collor (primeiro presidente eleito pelo voto popular após o fim do regime militar) extinguiu todos os organismos de cultura, rebaixou a Cultura de Ministério à Secretaria ligada à Presidência da República em represália aos artistas que apoiaram a oposição, bem como revogou a Lei Sarney. Ocorre neste período democrático o que Cesnik e Beltrame (2005) chamam de ápice do processo ditatorial atrasado. Neste contexto, os estados e municípios começaram a elaborar suas próprias leis e sistemática de política cultural para fomentar a cultura. Nos moldes da Lei Sarney (com significativas correções), foi criada a Lei Mendonça (1990) no município de São Paulo que foi seguida por outros estados, e também municípios, que se inspirando nela, adotaram o mesmo formato (CESNIK e BELTRAME, 2005). Em 1991 é promulgada a lei federal Rouanet (um aprimoramento da Lei Sarney), seu texto legal é ainda hoje a base de toda a política de incentivos praticada no Brasil. Sem dúvida, comparada com as políticas praticadas anteriormente, percebeu-se uma maior participação das entidades representativas de setores culturais, entretanto por serem as empresas os principais financiadores, os padrões mercadológicos continuavam prevalecendo. Vale ressaltar, que as ambigüidades do período de transição e construção da democracia (1985-1993) refletiram na sucessão de ministros e Ministérios da Cultura: cinco no governo Sarney, dois no governo Collor e três no governo Itamar (RUBIM, 2007a). Em 1995, o governo FHC reimplantou o MinC, nomeou Corrêa Weffort como seu ministro e criou o Programa Nacional de Apoio à Cultura – Pronac previsto no texto da Lei Rouanet. Diante da demanda de áreas prioritárias como saúde, educação e assistência social e o aumento das despesas com o custeio da máquina e com os serviços das dívidas interna e externa, a cultura foi secundarizada em termos de dotação orçamentária, levando o empresariado a incentivar e empreender na área cultural. Moisés (2001) afirma que a partir daí “o ministério passou a orientar-se por objetivos voltados para a democratização da administração da cultura, a democratização do acesso da população aos bens culturais e, ao mesmo tempo, maximização de mecanismos de fomento”. Revela, entretanto, que o investimento na cultura, ainda, era feito de forma desigual nas diversas regiões do Brasil e que havia a necessidade de uma política que diminuísse as distâncias sociais da sociedade. A lei de incentivos culturais trouxe investimentos privados para a esfera pública o que poderia indicar um avanço para o setor, entretanto, a política acabou por favorecer grupos empresariais que “realizaram a renúncia fiscal para financiar projetos de seu interesse, visando à divulgação de seu produto ou da instituição” (FARIA, 2003, p. 44). Somente os produtos e eventos artísticos que trouxessem um bom retorno, quanto à mídia e exposição de suas marcas, recebiam os investimentos. Os projetos de “maior apelo mercadológico” eram financiados; “aos feios, sujos e malvados, resta à exclusão” (BRANT, 2003, p. 11). Apesar de ter elevado em grandes proporções o aumento do investimento em cultura, esse mecanismo beneficiou a grande indústria cultural, marginalizando o pluralismo da cultura popular e denotando o viés aristocrático na produção cultural, concentrando-se no eixo Rio-São Paulo. 3 No Governo Lula, reconhecendo a pluridimensionalidade da cultura importância e a centralidade da cultura no impulso de um desenvolvimento sustentável, as ações do MinC têm se dado a partir de um conceito com três dimensões articuladas: “cultura como usina de símbolos, cultura como direito e cidadania, cultura como economia” (MINC, 2004, p. 8 e 10). Em tempos do ministro da cultura Gilberto Gil, nomeado em 2003, a proposta foi atuar na área cultural sob três frentes: “a configuração de um sistema nacional de financiamento, a construção de uma política cultural de envergadura nacional e, finalmente, a democratização cultural”. Visado contornar as distorções das políticas públicas anteriores e restringir abusos cometidos pelas empresas e produtores culturais com a Lei Rouanet, buscou-se meios para favorecer a cultura popular. Nesse contexto foi criado o PCV pela Portaria N° 156 do MinC, em 06 de julho de 2004, com o objetivo de contemplar a enorme diversidade da cultura popular e apoiar manifestações que não encontram espaço no mercado cultural, prevendo o estabelecimento de novos parâmetros de gestão e democracia na relação entre Estado e sociedade, com base no conceito da gestão compartilhada e transformadora, que ao invés de determinar (ou impor) ações e condutas locais, como antes era feito, estimula a criatividade, potencializa a criação e a produção local e propicia sua distribuição por meio de sistemas alternativos de circulação de bens culturais. O ponto de mutação: O Programa Cultura Viva Em reconhecimento da importância fundamental da cultura para a consolidação do processo democrático brasileiro, o PCV visou: promover o acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural, assim como de potencializar energias sociais e culturais, visando a construção de novos valores de cooperação e solidariedade (...) e se destina à populações de baixa renda; estudantes da rede básica de ensino; comunidades indígenas, rurais e quilombolas; agentes culturais, artistas, professores e militantes que desenvolvem ações no combate à exclusão social e cultural (MINC, 2004, p. 47). O PCV estabeleceu um novo modo de pactuar do Estado com a sociedade que envolve os conceitos de empoderamento, autonomia e protagonismo social (MINC, 2004, p.16) ampliando e aprofundando o papel da cultura através das seguintes ações: Pontos de Cultura, Agenda Cultura Viva, Cultura Digital, Escola Viva e Griô. O Ponto de Cultura, sua ação prioritária, é um espaço (ou expressão) cultural da sociedade que ganha força e reconhecimento institucional ao estabelecer uma parceria, ou pacto, com o Estado (TURINO, 2006). Cada Ponto de Cultura é um amplificador da cultura local, uma espécie de um massageamento de pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do País, como afirmou o ministro Gilberto Gil em seu discurso de posse (MINC, 2004, p.21). Um Ponto de cultura pode acontecer em uma garagem, pequena casa, barracão, coreto de praça pública, oca, barco e até sob a sombra de uma árvore, ou ser instalado num pequeno espaço comunitário, biblioteca, museu, grande centro cultural, imóveis tombados pelo patrimônio histórico, ou seja, em qualquer espaço (op. cit., p.20 e 37). Alguns Pontos são ONGs voltadas para ação socioeducativa, outros são escolas de samba, associações de moradores, de quilombolas, aldeias indígenas, grupos de teatro, assentamentos rurais, enfim, cada qual com sua especificidade e forma de organização, cuja dinâmica precisa ser respeitada (TURINO, 2006). Em suma, “o Ponto de Cultura não tem um modelo único, nem de instalações físicas, nem de programação ou atividade. Um aspecto comum a todos é a 4 transversalidade da cultura e a gestão compartilhada entre poder público e comunidade”. (MINC, 2004, p. 20). Ponto de Cultura (...) é uma pequena marca, um sinal; um ponto de referência sem gradação hierárquica. Mas ao mesmo tempo é um ponto de apoio, uma alavanca para um novo processo social e cultural. Algo muito similar ao processo de formação de nova mentalidade que está surgindo a partir da cultura digital (MINC, 2004, p. 20). O Ponto de Cultura foi idealizado para mediar a relação entre Estado e sociedade, atuando em rede dentro da qual deve agregar agentes culturais que articulam e impulsionam um conjunto de ações em suas comunidades, e destas entre si (MINC, 2004, p. 20). A disposição para se conectar em rede, orgânica e horizontal, foi um dos critérios para a escolha dos Pontos de Cultura visando o intercâmbio de informações, experiências e realizações (op. cit., p. 9 e 37). Pressupõe-se que: a troca, a instigação e o questionamento, elementos essenciais para o desenvolvimento da cultura, aconteçam num contato horizontal entre os Pontos, sem relação de hierarquia ou superioridade entre culturas. Um Ponto auxiliando outro Ponto. (...) Uma troca entre iguais que aprendem entre si e se respeitam na diferença (MINC, 2004, p.16). Juntos, os Pontos formam uma teia nacional que potencializa a criação, produção, divulgação e distribuição de produtos culturais de valor social, abrindo possibilidades de desenvolvimento econômico através da formação de um mercado comercial de novo tipo, nascido do encantamento social, da ampliação da solidariedade e da cooperação entre os brasileiros (MINC, 2004, p. 38). Reconhecendo o risco de que, neste processo, a sociedade se burocratize e perca espontaneidade, o PCV fez referência à Habermas concebendo o elemento político como o único capaz de evitar a cooptação das entidades que integram a sociedade civil, preservando relativamente sua autonomia e evitando que haja contaminação do “mundo da vida” pelo “mundo dos sistemas” (Estado e mercado). Para se contrapor a isso, procura encorajar uma ação que desenvolva e fortaleça as estruturas que possam promover um melhor entendimento e uma melhor comunicação entre esses “mundos” e vislumbra: “Quem sabe o Ponto de Cultura seja um elo de “Ação Comunicativa” como na teoria de Jürgen Habermas?” (MINC, 2004, p. 33). Fundamentação Teórica: a teoria da Ação Comunicativa de Habermas Os pensadores da Escola de Frankfurt tomaram como base os estudos de Max Weber sobre o processo de racionalização do mundo moderno com o objetivo de restabelecer o papel da razão que foi destituída de seu componente ético pela a sociedade moderna, transformando a racionalidade num mecanismo disfarçado de perpetuação da repressão social. Criticaram a indústria cultural por transformar a arte em mercadoria, servindo-se dela como um instrumento de unidimensionalização e de submissão da consciência à lógica da mercantilista. O exercício crítico levou Horkheimer e Adorno a afirmar que a razão instrumental é a forma única de racionalidade no capitalismo administrado, bloqueando qualquer possibilidade real de emancipação. Desse modo, os autores assumiram conscientemente que o projeto crítico encontrava-se em uma aporia e que a possibilidade de emancipação havia tornado-se extremamente precária (NOBRE, 2004, p. 52). 5 Tomando com ponto de partida essa posição aporética, Habermas propôs um diagnóstico diferente deste momentoi. Partindo da constatação de que o capitalismo passou a ser regulado pelo Estado, concluiu, tal como Horkheimer e Adorno, que as duas tendências fundamentais para a emancipação presentes na teoria marxista tinham sido neutralizadas. No entanto, isso não significaria bloqueio estrutural das oportunidades para emancipação, e sim revelava ser necessário repensar o próprio sentido de emancipação da sociedade, abandonando as formulações originalmente feitas por Marx – queda tendencial da taxa lucros levando ao colapso internacional e organização do proletariado contra a dominação do capital. Habermas considerou que os conceitos originais da Teoria Crítica não eram mais suficientemente críticos frente à realidade, sendo preciso ampliar seus temas e encontrar um novo paradigma explicativo, formulando assim um novo conceito de racionalidade (NOBRE, 2004, p. 53-54). Entendendo que a racionalidade instrumental não deveria ser demonizada, mas freada, formulou a teoria da racionalidade dúplice em que pretendeu mostrar que a evolução histórico-social das formas de racionalidade leva a uma progressiva diferenciação da razão humana em dois tipos que convivem juntos: a racionalidade instrumental que orienta a ação instrumental e a racionalidade comunicativa que orienta a ação para o entendimento (NOBRE, 2004, p. 55). Habermas definiu a ação instrumental como sendo orientada ao êxito em que o agente calcula os melhores meios para atingir determinado fim tendo, portanto, um caráter bastante técnico como, por exemplo, a ação que orientou o homem para a dominação da natureza visando à reprodução material da sociedade e no capitalismo administrado, orienta a manipulação de objetos e pessoas tendo em vista à reprodução da vida. Já a ação comunicativa é aquela que se orienta para o entendimento e permite a reprodução simbólica da sociedade, estando inscrita no próprio processo de formação da identidade e personalidade de cada indivíduo, nas instituições em que é socializado, ou seja, encontra-se nas relações sociais (NOBRE, 2004, p. 56). A ação comunicativaii, porém, só é possível porque projeta condições ideais como, por exemplo, pressupor que não haja assimetrias de poder, dinheiro ou posição social entre os sujeitos que pretendem se entender, que os sujeitos só se deixem convencer pelo melhor argumento, ou que não haja distúrbios psicológicos que atrapalhem a comunicação. Como tais condições jamais se cumprem no mundo real das relações sociais, onde as assimetrias e dissimetrias entre sujeitos são a regra e não a exceção, os sujeitos conseguem perceber as distorções da comunicação e detectar os obstáculos que impedem a realização de uma comunicação plena (NOBRE, 2004, p. 57, grifos do autor). A ação comunicativa foi explicada por Habermas como: uma interação simbolicamente mediada. Ela orienta-se segundo normas de vigência obrigatória que definem as expectativas recíprocas de comportamento e que têm de ser entendidas e reconhecidas, pelo menos, por dois sujeitos agentes. As normas sociais são reforçadas por sanções. O seu sentido objetiva-se na comunicação lingüística quotidiana. Enquanto a validade das regras e estratégias técnicas depende da validade de enunciados empiricamente verdadeiros ou analiticamente corretos, a validade das normas sociais só se funda na intersubjetividade acerca de intenções e só é assegurada pelo reconhecimento geral das obrigações. A infração das regras tem nos dois casos conseqüências diferentes. Um comportamento incompetente que viola regras técnicas ou estratégias de correção garantida está condenado per se ao fracasso, por não conseguir o que pretende; o ‘castigo’ está, por assim dizer, inscrito no fracasso perante a realidade. Um comportamento desviado, que viola as normas vigentes, provoca sanções que só estão vinculadas à regra de forma externa, isto é, por convenção (HABERMAS, 1994, p. 57-58) 6 A emancipação passa a estar associada à ação consciente do proletariado como classe, ao invés de obtida por revolução como previra Marx, o que implica uma valorização dos potenciais emancipatórios presentes nos mecanismos de participação próprios do Estado democrático de direito que Habermas tomou como principal objeto de estudo na década de 1990 (NOBRE, 2004, p. 57). Habermas (apud FREITAG, 1994, p.62) identificou duas formas de interferências do sistema (regido pela razão instrumental) que estavam ameaçando a sobrevivência no mundo da vidaiii, isto é, no mundo vivido (regido pela razão comunicativa). Tais interferências advinham do subsistema estatal, pela burocratização e do subsistema econômico, pela monetarização, o que o autor considerava ser usurpações responsáveis pelas patologias do mundo vivido. Visando superar o tecnicismo e funcionalismo predominantes na sociedade moderna e conquistar a emancipação, os indivíduos deveriam buscar entendimento de situações e perseguir metas “ilocucionárias”, isto é, metas harmonizadas a partir dos planos individuais dos atores e coordenadas através de acordo entre eles, em oposição às metas “perlocucionárias” características de ações teleológicas e estratégicas, onde pelo menos um ator que provocar uma decisão entre cursos alternativos de ação objetivando realizar intenções próprias através de cálculos egocêntricos de utilidade (HABERMAS apud ARAGÃO, 1992, p.52-53). A ação comunicativa restaura as antigas formas de iteração simbólica buscando acordos em situações que admitem consenso e estabelece uma comunicação entre os indivíduos que permite o desenvolvimento de suas potencialidades de autoreflexão. O agir comunicativo esclarece a intenção comunicativa no uso de sentenças, uma vez que a própria linguagem foi capturada por padrões operacionais de eficiência, e leva à compreensão das “situações ideais de discurso” criadas por fatores políticos e econômicos. Nesse contexto, Habermas ocupa-se do tema razão através da linguagem (apud ARAGÃO, 1992, p.25) posto que ela assume relevância enquanto elemento mediador das relações que os falantes estabelecem entre si, quando se referem a algo no mundo (op. cit., p.28). Em suma, a idéia é que sujeitos esclarecidos interajam, reflitam e questionem o discurso pautado em desempenho, eficiência, eficácia, progresso, tomando consciência de que a submissão das práticas sociais a interesses instrumentais e a redução da discussão a problemas técnicos relativos aos meios, mascaram os fins propostos. Santos (1989) concorda com Habermas em promover a situação comunicativa, porém chama atenção que o conhecimento é contextual e no contexto capitalista em que vivemos há quatro contextos estruturais - doméstico, trabalho, cidadania e mundialidade - que se comunicam de múltiplas maneiras e formam um todo, inclusive com outros, mas que não são determinantes. Essa interpenetração de contextos é o mundo da vida, é o cotidiano, o universo do senso comum, os sentidos da prática contextual em que estamos situados. As formas do agir comunicativo são diferentes nos países centrais e periféricos. Além do consenso, cooperação e intersubjetividade, existem outras dimensões de tensão dialética tais como conflito, violência, silenciamento e estranhamento, que podem estar veladas e latentes. As formas como essa tensão aparece depende das formas de poder em cada contexto (patriarcado, exploração, dominação, troca desigual) e na periferia isso é percebido com mais clareza. É nessa dialética que o mundo de vida real se realiza. Metodologia O presente trabalho, de abordagem qualitativa, adotou o método da pesquisa participante seguindo as orientações de Silva (2006) cujo foco é a “participação da pesquisa na construção do saber”. 7 Com base em uma exaustiva revisão da literatura sobre o estado da arte das diversificadas modalidades de pesquisa participativa em voga a partir da década de 1960, na América Latina e no Brasil, Silva (2006, p. 126) extraiu os fundamentos teóricometodológicos para a pesquisa avaliativa de políticas públicas e programas sociais, concebendo-a: como espaço de análise e modificação das Políticas Públicas, de modo a colocá-las como instrumento de atendimento às necessidades básicas das populações e como instrumento de direito que se concretiza num movimento de construção e de ampliação da cidadania das classes subalternizadas da sociedade. Tal concepção de avaliação de políticas e programas sociais vai além da perspectiva de busca de eficiência, predominante na maioria das experiências de avaliação desenvolvidas nas décadas de 1980 e 1990, cuja preocupação central é com a contenção da demanda considerando a restrição de recursos. A escassez de recursos continua sendo uma realidade, entretanto, além do conteúdo técnico, há na pesquisa avaliativa um conteúdo político. Tem o compromisso de produzir conhecimento destinado não só a contribuir para eficiência (entendida enquanto relação entre custo e benefício), eficácia (enquanto o alcance de objetivos e metas propostos) e efetividade (enquanto impacto direto e indireto dos serviços prestados na vida do público usuário e da comunidade), mas principalmente para o processo de democratização política, social e econômica, por conseguinte, construção da cidadania (SILVA, 2006, p. 132-133). A preocupação dos estudiosos da área em definir padrões de excelência para a avaliação gerou um substancial conjunto de critérios agrupados em quatro categorias: utilidade, viabilidade, ética e precisão técnica. Se for possível desencadear uma avaliação útil, viável e ética, então será importante considerar a característica precisão, no que tange às dimensões técnicas do processo (PENNA FIRME, 2003). Tais critérios de excelência clamam, portanto, por avaliações sensíveis à responsabilidade situacional, metodologicamente flexíveis, dinâmicas no entendimento político e substancialmente criativas para integrarem todas essas dimensões na direção do desenvolvimento e do aperfeiçoamento de seu objeto. (...) Nessa concepção, que representa um enfoque mais amplo e amadurecido de avaliação, característico da década que vivemos, são levados em consideração os valores, as preocupações e as percepções dos interessados em relação ao objeto da avaliação (PENNA FIRME, 2003, grifos nossos). A pesquisa avaliativa, enquanto um tipo de pesquisa social aplicada, envolve os sujeitos do processo das políticas e programas na definição e desenvolvimento de suas avaliações, o que não significa o desenvolvimento de avaliações participativas no seu sentido mais amplo. Silva (2006, p. 136) recomenda identificar e envolver os diferentes grupos de sujeitos presentes no processo das políticas públicas que são orientados por intencionalidades, interesses e racionalidades também diferentes: profissionais, gestores, executores e usuários dos programas e publicizar seus resultados para os principais interessados, que são os movimentos e organizações populares, bem como para a sociedade (SILVA, 2006, p. 133, 136 e 137). O significado maior da avaliação em rede está em fortalecer o movimento que leva à transformação, nele intervindo sempre que necessário. Nesse sentido, ela intervém para reforçar potencialidades e sucessos, em vez de simplesmente registrar dificuldades e fracassos (PENNA FIRME, 2003). Nessa concepção, não há espaço para discriminações, pressões manipulativas, competições e rotulações. Ao contrário, a avaliação deve servir para consolidar 8 entendimentos, apoiar necessárias atuações e ampliar o comprometimento e o aperfeiçoamento de indivíduos, grupos, programas, instituições e sistemas, enquanto permite a formulação de juízos e recomendações que geram ações, políticas, conhecimento e transformações (PENNA FIRME, 2003). De acordo como Penna Firme (2003), cada avaliação deve revestir-se de características próprias conforme o contexto social, político, cultural e educacional onde se realiza e de tal forma que “o avaliador é essencialmente um historiador, que descreve, registra e interpreta a história singular de cada cenário”. Na presente avaliação do PCV estão envolvidos dois grupos de sujeitos: funcionários do MinC nacional e regional e representantes de Pontos de Cultura de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Os dados primários foram obtidos a partir dos relatos de experiência de representantes dos Pontos de Cultura em momentos diversos: a) Durante as “oficinas de gestão” promovidas pelo Pontão de Cultura da UFPE (Projeto Rede de Integração e Acompanhamento dos Pontos de Cultura de Pernambuco) realizadas, quinzenalmente, desde 15 de março a 23 de agosto de 2007. b) No I Encontro dos Pontos de Cultura de Pernambuco realizado pelo MinC em parceria com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - FUNDARPE, em 01 e 02 de junho de 2007. c) No I Encontro Regional dos Pontos de Cultura de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte realizado pelo MinC em 28 e 29 de junho de 2007; d) Em visitas a seis Pontos, participação nas reuniões do Conselho e Fórum dos Pontos de Cultura de Pernambuco. Tomou-se nota das falas dos representantes dos pontos e seu conteúdo foi analisado de forma interpretativa ao redor do tema central procurando identificar como os pontos de cultura são geridos. Os dados secundários foram coletados na plataforma MAPSYS (Plataforma do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos) e Conversê do MinC. Trata-se de dois ambientes virtuais desenvolvidos para agregação de informações sobre ações de interesse público, dentre elas os Pontos de Cultura, com o objetivo de facilitar o reconhecimento e a troca de idéias e práticas entre as pessoas envolvidas nestas ações. Tomando como parâmetro os critérios para avaliação apresentados por Penna Forte (2003) esta pesquisa avaliativa caracteriza-se como: 1) útil: por oferecer contribuições ao aperfeiçoamento do PCV; 2) viável: foi conduzida sem implicar custos financeiros extras já que duas pesquisadoras recebem bolsas do CNPq (pós-graduação stricto senso) e uma do próprio PCV; trata-se de uma iniciativa de cidadãs com a consciência de estar vivenciando uma transformação na forma de construir políticas públicas e que acreditam na possibilidade de ver o desenvolvimento a partir da cultura. 3) ética: pela transparência com que os dados foram coletados (a identidade de estudante e pesquisadora universitária sempre foi revelada); e pelo respeito aos valores dos interessados e da cultura popular; 4) técnica: foram utilizadas fontes primárias e secundárias para triangulação dos dados; foi feito um resgate histórico; a condução do trabalho de campo ao longo de um ano e meio apresenta um panorama longitudinal; os registros e a descrição dos fatos foram feitos com a máxima objetividade possível. Pontos Positivos e Negativos: a experiência daqueles que constroem a política de dentro 9 É notória a mudança de perspectiva das políticas públicas culturais com Gilberto Gil, já no início da sua gestão apresentou uma dinâmica diferente: realizou uma série de consultas e fóruns para estimular a participação de diversos segmentos da área artística e da sociedade em geral, a temática destas discussões foi a lei de incentivos fiscais que a partir daí passou por alterações principalmente no que diz respeito à criação de critérios e normas que permitissem uma melhor distribuição dos recursos (CALABRE, 2007). Com o avanço na implantação do PVC em todo o país o Ponto de Cultura se tornou uma marca, quase uma franquia para as organizações que fazem parte do programa. Grupos de Pernambuco alegaram que mesmo com os entraves financeiros fazem uso do selo ´Ponto de Cultura´ para obter legitimidade perante outras instâncias de financiamento. Dessa maneira, “a rede vai sendo tecida de forma maior" afirmou Célio Turinoiv, secretário de Programas e Projetos Culturais, coordenador do Programa Cultura Viva. E o projeto cria outras possibilidades para os coletivos envolvidos. Em sua maioria, os representantes acreditam que o Ponto de Cultura não é um espaço cultural feito pelo governo para as comunidades, mas, ao contrário, são ações desenvolvidas pela comunidade que ganham o reconhecimento do Estado e passam a receber aporte de recursos para aplicar conforme o plano de trabalho composto por eles. Eu acho que o governo, ele se apropriou desse contexto da sociedade civil que já existia, o que eu acho muito legal é a construção da rede de tudo isso, as construções das redes que o Ponto de Cultura possibilitou (B.O. 2004). Além disso, por ter uma proposta mais aberta, libertária, visando o social, democrática e flexível, os projetos atenderam também as organizações que já possuíam atuação na área cultural. Um dos Pontos, com atuação internacional, afirmou que por essa razão, o PCV se diferencia dos demais editais públicos de financiamento. No entanto, nos discursos recolhidos, são apontadas diversas reclamações quanto a implementação do Programa. Entre elas a insatisfação quanto ao atraso nos repasses das verbas e dos kits multimídia. Essa é uma realidade nacional como constatado no Converse, que embora seja relevante não pareceu ser entrave para que novos Pontos fossem credenciados em 2006 e o problema ganhou novas proporções ao longo do tempo. Àqueles ligados ao primeiro edital de 2004, entendem que a participação no programa lhes dá legitimidade mas não asseguram o financiamento de seus projetos. Nem contamos mais com essa verba, o que vier é lucro. A gente sabe que eles vão barrar nossa prestação de contas. Continuamos na luta para mudar isso. Queremos faturar com a marca Ponto de Cultura para conseguir outras parcerias, até fora do país (M. 2006) Nós também estamos assim. Não acreditamos que vamos receber mais as parcelas. Eles cometeram equívocos nas orientações, equívoco porque o MinC não erra, se equivoca, e nossa prestação não está como eles querem agora. Fechamos o Ponto por esse semestre para nos articular e conseguir patrocínio, e vamos usar a marca Ponto de Cultura. (L.G, 2007) As justificativas do MinC estão atreladas à falta de pessoal, tanto nas representações regionais, no caso do Nordeste e Norte são 2 funcionários, quanto no pessoal que trabalha na prestação de contas em Brasília. E, aos repasses de recursos que em 2005 contingenciou 57% do orçamento do Ministério, dificultando a liberação da verba empenhada para as parcelas em atraso (CONVERSÊ, 2005). Outra reclamação constante entre os Pontos diz respeito a articulação entre eles. Diante da necessidade de resolver os problemas quanto ao repasse das verbas, falta de 10 pessoal, falta de informações por parte do MinC para a prestação de contas, os representantes alegam não ter disponibilidade para refletir sobre a política . Sobre isso, manifestaram-se um dos representantes de Ponto de Cultura no I Encontro: O Minc mudou o foco. Agora quer conversar sobre Teia, Pontão sem antes ter resolvido os problemas dos Pontos. Os R$ 6 milhões para implantar a Teia, metade desse valor resolveria os problemas dos Pontos (L.G, 2007). Eles vivem avaliando a gente, a gente vive preenchendo questionário de avaliação pela internet e não avaliamos o programa nenhuma vez. Tem que esquecer essa teia e avaliar o programa. Ou depois pensar em Pontão, Teia, Carnaval, no que quiser. Por isso que a gente está lascado hoje porque nunca nos mobilizamos para exigir (M.G, 2007). Importante destacar que muitos pontos reclamam ainda da burocracia exigida principalmente quanto ao preenchimento dos formulários e por não poderem contratar profissionais para realizar essas atividades burocráticas . Um representante questionou: Nenhum dirigente de ponto sabe emitir guias de recolhimento. Por que não pode ter contador pessoa física? É inadimissível. Eu não sei fazer prestação de contas mensal do INSS com a previdência. Nós não temos capacidade. Tem que ter contador. Pago R$ 300 por mês ao contador. Essa proibição de despesa do contador é inadimissível (P.R, 2007). E novamente a justificativa seria a falta de pessoal por parte do Ministério, são apenas 6 técnicos para atender todo o Brasil. Em busca do ponto de equilíbrio O quê se vê é que embora o PCV proponha uma perspectiva inovadora comparada às outras formas de se trabalhar à cultura, a legislação vigente em relação ao setor cultural não corresponde aos anseios da área e pode tornar-se um entrave para o bom desempenho do programa. Os problemas descritos anteriormente são agravados a cada edital e deixam desacreditados aqueles que participam da política. A solução atual adotada pelo ministério é a estadualização dos pontos visando a sua descentralização: foram lançados editais regionais para convênios de novos pontos de cultura a serem financiados diretamente pelas secretarias estaduais de cultura. Entretanto, entendem os representantes dos Pontos que os mesmos erros serão repetidos no âmbito estadual caso não haja uma reflexão mais aprofundada sobre a condução do PCV pelo MinC. Outro aspecto, refere-se a legislação atual que orienta apenas quanto aos aspectos relacionados ao resguardo do patrimônio cultural, aos direitos autorais, à lei de incentivos fiscais à cultura, entre outros assuntos, todos relevantes, mas nenhuma lei que atenda especificamente a esta nova realidade que vem se apresentando A exceção é o projeto-lei que estabelece o Plano Nacional de Cultura, previsto na Constituição Federal desde a aprovação da emenda 48v em 2005, mas em fase de sistematização das diretrizes elaboradas e pactuadas entre Estado e sociedade. Observamos no PNC, quando anuncia seus conceitos e valores norteadores, compatibilidade com o quê propõe o CV; por exemplo, as estratégias de “proteger e valorizar a diversidade artística e cultural brasileira”, “universalizar o acesso dos brasileiros à fruição e produção cultural” etc. Ainda se apresenta como entrave a ser considerado o não alinhamento entre os Ministérios. Se observarmos que um dos objetivos do PCV expresso na sua cartilha, era consolidar o programa como política de Estado, “desenvolvendo ações transversais entre os 11 Ministérios, estados e municípios” (MINC, 2004, p. 14), é alarmante perceber que já se passaram quatro anos e pouco foi feito para isso. Cita-se a celeuma entre Pontos de Cultura com projetos de Rádios Comunitárias versus Ministério das Comunicações; se por um lado atendem às exigências do edital de seleção dos Pontos de Cultura, por outro, esbarram nos critérios estabelecidos na lei, que determina com mais especificidades as exigências para abertura, usos e abrangência das rádios. Destaca-se também a problemática quanto ao pagamento das bolsas. O Ministério da Educação assinou junto ao Ministério do Trabalho acordo, ficando o último responsável, através do Programa Primeiro Emprego, pelo pagamento de 50.000 bolsas anuais aos agentes jovens recrutados para trabalhar nos projetos dos Pontos de Cultura. Ocorre que o pagamento demorou mais de 1 ano para ser realizado o quê gerou desconfiança da comunidade em relação aos Pontos de Cultura que desenvolviam os projetos, além do constrangimento para seus representantes. Os Pontos de São Paulo preocupados pois a situação estava insustentável, redigiram carta endereçada ao Ministério da Cultura para que eles se posicionassem e resolvessem a situação junto ao Ministério do Trabalho, receosos de uma retaliação aos seus projetos pelas comunidades. Ainda hoje, os projetos sofrem com as indefinições e não pagamento das bolsas. Conclusões: entregar os pontos jamais! Rubim (2007) aponta alguns avanços no discurso do ministro Gilberto Gil que anunciam uma forma diferente de tratar o setor cultural e fazer política pública: enfatizou continuamente o papel ativo do estado na formulação e implementação de políticas de cultura, criticando o governo anterior por ter substituído o Estado pelo mercado, através das leis de incentivo; fez uma conexão do Estado com a sociedade (desafio de formular e implementar políticas culturais em circunstâncias democráticas) e ampliação do conceito de cultura (a abrangência do conceito se traduz num conceito mais amplo dito “antropológico”); fazendo com que o Ministério ocupe-se não só das culturas cultas (eruditas), mas de “culturas populares; afro-brasileiras; indígenas; de gênero; de orientação sexuais; das periferias; da mídia áudio-visual; das redes informáticas etc” (RUBIM, 2007, p. 12). Afirma ainda o autor que a atuação do Ministério da Cultura nestes casos se não é inaugural, representa um diferencial comparado as culturas anteriores, a exemplo do apoio a cultura indígena ou as questões de afirmação sexual. O MinC apresenta nesta gestão de Gilberto Gil uma forma nova de política pública a medida que percebe a cultura sob uma definição mais abrangente, que se traduz num conceito mais amplo dito “antropológico”; fazendo com que o Ministério ocupe-se não só das culturas cultas (eruditas), mas de “culturas populares; afro-brasileiras; indígenas; de gênero; de orientação sexuais; das periferias; da mídia áudio-visual; das redes informáticas etc” (RUBIM, 2007, p. 12). Afirma ainda o autor que a atuação do Ministério da Cultura nestes casos se não é inaugural, representa um diferencial comparado as culturas anteriores, a exemplo do apoio a cultura indígena ou as questões de afirmação sexual. Apresenta também uma nova perspectiva quanto as suas ações pois não foca somente o resguardo do patrimônio cultural, nem reduz as políticas públicas às leis de incentivos fiscais, como se observa em governos anteriores. O PCV reflete uma idéia inovadora, propondo-se a abranger iniciativas culturais que envolvem a comunidade em atividades de arte, cultura, cidadania e economia solidária. Anuncia o programa que será utilizado um modelo flexível de gestão, as ações vão sendo realizadas e as experiências acabam por provocar transformações na forma como são desenvolvidas. O oposto do que se costuma perceber na elaboração e implementação de políticas públicas que é a institucionalização das estruturas e sua forma hierarquizada. A 12 própria cartilha do Programa (MINC, 2004) esclarece que “não tem uma resposta acabada a todo esse processo que apenas se inicia, mas, tenta identificar caminhos; ou, pelo menos, identificar aqueles caminhos que não devem ser trilhados”. Segundo ainda a Cartilha é “uma troca entre iguais que aprendem entre si e se respeitam na diferença”. Evita-se assim uma estrutura fortemente institucionalizada, pesada na forma de gestão e controle, muito comum na burocracia pública. Destaca-se que a própria construção do Programa, mesmo antes de sua aprovação, já anunciava uma nova forma de realizar política pública, pois promovia uma série de debates a respeito da cultura com a participação dos representantes das mais variadas manifestações culturais. Vê-se que entre os principais propósitos do Programa Cultura Viva está a participação da sociedade civil, especialmente da área cultural, em todo o processo de construção desta política cultural, bem como a preocupação em assegurar a autonomia dos Pontos. Retira, assim, o MinC da posição marginal onde estava nos governos anteriores e passaria a agir para a inclusão social; reconhecendo o governo federal a importância da cultura e seu papel para impulsionar um desenvolvimento sustentável. O Programa Cultura Viva, política pública sob análise neste trabalho, está incluso em todas essas dimensões apontadas (MINC, 2004) anunciando uma nova prática de construção e implementação das políticas públicas culturais nacionais. Referências BRANT, Leonardo. Políticas Públicas. BARUERI, SP: Manole, 2003. BRASIL, Ministério da Cultura. Programa Nacional de Educação, Cultura e Cidadania – Cultura Viva. Brasília, DF: 2004. CALABRE, Lia. Políticas culturais no Brasil: balanço e perspectivas. In: CANELAS, Antonio Albino (org.). Políticas Culturais no Brasil. Salvador, BA: EDUFBA, 2007. CESNIK, Fábio de Sá; BELTRAME, Priscila Akemi. Globalização da cultura. Barueri, SP: Monole, 2005. (Entender o mundo , v.8). COMISSÃO DOS PONTOS DE CULTURA DE PERNAMBUCO. 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