Educação e desenvolvimento: educação básica e diferenças regionais entre as
províncias brasileiras do Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco (1850 –
1870)
Vinícius De Bragança Müller e Oliveira1
Resumo
A questão educacional e, especificamente, a instrução primária, é vista como fator
fundamental para o desenvolvimento econômico de países e regiões. A teoria da
História Econômica Institucional aponta que quanto maior o número de indivíduos de
uma sociedade com acesso à educação básica ou quanto mais inclusiva for a trajetória
de incorporação dos indivíduos à educação básica maior a chance de obtenção de
desenvolvimento econômico de longo prazo. No Brasil do século XIX, a
responsabilidade sobre a instrução primária estava sob as províncias e não sob o
governo central, o que para muitos autores foi motivo de fracasso, já que as províncias
poucos recursos tinham para garantir investimentos em setor tão relevante. Porém, este
artigo tenta mostrar que, não obstante a pouca autonomia das províncias, era dado a elas
a oportunidades de garantir os investimentos sobre suas responsabilidades e, por isso, as
diferenças entre elas (Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco) no que tange aos
investimentos em educação básica podem ser comparadas. A conclusão é que havia uma
grande diferença no tratamento dado pelas províncias analisadas no que respeita os
investimentos em instrução primária e que estas diferenças podem ajudar a entender os
resultados do desenvolvimento econômico de cada uma delas.
Abstract
The educational issue and, specifically, the primary statement, is seen as a key factor for
economic development of countries and regions. The theory of Institutional economic
history suggests that the greater the number of individuals of a society with access to
basic education or the more inclusive for the trajectory of incorporation of individuals to
basic education increased the chance of obtaining long-term economic development.
Brazil in the 19th century responsibility for primary education was under the provinces
and not under the central Government, which for many authors was reason of failure,
since the provinces had few resources to ensure investments in industry as relevant.
However, this article tries to show that, notwithstanding the little autonomy of
provinces was given to them the opportunities to ensure investments on their
responsibilities and therefore the differences between them (Rio Grande do Sul, São
Paulo and Pernambuco) with respect to public investments in primary education can be
compared. The conclusion is that there was a big difference in treatment given by the
provinces analysed as regards investments in primary education and that these
differences can help you understand the results of economic development of each one.
1
Bacharel em História, Mestre em Economia, Doutorando em História Econômica. Professor do Insper,
Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, Brasil.
Introdução
O debate acerca da formação do Estado nacional brasileiro nas primeiras décadas do
século XIX em boa parte se concentra em uma tradicional historiografia que indica uma
excessiva centralização do poder em mãos do império e a conseqüente fragilidade da
autonomia provincial. Esta centralização teria sofrido um pequeno revés durante os anos
de 1830, no período conhecido como regencial (1831-40), mas logo readquirido seu
papel de principal característica do recém fundado país. Segundo esta historiografia, as
tendências descentralistas teriam sido derrotadas em meados do século XIX e só
retornaram após 1870, quando o ideal federalista foi reapresentado sob nova roupagem
e sob a liderança dos grandes produtores rurais do centro-sul brasileiro. O ambiente
institucional e político teria levado ao republicanismo, em parte federalista,
caracterizando a organização do país após a proclamação da república em 1889 e,
principalmente, após a promulgação da constituição de 1891.
Contudo, alguns autores estão, nos últimos anos, propondo uma revisão desta
historiografia em virtude de novas pesquisas que indicam a possibilidade de reavaliar
se, de fato, a autonomia provincial era tão prejudicada pela centralização excessiva do
poder em mãos do império. Os resultados destas pesquisas surpreendem na medida em
que mostram que as províncias tinham muito mais liberdade, responsabilidades e
investimentos sob suas respectivas administrações do que se pensava. Alguns autores,
então, buscam nos últimos anos definir o alcance desta autonomia provincial,
especificando o que estava sob responsabilidade das províncias e, mais importante,
como as províncias brasileiras usaram esta autonomia em favor de seus
desenvolvimentos locais. Em outras palavras, se a autonomia provincial era maior do
que muitos admitiam até poucos anos atrás, as decisões que cada uma delas tomou, em
variados setores ligados à administração pública, podem guardar relação com a
trajetória de desenvolvimento econômico e social de cada uma delas. Estas trajetórias
não poderiam ser mais lançadas exclusivamente sob a responsabilidade do governo
central do Império Brasileiro, mas sim sob as diferenças impulsionadas pelo uso da
autonomia provincial, por cada uma delas, no que tange a qualidade de suas instituições
locais.
Neste sentido, as instituições locais/provinciais devem ser observadas e comparadas na
medida em que definiam, parcialmente, mas de modo relevante, o funcionamento
institucional sob sua responsabilidade, ou seja, no limite de sua autonomia. Para tanto,
três províncias ganham aqui destaque: Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco. A
primeira, no extremo meridional do país, se caracterizou no período por razoável
estabilidade econômica ligada à sua tradicional participação no mercado interno,
especialmente no comércio de produtos oriundos da criação animal; a segunda
província, São Paulo, foi a região de maior crescimento econômico na segunda metade
do século XIX devido à expansão da lavoura do café e do aumento da exportação deste
produto pelo país; e, finalmente a terceira, Pernambuco, ao contrário, foi um dos casos
mais emblemáticos de decadência econômica visto no século XIX brasileiro, já que de
uma das regiões mais prósperas do país e uma das duas principais produtoras e
exportadoras de cana de açúcar – mais destacado produto brasileiro desde o período
colonial – não apresentou a mesma pujança a partir de fins do século XIX e início do
XX.
Participação da receita arrecadada na Corte e nas províncias na receita geral do Império
(%)
Período
Rio Grande do Sul
São Paulo
Pernambuco
1840-49
6,91
2,13
12,64
1850-59
5,40
2,15
14,39
1860-69
5,92
3,39
13,58
1870-79
5,33
5,02
10,50
1880-89
4,97
8,40
8,88
Fonte: Ministério da Fazenda. Balanço da Receita e Despesa do Império, citado por Diniz, 2002.
A tabela mostra a participação de cada província aqui tratada na receita geral do Império, o que
demonstra a ascensão de S. Paulo, a estabilidade do Rio Grande do Sul e a decadência de
Pernambuco.
O que se propõem, então, é uma análise sobre a autonomia destas províncias e o uso que
fizeram desta autonomia em relação aos gastos públicos. Dá-se, neste estudo, especial
atenção aos gastos públicos em educação básica (instrução primária), setor que, segundo
a Constituição Imperial, estava sob responsabilidade das províncias. Também porque a
questão educacional é vista por autores ligados à escola da Nova Economia Institucional
(NEI) como sendo uma das mais relevantes instituições de um país e/ou região.
Sobre isso, a abordagem institucional apresentada por Engerman e Sokoloff é usada na
medida em que definem instituições como sendo mais ou menos inclusivas, ou seja, que
absorvem ou garantem acesso aos seus benefícios maiores ou menores contingentes
populacionais. Os autores exemplificam esta questão a partir de três itens - acesso a
educação básica, acesso ao sufrágio e acesso à propriedade privada - e na relação entre
maior ou menor inclusão institucional e desenvolvimento econômico.
Em resumo, o artigo apresenta uma comparação entre três províncias brasileiras que,
durante o século XIX, mostraram trajetórias econômicas diferentes entre si, e identificar
como a questão educacional – instituição central para o desenvolvimento de longo prazo
de uma região, segundo Engerman e Sokoloff – foi tratada por cada uma delas,
assumindo que a autonomia provincial no Brasil Império era maior do que a tradicional
historiografia sobre o tema, em geral, admite. Tal comparação pode lançar luz sobre o
entendimento das diferenças entre regiões brasileiras no que tange ao desenvolvimento
econômico de longo prazo.
O debate entre centralização e descentralização no Império brasileiro e a
autonomia das províncias
Parte da historiografia sobre o período imperial brasileiro admite que a divisão de
competências fiscais feita pela Constituição de 1824 e pelos ajustes e reformas que se
seguiram eram favoráveis ao governo central e, no limite, inviabilizavam a
sobrevivência autônoma das províncias. Tal visão é compartilhada por um grupo de
estudiosos que, em casos extremos, como Diniz, explicita a relação de espólio entre o
governo central, o Império, e as províncias, quando diz:
“Com efeito, os dados do Balanço demonstram que, a partir da
década de 1830, a estrutura financeira do Império funcionou
eficientemente no processo de apropriação da renda produzida
nas províncias, principalmente Pernambuco, Bahia, Maranhão,
Pará, São Paulo e Rio de Janeiro. Em conjunto, essas províncias
forneceram 126,65 milhões de libras em tributos ao Império e
receberam 58,70 milhões de libras sob a forma de recursos
nelas despendidos; a diferença em favor do Governo Geral foi,
portanto, de 67,95 milhões de libras. (...) Mas, além do caso
dessas províncias que forneceram recursos sistematicamente ao
Governo Geral, aquelas províncias mais carentes, caso
aumentassem o volume de impostos gerados, também teriam
parte de sua renda remetida para a sede do poder central do
Império.” (Diniz, 2002)
Outros, como Cabral de Melo, estabelece uma relação amparada na idéia de pouca,
quase nenhuma autonomia provincial e que, portanto, as diferenças entre elas devem-se
ao modo que os recursos eram distribuídos pelo governo central entre as províncias. A
conclusão é que as províncias favorecidas pela distribuição dos recursos pelo governo
central apresentaram bons resultados durante o império em detrimento daquelas que
foram prejudicadas. Mais do que isso, Cabral de Melo afirma que:
“é inegável que, durante todo o Segundo Reinado, verificou-se
uma transferência líquida de recursos do norte para o sul, sob
forma de movimento de fundos governamentais; e que o
Império assentou-se num processo de espoliação que no norte
se aparentou bastante a uma situação do colonial do tipo
clássico, isto é, do tipo fiscal.”(Cabral de Melo, 1999)
Diniz, concordando com a esta perspectiva de Cabral de melo, afirma que:
A situação de permanente exação fiscal das províncias
assemelhava-se, para os contemporâneos e opositores da
centralização, a uma situação de tipo colonial. (Diniz, 2002)
Esta perspectiva historiográfica se ampara, e neste sentido é pertinente, na divisão de
responsabilidades fiscais que, de fato, privilegiava o governo central. O que se discute é
a relação entre a fatia disponível às províncias, suas obrigações e a capacidade que cada
uma delas tinha de administrar sua parcial autonomia. Esta diferença pode ser vista,
medida e qualificada se considerarmos que, mesmo sendo pequena a fatia fiscal à
disposição das províncias, ela era suficiente para garantir as responsabilidades definidas
às províncias, gerar superávit e, portanto, determinar investimentos.
Uma hipótese complementar defendida por parte da historiografia sobre o período é a
que versa sobre a necessidade política de aproximação entre os defensores de maior
descentralização e os partidários da centralização excessiva em virtude da manutenção
da unidade territorial e, principalmente, do tráfico de escravos. Esta perspectiva mais
próxima da história política do Brasil, tem como premissa que a pequena
descentralização promovida durante a década de 1840 – associada ao grupo e depois
Partido Liberal – foi uma das responsáveis pelo aumento das revoltas separatistas ou
suficientemente violentas na ação contrária à centralização política do país que colocou
em risco a unidade territorial. Sobre isso, comenta Bosi:
“Nessa altura, os cafeicultores (i.e. valeparaibanos, então novo
pólo de desenvolvimento da lavoura para a exportação),
almejavam um Estado forte, uma administração coesa e
prestante ou, nos seus repetidos termos, precisavam manter a
unidade nacional. Foi a bandeira do Regresso (movimento de
centralização política de meados das décadas de 1830 e 1840).
O padre Feijó, renunciando ao cargo de regente em meio a
dificuldades extremas, fizera perigar o cumprimento desse
desígnio, na medida em que supunha ser inevitável a tendência
separatista de algumas províncias, como Pernambuco e Rio
Grande do Sul” (Bosi, 1993)
O argumento é reforçado por uma famosa intervenção de um importante personagem da
época, Bernardo Pereira de Vasconcelos, que disse:
“Fui liberal (i.e. defensor da descentralização), então a
liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas
não nas leis, nas idéias práticas; o poder era tudo; fui liberal.
Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios
democráticos tudo ganharam e muito comprometeram: a
sociedade, que então corria o risco pelo poder, corre agora o
risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis,
quero hoje servi-la, quero salvá-la, e por isso sou regressista.
Não sou trânsfuga, não abandono a causa que defendi no dia de
seus perigos, da sua fraqueza, deixo-a no dia em que tão seguro
é o triunfo que até o excesso a compromete” (citado por Bosi,
1993)
Complementando, além da unidade territorial que teria sido ameaçada pela
descentralização da década de 1830 e, por isso, tal movimento centrífugo teria sido
abortado logo depois pelo chamado „regresso conservador‟, a manutenção da oferta de
escravos era vista como sub-produto da capacidade de o Estado Brasileiro de se
posicionar no jogo internacional comandado pela Grã-Bretanha, abertamente contrária
ao tráfico de escravos africanos. Desta forma, argumenta-se, o enfraquecimento do
poder central ante o aumento dos poderes provinciais no Brasil tornaria ainda mais
vulnerável a posição brasileira relacionada à manutenção da oferta de escravos e, viceversa, o fortalecimento do poder central ampliaria a possibilidade do país em manter o
tráfico ativo. Esta posição é muito bem argumentada por Bosi, que afirma sobre as
palavras de Bernardo Pereira de Vasconcelos:
“Em outras palavras, o discurso quer dizer: a política de
centralização é o antídoto necessário a uma divisão do país, que
por seu turno (e aí vem a razão calada), seria fatal ao novo
centro econômico valparaibano” (Bosi, 2002)
E, por fim, complementa:
“Tudo se apresenta imbricado: o centralismo se diz nacional e
vale-se do Exército, que toma vulto no período; o tráfico é
utilíssimo à expansão do café, enfim, O partido da Ordem
abraça todas essas bandeiras...” (Bosi, 2002)
Contudo, há uma historiografia vem sendo produzida na última década que, por mais
que aceite a centralização política e fiscal em mãos do governo imperial como uma
característica do Estado brasileiro durante o século XIX, argumenta que tal
centralização não foi fator para que as províncias vivessem em estado de penúria e/ou
que fossem tão dependentes dos repasses do governo central.Portanto, não concluem
que a relativa autonomia provincial era próxima de nula. Ao contrário, tal autonomia
seria real e pode ser vista como fator de desenvolvimento das províncias sem a
manutenção de relações com aquilo que cada uma delas recebia do governo central. O
principal trabalho associado a esta nova abordagem da formação brasileira e do
relacionamento entre a autonomia provincial e a centralização imperial é de Dolhnikoff,
que afirma:
“A autonomia provincial incidia sobre a tributação, as decisões
referentes a empregos provinciais e municipais, obras públicas,
força policial, de modo que os governos das províncias
dispunham de capacidade financeira para autonomamente
decidir sobre investimentos em áreas vitais para a expansão
econômica, o exercício da força coercitiva e o controle de parte
da máquina pública.” (Dolhnikoff, 2005)
Com as mesmas conclusões, relativas à autonomia provincial durante o império
brasileiro, Oliveira diz:
“A divisão das atribuições fiscais entre o governo imperial e as
províncias, feita pelo Ato Adicional de 1834, não foi
modificada durante o processo de centralização do poder
político e administrativo que se seguiu ao „avanço liberal‟.
Dessa forma, os direitos adquiridos pelas províncias não se
alteraram, permanecendo aqueles que foram determinados pela
descentralização de 1834. Isso significa que, não obstante a
maior parte das rendas fiscais ser de direito do governo central,
às províncias sobraram alguns direitos que possibilitavam
relativa autonomia no que tange a arrecadação, os gastos e os
investimentos. No caso de S.Paulo, foi possível à província
viver um período de crescimento – fosse na arrecadação, fosse
na produção e exportação agrícola.” (Oliveira, 2007)
Portanto, assumir que as províncias não tinham capacidade de garantir o cumprimento
daquilo que estava sob sua responsabilidade parece um exagero se considerarmos que,
mesmo sendo pequena a fatia fiscal destinada às províncias, era suficiente para arcar
com suas contas e investimentos. Desta forma, estava sob responsabilidades das
províncias o manejo de recursos destinados aos setores que definiam como prioridades e
tais definições podem estar na origem das vantagens ou dificuldades que as províncias
tiveram em seu desenvolvimento de longo prazo.
A questão educacional: a teoria institucionalista aplicada ao Império Brasileiro
A abordagem institucional, em sua mais recente vertente, ficou consagrada a partir dos
estudos do economista Douglass North e sua inspiração na economia neoclássica.
North, ganhador do Nobel de Economia em 1993, em conjunto com outro economista, o
norte-americano Robert Fogel, consolidou uma nova abordagem teórica que tenta
aproximar os estudos econômicos e a história nos moldes da economia neoclássica, e
não mais entre as abordagens consideradas heterodoxas. Desta forma e, exatamente por
isso, North é um dos fundadores da chamada Nova Economia Institucional (doravante,
NEI), muito
influente nas
últimas
décadas
entre inúmeros estudiosos
do
desenvolvimento econômico.
Entre os princípios que norteiam os estudos da NEI estão aqueles listados por North,
quais sejam:
 a economia de mercado, em sua abordagem neoclássica – ou seja,
agentes econômicos e racionais que tomam decisões que buscam a
maximização dos resultados – é válida para situações extremas nas quais
os custos de transação e de obtenção de informações são nulos e,
portanto, os agentes tem toda a racionalidade possível;
 porém, como esta situação não é vivida, os agentes não tem todas as
informações possíveis e, portanto, sua racionalidade é limitada;
 sendo assim, as instituições, ou seja, as regras e leis (instituições formais)
e os costumes (instituições informais) são importantes na medida em que
podem diminuir os custos de transação e de obtenção de informações,
fazendo com que os agentes cheguem mais próximos ao que seria
desejável em sua atuação econômica;
 além disso, as instituições são responsáveis pelos estímulos aos agentes
econômicos, principalmente aquelas que legislam sobre os direitos de
propriedade.
Em síntese, define North:
Institutions are the rules of the game in a society or, more formally,
are the humanly devised constraints that shape human interaction. In
consequence they structure incentives in human exchange, whether
political, social, or economic. Institutional change shapes the way
societies evolve through time and hence is the key to understanding
historical change.
(…) Institutions affect the performance of the economy by their effect
on the costs of exchange and production. Together with the
technology employed, determine the transaction and transformation
(production) costs that make up total costs. (North, 1982)
Em complemento, mas não menos importante, North ainda considera que as sociedades
que historicamente desenvolveram instituições melhores – ou seja, que facilitam a ação
dos agentes econômicos ao diminuírem os custos de transação, de obtenção de
informações e garantindo o direito de propriedade – apresentam, em prazos alongados,
melhor desenvolvimento econômico. Assim, apresenta como justificativas para o
melhor desenvolvimento econômico de um país ou região as instituições criadas e, mais
importante, as trajetórias institucionais vivenciadas. Desta forma, North busca em
momentos específicos da História (momentos de criação de uma instituição) e no
conflito entre mudanças e permanências (as trajetórias institucionais de cada país ou
região), as explicações para o desenvolvimento econômico desigual apresentado por
países e regiões diferentes.
A partir das definições de North, outros autores usaram e ampliaram os conceitos
relacionados à economia institucional. A mais relevante, para este trabalho, é a
classificação das instituições historicamente construídas e suas respectivas trajetórias
como inclusivas ou não-inclusivas. Na verdade, algumas instituições, segundo tal
classificação, são mais ou menos inclusivas na medida em que privilegiam ou
reconhecem contingentes maiores da população de um país ou região. Seriam
instituições passíveis de serem classificadas a partir destas qualificações o direito ao
sufrágio, o acesso à propriedade e à educação. Em outras palavras, o direito ao sufrágio
é uma instituição que pode ser mais ou menos inclusiva, sendo que é mais quando é
universal e menos quando restrito a uma pequena parcela da população; assim como o
acesso à propriedade e à educação. E, segundo muitos autores, o desenvolvimento
econômico de um país ou região, em prazos mais alongados, guarda uma relação
positiva com as instituições e seus graus de inclusividade: quanto maior for a inclusão
de
contingentes
populacionais
e
maior
for
seu
acesso
à
propriedade,
escolaridade/educação e direito ao voto, maior será o desenvolvimento econômico desta
sociedade se comparada a outras com instituições cuja trajetória não se caracteriza pela
inclusão de grande parte da população. Alguns trabalhos são esclarecedores sobre tais
definições. Vejamos o que dizem os historiadores econômicos Engerman e Sokoloff,
sobre as relações entre desenvolvimento institucional e desenvolvimento econômico
comparando regiões diferentes do continente americano:
More specifically, in societies that began with extreme inequality, the
elites were both inclined and able to establish a basic legal framework
that ensured them a disproportionate share of political power and to
use that influence to establish rules, laws, and other government
policies that gave them greater access to economic opportunities than
the rest of the population, thereby contributing to the persistence of
the high degree of inequality. In societies that began with greater
equality in wealth and human capital or homogeneity among the
population, the elites were either less able or less inclined to
institutionalize rules, laws, and other government policies that grossly
advantaged them, and thus the institutions that evolved tended to
provide more equal treatment and opportunities, thereby contributing
to the persistence of the relatively high degree of equality.
(…)Although much work needs to be done, our findings from
comparative studies of suffrage, public land, schooling, and other
institutions in the perhaps limited context of the Americas are
consistent with the notion that those societies that began with more
extreme inequality or heterogeneity in the population were more likely
to develop structures that advantaged members of elite classes by
providing them with relatively more political influence or access to
economic opportunities. (Engerman & Sokoloff, 2002)
Também Acemoglu e Robinson, dois dos mais destacados estudiosos de economia
institucional:
Inclusive institutions tend to create a level playing field in business, in
markets and in education, while extractive institutions often create
inequities that run deep. In most societies with extractive institutions,
only the lucky few have access to education, and the ability to start
and operate businesses and reach high levels of economic and social
success. (Acemoglu & Robinson, 2009)
Um outro autor, Peter Lindert, sobre a possibilidade de relacionarmos investimento em
educação primária e desenvolvimento econômico, recentemente escreveu:
The second kind of social spending emerged in the nineteenth century.
Country after country turned toward tax revenues as a basis for
launching or expanding schools, especially primary schools. Yet some
countries took far longer than others to develop universal primary
schooling – and most countries have deficient primary education even
today. These differences in basic schooling have long been recognized
as one of the keys to global income inequalities.1 Of all the kinds of
public spending considered in this book, expenditures on public
schooling are the most positively productive in the sense of raising
national product per capita. Here we concentrate on primary public
education, the kind of education that involves the greatest shift of
resources from upper income groups to the poor. (Lindert, 2004)
Portanto, o que podemos concluir é que as instituições importam para o entendimento
da trajetória histórica que aponta um maior ou menor desenvolvimento econômico de
um país ou região e que, na medida em que pensamos as instituições como inclusivas ou
não, aqueles que criam e desenvolvem instituições que precipitam maior acesso – ou de
um número maior de pessoas – à propriedade, ao direito ao sufrágio e à
educação/escolaridade, tendem a apresentar, no tempo, maior desenvolvimento
econômico.
Em nosso caso, então, o lugar que ocupava a educação – instituição que, sendo
inclusiva, pode ajudar a determinar trajetória de desenvolvimento econômico de um país
ou região – pôde ser determinante para o desenvolvimento de diferenças regionais no
Brasil. E, ainda sobre a citação de Lindert, a diferença em investimento em educação
primária entre os países é característica do século XIX. Em outras palavras, o
investimento em educação primária já era no século XIX visto como fundamental ao
desenvolvimento econômico pelas nações em desenvolvimento.
O debate sobre educação primária no Brasil e a situação das províncias: Rio
Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco
Existem inúmeros trabalhos que tratam das condições apresentadas pela sociedade e
pela legislação brasileira imperial a respeito da educação básica. A maior parte
tangencia quatro questões de capital importância, quais sejam:
 a incorporação da obrigatoriedade do ensino básico na Constituição de
1824 e as reformas constitucionais que , de algum modo – direta ou
indiretamente – afetaram a questão educacional;
 a carência de um projeto educacional unificado ou nacional, o que
enfraquecia a possibilidade de sucesso do processo educacional
brasileiro;
 a aparente contradição entre educação básica e uma sociedade escravista
e radicalmente desigual, o que teria precipitado um baixo investimento
em educação básica (voltada às camadas menos favorecidas da
população) em benefício da educação superior (voltada à elite); e
 o equívoco institucional em deixar o investimento em educação básica
em mãos das províncias, dado que estas eram bastante vulneráveis
economicamente ante um desproporcional poder econômico controlado
pelo governo imperial.
Os quatro itens apresentam certa coerência se tratados em conjunto, já que mesmo
legalmente incluída na Constituição de 1824, a obrigatoriedade de oferta de ensino
básico pressupunha uma estrutura burocrática incompatível com o momento histórico
vivido pelo país, ou seja, um país recém independente que carecia tanto de experiência
quanto de, principalmente, capital humano para a formação do funcionalismo público
que garantisse e verificasse tal obrigatoriedade. A inclusão do ensino básico na Carta
de 1824 devia-se, principalmente, a uma quase isolada influência que os princípios e
conseqüências do processo iluminista-liberal europeu exercia sobre o monarca
brasileiro, D. Pedro; contudo, influência que não caracterizava de modo geral o governo
imperial, dada a sua inclinação ao centralismo e, para alguns, absolutismo.
Um agravante da situação fora a reforma de 1834, conhecida como Ato Adicional. Nele,
a responsabilidade sobre a oferta de ensino básico recaía sobre as províncias, que, com
orçamentos reduzidíssimos, não teriam condições nem de efetivar os investimentos em
educação, muito menos de verificar sua efetividade. Isso só mostrava o pouco caso que
se fazia da educação básica, voltada aos grupos menos favorecidos e incompatível com
a escravidão, reflexo de uma sociedade desigual, elitista e que, de modo algum – sob a
leitura institucional – promovia instituições inclusivas. Ao contrário do ensino superior,
em mãos do governo Imperial e, portanto, coeso, pensado estrategicamente e voltado às
elites dirigentes e burocráticas do país, o ensino básico sofreria de inanição, na mesma
proporção de sua insignificância para as elites provinciais – preocupadas com questões
menores envolvendo poderes e favores locais – e da insignificância dos orçamentos
voltados a ela, dada a estrutura institucional equivocada que deixava às províncias –
falidas e dependentes dos recursos que recebiam do governo central – a
responsabilidade sobre tema tão relevante para o desenvolvimento econômico e social
de longo prazo. Tais conclusões aparecem de modo inequívoco em algumas das obras
mais destacadas e usadas como referências bibliográficas sobre o tema. Interessa-nos
em especial o item sobre o possível equívoco institucional em deixar a responsabilidade
sobre a educação primária em mãos das províncias. Eis um trecho retirado de uma obra
de referência sobre o tema:
A Instrução primária, confiada às províncias, vai-se organizando por
um sistema de tentativas e erros, em conformidade com os recursos
limitados de cada uma delas e ao capricho das circunstâncias quais
os predomínios deste ou daquele grupo partidário ou a inspiração
pessoal do presidente, em que se pode encontrar a causa mais
próxima da periodicidade das variações nas políticas locais de
educação. O pessoal docente, quase todo constituído de mestres
improvisados, sem nenhuma preparação específica, não melhora as
primeiras escolas normais que se criaram no país. (Azevedo, 1976)
Um outro autor, Anísio Teixeira, um dos mais respeitados estudiosos sobre a educação
brasileira, assim afirmou, confirmando a tese de Azevedo:
Por isto mesmo, quando, com a independência e as idéias então
dominantes de monarquias constitucionais liberais, procurou-se
organizar o País, já com o pensamento na educação do povo
brasileiro, confiou-se esta tarefa às Províncias, deixando-se o sistema
da elite sob a guarda do poder central, afim de se lhe salvaguardar o
caráter anterior. Chamou-se a esse Ato Adicional de 1834 de
descentralizador, quando, na realidade, pelo menos em educação, só
descentralizava algo que não se considerava suficientemente
importante (Teixeira, 1999)
Portanto, como explicitado pelos autores e trechos citados, a literatura sobre História da
Educação no Brasil atribui o fracasso, ou grande parte dele, da educação básica no
século XIX à impossibilidade das províncias de arcarem com as responsabilidades
inerentes ao tema e previstas na Constituição Imperial. Esta impossibilidade estaria
ligada intimamente à situação de penúria fiscal, financeira e econômica vivida pelas
províncias em benefício do fortalecimento do governo central. Teixeira ainda atribui tal
arranjo institucional que passava às províncias a responsabilidade sobre a educação
básica à pouca importância dada pelo país ao tema.
Contudo, algumas considerações retiradas de documentação relacionada ao tema nos
colocam algumas dúvidas sobre tais afirmações, já que mostram uma consciência muito
mais explícita sobre a importância da educação básica do que a afirmação de Teixeira
nos leva a pensar. Vejamos:
“Não há no Império província alguma que conte com tão subido
número de instituições públicas de instrução elementar, exceto a de
Minhas Gerais que, segundo o mapa que acompanhou o relatório da
Inspetoria Geral da Instrução Pública da Corte, anexo ao apresentado
no corrente ano à Câmara dos srs. Deputados pelo excelentíssimo
Ministro do Império, tem 255 escolas.
Proporcionalmente à
população ainda São Paulo leva vantagem nesta parte”. (Relatório da
Instrução Pública, 1857, pelo inspetor geral Diogo de Mendonça
Pinto.)
Claramente, o responsável pela instrução pública de São Paulo usa a questão da
educação básica – que considera em sua província melhor do que nas outras – como
uma vantagem apresentada pela sua província. Alguns anos depois, o presidente de S.
Paulo, ao apresentar uma proposta de revisão das leis relacionadas à educação em sua
província, assim disse:
“E na instrução primária denominada inferior, do primeiro grau ou
elementar, bem pouco adiantados estamos. Aí faltam-nos
principalmente:
Declarar obrigatória a instrução primária. Ao dever do Estado de
propagá-la deve corresponder o direito de exigir dos chefes de família
a matrícula na escola da infância sob seu governo e a permanência
dela aí por todo o prazo preciso a fim de que a cultura da inteligência
e da vontade chegue ao grau que deve se elevar. Não sei com que
ordem de consideração se defende a plena liberdade em cuja posse
vejo esses chefes de mandar ou não seus filhos à escola e de retirar
delas quando lhes apraz. A lei não tolera que o cidadão desbarate os
próprios bens, força-o ao respeito à propriedade, encarando-a como
futuro patrimônio de sua descendência, mas se um pai deserda um
filho de toda a instrução e educação, se assim atenta contra sua sorte,
e portanto o prejudica não nos bens, mas na própria pessoa, a Lei não
se reputa com o direito de intervir, e possuída de respeito diante do
abuso da autoridade paterna, assiste impassível ao estrago insanável
do futuro de uma geração na parte mais preciosa.” (Relatório do
presidente da província de S.Paulo, 1861)
Novamente não reflete uma opinião de alguém que pouca importância dedica à questão
educacional; ao contrário, confirma a hipótese de Lindert sobre a consciência da época
sobre a importância da educação básica para o desenvolvimento das futuras gerações.
Uma declaração semelhante feita pelo presidente da província do Rio Grande do Sul
confirma tal consciência e indica que estava relacionada ao que ocorria em outras partes
do mundo ocidental, desmentindo o suposto descaso dedicado ao tema. Vejamos as
palavras de Rodrigo de Azambuja Villanova, presidente da província gaúcha em 1871:
“Não basta criar escolas, dotá-las com o necessário e provê-las de
bons professores; é preciso que elas sejam freqüentadas, senão pelo
empenho dos pais de família, pela força da lei. (...) É à ignorância do
povo que se deve atribuir o nosso atraso na indústria e na agricultura,
o que nos coloca na retaguarda das províncias que não dispõem de
melhores elementos de prosperidade.”
E também em Pernambuco, tal consciência se manifesta nas palavras do presidente da
província, José Antônio Saraiva, em seu relatório de 1859, quando reivindica maior
investimento público em educação primária. Vejamos:
E nem venha a questão do dinheiro, que não é esta a província que
mais gasta com Instrução pública. Talvez seja a que, em relação aos
seus rendimentos, a que menos despenda para tal fim. Enquanto o
orçamento vigente da Bahia que monta 1.468:816$725 designa
263$000 para este ramo de serviço, o de Pernambuco, que soma
1.516:860$570 à custo consigna...124:743, sendo somente 66:403 para
a instrução pública.
Porém, mesmo sendo às três província a preocupação e a importância dada a questão
educacional, diferenças significativas são vistas quando analisamos quantitativamente o
comportamento de cada uma delas em relação à instrução. As tabelas abaixo mostram
alguns números sobre a educação primária pública das três províncias durante duas
décadas do século XIX, entre 1850 e 1870. Comecemos por São Paulo:
Número de alunos matriculados e de escolas públicas de Instrução primária na província
de S. Paulo, 1850 - 1870
Ano
Nº de alunos
Nº de escolas
1850
Não disponível
163
1851
4225
Não disponível
1852
5375
183
1853
4337****
Não disponível
1854
5001
155
1855
5667
176
1856
5690
188
1857
5847
205
1858
6264
215
1859
6824
219
1860
7254
220
1861
6989
238
1862
5503
238
1863
5503**
246
1864
7232
248
1865
7276
270
1866
7586
Não disponível
1867
Não disponível
Não disponível
1868
Não disponível
Não disponível
1869
Não disponível
348
1870
8859
Não disponível
Fonte: relatórios anuais da Inspetoria da Instrução Pública da Província e Relatórios anuais do presidente
da província de S. Paulo. ** Número que não considera os municípios de Indaiatuba, Juquery, Iguape,
Taubaté, Paraibuna e Capivari, que não mandaram os relatórios. Além disso, “Devo declarar que o
número de meninos e meninas que aprendem atualmente a ler e a escrever não é o normal. Mostra-se
inferior ao dos anos anteriores em razão de se terem fechado recentemente muitas escolas, pela demissão
dada a tudo quanto era professor contratado.” (relatório do Inspetor da Instrução Pública da província de
São Paulo, 1862 e 1863). Os relatórios dos dois anos foram apresentados em conjunto, portanto, não há
informações sobre os números separados por ano (1862 e 1863, respectivamente). **** Não incluídas as
escolas do Paraná, já que no ano anterior foram separadas a província paulista da paranaense.
Vejamos agora os números de Pernambuco:
Número de alunos matriculados e de escolas públicas de Instrução primária na província
de Pernambuco, 1850 - 1870
Ano
Nº de alunos
Nº de escolas
1850
Não Disponível
Não disponível
1851
2.138
Não disponível
1852
2.927
Não disponível
1853
3.278
Não disponível
1854
3.452
Não disponível
1855
3.801
Não disponível
1856
3.636
Não disponível
1857
4.209
Não disponível
1858
5.912
Não disponível
1859
4.430
112
1860
4.568
269*
1861
4703
101
1862
4300
103
1863
4386
106
1864
4658
119
1865
5893
112
1866
6940*
197
1867
8.198
203
1868
6252 (8983)*
217
1869
6239 (9323)*
232
1870
9822
269
Fonte: Relatórios de presidente da província de Pernambuco. * Números apresentados em balanço feito
em 1871, não nos relatórios anuais.
E, finalmente os números do Rio Grande Do Sul:
Número de alunos matriculados e de escolas públicas de Instrução primária na província
do Rio Grande do Sul, 1850 - 1870
Ano
Nº de alunos
Nº de escolas
1850
3532
95
1851
3542
Não disponível
1852
3549
Não disponível
1853
3812
105
1854
3481
121
1855
3764
120
1856
3808
120
1857
4830
144
1858
4120
152
1859
4801
189
1860
5568
Não disponível
1861
5828
154
1862
5416
Não disponível
1863
6012
167
1864
6293
167
1865
6806
Não disponível
1866
5856
187
1867
Não Disponível
206
1868
7286
222
1869
7949
Não disponível
1870
7019
212 (246)*
Fonte: relatórios anuais de presidentes da província do Rio Grande Do Sul e Relatórios da Secretaria da
Instrução Pública do Rio Grande Do Sul (balanço de 1876). * Números dados pelo presidente da
província de Pernambuco, em um exercício de comparação entre as províncias em relatório anual de 1871
e número referente a 1871 retirado de relatório da Secretaria da Instrução Pública do Rio Grande do Sul,
respectivamente.
Como se vê, a trajetória dos números relacionados à educação nos mostra um montante
maior de alunos em escolas públicas de instrução primária em Pernambuco, seguido de
São Paulo e Rio Grande do Sul. Em número de escolas, São Paulo, Pernambuco e Rio
Grande do Sul, Porém, se colocarmos mais três itens perceberemos que tais conclusões
são falsas: a população e o investimento absoluto e o investimento em relação a receita
de cada província. Vejamos:
Estimativas de população livre das províncias de São Paulo, Rio Grande do Sul e
Pernambuco, anos selecionados
Província
Ano
População livre
São Paulo
1858
410.000
Rio Grande do Sul
1858
390.000
Pernambuco
1858
630.000
Fonte: Relatório do presidente da província do Rio Grande do Sul, 1858.
Província
Ano
População livre
São Paulo
1864
600.000
Rio Grande do Sul
1863
315.000
Pernambuco
1861
900.000
Fonte: relatórios dos presidentes das províncias para os casos pernambucano e gaúcho e Relatório da
Inspetoria da Instrução Pública para o caso de S. Paulo.
Alguns anos depois, em 1870, a população livre de S.Paulo era de aproximadamente
800.000 enquanto a de Pernambuco, no mesmo ano, era de aproximadamente
1.000.000. Vejamos a comparação entre anos diferentes da mesma província e a relação
entre população livre, número de alunos e número de escolas públicas de instrução
primária.
Comparação entre anos diferentes para a província de Pernambuco
Ano
População (P)
Nº de Alunos
(A)
Nº de escolas
(E)
P/A
P/E
1858
630.000
5912
112*
106
5625
1861
900.000
4703
238
191
3781
1870
1.000.000
9822
269
101
3717
*Não havia número de escolas disponível para o ano de 1858, então foi usado o número de 1859.
Supondo que de uma não para o outro não há grandes diferenças nestes números e que, mesmo tendo, o
número de escolas seria maior em 1859 do que 1858, a relação é aproximada, porém significativa, não
havendo prejuízo analítico. Fonte: Relatórios de presidentes da província de Pernambuco, anos
selecionados.
Comparação entre anos diferentes para a província de São Paulo
Ano
População (P)
Nº de Alunos
(A)
Nº de escolas
(E)
P/A
P/E
1858
410.000
6264
215
65
1906
1864
600.000
7232
248
83
2419
1870
800.000
8859
348*
90
2298
* Não está disponível o número de escolas em 1870, assim usamos o número relativo a 1869. Como não
há tendência de diminuição do número de escolas, a razão entre a população livre e o número de escolas
deve ser, de fato, menor. Fonte: Relatórios de presidentes da província de S.Paulo, anos selecionados
Comparação entre anos diferentes para a província do Rio Grande do Sul
Ano
População (P)
Nº de Alunos
(A)
Nº de escolas
(E)
P/A
P/E
1858
390.000
4120
152
94
2565
1861
266.000
5828
154
45
1727
1863
315.000
6012
167
52
1886
Fonte: relatórios de presidente da província do Rio Grande do Sul, anos selecionados
Os números referentes à população são frágeis e, por isso, podem ser questionados,
mesmo que como estimativa não parecem comprometer a análise. Para reforçar tal
fragilidade, podemos, em nome da conclusão que tiramos destes números, usar outras
variáveis relacionadas às despesas gerais e aos gastos das províncias em educação
primária.
Tabela de despesas, despesas em obras públicas e educação em Pernambuco, 1860 - 1870
Exercícios
Despesa
Despesas obras
públicas
Despesa/despesa obras
públicas (%)
Despesas
educação
Despesa/despesa
educação (%)
1860-61
1.095:400$932
437:492$481
39
78:440$000
7
1861-62
1.328:519$771
254:386$387
18
82:137$000
6
1862-63
1.233:139$987
338:618$782
27
109:664$000
8
1863-64
1.401:295$005
404:004$121
28
111:149$675
7
1864-65
1.560:533$841
553:441$326
35
124:024$165
8
1865-66
1.831:731$180
527:063$009
28
167:280$000
9
1866-67
1.748:426$919
797:363$127
45
138:593$000
11
1867-68
1.682:381$169
636:141$897
37
228:400$000
13
1868-69
1.865:022$276
486:232$764
26
247:136$665
13
1869-70
2.048:922$396
525:726$266
25
268:880$000
13
Fonte: Balanço feito e exposto no relatório do presidente da província de Pernambuco, Frederico de
Almeida e Albuquerque, em 01 de Abril de 1871.
Tabela de despesas, despesas em obras públicas e educação no Rio Grande do Sul, 1860 1870
Exercício
Despesa
Despesa com
obras públicas
Despesa/despesa
com
obras
públicas (%)
Despesas com
educação
Despesa/despesa
com
educação
(%)
1860-61
843:703$753
68:032$846
8
101:692$566
12
1861-62
960:432$431
51:998$075
5
113:710$817
12
1862-63
1.342:229$717
44:720$958
3,5
163:959$574
12
1863-64
1.285:309$635
64:297$692
5
176:285$685
13,5
1864-65
1.008:283$440
28:201$384
2,5
179:002$785
17,5
1865-66
1.070:628$546
12:750$000
1
173:658$387
16
1866-67
966:527$137
92:427$452
9,5
174:778$372
18
1867-68
1.141:527$406
123:780$630
11
192:033$359
16
1868-69
1.607:881$215
69:253$566
4,5
199:615$162
12,5
1869-70
1.742:629$208
XXXXXXX
XXXXXXXX
229:584$424
13
Fonte: Livros da Tesouraria Provincial
O caso gaúcho é ainda mais destacado na medida em que em praticamente todos os anos
da década de 1860, com exceção dos três primeiros a despesa com educação primária é
a maior entre todos os orçamentos da província. Vejamos:
Ano
Gastos com educação
Gastos força policial
Gastos aparato fiscal
1859-60
135:728$114
132:001$529
137:901$178
1860-61
101:692$566
113:279$388
117:644$806
1861-62
113:710$817
108:838$372
122:527$795
1862-63
163:959$574
123:629$679
135:649$986
1863-64
176:285$685
125:982$705
141:841$124
1864-65
179:002$785
139:449$598
135:725$654
1865-66
173:658$387
102:731$988
137:894$399
1866-67
174:778$372
136:124$542
149:432$160
1867-68
192:033$359
136:591$457
159:881$794
1868-69
199:615$162
144:558$881
165:995$226
1869-70
229:584$424
163:058$050
165:995$226
Fonte: Livros da Tesouraria provincial do Rio Grande do Sul
Conclusão
A centralização do poder político em mãos do governo Imperial durante o século XIX
no Brasil não pode servir de argumento para o pouco envolvimento provincial em
algumas questões consideradas já à época como relevantes, tais como a educação
primária. Isso porque a autonomia provincial, mesmo que tímida, era suficiente para que
cada uma delas mantivesse seus compromissos e obrigações, além de definirem,
individualmente, como dividiam seus orçamentos entre os vários setores sob suas
administrações.
Sendo assim, três províncias foram analisadas em seus gastos com educação primária,
na medida em que educação primária é vista, pela literatura institucional, como um dos
três itens que compõem o que chamamos de instituições inclusivas: a educação
primária, o acesso ao poder político e voto, e o direito de propriedade e distribuição da
riqueza.
Desta forma, os números referentes aos investimentos em educação primária das três
províncias – Rio Grande Do Sul, São Paulo e Pernambuco – mostram claramente a
relevância do tema para as três, com destaque positivo ao Rio Grande do Sul e negativo
a Pernambuco. Os números ligados a quantidade de alunos matriculados, de escolas,
investimentos públicos, mesmo se comparados a outros setores, confirmam uma maior
disposição dos gaúchos em alavancar a instrução primária de sua província vis a vis aos
pernambucanos. O caso paulista, intermediário, mais se aproxima do gaúcho do que do
pernambucano, indicando que a educação primária na província de S. Paulo também
ocupava importante destaque nos gastos públicos provinciais.
Desta forma, tentou-se argumentar que a análise do Império brasileiro a partir da
excessiva centralização não capta as especificidades de cada província, principalmente
porque alguns dos mais relevantes setores e instituições estavam sob suas
responsabilidades, tais como investimento em educação primária, e que tais instituições
s suas trajetórias e especificidades podem estar na origem das diferenças regionais vistas
no país até os dias de hoje.
Bibliografia
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DOLHNIKOFF, Miriam O Pacto Imperial. Origens do federalismo no Brasil. São
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TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
Fontes
Relatórios de presidente de província
Relatório da Inspetoria da Instrução Pública de São Paulo
Livros da Tesouraria da província do Rio Grande do sul
Download

educação básica e diferenças regionais entre as províncias