Educação e desenvolvimento: educação básica e diferenças regionais entre as províncias brasileiras do Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco (1850 – 1870) Vinícius De Bragança Müller e Oliveira1 Resumo A questão educacional e, especificamente, a instrução primária, é vista como fator fundamental para o desenvolvimento econômico de países e regiões. A teoria da História Econômica Institucional aponta que quanto maior o número de indivíduos de uma sociedade com acesso à educação básica ou quanto mais inclusiva for a trajetória de incorporação dos indivíduos à educação básica maior a chance de obtenção de desenvolvimento econômico de longo prazo. No Brasil do século XIX, a responsabilidade sobre a instrução primária estava sob as províncias e não sob o governo central, o que para muitos autores foi motivo de fracasso, já que as províncias poucos recursos tinham para garantir investimentos em setor tão relevante. Porém, este artigo tenta mostrar que, não obstante a pouca autonomia das províncias, era dado a elas a oportunidades de garantir os investimentos sobre suas responsabilidades e, por isso, as diferenças entre elas (Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco) no que tange aos investimentos em educação básica podem ser comparadas. A conclusão é que havia uma grande diferença no tratamento dado pelas províncias analisadas no que respeita os investimentos em instrução primária e que estas diferenças podem ajudar a entender os resultados do desenvolvimento econômico de cada uma delas. Abstract The educational issue and, specifically, the primary statement, is seen as a key factor for economic development of countries and regions. The theory of Institutional economic history suggests that the greater the number of individuals of a society with access to basic education or the more inclusive for the trajectory of incorporation of individuals to basic education increased the chance of obtaining long-term economic development. Brazil in the 19th century responsibility for primary education was under the provinces and not under the central Government, which for many authors was reason of failure, since the provinces had few resources to ensure investments in industry as relevant. However, this article tries to show that, notwithstanding the little autonomy of provinces was given to them the opportunities to ensure investments on their responsibilities and therefore the differences between them (Rio Grande do Sul, São Paulo and Pernambuco) with respect to public investments in primary education can be compared. The conclusion is that there was a big difference in treatment given by the provinces analysed as regards investments in primary education and that these differences can help you understand the results of economic development of each one. 1 Bacharel em História, Mestre em Economia, Doutorando em História Econômica. Professor do Insper, Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, Brasil. Introdução O debate acerca da formação do Estado nacional brasileiro nas primeiras décadas do século XIX em boa parte se concentra em uma tradicional historiografia que indica uma excessiva centralização do poder em mãos do império e a conseqüente fragilidade da autonomia provincial. Esta centralização teria sofrido um pequeno revés durante os anos de 1830, no período conhecido como regencial (1831-40), mas logo readquirido seu papel de principal característica do recém fundado país. Segundo esta historiografia, as tendências descentralistas teriam sido derrotadas em meados do século XIX e só retornaram após 1870, quando o ideal federalista foi reapresentado sob nova roupagem e sob a liderança dos grandes produtores rurais do centro-sul brasileiro. O ambiente institucional e político teria levado ao republicanismo, em parte federalista, caracterizando a organização do país após a proclamação da república em 1889 e, principalmente, após a promulgação da constituição de 1891. Contudo, alguns autores estão, nos últimos anos, propondo uma revisão desta historiografia em virtude de novas pesquisas que indicam a possibilidade de reavaliar se, de fato, a autonomia provincial era tão prejudicada pela centralização excessiva do poder em mãos do império. Os resultados destas pesquisas surpreendem na medida em que mostram que as províncias tinham muito mais liberdade, responsabilidades e investimentos sob suas respectivas administrações do que se pensava. Alguns autores, então, buscam nos últimos anos definir o alcance desta autonomia provincial, especificando o que estava sob responsabilidade das províncias e, mais importante, como as províncias brasileiras usaram esta autonomia em favor de seus desenvolvimentos locais. Em outras palavras, se a autonomia provincial era maior do que muitos admitiam até poucos anos atrás, as decisões que cada uma delas tomou, em variados setores ligados à administração pública, podem guardar relação com a trajetória de desenvolvimento econômico e social de cada uma delas. Estas trajetórias não poderiam ser mais lançadas exclusivamente sob a responsabilidade do governo central do Império Brasileiro, mas sim sob as diferenças impulsionadas pelo uso da autonomia provincial, por cada uma delas, no que tange a qualidade de suas instituições locais. Neste sentido, as instituições locais/provinciais devem ser observadas e comparadas na medida em que definiam, parcialmente, mas de modo relevante, o funcionamento institucional sob sua responsabilidade, ou seja, no limite de sua autonomia. Para tanto, três províncias ganham aqui destaque: Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco. A primeira, no extremo meridional do país, se caracterizou no período por razoável estabilidade econômica ligada à sua tradicional participação no mercado interno, especialmente no comércio de produtos oriundos da criação animal; a segunda província, São Paulo, foi a região de maior crescimento econômico na segunda metade do século XIX devido à expansão da lavoura do café e do aumento da exportação deste produto pelo país; e, finalmente a terceira, Pernambuco, ao contrário, foi um dos casos mais emblemáticos de decadência econômica visto no século XIX brasileiro, já que de uma das regiões mais prósperas do país e uma das duas principais produtoras e exportadoras de cana de açúcar – mais destacado produto brasileiro desde o período colonial – não apresentou a mesma pujança a partir de fins do século XIX e início do XX. Participação da receita arrecadada na Corte e nas províncias na receita geral do Império (%) Período Rio Grande do Sul São Paulo Pernambuco 1840-49 6,91 2,13 12,64 1850-59 5,40 2,15 14,39 1860-69 5,92 3,39 13,58 1870-79 5,33 5,02 10,50 1880-89 4,97 8,40 8,88 Fonte: Ministério da Fazenda. Balanço da Receita e Despesa do Império, citado por Diniz, 2002. A tabela mostra a participação de cada província aqui tratada na receita geral do Império, o que demonstra a ascensão de S. Paulo, a estabilidade do Rio Grande do Sul e a decadência de Pernambuco. O que se propõem, então, é uma análise sobre a autonomia destas províncias e o uso que fizeram desta autonomia em relação aos gastos públicos. Dá-se, neste estudo, especial atenção aos gastos públicos em educação básica (instrução primária), setor que, segundo a Constituição Imperial, estava sob responsabilidade das províncias. Também porque a questão educacional é vista por autores ligados à escola da Nova Economia Institucional (NEI) como sendo uma das mais relevantes instituições de um país e/ou região. Sobre isso, a abordagem institucional apresentada por Engerman e Sokoloff é usada na medida em que definem instituições como sendo mais ou menos inclusivas, ou seja, que absorvem ou garantem acesso aos seus benefícios maiores ou menores contingentes populacionais. Os autores exemplificam esta questão a partir de três itens - acesso a educação básica, acesso ao sufrágio e acesso à propriedade privada - e na relação entre maior ou menor inclusão institucional e desenvolvimento econômico. Em resumo, o artigo apresenta uma comparação entre três províncias brasileiras que, durante o século XIX, mostraram trajetórias econômicas diferentes entre si, e identificar como a questão educacional – instituição central para o desenvolvimento de longo prazo de uma região, segundo Engerman e Sokoloff – foi tratada por cada uma delas, assumindo que a autonomia provincial no Brasil Império era maior do que a tradicional historiografia sobre o tema, em geral, admite. Tal comparação pode lançar luz sobre o entendimento das diferenças entre regiões brasileiras no que tange ao desenvolvimento econômico de longo prazo. O debate entre centralização e descentralização no Império brasileiro e a autonomia das províncias Parte da historiografia sobre o período imperial brasileiro admite que a divisão de competências fiscais feita pela Constituição de 1824 e pelos ajustes e reformas que se seguiram eram favoráveis ao governo central e, no limite, inviabilizavam a sobrevivência autônoma das províncias. Tal visão é compartilhada por um grupo de estudiosos que, em casos extremos, como Diniz, explicita a relação de espólio entre o governo central, o Império, e as províncias, quando diz: “Com efeito, os dados do Balanço demonstram que, a partir da década de 1830, a estrutura financeira do Império funcionou eficientemente no processo de apropriação da renda produzida nas províncias, principalmente Pernambuco, Bahia, Maranhão, Pará, São Paulo e Rio de Janeiro. Em conjunto, essas províncias forneceram 126,65 milhões de libras em tributos ao Império e receberam 58,70 milhões de libras sob a forma de recursos nelas despendidos; a diferença em favor do Governo Geral foi, portanto, de 67,95 milhões de libras. (...) Mas, além do caso dessas províncias que forneceram recursos sistematicamente ao Governo Geral, aquelas províncias mais carentes, caso aumentassem o volume de impostos gerados, também teriam parte de sua renda remetida para a sede do poder central do Império.” (Diniz, 2002) Outros, como Cabral de Melo, estabelece uma relação amparada na idéia de pouca, quase nenhuma autonomia provincial e que, portanto, as diferenças entre elas devem-se ao modo que os recursos eram distribuídos pelo governo central entre as províncias. A conclusão é que as províncias favorecidas pela distribuição dos recursos pelo governo central apresentaram bons resultados durante o império em detrimento daquelas que foram prejudicadas. Mais do que isso, Cabral de Melo afirma que: “é inegável que, durante todo o Segundo Reinado, verificou-se uma transferência líquida de recursos do norte para o sul, sob forma de movimento de fundos governamentais; e que o Império assentou-se num processo de espoliação que no norte se aparentou bastante a uma situação do colonial do tipo clássico, isto é, do tipo fiscal.”(Cabral de Melo, 1999) Diniz, concordando com a esta perspectiva de Cabral de melo, afirma que: A situação de permanente exação fiscal das províncias assemelhava-se, para os contemporâneos e opositores da centralização, a uma situação de tipo colonial. (Diniz, 2002) Esta perspectiva historiográfica se ampara, e neste sentido é pertinente, na divisão de responsabilidades fiscais que, de fato, privilegiava o governo central. O que se discute é a relação entre a fatia disponível às províncias, suas obrigações e a capacidade que cada uma delas tinha de administrar sua parcial autonomia. Esta diferença pode ser vista, medida e qualificada se considerarmos que, mesmo sendo pequena a fatia fiscal à disposição das províncias, ela era suficiente para garantir as responsabilidades definidas às províncias, gerar superávit e, portanto, determinar investimentos. Uma hipótese complementar defendida por parte da historiografia sobre o período é a que versa sobre a necessidade política de aproximação entre os defensores de maior descentralização e os partidários da centralização excessiva em virtude da manutenção da unidade territorial e, principalmente, do tráfico de escravos. Esta perspectiva mais próxima da história política do Brasil, tem como premissa que a pequena descentralização promovida durante a década de 1840 – associada ao grupo e depois Partido Liberal – foi uma das responsáveis pelo aumento das revoltas separatistas ou suficientemente violentas na ação contrária à centralização política do país que colocou em risco a unidade territorial. Sobre isso, comenta Bosi: “Nessa altura, os cafeicultores (i.e. valeparaibanos, então novo pólo de desenvolvimento da lavoura para a exportação), almejavam um Estado forte, uma administração coesa e prestante ou, nos seus repetidos termos, precisavam manter a unidade nacional. Foi a bandeira do Regresso (movimento de centralização política de meados das décadas de 1830 e 1840). O padre Feijó, renunciando ao cargo de regente em meio a dificuldades extremas, fizera perigar o cumprimento desse desígnio, na medida em que supunha ser inevitável a tendência separatista de algumas províncias, como Pernambuco e Rio Grande do Sul” (Bosi, 1993) O argumento é reforçado por uma famosa intervenção de um importante personagem da época, Bernardo Pereira de Vasconcelos, que disse: “Fui liberal (i.e. defensor da descentralização), então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis, nas idéias práticas; o poder era tudo; fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram: a sociedade, que então corria o risco pelo poder, corre agora o risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la, quero salvá-la, e por isso sou regressista. Não sou trânsfuga, não abandono a causa que defendi no dia de seus perigos, da sua fraqueza, deixo-a no dia em que tão seguro é o triunfo que até o excesso a compromete” (citado por Bosi, 1993) Complementando, além da unidade territorial que teria sido ameaçada pela descentralização da década de 1830 e, por isso, tal movimento centrífugo teria sido abortado logo depois pelo chamado „regresso conservador‟, a manutenção da oferta de escravos era vista como sub-produto da capacidade de o Estado Brasileiro de se posicionar no jogo internacional comandado pela Grã-Bretanha, abertamente contrária ao tráfico de escravos africanos. Desta forma, argumenta-se, o enfraquecimento do poder central ante o aumento dos poderes provinciais no Brasil tornaria ainda mais vulnerável a posição brasileira relacionada à manutenção da oferta de escravos e, viceversa, o fortalecimento do poder central ampliaria a possibilidade do país em manter o tráfico ativo. Esta posição é muito bem argumentada por Bosi, que afirma sobre as palavras de Bernardo Pereira de Vasconcelos: “Em outras palavras, o discurso quer dizer: a política de centralização é o antídoto necessário a uma divisão do país, que por seu turno (e aí vem a razão calada), seria fatal ao novo centro econômico valparaibano” (Bosi, 2002) E, por fim, complementa: “Tudo se apresenta imbricado: o centralismo se diz nacional e vale-se do Exército, que toma vulto no período; o tráfico é utilíssimo à expansão do café, enfim, O partido da Ordem abraça todas essas bandeiras...” (Bosi, 2002) Contudo, há uma historiografia vem sendo produzida na última década que, por mais que aceite a centralização política e fiscal em mãos do governo imperial como uma característica do Estado brasileiro durante o século XIX, argumenta que tal centralização não foi fator para que as províncias vivessem em estado de penúria e/ou que fossem tão dependentes dos repasses do governo central.Portanto, não concluem que a relativa autonomia provincial era próxima de nula. Ao contrário, tal autonomia seria real e pode ser vista como fator de desenvolvimento das províncias sem a manutenção de relações com aquilo que cada uma delas recebia do governo central. O principal trabalho associado a esta nova abordagem da formação brasileira e do relacionamento entre a autonomia provincial e a centralização imperial é de Dolhnikoff, que afirma: “A autonomia provincial incidia sobre a tributação, as decisões referentes a empregos provinciais e municipais, obras públicas, força policial, de modo que os governos das províncias dispunham de capacidade financeira para autonomamente decidir sobre investimentos em áreas vitais para a expansão econômica, o exercício da força coercitiva e o controle de parte da máquina pública.” (Dolhnikoff, 2005) Com as mesmas conclusões, relativas à autonomia provincial durante o império brasileiro, Oliveira diz: “A divisão das atribuições fiscais entre o governo imperial e as províncias, feita pelo Ato Adicional de 1834, não foi modificada durante o processo de centralização do poder político e administrativo que se seguiu ao „avanço liberal‟. Dessa forma, os direitos adquiridos pelas províncias não se alteraram, permanecendo aqueles que foram determinados pela descentralização de 1834. Isso significa que, não obstante a maior parte das rendas fiscais ser de direito do governo central, às províncias sobraram alguns direitos que possibilitavam relativa autonomia no que tange a arrecadação, os gastos e os investimentos. No caso de S.Paulo, foi possível à província viver um período de crescimento – fosse na arrecadação, fosse na produção e exportação agrícola.” (Oliveira, 2007) Portanto, assumir que as províncias não tinham capacidade de garantir o cumprimento daquilo que estava sob sua responsabilidade parece um exagero se considerarmos que, mesmo sendo pequena a fatia fiscal destinada às províncias, era suficiente para arcar com suas contas e investimentos. Desta forma, estava sob responsabilidades das províncias o manejo de recursos destinados aos setores que definiam como prioridades e tais definições podem estar na origem das vantagens ou dificuldades que as províncias tiveram em seu desenvolvimento de longo prazo. A questão educacional: a teoria institucionalista aplicada ao Império Brasileiro A abordagem institucional, em sua mais recente vertente, ficou consagrada a partir dos estudos do economista Douglass North e sua inspiração na economia neoclássica. North, ganhador do Nobel de Economia em 1993, em conjunto com outro economista, o norte-americano Robert Fogel, consolidou uma nova abordagem teórica que tenta aproximar os estudos econômicos e a história nos moldes da economia neoclássica, e não mais entre as abordagens consideradas heterodoxas. Desta forma e, exatamente por isso, North é um dos fundadores da chamada Nova Economia Institucional (doravante, NEI), muito influente nas últimas décadas entre inúmeros estudiosos do desenvolvimento econômico. Entre os princípios que norteiam os estudos da NEI estão aqueles listados por North, quais sejam: a economia de mercado, em sua abordagem neoclássica – ou seja, agentes econômicos e racionais que tomam decisões que buscam a maximização dos resultados – é válida para situações extremas nas quais os custos de transação e de obtenção de informações são nulos e, portanto, os agentes tem toda a racionalidade possível; porém, como esta situação não é vivida, os agentes não tem todas as informações possíveis e, portanto, sua racionalidade é limitada; sendo assim, as instituições, ou seja, as regras e leis (instituições formais) e os costumes (instituições informais) são importantes na medida em que podem diminuir os custos de transação e de obtenção de informações, fazendo com que os agentes cheguem mais próximos ao que seria desejável em sua atuação econômica; além disso, as instituições são responsáveis pelos estímulos aos agentes econômicos, principalmente aquelas que legislam sobre os direitos de propriedade. Em síntese, define North: Institutions are the rules of the game in a society or, more formally, are the humanly devised constraints that shape human interaction. In consequence they structure incentives in human exchange, whether political, social, or economic. Institutional change shapes the way societies evolve through time and hence is the key to understanding historical change. (…) Institutions affect the performance of the economy by their effect on the costs of exchange and production. Together with the technology employed, determine the transaction and transformation (production) costs that make up total costs. (North, 1982) Em complemento, mas não menos importante, North ainda considera que as sociedades que historicamente desenvolveram instituições melhores – ou seja, que facilitam a ação dos agentes econômicos ao diminuírem os custos de transação, de obtenção de informações e garantindo o direito de propriedade – apresentam, em prazos alongados, melhor desenvolvimento econômico. Assim, apresenta como justificativas para o melhor desenvolvimento econômico de um país ou região as instituições criadas e, mais importante, as trajetórias institucionais vivenciadas. Desta forma, North busca em momentos específicos da História (momentos de criação de uma instituição) e no conflito entre mudanças e permanências (as trajetórias institucionais de cada país ou região), as explicações para o desenvolvimento econômico desigual apresentado por países e regiões diferentes. A partir das definições de North, outros autores usaram e ampliaram os conceitos relacionados à economia institucional. A mais relevante, para este trabalho, é a classificação das instituições historicamente construídas e suas respectivas trajetórias como inclusivas ou não-inclusivas. Na verdade, algumas instituições, segundo tal classificação, são mais ou menos inclusivas na medida em que privilegiam ou reconhecem contingentes maiores da população de um país ou região. Seriam instituições passíveis de serem classificadas a partir destas qualificações o direito ao sufrágio, o acesso à propriedade e à educação. Em outras palavras, o direito ao sufrágio é uma instituição que pode ser mais ou menos inclusiva, sendo que é mais quando é universal e menos quando restrito a uma pequena parcela da população; assim como o acesso à propriedade e à educação. E, segundo muitos autores, o desenvolvimento econômico de um país ou região, em prazos mais alongados, guarda uma relação positiva com as instituições e seus graus de inclusividade: quanto maior for a inclusão de contingentes populacionais e maior for seu acesso à propriedade, escolaridade/educação e direito ao voto, maior será o desenvolvimento econômico desta sociedade se comparada a outras com instituições cuja trajetória não se caracteriza pela inclusão de grande parte da população. Alguns trabalhos são esclarecedores sobre tais definições. Vejamos o que dizem os historiadores econômicos Engerman e Sokoloff, sobre as relações entre desenvolvimento institucional e desenvolvimento econômico comparando regiões diferentes do continente americano: More specifically, in societies that began with extreme inequality, the elites were both inclined and able to establish a basic legal framework that ensured them a disproportionate share of political power and to use that influence to establish rules, laws, and other government policies that gave them greater access to economic opportunities than the rest of the population, thereby contributing to the persistence of the high degree of inequality. In societies that began with greater equality in wealth and human capital or homogeneity among the population, the elites were either less able or less inclined to institutionalize rules, laws, and other government policies that grossly advantaged them, and thus the institutions that evolved tended to provide more equal treatment and opportunities, thereby contributing to the persistence of the relatively high degree of equality. (…)Although much work needs to be done, our findings from comparative studies of suffrage, public land, schooling, and other institutions in the perhaps limited context of the Americas are consistent with the notion that those societies that began with more extreme inequality or heterogeneity in the population were more likely to develop structures that advantaged members of elite classes by providing them with relatively more political influence or access to economic opportunities. (Engerman & Sokoloff, 2002) Também Acemoglu e Robinson, dois dos mais destacados estudiosos de economia institucional: Inclusive institutions tend to create a level playing field in business, in markets and in education, while extractive institutions often create inequities that run deep. In most societies with extractive institutions, only the lucky few have access to education, and the ability to start and operate businesses and reach high levels of economic and social success. (Acemoglu & Robinson, 2009) Um outro autor, Peter Lindert, sobre a possibilidade de relacionarmos investimento em educação primária e desenvolvimento econômico, recentemente escreveu: The second kind of social spending emerged in the nineteenth century. Country after country turned toward tax revenues as a basis for launching or expanding schools, especially primary schools. Yet some countries took far longer than others to develop universal primary schooling – and most countries have deficient primary education even today. These differences in basic schooling have long been recognized as one of the keys to global income inequalities.1 Of all the kinds of public spending considered in this book, expenditures on public schooling are the most positively productive in the sense of raising national product per capita. Here we concentrate on primary public education, the kind of education that involves the greatest shift of resources from upper income groups to the poor. (Lindert, 2004) Portanto, o que podemos concluir é que as instituições importam para o entendimento da trajetória histórica que aponta um maior ou menor desenvolvimento econômico de um país ou região e que, na medida em que pensamos as instituições como inclusivas ou não, aqueles que criam e desenvolvem instituições que precipitam maior acesso – ou de um número maior de pessoas – à propriedade, ao direito ao sufrágio e à educação/escolaridade, tendem a apresentar, no tempo, maior desenvolvimento econômico. Em nosso caso, então, o lugar que ocupava a educação – instituição que, sendo inclusiva, pode ajudar a determinar trajetória de desenvolvimento econômico de um país ou região – pôde ser determinante para o desenvolvimento de diferenças regionais no Brasil. E, ainda sobre a citação de Lindert, a diferença em investimento em educação primária entre os países é característica do século XIX. Em outras palavras, o investimento em educação primária já era no século XIX visto como fundamental ao desenvolvimento econômico pelas nações em desenvolvimento. O debate sobre educação primária no Brasil e a situação das províncias: Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco Existem inúmeros trabalhos que tratam das condições apresentadas pela sociedade e pela legislação brasileira imperial a respeito da educação básica. A maior parte tangencia quatro questões de capital importância, quais sejam: a incorporação da obrigatoriedade do ensino básico na Constituição de 1824 e as reformas constitucionais que , de algum modo – direta ou indiretamente – afetaram a questão educacional; a carência de um projeto educacional unificado ou nacional, o que enfraquecia a possibilidade de sucesso do processo educacional brasileiro; a aparente contradição entre educação básica e uma sociedade escravista e radicalmente desigual, o que teria precipitado um baixo investimento em educação básica (voltada às camadas menos favorecidas da população) em benefício da educação superior (voltada à elite); e o equívoco institucional em deixar o investimento em educação básica em mãos das províncias, dado que estas eram bastante vulneráveis economicamente ante um desproporcional poder econômico controlado pelo governo imperial. Os quatro itens apresentam certa coerência se tratados em conjunto, já que mesmo legalmente incluída na Constituição de 1824, a obrigatoriedade de oferta de ensino básico pressupunha uma estrutura burocrática incompatível com o momento histórico vivido pelo país, ou seja, um país recém independente que carecia tanto de experiência quanto de, principalmente, capital humano para a formação do funcionalismo público que garantisse e verificasse tal obrigatoriedade. A inclusão do ensino básico na Carta de 1824 devia-se, principalmente, a uma quase isolada influência que os princípios e conseqüências do processo iluminista-liberal europeu exercia sobre o monarca brasileiro, D. Pedro; contudo, influência que não caracterizava de modo geral o governo imperial, dada a sua inclinação ao centralismo e, para alguns, absolutismo. Um agravante da situação fora a reforma de 1834, conhecida como Ato Adicional. Nele, a responsabilidade sobre a oferta de ensino básico recaía sobre as províncias, que, com orçamentos reduzidíssimos, não teriam condições nem de efetivar os investimentos em educação, muito menos de verificar sua efetividade. Isso só mostrava o pouco caso que se fazia da educação básica, voltada aos grupos menos favorecidos e incompatível com a escravidão, reflexo de uma sociedade desigual, elitista e que, de modo algum – sob a leitura institucional – promovia instituições inclusivas. Ao contrário do ensino superior, em mãos do governo Imperial e, portanto, coeso, pensado estrategicamente e voltado às elites dirigentes e burocráticas do país, o ensino básico sofreria de inanição, na mesma proporção de sua insignificância para as elites provinciais – preocupadas com questões menores envolvendo poderes e favores locais – e da insignificância dos orçamentos voltados a ela, dada a estrutura institucional equivocada que deixava às províncias – falidas e dependentes dos recursos que recebiam do governo central – a responsabilidade sobre tema tão relevante para o desenvolvimento econômico e social de longo prazo. Tais conclusões aparecem de modo inequívoco em algumas das obras mais destacadas e usadas como referências bibliográficas sobre o tema. Interessa-nos em especial o item sobre o possível equívoco institucional em deixar a responsabilidade sobre a educação primária em mãos das províncias. Eis um trecho retirado de uma obra de referência sobre o tema: A Instrução primária, confiada às províncias, vai-se organizando por um sistema de tentativas e erros, em conformidade com os recursos limitados de cada uma delas e ao capricho das circunstâncias quais os predomínios deste ou daquele grupo partidário ou a inspiração pessoal do presidente, em que se pode encontrar a causa mais próxima da periodicidade das variações nas políticas locais de educação. O pessoal docente, quase todo constituído de mestres improvisados, sem nenhuma preparação específica, não melhora as primeiras escolas normais que se criaram no país. (Azevedo, 1976) Um outro autor, Anísio Teixeira, um dos mais respeitados estudiosos sobre a educação brasileira, assim afirmou, confirmando a tese de Azevedo: Por isto mesmo, quando, com a independência e as idéias então dominantes de monarquias constitucionais liberais, procurou-se organizar o País, já com o pensamento na educação do povo brasileiro, confiou-se esta tarefa às Províncias, deixando-se o sistema da elite sob a guarda do poder central, afim de se lhe salvaguardar o caráter anterior. Chamou-se a esse Ato Adicional de 1834 de descentralizador, quando, na realidade, pelo menos em educação, só descentralizava algo que não se considerava suficientemente importante (Teixeira, 1999) Portanto, como explicitado pelos autores e trechos citados, a literatura sobre História da Educação no Brasil atribui o fracasso, ou grande parte dele, da educação básica no século XIX à impossibilidade das províncias de arcarem com as responsabilidades inerentes ao tema e previstas na Constituição Imperial. Esta impossibilidade estaria ligada intimamente à situação de penúria fiscal, financeira e econômica vivida pelas províncias em benefício do fortalecimento do governo central. Teixeira ainda atribui tal arranjo institucional que passava às províncias a responsabilidade sobre a educação básica à pouca importância dada pelo país ao tema. Contudo, algumas considerações retiradas de documentação relacionada ao tema nos colocam algumas dúvidas sobre tais afirmações, já que mostram uma consciência muito mais explícita sobre a importância da educação básica do que a afirmação de Teixeira nos leva a pensar. Vejamos: “Não há no Império província alguma que conte com tão subido número de instituições públicas de instrução elementar, exceto a de Minhas Gerais que, segundo o mapa que acompanhou o relatório da Inspetoria Geral da Instrução Pública da Corte, anexo ao apresentado no corrente ano à Câmara dos srs. Deputados pelo excelentíssimo Ministro do Império, tem 255 escolas. Proporcionalmente à população ainda São Paulo leva vantagem nesta parte”. (Relatório da Instrução Pública, 1857, pelo inspetor geral Diogo de Mendonça Pinto.) Claramente, o responsável pela instrução pública de São Paulo usa a questão da educação básica – que considera em sua província melhor do que nas outras – como uma vantagem apresentada pela sua província. Alguns anos depois, o presidente de S. Paulo, ao apresentar uma proposta de revisão das leis relacionadas à educação em sua província, assim disse: “E na instrução primária denominada inferior, do primeiro grau ou elementar, bem pouco adiantados estamos. Aí faltam-nos principalmente: Declarar obrigatória a instrução primária. Ao dever do Estado de propagá-la deve corresponder o direito de exigir dos chefes de família a matrícula na escola da infância sob seu governo e a permanência dela aí por todo o prazo preciso a fim de que a cultura da inteligência e da vontade chegue ao grau que deve se elevar. Não sei com que ordem de consideração se defende a plena liberdade em cuja posse vejo esses chefes de mandar ou não seus filhos à escola e de retirar delas quando lhes apraz. A lei não tolera que o cidadão desbarate os próprios bens, força-o ao respeito à propriedade, encarando-a como futuro patrimônio de sua descendência, mas se um pai deserda um filho de toda a instrução e educação, se assim atenta contra sua sorte, e portanto o prejudica não nos bens, mas na própria pessoa, a Lei não se reputa com o direito de intervir, e possuída de respeito diante do abuso da autoridade paterna, assiste impassível ao estrago insanável do futuro de uma geração na parte mais preciosa.” (Relatório do presidente da província de S.Paulo, 1861) Novamente não reflete uma opinião de alguém que pouca importância dedica à questão educacional; ao contrário, confirma a hipótese de Lindert sobre a consciência da época sobre a importância da educação básica para o desenvolvimento das futuras gerações. Uma declaração semelhante feita pelo presidente da província do Rio Grande do Sul confirma tal consciência e indica que estava relacionada ao que ocorria em outras partes do mundo ocidental, desmentindo o suposto descaso dedicado ao tema. Vejamos as palavras de Rodrigo de Azambuja Villanova, presidente da província gaúcha em 1871: “Não basta criar escolas, dotá-las com o necessário e provê-las de bons professores; é preciso que elas sejam freqüentadas, senão pelo empenho dos pais de família, pela força da lei. (...) É à ignorância do povo que se deve atribuir o nosso atraso na indústria e na agricultura, o que nos coloca na retaguarda das províncias que não dispõem de melhores elementos de prosperidade.” E também em Pernambuco, tal consciência se manifesta nas palavras do presidente da província, José Antônio Saraiva, em seu relatório de 1859, quando reivindica maior investimento público em educação primária. Vejamos: E nem venha a questão do dinheiro, que não é esta a província que mais gasta com Instrução pública. Talvez seja a que, em relação aos seus rendimentos, a que menos despenda para tal fim. Enquanto o orçamento vigente da Bahia que monta 1.468:816$725 designa 263$000 para este ramo de serviço, o de Pernambuco, que soma 1.516:860$570 à custo consigna...124:743, sendo somente 66:403 para a instrução pública. Porém, mesmo sendo às três província a preocupação e a importância dada a questão educacional, diferenças significativas são vistas quando analisamos quantitativamente o comportamento de cada uma delas em relação à instrução. As tabelas abaixo mostram alguns números sobre a educação primária pública das três províncias durante duas décadas do século XIX, entre 1850 e 1870. Comecemos por São Paulo: Número de alunos matriculados e de escolas públicas de Instrução primária na província de S. Paulo, 1850 - 1870 Ano Nº de alunos Nº de escolas 1850 Não disponível 163 1851 4225 Não disponível 1852 5375 183 1853 4337**** Não disponível 1854 5001 155 1855 5667 176 1856 5690 188 1857 5847 205 1858 6264 215 1859 6824 219 1860 7254 220 1861 6989 238 1862 5503 238 1863 5503** 246 1864 7232 248 1865 7276 270 1866 7586 Não disponível 1867 Não disponível Não disponível 1868 Não disponível Não disponível 1869 Não disponível 348 1870 8859 Não disponível Fonte: relatórios anuais da Inspetoria da Instrução Pública da Província e Relatórios anuais do presidente da província de S. Paulo. ** Número que não considera os municípios de Indaiatuba, Juquery, Iguape, Taubaté, Paraibuna e Capivari, que não mandaram os relatórios. Além disso, “Devo declarar que o número de meninos e meninas que aprendem atualmente a ler e a escrever não é o normal. Mostra-se inferior ao dos anos anteriores em razão de se terem fechado recentemente muitas escolas, pela demissão dada a tudo quanto era professor contratado.” (relatório do Inspetor da Instrução Pública da província de São Paulo, 1862 e 1863). Os relatórios dos dois anos foram apresentados em conjunto, portanto, não há informações sobre os números separados por ano (1862 e 1863, respectivamente). **** Não incluídas as escolas do Paraná, já que no ano anterior foram separadas a província paulista da paranaense. Vejamos agora os números de Pernambuco: Número de alunos matriculados e de escolas públicas de Instrução primária na província de Pernambuco, 1850 - 1870 Ano Nº de alunos Nº de escolas 1850 Não Disponível Não disponível 1851 2.138 Não disponível 1852 2.927 Não disponível 1853 3.278 Não disponível 1854 3.452 Não disponível 1855 3.801 Não disponível 1856 3.636 Não disponível 1857 4.209 Não disponível 1858 5.912 Não disponível 1859 4.430 112 1860 4.568 269* 1861 4703 101 1862 4300 103 1863 4386 106 1864 4658 119 1865 5893 112 1866 6940* 197 1867 8.198 203 1868 6252 (8983)* 217 1869 6239 (9323)* 232 1870 9822 269 Fonte: Relatórios de presidente da província de Pernambuco. * Números apresentados em balanço feito em 1871, não nos relatórios anuais. E, finalmente os números do Rio Grande Do Sul: Número de alunos matriculados e de escolas públicas de Instrução primária na província do Rio Grande do Sul, 1850 - 1870 Ano Nº de alunos Nº de escolas 1850 3532 95 1851 3542 Não disponível 1852 3549 Não disponível 1853 3812 105 1854 3481 121 1855 3764 120 1856 3808 120 1857 4830 144 1858 4120 152 1859 4801 189 1860 5568 Não disponível 1861 5828 154 1862 5416 Não disponível 1863 6012 167 1864 6293 167 1865 6806 Não disponível 1866 5856 187 1867 Não Disponível 206 1868 7286 222 1869 7949 Não disponível 1870 7019 212 (246)* Fonte: relatórios anuais de presidentes da província do Rio Grande Do Sul e Relatórios da Secretaria da Instrução Pública do Rio Grande Do Sul (balanço de 1876). * Números dados pelo presidente da província de Pernambuco, em um exercício de comparação entre as províncias em relatório anual de 1871 e número referente a 1871 retirado de relatório da Secretaria da Instrução Pública do Rio Grande do Sul, respectivamente. Como se vê, a trajetória dos números relacionados à educação nos mostra um montante maior de alunos em escolas públicas de instrução primária em Pernambuco, seguido de São Paulo e Rio Grande do Sul. Em número de escolas, São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul, Porém, se colocarmos mais três itens perceberemos que tais conclusões são falsas: a população e o investimento absoluto e o investimento em relação a receita de cada província. Vejamos: Estimativas de população livre das províncias de São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco, anos selecionados Província Ano População livre São Paulo 1858 410.000 Rio Grande do Sul 1858 390.000 Pernambuco 1858 630.000 Fonte: Relatório do presidente da província do Rio Grande do Sul, 1858. Província Ano População livre São Paulo 1864 600.000 Rio Grande do Sul 1863 315.000 Pernambuco 1861 900.000 Fonte: relatórios dos presidentes das províncias para os casos pernambucano e gaúcho e Relatório da Inspetoria da Instrução Pública para o caso de S. Paulo. Alguns anos depois, em 1870, a população livre de S.Paulo era de aproximadamente 800.000 enquanto a de Pernambuco, no mesmo ano, era de aproximadamente 1.000.000. Vejamos a comparação entre anos diferentes da mesma província e a relação entre população livre, número de alunos e número de escolas públicas de instrução primária. Comparação entre anos diferentes para a província de Pernambuco Ano População (P) Nº de Alunos (A) Nº de escolas (E) P/A P/E 1858 630.000 5912 112* 106 5625 1861 900.000 4703 238 191 3781 1870 1.000.000 9822 269 101 3717 *Não havia número de escolas disponível para o ano de 1858, então foi usado o número de 1859. Supondo que de uma não para o outro não há grandes diferenças nestes números e que, mesmo tendo, o número de escolas seria maior em 1859 do que 1858, a relação é aproximada, porém significativa, não havendo prejuízo analítico. Fonte: Relatórios de presidentes da província de Pernambuco, anos selecionados. Comparação entre anos diferentes para a província de São Paulo Ano População (P) Nº de Alunos (A) Nº de escolas (E) P/A P/E 1858 410.000 6264 215 65 1906 1864 600.000 7232 248 83 2419 1870 800.000 8859 348* 90 2298 * Não está disponível o número de escolas em 1870, assim usamos o número relativo a 1869. Como não há tendência de diminuição do número de escolas, a razão entre a população livre e o número de escolas deve ser, de fato, menor. Fonte: Relatórios de presidentes da província de S.Paulo, anos selecionados Comparação entre anos diferentes para a província do Rio Grande do Sul Ano População (P) Nº de Alunos (A) Nº de escolas (E) P/A P/E 1858 390.000 4120 152 94 2565 1861 266.000 5828 154 45 1727 1863 315.000 6012 167 52 1886 Fonte: relatórios de presidente da província do Rio Grande do Sul, anos selecionados Os números referentes à população são frágeis e, por isso, podem ser questionados, mesmo que como estimativa não parecem comprometer a análise. Para reforçar tal fragilidade, podemos, em nome da conclusão que tiramos destes números, usar outras variáveis relacionadas às despesas gerais e aos gastos das províncias em educação primária. Tabela de despesas, despesas em obras públicas e educação em Pernambuco, 1860 - 1870 Exercícios Despesa Despesas obras públicas Despesa/despesa obras públicas (%) Despesas educação Despesa/despesa educação (%) 1860-61 1.095:400$932 437:492$481 39 78:440$000 7 1861-62 1.328:519$771 254:386$387 18 82:137$000 6 1862-63 1.233:139$987 338:618$782 27 109:664$000 8 1863-64 1.401:295$005 404:004$121 28 111:149$675 7 1864-65 1.560:533$841 553:441$326 35 124:024$165 8 1865-66 1.831:731$180 527:063$009 28 167:280$000 9 1866-67 1.748:426$919 797:363$127 45 138:593$000 11 1867-68 1.682:381$169 636:141$897 37 228:400$000 13 1868-69 1.865:022$276 486:232$764 26 247:136$665 13 1869-70 2.048:922$396 525:726$266 25 268:880$000 13 Fonte: Balanço feito e exposto no relatório do presidente da província de Pernambuco, Frederico de Almeida e Albuquerque, em 01 de Abril de 1871. Tabela de despesas, despesas em obras públicas e educação no Rio Grande do Sul, 1860 1870 Exercício Despesa Despesa com obras públicas Despesa/despesa com obras públicas (%) Despesas com educação Despesa/despesa com educação (%) 1860-61 843:703$753 68:032$846 8 101:692$566 12 1861-62 960:432$431 51:998$075 5 113:710$817 12 1862-63 1.342:229$717 44:720$958 3,5 163:959$574 12 1863-64 1.285:309$635 64:297$692 5 176:285$685 13,5 1864-65 1.008:283$440 28:201$384 2,5 179:002$785 17,5 1865-66 1.070:628$546 12:750$000 1 173:658$387 16 1866-67 966:527$137 92:427$452 9,5 174:778$372 18 1867-68 1.141:527$406 123:780$630 11 192:033$359 16 1868-69 1.607:881$215 69:253$566 4,5 199:615$162 12,5 1869-70 1.742:629$208 XXXXXXX XXXXXXXX 229:584$424 13 Fonte: Livros da Tesouraria Provincial O caso gaúcho é ainda mais destacado na medida em que em praticamente todos os anos da década de 1860, com exceção dos três primeiros a despesa com educação primária é a maior entre todos os orçamentos da província. Vejamos: Ano Gastos com educação Gastos força policial Gastos aparato fiscal 1859-60 135:728$114 132:001$529 137:901$178 1860-61 101:692$566 113:279$388 117:644$806 1861-62 113:710$817 108:838$372 122:527$795 1862-63 163:959$574 123:629$679 135:649$986 1863-64 176:285$685 125:982$705 141:841$124 1864-65 179:002$785 139:449$598 135:725$654 1865-66 173:658$387 102:731$988 137:894$399 1866-67 174:778$372 136:124$542 149:432$160 1867-68 192:033$359 136:591$457 159:881$794 1868-69 199:615$162 144:558$881 165:995$226 1869-70 229:584$424 163:058$050 165:995$226 Fonte: Livros da Tesouraria provincial do Rio Grande do Sul Conclusão A centralização do poder político em mãos do governo Imperial durante o século XIX no Brasil não pode servir de argumento para o pouco envolvimento provincial em algumas questões consideradas já à época como relevantes, tais como a educação primária. Isso porque a autonomia provincial, mesmo que tímida, era suficiente para que cada uma delas mantivesse seus compromissos e obrigações, além de definirem, individualmente, como dividiam seus orçamentos entre os vários setores sob suas administrações. Sendo assim, três províncias foram analisadas em seus gastos com educação primária, na medida em que educação primária é vista, pela literatura institucional, como um dos três itens que compõem o que chamamos de instituições inclusivas: a educação primária, o acesso ao poder político e voto, e o direito de propriedade e distribuição da riqueza. Desta forma, os números referentes aos investimentos em educação primária das três províncias – Rio Grande Do Sul, São Paulo e Pernambuco – mostram claramente a relevância do tema para as três, com destaque positivo ao Rio Grande do Sul e negativo a Pernambuco. Os números ligados a quantidade de alunos matriculados, de escolas, investimentos públicos, mesmo se comparados a outros setores, confirmam uma maior disposição dos gaúchos em alavancar a instrução primária de sua província vis a vis aos pernambucanos. O caso paulista, intermediário, mais se aproxima do gaúcho do que do pernambucano, indicando que a educação primária na província de S. Paulo também ocupava importante destaque nos gastos públicos provinciais. Desta forma, tentou-se argumentar que a análise do Império brasileiro a partir da excessiva centralização não capta as especificidades de cada província, principalmente porque alguns dos mais relevantes setores e instituições estavam sob suas responsabilidades, tais como investimento em educação primária, e que tais instituições s suas trajetórias e especificidades podem estar na origem das diferenças regionais vistas no país até os dias de hoje. Bibliografia ACEMOGLU, D. & ROBINSON, J. Why Nations Fail. Texto não publicado, 2009. AZEVEDO, F. de. A Transmissão da Cultura. 5ºedição Brasília, DF: Editora UNB, 1976. BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Cia das Letras, 1993. CABRAL DE MELLO, Evaldo. O Norte Agrário e o Império. 1871 – 1889. Rio De Janeiro: Topbooks, 1999. DINIZ, Adalton Franciozo. Centralização política e apropriação da riqueza: análise das finanças do Império Brasileiro (1821 – 1889). Tese de Doutoramento apresentada em 2002 na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) USP, São Paulo, Brasil. DOLHNIKOFF, Miriam O Pacto Imperial. Origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Ed. Globo, 2005. ENGERMAN, Stanley & SOKOLOFF, Kenneth. Factor Endowments, Inequality, and paths of development among new world economies. NBER Papers, 9259, october 2002. NORTH, Douglass. Structure and change in economic history. New York:WWNorton, 1982. LINDERT, Peter. Growing public: social spending and economic growth since eighteenth century. Cambridge University Press, 2004. 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