COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE
CRIME MILITAR DOLOSO CONTRA A
VIDA
Damásio de Jesus
Os crimes militares dolosos contra a vida estão definidos nos arts. 205, 207 e 208 do Código Penal
Militar (CPM), Decr.-lei n. 1.001/69, com a seguinte redação:
“Homicídio simples
Art. 205. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
Minoração facultativa da pena
§ 1.º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o Juiz pode reduzir a
pena, de um sexto a um têrço.
Homicídio qualificado
§ 2.º Se o homicídio é cometido:
I – por motivo fútil;
II – mediante paga ou promessa de recompensa, por cupidez, para excitar ou saciar desejos sexuais,
ou por outro motivo torpe;
III – com emprêgo de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer outro meio dissimulado
ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, com surprêsa ou mediante outro recurso insidioso, que dificultou ou
tornou impossível a defesa da vítima;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
VI – prevalecendo-se o agente da situação de serviço:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
[...]
Provocação direta ou auxílio a suicídio
Art. 207. Instigar ou induzir alguém a suicidar-se, ou prestar-lhe auxílio para que o faça, vindo o
suicídio consumar-se:
Pena – reclusão, de dois a seis anos.
Agravação de pena
§ 1.º Se o crime é praticado por motivo egoístico, ou a vítima é menor ou tem diminuída, por
qualquer motivo, a resistência moral, a pena é agravada.
Provocação indireta ao suicídio
§ 2.º Com detenção de um a três anos, será punido quem, desumana e reiteradamente, inflige maus
tratos a alguém, sob sua autoridade ou dependência, levando-o, em razão disso, à prática de
suicídio.
Redução de pena
§ 3.º Se o suicídio é apenas tentado, e da tentativa resulta lesão grave, a pena é reduzida de um a
dois têrços.
Genocídio
Art. 208. Matar membros de um grupo nacional, étnico, religioso ou pertencente a determinada
raça, com o fim de destruição total ou parcial dêsse grupo:
Pena – reclusão, de quinze a trinta anos.
Casos assimilados
Parágrafo único. Será punido com reclusão, de quatro a quinze anos, quem, com o mesmo fim:
I – inflige lesões graves a membros do grupo;
II – submete o grupo a condições de existência, físicas ou morais, capazes de ocasionar a
eliminação de todos os seus membros ou parte dêles;
III – força o grupo à sua dispersão;
IV – impõe medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
V – efetua coativamente a transferência de crianças do grupo para outro grupo.”
O julgamento de todos os crimes militares é de competência exclusiva da Justiça Militar, nos termos
dos arts. 124 e 125, §§ 3.º a 5.º, da Constituição Federal (CF).
Quando o agente for integrante das Forças Armadas, o julgamento ficará a cargo da Justiça Militar
Federal; quando, entretanto, tratar-se de membro da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros
Militar, da Justiça Militar Estadual.
De ver-se que a Justiça Militar Federal tem autorização constitucional (implícita) para julgar civis
(autores de crimes militares). O mesmo não ocorre, contudo, com a Justiça Militar Estadual (veja
Súmula n. 53 do STJ).
Até o advento da Lei n. 9.299/96, o crime militar doloso contra a vida ou, em outras palavras, o
crime doloso contra a vida cometido por militar, fosse a vítima civil ou militar, era de competência
da Justiça Castrense. Cuidando-se de sujeito ativo integrante das Forças Armadas, o fato era julgado
pela Justiça Militar Federal. Caso se tratasse de membro da Polícia Militar ou do Corpo de
Bombeiros Militar, a competência era da Justiça Militar Estadual (veja arts. 124 e 125 da CF).
A Lei n. 9.299/96 determinou que crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis
passassem a ser julgados pelo Tribunal do Júri. Houve quem dissesse que a lei, ao transferir ao Júri
a competência para julgamento de crimes militares, mostrava-se inconstitucional. Não pensamos
assim, uma vez que a interpretação correta a ser dada, teleológica e não puramente gramatical,
revela que a lei passou a considerar comuns esses delitos. Em outras palavras, não se trata de
determinar o julgamento de crimes militares pela Justiça Comum, mas da modificação da natureza
do delito, que de militar passou a ser considerado comum e, portanto, de competência da Justiça
Comum (Estadual ou Federal). Note-se que o critério utilizado no Brasil para a definição de crimes
militares é o ratione legis, isto é, considera-se crime militar aquele descrito pela lei como tal.
Quando a Lei n. 9.299/96 entrou em vigor, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a decidir
que ela deveria ter aplicação imediata, atingindo, inclusive, processos em andamento, salvo se
houvesse decisão de mérito (ainda que não transitada em julgado).
A Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, modificou os parágrafos do art. 125 da
CF e incorporou ao Texto Maior a regra prevista na Lei n. 9.299/96. Pode-se dizer, então, que a
competência para julgamento de crimes militares dolosos contra a vida é de natureza constitucional:
“Art. 125. [...]
[...]
§ 4.º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes
militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a
competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao Tribunal competente decidir sobre a
perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.”
Em suma, as regras de competência são as seguintes:
Crime doloso contra a vida cometido por militar:
a) se a vítima for civil – Tribunal do Júri;
b) se a vítima for militar – Justiça Militar (Federal ou Estadual, conforme o caso envolva interesses
das Forças Armadas ou das instituições militares estaduais).
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2002, entendeu que o crime doloso contra a vida cometido
por militar contra militar, ainda que fora das dependências militares, deve ser julgado pela Justiça
Castrense:
“Julgando conflito de competência suscitado pelo STM em face do STJ, o Tribunal, por maioria,
com fundamento no art. 9.º, II, ‘a’, do Código Penal Militar, assentou a competência da Justiça
Militar para o julgamento de crime de homicídio cometido por militar, em face de outro militar,
ocorrido fora do local de serviço. Considerou-se que, embora o homicídio tenha ocorrido na casa
dos envolvidos, por motivos de ordem privada, subsiste a competência da Justiça Militar porquanto
qualquer crime cometido por militar em face de outro militar, ambos em atividade, atinge, ainda que
indiretamente, a disciplina, que é a base das instituições militares. Vencidos os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello e Marco Aurélio, que assentavam a competência da Justiça Comum para o
julgamento da espécie (CPM, art. 9.º: ‘Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...] II –
os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum,
quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma
situação ou assemelhado;’). Precedentes citados: RE n. 122.706/RJ (RTJ 137/408) e CJ n. 6.555/SP
(RTJ 115/1095).” (STF, Plenário, CC n. 7.071/RJ, rel. Min. Sydney Sanches, j. em 5.9.2002,
Informativo STF n. 280).
Em maio de 2007, o STF julgou competir à Justiça Militar Federal o julgamento de civil autor de
homicídio contra militar:
“A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se alegava a incompetência da justiça
militar para processar e julgar civil denunciado por homicídio qualificado praticado contra militar,
que se encontrava de sentinela em posto de vila militar, com o propósito de roubar-lhe a arma.
Pleiteava-se, na espécie, a nulidade de todos os atos realizados pela justiça castrense, ao argumento
de ser inconstitucional o art. 9.º, III, do CPM, por ofensa ao art. 5.º, XXXVIII, da CF (Tribunal do
Júri). Entendeu-se que, no caso, a excepcionalidade do foro castrense para processar e julgar civis
que atentam dolosamente contra a vida de militar apresenta-se incontroversa. Tendo em conta o que
disposto no art. 9.º, III, ‘d’, do CPM (‘Art. 9.º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
[...] III – os crimes praticados por [...] civil [...]: d) [...] contra militar em função de natureza militar
ou no desempenho de serviço de vigilância [...]’), asseverou-se que, para se configurar o delito
militar de homicídio, é necessário que a vítima esteja efetivamente exercendo função ou
desempenhando serviço de natureza militar, não bastando a sua condição de militar. Assim,
considerou-se que, no caso, estariam presentes quatro elementos de conexão militar do fato: a) a
condição funcional da vítima, militar da aeronáutica; b) o exercício de atividade fundamentalmente
militar pela vítima, serviço de vigilância; c) o local do crime, vila militar sujeita à administração
militar e d) o móvel do crime, roubo de arma da Força Aérea Brasileira – FAB. Vencido o Min.
Marco Aurélio que deferia o writ por não vislumbrar, na hipótese, exceção à regra linear da
competência do Tribunal do Júri para julgar crime doloso contra a vida praticado por civil.
Precedentes citados: RHC n. 83.625/RJ (DJU de 28.5.1999); RE n. 122.706/RJ (DJU de 3.4.1992).”
(STF, 1.ª T., HC n. 91.003/BA, relatora Ministra Cármen Lúcia, j. em 22.5.2007, Informativo STF n.
468).
Como citar este artigo:
JESUS, Damásio de. Competência para julgamento de crime militar doloso contra a vida. São
Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, nov. 2007. Disponível em: <www.damasio.com.br>.
Download

competência para julgamento de crime militar doloso contra a vida