ENUNCIADOS GRAMATICAIS À LUZ DAS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS E DAS ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE E PROPOSTA Natália Araújo da Fonseca Suelen Ribeiro Miranda Prof. Cláudia Cristina Ferreira (Orientadora) RESUMO Os estudantes, ao chegarem à universidade, encontram certas dificuldades no cumprimento de atividades propostas pelos professores de língua estrangeira. Uma das causas recai sobre a elaboração dos próprios enunciados das atividades solicitadas aos aprendizes, o que implica a ajuda direta do professor, que exerce o papel de facilitador e orientador da aprendizagem. Com o intuito de sanar algumas das dificuldades dos aprendizes e com vistas à otimização do processo de ensino e aprendizagem de espanhol língua estrangeira para brasileiros, propomos analisar uma coleção de livros didáticos de espanhol elaborados especificamente para aprendizes brasileiros, Hacia el español, direcionada ao ensino médio. O foco da análise recairá sobre os enunciados de exercícios que versam sobre o modo imperativo, que representa uma das dificuldades dos aprendizes brasileiros. Verificaremos se tais enunciados contemplam as estratégias de aprendizagem e/ou as múltiplas inteligências, visto que ambas são recursos didático-pedagógicos essenciais que contribuem para a autonomia na aprendizagem, assim como explora as potencialidades dos aprendizes. Palavras-Chave: modo imperativo; análise de enunciados gramaticais; múltiplas inteligências e estratégias de aprendizagem. 1575 Introdução Este artigo nasce em meio às leituras e discussões realizadas durante o delinear do projeto de pesquisa “As Múltiplas Inteligências (MI) e as Estratégias de Aprendizagem (EA) na Elaboração de Atividades Estratégicas”, desenvolvido por um grupo de estudo interdisciplinar, que abrangia professores da língua espanhola, francesa e inglesa da Universidade Estadual de Londrina-PR. No transcorrer do projeto, realizamos leituras teóricas sobre as Estratégias de Aprendizagem (EA) e as Múltiplas Inteligências (MI), no intuito de agregarmos conhecimentos referente à importância que estas exercem no ensino e na aprendizagem de línguas estrangeiras. Oxford (1990, apud Silva, 2006, p. 2) “caracteriza as estratégias de aprendizagem como instrumentos que permitem um melhor autodirecionamento ao aprendente, uma vez que são geralmente usadas para resolver um problema a ser solucionado, e são centradas no „como fazer‟ e não no „o que fazer‟”. Em relação às MI, “a teoria das inteligências múltiplas sugere abordagens de ensino que se adaptam às „potencialidades‟ individuais de cada aluno, assim como à modalidade pela qual cada um pode aprender melhor” (GARDNER, 1994, apud ALMEIDA, 2010, p. 1). A partir do momento em que o aluno passa a ter consciência do que são, assim como a contribuição das EA e das MI para o seu aprendizado, ele as utiliza como ferramentas que exploraram as suas potencialidades, recursos primordiais para sua aprendizagem. No entanto, ao analisar a presença ou não das EA e MI nos enunciados gramaticais do livro Hacia el Español, selecionamos apenas o nível básico, visto que o modo imperativo é o aspecto gramatical a ser 1576 analisado e este assunto é contemplado somente neste volume. Salientamos que não podemos deixar de mencionar a dificuldade que os brasileiros aprendizes do espanhol como língua estrangeira enfrentam ao empregar tal modo verbal na língua espanhola, principalmente em contextos de comunicação. Ao estudarmos o modo imperativo, convencionamos defini-lo como “um modo de expressão de vontade: súplica, pedido, conselho, sugestão, permissão, ordem, quando o tratamento é de 2ª pessoa, exprimem-se em português no imperativo” (DUBOIS, 1973, apud FERREIRA, 2007, p. 43). As situações citadas acima são utilizadas tanto no imperativo do português quanto do espanhol, porém, as complicações se mostram a partir da freqüência com que o modo imperativo é empregado em ambas as línguas. Além disso, atentamos para o fato de que o imperativo em espanhol apresenta um leque maior de possibilidades que em português. Em meio a essas diferenças e semelhanças entre uma cultura e outra é onde surge a grande dificuldade dos aprendizes brasileiros ao empregarem o modo imperativo espanhol, tendo em vista a forte interferência lingüística e cultural que sua língua materna (português) exerce sobre o aprendizado da língua estrangeira alvo (espanhol) (FERREIRA, 2007). Materiais e métodos Para a realização desta pesquisa foi necessário uma revisão bibliográfica sobre o tema, consultando fontes distintas, tanto impressas quanto digitais, sobre a temática abordada (EA, MI e o modo imperativo), juntamente com as reflexões e discussões realizadas nos encontros semanais. O material analisado é o livro didático Hacia el Español, nível básico, 6ª edição reformulada do ano de 2004, editora Saraiva. Este livro 1577 apresenta doze seções, sendo que em todas elas são abordados conteúdos de funções comunicativas, - léxico, fonética, gramática, além das quatro habilidades (ouvir, falar, ler e escrever). Além do nível básico, a coleção é composta por mais dois níveis: intermediário e avançado, todos de autoria de Fátima Cabral Bruno e Maria Angélica Mendonza. Resultados e discussão As MI e as EA são temas que há muito tempo vem sendo discutidos por diversos teóricos que acreditam nelas e defendem sua utilização, por contribuírem para o aperfeiçoamento do processo de ensino e aprendizagem de qualquer língua estrangeira. Contudo, a grande maioria dos professores não faz uso das EA e das MI em suas aulas, seja por desconhecê-las ou até mesmo por ignorar a contribuição que elas proporcionam ao aprendizado do aluno. Entretanto, ressaltamos que a culpa não recai somente no professor. Muitos livros didáticos não procuram incorporá-las em suas atividades, acarretando assim, a não utilização das EA e MI pelos alunos. Grande parte destes alunos é dependente das explicações do professor, logo, possuem dificuldades em buscar alternativas para resolver seus problemas de aprendizagem. Segundo Crivilim, Polido e Taillefer (2004) isso ocorre devido aos enunciados da grande parte dos livros didáticos serem curtos e objetivos, fazendo com que o aluno responda tais perguntas de maneira automática, sem antes refletir sobre o assunto em questão ou o objetivo da(s) atividade(s) proposta(s). No que se refere à análise dos enunciados, o livro apresenta um total de 21 enunciados de atividades que versam sobre o imperativo; dentre os 21 enunciados, 6 contemplam a estratégia metacognitiva, 4 utilizam a metacognitiva e a cognitiva e somente 3 fazem uso da metacognitiva, cognitiva e sócio-afetiva. Em relação às MI, 4 enunciados 1578 contemplam-nas; dentre estes 4 enunciados, 3 utilizam a inteligência musical e 1 utiliza a inteligência lingüística e a intrapessoal. Tendo em vista que a maioria dos enunciados analisados não contempla as EA e as MI, nosso objetivo é propor enunciados estratégicos que façam com que os alunos passem a valer-se desse recurso didáticopedagógico, a fim de obter melhores resultados em seu aprendizado. No entanto, ao analisarmos enunciados gramaticais que versam sobre o modo imperativo, não poderíamos deixar de ressaltar as dificuldades que os aprendizes brasileiros de língua espanhola enfrentam ao estudar o modo imperativo espanhol. A explicação para essa dificuldade é a frequência com que este modo verbal é utilizado pelos hispano-falantes em relação aos brasileiros. Segundo Fernández (1998, p. 88), “Embora, a rigor, as funções exercidas pelo imperativo verbal sejam as mesmas, tanto em espanhol quanto em português, o índice de freqüência desse modo verbal parece ser maior em castelhano, sobretudo na linguagem oral, na variedade coloquial distensa, enquanto em português, nesses contextos, preferem-se as fórmulas imperativas atenuadas.” Tais dificuldades não são apresentadas apenas por alunos que se encontram no nível básico, pois, de acordo com Ferreira (2007, p. 43) “essa insuficiência de conhecimento sistematizado e/ou essas dificuldades sobre esse modo verbal independem do nível de aprendizagem no qual o estudante se encontra, podendo ser freqüente detectar erros tanto em nível elementar, como em intermediário ou avançado”. Por acreditarem que a utilização do modo imperativo seja sinônimo de agressividade ou falta de educação, os brasileiros “afirmam que os hispano-falantes são autoritários ou pouco educados, devido ao fato de não pedir, e sim mandar” (FERNÁNDEZ, 1998, p. 22). Isso ocorre, pois o aprendiz brasileiro que desconhece elementos sócio-culturais do espanhol acredita que ao utilizar o modo imperativo está sendo descortês, 1579 daí o motivo pela substituição do modo imperativo pela utilização do indicativo, subjuntivo, e as formas de polidez como: por favor e por gentileza, tão empregadas pelos falantes do português do Brasil. Salientamos que o modo imperativo não é usado por todos os países hispano-falantes. Nativos de países localizados na América, por exemplo, não possuem como costume utilizar o modo imperativo em contextos comunicativos por acreditarem que seu uso é descortês, diferentemente da Espanha que utiliza este modo verbal constantemente em situações de comunicação (HERRERO, p. 3). Deste modo, o que se percebe é que a dificuldade de empregar corretamente o imperativo na língua espanhola faz parte de uma concepção estereotipada ou preconceituosa que os brasileiros criaram a respeito dos hispano-falantes. Isso interfere de maneira significativa no ensino e na aprendizagem da língua, pois como postula Fernández (1998, p. 21): “muitos professores luso-falantes brasileiros evitam usar o imperativo verbal quando se expressam em espanhol”, visto que até os professores se sentem receosos em utilizar tal modo verbal em suas aulas, por também possuírem a mesma concepção e, com isso, acabam ensinando uma língua não autêntica e deficitária aos seus alunos. Atividades Propostas A seguir, apresentamos algumas propostas de atividades, que versam sobre o imperativo, elaboradas com base nos enunciados estratégicos, para que tanto o professor como o aluno possam se beneficiar junto ao processo de ensino e aprendizagem de espanhol língua estrangeira. Observe que o nível do aluno deve ser intermediário, pois pressupõe-se que se tenha conhecimentos sobre o imperativo ou que se esteja estudando esse modo verbal. 1580 1 - Reflita e resgate seus conhecimentos. O que é o modo imperativo? Escreva sua definição e exemplifique. Após feito o que se propõe, compartilhe e compare suas idéias com o colega ao lado. 2 - Em quais contextos comunicativos o modo imperativo costuma ser empregado? São utilizados em semelhantes contextos tanto no português quanto no espanhol? Justifique sua resposta e em seguida confira com seu professor. 3 – Leia a letra da música “Flaca”. Escute-a atentamente enquanto relê a letra. Identifique e sublinhe os verbos que estão conjugados no modo imperativo afirmativo e negativo. Em seguida, compare as resposta com um colega. Argumente o porquê da resposta. Por último, confira com o professor. FLACA Andrés Calamaro Flaca, no me claves tus puñales por la espalda. Tan profundo, no me duelen, no me hacen mal. Lejos, en el centro de la tierra, las raíces, del amor, donde estaban, quedarán. Entre no me olvides me dejé nuestros Abriles olvidados en el fondo del placard, en el cuarto de invitados eran tiempos dorados, un pasado mejor. y aunque casi me equivoco y te digo poco a poco no me mientas, no me digas la verdad no te quedes callada, no levantes la voz, ni me pidas perdón y aunque casi te confieso que también e sido un perro compañero un perro ideal que aprendió a ladrar y a volver al hogar, para poder comer. Flaca, no me claves tus puñales por la espalda tan profundo, no me duelen, no me hacen mal Lejos, en el centro de la tierra, las raíces del amor, donde estaban, quedarán 4 - Leia os verbos abaixo e transcreva-os para o modo imperativo afirmativo. Em seguida formule frases utilizando-os. Feito isso, cada aluno terá que repetir em voz alta suas frases. Jugar Agregar Comer 1581 Vivir 5 - Divida a sala em dois grupos (grupo A e grupo B). O grupo A terá que trocar idéias e formular 6 frases utilizando os verbos no modo imperativo afirmativo, ao aconselhar o grupo B a como ter uma vida saudável. O grupo B fará o mesmo que o grupo A, porém formulando 6 frases que utilizem os verbos no modo imperativo negativo,ao aconselhar o outro grupo no que não se deve fazer num primeiro encontro. Ex: Grupo A: Bebe bastante agua. Camina todos los días. Ex: Grupo B: No digas nada sobre tu ex. No te maquilles demasiado. 6 - Agora, elabore uma lista com 5 conselhos para que você tenha uma vida saudável de acordo com sua alimentação e 5 conselhos para que você não cometa gafes no seu próximo encontro. Com as atividades propostas, baseadas em enunciados estratégicos, esperamos auxiliar docentes e discentes na otimização do processo de ensino e aprendizagem de espanhol língua estrangeira com foco no modo imperativo. Conclusões Em virtude do que foi discutido anteriormente, podemos concluir que em relação às EA e MI há um índice muito baixo de sua utilização nos enunciados analisados que versam sobre o modo imperativo espanhol; no entanto, se voltarmos nosso olhar para outros livros didáticos veremos que estes nem sequer as utilizam. Os enunciados estratégicos permitem com que o aluno explore as diversas estratégias existentes e gradativamente passe aderir as que melhor atendam as suas necessidades, potencializando, assim, sua aprendizagem. 1582 No que se refere ao modo imperativo, vimos que a dificuldade apresentada pelos brasileiros na sua utilização é a frequência com que este modo verbal é empregado nos diversos contextos comunicativos de fala hispânica e que, se comparado ao Brasil, as situações de uso é menos recorrente. Além disso, outro motivo que interfere na aprendizagem dos alunos no que diz respeito ao ensino do modo imperativo é seu estudo no português. De acordo com Echeverria (p. 5) é imprescindível “o estudo prévio da gramática normativa da LM”. Isso contribui para que os aprendizes de espanhol língua estrangeira conheçam melhor as formas de uso do imperativo na sua língua materna para que, em seguida, possam contrastar com as diversas maneiras que o imperativo é utilizado tanto no português quanto no espanhol, no intuito de dirimir tais dificuldades, salientando as diferenças linguísticas e culturais presentes nos determinados contextos comunicativos. Observamos que ao elaborar enunciados estratégicos, que são ferramentas essenciais no processo de ensino e aprendizagem de espanhol como língua estrangeira, estamos contribuindo para que o aprendiz reflita sobre os conhecimentos assimilados e avalie sua aprendizagem, evidenciando quais sãos as necessidades, dúvidas e dificuldades que precisam ser sanadas. 1583 Referências ALMEIDA, M. S. R. Estilos de Aprendizagem. Disponível em: <http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espacovirtual/espaco praxispedagogicas/ARTIGOS%20E%20TEXTOS/estilos%20de%20%20apr endizagem%20e%20inteligencias%20multiplas.pdf> Acesso em: 22 jul. 2010 BRUNO, F. A. T. C.; MENDOZA, M. A. C. L.. Hacia el español. (ed.) 6. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 117 – 122. CRIVILIM, A. P; POLIDO; R. M; TAILLEFER, R. J. Q. F. Inovando os enunciados para redirecionar a aprendizagem estratégica. In Boletim Revista da Área de Humanas. n. 46 Londrina, 2004, 129-137. ECHEVERRÍA ECHEVERRÍA, S. “A gramática normativa do português no estudo de línguas afins: o imperativo em português e espanhol”. Disponível em:<www.unitau.br/prppg/publica/humanas/download/agramaticanormat iva-n2-2002> Acesso em: 23 jul. 2010. ERES FERNÁNDEZ, I. G. M. O imperativo verbal espanhol. Estudo das estratégias utilizadas no seu uso por luso-falantes brasileiros. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 1998. FERREIRA, C. C. 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