REFLEXÃO SOBRE A EXPERIÊNCIA DE ENSINO PELA MINISTRAÇÃO DE OFICINAS: O CASO DA OFICINA DE PREPARAÇÃO PARA A OLIMPÍADA DE LÍNGUA PORTUGUESA1 Morgana Fabiola Cambrussi2 Juliana Fontana3 Karine Taisa Mendes4 Lidiane Putton5 RESUMO: Neste trabalho, temos por objetivo refletir sobre as experiências vivenciadas na iniciação à docência pela ministração de oficinas de ensino, em especial na aplicação da oficina de preparação para a Olimpíada de Língua Portuguesa, através da participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), mais especificamente no Subprojeto PIBID do Curso de Letras Português e Espanhol - Licenciatura, campus Chapecó-SC. Essas ações foram realizadas na Escola de Educação Básica Marechal Bormann, parceira do Subprojeto, e direcionadas a alunos do Ensino Fundamental. A oficina objeto desta reflexão teve como objetivo a leitura e a interpretação de diversos textos do gênero poema e narrativa de memórias, para posteriormente ocorrer a produção de textos também pertencentes a esses gêneros, que foram submetidos à Olimpíada de Língua Portuguesa no ano de 2012. Avalia-se que a participação orientada nessas ações proporcionou momentos importantes de vivência de sala de aula aos pibidianos e teve como resultados para os participantes da oficina o aprimoramento dos gêneros estudados e a compreensão de elementos importantes na constituição de textos desses gêneros. PALAVRAS-CHAVE: Projeto PIBID; leitura e escrita; Oficinas de Ensino. ABSTRACT: In this work we aim to reflect on the experiences in teaching introduction to the ministry of teaching workshops, in particular the implementation of the training workshop for the Olimpíada de Língua Portuguesa by participating in the Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) belonging to the Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), more specifically in the Subproject PIBID by Portuguese and Spanish Course, campus Chapecó-SC, Brazil. These actions were directed at elementary school students and performed in Marechal Bormann School, a partner of the Subproject. The workshop in vogue was made for reflecting the reading and interpretation of various texts of poem genre and narrative of memories genre for later occur producing texts also belonging to these genera, which were submitted to the Olimpíada de Língua Portuguesa in 2012. It is estimated that participation in these targeted actions provided important moments of classroom experience and had as results to the participants the improvement of the genera studied and understanding of important elements in written texts in these genres. 1 Agradecemos à CAPES, pelo financiamento do projeto (via EDITAL Nº001/2011/CAPES), e à UFFS pelo suporte institucional. 2 Docente do Curso de Letras Português e Espanhol – Licenciatura e do Mestrado em Estudos Linguísticos da UFFS, campus Chapecó. Coordenadora do Subprojeto PIBID de Letras. Doutora em Linguística. Contato: [email protected]. 3 Docente da EEB Marechal Bormann, Graduada em Letras Português e Espanhol – Licenciatura e Especialista em Metodologias do Ensino de Língua Portuguesa Contato: [email protected]. 4 Acadêmica bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, UFFS, campus Chapecó, Subprojeto de Letras. Contato: [email protected]. 5 Acadêmica bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, UFFS, campus Chapecó, Subprojeto de Letras. Contato: [email protected]. KEYWORDS: PIBID Project; reading and writing; Workshops Teaching. 1. O Programa de Iniciação à Docência e sua estruturação O PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) é um projeto criado e mantido pela CAPES, através de seus contínuos editais, desde 2007, e visa à inserção de alunos dos cursos de licenciatura em sala de aula, na educação básica pública, buscando não só contribuir com a melhoria da qualidade do ensino público, mas também aperfeiçoar e valorizar a formação de professores nas universidades. O subprojeto do Curso de Letras Português e Espanhol – Licenciatura visa incentivar os acadêmicos de Letras à prática docente, desenvolvendo na escola parceira (EEB Marechal Bormann) atividades pedagógicas práticas que aguçam o interesse dos acadêmicos em aprimorar o conhecimento teórico. Ao mesmo tempo, auxilia e facilita o trabalho pedagógico do professor supervisor, pois a busca de estratégias diferenciadas é uma constante para a aplicação dos conteúdos que fazem parte do currículo escolar. Outro fator relevante da execução do projeto é a inserção dos bolsistas na realidade do ambiente escolar. Atualmente, o subprojeto é composto por dez bolsistas, por um professor coordenador de área vinculado ao curso de licenciatura e pela professora da Educação Básica supervisora do projeto. Entre os resultados esperados com esse projeto está o desafio de formar um profissional focado na realidade atual da escola, que saiba trabalhar com tamanha diversidade apresentada em sala de aula, com os desafios que se apresentam nessa realidade, com a consciência de que essa diversidade é constitutiva do próprio ambiente escolar. Acredita-se que essa experiência só traz contribuições significativas no processo de formação dos futuros professores, como a experiência prévia da sala de aula e a vivência do contexto escolar, de modo que o profissional em formação desenvolve competências para trabalhar com diferentes situações e sujeitos e passa a ter meios de compreender, ainda durante sua formação acadêmica, cada aluno como um universo particular. Além disso, claro, existem as contribuições práticas mais imediatas, como o aprendizado didático e pedagógico, diagnosticado através da preparação de aulas e de atividades com clareza didática, com objetivo pedagógico, articuladas, engajadas, coerentes em seus aspectos de relação interna (entre diferentes conteúdos da área, por exemplo) e em seus aspectos de relação externa (entre diferentes áreas do conhecimento). Com isso, pode-se afirmar que o Subprojeto PIBID de Letras tem por objetivo proporcionar ao acadêmico de Letras o conhecimento prévio do que é a sala de aula, inserindo-o no cotidiano escolar. Colateralmente, auxilia o professor supervisor e, assim, os alunos escolares, à medida que as atividades pedagógicas contribuem para a produção efetiva de um ambiente de ensino e de aprendizagem profícuo. Ao mesmo tempo em que os bolsistas PIBID auxiliam o professor e os alunos em um melhor andamento das atividades, também agregam em sua formação a experiência de sala de aula e da rotina escolar. 2. Fundamentos teóricos para o ensino Partindo-se da reflexão levantada pela Proposta Curricular de Santa Catarina, pode-se observar que, no processo de ensino da Língua Portuguesa, a escola busca aprimorar a expressão comunicativa dos alunos, individualmente, atividade na qual, por vezes, não se obtém muito sucesso e que acaba ocasionando uma contradição, pois no processo de ensino apela-se para que o aluno aprenda os conceitos gramaticais (despropositados, ensinados sem reflexão, como mero princípio classificatório) e na aprendizagem (em especial na escrita), há uma expectativa de que cada aluno se expresse de forma criativa e que, ao mesmo tempo, corresponda ao que o professor ensinou. Ora, as várias partes propostas como níveis hierarquizados de uma língua (fonologia/fonética, morfologia, sintaxe) não apontam para como uma língua funciona, ou seja, o que acontece efetivamente nesses intercâmbios cotidianos, em todas as situações. Este é um dos motivos pelos quais os sujeitos podem entrar na escola sabendo uma língua e sair dela, depois de longos anos, afirmando não saber a sua língua. É o paradoxo pedagógico! O que é constitutivo da linguagem (o dialogismo no processo interacional) é ao mesmo tempo comprimido e controlado. O nome desse controle é autoritarismo. (SANTA CATARINA, 1998, p.62) Além dessas contradições inerentes à área, também é necessário que o professor em formação, ao refletir sobre sua prática e ao reestruturar cada dia de sua ação pedagógica, conscientize-se da importância da linguagem no espaço escolar (assim como em todos os demais espaços sociais). Essa importância advém justamente da diversidade de vozes que a compõem, e que às vezes divergem entre si, que coloca a necessidade de sabermos como o plural ou o heterogêneo da linguagem precisam ser valorizados no espaço escolar, para que, por meio disso, possa se desenvolver um trabalho coletivo e significativo, orientado para a língua real e não para a língua ideal, em que os alunos possam observar, analisar e atuar em relação ao que observam nas práticas de linguagem da sociedade. Muitas ações colaboram, há mais de uma década, para a superação desses desafios que se colocam na sala de aula de ensino de língua. Um exemplo disso é a adoção de documentos reflexivos, não apenas legalistas, que norteiam práticas de ensino, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que simbolizam um crescimento nas políticas educacionais brasileiras, e, em especial no que diz respeito aos PCN de Língua Portuguesa, na forma de combater o iletrismo em benefício da cidadania crítica e consciente (ROJO, 2000, p. 27). Essa avaliação se sustenta sobre a consideração de que, em grande parte, ao invés de se constituírem em grades de objetivos e conteúdos curriculares pré-fixados, a exemplo do que ocorre frequentemente no país, estes parâmetros, como o nome já indica, constituem-se em “[...] diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum.” (ROJO, 2000, p. 27). No Brasil, diante da variedade regional, cultural e política existente, os PCN visam padronizar referências nacionais para os processos educacionais, buscando provocar a avaliação sobre os currículos estaduais e municipais. A elaboração dos próprios currículos para o Ensino Fundamental, adaptados às necessidades caracterizadas culturalmente e politicamente em cada região, deve ser realizada pelos órgãos educacionais estaduais e municipais e propriamente pelas escolas, baseando-se na avaliação aprofundada diante dessas referências, focados especificamente em uma formação mais cidadã. Nesse sentido, de acordo com Rojo (2000), os Parâmetros Curriculares Nacionais se dispõem a fundamentar normas curriculares para o ensino brasileiro e servir de suporte ao trabalho docente, visando contribuir para a melhoria do ensino em nosso país. “Essas necessidades compreendem trabalhos de formação continuada de professores, elaboração de material didático que responda às questões propostas no documento.” (ROJO, 2000, p. 94). Nos PCN de Língua Portuguesa, o objetivo é que os conceitos e propostas existentes possam oferecer melhorias no ensino, permitindo aos alunos que façam o uso da leitura e da escrita de maneira eficiente e, consequentemente, que possa ser reduzido o fracasso escolar desses alunos. Acredita-se, também, que a aprendizagem da leitura e da escrita como habilidades possibilite, de fato, a formação de um leitor-escritor. Além disso, as aulas de gramática ocupam grande parte do tempo destinado ao ensino de língua, como se o conhecimento metalinguístico pudesse garantir, por si mesmo, o domínio de diversas possibilidades de uso da linguagem nas diferentes situações em que é produzida. (ROJO, 2000, p.956). Com isso, os PCN apresentam uma notável melhoria na concepção de ensino de língua portuguesa, já que apresentam uma proposta para esse ensino que articula dois pontos centrais para a formação, (a) o uso da linguagem e seu funcionamento social, considerando a leitura, a escrita, a oralidade, enfim, a plenitude da linguagem, e (b) a reflexão acerca de questões internas de língua e de linguagem. O avanço de tais concepções de ensino da língua não se dá somente pelos procedimentos de ensino que estão ali propostos. As inovações se dão, inicialmente, na concepção enunciativa de língua que sustenta essas propostas: nelas, a língua é entendida como discurso e texto, como sua manifestação verbal. A partir dessas concepções, os PCNs apontam os gêneros discursivos como objeto de ensino e os textos como unidade de ensino. Esse documento procura demonstrar, em consequência, que ensinar língua supõe ensinar diferentes gêneros; que não basta ensinar o código e o sistema de normas abstratas que regem a língua para que o estudante possa utilizá-la com mestria suficiente para tornar-se cidadão. (ROJO, 2000, p.96). Dessa forma, os PCN operaram uma função legítima de nortear as práticas de ensino, já que podem efetivamente auxiliar professores e licenciandos, orientando-os quanto às concepções de ensino de língua portuguesa, desde a compreensão de noções básicas, como o que é linguagem e o que é realidade linguística, até o entendimento de como mobilizar esses conceitos na prática docente. 3. A Olimpíada de Língua Portuguesa e a oficina de ensino A Olimpíada de Língua Portuguesa é o resultado de uma parceria entre o MEC (Ministério da Educação), o CENPEC (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e a Fundação Itaú Social. A criação da Olimpíada visa oferecer aos alunos da rede pública um ensino com mais qualidade e aos professores um auxílio na formação pedagógica. A olimpíada é um programa que ocorre anualmente no Ensino Fundamental e no Ensino Médio e mobiliza os alunos em torno da produção textual. Essa produção não é desarticulada do programa escolar, mas é baseada nos conteúdos que fazem parte do planejamento anual da escola, pois o poema e as narrativas de memórias, que são o foco desse trabalho, são gêneros trabalhados ao longo do ano letivo. No período que antecede a realização da Olimpíada, esses conteúdos são organizados e ofertados na forma de oficinas, com o intuito de aprimorar o conhecimento do aluno sobre os aspectos constitutivos do gênero em foco, mas também trabalhar de maneira mais lúdica, visando ampliar o repertório de leitura de textos relacionados, estimular a criatividade e a compreensão da realidade que se propõe. O interesse despertado no aluno é grande, pois além das questões concernentes à aprendizagem, sabe-se que é possível ter a produção textual selecionada em uma das etapas da Olimpíada e ser representante da escola ou mesmo do município nas etapas subsequentes. Em 2012, o Subprojeto PIBID de Letras conduziu essas oficinas de ensino e o trabalho pedagógico foi assim organizado: alunos do 6º ano tiveram poema como gênero norteador dos estudos e, como proposta de produção, o tema gerador ''O lugar onde vivo''; já os alunos de 7º ano estudaram o gênero narrativas de memória e produziram seus textos tendo como foco o mesmo tema. Considerando a experiência PIBID, é possível avaliar que a Olimpíada de Língua Portuguesa traz um incentivo ao trabalho com gêneros textuais em sala, à leitura, à interpretação e à produção de textos, de forma a aprimorar a escrita dos alunos. Outro ponto importante da Olímpiada é que, tendo em vista que é um projeto que envolve órgãos governamentais e as escolas Estaduais de Educação Básica, os alunos se veem inseridos e participantes ativos nesse projeto e, em decorrência disso, encaram suas tarefas e realizam suas produções com mais seriedade, envolvimento e dedicação. Um indicativo disso é que, em certas circunstâncias, até foram traçadas metas e planos quanto à colocação no concurso e quanto à representação da escola. Por essa vivência nas oficinas de ensino para preparação dos alunos para a Olimpíada de Língua Portuguesa que se considera, entre os objetivos da Olimpíada, que aqueles mais efetivamente alcançados são: a promoção da escrita, da prática criativa e motivada de produção de texto, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento do hábito de leitura de forma contextualizada e prazerosa, a formação de um aluno mais preparado para entender e interpretar os diferentes contextos de uso da linguagem. 3.1. A leitura e a escrita são constitutivas desse processo Tendo em vista que ler e escrever são duas competências fundamentais, que seu ensino e desenvolvimento é tarefa da escola e que sua promoção deve ser compromisso de todos, a falta de domínio dessas habilidades por indivíduos escolarizados ou mesmo em escolarização acarreta o fracasso de todos que estão envolvidos nesse processo escolar e, consequentemente, a exclusão social de quem fica à margem dessas práticas. Considerada essa questão, ganha importância a Olimpíada de Língua Portuguesa por justamente promover a leitura e a escrita de maneira desafiadora, levando os alunos a assumirem posturas mais ativas e significativas no exercício de linguagem que envolve essas competências, ou seja, levando-os a tomar partido de uma sociedade letrada, como indivíduos letrados. Isso pode ser mais bem aproveitado nas aulas de Língua Portuguesa do que o que se tem percebido. Ao contrário do que se possa pensar, a tarefa do professor não se resume a apenas facilitar a aprendizagem da leitura decodificadora, é algo muito mais abrangente. O leitor precisa compreender o contexto de que faz parte aquilo que se lê, precisa se ver como parte desse contexto e, se desejar, poder intervir criticamente para possíveis mudanças. Dessa forma, realmente fará uso da leitura, cujo ensino é central na escola. Isso é o mesmo que considerarmos, junto com os PCN, que ler não é somente decodificar códigos, mas interpretar, refletir e conseguir se expressar quando desafiado a se posicionar em relação a um tema. Isso significa almejar a formação de indivíduos letrados e o letramento é uma prática que tradicionalmente se distingue da leitura mecanizada ou mesmo da alfabetização. Como descreve Soares (2003, p.15), letramento “[...] é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever”. E ainda é preciso destacar que: Nas sociedades pós-industrializadas, por exemplo, entende-se por alfabetizado o indivíduo que apenas aprendeu a ler e a escrever, mas não se apropriou da leitura e da escrita, incorporando as práticas sociais que as demandam. O letrado, por sua vez, seria aquele que se envolve nas práticas sociais de leitura e de escrita funcionalmente. (BORTONE; MARTINS, 2008, p. 9, grifo acrescido) Nesse cenário surge a demanda dos letramentos múltiplos. O termo multiletramento (ou letramentos múltiplos), como indica Rojo (2009), refere-se ao conjunto de práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita; conjunto heterogêneo, complexo, que abarca diversas esferas de letramento, consideradas de acordo com o funcionamento social dos textos contemporâneos. Segundo a autora, os letramentos múltiplos estão sustentados na percepção de que todo e qualquer significado que se construa na relação com textos (verbais ou não verbais) é contextual, é histórico e social. Os diferentes textos e seus contextos, isto é, as questões de situacionalidade, de aceitabilidade, de intencionalidade e de intertextualidade que se põem, demandam letramentos igualmente próprios, igualmente singulares. Nesse contexto é que Rojo (2009) também insere os letramentos multissemióticos, surgidos da necessidade contínua de apropriação de novas tecnologias digitais, da transferência das informações e das relações humanas para o campo virtual de construção do conhecimento, da informatização da vida social, do trabalho e da diversão. Isso tudo amplia a “[...] noção de letramentos para o campo da imagem, da música, [do gesto, do sinal] das outras semioses que não somente a escrita.” (p.107, com acréscimos). Assim, a questão do letramento já não poderia estar restrita a uma disciplina de sala de aula, como é o caso clássico e trágico de ser tratada como responsabilidade exclusiva de Língua Portuguesa, nem poderia estar integralmente a cargo de um professor, nem mesmo de uma instituição de ensino. A questão do letramento é apropriação cotidiana e corriqueira, quase que imperceptível de tão natural e necessária, contínua, sempre inconclusa – o que, evidentemente, não exclui a necessidade de uma pedagogia do letramento, apenas indica que essa pedagogia tem de ser tão volátil quanto a própria necessidade do indivíduo de ‘letrar-se’ e esse indivíduo precisa imbuir-se da responsabilidade de ‘letrar-se’ incessantemente. Com isso, não se intenciona dirimir uma obrigação escolar, mas Essas reflexões buscam, justamente, melhor definir as competências linguísticas do indivíduo inserido em sociedades complexas, nas quais a escrita e a leitura constituem condição primeira para a integração das pessoas como membros efetivos desse modelo de comunidade. As constantes transformações dessas sociedades exigiram uma redefinição das práticas sociais, que hoje incluem o uso constante da leitura e da escrita. (BORTONE; MARTINS, 2008, p. 9) Quando se adjetiva por constante o uso da leitura e da escrita, isso implica a transposição da atividade de linguagem para além da vida escolar, para um tempo e um espaço permanentes e socioculturalmente definidos, em que o sentido das coisas não está dado pela própria natureza delas, mas precisa ser produzido por quem participar do jogo de linguagem. Em poucas palavras, letrar-se é o único modo de participar da empreitada de produção de sentidos, de dotar-se da capacidade de ler o mundo, não decodificá-lo, mas compreendê-lo e compreender-se a partir dele. E tendo em vista que as práticas de letramento fazem parte do dia a dia, que essas práticas constituem-se do aprendizado (e pelo aprendizado) no desenvolvimento das competências de leitura e de escrita, é principalmente na intervenção escolar que devemos refletir sobre a questão de como letrar e para que letrar. Manter-se um indivíduo letrado, portanto, é tarefa que requer dos sujeitos uma tomada de posição crítica e ativa e a formação desses sujeitos requer o preparo para a sua autonomia. 3.2. Como a oficina de ensino se desenvolveu A oficina de ensino para preparação para a Olimpíada de Língua Portuguesa foi elaborada não apenas com foco no concurso, mas também para auxiliar os alunos de 6º a 9º anos participantes em suas atividades escolares cotidianas e para promover um melhor rendimento na disciplina de Língua Portuguesa. Essa oficina possibilitou aos alunos um aprimoramento dos seus conhecimentos sobre os gêneros poema e narrativa de memórias e a ampliação do seu repertório leitor, através de atividades que envolveram leituras, reflexões individuais e coletivas, exercício de interpretação e de produção textual. Além disso, a narrativa de memórias estimulou o resgate de memórias, de experiências vivenciadas pelo próprio autor ou por outras pessoas do seu convívio, possibilitando a reflexão sobre o seu próprio agir sobre o mundo. Essas oficinas, então, tiveram como objetivo o desenvolvimento das competências escrita, leitora e interpretativa dos alunos, estimulando-os progressivamente quanto à sua autonomia e criatividade na escrita, a fim de que pudessem reler, revisar e reestruturar seus próprios textos, agregando esse procedimento à rotina de escrita na escola e fora dela. A realização desta oficina possibilitou a leitura e a interpretação de poemas e de narrativas de memória, refletindo-se sobre as informações implícitas e explícitas dos textos. Além disso, o pensar a si próprio e seu espaço propiciou um olhar novo sobre o lugar onde os alunos vivem, ao mesmo tempo em que se discutiam questões estruturais e conceituais como a rima, o verso, a estrofe, a repetição, a aliteração, a assonância, a recriação do espaço, das personagens, do tempo. Elementos de composição e de estruturação dos gêneros estudados. O trabalho com a narrativa de memórias estimulou os alunos a perguntar, a querer saber sobre a história que os formou, a entrevistar e a resgatar as boas histórias guardadas na memória de seus familiares, de vizinhos e de amigos. Esse gênero propôs uma viagem imaginária, trouxe histórias de vida, alegres e tristes, que estavam guardadas nos mínimos detalhes no baú da memória desses protagonistas, e que foi muito importante, entre outras coisas, para o estudo e para o aprimoramento do gênero. Na previsão de resultados do trabalho, feita na etapa de planejamento da oficina de ensino, os pibidianos apostavam em resultados que puderam ser verificados. Esperava-se que os alunos participassem das aulas, fossem colaborativos, que as atividades os auxiliassem em sua futura produção na Olimpíada de Língua Portuguesa e que desenvolvessem um melhor desempenho na escrita e na interpretação textual. Também era esperado um real envolvimento das bolsistas com as aulas e atividades, auxiliando os alunos e facilitando o desenvolvimento da aula. Ambos foram alcançados na realização da oficina. Metodologicamente, o trabalho na oficina compreendeu uma sequência de ações articuladas e planejadas especialmente para a progressão dos tópicos abordados. A leitura inicial compreendeu a obra “Poetas da Escola” e, coletivamente, procedeu-se à apreciação do poema “Convite”, de José Paulo Paes, para que os alunos fossem se familiarizando com a oficina. Na sequência, aspectos estruturais foram abordados, como a interpretação e o uso de metáforas, o comparativo “como”, o uso do “novo” no poema e conceitos de poema e poesia, estrutura, rimas e estrofes. Também foram resgatadas narrativas de constituição do espaço escolar e de fundação do espaço urbano, relacionadas a acontecimentos históricos e à memória familiar dos fatos narrados. Na etapa seguinte, tendo como base os elementos essenciais para a produção de narrativas de memória, os alunos trouxeram para a sala de aula entrevistas e histórias de familiares e vizinhos, também pesquisaram poemas com os quais os envolvidos tiveram contato e de que mais gostaram quando eram crianças. Além destes textos, serviram como materiais de apoio objetos antigos que tiveram algum significado na infância dos familiares, como fotos, telefones antigos, brinquedos, roupas, artigos de decoração outros utensílios da sua época de infância. Em seguida, os alunos foram apresentados a textos de autores chapecoenses, a exemplo de “É o amor”, de Inês Roani, e “O buraco do tatu”, de Sérgio Cappareli. A partir desses textos, conduziu-se o estudo de suas rimas, foi utilizada como proposta de interpretação dos textos o exercício de ilustração e a substituição textual, com a produção de novas passagens em lugar da segunda e da quarta estrofes de cada poema. Reunindo-se em grupos, os alunos produziram ainda dois acrósticos, um com seus nomes e outro intitulado “O lugar onde vivo”, em que se contemplavam elementos essenciais da narrativa: o espaço, em destaque, os personagens e o tempo. Na sequência da oficina, os alunos estudaram metáfora e comparação, através do poema “O leão”, de Vinícius de Moraes, e do poema “Os meus oito anos”, de Casimiro de Abreu. Também estudaram o poema “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias e, com base na paródia feita por Jô Soares, elaboraram suas paródias deste texto. Com o objetivo de estimular a expressão literária, um dos pibidianos declamou para os alunos o poema “Cidadezinha”, de Mario Quintana, e eles foram convidados a descrever sua cidade, cada um a seu modo. Também para estimular a criatividade dos alunos e explorar as capacidades sensoriais, ouviram e cantaram a música “Aquarela”, de Toquinho, com projeção de imagens alegres, que objetivavam dar asas à imaginação, justamente com o intuito de ampliar o olhar também para as coisas simples da vida. Após essas etapas, como atividade final, os alunos produziram individualmente seu texto, com a temática “O lugar onde vivo”. Em geral, as produções puderam ser percebidas como autobiografias, nas quais se retrataram as vidas e aspectos dos locais onde os alunos e seus familiares moraram e moram atualmente. O encerramento da oficina contou com um “sarau” na escola, em que as produções foram lidas ou declamadas entre os participantes. Quanto aos procedimentos de avaliação, na oficina de ensino, a avaliação dos processos de ensino e de aprendizagem realizou-se a partir do desenvolvimento das atividades propostas e da participação e colaboração dos alunos. Não sendo atribuída nota aos poemas e às narrativas de memória e sim valorizando a produção e a participação dos alunos. Através da produção dos poemas e dos textos narrativos, avalia-se que os alunos sentiram-se mais confiantes para participar da Olimpíada de Língua Portuguesa e esse era o foco da oficina de ensino. 4. Algumas considerações Durante a realização da oficina de ensino pôde-se perceber um bom envolvimento por parte dos alunos, que realizaram suas produções com entusiasmo, baseados nas aulas e nas demais experiências motivadas pela oficina, e foram muito participativos. Além disso, a promoção da leitura e da escrita entre eles, um dos objetivos da Olimpíada de Língua Portuguesa, foi apoiada pela oficina, pois, com a participação nas atividades, mesmo alunos que inicialmente não estavam tão interessados no concurso tiveram seu interesse despertado. Além dos aspectos positivos destacados para os alunos da Educação Básica, outros podem ser elencados, já que a realização desta oficina foi de grande importância para todos os envolvidos. Para os alunos, a oficina possibilitou um aprimoramento dos gêneros estudados e o despertar da percepção da pluralidade das formas de expressão e da sinestesia presente em textos desses gêneros. Mas também é necessário destacar que esse trabalho foi desafiador para pibidianos, que precisaram desenvolver estratégias de ensino que contemplassem a complexidade sensorial e, ainda, que permitissem romper as barreiras que surgem toda vez que os sujeitos são chamados a falar de si, dos seus e de seu espaço. Além disso, claro, os licenciandos tiveram mais uma oportunidade de pôr em prática os conteúdos estudados ao longo do curso, relacionando prática e teoria – uma experiência muito valiosa a ser levada para seu futuro ambiente de trabalho, que é a sala de aula. Referências ALTENFELDER, Anna Helena. 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