REFLEXÃO SOBRE A EXPERIÊNCIA DE ENSINO PELA MINISTRAÇÃO DE
OFICINAS: O CASO DA OFICINA DE PREPARAÇÃO PARA A OLIMPÍADA
DE LÍNGUA PORTUGUESA1
Morgana Fabiola Cambrussi2
Juliana Fontana3
Karine Taisa Mendes4
Lidiane Putton5
RESUMO: Neste trabalho, temos por objetivo refletir sobre as experiências vivenciadas na iniciação à
docência pela ministração de oficinas de ensino, em especial na aplicação da oficina de preparação para a
Olimpíada de Língua Portuguesa, através da participação no Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), mais especificamente no
Subprojeto PIBID do Curso de Letras Português e Espanhol - Licenciatura, campus Chapecó-SC. Essas
ações foram realizadas na Escola de Educação Básica Marechal Bormann, parceira do Subprojeto, e
direcionadas a alunos do Ensino Fundamental. A oficina objeto desta reflexão teve como objetivo a leitura
e a interpretação de diversos textos do gênero poema e narrativa de memórias, para posteriormente
ocorrer a produção de textos também pertencentes a esses gêneros, que foram submetidos à Olimpíada de
Língua Portuguesa no ano de 2012. Avalia-se que a participação orientada nessas ações proporcionou
momentos importantes de vivência de sala de aula aos pibidianos e teve como resultados para os
participantes da oficina o aprimoramento dos gêneros estudados e a compreensão de elementos
importantes na constituição de textos desses gêneros.
PALAVRAS-CHAVE: Projeto PIBID; leitura e escrita; Oficinas de Ensino.
ABSTRACT: In this work we aim to reflect on the experiences in teaching introduction to the ministry of
teaching workshops, in particular the implementation of the training workshop for the Olimpíada de
Língua Portuguesa by participating in the Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID) belonging to the Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), more specifically in the
Subproject PIBID by Portuguese and Spanish Course, campus Chapecó-SC, Brazil. These actions were
directed at elementary school students and performed in Marechal Bormann School, a partner of the
Subproject. The workshop in vogue was made for reflecting the reading and interpretation of various texts
of poem genre and narrative of memories genre for later occur producing texts also belonging to these
genera, which were submitted to the Olimpíada de Língua Portuguesa in 2012. It is estimated that
participation in these targeted actions provided important moments of classroom experience and had as
results to the participants the improvement of the genera studied and understanding of important elements
in written texts in these genres.
1
Agradecemos à CAPES, pelo financiamento do projeto (via EDITAL Nº001/2011/CAPES), e à UFFS
pelo suporte institucional.
2
Docente do Curso de Letras Português e Espanhol – Licenciatura e do Mestrado em Estudos
Linguísticos da UFFS, campus Chapecó. Coordenadora do Subprojeto PIBID de Letras. Doutora em
Linguística. Contato: [email protected].
3
Docente da EEB Marechal Bormann, Graduada em Letras Português e Espanhol – Licenciatura e
Especialista em Metodologias do Ensino de Língua Portuguesa Contato: [email protected].
4
Acadêmica bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, UFFS, campus
Chapecó, Subprojeto de Letras. Contato: [email protected].
5
Acadêmica bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, UFFS, campus
Chapecó, Subprojeto de Letras. Contato: [email protected].
KEYWORDS: PIBID Project; reading and writing; Workshops Teaching.
1. O Programa de Iniciação à Docência e sua estruturação
O PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) é um
projeto criado e mantido pela CAPES, através de seus contínuos editais, desde 2007, e
visa à inserção de alunos dos cursos de licenciatura em sala de aula, na educação básica
pública, buscando não só contribuir com a melhoria da qualidade do ensino público,
mas também aperfeiçoar e valorizar a formação de professores nas universidades.
O subprojeto do Curso de Letras Português e Espanhol – Licenciatura visa
incentivar os acadêmicos de Letras à prática docente, desenvolvendo na escola parceira
(EEB Marechal Bormann) atividades pedagógicas práticas que aguçam o interesse dos
acadêmicos em aprimorar o conhecimento teórico. Ao mesmo tempo, auxilia e facilita o
trabalho pedagógico do professor supervisor, pois a busca de estratégias diferenciadas é
uma constante para a aplicação dos conteúdos que fazem parte do currículo escolar.
Outro fator relevante da execução do projeto é a inserção dos bolsistas na realidade do
ambiente escolar. Atualmente, o subprojeto é composto por dez bolsistas, por um
professor coordenador de área vinculado ao curso de licenciatura e pela professora da
Educação Básica supervisora do projeto.
Entre os resultados esperados com esse projeto está o desafio de formar um
profissional focado na realidade atual da escola, que saiba trabalhar com tamanha
diversidade apresentada em sala de aula, com os desafios que se apresentam nessa
realidade, com a consciência de que essa diversidade é constitutiva do próprio ambiente
escolar.
Acredita-se que essa experiência só traz contribuições significativas no processo
de formação dos futuros professores, como a experiência prévia da sala de aula e a
vivência do contexto escolar, de modo que o profissional em formação desenvolve
competências para trabalhar com diferentes situações e sujeitos e passa a ter meios de
compreender, ainda durante sua formação acadêmica, cada aluno como um universo
particular. Além disso, claro, existem as contribuições práticas mais imediatas, como o
aprendizado didático e pedagógico, diagnosticado através da preparação de aulas e de
atividades com clareza didática, com objetivo pedagógico, articuladas, engajadas,
coerentes em seus aspectos de relação interna (entre diferentes conteúdos da área, por
exemplo) e em seus aspectos de relação externa (entre diferentes áreas do
conhecimento).
Com isso, pode-se afirmar que o Subprojeto PIBID de Letras tem por objetivo
proporcionar ao acadêmico de Letras o conhecimento prévio do que é a sala de aula,
inserindo-o no cotidiano escolar. Colateralmente, auxilia o professor supervisor e,
assim, os alunos escolares, à medida que as atividades pedagógicas contribuem para a
produção efetiva de um ambiente de ensino e de aprendizagem profícuo. Ao mesmo
tempo em que os bolsistas PIBID auxiliam o professor e os alunos em um melhor
andamento das atividades, também agregam em sua formação a experiência de sala de
aula e da rotina escolar.
2. Fundamentos teóricos para o ensino
Partindo-se da reflexão levantada pela Proposta Curricular de Santa Catarina,
pode-se observar que, no processo de ensino da Língua Portuguesa, a escola busca
aprimorar a expressão comunicativa dos alunos, individualmente, atividade na qual, por
vezes, não se obtém muito sucesso e que acaba ocasionando uma contradição, pois no
processo de ensino apela-se para que o aluno aprenda os conceitos gramaticais
(despropositados, ensinados sem reflexão, como mero princípio classificatório) e na
aprendizagem (em especial na escrita), há uma expectativa de que cada aluno se
expresse de forma criativa e que, ao mesmo tempo, corresponda ao que o professor
ensinou.
Ora, as várias partes propostas como níveis hierarquizados de uma língua
(fonologia/fonética, morfologia, sintaxe) não apontam para como uma língua
funciona, ou seja, o que acontece efetivamente nesses intercâmbios
cotidianos, em todas as situações. Este é um dos motivos pelos quais os
sujeitos podem entrar na escola sabendo uma língua e sair dela, depois de
longos anos, afirmando não saber a sua língua. É o paradoxo pedagógico! O
que é constitutivo da linguagem (o dialogismo no processo interacional) é ao
mesmo tempo comprimido e controlado. O nome desse controle é
autoritarismo. (SANTA CATARINA, 1998, p.62)
Além dessas contradições inerentes à área, também é necessário que o professor
em formação, ao refletir sobre sua prática e ao reestruturar cada dia de sua ação
pedagógica, conscientize-se da importância da linguagem no espaço escolar (assim
como em todos os demais espaços sociais). Essa importância advém justamente da
diversidade de vozes que a compõem, e que às vezes divergem entre si, que coloca a
necessidade de sabermos como o plural ou o heterogêneo da linguagem precisam ser
valorizados no espaço escolar, para que, por meio disso, possa se desenvolver um
trabalho coletivo e significativo, orientado para a língua real e não para a língua ideal,
em que os alunos possam observar, analisar e atuar em relação ao que observam nas
práticas de linguagem da sociedade.
Muitas ações colaboram, há mais de uma década, para a superação desses
desafios que se colocam na sala de aula de ensino de língua. Um exemplo disso é a
adoção de documentos reflexivos, não apenas legalistas, que norteiam práticas de
ensino, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que simbolizam um
crescimento nas políticas educacionais brasileiras, e, em especial no que diz respeito aos
PCN de Língua Portuguesa, na forma de combater o iletrismo em benefício da cidadania
crítica e consciente (ROJO, 2000, p. 27).
Essa avaliação se sustenta sobre a consideração de que, em grande parte, ao
invés de se constituírem em grades de objetivos e conteúdos curriculares pré-fixados, a
exemplo do que ocorre frequentemente no país, estes parâmetros, como o nome já
indica, constituem-se em “[...] diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos
mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum.” (ROJO, 2000, p. 27).
No Brasil, diante da variedade regional, cultural e política existente, os PCN
visam padronizar referências nacionais para os processos educacionais, buscando
provocar a avaliação sobre os currículos estaduais e municipais. A elaboração dos
próprios currículos para o Ensino Fundamental, adaptados às necessidades
caracterizadas culturalmente e politicamente em cada região, deve ser realizada pelos
órgãos educacionais estaduais e municipais e propriamente pelas escolas, baseando-se
na avaliação aprofundada diante dessas referências, focados especificamente em uma
formação mais cidadã.
Nesse sentido, de acordo com Rojo (2000), os Parâmetros Curriculares
Nacionais se dispõem a fundamentar normas curriculares para o ensino brasileiro e
servir de suporte ao trabalho docente, visando contribuir para a melhoria do ensino em
nosso país. “Essas necessidades compreendem trabalhos de formação continuada de
professores, elaboração de material didático que responda às questões propostas no
documento.” (ROJO, 2000, p. 94).
Nos PCN de Língua Portuguesa, o objetivo é que os conceitos e propostas
existentes possam oferecer melhorias no ensino, permitindo aos alunos que façam o uso
da leitura e da escrita de maneira eficiente e, consequentemente, que possa ser reduzido
o fracasso escolar desses alunos. Acredita-se, também, que a aprendizagem da leitura e
da escrita como habilidades possibilite, de fato, a formação de um leitor-escritor.
Além disso, as aulas de gramática ocupam grande parte do tempo destinado
ao ensino de língua, como se o conhecimento metalinguístico pudesse
garantir, por si mesmo, o domínio de diversas possibilidades de uso da
linguagem nas diferentes situações em que é produzida. (ROJO, 2000, p.956).
Com isso, os PCN apresentam uma notável melhoria na concepção de ensino de
língua portuguesa, já que apresentam uma proposta para esse ensino que articula dois
pontos centrais para a formação, (a) o uso da linguagem e seu funcionamento social,
considerando a leitura, a escrita, a oralidade, enfim, a plenitude da linguagem, e (b) a
reflexão acerca de questões internas de língua e de linguagem.
O avanço de tais concepções de ensino da língua não se dá somente pelos
procedimentos de ensino que estão ali propostos. As inovações se dão,
inicialmente, na concepção enunciativa de língua que sustenta essas
propostas: nelas, a língua é entendida como discurso e texto, como sua
manifestação verbal. A partir dessas concepções, os PCNs apontam os
gêneros discursivos como objeto de ensino e os textos como unidade de
ensino. Esse documento procura demonstrar, em consequência, que ensinar
língua supõe ensinar diferentes gêneros; que não basta ensinar o código e o
sistema de normas abstratas que regem a língua para que o estudante possa
utilizá-la com mestria suficiente para tornar-se cidadão. (ROJO, 2000, p.96).
Dessa forma, os PCN operaram uma função legítima de nortear as práticas de
ensino, já que podem efetivamente auxiliar professores e licenciandos, orientando-os
quanto às concepções de ensino de língua portuguesa, desde a compreensão de noções
básicas, como o que é linguagem e o que é realidade linguística, até o entendimento de
como mobilizar esses conceitos na prática docente.
3. A Olimpíada de Língua Portuguesa e a oficina de ensino
A Olimpíada de Língua Portuguesa é o resultado de uma parceria entre o MEC
(Ministério da Educação), o CENPEC (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação,
Cultura e Ação Comunitária) e a Fundação Itaú Social. A criação da Olimpíada visa
oferecer aos alunos da rede pública um ensino com mais qualidade e aos professores um
auxílio na formação pedagógica.
A olimpíada é um programa que ocorre anualmente no Ensino Fundamental e no
Ensino Médio e mobiliza os alunos em torno da produção textual. Essa produção não é
desarticulada do programa escolar, mas é baseada nos conteúdos que fazem parte do
planejamento anual da escola, pois o poema e as narrativas de memórias, que são o
foco desse trabalho, são gêneros trabalhados ao longo do ano letivo.
No período que antecede a realização da Olimpíada, esses conteúdos são
organizados e ofertados na forma de oficinas, com o intuito de aprimorar o
conhecimento do aluno sobre os aspectos constitutivos do gênero em foco, mas também
trabalhar de maneira mais lúdica, visando ampliar o repertório de leitura de textos
relacionados, estimular a criatividade e a compreensão da realidade que se propõe.
O interesse despertado no aluno é grande, pois além das questões concernentes à
aprendizagem, sabe-se que é possível ter a produção textual selecionada em uma das
etapas da Olimpíada e ser representante da escola ou mesmo do município nas etapas
subsequentes. Em 2012, o Subprojeto PIBID de Letras conduziu essas oficinas de
ensino e o trabalho pedagógico foi assim organizado: alunos do 6º ano tiveram poema
como gênero norteador dos estudos e, como proposta de produção, o tema gerador ''O
lugar onde vivo''; já os alunos de 7º ano estudaram o gênero narrativas de memória e
produziram seus textos tendo como foco o mesmo tema.
Considerando a experiência PIBID, é possível avaliar que a Olimpíada de
Língua Portuguesa traz um incentivo ao trabalho com gêneros textuais em sala, à
leitura, à interpretação e à produção de textos, de forma a aprimorar a escrita dos alunos.
Outro ponto importante da Olímpiada é que, tendo em vista que é um projeto que
envolve órgãos governamentais e as escolas Estaduais de Educação Básica, os alunos se
veem inseridos e participantes ativos nesse projeto e, em decorrência disso, encaram
suas tarefas e realizam suas produções com mais seriedade, envolvimento e dedicação.
Um indicativo disso é que, em certas circunstâncias, até foram traçadas metas e
planos quanto à colocação no concurso e quanto à representação da escola. Por essa
vivência nas oficinas de ensino para preparação dos alunos para a Olimpíada de Língua
Portuguesa que se considera, entre os objetivos da Olimpíada, que aqueles mais
efetivamente alcançados são: a promoção da escrita, da prática criativa e motivada de
produção de texto, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento do hábito de leitura de forma
contextualizada e prazerosa, a formação de um aluno mais preparado para entender e
interpretar os diferentes contextos de uso da linguagem.
3.1. A leitura e a escrita são constitutivas desse processo
Tendo em vista que ler e escrever são duas competências fundamentais, que seu
ensino e desenvolvimento é tarefa da escola e que sua promoção deve ser compromisso
de todos, a falta de domínio dessas habilidades por indivíduos escolarizados ou mesmo
em escolarização acarreta o fracasso de todos que estão envolvidos nesse processo
escolar e, consequentemente, a exclusão social de quem fica à margem dessas práticas.
Considerada essa questão, ganha importância a Olimpíada de Língua Portuguesa
por justamente promover a leitura e a escrita de maneira desafiadora, levando os alunos
a assumirem posturas mais ativas e significativas no exercício de linguagem que
envolve essas competências, ou seja, levando-os a tomar partido de uma sociedade
letrada, como indivíduos letrados. Isso pode ser mais bem aproveitado nas aulas de
Língua Portuguesa do que o que se tem percebido.
Ao contrário do que se possa pensar, a tarefa do professor não se resume a
apenas facilitar a aprendizagem da leitura decodificadora, é algo muito mais abrangente.
O leitor precisa compreender o contexto de que faz parte aquilo que se lê, precisa se ver
como parte desse contexto e, se desejar, poder intervir criticamente para possíveis
mudanças. Dessa forma, realmente fará uso da leitura, cujo ensino é central na escola.
Isso é o mesmo que considerarmos, junto com os PCN, que ler não é somente
decodificar códigos, mas interpretar, refletir e conseguir se expressar quando desafiado
a se posicionar em relação a um tema.
Isso significa almejar a formação de indivíduos letrados e o letramento é uma
prática que tradicionalmente se distingue da leitura mecanizada ou mesmo da
alfabetização. Como descreve Soares (2003, p.15), letramento “[...] é o estado ou
condição que assume aquele que aprende a ler e escrever”. E ainda é preciso destacar
que:
Nas sociedades pós-industrializadas, por exemplo, entende-se por
alfabetizado o indivíduo que apenas aprendeu a ler e a escrever, mas não se
apropriou da leitura e da escrita, incorporando as práticas sociais que as
demandam. O letrado, por sua vez, seria aquele que se envolve nas práticas
sociais de leitura e de escrita funcionalmente. (BORTONE; MARTINS, 2008,
p. 9, grifo acrescido)
Nesse cenário surge a demanda dos letramentos múltiplos. O termo
multiletramento (ou letramentos múltiplos), como indica Rojo (2009), refere-se ao
conjunto de práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita; conjunto
heterogêneo, complexo, que abarca diversas esferas de letramento, consideradas de
acordo com o funcionamento social dos textos contemporâneos. Segundo a autora, os
letramentos múltiplos estão sustentados na percepção de que todo e qualquer significado
que se construa na relação com textos (verbais ou não verbais) é contextual, é histórico
e social. Os diferentes textos e seus contextos, isto é, as questões de situacionalidade, de
aceitabilidade, de intencionalidade e de intertextualidade que se põem, demandam
letramentos igualmente próprios, igualmente singulares.
Nesse contexto é que Rojo (2009) também insere os letramentos
multissemióticos, surgidos da necessidade contínua de apropriação de novas tecnologias
digitais, da transferência das informações e das relações humanas para o campo virtual
de construção do conhecimento, da informatização da vida social, do trabalho e da
diversão. Isso tudo amplia a “[...] noção de letramentos para o campo da imagem, da
música, [do gesto, do sinal] das outras semioses que não somente a escrita.” (p.107, com
acréscimos).
Assim, a questão do letramento já não poderia estar restrita a uma disciplina de
sala de aula, como é o caso clássico e trágico de ser tratada como responsabilidade
exclusiva de Língua Portuguesa, nem poderia estar integralmente a cargo de um
professor, nem mesmo de uma instituição de ensino. A questão do letramento é
apropriação cotidiana e corriqueira, quase que imperceptível de tão natural e necessária,
contínua, sempre inconclusa – o que, evidentemente, não exclui a necessidade de uma
pedagogia do letramento, apenas indica que essa pedagogia tem de ser tão volátil quanto
a própria necessidade do indivíduo de ‘letrar-se’ e esse indivíduo precisa imbuir-se da
responsabilidade de ‘letrar-se’ incessantemente. Com isso, não se intenciona dirimir
uma obrigação escolar, mas
Essas reflexões buscam, justamente, melhor definir as competências
linguísticas do indivíduo inserido em sociedades complexas, nas quais a
escrita e a leitura constituem condição primeira para a integração das pessoas
como membros efetivos desse modelo de comunidade. As constantes
transformações dessas sociedades exigiram uma redefinição das práticas
sociais, que hoje incluem o uso constante da leitura e da escrita. (BORTONE;
MARTINS, 2008, p. 9)
Quando se adjetiva por constante o uso da leitura e da escrita, isso implica a
transposição da atividade de linguagem para além da vida escolar, para um tempo e um
espaço permanentes e socioculturalmente definidos, em que o sentido das coisas não
está dado pela própria natureza delas, mas precisa ser produzido por quem participar do
jogo de linguagem. Em poucas palavras, letrar-se é o único modo de participar da
empreitada de produção de sentidos, de dotar-se da capacidade de ler o mundo, não
decodificá-lo, mas compreendê-lo e compreender-se a partir dele.
E tendo em vista que as práticas de letramento fazem parte do dia a dia, que
essas práticas constituem-se do aprendizado (e pelo aprendizado) no desenvolvimento
das competências de leitura e de escrita, é principalmente na intervenção escolar que
devemos refletir sobre a questão de como letrar e para que letrar. Manter-se um
indivíduo letrado, portanto, é tarefa que requer dos sujeitos uma tomada de posição
crítica e ativa e a formação desses sujeitos requer o preparo para a sua autonomia.
3.2. Como a oficina de ensino se desenvolveu
A oficina de ensino para preparação para a Olimpíada de Língua Portuguesa foi
elaborada não apenas com foco no concurso, mas também para auxiliar os alunos de 6º
a 9º anos participantes em suas atividades escolares cotidianas e para promover um
melhor rendimento na disciplina de Língua Portuguesa.
Essa oficina possibilitou aos alunos um aprimoramento dos seus conhecimentos
sobre os gêneros poema e narrativa de memórias e a ampliação do seu repertório leitor,
através de atividades que envolveram leituras, reflexões individuais e coletivas,
exercício de interpretação e de produção textual. Além disso, a narrativa de memórias
estimulou o resgate de memórias, de experiências vivenciadas pelo próprio autor ou por
outras pessoas do seu convívio, possibilitando a reflexão sobre o seu próprio agir sobre
o mundo.
Essas oficinas, então, tiveram como objetivo o desenvolvimento das
competências escrita, leitora e interpretativa dos alunos, estimulando-os
progressivamente quanto à sua autonomia e criatividade na escrita, a fim de que
pudessem reler, revisar e reestruturar seus próprios textos, agregando esse procedimento
à rotina de escrita na escola e fora dela.
A realização desta oficina possibilitou a leitura e a interpretação de poemas e de
narrativas de memória, refletindo-se sobre as informações implícitas e explícitas dos
textos. Além disso, o pensar a si próprio e seu espaço propiciou um olhar novo sobre o
lugar onde os alunos vivem, ao mesmo tempo em que se discutiam questões estruturais
e conceituais como a rima, o verso, a estrofe, a repetição, a aliteração, a assonância, a
recriação do espaço, das personagens, do tempo. Elementos de composição e de
estruturação dos gêneros estudados.
O trabalho com a narrativa de memórias estimulou os alunos a perguntar, a
querer saber sobre a história que os formou, a entrevistar e a resgatar as boas histórias
guardadas na memória de seus familiares, de vizinhos e de amigos. Esse gênero propôs
uma viagem imaginária, trouxe histórias de vida, alegres e tristes, que estavam
guardadas nos mínimos detalhes no baú da memória desses protagonistas, e que foi
muito importante, entre outras coisas, para o estudo e para o aprimoramento do gênero.
Na previsão de resultados do trabalho, feita na etapa de planejamento da oficina
de ensino, os pibidianos apostavam em resultados que puderam ser verificados.
Esperava-se que os alunos participassem das aulas, fossem colaborativos, que as
atividades os auxiliassem em sua futura produção na Olimpíada de Língua Portuguesa e
que desenvolvessem um melhor desempenho na escrita e na interpretação textual.
Também era esperado um real envolvimento das bolsistas com as aulas e atividades,
auxiliando os alunos e facilitando o desenvolvimento da aula. Ambos foram alcançados
na realização da oficina.
Metodologicamente, o trabalho na oficina compreendeu uma sequência de ações
articuladas e planejadas especialmente para a progressão dos tópicos abordados. A
leitura inicial compreendeu a obra “Poetas da Escola” e, coletivamente, procedeu-se à
apreciação do poema “Convite”, de José Paulo Paes, para que os alunos fossem se
familiarizando com a oficina. Na sequência, aspectos estruturais foram abordados, como
a interpretação e o uso de metáforas, o comparativo “como”, o uso do “novo” no poema
e conceitos de poema e poesia, estrutura, rimas e estrofes. Também foram resgatadas
narrativas de constituição do espaço escolar e de fundação do espaço urbano,
relacionadas a acontecimentos históricos e à memória familiar dos fatos narrados.
Na etapa seguinte, tendo como base os elementos essenciais para a produção de
narrativas de memória, os alunos trouxeram para a sala de aula entrevistas e histórias de
familiares e vizinhos, também pesquisaram poemas com os quais os envolvidos tiveram
contato e de que mais gostaram quando eram crianças. Além destes textos, serviram
como materiais de apoio objetos antigos que tiveram algum significado na infância dos
familiares, como fotos, telefones antigos, brinquedos, roupas, artigos de decoração
outros utensílios da sua época de infância.
Em seguida, os alunos foram apresentados a textos de autores chapecoenses, a
exemplo de “É o amor”, de Inês Roani, e “O buraco do tatu”, de Sérgio Cappareli. A
partir desses textos, conduziu-se o estudo de suas rimas, foi utilizada como proposta de
interpretação dos textos o exercício de ilustração e a substituição textual, com a
produção de novas passagens em lugar da segunda e da quarta estrofes de cada poema.
Reunindo-se em grupos, os alunos produziram ainda dois acrósticos, um com seus
nomes e outro intitulado “O lugar onde vivo”, em que se contemplavam elementos
essenciais da narrativa: o espaço, em destaque, os personagens e o tempo.
Na sequência da oficina, os alunos estudaram metáfora e comparação, através do
poema “O leão”, de Vinícius de Moraes, e do poema “Os meus oito anos”, de Casimiro
de Abreu. Também estudaram o poema “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias e, com
base na paródia feita por Jô Soares, elaboraram suas paródias deste texto. Com o
objetivo de estimular a expressão literária, um dos pibidianos declamou para os alunos o
poema “Cidadezinha”, de Mario Quintana, e eles foram convidados a descrever sua
cidade, cada um a seu modo.
Também para estimular a criatividade dos alunos e explorar as capacidades
sensoriais, ouviram e cantaram a música “Aquarela”, de Toquinho, com projeção de
imagens alegres, que objetivavam dar asas à imaginação, justamente com o intuito de
ampliar o olhar também para as coisas simples da vida.
Após essas etapas, como atividade final, os alunos produziram individualmente
seu texto, com a temática “O lugar onde vivo”. Em geral, as produções puderam ser
percebidas como autobiografias, nas quais se retrataram as vidas e aspectos dos locais
onde os alunos e seus familiares moraram e moram atualmente. O encerramento da
oficina contou com um “sarau” na escola, em que as produções foram lidas ou
declamadas entre os participantes.
Quanto aos procedimentos de avaliação, na oficina de ensino, a avaliação dos
processos de ensino e de aprendizagem realizou-se a partir do desenvolvimento das
atividades propostas e da participação e colaboração dos alunos. Não sendo atribuída
nota aos poemas e às narrativas de memória e sim valorizando a produção e a
participação dos alunos. Através da produção dos poemas e dos textos narrativos,
avalia-se que os alunos sentiram-se mais confiantes para participar da Olimpíada de
Língua Portuguesa e esse era o foco da oficina de ensino.
4. Algumas considerações
Durante a realização da oficina de ensino pôde-se perceber um bom
envolvimento por parte dos alunos, que realizaram suas produções com entusiasmo,
baseados nas aulas e nas demais experiências motivadas pela oficina, e foram muito
participativos. Além disso, a promoção da leitura e da escrita entre eles, um dos
objetivos da Olimpíada de Língua Portuguesa, foi apoiada pela oficina, pois, com a
participação nas atividades, mesmo alunos que inicialmente não estavam tão
interessados no concurso tiveram seu interesse despertado.
Além dos aspectos positivos destacados para os alunos da Educação Básica,
outros podem ser elencados, já que a realização desta oficina foi de grande importância
para todos os envolvidos. Para os alunos, a oficina possibilitou um aprimoramento dos
gêneros estudados e o despertar da percepção da pluralidade das formas de expressão e
da sinestesia presente em textos desses gêneros.
Mas também é necessário destacar que esse trabalho foi desafiador para
pibidianos, que precisaram desenvolver estratégias de ensino que contemplassem a
complexidade sensorial e, ainda, que permitissem romper as barreiras que surgem toda
vez que os sujeitos são chamados a falar de si, dos seus e de seu espaço. Além disso,
claro, os licenciandos tiveram mais uma oportunidade de pôr em prática os conteúdos
estudados ao longo do curso, relacionando prática e teoria – uma experiência muito
valiosa a ser levada para seu futuro ambiente de trabalho, que é a sala de aula.
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reflexão sobre a experiência de ensino pela ministração de oficinas