GRANDES BARRAGENS, IMPACTOS E REPARAÇÕES: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A BARRAGEM DE ITÁ. 2 RAQUEL DE MATTOS VIANA GRANDES BARRAGENS, IMPACTOS E REPARAÇÕES: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A BARRAGEM DE ITÁ Dissertação apresentada ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Carlos Bernardo Vainer Rio de Janeiro 2003 3 RAQUEL DE MATTOS VIANA GRANDES BARRAGENS, IMPACTOS E REPARAÇÕES: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A BARRAGEM DE ITÁ Dissertação apresentada ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Aprovado em BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Carlos Bernardo Vainer Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ Profª. Drª. Lygia Sigaud Museu Nacional - UFRJ Prof. Dr. Henri Acselrad Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ 4 Aos atingidos por barragens. À Marcinha. 5 AGRADECIMENTOS De lá: À Marcinha, grande amiga e companheira dessa empreitada na “cidade maravilha purgatório da beleza e do caos”. À minha mãe, mãezinha querida, que sempre esteve ao meu lado e nunca deixou de acreditar em mim, mesmo quando eu havia deixado. Ao meu pai, paizão, por sua garra e alegria de viver. Ao Dani, irmão mais velho, que me mostrou a riqueza e a beleza da diferença. Ao Bê, irmão mais novo, que a cada dia que passa me surpreende mais por sua profunda sensibilidade e inteligência. Você me emociona! Às três mosqueteiras: Issa, Gabi e Lu, amigas de todos os tempos e espaços. Ao Vitrola (o que posso dizer?!). Por tudo. Ao Bruninho, irmão (ou será filho?) adotivo, pela espontaneidade, pelo senso crítico, pela curiosidade sempre instigante. Ao André. Quanto talento! Por favor, meu amigo, não se esconda do mundo. À Quel que, mesmo estando no além-mar, esteve sempre tão perto... Ao Hélio que, mais uma vez, se mostrou um grande amigo e um excelente profissional. Daqui: Ao Jorge (Chok) pelas críticas, discussões e sugestões. Por sua generosidade. Aos colegas, funcionários e professores do IPPUR, em especial à Miriam Nutti, Michele, Henri e Fred. Ao Professor Fernando Valcacer pelas indicações bibliográficas, sugestões e críticas. Ao Vainer pelo conhecimento. À Isabel que com seu carinho e dedicação me ajudou a colar os “caquinhos” e me mostrou que é possível voltar a sonhar, a querer e a sorrir. De mais de lá e muito daqui: Aos atingidos por barragens por me mostrarem uma outra dimensão das palavras: luta, coragem e resistência. 6 SUMÁRIO LISTA DE TABELAS, MAPAS E FOTOS ........................................................... 9 RESUMO .................................................................................................................. 10 ABSTRACT .............................................................................................................. 11 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 12 CAPÍTULO 1. IMPACTOS SÓCIO-AMBIENTAIS DE GRANDES BARRAGENS ........................................................................................................ 18 1.1. Impactos Ambientais ........................................................................................... 21 1.1.1 Inundação das áreas do reservatório ............................................................ 22 1.1.2. Sedimentos .................................................................................................. 23 1.1.3. Terremotos .................................................................................................. 24 1.1.4. Contaminação da água ................................................................................ 25 1.1.5. Salinização dos solos .................................................................................. 28 1.1.6. Peixes .......................................................................................................... 29 1.1.7. Sedimentação das barragens ....................................................................... 31 1.1.8. Impactos Cumulativos ................................................................................ 32 1.2. Impactos Sociais .................................................................................................. 33 1.2.1. População deslocada pelas grandes barragens ............................................ 36 1.2.1.1. Deslocados não-reassentados ....................................................... 38 1.2.1.2. Deslocados reassentados .............................................................. 38 1.2.2. População a jusante das grandes barragens ................................................. 43 1.2.3. População Indígena ..................................................................................... 45 1.2.4. Tempo e Incerteza ....................................................................................... 47 1.2.5. Violência e Massacre .................................................................................. 47 1.2.6. Doenças ....................................................................................................... 49 1.2.7. Relações de Gênero .................................................................................... 52 1.2.8. Patrimônio Cultural .................................................................................... 54 1.3. Comentários Finais ............................................................................................. 56 7 CAPÍTULO 2. REPARAÇÃO DE DANOS: CONCEITOS E MECANISMOS ................................................................................................. 57 2.1. Breve Histórico da Reparação ......................................................................... 58 2.2. Conceitos ......................................................................................................... 60 2.2.1. Reparação ............................................................................................... 60 2.2.2. Direito Internacional .............................................................................. 62 2.2.2.1. Fontes do Direito Internacional .............................................. 64 2.2.2.2. Pactos e Convenções ............................................................... 66 2.2.2.3. Declarações e Resoluções ....................................................... 70 2.3. Mecanismos Internacionais Extrajudiciais de Reivindicação e Reparação .... 71 2.3.1. Responsabilidade das Nações Unidas (ONU) pelas Forças de Paz ....... 71 2.3.2. Comissão de Compensação das Nações Unidas .................................... 72 2.3.3. Mecanismo de Resolução de Disputas OIT 169 .................................... 73 2.3.4. Fóruns de Reclamação: Subcomissão de Prevenção contra a Discriminação e Proteção de Minorias ............................................................ 74 2.3.5. Fóruns de Reclamação: Comissão Interamericana de Direitos Humanos .......................................................................................................... 75 2.3.6. Fóruns de Reclamação: Corte Européia de Direitos Humanos ............. 76 2.3.7. Fóruns de Reclamação: Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos ..................................................................................................... 76 2.3.8. Constituições, Leis, Decretos e Mecanismos de alguns países ............. 77 2.3.9. Alien Tort Claims Act ………………………………………………… 77 2.3.10. Painel de Inspeção do Banco Mundial ................................................ 78 2.3.11. Gabinete do Conselheiro da IFC/MIGA/ Ombudsman ....................... 82 2.4. Direito Brasileiro ............................................................................................ 84 2.4.1. Espécies de Responsabilidade Civil ...................................................... 85 2.4.2. Objetivo da Responsabilidade Civil ...................................................... 86 2.4.3. Requisitos da Responsabilidade Civil ................................................... 86 2.4.4. Conceito de Dano: dano material, dano moral ...................................... 87 2.4.5. Efeitos da Responsabilidade Civil: Reparação ...................................... 89 2.4.6. Direito Ambiental .................................................................................. 91 2.5. Comentários Finais ......................................................................................... 97 8 CAPÍTULO 3. O CASO DA BARRAGEM DE ITÁ ...................................... 98 3.1. Dados Gerais da Obra ................................................................................... 98 3.2. Caracterização da Região ............................................................................. 99 3.3. Histórico da Barragem .................................................................................. 101 3.4. Processo de Negociação e Reparação .......................................................... 107 3.4.1. Indenização .......................................................................................... 110 3.4.2. Terra por Terra .................................................................................... 111 3.4.3. Reassentamento Rural ......................................................................... 112 3.4.4. Ocupação de áreas remanescentes ...................................................... 117 3.4.5. Carta de Crédito .................................................................................. 118 3.4.6. Relocação de Núcleos Rurais e Vilas ................................................. 120 3.4.7. Relocação da cidade de Itá ................................................................. 122 3.4.8. Planos e Programas Ambientais ......................................................... 125 3.5. A percepção dos atingidos .......................................................................... 127 3.5.1. Indenizados ........................................................................................ 129 3.5.2. Optante pela Permuta de Terras ......................................................... 131 3.5.3. Reassentados ...................................................................................... 132 3.5.4. Relocados em Áreas Remanescentes ................................................. 136 3.5.5. Preferentes da Carta de Crédito ......................................................... 137 3.5.6. Morador de Itá ................................................................................... 140 3.5.7. Relocada em Núcleo de Linha ........................................................... 142 3.5.8. Meio Físico-Biótico ........................................................................... 143 3.5.9. Casos Pendentes ................................................................................ 146 3.5.10. Comentários Finais .......................................................................... 147 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................…….. 150 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................…….. 154 ANEXOS ................................................................................................…….. 166 APÊNDICES .........................................................................................…….. 177 9 LISTA DE TABELAS, MAPAS E FOTOS Tabela 1. Força de Trabalho dos Agricultores atingidos pela UHE Itá .......................... 114 Mapa 1. Aproveitamentos da Bacia do Rio Uruguai ...................................................... 167 Mapa 2. Tipologias de Impacto do Reservatório ............................................................ 168 Mapa 3. Arranjo Geral da UHE Itá ................................................................................. 169 Mapa 4. Fragmentação do Município de Itá com a Inundação do Rio Uvá ................... 170 Mapa 5. Cidade de Itá, em 1982 ..................................................................................... 171 Mapa 6. Plano Diretor da Cidade Nova de Itá ................................................................ 172 Mapa 7. Centro Urbano da Nova Cidade de Itá .............................................................. 173 Mapa 8. Reservatório da UHE Itá .................................................................................. 174 Mapa 9. Recomposição Físico Territorial do Município de Aratiba .............................. 175 Mapa 10. Reassentamentos de Mangueirinha, Marmeleiro e Campo Erê ...................... 176 Foto 1. Barragem de Itá ................................................................................................... 180 Foto 2. Torres da Igreja da Cidade Velha de Itá, inundada pelo reservatório ................. 181 Foto 3. Escola abandonada, município de Mariano Moro/RS ......................................... 182 Foto 4. Terra Vermelha, núcleo de linha parcialmente atingido, município de Concórdia /SC ........................................................................................... ........................................ 183 Foto 5. Sede da Cooperativa de Atingidos Reassentados, Mangueirinha/PR .................. 184 Foto 6. Reassentamento Itá I, Mangueirinha/PR ............................................................. 185 Foto 7. Agricultor, atingido pela UHE Itá, produzindo açúcar, Honório Serpa/PR ........ 186 Foto 8. Praça do centro urbano da Cidade Nova de Itá/SC ............................................. 187 Foto 9. Igreja da Nova Cidade de Itá/SC ......................................................................... 188 Foto 10. Reservatório da UHE Itá, município de Aratiba/RS .......................................... 189 Foto 11. Reservatório da UHE Itá, município de Itá/SC ................................................. 190 Foto 12. Cemitério Relocado de Vila da Várzea, município de Mariano Moro/RS ........ 191 10 RESUMO Tendo em vista a magnitude das transformações decorrentes do planejamento territorial do setor elétrico no Brasil e em vários países do mundo importa, nessa dissertação, introduzir a discussão sobre os conceitos, formas e modalidades de reparação dos diversos tipos de perdas incorridas pelas populações atingidas por barragens, através do caso especifico da Usina Hidrelétrica de Itá, localizada no rio Uruguai, divisa dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Com o intuito de compreender e situar o debate sobre os impactos e reparação das populações atingidas por barragens procurou-se fazer uma revisão da literatura sobre os impactos sócio-ambientais de grandes barragens, apresentando as inúmeras perdas incorridas pelos atingidos, bem como os conceitos e mecanismos de reparação, abordados no âmbito jurídico-legal. Através da investigação do caso específico dos atingidos pela barragem de Itá, foi possível compreender a forma como o processo de reparação foi construído, implementado e como, hoje, ele é percebido pelos atingidos. Esse procedimento permitiu observar a importância da organização e mobilização das comunidades atingidas para as conquistas advindas do longo processo de negociação. Percebe-se, ainda, a influência destes grandes projetos hídricos na estruturação do espaço regional, atuando e interferindo no planejamento regional. 11 ABSTRACT In view of the magnitude of the transformations taken place from the territorial planning of the electrical sector in Brazil and other countries around the world, this work aims to introduce the debate about the concepts, forms and mechanisms of reparation of many types of losses experimented by the people affected by dams, through the specific case of Itá’s Hydro-electric power station, situated on the Uruguay river on the border of the states of Santa Catarina and Rio Grande do Sul - Brazil. With the intention to comprehend and situate the debate of the impacts and reparation of the losses of the people affected by dams, this work makes a revision of the literature about the social-environmental impacts of large dams, presenting the countless losses incurred by the affected people, as well as the concepts and mechanisms of reparation, approached within the legal scope. Through the investigation of the specific case of the people affected by Itá’s dam was possible to comprehend the way that the reparation process was constructed, implemented and how nowadays it is perceived by the affected people. This procedure permitted to observe the importance of the organization and mobilization of the communities for the conquests obtained from the long negotiation process. It was also possible to note the influence of these large hydrical projects on the regional space structuring, acting and interfering on the regional planning. 12 INTRODUÇÃO O problema energético brasileiro encontra-se mais do que nunca na ordem do dia. Basta recordar o episódio ocorrido no ano de 2001 – o racionamento de energia e a ameaça de apagão – que atingiu milhares de habitantes das regiões Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte do país. Entretanto, apesar da atualidade deste acontecimento, a questão da produção, transmissão e distribuição de energia elétrica é um assunto que vem sendo discutido e questionado há muitos anos por diversos setores da sociedade, desde centros de pesquisa e institutos acadêmicos até organizações não-governamentais (ONGs) e movimentos sociais. Paradoxalmente, face à enorme visibilidade adquirida em meados do ano de 2001, muitos pontos permanecem ainda invisíveis aos olhos da maior parte da sociedade brasileira, no que concerne aos impactos negativos e excludentes da política energética estatal. O que permanece, ainda, escamoteado é a própria lógica norteadora dessa política, é o próprio modelo de desenvolvimento excludente adotado pelo nosso país, que tem como objetivo atender aos interesses do grande capital, nacional e internacional, que representam os maiores consumidores desse insumo e que são aqueles que mais lucram com a execução de grandes projetos relacionados à produção, transmissão e distribuição de energia elétrica (construtoras, empresas de consultoria, produtores de equipamentos elétricos de grande porte, agências de financiamento, políticos, etc). Apesar da justificativa desses projetos girar em torno da necessidade de progresso e de desenvolvimento, o que se verifica é uma contradição entre os grupos sociais que obtêm os benefícios e aqueles que arcam com os prejuízos. Se a nível nacional a situação já é alarmante, quando se considera a escala internacional o problema torna-se, ainda, mais grave. Como aponta Vainer (1997, p.12): 13 A história da implantação de grandes barragens parece ser a mesma em toda a parte. Em todo o mundo a grande barragem serve ao mesmo modelo de desenvolvimento. Nos mais diversos países, o grande projeto hídrico busca impor um mesmo padrão de apropriação e uso dos recursos naturais. Nas mais variadas latitudes a coalizão de interesses políticos e econômicos que promove grandes hidrelétricas tem mais ou menos a mesma composição (...). Similares são, aqui e ali, os beneficiários da energia gerada pelas hidrelétricas (...). No caso brasileiro, a política nacional do setor energético, amparada pela existência de um grande número de rios aproveitáveis para a geração de energia elétrica, intensificou, nas últimas décadas, a exploração desse recurso natural. Foi principalmente a partir do final da década de 60, durante o regime militar, que o tão propagado sonho de desenvolvimento e modernidade teve como um de seus maiores símbolos as grandes barragens. Tendo em vista a necessidade de ampliação da oferta de energia elétrica demandada pela crescente industrialização e urbanização, bem como o desejo de transformar o Brasil em uma grande potência, foram elaborados e/ou implementados alguns dos maiores projetos hidrelétricos brasileiros, tais como as Usinas Hidrelétricas de Tucuruí e Itaipu, finalizadas em 1984 e 1983, respectivamente. Nesse período construiu-se a imagem de que nossas usinas hidrelétricas forneceriam uma energia “barata”, “limpa” e “renovável”. Contudo e a despeito de todas as promessas e benefícios propagandeados pelo governo em torno desses projetos, a partir do início da década de 80 (quando a ditadura militar começa a demonstrar sinais de enfraquecimento) começaram a surgir movimentos e organizações populares que passaram a denunciar os impactos negativos advindos da construção das grandes usinas hidrelétricas. Na realidade, desde os anos 40 e 50 houve reclamações contra as barragens, mas eram protestos isolados, pouco organizados. Com a ajuda de setores da Igreja Católica, da Igreja Luterana e do movimento sindical tomou-se a iniciativa de organizar, em abril de 1989, em Goiânia, o I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens. Em 1991, fundou-se o MAB – 14 Movimento de Atingidos por Barragens, hoje o principal movimento popular brasileiro de resistência à construção de barragens. De maneira similar, no âmbito internacional, a difusão dos grandes projetos tem sido acompanhada por uma crescente mobilização contra a construção, a política e o modelo de desenvolvimento que os engendram. Um dos maiores exemplos de luta e resistência contra as barragens é o movimento criado pela população de Manibeli e outras comunidades do vale Narmada na Índia. Além das organizações populares, também começaram a se mobilizar para os problemas gerados pelos grandes projetos hidrelétricos setores do meio acadêmico. É razoável o número de livros, teses, dissertações e relatórios em torno desse tema. O resultado de toda essa mobilização e esforço reflete-se em uma análise sistemática dos principais impactos sócio-ambientais de alguns projetos isoladamente, assim como da lógica mais geral que norteia a política do modelo energético adotado até então. Assim, seja através de análises de estudos de caso seja através de investigações teórico-conceituais, o que a maioria dos estudos e relatos demonstram como principais efeitos negativos sobre a sociedade e o meio ambiente são: o deslocamento compulsório da população residente na área inundável pelo reservatório e consequentemente a perda de terras cultiváveis e de benfeitorias; pequenas e insuficientes indenizações pelas terras e benfeitorias perdidas; desestruturação das formas espaciais e sociais de organização da população; diminuição da quantidade e da variedade de espécies de peixes, tão importantes para a subsistência de grande parte das comunidades atingidas; salinização da água; sedimentação do leito dos rios; perda de fertilidade das áreas a jusante da barragem; aumento de doenças como malária, febre amarela, leishmaniose; entre outros. A despeito da ciência de todos esses impactos negativos por parte da Eletrobrás e do Ministério de Minas e Energia, responsáveis pela política energética nacional, ainda 15 prevalece na mentalidade e no planejamento governamental a intenção de se construir mais algumas centenas de barragens. Esse fato pode ser corroborado pelo plano estratégico que, no presente, norteia as decisões governamentais quanto à produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, o Plano Nacional de Energia Elétrica (1993/2015), mais conhecido como Plano 2015. Neste documento, assim como no anterior (o Plano 2010) a prioridade conferida à fonte hidráulica como opção de suprimento no horizonte do plano não deixa dúvidas: muitas barragens ainda estão por ser construídas. Apesar de o Plano 2015 prever uma pequena redução da participação da hidroeletricidade na composição do sistema, boa parte da projeção de expansão do setor elétrico está embasada na construção de usinas hidrelétricas na região amazônica – região cujos impactos ambientais podem significar perdas de grandes proporções. O mesmo acontece em outros países. Na China, por exemplo, existe um projeto de barragem, em andamento, cujas estimativas prevêem o deslocamento de mais de um milhão de pessoas. De acordo com McCully (1996, p.330), a barragem Três Gargantas, no rio Yangtzé, prevista para ficar pronta em 2015 deve deslocar 1.300.000 pessoas.1 Apesar dos inúmeros avanços conquistados até hoje pelos diversos setores engajados na luta contra as barragens e contra o modelo de planejamento do setor elétrico e hídrico (como o adiamento, a paralisação e, em algumas vezes, o abandono de grandes projetos, redesenho dos projetos e inclusão de programas de reassentamento e ressarcimento das perdas que originalmente não constavam nos projetos), são muitos, ainda, os obstáculos e as reivindicações a serem atendidas. Uma delas é a reparação das perdas e danos individuais e coletivos, materiais e imateriais sofridos pelas populações atingidas por barragens, que mesmo depois de vários anos da conclusão das obras ainda se encontram com uma condição de vida precária. 1 Ver MCCULLY, Patrick. Silenced Rivers: the ecology and politics of large dams. London: Zed Books, 1996, 350p. 16 Muitos são os trabalhos que versam sobre os impactos sócio-ambientais da construção de usinas hidrelétricas. Entretanto, poucos são aqueles que se dedicam à investigação da reparação das perdas sofridas pela população atingida por barragens. A pequena quantidade de trabalhos que se dedicam a essa problemática não diminui, contudo, a sua importância. Prova disso são as diversas declarações que demandam por reparação, compensação retroativa e ações remediadoras, tais como: a Declaração de Manibeli, de 1994, a Declaração de Curitiba de 1997 e a versão final do “Resumo Temático sobre deslocamento, reassentamento, reabilitação, reparação e desenvolvimento” da Comissão Mundial de Barragens (WCD, sigla em inglês), que segue abaixo: Para muitos deles [atingidos por barragens] qualquer reparação pode ser uma ou duas gerações muito tarde. Isso, contudo, não nos dispensa de procurar por melhores resultados no futuro, deixando para trás milhões de vidas destruídas. Os erros do passado devem ser conhecidos e as responsabilidades assumidas. Também não é suficiente apenas reconhecer e assumir as responsabilidades por erros do passado. É necessário, também, reparar os danos e providenciar as indenizações para eles (Bartolome et al, 2000, pp.44) (tradução nossa). Dentro deste contexto, tendo em vista a magnitude das transformações decorrentes do planejamento territorial do setor elétrico no Brasil e em vários países do mundo importa, nessa dissertação, introduzir a discussão sobre os conceitos, mecanismos e modalidades de reparação dos diversos tipos de perdas incorridas pelas populações atingidas por barragens, procurando entender como se deu esse processo em um caso especifico – a barragem de Itá, localizada no rio Uruguai, divisa dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A opção pelo projeto de Itá se deu em função de o mesmo ter sido, juntamente com Machadinho, um dos casos mais expressivo de resistência, mobilização e participação da população atingida. Para que o trabalho atingisse seus objetivos, foi realizada uma revisão da literatura sobre os principais impactos ambientais, sociais e culturais da construção de barragens. As 17 informações recolhidas nesta revisão são apresentadas, de maneira sucinta, chamando atenção para os diversos tipos de danos materiais e imateriais, individuais e coletivos sofridos pelas populações atingidas, no Brasil e no mundo. Também se procedeu a um levantamento da bibliografia sobre reparação das perdas e danos, no âmbito jurídico-legal, em especial os danos ambientais, com a finalidade de se estabelecer o atual estágio de desenvolvimento dessa questão. Foi realizada ainda uma pesquisa de campo, onde foi feito o levantamento de parte da bibliografia e entrevistas com atingidos que participaram do processo de negociação e reparação de diferentes maneiras. No que tange à bibliografia foram analisados documentos produzidos pela empresa, inicialmente responsável pela obra, trabalhos acadêmicos e documentos produzidos pelo movimento social criado a partir do conflito. Quanto ao trabalho de campo, foram realizadas 30 entrevistas com famílias atingidas pela barragem, uma entrevista com uma das lideranças do movimento e uma entrevista com um trabalhador (peão) da obra da usina. 18 CAPÍTULO 1. IMPACTOS SÓCIO-AMBIENTAIS DE GRANDES BARRAGENS A barragem acaba os rios, também a vegetação, ela afoga a natureza sem nenhuma compaixão, tira o nosso direito de fazer plantação, mata a nossa alegria destrói nossa criação, coloca tristeza e dor dentro do meu coração. Trecho extraído do poema de Antônio José1. O primeiro passo para se compreender os diversos impactos da construção de barragens ao longo das últimas décadas, em diversas partes do mundo, requer, antes de mais nada, uma breve análise dos objetivos e significados desses grandes empreendimentos. De acordo com McCully (1996, p.2), mais do que simples máquinas geradoras de eletricidade e armazenamento de água, as barragens representam, em concreto, rocha e terra, a ideologia dominante da era tecnológica. Como ícones do desenvolvimento econômico e do progresso científico, as barragens representam o triunfo da dominação do homem sobre a natureza. Nas palavras de S.H.C de Silva, consultor do Departamento de Irrigação do Siri Lanka “um reservatório é um triunfo da humanidade sobre a natureza e a visão de uma vasta área de água traz uma satisfação interna para aqueles que a contemplam” (McCully, 1996, p.11) (tradução nossa). Para além de sua força simbólica, vários objetivos foram utilizados como justificativa para a construção e intensificação, tanto do número quanto do tamanho das barragens. Dentre os principais argumentos elencados estão: a necessidade de geração de energia elétrica e o aumento da oferta de água para a agricultura, indústria e consumo doméstico. Em uma escala de importância mais reduzida estão, também, controle das cheias dos rios e a conseqüente prevenção contra enchentes, melhoria das condições de navegabilidade dos rios, melhoria das condições sanitárias dos rios, além de criação de espaços de recreação e geração de empregos. 1 Esse trecho foi extraído do poema O MAB-CPT de Antônio José, atingido pela barragem de Manso. O poema encontra-se no site www.mabnacional.org.br. 19 É importante ressaltar que a ordem de prioridades acima estabelecida diz respeito às barragens de um modo geral. Existem alguns casos isolados, em que as barragens foram construídas ou, pelo menos, projetadas apenas com a finalidade de controle de cheias e/ou melhoria das condições de navegabilidade dos rios. Entretanto, na maioria dos casos, os propósitos principais para elaboração e construção das barragens são a produção de energia hidrelétrica e o aumento da produção de alimentos através de projetos de irrigação. Atualmente, e com o intuito de se obter maior legitimidade e agilidade no processo de aprovação, grande parte dos projetos vêem utilizando o conceito de “Benefícios ou Usos Múltiplos do Aproveitamento”. Esse termo indica que não são apenas um, mas vários os benefícios e objetivos que o empreendimento conseguirá realizar. Um exemplo concreto da utilização desta estratégia pode ser verificado no caso da barragem de Manso, localizada no estado do Mato Grosso, Brasil. Na história oficial da Usina Hidrelétrica de Manso (UHE Manso), que começa em 1974, a justificativa utilizada para a implantação da barragem foi a necessidade de criar um sistema de controle de cheias e melhorias das condições de navegação do rio Manso, dada a grande enchente que, naquele ano, desabrigou milhares de famílias ribeirinhas e inundou cidades situadas no vale desse rio. Em virtude do alto custo das obras civis, das dúvidas geradas quanto à eficiência no controle de cheias e a comprovada ineficiência na questão da navegabilidade do rio Cuiabá, o projeto foi abandonado. Em 1980, o projeto foi retomado, só que desta vez, com o objetivo principal de gerar energia elétrica para o suprimento do mercado polarizado por Cuiabá e Várzea Grande. É curioso perceber que, apesar de todas as dúvidas em relação à eficiência do projeto no controle das cheias e melhoria da navegabilidade do rio Cuiabá, encontra-se elencado no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da UHE Manso como um dos “Múltiplos benefícios do Aproveitamento” o controle de enchentes e a navegação. 20 A complexidade do tema das barragens não se restringe apenas aos seus “múltiplos benefícios” e significados. Outra questão relacionada a esses empreendimentos que também tem gerado muita discussão, principalmente, nos dias de hoje, diz respeito ao tamanho das barragens e usinas hidrelétricas. Oponentes de projetos de grandes barragens, algumas vezes, sugerem, como alternativa energética as pequenas barragens, ou, para utilizar o termo técnico atualmente em uso no Brasil, as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs)2. Como aponta McCully (1996, p.24), apesar de relevante, o tema pequenas versus grandes barragens está longe de ser simples. A começar pela própria definição do que é uma pequena e/ou uma grande barragem. De acordo com a Comissão Internacional de Grandes Barragens (ICOLD, sigla em inglês) a grande barragem pode ser definida como aquela cujo comprimento, desde a fundação até a crista, é igual ou superior a quinze metros. Já para a indústria, a caracterização de uma “grande barragem” deve preencher algum dos seguintes critérios, a saber: comprimento (igual ou superior a 150 metros); volume (igual ou superior a 15 milhões de metros cúbicos); capacidade de armazenamento do reservatório (igual ou superior a 25 quilômetros cúbicos) e; capacidade de geração elétrica (igual ou superior a 1.000 Megawatts). Pode-se perceber, com os dois exemplos citados acima, que o comprimento da barragem é o critério comumente aceito para a definição do que é uma pequena ou grande barragem. Entretanto, nas palavras de McCully (1996, p.24), O comprimento, freqüentemente, não é um guia confiável para se avaliar os impactos de uma barragem. Uma barragem de 100 metros localizada em um vale profundo pode inundar uma área menor e conseqüentemente deslocar menos pessoas e gerar menores impactos no rio do que uma barragem de 15 metros em uma região densamente habitada (tradução nossa). 2 A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) convocou a população interessada para uma audiência pública, cujo objetivo é discutir novos critérios (tais como altura e área inundável) das PCHs. Maiores informações encontram-se no site da agência: www.aneel.gov.br. 21 Além dos aspectos geológicos, geomorfológicos, entre outros, é preciso, também, levar em conta o regime de funcionamento e operação da barragem. É claro que, uma vez escolhido o local da barragem e seu sistema de operação, quanto maior a barragem maiores serão seus impactos. Feitas estas considerações, e sem pretender aprofundá-las aqui, iniciar-se-á a apresentação dos principais impactos decorrentes da construção de grandes barragens. Para isso, foi feita aqui uma divisão entre os impactos ambientais e os impactos sociais com objetivo exclusivamente didático e de apresentação. Entende-se que essa divisão prática e conceitualmente é problemática, contudo, esta discussão não será objeto de análise neste trabalho. 1.1. Impactos Ambientais Assim como todo rio é único nas características de sua vazão, da região que ele percorre e das espécies que ele sustenta, assim também o é o design e o modelo de operação das barragens e os efeitos nos rios e ecossistemas que dela decorrem (McCully, 1996, p.31) (tradução nossa). A frase acima transcrita tem um significado importante para o desenrolar deste trabalho, pois ela contempla duas questões importantes. A primeira diz respeito à impossibilidade de se tratar aqui de todos os impactos ambientais decorrentes da construção de barragens. Como se trata de um levantamento geral, inclusive a nível internacional, não serão levadas em conta as especificidades e os efeitos de todas as barragens até hoje construídas ou em construção, nos diversos países. A segunda diz respeito à própria 22 impossibilidade da ciência (e dos cientistas), até hoje, de avaliar com precisão e exatidão a extensão da fragmentação dos ecossistemas decorrentes de empreendimentos desta natureza3. Em função disto, limitar-se-á a apresentar os principais efeitos, até hoje catalogados pela literatura. 1.1.1 Inundação das áreas do reservatório A permanente inundação de florestas, brejos e vida selvagem, talvez seja o efeito ambiental mais óbvio de uma barragem. Nas estimativas de McCully (1966, p.32) “pelo menos 400.000 km2 foram perdidos [inundados] ao redor do mundo” (tradução nossa). Mais importante do que o tamanho da área inundada, as barragens submergem terras extremamente férteis que abrigam ecossistemas diversos. Boa parte da fauna e da flora que vive nessas áreas normalmente não consegue sobreviver em outras regiões depois do enchimento do reservatório. Aliado a isto está o fato de que as barragens normalmente são construídas em áreas remotas, que representam o último refúgio de espécies deslocadas pelo desenvolvimento de outras regiões. Além de destruir o habitat de várias espécies, os reservatórios ainda contribuem para obstruir os acessos das rotas migratórias de muitos animais. Como efeito secundário, além das matas e bosques destruídos pelo enchimento do reservatório e pela construção das linhas de transmissão, áreas de cobertura vegetal próximas ao local da barragem também são destruídas pela ação de agricultores e madeireiros. No primeiro caso, os agricultores deslocados da área inundada acabam por desmatar áreas 3 Não cabe aprofundar aqui o debate sobre a incerteza científica e sua repercussão na chamada teoria da sociedade do risco. Vale, contudo, salientar que os riscos decorrentes dessa incerteza são arcados desproporcionalmente por uma parte da população, em geral, a mais marginalizada, como é o caso dos atingidos, e não por toda a sociedade como pretendem alguns autores da chamada sociedade do risco. Sobre esse ponto ver: BLOWERS, Andrew. Enviromental Policy: Ecological Modernization or the Risk Society? In: Urban Studies. University of Glasgow, Glasgow, 1997, vol. 34, n. 5-6, p.845-871. 23 próximas ao reservatório para reconstruir suas casas e plantações. Já os madeireiros, se aproveitam do aceso facilitado pela abertura de novas estradas para desmatar regiões anteriormente de difícil acesso. Além da perda inestimável da fauna e da flora, os reservatórios também destroem paisagens cênicas, algumas delas, as mais bonitas do mundo. Um caso clássico deste tipo de perda foi a inundação da cachoeira de Sete Quedas, no município de Guaíra, no Brasil, em decorrência do enchimento do reservatório da Usina de Itaipu4 (Soares, 2001). 1.1.2. Sedimentos Todos os rios transportam, ao longo do seu curso, sedimentos que são erodidos do solo e das rochas. Quando uma barragem é construída esse processo é inevitavelmente reduzido ou totalmente impedido. Como forma de recuperar o abastecimento normal de sedimentos, o rio a jusante da barragem começa a erodir o seu leito. O processo de erosão do leito de um rio causa um aprofundamento e alargamento de suas margens, comprometendo, assim, a fundação de pontes e estradas e o abastecimento de água de determinadas regiões. Foi o que ocorreu com o rio Colorado, em função da barragem Hoover (McCully, 1996, p.34). Além do leito dos rios, também, uma parte das faixas costeiras e dos deltas sofrem com o processo de erosão. Com a redução da quantidade de sedimentos carregados pelos rios que desembocam no mar, muitas praias e faixas litorâneas perdem sua antiga proteção e passam a sofrer erosão das ondas e das marés. Como aponta McCully (1966, p.36) “Desde a década de 1920 muitas barragens têm sido responsáveis pela redução de quatro quintos dos sedimentos que chegam à costa sul 4 Para uma informação mais detalhada sobre esse caso ver: SOARES, Daniella Feteira. Paisagem e Memória: dos Saltos de Sete Quedas ao Lago de Itaipu. 2001. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional). Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 24 da Califórnia. Isso tem causado um efeito dramático na região praieira, que, hoje em dia, é mantida pelo alto custo das areias trazidas de outras regiões” (tradução nossa). A redução da quantidade de sedimentos depositados no rio traz ainda graves conseqüências para os peixes e aves que se alimentam dos animais aquáticos; isso porque, sedimentos, como cascalho e gravetos, constituem importantes habitats de invertebrados aquáticos, tais como insetos, moluscos e crustáceos, que, por sua vez, representam uma importante fonte de alimento para peixes e aves. 1.1.3. Terremotos Outro efeito atribuído à construção de barragens é a promoção e intensificação de terremotos, tremores de terras e atividades sísmicas em regiões próximas aos reservatórios de água. De acordo com o levantamento feito por Goldsmith & Hildyard (1984) a partir do final da década de 1930 e, especificamente, a partir do caso da barragem de Boulder, nos EUA, onde após quatro anos do enchimento do reservatório do Lago Mead foram constatados quatro pequenos e um grande tremor de terra, teve início o debate sobre a conexão entre as atividades sísmicas e os reservatórios das barragens. Durante os vinte anos que se seguiram, poucos casos isolados de terremotos ocorreram após o enchimento de um reservatório e isso fez com que o tema fosse deixado de lado. Na década seguinte foram registrados quatro grandes terremotos, medindo entre 5.8 e 6.5 na escala Richter, nos reservatórios de Hsinfengkiang, na China, em 1962; em Kariba, no Zimbábue, em 1963; em Kremasta, na Grécia, em 1966 e em Koyna, na Índia, em 1967. 25 Em 1969, a relação entre grandes barragens e terremotos voltou a cena pública, principalmente, após o IV Congresso Mundial sobre Engenharia de Terremoto, em Santiago do Chile. Nesse Congresso, o professor Jean Pierre Rothé, sismólogo francês, demonstrou, em seu artigo intitulado “Terremotos produzidos pelo Homem”, que os terremotos ocorridos nesses quatro casos foram definitivamente causados pelo enchimento do reservatório. A partir de então, outras evidências relacionando terremotos e reservatórios começaram a surgir. Originalmente, acreditava-se que as atividades sísmicas só poderiam ocorrer enquanto o reservatório estivesse sendo cheio ou imediatamente após seu completo enchimento. Depois, descobriu-se que os terremotos também ocorriam quando o reservatório tinha sido esvaziado e reenchido. Atualmente, contatou-se que os mesmos podem ser causados quando o nível de água no reservatório é diminuído e até mesmo após alguns anos do seu enchimento, quando o nível de água está relativamente estável. Um exemplo deste último caso aconteceu no lago Nasser, o reservatório atrás da barragem de Aswan, no Egito. O enchimento do reservatório começou em 1964 e o lago atingiu seu nível máximo de água (177,8m), em 1978: desde então ele flutuou entre 171 e 177 metros. No dia 14 de novembro de 1981 ocorreu um terremoto de magnitude 5.6 na escala Richter, precedido por três ‘foreshocks’ e seguido por um grande número de ‘aftershocks’ (Goldsmith & Hildyard, 1984, p.116). (tradução nossa). Mesmo com todas estas descobertas, ainda existem algumas dúvidas quanto aos atuais mecanismos que desencadeiam os terremotos e quais as condições geológicas onde eles podem ocorrer. Mas certo está que a pressão e o peso da água estocada no reservatório, em alguns casos, são suficientes para explicar o surgimento de um terremoto. 1.1.4. Contaminação da água 26 Ao se interromper o fluxo normal do curso de um rio, diversas mudanças na composição química, física e térmica da água são verificadas. Diversas são, também, as conseqüências danosas à qualidade da água do reservatório e do rio a montante e a jusante da barragem. A primeira delas diz respeito à mudança na temperatura da água. A água liberada do fundo de um reservatório de uma grande barragem normalmente é mais fria no verão e mais quente no inverno do que a água do rio. Já a água da superfície do reservatório é mais quente do que a do rio, durante praticamente todo o ano. O aquecimento ou resfriamento afeta a quantidade de oxigênio e sólidos suspensos na água, influenciando as reações químicas que aí ocorrem e causando rupturas no ciclo de vida dos seres aquáticos, tais como período de procriação, de caça, de metamorfose da larva, etc. A barragem de Glen Canyon, nos EUA, exemplifica bem esta situação. Em função do resfriamento do rio Colorado a reprodução das espécies nativas de peixes deste rio ficou comprometida por uma extensão de até 400 quilômetros abaixo da barragem. A segunda alteração está relacionada à decomposição da vegetação e do solo submerso pelo reservatório. Durante os primeiros anos do enchimento do reservatório, a decomposição desse material pode reduzir drasticamente o nível de oxigênio na água. O apodrecimento de matéria orgânica também pode levar a uma liberação de gases como o metano e o dióxido de carbono. De acordo com McCully (1996, p.38) o tempo de maturação de um reservatório, nas regiões temperadas, é de aproximadamente um década. Nos trópicos, a decomposição da matéria orgânica pode demorar algumas décadas, até mesmo, séculos. Uma forma de minorar este problema seria através da limpeza da zona do reservatório antes do seu enchimento. Entretanto, devido à pressão do cronograma para a conclusão da obra (especialmente no caso de grandes reservatórios) e ao alto custo, apenas uma parte do reservatório acaba sendo devidamente desmatada. Um caso brasileiro bem 27 conhecido é o da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no estado do Pará. Dos 2.430 Km2 de floresta que foram inundados para a formação do lago, apenas 400 Km2 foram desmatados. De acordo com Silva (1997, p.34) “a urgência político-oportunista do governo federal em inaugurar a obra fez com que os executores da obra não processassem o desmatamento em tempo hábil. A conseqüência desta decisão foi a decomposição da matéria orgânica vegetal e a proliferação das macrófitas aquáticas”. Estas, por sua vez, foram responsáveis pelo fenômeno da “praga dos mosquitos” que trouxe graves conseqüências para a população recém-relocada na margem esquerda do reservatório. “Algumas famílias, no desespero, começaram a vender seus lotes por preço irrisório (...) Outros abandonaram os lotes e foram para a ‘rua’ (...)” (SILVA, 1997, p.87)5. Outra descoberta diz respeito à acumulação de altos níveis de mercúrio nos peixes. O mercúrio em si é uma substância inofensiva, naturalmente presente em formas inorgânicas, em diversos solos. O problema começa quando as bactérias que se alimentam da matéria orgânica em decomposição, quando do enchimento do reservatório, transformam esse mercúrio inorgânico em metilmercúrio, uma toxina que afeta o sistema nervoso central. O metilmercúrio é, então, absorvido pelos planktons e outras pequenas criaturas da base da cadeia alimentar. À medida que o metilmercúrio atravessa a cadeia alimentar, sua concentração vai aumentando no corpo dos animais que comem presas contaminadas. Através deste processo de bio-acumulação, os níveis de metilmercúrio no tecido dos grandes peixes do topo da cadeia alimentar podem aumentar em sete vezes aquele presente nos organismos do fundo da cadeia. McCully (1996, p.42) afirma que “níveis elevados de mercúrio em peixes de reservatórios foram detectados pela primeira vez na Carolina do Sul, no final da década de 5 Sobre este caso ver: SILVA, Maria das Graças. Planejamento Territorial, Deslocamento Compulsório e Conflito Sócio-ambiental: mosquito e pistolagem na barragem de Tucuruí (PA). 1997. 173 p. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 28 1970”. Desde então, novos casos de contaminação por mercúrio foram confirmados em Illinóis, Canadá, Finlândia e Tailândia. Por fim, a terceira alteração diz respeito à salinização da água, isto é, ao aumento da concentração de sais na água. A construção dos reservatórios multiplica enormemente o tamanho da superfície de água exposta aos raios solares, o que faz com que a taxa de evaporação da água também se eleve sobremaneira. O resultado disso é o aumento da concentração de sais na água, cujo efeito pernicioso é o envenenamento de animais aquáticos e corrosão de tubos e máquinas. 1.1.5. Salinização dos solos Assim como a água, também os solos apresentam em sua composição determinada quantidade de sal. Esse sal é resultado do que os geólogos denominam “weathering” – processo natural, físico, químico e biológico de decomposição das rochas e outras formações geológicas. À medida que as rochas vão, gradualmente, se decompondo, os sais naturais são liberados no solo e depois são, geralmente, dissolvidos pela água da chuva. O problema aparece quando a concentração de sais naturais no solo atinge um percentual entre 0,5% a 1,0%, tornando a terra tóxica para a vida vegetal e imprópria para o cultivo. Nas regiões tropicais áridas e semi-áridas, o problema é ainda mais grave, dado que a escassez de chuvas impossibilita os sais acumulados no solo de serem transportados pela água. Além disso, os lençóis de água nestas regiões podem apresentar concentrações de sais tão altas, quanto a da água do mar. Isso torna os solos particularmente vulneráveis à salinização (Goldsmith & Hildyard, 1984). 29 Goldsmith & Hildyard (1984, p.136), explicam que, para que as terras áridas não se tornem salinizadas: (...) é claramente essencial manter o “water-salt balance” do solo. Isto é, a quantidade de água que sai do solo deve ser, no mínimo, igual a que penetra no mesmo. Não se deve permitir que a água se acumule. Senão, o sal também será adido ao solo (…) a menos que a mesma quantidade de sal consiga ser eliminada da terra (tradução nossa). E é justamente esse delicado “salt-water balance” que é afetado pelos projetos de irrigação. Primeiro, porque a irrigação perene aumenta invariavelmente o “water table”. O aumento do “water table” produz o alagamento dessas regiões, desencadeando, assim, o processo de salinização. Segundo, porque a irrigação aumenta a taxa de evapotranspiração, seja através do aumento da extensão da cobertura vegetal – aumentando a taxa de transpiração – seja através do aumento da extensão da área coberta pelas gotículas de água da irrigação – aumentando diretamente a evaporação. A conseqüência disso é o aumento da concentração de sais no solo (Goldsmith & Hildyard, 1984). Segundo Goldsmith & Hildyard (1984, p.141) Em todo o mundo, a perda anual decorrente da salinização e do alagamento são impressionantes. (…) De acordo com um estudo recente, a mesma quantidade de terra irrigada está sendo descartada para a produção, por causa da salinização e do alagamento quanto está sendo preparada por novos projetos de irrigação (tradução nossa). 1.1.6. Peixes Dentre os animais que são mais afetados pelas barragens, merecem destaque as diversas espécies de peixes que habitam os rios e bacias barradas ao redor do mundo. Os efeitos sobre eles são os mais diversos possíveis. O primeiro deles, amplamente catalogado, é o que diz respeito à migração dos peixes, especificamente do salmão. O salmão é uma espécie de peixe anádromo, isto é, eles 30 nascem em rios de água doce, migram para o oceano para amadurecer e depois retornam ao rio para procriar e morrer. A construção da barragem e a conseqüente alteração do fluxo dos rios tornam-se um grande obstáculo para o ciclo migratório dos peixes e até mesmo para a sobrevivência das espécies. Das mais de 400 espécies de salmão da costa pacífica dos EUA, sobreviveram, até os dias de hoje, apenas 214, sendo que 169 estão correndo alto ou médio risco de extinção. Em termos econômicos, uma pesquisa realizada pelo Serviço Nacional da Marinha Pesqueira dos EUA, estimou em seis bilhões e quinhentos milhões de dólares o valor da perda da pesca de salmão, em conseqüência das barragens da bacia do rio Columbia, no período de 1960 a 1980 (McCully, 1996, p.41). O segundo impacto que pode ser letal para os peixes está relacionado às alterações térmicas da água, mencionadas anteriormente. No caso dos salmões jovens, o aquecimento da superfície do leito do rio pode representar uma ameaça fatal, assim como o resfriamento do fundo do rio pode ser letal por causa da redução da quantidade de oxigênio. Por fim, a alta concentração de poluentes nos reservatórios pode causar estresse nos animais, aumentando sua suscetibilidade à doenças (Ibid, p. 42). Algumas medidas de mitigação ou compensação têm sido usadas para diminuir os impactos negativos nos peixes. A mais usada é a aplicação de escadas (fish passages ou fish ladders), cuja eficácia e aplicabilidade têm sido de limitado alcance. De modo geral, “as medidas compensatórias consistem em programas de reposição da produtividade pesqueira” (WCD, 2000, p.86) (tradução nossa). O problema de medidas compensatórias desta natureza é que, apesar de conseguirem aumentar a produtividade, principalmente nos reservatórios, elas não conseguem evitar que algumas ou várias espécies de peixe nativas entrem em extinção. Um caso em questão é o da barragem construída para Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Dados coletados antes e depois da construção da usina ilustram as alterações na 31 composição das espécies e na produtividade dos peixes, nas áreas a montante, a jusante e no reservatório. No que diz respeito à composição das espécies, os dados demonstram uma redução significativa na variedade das mesmas. Os dados demonstram que 11 espécies desapareceram da região. Quanto a produtividade, os resultados variam de acordo com a área. Na área a montante da barragem, a produtividade permaneceu constante durante os dez primeiros anos, apresentando um pequeno aumento nos últimos anos. Na área a jusante, observou-se uma tendência de queda constante. Por fim, na área do reservatório, o a produtividade deduplicou no período que vai de 1981-1998. (WCD, 2000). 1.1.7. Sedimentação das barragens Outro argumento contra a construção de grandes barragens diz respeito ao processo de sedimentação verificado atualmente em alguns países, principalmente, nos EUA. Goldsmith & Hildyard (1984, p.219) afirmam que mesmo que todos os problemas relacionados às barragens pudessem ser resolvidos por uma melhora no planejamento, execução e gerenciamento, ainda assim, os benefícios advindos da barragem seriam apenas temporários. Diz ele: Mais cedo ou mais tarde o reservatório de uma barragem acaba sendo completamente inutilizado pela acumulação de sedimentos e detritos que a barragem impede de escoar. E quando isso acontece, a barragem deve ser desativada, pois sem o seu reservatório, uma barragem torna-se um pedaço inútil de concreto (tradução nossa). Nas áreas temperadas, o processo de sedimentação é normalmente mais lento do que nos trópicos. Estudos realizados pelo Professor Dendy do Laboratório de Sedimentação do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) demonstraram que a taxa de sedimentação em 1.105 reservatórios dos EUA com capacidade de armazenamento menor que 10 “acre-feet” era de aproximadamente 3,5%. Nos reservatórios com capacidade média (mais 32 de 100 “acre-feet”) a taxa era de 1,5%. Já nos grandes reservatórios (acima de 1.000.000 de “acre-feet”) esse número caía para 0,16% ao ano. Nas áreas tropicais a situação é ainda pior devido ao desmatamento normalmente empreendido nos solos dessas regiões. Isso porque o processo de sedimentação está intimamente relacionado com a quantidade de sedimentos carregados pelo rio que alimenta a barragem que, por sua vez, está relacionado com a taxa de erosão da área de drenagem do rio. Assim, quanto maior a quantidade de sedimentos carregados por um rio, mais rápido será o processo de sedimentação do reservatório. Só para se ter uma idéia da extensão do problema, no Haiti, a Barragem de Peligre, no rio Artibonite, finalizada em 1956 como parte de um projeto de irrigação do Vale do rio Artibonite foi planejada para durar, pelo menos, 50 anos. Contudo, o processo de sedimentação foi tão acelerado que, em 1986, a barragem teve que ser desativada. Pior ainda, foi o caso ocorrido na China com o reservatório Laoying, que foi sedimentado antes mesmo da barragem ficar pronta. Uma vez sedimentado o reservatório, o que resta é apenas uma terra inútil e lamacenta, imprópria para irrigação e para a agricultura. Além disso, um processo de sedimentação prematuro afeta seriamente a parte econômica do projeto ao reduzir enormemente o prazo de amortização dos custos (já altos) de uma barragem. Os cálculos utilizados para a justificação do projeto, tornam-se absurdos e descabidos. Apesar dos inúmeros casos de sedimentação pouca atenção tem sido dada a este problema por parte dos governos, haja visto o grande número de projetos sendo planejados, atualmente, em países tropicais. 1.1.8. Impactos Cumulativos 33 De acordo com o relatório da Comissão Mundial de Barragens (2000) (WCD, sigla em inglês) a maioria dos principais rios e bacias hidrográficas do mundo hoje comporta um grande número de barragens. Quanto maior o número de barragens construídas em um mesmo rio ou bacia hidrográfica, maior é a fragmentação do ecossistema fluvial. Estima-se que 60% das maiores bacias hidrográficas são alta ou moderadamente fragmentadas. Ainda conforme a definição da WCD (2000, p.88), “impactos cumulativos ocorrem quando várias barragens são construídas em um mesmo rio” (tradução nossa). Nesses casos, os problemas são intensificados, resultando em um aumento cumulativo das perdas de recursos naturais, da qualidade do habitat e da integridade do ecossistema. Alguns casos significativos de impactos cumulativos foram documentados pela WCD. No que diz respeito aos parâmetros de qualidade da água, como níveis de oxigênio dissolvido e temperatura, um exemplo é o do rio Orange-Vaal, na África do Sul, cujo impacto das 24 barragens construídas alterou em uma extensão de 2.300 Km (ou o equivalente a 63% do comprimento do rio) o seu regime térmico. Outro caso expressivo é o do rio Columbia, nos EUA. Estima-se que de 5% a 14% dos salmões adultos são mortos em cada uma das oito barragens pelas quais eles têm que atravessar durante seu período de migração. 1.2. Impactos Sociais Ao longo das últimas seis décadas, os responsáveis pela construção de barragens expulsaram de suas casas e terras dezenas de milhões de pessoas, sendo quase todas pobres, politicamente marginalizadas e boa parte de tribos indígenas e outras minorias étnicas. 34 De acordo com a Comissão Mundial de Barragens (2000) estima-se que o número de pessoas deslocadas em função destes empreendimentos gira em torno de 40 a 80 milhões em todo mundo6. Além da dimensão quantitativa exorbitante revelada por esses números, o enorme intervalo – exatamente o dobro – entre a menor e a maior estimativa traz à tona outra questão importante, qual seja: a imprecisão e a subestimação do número de pessoas atingidas por barragens no mundo. Como aponta McCully (1996, p.66), “É, contudo, difícil apresentar uma estimativa precisa do total de pessoas deslocadas, uma vez que a indústria e o governo raramente se preocuparam em coletar e produzir estatísticas confiáveis de deslocados” (tradução nossa). Corrobora esse fato a declaração da WCD, que consta em seu relatório final, onde todos os estudos de caso apontam falhas no levantamento do número de atingidos. Segundo ela, o nível de subestimação varia entre 2.000 a 40.000 pessoas por projeto.7 O problema das estatísticas de atingidos por barragens está ligada a uma dimensão ainda maior, qual seja: o próprio conceito de atingido. A maioria dos levantamentos realizados pelos governos e/ou empresas consideram como atingidos pelo projeto apenas aquelas pessoas que são deslocadas por causa do enchimento do reservatório e que possuem o título de propriedade. Eles excluem, desse modo, a população a montante e a jusante da barragem, os posseiros e as pessoas que não possuem o título de propriedade, as pessoas deslocadas por causa de outras partes do projeto (como por exemplo, as linhas de transmissão, a casa de máquina, etc), as famílias que perdem suas terras ou parte delas, mas que permanecem com suas casas, as populações residentes nas ilhas formadas pelo reservatório, as 6 De acordo com a própria Comissão Mundial de Barragens, esses números representam apenas uma estimativa grosseira das pessoas deslocadas fisicamente pelas barragens e provavelmente, não incluem as pessoas deslocadas em função de outros aspectos do projeto, tais como linhas de transmissão, casa de máquinas, reservas biológicas, etc. 7 Sobre outros números mais detalhados ver WORLD COMISSION ON DAMS. Dams and Development: a new framework for decision making. London: Earthscan, 2000. Relatório da Comissão Mundial de Barragens. 35 famílias que utilizam as terras comuns para pastagem do gado, colheita de frutos, vegetais e madeira, além daquelas que têm seu acesso obstruído em função da destruição e alagamento de estradas e vias de acesso a escolas, hospitais, comércios e etc. Como explica Vainer (1990, p.106), A natureza e lógica dos grandes projetos hidrelétricos não deixam dúvidas. Trata-se de explorar determinados recursos naturais, espaços, mobilizar certos territórios para uma finalidade específica: produção de eletricidade. Tudo que contrarie ou escape a este fim aparece como obstáculo e, no cronograma financeiro, aparece na rubrica de custos (tradução nossa). Nesse sentido, a população atingida, assim como os usos que essa população faz da água e todas as atividades econômicas e sociais preexistentes ao projeto são considerados obstáculos ao projeto e custos econômicos que devem ser “minimizados”. Não é à toa que, pelo menos no Brasil, uma das estratégias utilizadas pelo setor elétrico é a que Vainer (1990) denominou de estratégia territorial patrimonialista, onde só são reconhecidos como atingidos aquelas pessoas que possuem os direitos de propriedade. A apropriação das terras se dá através do mecanismo legal da compra e venda, que desconhece qualquer direito social ou territorial dos não proprietários, eximindo a empresa dos custos sociais impostos a essa parte da população. A segunda estratégia, apontada por Vainer (1990) e Vainer e Araújo (1990), utilizada pelas empresas para facilitar o deslocamento da população e o andamento das obras se baseia na desinformação da população. No momento inicial, a desinformação surge como a maneira de facilitar o ingresso da empresa na região, antes que a população se dê conta do que vai ocorrer. Na etapa seguinte, a desinformação aparece através de uma intensa atividade de comunicação social, que propagandeia as obras e benefícios e desconversa quanto aos impactos negativos para a população e para a região. Ela se funda sobre o lançamento de informações desencontradas e contraditórias que acabam gerando dúvidas e inseguranças na população, facilitando, assim, a ação da empresa. 36 A terceira estratégia, por fim, é a da negociação individual. A escolha por uma negociação individual, proprietário por proprietário, ao invés de uma negociação coletiva, tem um objetivo claro: impedir ou dificultar a discussão e organização coletivas. Para a empresa a população não existe enquanto coletividade/comunidade, mas apenas como um somatório de proprietários indivíduos. Apesar de constituir, ainda hoje, um campo de disputa, a ampliação do conceito de atingido pode ser considerada uma das grandes vitórias que os diversos movimentos de atingidos conquistaram nos últimos anos. Tanto é assim que, atualmente, o próprio Banco Mundial, um dos maiores financiadores de projetos de grandes barragens, reconhece que: Populações indígenas, minorias étnicas, camponeses e outros grupos que tenham direito informal à terra e outros recursos expropriados pelo projeto, devem ser ressarcidos adequadamente com terra, infra-estrutura e outras compensações. A ausência de título legal de propriedade não deve ser utilizada para negar a tais grupos compensação e reparação (World Bank, 1994, Executive Summary, Box 1). Devido à diversidade e especificidade da realidade econômica, social, cultural e política de cada região, onde se desenvolvem projetos deste porte, limitar-se-á, neste trabalho, a uma apresentação dos principais impactos sociais e culturais causados pelas grandes barragens no mundo. Nunca é demais ressaltar que as diferenças de valores e tradições, bem como de formas sociais de relacionamento com os recursos naturais e experiências políticas e organizativas tornam os impactos sociais, assim como os ambientais, singulares em cada projeto e em cada região e comunidade. Apesar disso, é possível e necessário, a partir da bibliografia existente, apresentar os principais impactos sociais, econômicos e culturais, sua extensão, diversidade e complexidade. 1.2.1. População deslocada pelas grandes barragens 37 As dificuldades enfrentadas pela população deslocada pelas barragens, como se verá a seguir, são inúmeras e de diversas ordens. Contudo, antes de prosseguir na apresentação das mesmas é importante explicitar o que se entende por deslocamento. Utilizando o conceito da WCD, “Deslocamento refere-se, aqui, à ambos ‘deslocamento físico’ e ao ‘deslocamento dos modos de vida’ (ou privação)” (WCD, 2000, p.102) (tradução nossa). No senso comum, deslocamento é entendido apenas como deslocamento físico da população que mora no reservatório ou outra área do projeto. Normalmente, esse deslocamento é involuntário e envolve uso de força e coerção – em casos extremos até assassinatos. Entretanto, a inundação de terras e a alteração do ecossistema aquático, aluvial e costeiro também afeta negativamente os recursos utilizados nas atividades agrícolas, extrativistas e pesqueiras. Como a grande maioria das comunidades ribeirinhas nas áreas de barragens é composta de pequenos agricultores, pescadores, caçadores e coletores, isso resulta na perda do acesso aos meios tradicionais de vida desses povos. Isso gera não só uma ruptura na economia local como, efetivamente, desloca as populações do acesso a uma série de recursos naturais, indispensáveis para sua sobrevivência. Essa forma de deslocamento destitui a população de seu meio de produção e os desloca de sua forma sócio-cultural de existência. O termo ‘atingido’ refere-se, portanto, às populações que enfrentam um tipo ou outro de deslocamento (WCD, 2000, p.103) (tradução nossa). Existem casos documentados de dupla e até tripla relocação. Um exemplo disso aconteceu com um grupo de camponeses, os colonos do PIC-Marabá, projeto de colonização implantado nos anos 70, na Rodovia Transamazônica, que foram atingidos e deslocados duas vezes pela Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Com a inundação de seus lotes, os colonos foram relocados para uma gleba pertencentes aos Índios Parakanã e por causa da praga dos 38 mosquitos, mencionadas anteriormente, tiveram que ser (re) relocados no projeto de assentamento do Rio Gelado. 1.2.1.1. Deslocados não-reassentados Dentre as populações fisicamente deslocadas e oficialmente reconhecidas como “atingidas pelo projeto” nem todas recebem assistência para se reassentarem em novas localidades. Algumas delas não são sequer indenizadas, nem recebem qualquer tipo de compensação. Segundo o relatório da WCD (2000, p.106), “na Índia, o número de reassentados varia entre menos de 10% dos ‘fisicamente deslocados’, no caso da barragem de Bargi, a 90% no caso da barragem de Dhom” (tradução nossa). 1.2.1.2. Deslocados reassentados Segundo McCully (1996), em quase todos os programas de reassentamento de que se tem informações disponíveis os efeitos decorrentes do projeto foram: diminuição da renda, quantidade de terras e oportunidades de trabalho; perda de acesso aos recursos comunais; piora na nutrição, na saúde psicológica e mental da população. Corrobora esta afirmação os resultados apresentados no relatório final da WCD. Como se verá mais adiante, inúmeros fatores, tais como a falta de comprometimento por parte do governo e da empresas responsáveis pelo programa, bem como o atraso na implementação do mesmo, entre outros, “têm severamente erodido a efetividade dos programas de reassentamento e reabilitação em criar oportunidades de desenvolvimento para os 39 reassentamentos, além de realçar seus riscos de empobrecimento” (WCD, 2000, p.108) (tradução nossa). No que tange à participação das pessoas atingidas no processo de planejamento e implantação dos projetos – aí incluído o projeto de reassentamento - houve pouca ou nenhuma participação. Quanto às formas de compensação8 utilizadas no processo de reassentamento, destacam-se o pagamento em dinheiro e o pagamento em espécie pelas terras, casas e outras benfeitorias perdidas em função da barragem. No primeiro caso, o pagamento em dinheiro é, via de regra, comprovadamente inferior ao custo da terra e, portanto, insuficiente para restaurar o modo de vida das populações. Várias são as razões que se pode apontar. A primeira reside no fato de o valor da terra ser normalmente estimado a partir de levantamentos desatualizados. A segunda diz respeito à inflação verificada no interstício de tempo entre o levantamento das terras a serem submersas e o pagamento efetivo das mesmas. A terceira está relacionada ao boom inevitável no preço das terras próximas ao reservatório, devido à grande demanda pelas áreas agricultáveis remanescentes e/ou à valorização de terras próximas ao reservatório. A quarta refere-se à falta de recursos e/ou empenho das autoridades em pagar quantias adequadas. A quinta e última diz respeito à corrupção de funcionários responsáveis pelo pagamento das indenizações. O segundo caso – o pagamento “terra-por-terra” – apesar de obter melhores resultados, ainda assim, é insuficiente para cobrir todas as perdas dos atingidos. Isso porque a falta de título de propriedade, de recursos e mesmo de comprometimento do governo faz com que as terras recebidas sejam de qualidade e quantidade inferior. 8 Para WCD (2000, p.107) “compensação é entendida como medidas específicas para transformar em ganhos as perdas sofridas pelas populações atingidas por barragens. Normalmente ela toma a forma de um único pagamento em dinheiro ou espécie, como terra, moradia e outros bens” (tradução nossa). 40 As áreas de reassentamento normalmente são escolhidas sem nenhuma investigação sobre a disponibilidade de oportunidades de ‘modos de vida’ ou pela preferência e escolha dos próprios atingidos. Eles têm sido freqüentemente obrigados a se reassentarem em áreas ambientalmente degradadas e escassas em recursos naturais, geralmente próximas aos reservatórios. Tais áreas rapidamente perdem sua capacidade de suportar a população reassentada (WCD, 2000, p.107) (tradução nossa). A questão da qualidade das terras é crucial, uma vez que a maior parte da população atingida é composta por agricultores e pessoas que sobrevivem a partir do cultivo das terras. Para os que não são proprietários de terras, a perda do emprego ou de pequenos negócios por causa do deslocamento significa a perda dos seus meios de subsistência. Mesmo quando novos postos de trabalho são criados no sítio da barragem, os deslocados acabam recebendo os piores salários e os trabalhos mais perigosos. Para piorar, quase todos os postos de trabalho são fechados assim que a barragem fica pronta. Por fim, a liberação de trabalhadores do campo, devido à perda de terras, aumenta a pressão no mercado de trabalho local, diminuindo o nível dos salários e reduzindo as oportunidades de trabalho para a população residente na área do reassentamento. A importância das terras comunais é outro impacto freqüentemente desconsiderado nos programas de reassentamento. Para muitos trabalhadores rurais, especialmente os mais pobres, a perda das áreas comunais representa uma das piores perdas, já que boa parte da subsistência dessas pessoas é adquirida nesses territórios. Relacionado à perda de terras comunais está o problema do endividamento – um dos efeitos mais graves de longo prazo. Como o reassentamento normalmente desestrutura redes sociais e padrões vigentes de economia de subsistência, ele tende a aumentar a dependência do mercado e do dinheiro, obrigando a população deslocada a se endividar ou a se assalariar, abandonando suas formas tradicionais de vida. Quando esta busca pelo dinheiro fracassa, muitas vezes se acaba vendendo a propriedade e demais bens para honrar suas 41 dívidas, configurando a implantação da barragem e o processo de deslocamento compulsório como uma modalidade particular de proletarização. O reassentamento também é causa de mortes e doenças. Evidências extraídas de muitos projetos de barragens mostram que as taxas de mortalidade e morbidade aumentam muito depois do deslocamento, principalmente entre os mais jovens e os mais idosos. Os mais idosos sofrem ainda com a marginalização. Como aponta McCully, (1996, p.81). Idosos tradicionais e líderes de comunidades são freqüentemente marginalizados quando do deslocamento, uma vez que eles se mostram impotentes para proteger sua comunidade da evicção (...) Líderes religiosos e protetores de lugares sagrados podem perder seu status social quando as cerimônias religiosas, baseadas em lugares sagrados, não podem mais ser realizadas (tradução nossa). No que diz respeito aos impactos culturais, a insensibilidade das autoridades frente às tradições culturais resulta em ruptura e separação física de comunidades, vilas e famílias. Na Índia, as 19 comunidades deslocadas pelo projeto Sardar Sarovar, no estado de Gujarat, foram reassentadas em mais de 175 localidades diferentes. Em um estudo realizado em uma comunidade deslocada pela barragem Rengali, em Orissa, antropólogos constataram uma vasta variedade de sintomas de ruptura social e cultural. Disputas em torno do dinheiro da indenização criaram desconfiança e amargura na vida familiar. O declínio do prestígio social das famílias deslocadas dificultou as relações de matrimônio, uma vez que o (a) deslocado (a) só poderia se casar com outro deslocado (a). Ao nível da comunidade, os grupos responsáveis pela coordenação política, econômica e ritual começaram a se dissolver. “O entusiasmo e a ostentação de ocasiões festivas declinaram: as festividades passaram a ser marcadas mais pela melancolia do que pelo júbilo” (McCully, 1996, p.82) (tradução nossa). 42 O relapso das autoridades em relação às diferenças étnicas dos povos – línguas, deuses e costumes diferentes – produz sérios conflitos e tensões quando diferentes grupos são realocados na mesma região. Um caso em questão ocorreu com o projeto da barragem de Volta, onde 69.000 pessoas de 700 comunidades diferentes foram reassentadas em apenas 52 assentamentos. Como resultado, “disputas em torno da terra e situações de violência tornaram-se comuns à medida que o reassentamento se consolidava”. (Goldsmith & Hildyard, 1984, p.33) (tradução nossa). Outro ponto problemático, apontado por Goldsmith & Hildyard (1984) está relacionado ao design das casas e ao arranjo dos assentamentos. A ausência de participação da população atingida, bem como a incompetência e incapacidade dos planejadores de entender a importância de tais aspectos para a manutenção dos modos de vida das comunidades, fizeram com que a integridade cultural e a coesão social de muitas delas fossem ameaçadas. Estudos antropológicos demonstram que, em sociedades tribais, todos os aspectos da vida cotidiana, dos religiosos aos econômicos unem-se para formar um todo coeso. Em relação aos padrões dos assentamentos tribais e indígenas, por exemplo, há muito tem sido observado que o arranjo e a configuração das casas não é aleatório: ele reflete sua estrutura social e, em alguns casos, sua cosmologia. Esses mesmos aspectos influenciam o design das casas em sociedades tradicionais (Goldsmith & Hildyard, 1984, p.39) (tradução nossa). Assim, a mudança de um pequeno aspecto (o design das casas e o arranjo do assentamento) na vida dessas comunidades pode causar tensões sociais ou até mesmo significar a morte cultural das mesmas. Lévi-Strauss, no livro Tristes Trópicos, apresenta conclusões semelhantes. Ele relata como a descoberta dos missionários Salesianos da região do rio-das-Garças, sobre a importância da distribuição circular das palhoças da aldeia dos Bororos, no que diz respeito à vida social e à prática do culto, foi de fundamental importância para o trabalho de conversão 43 da tribo. Ao obrigá-los a abandonar a sua aldeia, trocando-a por outra, onde as casas são dispostas em filas paralelas, os missionários conseguiram, da maneira mais segura, converter os índios. Desorientados, relativamente aos pontos cardeais, privados da planta que fornece um argumento para o seu saber, os indígenas perdem rapidamente o sentido das tradições, como se os seus sistemas social e religioso (vamos ver que são inseparáveis) fossem muito complicados (...) (Lévi-Strauss, 1955, p.206). Por fim, outro fator que contribui para tornar a compensação insuficiente, seja ela em dinheiro ou em espécie, diz respeito ao atraso no pagamento das indenizações, na provisão de serviços básicos (como saúde, educação e etc.) e na doação dos títulos de propriedade das terras e imóveis. A delonga na implementação dos programas de reassentamento pode gerar incerteza psicológica e ansiedade nas comunidades, aumentando o estresse e a depressão. Em alguns casos, a demora pode chegar até 15 anos. De tudo que foi dito, não é de se surpreender que a maioria dos programas de reassentamento tenham sido e continuam sendo incapazes de restaurar o modo de vida da população. Os exemplos são inúmeros. Na Índia, 75% das pessoas deslocadas por barragens não foram reabilitadas e sim empobreceram. Pelo menos 46% dos 10 milhões de reassentados na China ainda encontram-se em estado de extrema pobreza. 1.2.2. População a jusante das grandes barragens Como já foi dito anteriormente, os impactos sociais, econômicos e culturais decorrentes da construção de barragens não se limitam à área onde o projeto se desenvolve. Na realidade, eles podem se estender por centenas de quilômetros para além do confinamento dos canais do rio. 44 Em função disso, além da população diretamente atingida, também são afetadas as populações que vivem a montante e a jusante da barragem e aquelas que, de alguma maneira, se utilizam dos recursos – tais como rios, florestas, pastos, estradas – destruídos pelo projeto. Dentre eles e, segundo McCully (1996) e WCD (2000), aqueles que sofrem os efeitos mais graves e duradouros são as pessoas e comunidades que vivem a jusante da barragem. Comunidades a jusante da barragem, situadas em regiões tropicais e subtropicais enfrentam um dos mais drásticos impactos das grandes barragens, particularmente onde a mudança do regime hidrológico dos rios afeta negativamente as áreas de várzea, responsáveis pela sustentação dos modos de vida locais pela agricultura de várzea, pesca, caça e coleta de produtos da floresta (WCD, 2000, p.112) (tradução nossa). O impacto das barragens na pesca não é menor nas regiões temperadas. Onde a produção e criação de salmão, em rios dos Estados Unidos e Canadá foram destruídas, os modos de vida, a segurança alimentar e a organização cultural de comunidades americanas foram afetadas (WCD, 2000, p.113) (tradução nossa). A ruptura da economia gera, como conseqüência, um aumento na migração, na dependência de salários de trabalhos informais em áreas urbanas e empobrecimento das comunidades. O problema agrava-se ainda mais porque alguns dos principais impactos somente são sentidos depois de concluída a obra e decorridos muitos anos. Além disso, a dispersão dessas comunidades e a falta de poder político, econômico e social para pressionar e reivindicar seus direitos e os abusos cometidos pelos responsáveis pelo projeto faz com que muitos desses atingidos não recebam nenhum tipo de compensação durante toda sua vida. Enquanto os atingidos “inundados” pelo projeto possuem a possibilidade de assegurar seus direitos através da recusa em sair de suas terras e casas, os atingidos a jusante da barragem não dispõem de tal poder. Por fim; 45 Os impactos à jusante da barragem não são somente os menos analisados e avaliados, como, também, são indicativos da magnitude e extensão dos impactos associados à alteração do regime hidrológico de um rio. A extensão para o qual a mitigação e o desenvolvimento devem ser projetados e implementados para reparar essas complexas e diversas questões está aberta a questionamento. Como foi demonstrado no caso do norte da Nigéria9, o exame do valor econômico dos usos da água a jusante da barragem pode oferecer um argumento convincente para o abandono de projetos de barragens (WCD, 2000, p.113) (tradução nossa). 1.2.3. População Indígena Dentre os povos atingidos por barragens, os grupos indígenas e algumas minorias étnicas marginalizadas representam uma grande porcentagem dos grupos sociais que arcam desproporcionalmente com os custos do projeto10. Dado a negligência e incapacidade de assegurar a justiça, por causa das desigualdades culturais, dissonâncias culturais, discriminação e marginalização econômica e política, as populações indígenas e tribais têm sofrido desproporcionalmente os impactos negativos de grandes barragens, ao mesmo tempo em que são freqüentemente excluídos da participação dos benefícios (WCD, 2000, p.110) (tradução nossa). O impacto das grandes barragens sobre os povos indígenas torna-se especialmente danoso uma vez que os séculos de exploração e deslocamento imposto à maioria das tribos indígenas torna os remotos vales, florestas e desertos de suas reservas o último refúgio contra a destruição cultural. O trauma do reassentamento também é ampliado para essas comunidades por causa de sua forte ligação espiritual com o território e porque os laços comunais e as práticas 9 Sobre a avaliação econômica da barragem de Tiga e Challawa Gorge, no norte da Nigéria, ver relatório da WCD. 10 Sobre os casos de impactos de grandes barragens sobre populações indígenas, ver: MCCULLY, Patrick. Silenced Rivers: the ecology and politics of large dams. London: Zed Books, 1996, 350p.; OLIVER-SMITH, Anthony. Displacement, Resistance and the Critique of Development: from the grass roots to the global. Oxford: Refugee Studies Centre of the University of Oxford, 2001, 128 p. Relatório Final.; WORLD COMISSION ON DAMS. Dams and Development: a new framework for decision making. London: Earthscan, 2000. Relatório da Comissão Mundial de Barragens, entre outros. 46 culturais, que ajudam a definir suas sociedades, são destruídos pelo deslocamento e pela perda de recursos comunais em que sua economia é baseada (McCully, 1996, p.70). Como aponta o relatório da WCD (2000, p.111) “para as populações indígenas e minorias étnicas, o deslocamento induzido pela barragem pode impulsionar uma espiral de eventos que se espalham muito além da área submersa” (tradução nossa). Um caso em questão é o da população Chakma, deslocada pela barragem hidrelétrica de Chittagong Hill Tracts, em Bangladesh, cujo projeto submergiu 2/5 de suas áreas cultiváveis. Como conseqüência, 40.000 Chakmas foram deslocados para Índia e outros 20.000 para Arakan em Burma. A parte da população deslocada para Índia nunca conseguiu obter cidadania para si ou para seus filhos. O conflito instaurado entre a população Chakma budista e a população mulçumana de Bengali custou 10.000 vidas desde a finalização do projeto em 1962. O fluxo de trabalhadores que migram para a região de barragens próximas a reservas indígenas é outro fator responsável pela destruição da vida, cultura e existência espiritual dessas populações. Aliado à invasão de centenas de trabalhadores, máquinas pesadas, álcool, prostituição e violência, que normalmente acompanham esses projetos, representam uma das maiores ameaças de destruição e desaparecimento de tribos indígenas. Além do deslocamento da população e do alto fluxo migratório de trabalhadores da construção civil para as áreas indígenas, a inundação de vales e florestas – normalmente as melhores terras da região – e a desestruturação do ecossistema fluvial podem representar uma grande perda para os povos indígenas e outras minorias étnicas. O caso da barragem de Grand Coulee, nos EUA, é um exemplo de destruição cultural e social causada pela desestruturação do ecossistema fluvial. De acordo com McCully (1996, p.72), o maior impacto sofrido pela tribo indígena Colville se deu na pesca, com a redução da quantidade de salmão, sobre o qual repousava sua economia e grande parte de sua cultura. 47 1.2.4. Tempo e Incerteza Um aspecto muito importante e que ainda é muito negligenciado nas políticas e planos de reassentamento refere-se à dimensão temporal do projeto e dos impactos dele advindos. Ao contrário do que se pensa e diz, as angústias e sofrimentos da população atingida iniciam-se muito antes de o projeto começar a ser implementado. Na realidade, “o sofrimento gerado pelo deslocamento é normalmente a culminação de anos, às vezes, décadas de espera, rumores e ameaças” (McCully, 1996, p.72) (tradução nossa). A partir do momento em que uma barragem é anunciada, a população residente na futura área do reservatório começa a sofrer com a interrupção de investimentos públicos e privados. O preço dos imóveis começa a cair. Os bancos param de emprestar dinheiro. Novas escolas e hospitais deixam de ser construídos. Serviços e comodidades existentes podem ser interrompidos ou fechados muito tempo antes de a população ser transferida. Assim, mesmo quando há plano de reassentamento, no momento em que este começa a ser posto em prática, a população já se encontra em condições materiais e psicológicas muito piores do que as áreas vizinhas. Esse problema torna-se grave por causa do longo período de gestação dos projetos de barragens (alguns deles duram décadas). Associada a questão do tempo está a incerteza da população que não sabe quando e se, de fato, a barragem será construída, quantas casas e propriedades serão inundadas, quem será ou não elegível para compensação e qual será o valor da compensação. Mesmo depois de iniciada a construção, essas incertezas podem não ser resolvidas: as regras de compensação podem mudar diversas vezes ao longo do período de construção e a área atingida pode se expandir ou retrair conforme o design e as mudanças operacionais realizadas por razões técnicas, econômicas ou políticas (McCully, 1996, p.72) (tradução nossa). 1.2.5. Violência e Massacre 48 Além da violência cultural, social e econômica que vitima dezenas de milhares de pessoas em todo o mundo, as grandes barragens, ou melhor, os responsáveis e interessados nesses projetos, em alguns casos, não se têm privado de recorrer também à violência física, à ameaça de morte e a diferentes formas de intimidação de populações que tentam resistir aos projetos. Para McCully (1996, p.74): “Quase seguramente a pior violação dos direitos humanos associada ao deslocamento por barragens foi o assassinato de 378 índios Maia Achí da pequena vila de Rio Negro, na zona de inundação da barragem de Chixoy, na Guatemala” (tradução nossa). A história da barragem de Chixoy começa em 1975 quando o Instituto Nacional para Eletrificação (INDE) da Guatemala anunciou a aprovação do projeto de hidroeletricidade de Chixoy. A partir de então se iniciaram os abusos contra a população local. Na realidade, a própria aprovação em si já constituiu um abuso, pois a mesma foi feita sem a prévia consulta da população e com uma avaliação inadequada dos impactos ambientais. Em 1976, o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento emprestou ao governo da Guatemala US$ 105 milhões, o equivalente a um terço dos custos do projeto. Foi quando o INDE informou à população moradora da área afetada pelo projeto que uma barragem seria construída em sua região e que ela teria, portanto, que ser deslocada. Em 1978, o governo da Guatemala recebeu mais um empréstimo, da ordem de US$ 72 milhões do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), com a condição de que fosse apresentado um plano de reassentamento para a população. Quando o plano, finalizado em 1979, foi apresentado, a população Maya Achi, habitante do Rio Negro, recusou-se a mudar-se para o território escolhido para o reassentamento. 49 A partir de então, ela começou a ser intimidada por policiais militares e grupos paramilitares. De março de 1980 à setembro de 1982, os esforços de intimidação aumentaram, culminando com o assassinato de 378 Maya Achí. Em 1982, teve início o enchimento do reservatório. Em 1983 a barragem entrou em operação, mas foi fechada quatro meses depois devido à descoberta de problemas geológicos. Em 1985, o Banco Mundial aprovou um segundo financiamento de US$44,6 milhões para cobrir os custos excedentes e a barragem reabriu logo em seguida. 1.2.6. Doenças As mudanças ambientais e as rupturas sociais geradas por grandes projetos de desenvolvimento, como as grandes barragens, podem causar sérios problemas à saúde da população atingida. De acordo com McCully (1996, p.86) a primeira situação de risco para a saúde da população atingida por um projeto de barragem começa com o deslocamento e a chegada de um grande número de trabalhadores da construção civil às áreas onde são construídas as barragens. São trabalhadores, em sua grande maioria, pobres e com baixo nível de qualificação profissional que normalmente carregam consigo uma variedade de doenças infecciosas como tuberculose, leishmaniose, sífilis, AIDS, entre outras. Algumas doenças, até então inexistentes na região da barragem, quando levadas pelos trabalhadores da construção civil, podem causar sérios danos à saúde de toda a comunidade local, uma vez que ela não desenvolveu resistência e imunidade a essas “novas” doenças. McCully (1996, p.86) cita o exemplo de Lesoto, na África, onde acredita-se que o vírus HIV tenha sido introduzido por trabalhadores da construção do bilionário projeto de barragem e desvio de águas Lesotho 50 Highlands Water Project. Em 1992, teste aleatórios constataram que 1 entre 20 trabalhadores da construção da barragem estavam infectados pelo vírus, assim como 1 entre 120 pessoas da mesma faixa etária nas aldeias vizinhas. Se em situações como essa os trabalhadores podem ser vistos como “vilões”, em outras, eles são as próprias vitimas das precárias, insalubres e perigosas condições de trabalho oferecidas na maioria dos projetos de barragem. Os riscos de morte e acidente de trabalho são muito altos nesse tipo de projeto. Somente na construção da barragem de Kariba, na Zâmbia/Zimbabué, morreram 100 trabalhadores. François L. Lempériére, membro sênior do Comitê Francês sobre Grandes Barragens, calcula que, ao todo, mais de 100.000 trabalhadores devem ter morrido na construção de barragens e outras centenas de milhares devem ter se acidentado gravemente (McCully, 1996, p.87). Dentre as principais enfermidades que assolam as comunidades atingidas estão as doenças parasitárias, em especial a esquistossomose e a malária e em menor escala a febre amarela, a dengue e a filaríase. A razão para tal é que as barragens e os sistemas de irrigação propiciam um ambiente favorável para a criação de insetos, caramujos e outros animais que servem como vetores para o desenvolvimento dos parasitas. A magnitude da incidência global da esquistossomose está diretamente relacionada à construção de barragens e projetos de irrigação. Ambos os casos propiciam o florescimento da doença em áreas onde era previamente desconhecida e o aumento da gravidade naquelas em que a doença já existia. Isso porque as águas da beira dos reservatórios de regiões tropicais tendem a ser paradas, quentes, cheias de lodo e ervas daninhas, que representam um habitat adequado para os caramujos hospedeiros do parasita Schistossoma. Além disso, os reservatórios e os esquemas de irrigação propiciam o aumento do contato dos seres humanos com os caramujos, já que os agricultores e os pescadores trabalham dentro e ao redor dos 51 canais e reservatórios, suas famílias banham-se, lavam suas roupas e as crianças brincam dentro do lago. A despeito dos esforços empreendidos na erradicação da malária, ela continua sendo uma das doenças mais letais e difundidas no mundo. Os fatores determinantes da incidência de malária em uma determinada região são: o clima e a umidade do ar; a presença e a densidade de mosquitos da espécie Anopheles – vetores do parasita Plasmodium; a extensão da interação desse mosquito com os seres humanos e a presença de pessoas infectadas para disseminar o parasita. Fica claro, então, a correlação existente entre a malária e os projetos de irrigação e barragens. Pois as mudanças ecológicas causadas por eles, nas áreas áridas e semiáridas, tendem a aumentar a população do mosquito Anopheles. seja através do aumento da área de água parada, onde eles procriam, seja pela extensão do período no qual a água permanece parada. Além disso, projetos como esses encorajam as pessoas a trabalhar e a viver perto das áreas de criação do mosquito, na medida em que a terra deixa de ser usada para a criação de gado e passa a ser utilizada para agricultura , ou quando as florestas dão lugar às vilas. Nesses casos o mosquito deixa de picar os animais e passa a picar os homens. Existem ainda casos de regiões que contam com a presença do mosquito, mas não do parasita. O que acontece aí é que trabalhadores infectados migram para essas áreas introduzindo o parasita, disseminando a doença. Uma situação deste tipo ocorreu com a barragem de Itaipu no Brasil. Em 1989 foi constatada uma epidemia de malária na região, atribuída ao crescimento da densidade populacional do mosquito juntamente com o influxo de trabalhadores da região amazônica infectados pelo parasita. Esse problema permanece crítico, até hoje, nas ilhas formadas pelo reservatório de Tucuruí. Outro problema é a acumulação de altos níveis de mercúrio nos reservatórios. Além do impacto ambiental, mencionado anteriormente, o aumento da quantidade de 52 mercúrio na água representa também um grande risco para a saúde humana, uma vez que a concentração do metilmercúrio no tecido animal aumenta à medida que ele vai atravessando a cadeia alimentar. Aqui, novamente, Tucuruí é um grande (mau) exemplo. Estudos elaborados pela Universidade de Helsinki, no início da década de 90, revelaram taxas extremamente elevadas (muito acima do nível máximo de segurança) no cabelo de adultos das comunidades ribeirinhas11 (WCD, 2000, p.175). Existem ainda os efeitos psicológicos causados pela ruptura cultural e alienação social, tais como: stress, depressão e, em alguns casos, suicídio. Por fim, a destruição das bases produtivas da comunidade – agricultura, pesca e extrativismo – pode gerar um período (às vezes, longo) de escassez de comida, agravando a fome e a má nutrição. Apesar das evidências documentadas pelas experiências anteriores e a disponibilidade de técnicas e instrumentos sofisticados de avaliação de impactos na saúde, a preocupação quanto a essa questão ainda é inexistente na elaboração do projeto. Como mostra o relatório final da WCD: A mitigação sofreu pela falta de preparação e comprometimento, e os problemas de saúde não foram efetivamente analisados. Para aqueles atingidos, isso representa aumento na dor, sofrimento e declínio na produtividade e desempenho educacional. Isso pode, ainda, colocar uma severa pressão na capacidade do sistema público de saúde de países em desenvolvimento (WCD, 2000, p.119) (tradução nossa). 1.2.7. Relações de Gênero Outra questão analisada pela WCD (2000) diz respeito aos impactos dos grandes projetos de desenvolvimento sobre as relações de gênero. Como é sabido, as relações de 11 Ver: WORLD COMISSION ON DAMS. Dams and Development: a new framework for decision making. London: Earthscan, 2000. Relatório da Comissão Mundial de Barragens. P.119 e WCD Tucurui Case Study; Jobin, 1999, p175. 53 gênero e estruturas de poder são freqüentemente prejudiciais às mulheres. Em alguns países da África e da Ásia, por exemplo, às mulheres é dado o direito de uso de terras e florestas, mas não o direito de propriedade ou o de herança. Nesse contexto, dado o descaso dos projetos e do processo de planejamento para abordar as questões de gênero, as análises da Comissão Mundial de Barragens demonstram que, na maioria das vezes, os projetos de barragens ampliam as disparidades de gênero, seja pela imposição desproporcional dos custos sociais sobre as mulheres, seja pela alocação desigual dos benefícios gerados pelos mesmos. Apesar de não se poder atribuir a esses projetos a responsabilidade pela desigualdade nas relações de gênero, projetos onde essa questão não é levada em consideração podem, na melhor das hipóteses, não alterar as condições preexistentes e, na pior, agravá-las ainda mais. Ainda assim, mesmo nos casos em que países e agências de financiamento “adotaram políticas específicas de gênero, em anos recentes, com o intuito de incorporar essas questões nas suas intervenções, o planejamento e a implementação de projetos continuam a desconsiderar esses aspectos” (WCD, 2000, p.114) (tradução nossa). Como as florestas, rios, lagos e outras propriedades comunais, que representam um importante meio de subsistência das comunidades atingidas, não são compensados durante o reassentamento, as mulheres acabam arcando desproporcionalmente com custos daí derivados. No estudo de caso realizado pela WCD (2000) para a barragem de Tarbela ficou comprovado que as mulheres foram as que mais sofreram com a ruptura da vida social causada pelo reassentamento, devido ao agravamento da sua relação com a água, floresta e outros recursos naturais. No caso da barragem de Pak Mun, na Tailândia, a perda de plantas locais comestíveis, em função do enchimento do reservatório, resultou em uma diminuição na renda e outros recursos de subsistência das populações atingidas. Aí, também, foram as 54 mulheres a parte da população mais prejudicada, dado que eram elas as responsáveis pela coleta e processamento das plantas. O empobrecimento e a ruptura social das comunidades, o trauma e os impactos na saúde resultantes do deslocamento têm um efeito muito mais severo nas mulheres. No caso da barragem de Akosombo, em Gana, o empobrecimento gerado pelo reassentamento involuntário foi responsável pelo aumento da migração masculina para as áreas urbanas, aumentando assim o número de casas chefiadas por mulheres. No que tange à saúde das mulheres, a afluência de imigrantes durante a construção da barragem e a conseqüente urbanização da região são fatores que podem elevar o nível de doenças sexualmente transmissíveis, especialmente a Aids. O aumento da violência doméstica, decorrente da elevação do alcoolismo, é outro efeito agravado pelo empobrecimento econômico e desestruturação das formas espaciais e sociais de organização das comunidades. Ao mesmo tempo em que as mulheres têm que arcar com os maiores custos do projeto, elas, também, são a parte da população que tem menos acesso aos benefícios. Como ilustra o estudo de caso da barragem de Grand Coulee12, os empregos criados durante a construção do projeto normalmente são destinados aos homens. Além disso, a propriedade das terras alocadas a título de indenização, na maioria das vezes, é dada aos homens e não às mulheres. 1.2.8. Patrimônio Cultural Grandes barragens também produzem impactos negativos no patrimônio cultural das comunidades atingidas, seja pela perda de recursos culturais tais como templos, 12 Ver WORLD COMISSION ON DAMS. Dams and Development: a new framework for decision making. London: Earthscan, 2000. Relatório da Comissão Mundial de Barragens, p.115. 55 santuários, elementos sagrados da paisagem, artefatos e construções, seja pela submersão e degradação dos recursos arqueológicos tais como fósseis de plantas e animais, cemitérios e etc. O processo de erosão dos solos e das encostas pode, ainda, expor à superfície materiais arqueológicos, encorajando o roubo e comércio dos mesmos. Por fim, a desapropriação de terras para construção de linhas de transmissão, estradas e vilas operárias pode aumentar ainda mais a dimensão das perdas e danos do patrimônio cultural. Uma das maiores preocupações das comunidades atingidas diz respeito aos túmulos e cemitérios onde estão enterrados seus ancestrais. Durante a construção da barragem Inanda na África do Sul os restos humanos, enterrados sob o lugar do reservatório, foram exumados e cremados todos juntos em um buraco, perturbando as comunidades locais. Significativas, também, são as perdas do patrimônio cultural que não está diretamente relacionado com a população local. O problema reside no fato de que nenhuma investigação é feita durante o processo de planejamento da maioria das grandes barragens. Dado que os vales dos rios hospedavam freqüentemente as mais antigas civilizações, a importância das perdas decorrentes das barragens existentes, atualmente, podem ser avaliadas por default, baseando-se nos resultados qualitativos e quantitativos de áreas afetadas por barragens, onde algum tipo de levantamento arqueológico foi realizado (WCD, 2000, p.117) (tradução nossa). Só para se ter uma idéia do tamanho da perda que isso pode representar, uma pesquisa de reconhecimento realizada na Índia, em 1988, em 93 das 254 aldeias a serem inundadas pela barragem de Narmanda encontrou centenas de sítios arqueológicos da era paleolítica, templos históricos e sítios da idade do ferro fundido. Um estudo nos Estados Unidos demonstrou que apesar de a inundação representar um meio de preservar os recursos arqueológicos, é mais barato e eficiente proceder à escavação e realocar esses recursos antes da inundação do que deixa-los para futuras expedições aquáticas (WCD, 2000, p.117) (tradução nossa). 56 A despeito das perdas culturais irreparáveis, o gerenciamento do patrimônio cultural ainda não é considerado adequadamente no processo de planejamento das grandes barragens. Na Turquia, por exemplo, apenas 25 dos 298 projetos de barragem fizeram o levantamento do patrimônio cultural, sendo que apenas cinco deles realizaram sistematicamente o trabalho de resgate (WCD, 2000, p.117). 1.3. Comentários Finais A idéia deste capítulo foi mostrar, através da revisão da literatura sobre os principais impactos sócio-ambientais das grandes barragens, as diversas perdas e danos incorridos pelas populações atingidas por barragens que, ao longo dos últimos anos e décadas, geraram a demanda por reparação, como forma de, no mínimo, atenuar as injustiças sociais e ambientais perpetradas e perpetuadas pelo planejamento do setor elétrico e/ou hídrico. O próximo capítulo versará sobre a dimensão teórico-conceitual da reparação, sobre a forma como esse conceito é entendido no âmbito do direito internacional e do direito interno brasileiro. 57 CAPÍTULO 2. REPARAÇÃO DE DANOS: CONCEITOS E MECANISMOS Não há dúvidas de que o tema das reparações é tanto complicado quanto custoso. Mas, assim também o é a construção de barragens. (Bartolome et al, World Commission on Dams, 2000, p.45) (tradução nossa). Dada a escassez de trabalhos teórico-conceituais relativos à questão específica da reparação das perdas das populações atingidas por barragens, o presente capítulo toma como ponto de partida o trabalho de Johnston (2000), que até onde se sabe, representa o primeiro esforço de reflexão e articulação da base legal para a reparação das comunidades atingidas por barragens. Amparada nos trabalhos submetidos à Comissão Mundial de Barragens, Johnston (2000) afirma que a responsabilidade de uma ação reparadora é específica para cada contexto. Diz ela: Problemas são raramente o simples resultado de falhas de um único ator, como por exemplo, o Estado, mas tipicamente envolve falhas de múltiplos atores, incluindo: Estados, instituições financeiras – públicas e privadas -, organizações privadas e instituições engajadas no planejamento, design, construção, implementação de medidas de mitigadoras (incluindo compensações e programas de reassentamento), e gerenciamento dos projetos de barragens (Johnston, 2000, p.3) (tradução nossa). A autora argumenta que a reparação das comunidades atingidas por barragens é garantida pela lei internacional e que a culpabilidade moral e legal inclui todas as partes envolvidas no planejamento e autorização dos projetos, bem como aquelas que dele se beneficiam. O trabalho baseia-se na revisão de tratados internacionais específicos, leis e normas que articulam o direito à compensação e o direito à reparação, em casos históricos de reparação e, finalmente, na evolução do uso do conceito nos casos onde a compensação foi utilizada como meio de reparar os danos cumulativos, não antecipados e de longo prazo decorrentes da perda de recursos e dos modos de vida das populações. 58 Dada a natureza dos danos resultantes da perda da terra e dos modos de vida dos povos atingidos por barragens, Johnston (2000) conclui que a reparação implica em soluções que: a) reconheçam e tentem reparar, restituir e compensar pelas falhas do passado; b) avaliem as necessidades ambientais humanas e reflitam o comprometimento de restaurar a integridade humana e ambiental; c) envolva a participação nos processos de tomada de decisão; e, d) crie ou fortaleça mecanismos de proteção, onde reclamações possam ser feitas, danos avaliados, culpabilidade determinada e atividades de remediação desenhadas e implementadas (Johnston, 2000, p.4) (tradução nossa). A autora apresenta, por fim, alguns princípios de reparação e possíveis mecanismos de financiamento com o intuito de encorajar e delinear futuros esforços de reparação. Dado que o trabalho supramencionado se restringe a analisar as possibilidades de reparação no âmbito do direito internacional, o capítulo que se segue abrangerá também os principais marcos legais brasileiros, com ênfase nos conceitos, princípios e procedimentos do direito ambiental. 2.1. Breve Histórico da Reparação De acordo com Diniz (1997) a idéia e a prática da reparação, nos primórdios da civilização humana, se dava através da vingança coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes. Posteriormente, ela passa a ser uma reação individual – vingança privada – em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos. Essa vingança não era, contudo, desprovida de normas ou regulamentos. Era baseada na famosa lei de Talião, expressa pela fórmula “olho por olho, dente por dente”. “Para coibir abusos, o poder público intervinha apenas para 59 declarar quando e como a vitima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou” (Diniz, 1997, p.10). De acordo com Reis (2001, p. 9) “a primeira noção de que se tem conhecimento na história da civilização acerca do dano e sua reparação, através de um sistema codificado de leis, surgiu na Mesopotâmia, através de Hamurabi, rei da babilônia (1792-1750 a.C.)”. O texto do código de Hamurabi demonstra uma preocupação de conferir ao lesado uma reparação equivalente ao dano sofrido. Nele a reparação podia se dar de duas formas. A primeira através da Lei de Talião (vingança individual), a segunda através de pagamento de um valor pecuniário. Tanto em uma, quanto na outra, a reparação das ofensas pessoais era feita levando-se em conta a classe social do ofensor e da vítima. Depois desse período, passa-se para o da composição. A composição era feita entre o autor do dano e a vítima, fosse ela autoridade pública – no caso de o delito ser público – ou pessoa de direito privado – no caso de delito privado. Nessa época, cristaliza-se a idéia de reparação pecuniária do dano. Nesse período, ainda, introduz-se a noção de culpa. Passa-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente. Posteriormente, o Estado passa a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos e obrigando a vítima a aceitar a composição e renunciar a vingança. “Essa composição permaneceu no direito romano com o caráter de pena privada e como reparação, visto que não havia nítida distinção entre a responsabilidade civil e a penal” (Reis, 2001, p.11). Somente na Idade Média, com a estruturação da idéia de culpa (latu sensu) é que se vai distinguir a responsabilidade civil da pena13. 13 FOUCAULT (2002) mostra, através da análise histórica das práticas judiciárias, no ocidente, como em determinado período, em um determinado sistema teórico, o crime era visto como dano social. Aí a lei penal tinha como único objetivo permitir a reparação da perturbação causada à sociedade. As formas de reparação (ou as penalidades) nesse caso eram a deportação, a exclusão no próprio local (idéia de punições ao nível do escândalo), trabalho forçado e a pena de talião. 60 2.2. Conceitos 2.2.1. Reparação De acordo com (Johnston, 2000), o termo reparação é definido como sendo a ação ou processo que repara, corrige ou compensa alguém pelos danos sofridos. Existem três formas reconhecidas de reparação: a restituição, a indenização e a satisfação. A restituição é compreendida como a ação que visa retornar a situação ofendida ao estado em que se encontrava antes da infração ser cometida, isto é, ao status quo ante. Ela pode incluir a execução de uma obrigação, a revogação de um ato de ofensa ou a abstenção de uma conduta ilegal. A restituição inclui desde medidas de restauração da produtividade da pesca, como no caso da barragem de Grand Coulee, até o financiamento dos custos de monitoramento e restauração ambientais. A indenização, também denominada compensação, envolve o pagamento em dinheiro à parte ofendida pelas perdas incorridas pelo ato ilegal, incluindo as perda de qualquer tipo de lucro e de valor de propriedade. A satisfação inclui quase todas as outras formas de reparação e tem por objetivo corrigir as perdas não-materiais. Ela pode se dar através do reconhecimento público do erro e/ou pelo pedido formal de desculpas. Pode incluir, ainda, a acusação criminal das partes culpadas, ilustrada no recente esforço chinês de processar funcionários pela apropriação dos fundos destinados aos programas sociais e de reassentamento da barragem Três Gargantas, na China. Ainda segundo a autora, no âmbito internacional, o termo reparação refere-se, geralmente, à compensação ou remuneração paga por um país a outro, a título de indenização pelas perdas e danos decorrentes dos períodos de guerra. 61 Esse uso particular emergiu a partir da Convenção Haia IV, que estabeleceu distinções entre as populações e propriedades combatentes e as não-combatentes. Nessa Convenção, os Estados Soberanos foram proibidos de destruir, confiscar ou pilhar a propriedade inimiga, a não ser que tal destruição ou confisco fosse imperativamente demandado por necessidades de guerra. Na realidade, tal Convenção não representou mais do que a codificação das normas de guerra, cuja origem remonta às guerras napoleônicas. Até a criação da Convenção Haia IV, as compensações pelas violações das normas de guerra somente eram feitas quando explicitadas nos tratados de paz, que punham fim aos conflitos. Depois da Convenção, “a maioria dos poderes reconheceu que o princípio da propriedade privada (com certas exceções) tinha que ser respeitado durante o curso da guerra no território e proibiram o confisco de tais propriedades quando não houvesse necessidades militares” (Johnston, 2000, p.17) (tradução nossa). A Convenção estabeleceu ainda que a parte beligerante que violasse as provisões do regulamento fosse considerada responsável pelo pagamento da compensação. A partir do que foi dito acima, não é de se surpreender que, até recentemente, a maioria dos casos envolvendo reparações foram aqueles concernentes às vítimas de atrocidades de guerra, especialmente aquelas relacionadas à segunda Guerra Mundial. Entretanto, a partir da criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados e convenções correlatos, bem como a expansão da legislação – nacional e internacional – sobre meio ambiente, uma vasta gama de novos direitos foram reconhecidos. Casos de abusos e violações de direitos foram documentados e denunciados e reparações foram e estão sendo feitas com o objetivo de corrigir e reparar os abusos cometidos em nome da expansão colonial, do desenvolvimento econômico e da segurança nacional (Johnston, 2000). 62 2.2.2. Direito Internacional O direito internacional pode ser compreendido como aqueles costumes, deveres e obrigações reconhecidos pelos Estados Soberanos como as regras que governam as interações, estabelecem a ordem e mantém a paz na arena internacional (Johnston, 2000). Os principais atores do direito internacional são os Estados Soberanos. São eles os responsáveis pelo estabelecimento e cumprimento das obrigações internacionais, assim como da reparação dos danos causados pela infração de uma dessas normas. Recentemente vêm sendo considerados também como atores do direito internacional as organizações internacionais, como por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU). Para que uma organização seja incorporada pelo ordenamento jurídico internacional é necessário que ela tenha personalidade jurídica internacional. A aquisição da personalidade jurídica internacional requer, por sua vez, a existência de órgãos capazes de exercer internacionalmente suas capacidades e responsabilidades. Contudo, a personalidade jurídica internacional conferida às organizações internacionais é limitada. Ao contrário dos Estados Soberanos, às organizações internacionais são concedidos direitos limitados para operar na arena internacional. Assim como os Estados soberanos são responsáveis pela violação de normas internacionais, as organizações internacionais também são responsabilizadas pelos danos cometidos pela violação de uma obrigação internacional. Em função disso, elas, também, podem ser processadas perante o direito internacional. Quando as obrigações não são respeitadas e as violações ao direito internacional são verificadas, a parte ofensora é obrigada a assumir a responsabilidade pelo ato lesivo, adotando medidas para diminuir seus impactos e sua responsabilidade. 63 Existem apenas duas formas de se terminar a responsabilidade internacional. A primeira se dá pela justificação da violação e a segunda pela extinção da infração. No primeiro caso, a violação pode ser justificada através da alegação de consenso, necessidade, caso fortuito ou força maior, autodefesa ou medida defensiva. Quando uma dessas situações é invocada com êxito, a violação é desconsiderada e o Estado não é responsabilizado. No segundo caso, para extinguir a infração o Estado ou a organização internacional deve reparar a parte ofendida. O processo de requerimento de reparação pode se dar de diversas maneiras. A primeira delas acontece quando o próprio Estado faz a reparação, sem nenhuma intervenção externa. Normalmente, isso acontece quando o Estado deseja evitar as conseqüências políticas que a violação da norma internacional pode gerar. A segunda pode se dar por meio da negociação política ou diplomática. A terceira se dá pelo mecanismo jurisdicional da arbitragem. A arbitragem é uma via jurisdicional não-judiciária. Isso porque o foro arbitral não tem permanência – proferida a sentença, fica o árbitro liberado da função a ele confiada pelos Estado em conflito –, nem profissionalidade – o árbitro, ao contrário do juiz, não é um especialista, um profissional, cuja atividade é constante no interior de um foro aberto. Apesar disso, o produto final da arbitragem, isto é, a sentença arbitral tem caráter obrigatório e definitivo. “Deixar de cumpríla significa incorrer em ato ilícito, não em mera deselegância ou imprudência” (Rezek, 1991, p.356). A quarta refere-se à reclamação impetrada, perante um tribunal nacional ou internacional, pela parte ofendida. A escolha do tribunal responsável pelo processo dependerá da lei ou tratado que o governa, os critérios que o tribunal possa ter para recusar os casos e o fato de as partes litigantes terem aceitado a jurisdição do tribunal. 64 Para que a parte ofendida possa fazer a reclamação, “ela deve comprovar (tanto a obrigação da parte ofensora, quanto a existência do dano)” (Johnston, 2000, p.17) ( tradução nossa). Além disso, na maioria dos acordos internacionais e processos judiciais é imposto como pré-requisito para a reclamação diante de um tribunal internacional, a negociação prévia. A lei consuetudinária exige, também, que os requerentes tenham exaurido todas as possibilidades locais de remediação antes de entrar com determinados tipos de ação nos tribunais internacionais. 2.2.2.1. Fontes do Direito Internacional As fontes do direito internacional podem se subdividir em: fontes diretas e fontes indiretas ou acessórias. As primeiras são: as Convenções e Tratados Internacionais; os Costumes internacionais e os Princípios Gerais de Direito. “Princípios Gerais do direito são as normas de justiça objetiva donde o direito tira o seu fundamento” (Acioli, 1996, p.3). “O costume é o conjunto de normas consagradas por longo uso e observadas nas relações internacionais como obrigatórias. Convém não confundi-lo com simples uso, do qual se distingue pela idéia de obrigação” (Acioli, 1996, p.3). Sua força obrigatória decorre, antes de tudo, de uma prática geral, admitida como lei. “Os tratados ou convenções internacionais são a manifestação expressa de um acordo de vontades entre Estados” (Acioli, 1996, p.4). Eles podem ser de duas espécies: tratados-contratos e tratados gerais, também denominados tratados-leis ou tratados normativos. Os primeiros, mais numerosos, regulam as situações especiais ou especificas de interesse direto das partes contratantes. “Os segundos estabelecem regras gerais e permanentes ou consignam regras jurídicas existentes e, ordinariamente, ligam grande 65 número de Estados, sendo em geral, abertos à adesão dos Estados não signatários” (Acioli, 1996, p.4). Além da doutrina jurídica, o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, no artigo 38, estabelece as fontes do direito internacional a que a mesma recorre para orientar suas decisões. São elas: as convenções e tratados internacionais; os costumes internacionais; princípios gerais de direito e as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio de auxiliar a determinação das regras de direito. Acioli (1996) aponta como fontes acessórias a legislação e a jurisprudência dos Estados, a doutrina dos autores, as sentenças arbitrais ou das cortes de justiça internacionais e, para alguns poucos a comitas gentium ou cortesia internacional. O autor destaca, ainda, que dentre estas fontes, a mais importante é a jurisprudência dos tribunais arbitrais ou das cortes de justiça internacionais, pois além de consagrarem o costume e os princípios vigentes, elas podem gerar o próprio costume. No que tange ao direito à compensação e à reparação, as fontes de direito incluem, ainda, as declarações multilaterais, tratados e resoluções e a interpretação e implementação dos princípios pela legislação e ações judiciais, nacionais e internacionais (Johnston, 2000). Para Johnston (2000), apesar de não criarem nenhum vínculo legal, as declarações multinacionais refletem o consenso regional ou universal sobre determinada questão, podendo transformar-se em lei internacional consuetudinária. Freqüentemente, elas representam o primeiro passo em direção à codificação de um novo direito. Quando estão contidas em uma convenção internacional, as declarações se tornam tratados, que obrigam as partes signatárias a implementar os princípios nela contidos. A implementação desses princípios pode se dar pela criação de leis nacionais, decisões judiciais ou políticas governamentais. 66 Assim como as declarações, as resoluções da Assembléia das Nações Unidas não vinculam legalmente os Estados e as organizações internacionais ao conteúdo nelas estipulado. Na definição da Carta das Nações Unidas, artigo 13.1, as resoluções são estipuladas com o propósito de promover a cooperação internacional no campo político e encorajar o desenvolvimento do direito internacional e sua codificação. Contudo, as resoluções das Nações Unidas são vistas cada vez mais como indicativos para os Estados dos rumos seguidos pelo direito internacional.14 Por fim, e de acordo com Popovich, citado por Jonhston (2000, p.18), “os princípios dos direitos humanos também influenciam a conduta de organizações internacionais e entidades privadas que têm interesse em evitar violações legais, mantendo uma imagem pública positiva” (tradução nossa). Na próxima seção serão apresentados alguns dos principais tratados internacionais, onde o direito à reparação está expressamente garantido em seus textos. A seleção destes tratados foi feita com base no trabalho de Jonhston (2000). 2.2.2.2. Pactos e Convenções a) Declaração Universal dos Direitos Humanos A Declaração Universal dos Direitos Humanos – resolução 217 A, de 10 de Dezembro de 1948, da qual o Brasil é signatário desde o ano de sua criação, além de estabelecer quais são os direitos fundamentais do Homem, assegura, no artigo 8 que: “Toda pessoa tem direito a um recurso efetivo, pelo tribunal nacional competente, contra os atos que violem os direitos fundamentais, garantidos pela Constituição ou pela lei”. b) 14 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos A guerra contra o Iraque, iniciada em 19 de março de 2003 vai contra essa afirmação de Jonhston (2000). 67 Esse Pacto, adotado pela resolução nº 2.200-A da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, como o próprio nome indica estabelece os direitos civis e políticos do homem e está inserido no âmbito dos direitos humanos. Nele, o direito à reparação é reafirmado através do artigo 2º alínea 2 e 3 da parte II, que determinam: Na ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto, os Estadospartes comprometem-se a tomar as providências necessárias, com vistas a adotá-las, levando em consideração seus respectivos procedimentos constitucionais e as disposições do presente Pacto (A/RES/2200. 2.2). Os Estados-partes comprometem-se a: 1. garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente Pacto hajam sido violados, possa dispor de um recurso efetivo, mesmo que a violência tenha sido perpetrada por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais; 2. garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu direito determinado pela competente autoridade judicial, administrativa ou legislativa ou por qualquer outra autoridade competente prevista no ordenamento jurídico do Estado em questão e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; 3. garantir o cumprimento, pelas autoridades competentes, de qualquer decisão que julgar procedente tal recurso (A/RES/2200. 2.3). c) Resolução 1803 sobre Soberania Permanente sobre os Recursos Naturais A resolução 1.803 (XVII) da Assembléia Geral da ONU de 14 de dezembro de 1962 versa sobre o desenvolvimento, os recursos naturais e o direito à compensação dos Estados Soberanos. A resolução declara: O direito dos povos e das nações a soberania permanente sobre suas riquezas e recursos naturais deve ser exercido com interesse do desenvolvimento nacional e bem-estar do povo do respectivo Estado (A/RES/1803.1). A nacionalização, a expropriação ou a requisição deverão estar fundamentadas em razões ou motivos de utilidade pública, de segurança ou de interesse nacional, nos quais se reconhece como superiores ao mero interesse particular ou privado, tanto nacional como estrangeiro. Nestes casos será pago ao dono a indenização correspondente, conforme as normas em vigor no Estado que adote estas medidas em exercício de sua soberania e em conformidade com o direito internacional. Em qualquer caso em que a questão da indenização dê origem a um litígio, deve-se esgotar a jurisdição nacional do estado que adote estas medidas. Não obstante, por acordo entre Estados soberanos e outras partes interessadas, o litígio poderá ser julgado por arbitragem ou tribunal judicial internacional (A/RES/1803.4). 68 Os acordos sobre os investimentos estrangeiros livremente acertados por Estados soberanos ou entre eles deverão ser cumpridos de boa fé; os Estados e as organizações internacionais deverão respeitar estrita e escrupulosamente a soberania dos povos nacionais sobre suas riquezas e recursos naturais em conformidade à Carta e aos princípios nela contidos (A/RES/1803. 8). d) Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela resolução 2.200 (XXI) de 16 de dezembro de 1966 e, ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, determina: Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural (artigo 1.1). Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional. Em caso algum poderá um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência (artigo 1.2). Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medida apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento (artigo 11.1). e) Declaração sobre o Direito de Desenvolvimento A Declaração sobre o Direito de Desenvolvimento, adotada pela Resolução n.º 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986, estabelece, dentre outras coisas, o direito da população à participação no desenvolvimento e na justa distribuição dos benefícios do desenvolvimento. O artigo 2.3. da presente declaração estabelece: 69 Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e significativa e no desenvolvimento e na distribuição eqüitativa dos benefícios daí resultantes (RES/41/128. 2.3). f) Convenção contra o Genocídio, Convenção 107 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Convenção 169 da OIT A Convenção contra o Genocídio, Convenção 107 e a Convenção 169 da OIT, ao contrário das anteriores, dispõem sobre o direito dos povos em contraposição aos direitos da pessoa. Assim, seguindo o raciocínio de Johnston (2000), as Convenções supramencionadas estabelecem: A Convenção sobre a Prevenção e Punição do Genocídio proíbe ‘atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso´ (Johnston, 2000, p.20) (tradução nossa). O direito de propriedade, coletivo ou individual, será reconhecido aos membros das populações interessadas sobre as terras que ocupem tradicionalmente (Convenção 107 da OIT, artigo 11). Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade (Convenção 169 da OIT, artigo 2). Deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados (Convenção 169 da OIT, artigo 4.1). Tais medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos expressos livremente pelos povos interessados (Convenção 169 da OIT, artigo 4.2). Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente (Convenção 169 da OIT, artigo 7.1). 70 Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam (Convenção 169 da OIT, artigo 7.4). Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que ele ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação (Convenção 169 da OIT, artigo 13.1). Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem o direito desses povos a participarem da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados (Convenção 169 da OIT, artigo 15.1). Deverão ser indenizadas plenamente as pessoas transladadas e reassentadas por qualquer perda ou dano que tenham sofrido como conseqüência do seu deslocamento (Convenção 169 da OIT, artigo 16.5). 2.2.2.3. Declarações e Resoluções As três declarações apresentadas a seguir dizem respeito ao entendimento internacional acerca da proteção e conservação do meio ambiente. Por serem declarações, não são documentos de caráter legal obrigatório, mas servem antes como textos norteadores dos princípios e políticas relacionadas ao meio ambiente. a) Declaração de Estocolmo A Declaração de Estocolmo surgiu como produto da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia. De acordo com McCormick (1992, p. 109) “não se visava definir cláusulas de cumprimento obrigatório, mas a declaração deveria ser ‘inspiracional’, registrando os argumentos essenciais do ambientalismo humano, e atuar como um prefácio para os princípios, delineando metas e objetivos amplos”. 71 Dentre esses princípios, o de número 21 estabelece a responsabilidade dos Estados signatários de assegurar que as atividades empreendidas dentro de sua jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente ou a outros Estados. b) Carta Mundial para a Natureza Dez anos depois da criação da Declaração de Estocolmo, a Carta Mundial para a Natureza ampliou e reiterou a responsabilidade dos Estados e de outras autoridades públicas, organizações internacionais, indivíduos, grupos e corporações de assegurar que as atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou controle não causem danos ao ecossistema natural de outros Estados ou de áreas externas à jurisdição nacional. c) Declaração do Rio A Declaração do Rio de 1992, assim como outros tratados e acordos internacionais mais recentes, vieram reforçar a questão da responsabilidade dos Estados pelos danos ambientais. 2.3. Mecanismos Internacionais Extrajudiciais de Reivindicação e Reparação Ainda no âmbito internacional, Johnston (2000) apresenta 11 mecanismos de proteção de direitos, que permitem que indivíduos e grupos tenham a oportunidade de expor seus problemas e procurar por soluções remediadoras, assim como mecanismos que permitam que os Estados protejam os direitos de seus cidadãos. São eles: 2.3.1. Responsabilidade das Nações Unidas (ONU) pelas Forças de Paz 72 Devido à recente expansão das operações da força de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), e com base em uma decisão da Corte Internacional de Justiça de 1949, a Organização estabeleceu um novo mecanismo que ampliou suas responsabilidades e obrigações para incluir a reparação dos danos sofridos pelos cidadãos durante estas operações. De acordo com um relatório de 1998, publicado pela ONU, os danos mais comuns incluem: o uso não-consensual e a ocupação da propriedade, danos pessoais e danos à propriedade durante as operações normais da força e os danos causados durante as operações de combate. A ONU baseia sua responsabilidade na doutrina da responsabilidade do Estado, na qual ela se responsabiliza pelas atividades ilegais de suas forças. De tal modo, a organização estabelece sua responsabilidade com base no princípio do comando das forças. Isto é, se as forças estiverem sob o comando exclusivo da ONU, a organização se responsabiliza por qualquer dano causado, não podendo se eximir alegando a doutrina da necessidade. Se as forças estiverem sob o comando nacional, então a responsabilidade permanece com a nação. A dificuldade aparece quando o comando fica submetido tanto à organização quanto ao Estado. Nesses casos, a responsabilidade é, geralmente, determinada pelo grau de controle efetivo exercido por cada uma das partes. 2.3.2. Comissão de Compensação das Nações Unidas A Comissão de Compensação das Nações Unidas (UNCC) (sigla em inglês) foi estabelecida como um órgão do Conselho de Segurança da ONU, em 1991, com a missão de processar as queixas e pagar as compensações pelos danos causados pela invasão do Iraque no Kwait (Johnston, 2000, p. 26) (tradução nossa). Depois da adoção da Resolução 687, que estabeleceu a responsabilidade do Iraque perante a lei internacional, pelos danos e perdas diretas, incluindo-se aí os danos ambientais e 73 a degradação dos recursos naturais decorrentes da invasão ilegal ao Kwait, o país se comprometeu a compensar as partes estrangeiras pelos danos. A compensação tornou-se viável pela criação de um fundo financiado por uma porcentagem do petróleo iraquiano. O desenvolvimento deste fundo, contudo, foi inibido durante o período do embargo ao petróleo iraquiano. Em 1996, após a troca de “petróleo por comida”, a Comissão começou a receber receitas públicas suficientes para reativar o fundo. Desde então, pequenas reivindicações foram processadas e pagas. Agora, a UNCC está voltada para as reivindicações de quantias superiores a U$100.000. 2.3.3. Mecanismo de Resolução de Disputas OIT 169 A Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece um mecanismo de resolução de conflitos que permite que indivíduos e grupos apresentem reivindicações contra seus estados perante um fórum de proteção de direitos (Johnston, 2000, p. 26) (tradução nossa). Por ser uma agência intergovernamental, a OIT não possui poder coercitivo. Seus princípios básicos são o diálogo e a persuasão. A cada cinco anos, os membros da Organização submetem um relatório ao Comitê de Especialistas em Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT com descrições sobre a implementação legal e prática da Convenção. Esse comitê analisa, então, a situação de cada país produzindo, no final, um relatório anual com seus comentários. O efeito usual deste relatório é um reexame da situação por parte do governo à luz dos comentários do comitê. Para que indivíduos e grupos possam reivindicar a violação de uma convenção é preciso que eles estejam ligados a uma organização representativa como, por exemplo, o governo, um sindicato ou uma associação patronal. Essa prerrogativa limita, por sua vez, o poder de reivindicação dos indígenas e indivíduos de minorias étnicas, uma vez que, a maioria 74 deles não está ligada a uma associação de trabalhadores ou patrões. Em alguns casos, organizações indígenas foram bem sucedidas na persuasão de organizações internacionais de sindicatos para defender suas causas. Um caso significativo aconteceu na Índia, onde a União Internacional de Trabalhadores da Agricultura, Hotelaria, Restaurantes e Aliados (IUF) desempenhou um papel importante ao denunciar o tratamento a que estava sendo submetida a população Adivasi15 em decorrência da construção da barragem de Sadar Sarovar. Além dos indivíduos e grupos, também um Estado-membro pode registrar uma reclamação na OIT pela não observância de uma convenção por parte de outro Estado, desde que ambos tenham-na ratificado. Ao próprio corpo diretor da OIT é delegado o direito de entrar com uma reclamação. 2.3.4. Fóruns de Reclamação: Subcomissão de Prevenção Contra a Discriminação e Proteção de Minorias A Subcomissão de Prevenção Contra a Discriminação e Proteção de Minorias foi criada pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, em 1949, como meio de empreender os estudos relacionados à Declaração Universal dos Direitos Humanos e fazer recomendações à Comissão de Direitos Humanos no que concerne à prevenção da discriminação, de qualquer tipo, às minorias. Além dessa função, a Subcomissão agrega, também, quaisquer outras funções designadas pelo Conselho Econômico e Social ou pela Comissão de Direitos Humanos. Isto é, seu escopo, na realidade, vai além do problema da discriminação das minorias e passa a incluir os direitos humanos em geral. 15 A palavra Adivasi, em sânscrito, significa “habitantes originários”. Ela se refere às populações tribais da Índia. Há anos a população Adivasi vêem lutando em prol de sua autonomia, controle do seu território e restauração de seus modos tradicionais de vida. 75 Os membros da Subcomissão são eleitos em função de suas capacidades pessoais como técnicos e não como representantes dos Estados (apesar de que as candidaturas são apresentadas pelos Governos e as eleições são governadas por regras de distribuição geográfica) (Johnston, 2000, p. 27) (tradução nossa). As organizações não-governamentais também podem participar da Subcomissão, mas apenas como caráter consultivo. Elas podem levantar problemas e questões como itens da agenda dos encontros anuais e ajudar nas investigações dos relatórios especiais. Em um trabalho realizado recentemente pela Subcomissão sobre deslocamento populacional definiu-se como deslocamento populacional ilegal: A prática ou política, que tem como propósito ou efeito o deslocamento de pessoas para dentro ou para fora de uma área, dentro ou fora das fronteiras internacionais, ou dentro ou fora de um território ocupado, sem a prévia informação e o livre consentimento da população deslocada ou da população anfitriã (Johnston, 2000, p. 28) (tradução nossa). Esse entendimento foi articulado em vários relatórios, resoluções e princípios da Subcomissão e da Comissão. 2.3.5. Fóruns de Reclamação: Comissão Interamericana de Direitos Humanos A Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi estabelecida a partir da Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominada de Pacto de São José. Essa Comissão foi eleita pelos membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) com a finalidade e obrigação de considerar os requerimentos apresentados por uma pessoa ou grupo de pessoas e qualquer entidade não governamental, legalmente reconhecida em um ou mais países membros da Organização, contendo denúncias de violação da Convenção por parte de um dos países signatários. 76 A Comissão tem o poder de investigar as informações de abuso dos direitos humanos e facilitar o alcance de um acordo amigável. Se o acordo não for alcançado, a Comissão deve desenvolver um relatório sobre os fatos com suas conclusões e transmití-lo às partes interessadas. Se as medidas adequadas não forem adotadas, a Comissão deve publicar o relatório e submetê-lo à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Apenas os países membros e a Comissão tem o direito de submeter um caso à Corte. 2.3.6. Fóruns de Reclamação: Corte Européia de Direitos Humanos A Corte Européia de Direitos Humanos foi criada pela Convenção Européia de Direitos Humanos. A corte, além de proferir opiniões e julgamentos, tem autoridade para ordenar o pagamento de indenizações pelos danos causados pela violação dos direitos humanos. São competentes para denunciar violações contra os direitos humanos, perante a Corte, os países membros signatários da Convenção, assim como os cidadãos desses países. 2.3.7. Fóruns de Reclamação: Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos A Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos foi estabelecida através da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos com o intuito de promover e proteger os direitos humanos e dos povos na África. A comissão é integrada por onze membros escolhidos pelos critérios de reputação, moralidade, integridade, imparcialidade e competência em matéria de direitos humanos e dos povos. Os membros são indicados pelos Estados membros signatários da Carta e depois eleitos através de voto secreto. As queixas podem ser apresentadas pelos países membros assim como por outra parte, desde que a maioria simples dos membros da Comissão aceite. 77 Nos casos em que a Comissão verifica a existência de uma série de graves ou massivas violações dos direitos, ela deve comunicar a situação à Assembléia de Chefes de Estado e Governo, que então autoriza a Comissão a empreender um estudo de caso rigoroso e cujo parecer e recomendação são repassados à Assembléia. 2.3.8. Constituições, Leis, Decretos e Mecanismos de alguns países No que diz respeito ao sistema jurídico interno, Johnston (2000) aponta para o fato de que, até 1999, as Constituições de 105 nações continham dispositivos relacionados à proteção ambiental. Dessas, 91 estabeleciam como dever do Governo Federal a prevenção dos danos ao meio ambiente e 51 reconheciam explicitamente o direito a um meio ambiente saudável. 19 Constituições determinavam a responsabilidade do agente poluidor de compensar e remediar o dano ambiental. 14 textos constitucionais estabeleciam, explicitamente, o direito à informação concernente ao meio ambiente ou às atividades que pudessem afetá-lo. 2.3.9. Alien Tort Claims Act O Alien Tort Claims Act (ATCA, sigla em inglês) é uma importante lei federal norte-americana que permite que cidadãos estrangeiros possam processar nos EUA, em tribunais e cortes americanas, funcionários do governo e empresas multinacionais por violações de leis internacionais. No contexto dos direitos humanos, tais violações incluem tortura, assassinato extrajudicial, trabalho forçado e genocídio. Esse instrumento foi criado em 1789, pelo primeiro Congresso norte-americano, com o intuito de promover o respeito aos 78 princípios básicos dos direitos humanos, considerando legalmente responsáveis por erros e abusos cometidos contra estrangeiros, os funcionários públicos e as grandes corporações. O primeiro processo impetrado na justiça com base na ATCA foi contra funcionários públicos estrangeiros. Ferdinand Marcos, ex-ditador das Filipinas e Radovan Karadzic, ex-líder da ex-República da Bósnia, foram considerados, ambos, civilmente responsáveis pela disseminação dos abusos aos direitos humanos que eles causaram. Recentemente, grandes corporações estão sendo processadas em tribunais dos EUA por sua cumplicidade em abusos aos direitos humanos. Um exemplo é o caso Bowoto vs. Chevron Texaco Corporation, ação na qual cidadãos nigerianos estão processando a empresa Chevron Texaco por seu envolvimento e cumplicidade em abusos cometidos por militares nigerianos. O caso se baseia em dois incidentes: tiroteio a protestantes pacíficos na plataforma da empresa e destruição de duas vilas por soldados, que utilizaram barcos e helicópteros da corporação. Apesar dos diversos casos impetrados na justiça, nenhum ainda resultou em um julgamento contra corporações multinacionais. Mesmo assim, atualmente, existe um forte lobby no Congresso Americano, por parte do Conselho Nacional de Comércio Internacional (NFTC, sigla em inglês) e da Câmara de Comércio Internacional (ICC, sigla em inglês) para enfraquecer esta lei. O objetivo destes órgãos é limitar a ação desta lei, de forma a diminuir ainda mais a responsabilidade destas empresas perante os abusos por elas cometidos. 2.3.10. Painel de Inspeção do Banco Mundial O Banco Mundial, principal organismo multilateral internacional de financiamento, formado por 183 países-membros, entre os quais o Brasil, foi concebido durante a Segunda Guerra Mundial, em Bretton Woods, estado de New Hampshire, nos EUA. 79 Seu objetivo inicial era financiar a reconstrução da Europa do pós-guerra. Atualmente, apesar de continuar com o trabalho de reconstrução de países arruinados por desastres naturais, emergências humanitárias, guerras e conflitos, o Banco declara ser sua meta principal a redução da pobreza no mundo em desenvolvimento. Seu trabalho consiste em angariar fundos nos mercados financeiros internacionais para financiar projetos nos países em desenvolvimento e atrair investimentos privados através de co-investimentos, garantias e seguros de risco político. Além dos recursos, ele oferece, também, aconselhamento e assessoria econômica e técnica aos países membros. O Grupo do Banco Mundial é constituído por cinco instituições estreitamente relacionadas e subordinadas a uma única presidência. São elas: o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), a Corporação Financeira Internacional (IFC), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI) e o Centro Internacional para Acerto de Disputas de Investimento (CIADI). O BIRD proporciona empréstimos e assistência para o desenvolvimento a países de rendas médias com bons antecedentes de crédito. O poder de voto de cada país-membro está vinculado às suas subscrições de capital, que por sua vez estão baseadas no poder econômico relativo de cada país. O BIRD levanta grande parte dos seus fundos através da venda de títulos nos mercados internacionais de capital. A AID presta assistência aos países mais pobres, aos quais proporciona empréstimos sem juros e outros serviços. A maior parte de seus recursos financeiros é determinada pelas contribuições dos países membros mais ricos - inclusive alguns países em desenvolvimento. Juntos, o BIRD e a AID formam o Banco Mundial. A IFC, ao contrário do BIRD e da AID, financia investimentos do setor privado e presta assistência técnica e assessoria a governos e empresas. Em parceria com investidores 80 privados, a IFC proporciona tanto empréstimos quanto participação acionária em negócios nos países em desenvolvimento. A AMGI estimula investimentos estrangeiros nos países em desenvolvimento por meio de garantias a investidores estrangeiros contra prejuízos causados por riscos não comerciais. A AMGI também presta assistência técnica aos países na divulgação de informações sobre oportunidades de investimento. Por fim, O CIADI proporciona instalações para a resolução, mediante conciliação ou arbitragem, de disputas referentes a investimentos entre investidores estrangeiros e os seus países anfitriões. O Painel de Inspeção do Banco Mundial é um mecanismo criado pelo Conselho do Banco, em 1993, com o intuito de investigar a performance do Banco diante dos projetos por ele financiados. Seu objetivo é examinar, a partir do material disponível, se houve alguma falha grave de inobservância, por parte do Banco, de seus procedimentos e políticas operacionais no momento do design, aprovação ou implementação do projeto. Nesse processo de avaliação o Banco examina apenas os efeitos materiais adversos, que tenham decorrido total ou parcialmente, de uma falha séria do Banco no cumprimento de suas políticas e procedimentos. Para analisar os efeitos materiais adversos, o Banco utiliza como base de comparação a situação anterior ao projeto. Para tanto, são utilizadas todas as bases de dados e informações disponíveis. É importante observar que não são considerados efeitos materiais adversos as expectativas frustradas que não geram deterioração material em comparação com a situação anterior ao projeto. Para que uma reclamação seja submetida ao Painel os reclamantes devem obedecer a, pelo menos três condições: 81 a) que a reclamação assevere que uma séria violação cometida pelo Banco de seus procedimentos e políticas operacionais tenham causado ou possam vir a causar efeitos materiais adversos para o requerente; b) que a reclamação afirme que o caso em questão tenha sido levado ao conhecimento da gerência do Banco e que, na visão do requerente, a gerência tenha falhado em responder adequadamente, demonstrando sua intenção de retomar as políticas e procedimentos do Banco; c) que o Painel não tenha feito nenhuma recomendação anterior sobre o caso ou, se tenha, que o novo requerimento afirme possuir novas evidências ou circunstâncias desconhecidas no período do requerimento anterior. Uma vez aberto o requerimento de inspeção, o Banco torna-se obrigado a dar uma resposta aos requerentes. Nessa resposta, ele pode alegar que: a) não houve descumprimento das políticas e procedimentos do Banco; b) houve descumprimento das políticas e procedimentos devido à ações ou omissões por parte do mesmo; c) houve descumprimento das políticas e procedimentos devido a ações ou omissões por parte do credor ou de fatores externos; d) houve descumprimento das políticas e procedimentos devido a ações ou omissões por parte do Banco e do credor ou de fatores externos. Se a gerência entender que houve uma falha grave atribuível exclusivamente ou parcialmente ao Banco, o mesmo deve demonstrar evidências sobre sua intenção de obedecer aos procedimentos e políticas operacionais. A réplica da gerência deve conter apenas aquelas ações que o Banco implementou ou pode vir a implementar por si só. A Gerência deve trabalhar conjuntamente com os credores e partes atingidas para desenvolver o que denomina Plano de Ação. Uma vez 82 acordado o Plano de Ação, a Gerência deve comunicar ao Painel de Inspeção sobre a natureza e os resultados da consulta com as partes atingidas. Feito isto, o Painel de Inspeção deve produzir um relatório com suas recomendações, baseado nas informações presentes no requerimento, na réplica da Gerência e em outros documentos que considerar relevantes. O Painel pode, se entender que isso é necessário para o caso, visitar o país do projeto em questão, mas apenas a convite do governo. Finalizada a inspeção do Painel e submetidas suas conclusões, a Gerência pode reportar ao Conselho suas próprias recomendações, caso as tenha. O Painel deve, em seu relatório ao Conselho, avaliar se o cumprimento ou a intenção do Banco de cumprir com as políticas e procedimentos é adequada. O Painel deve, ainda, submeter aos Diretores Executivos do Banco um relatório com sua visão sobre a consulta realizada com as partes afetadas, quando da preparação do Plano de Ação. Ele não deve, contudo, apresentar sua opinião sobre os aspectos do Plano, tampouco deve monitorar a implementação do mesmo. 2.3.11. Gabinete do Conselheiro da IFC/MIGA/ Ombudsman O Office of the Compliance Advisor (CAO, sigla em inglês)/Ombudsman foi criado, em 1999, pelo Presidente e pela Gerência da IFC e da MIGA com o intuito de receber e explorar as reclamações e preocupações relacionadas às questões ambientais e sociais suscitadas pelas pessoas atingidas pelos projetos por eles financiados. Sua criação deveu-se, em grande parte, pela reclamação feita por um grupo de ambientalistas chilenos sobre os impactos negativos de um projeto de barragens financiado pela IFC naquele país. Em 1995, o grupo Accion del BioBio (GABB), organização chilena representante de ambientalistas e populações indígenas preocupadas com a construção das barragens 83 Pangue/Ralco no rio BioBio, no Chile, entraram com uma reclamação perante o Presidente do Banco Mundial. Os reclamantes alegavam que a IFC tinha violado políticas relevantes relacionadas às populações indígenas e aos estudos ambientais e falhado, também, na supervisão da implementação correta do projeto. Sabendo que o Painel de Inspeção do Banco Mundial não tinha jurisdição sobre os projetos financiados pela IFC, os requerentes pediram ao seu Presidente que o Painel investigasse suas reclamações e que os diretores executivos da instituição adotassem o mecanismo do painel de inspeção para aquela instituição. Os diretores concordaram, então, em fazer uma investigação interna sobre a reclamação. Um investigador independente foi apontado para fazer a revisão do projeto Pangue/Ralco, mas nem seu relatório nem a revisão interna feita por um consultor do Banco foram liberados para o público. Isso gerou muitas dúvidas a respeito das políticas de transparência e responsabilidade do Banco. Assim, impelidos pela preocupação e pressão de grupos e movimentos sociais, em 1999, foi criado CAO/Ombudsman da IFC/AMGI. Os conceitos e procedimentos operacionais deste novo mecanismo tomaram como base a estrutura do Painel de Inspeção do Banco Mundial. Na proposta de criação do CAO foram realizadas apenas algumas alterações, em função do caráter privado das operações destas instituições. Para realizar sua tarefa, o Office dispõe de uma verba destinada ao recrutamento de consultores, à criação de painéis especiais de auditoria e à revisão independente de projetos controversos. O ombudsman é um empregado tempo integral da IFC e da MIGA, contratado pela Vice-Presidência para: a) recomendar e auxiliar a IFC e a MIGA no tratamento de projetos controversos; b) auxiliar nos esforços de responder às reclamações de partes externas atingidas por projetos da IFC ou da MIGA; c) investigar as reclamações, se apropriadas, consultando as partes afetadas, os responsáveis pelo projeto e a gerência da IFC ou da MIGA, 84 com o intuito de corrigir falhas nos projetos e melhorar os resultados práticos; d) comunicarse diretamente com os requerentes e as partes atingidas, respeitando o sigilo comercial (informações comerciais confidenciais); e) relatar suas conclusões e recomendações ao Presidente, que determinará as ações requeridas; f) fazer recomendações ao Presidente sobre a forma e extensão que suas recomendações devem receber ao serem divulgadas ao Conselho de Diretores da IFC e da MIGA, às partes atingidas e ao público. O CAO deverá, ainda, aconselhar sobre as políticas ambientais e sociais, os procedimentos e princípios, os recursos e sistemas estabelecidos para assegurar a revisão e monitoramento adequados dos projetos da IFC e da MIGA, além de responder aos requerimentos dos funcionários das áreas ambiental e social sobre questões específicas de projetos. 2.4. Direito Brasileiro Falar em reparação no direito civil brasileiro é, antes de tudo, falar em responsabilidade civil. Isso porque toda atividade que provoca prejuízo traz em seu bojo o problema da responsabilidade, não só na esfera jurídica, mas em todos os domínios da vida social. Nas palavras da jurista Maria Helena Diniz: A responsabilidade civil é, indubitavelmente, um dos temas mais palpitantes e problemáticos da atualidade jurídica, ante sua surpreendente expansão no direito moderno e seus reflexos nas atividades humanas, contratuais e extracontratuais, e no prodigioso avanço tecnológico, que impulsiona o progresso material, gerador de utilidades e de enormes perigos à integridade da vida humana (Diniz, 1997, p.4). Ainda nas palavras da autora, “por repercutir em todas as atividades humanas, múltiplos são os dissídios doutrinários e díspares são os posicionamentos dos tribunais, 85 ‘quanto à definição de seu alcance, à enunciação de seus pressupostos e à sua própria textura(...)” (Diniz, 1997, p.5). 2.4.1. Espécies de Responsabilidade Civil No que tange às espécies de responsabilidade civil, Diniz (1997) aponta três critérios de classificação. O primeiro diz respeito ao fato gerador da responsabilidade. Nesse caso, tem-se a responsabilidade contratual, oriunda de inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral e a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, resultante do inadimplemento normativo, isto é, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, sem vínculo anterior entre as partes. “A fonte desta responsabilidade é a inobservância da lei, ou melhor, é a lesão a um direito, sem que entre o ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica” (Diniz, 1997, p.111). O segundo critério de classificação (e esse é o mais importante) relaciona-se ao fundamento da responsabilidade, que pode se dividir em: responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva. A primeira fundamenta-se na regra geral da prática de um ato ilícito. O ato ilícito, por sua vez, baseia-se na idéia de culpa, ou seja, na reprovabilidade ou censurabilidade da conduta do agente. Para que se configure o ilícito será imprescindível um dano oriundo de atividade culposa16. A segunda, a responsabilidade objetiva, funda-se na idéia de risco e consiste na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente, sem que haja necessidade de se provar o elemento subjetivo - culpa, sendo necessário apenas provar a relação de causalidade entre o dano e a conduta do causador. Nesse tipo de 16 A culpa aqui se refere a culpa lato sensu, que inclui o dolo (violação intencional do dever jurídico) e a culpa strictu sensu, caracterizada pela imperícia, imprudência e negligência. 86 responsabilidade a atividade que gera o dano é lícita, mas contém a periculosidade como um de seus fundamentos. A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. (...) P.ex: é o que ocorre com pessoas que empreendem atividades destinadas à produção de energia elétrica ou de explosivos (...) (Diniz, 1997, p.48). Por fim, o terceiro critério é o que diz respeito à pessoa que pratica a ação. Nessa hipótese tem-se a responsabilidade direta, se proveniente da própria pessoa e a responsabilidade indireta, se proveniente de ato de terceiro, com o qual o agente tem vínculo legal de responsabilidade. 2.4.2. Objetivo da Responsabilidade Civil O objetivo da responsabilidade civil, assim como o da reparação, é garantir o direito da vitima à segurança, mediante o pleno ressarcimento dos danos que sofreu, restabelecendo, na medida do possível, o status quo ante. A idéia é deslocar o ônus do dano sofrido pelo lesado para a pessoa, que por lei, deveria suportá-lo. Como aponta Diniz (1997, p.7) “o princípio que domina a responsabilidade civil na era contemporânea é o da restitutio in integrum, ou seja, da reposição completa da vítima à situação anterior à lesão (...)”. 2.4.3. Requisitos da Responsabilidade Civil 87 A despeito das divergências doutrinárias quanto aos requisitos da responsabilidade civil, Diniz (1997) apresenta três condições indispensáveis para a configuração da responsabilidade civil, são elas: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima por ato comissivo ou omissivo do agente ou de terceiro por quem o imputado responde e; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação. A autora exclui dos requisitos essenciais o elemento culpa que, como se viu, é dispensável para a qualificação da responsabilidade objetiva. De tudo que foi dito, a autora chega a uma definição de responsabilidade civil que diz: A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal (Diniz, 1997, p.34). Até aqui, e no livro de Diniz (1997), ao se tratar da responsabilidade civil estavase levando em conta apenas a responsabilidade civil por danos morais e patrimoniais, basicamente. Por se tratar de um dos pressupostos da responsabilidade civil, cabe, agora, analisar mais detidamente as diferentes classificações e definições dos tipos de dano reconhecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, ainda no âmbito do direito civil. 2.4.4. Conceito de Dano: dano material, dano moral 88 De acordo com Antônio Chaves citado por Reis (2001, p. 2)17, “Dano, definem uniformemente os dicionários, é o mal que se fez a alguém. Prejuízo, deterioração de coisa alheia. Perda”. Para Antunes (2001, p.167), “O dano é prejuízo causado a alguém por um terceiro que se vê obrigado ao ressarcimento”. Já para Gomes citado por Rezende18 (2002, p.2), “dano é lesão no patrimônio de alguém, contra sua vontade”. Das definições apresentadas acima, pode-se destacar dois pontos essenciais. O primeiro diz respeito à exigência de o dano se configurar a partir da ação ou omissão de um terceiro que gere prejuízo a alguém. O segundo diz respeito à própria noção de prejuízo, que está ligada ao conceito de patrimônio - patrimônio tutelado juridicamente. Com relação a esse segundo ponto, alguns autores do direito apontam para o fato de que, originariamente, a noção de dano possuía um conteúdo eminentemente patrimonial, no seu sentido material. Essa afirmação pode ser, contudo, contestada, pois o próprio Código de Hamurabi já previa a reparação do dano moral. Várias são as classificações, elencadas pela doutrina, dos tipos de dano. Nesse trabalho tratar-se-á da classificação quanto ao objeto. No caso do direito civil, existem dois tipos de dano, a saber: o dano material e o dano moral19. 17 CHAVES, Antônio. Tratado de Direito Civil, p.573 apud REIS, Clayton. Dano Moral. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 1-26 p. 18 GOMES, Orlando. Obrigações. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1978 apud REZENDE, Leonardo Pereira. O dano moral nas construções de barragens hidrelétricas. Disponível em: http://www.ufop.br. Acesso em 10 out. 2002. 19 FRANÇA (1988) estabelece oito critérios para a classificação das espécies do dano, são eles: a) quanto à modalidade, que compreende o dano emergente e o lucro cessante; b) quanto à atualidade, compreendendo o dano atual e o dano potencial; c) quanto à efetividade, que comporta o dano efetivo e o dano presumido; d) quanto à espécie de lesão, cujo dano pode se configurar a partir de ato ilícito civil ou por ato ilícito criminal; e) quanto ao agente; f) quanto ao nexo causal, podendo ser o dano direto ou indireto; g) quanto ao objeto, compreendendo o dano patrimonial ou o dano moral e por fim; h) quanto ao nexo causal mais o objeto, configurando o dano patrimonial direto ou indireto e o dano moral direto ou indireto. 89 O dano material é entendido como uma lesão concreta que afeta um interesse relativo ao patrimônio20 da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem e que são suscetíveis de avaliação pecuniária. Ele corresponde à diferença entre o valor atual do patrimônio da vítima e o valor que ele teria se o fato não tivesse ocorrido. O dano patrimonial abrange (...) não só o dano emergente (o que o lesado efetivamente perdeu), mas também o lucro cessante (o aumento que seu patrimônio teria, mas deixou de ter, em razão do evento danoso) (Diniz, 1997, p.63). O segundo tipo de dano – o dano moral – é definido por França (1988, p.31) como sendo aquele que “(...) direta ou indiretamente, a pessoa física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico dos seus bens jurídicos”. Para Santini(1997) e Alsina (1993) citado por Rezende (2002)21, o dano moral significa lesão aos sentimentos que geram dor à vítima do dano. Dor aqui é entendida no sentido mais amplo, compreendendo o sofrimento físico e o moral – a angústia e a tristeza pela ausência de um ente querido falecido, o desprestígio, a desconsideração social, os traumatismos emocionais, a depressão e o desgaste psicológico, entre outros22. 2.4.5. Efeitos da Responsabilidade Civil: Reparação 20 O conceito de patrimônio aqui é entendido como “a totalidade de bens economicamente úteis que se encontram dentro do poder de disposição de uma pessoa” (Diniz, 1997, p.61). 21 ALSINA, Jorge Bustamante . Teoria general de la responsabilidad civil. 8ª Edição. Buenos Aires: AbeledoPerrot, 1993, p 234. In: STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p 674 apud REZENDE, Leonardo Pereira. O dano moral nas construções de barragens hidrelétricas. Disponível em: http://www.ufop.br. Acesso em 10 out. 2002. SANTINI, José Raffaelli. Dano Moral: Doutrina, Jurisprudência e Prática. São Paulo: Editora de Direito, 1997. 638p apud REZENDE, Leonardo Pereira. O dano moral nas construções de barragens hidrelétricas. Disponível em: http://www.ufop.br. Acesso em 10 out. 2002. 22 Rezende (2002) estabelece, em seu trabalho, três tipos de danos morais ocorridos nas construções de barragens. São eles: a) dano ao valor de afeição, que afeta, normalmente, os proprietários expropriados que possuem uma forte ligação com a terra por sua historia de vida e de sua família; b) dano à vida de relação, que significa a perda dos laços culturais, dos costumes, enfim do modo de vida especifico das comunidades atingidas; c) dano ao direito de viver bem, que representa a lesão à saúde física e psíquica da população atingida. 90 Constatada a responsabilidade civil de uma pessoa, seja ela física ou jurídica, o ordenamento jurídico impõe ao agente a reparação do dano. Diniz (1997) aponta para o fato de que, ao contrário da responsabilidade criminal, cuja principal função é, primordialmente, punitiva e preventiva, a responsabilidade civil tem essencialmente uma função reparatória ou indenizatória. Apenas acessoriamente assume caráter punitivo. Assim, visto que a reparação é o efeito principal da responsabilidade civil, resta agora, atentar para as formas que, no ordenamento jurídico brasileiro, ela pode assumir. São basicamente duas as formas de reparação admitidas pela lei civil brasileira. São elas: a) a reparação específica ou in natura, que consiste em fazer com que as coisas retornem ao seu status quo ante e; b) a reparação por equivalente, isto é, a indenização – pagamento do equivalente em dinheiro. (Diniz, 1997). Essas duas formas de reparação servem para qualquer um dos tipos de dano, pelo menos, teoricamente. Tanto para o dano material quanto para o dano moral, a forma ideal de reparação consiste na restituição do status quo ante. O problema é que por causa da natureza dos bens lesados, torna-se praticamente impossível restituir o bem lesado a vitima do dano. Isso acontece, principalmente, nos danos morais. A questão que se coloca, então, para esses tipos de dano, ou para os bens que são afetados por eles, que é fator de muitas disputas no campo da doutrina e da jurisprudência é de como se avalia o quantum, ou melhor, como se valora (em termos monetários) determinados bens que são, por excelência, impossíveis de valorar, como por exemplo, a vida de uma pessoa ou a extinção de uma determinada espécie. Em relação aos danos morais, uma outra forma de reparação admitida por França (1988) é o pedido de desculpas (no caso de ofensas à honra, etc) e a prestação de serviços. 91 2.4.6. Direito Ambiental “O direito ambiental, não custa repetir, tem três esferas básicas de atuação: a preventiva, a reparatória e a repressiva” (Milaré, 2001, p.419). É importante ressaltar que a dimensão preventiva é a que mais importa para o direito ambiental. É nela que se concentram os maiores esforços, pois os objetivos do direito ambiental são fundamentalmente preventivos. Dadas as dificuldades de reparação do dano ambiental, um dos princípios fundamentais e norteadores desse novo ramo do direito é o chamado princípio da precaução. Nas palavras de Eckard Rehbinder, professor da Universidade de Frankfurt, citado por Machado (2000, p.47) A Política Ambiental não se limita à eliminação ou redução da poluição já existente ou iminente (proteção contra o perigo), mas faz com que a poluição seja combatida desde o inicio (proteção contra o simples risco) e que o recurso natural seja desfrutado sobre a base de um rendimento duradouro. No caso da legislação brasileira, já desde a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31/08/1981) esteve presente este princípio23. Ele também está presente na Declaração do Rio/92, Princípio 15: De modo a proteger o meio ambiente, o principio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. 23 O principio da precaução se faz presente não somente nos conceitos criados pelo direito ambiental, como também em instrumentos de prevenção do dano ambiental, como é o caso do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). 92 De acordo com Machado (1993, p.209) “o posicionamento preventivo tem por fundamento a responsabilidade no causar perigo ao meio ambiente. É um aspecto da responsabilidade negligenciado por aqueles que se acostumaram a somente visualizar a responsabilidade pelos danos causados”. No tocante à responsabilidade civil, o direito ambiental introduz, ainda, outra novidade quando comparado ao direito civil tradicional. O direito ambiental brasileiro, especificamente, foi o primeiro ordenamento jurídico a adotar a responsabilidade objetiva, que independe da culpa do agente, como a regente das questões relativas ao meio ambiente. A abertura e transformação conceitual da abordagem jurídica sobre as questões e conflitos ambientais não se restringiu apenas ao instituto da responsabilidade civil objetiva. Ela foi e acompanhada também pelo conceito de dano ambiental. Dano ambiental, segundo Antunes (2001) é dano ao meio ambiente. Essa definição em nada esclarece o problema. A redundância do autor, entretanto, é proposital. Segundo o mesmo, para se compreender o conceito de dano ambiental é preciso, antes, compreender o conceito de meio ambiente. O conceito de meio ambiente é, evidentemente, cultural. É a ação criativa do ser humano que vai determinar aquilo que deve e o que não deve ser entendido como meio ambiente. A grande dificuldade do tema está em que a ideologia liberal sempre buscou acentuar a dicotomia entre o ser humano e a natureza, dicotomia esta necessária para que o modo de produção capitalista pudesse justificar a apropriação de matéria-prima, para que pudesse justificar a transformação das realidades naturais em proveito da indústria e da acumulação de capital (Antunes, 2001, p.168). Assim, prosseguindo o raciocínio do autor, meio ambiente é um bem jurídico autônomo e unitário, que não se confunde com os diversos bens jurídicos que o integram. É coisa comum a todos, cuja propriedade pode ser pública ou privada, mas cuja fruição é coletiva, isto é, de toda a sociedade. 93 Milaré (2001) acredita que por ser o meio ambiente um conceito aberto, a lei brasileira, ao contrário de outras, não conceituou expressamente o dano ambiental. A lei oferece, de outro lado, dois conceitos: o de degradação da qualidade ambiental e o de poluição. A lei 6.938/81, no art. 3º, II define degradação da qualidade ambiental como “a alteração adversa das características do meio ambiente”. No inciso seguinte, a mesma lei estipula poluição como “a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente: e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”. Esse autor acaba por definir o dano ambiental como “a lesão aos recursos ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida” (Milaré, 2001, p.422). Cabe ressaltar que a categoria recursos naturais representa uma parte de um conjunto maior que são os recursos ambientais. A noção de dano ambiental não se resume ao conjunto de elementos naturais, mas abrange também os artificiais e os culturais24. Quanto às características do dano ambiental, Milaré (2001) destaca, em primeiro lugar, a pulverização das vítimas. Em outras palavras, o dano ambiental afeta, necessariamente, uma quantidade difusa de vítimas. A respeito dessa característica é importante colocar que o meio ambiente, enquanto bem tutelado juridicamente, enquadra-se na categoria dos chamados interesses difusos. 24 Esse autor distingue, ainda, o dano ambiental em: a) dano ambiental coletivo, causado ao meio ambiente globalmente considerado, na sua concepção difusa e; b) o dano ambiental individual, sofrido pelos indivíduos e seus bens, cuja indenização é destinada a fundo para a reconstituição dos bens lesados. 94 Os interesses difusos ou coletivos – categoria recente no meio jurídico25 – “caracterizam-se por pertencerem a uma serie indeterminada de sujeitos e pela indivisibilidade de seu objeto, de forma tal que a satisfação de um dos seus titulares implica na satisfação de todos, do mesmo passo que a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade” (Barroso, 1992, p.166). Mirra (1988) aponta, contudo, para a distinção entre direitos difusos propriamente ditos (dos quais fazem parte o meio ambiente e o direito do consumidor) e os direitos coletivos. “Os interesses coletivos são comuns a uma coletividade de pessoas, concernentes ao homem socialmente vinculado, e não individualmente considerado, podendo pertencer a um grupo mais ou menos vasto de pessoas” (Mirra, 1988, p.72). Sua característica principal refere-se à sua ligação ao fenômeno associativo, isto é, dirige-se aos fins institucionais dos grupos. Eles resultam de um vínculo jurídico responsável pela união dos indivíduos, de uma relação-base entre os interesses comuns, dos quais se distinguem os interesses individuais. Quanto à sua natureza, os interesses coletivos gozam de autonomia, pois se diferem dos interesses privados e dos interesses públicos. Sua titularidade pertence a grupos e, assim, podem conflitar com os interesses individuais dos co-associados, bem como os interesses gerais da coletividade (Mirra, 1988, p.73). Os interesses difusos, por sua vez, são aqueles: Interesses supra-individuais, cuja titularidade pertence a um número indeterminado de pessoas; não encontram apoio em relação-base bem definida e tampouco decorrem de vínculo determinado entre os indivíduos do grupo, que, se existente, o é em função de circunstâncias conjunturais e até acidentais (como por exemplo, habitantes de uma mesma região, consumidores de um mesmo produto, etc.) (Mirra, 1988, p.72). 25 A consolidação, no meio jurídico, dessas novas categorias jurídicas de interesse aconteceu ao longo da década de 70, a partir de trabalhos doutrinários italianos. No Brasil, a legitimação de sujeitos coletivos, então em franca expansão e consolidação no tecido social, pelo fortalecimento dos movimentos sociais urbanos e rurais, se deveu ao trabalho de juristas como Ada Pellegrini Grinover, José Carlos Moreira, entre outros. 95 Suas principais características são: a supra-individualidade ou meta- individualidade; a existência de pluralidade de titulares; em número indeterminado e praticamente indeterminável; indivisibilidade do objeto do interesse, cuja satisfação a todos aproveita e cuja postergação a todos prejudica; ausência de vínculo associativo, existência de vínculos fáticos entre os titulares; potencial e abrangente conflituosidade; ocorrência de lesões disseminadas em massa e desigualdade entre os pólos titulares do conflito (por exemplo, cidadãos contra governo). Quanto à natureza, os interesses difusos, assim como os coletivos, não podem ser enquadrados nem como propriamente privados nem como interesses públicos26. Cabe ressaltar ainda, que o interesse difuso não representa a soma de interesses individuais, mas um interesse que pertence a todos e a cada um dos componentes da sociedade, simultaneamente. Por conta dessa característica, “por refugiarem ao modelo clássico, a tutela dos interesses difusos de cunho ambiental exigem ações específicas” (Barroso, 1992, p.176). Assim, dois instrumentos processuais foram criados ou reformulados e, incluídos na Constituição Federal de 1988, para tentar dar conta dessas características e ampliar o acesso da população na tutela dos direitos difusos, são eles: a Ação Popular e a Ação Civil Pública. A primeira expressa no inciso LXXIII do artigo 5º da CF/88, estabelece: Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. 26 A concepção tradicional do direito define o interesse público como aquele que guarda relação com o Estado, que diz respeito às coisas do Estado. Sendo o Estado o único titular dos interesses públicos, somente o mesmo poderá e deverá perseguir sua satisfação. Neste sentido, os interesses difusos não podem ser compreendidos como interesses públicos. 96 A segunda, a Ação Civil Pública, instituída pela Lei 7.347/85 e consolidada por diversos diplomas legais ao longo da década de 1990, estabelece: Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que: I - Esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano, nos termos da lei civil; II - inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (vetado). Além dessas duas Ações, outro instrumento criado que tem sido amplamente utilizado é o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), estabelecido pela lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, introduzindo um § 6º ao art. 5º da Lei da Ação Civil Pública. Este Termo tornou-se um importante recurso utilizado, principalmente, pelo Ministério Público como forma de mediar os conflitos acerca de interesses metaindividuais sem a necessidade da provocação judicial. Com a assinatura do TAC as partes acusadas de ameaça ou lesão a interesses metaindividuais ficam obrigadas a realizar ações de remediação e/ou prevenção aos danos que vinham sendo causados às demais partes27. A segunda característica do dano ambiental diz respeito à dificuldade de sua reparação, como foi mencionado anteriormente. Por fim, além de difícil reparação, o dano ambiental é, também de difícil valoração. De maneira semelhante aos danos materiais e morais, a forma privilegiada, mais adequada, de reparação dos danos ambientais é a da repristinação do ambiente agredido ao seu status quo ante. Entretanto, como foi colocado para os danos morais, há casos (grande parte deles, inclusive) em que essa forma de reparação não se mostra possível. 27 A utilização do TAC tem sido vista por alguns autores como uma estratégia de flexibilização da legislação, uma forma de legitimar a ilegalidade. 97 Outro critério que vem sendo admitido como forma de reparação é a compensação. Isso significa que à degradação de uma área deve corresponder a recuperação de outra. O problema deste critério é que, na maior parte das vezes, as áreas – degradada e restaurada são extremamente diferentes umas das outras, não sendo viável o restabelecimento do ecossistema afetado. Antunes (2001, p.174) conclui dizendo: Diante das diversas realidades ambientais e da própria diversidade das situações concretas que são levadas a juízo ou aos próprios órgãos fiscalizadores para exame, é necessário que se estabeleça um critério aberto para a apuração dos danos ambientais. Desta forma, pelo menos em tese, é possível que sejam estabelecidos mecanismos, caso a caso, capazes de estabelecer uma reparação adequada. 2.5. Comentários Finais Como foi dito na introdução, este capítulo pretendeu apresentar o debate sobre a reparação das perdas dos atingidos através dos conceitos e mecanismos trabalhados no campo jurídico, assim como a legislação que atualmente versa sobre o assunto. Cabe ressaltar, entretanto, que uma grande dificuldade relacionada à questão da reparação das perdas das populações atingidas por barragens diz respeito à sua conceituação e apropriação pelos diversos segmentos e grupos sociais envolvidos com o tema. Se a apropriação do significado e amplitude do conceito de reparação encontra-se em construção, tão pouco é consenso que a forma e os mecanismos de reparação devam ser tratados e trabalhados pelo viés jurídico-legal. Como se verá no capítulo 3 desta dissertação, esse não foi o caminho adotado pela maioria da população atingida pela barragem de Itá. 98 CAPÍTULO 3. O CASO DA BARRAGEM DE ITÁ Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu. A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar. Mas eis que chega a roda viva e carrega o destino para lá. Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda peão, o tempo rodou num instante às voltas do meu coração. Trecho extraído da música Roda viva de Chico Buarque. O presente capítulo tem como objetivo analisar através de um estudo de caso – a barragem de Itá – o processo de reparação das perdas dos atingidos. A idéia é entender como se deu esse processo e como ele é percebido pelos os atingidos. Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico e uma visita à região. No que tange à bibliografia foram analisados documentos produzidos pela empresa, inicialmente responsável pela obra, trabalhos acadêmicos e textos produzidos pelo movimento social criado a partir do conflito. Quanto ao trabalho de campo propriamente dito, foram realizadas 30 entrevistas com famílias atingidas pela barragem, nas diferentes modalidades de reparação ou remanejamento, uma entrevista com uma das lideranças do movimento e uma entrevista com um trabalhador (peão) da obra da usina. 3.1. Dados Gerais da Obra O Aproveitamento Hidrelétrico de Itá localiza-se no rio Uruguai, na divisa dos estados de Santa Catarina (município de Itá) e Rio Grande do Sul (município de Aratiba), região sul do país. A barragem atinge onze municípios de ambos os estados, sendo quatro no Rio Grande do Sul (municípios de Aratiba, Severiano de Almeida, Mariano Moro e Marcelino 99 Ramos) e sete no estado de Santa Catarina (municípios de Ita, Concórdia, Piratuba, Peritiba, Alto Bela Vista, Ipira e Arabutã). O total de famílias atingidas gira em torno de 4.00028. O volume total e a área do reservatório são, respectivamente, 5,1 bilhão de m3 e 141 km2, dos quais 103 km2 compreendem a área de terra inundada. O empreendimento é composto por uma barragem principal do tipo enrocamento com face de concreto, cuja altura máxima é 125 metros além de 3 barragens auxiliares. A potência total da usina é 1.450 MW, com energia assegurada de 668 MW. A empresa responsável pelo empreendimento foi, no primeiro momento, a Centrais Elétricas do Brasil S.A. (ELETROSUL), empresa estatal, subsidiária da ELETROBRÁS. A partir de 1995, quando foi formado o Consórcio Itá, uma parceria entre o setor público e o privado, a obra passou a ser gerida pela GERASUL (parte da ELETROSUL detentora do parque gerador da empresa) e pelas empresas privadas ganhadoras da licitação, Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, Companhia de Cimento Itambé e Odebrecht Química S.A. Em 1998, com a privatização da GERASUL, a usina passa totalmente para a esfera do setor privado. No mesmo ano, a parte da Odebrecht no consórcio é vendida para a Tractebel, empresa de energia belga. Sua nova razão social passa a ser Tractebel Energia S/A. O enchimento do reservatório iniciou-se em dezembro de 1999 e terminou em 2000. O início da operação da usina ocorreu em setembro do mesmo ano. 3.2. Caracterização da Região O Estudo de Inserção Regional, elaborado pela ELETROSUL, descreve a área atingida pela Usina Hidrelétrica de Itá (UHE Itá), em seu meio físico-biótico, como sendo 28 Não foi possível conhecer o número exato de famílias atingidas. Há divergências entre os números apresentados pela ELETROSUL e aqueles levantados pelo movimento. Esse número varia até mesmo nos próprios documentos das empresas responsáveis pela obra, ao longo do processo de reparação. Conforme o Cadastro Sócio-Econômico, elaborado pela ELETROSUL, em 1987, o número de famílias atingidas pela UHE Itá, na área rural (excluindo as famílias residentes em sedes distritais e municipais), é 2.814. 100 marcada por estação climática bem definida, com geadas mais freqüentes no inverno e distribuição regular das chuvas. Apresentava relevo suave ondulado nos topos de planalto a forte ondulado junto aos rios. Os vales dos rios encaixados apresentavam declividade superior a 40º, podendo chegar a 60º. Os solos, de modo geral, apresentavam boa fertilidade natural, porém eram rasos e com afloramentos rochosos nas encostas. Em função da alta pedregosidade e declividade das vertentes, a mecanização não era utilizada. A vegetação original da área foi praticamente devastada, restando apenas pequenas manchas junto aos rios e nos locais de difícil acesso. A fauna silvestre era bastante reduzida e a fauna aquática continha representantes de todos os níveis (ELETROSUL, [s.d.]). No estudo do meio sócio-econômico e territorial, o diagnóstico marcava como característica da estrutura fundiária a predominância de lotes com até 75 ha, estrutura típica da área de colônia. As principais atividades econômicas estavam ligadas ao setor agropecuário, responsável por mais de 90% dos estabelecimentos e cerca de 87% do número de empregos, sendo a cultura de milho e soja juntamente com a suinocultura e a avicultura, as principais atividades. Essas atividades eram desenvolvidas, em sua grande maioria, com base no trabalho familiar. Era bastante significativa a presença de grandes grupos agroindustriais nas sedes municiais – cooperativas (COTRIGO, COTREL, COPÉRDIA) e grupos privados (SADIA, CHAPECÓ, SEARA, PERDIGÃO). A região era marcada ainda por um alto índice de associativismo rural (Centros de Tradições Gaúchas, cooperativas, sindicatos, comissões municipais, etc). No que tange aos aspectos culturais, o diagnóstico apresentou como bom o nível de escolaridade e integração social, com fortes vínculos por comunidade29. Ele dá 29 Como aponta FAILLACE (1990) o termo comunidade encontra-se, normalmente, vinculado à unidade espacial. Entretanto, ele pode também estar associado a uma outra dimensão da vida social, qual seja: a religião. Assim, em uma mesma comunidade/unidade espacial pode estar presente duas comunidades religiosas diferentes. Cabe ressaltar, contudo, que o sentido utilizado pela ELETROSUL é o que relaciona comunidade/unidade espacial. 101 destaque para o elevado número de núcleos de linha30, fundamentais enquanto elementos estruturadores da vida sócio-econômica e cultural do meio rural. Por fim, o sistema de infraestrutura apresentava uma malha viária densa e com condições regulares de trânsito, eletrificação em praticamente todos os núcleos e propriedades rurais, telefone rural apenas em alguns núcleos e boa rede de armazenamento nas propriedades e armazéns das cooperativas, agroindústrias e do Estado (ELETROSUL, [s.d.]). 3.3. Histórico da Barragem A história da barragem de Itá começa em meados da década de sessenta, mais especificamente, entre os anos de 1966 e 1969 através de um levantamento dos recursos energéticos dos estados do sul, encomendado pelo Comitê de Estudos Energéticos da Região Sul (ENERSUL) à empresa norte-americana Canambra Engineering/Consultants Limited (Sigaud, 1986). Esse estudo compreendeu “a definição de um programa de construção de nove usinas e linhas de transmissão, para o melhor atendimento possível da demanda regional projetada até 1980” (ELETROSUL, 1992, p.3). Em 1968 é criada a empresa pública Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A. (ELETROSUL), subsidiária da ELETROBRÁS e subordinada ao Ministério de Minas e Energia, que viria a ser a empresa responsável pela construção e operação da usina. Em 1976 a ELETROSUL pede autorização ao Ministério de Minas e Energia para realizar um estudo dos aproveitamentos energéticos da Bacia do Rio Uruguai sob três 30 Os núcleos rurais, mais conhecidos como núcleos de linha, foram formados a partir da colonização da região, no inicio do século XX. Em função das necessidades econômicas e sociais, bem como das antigas concepções de organização social, trazidas pelos colonos europeus, esses núcleos caracterizam-se, em geral, pela dispersão linear dos lotes rurais na margem de estradas ou rios. Esses núcleos constituem-se como referências locais de grande importância para a população e têm sua área de abrangência definida de acordo com a geomorfologia e os serviços prestados à comunidade local. 102 justificativas: a) de crescimento acelerado do mercado; b) da necessidade de intercâmbio da energia elétrica com a região sudeste; c) do esgotamento do potencial energético do rio Iguaçu, que na época já estava totalmente comprometido com outros projetos. A partir desse momento, a ELETROSUL volta suas atenções para a Bacia do Rio Uruguai que passa a ser vista como “último bloco de energia hidráulica disponível na região sul” (ELETROSUL citado por Sigaud, 1986, p.70)31. Em 1977 o Ministério de Minas e Energia autoriza a realização dos estudos pela ELETROSUL, que através de licitação, escolhe o Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores (CNEC) para a realização dos mesmos. Em outubro de 1979 a ELETROSUL publica o Estudo de inventário Hidroenergético da Bacia do Rio Uruguai. Deste estudo constam a atualização dos critérios de dimensionamento energético do levantamento ENERSUL/CANAMBRA (1966/1969), seleção de alternativas com otimização dos recursos hídricos e custos competitivos e seleção de aproveitamentos interessantes para posteriores estudos de viabilidade técnica, econômica e financeira (Sigaud, 1986, p.71). No estudo são programadas 22 usinas para o aproveitamento da Bacia do Rio Uruguai, das quais sete seriam prioritárias, a primeira delas sendo Machadinho, e a segunda Itá (Sigaud, 1986, p.71). No mês de novembro, a ELETROSUL publica o estudo de viabilidade de Itá e Machadinho. Com a publicação desses estudos, e ainda no mesmo ano, começa a se espalhar, na região, a notícia das futuras barragens. Em dezembro de 79, representantes da Comissão Pastoral da Terra, líderes de sindicatos de trabalhadores rurais e agricultores realizam uma reunião em Chapecó (SC) para 31 CENTRAIS ELÉTRICAS DO BRASIL S/A (ELETROSUL)/ CONSÓRCIO NACIONAL DE ENGENHEIROS CONSULTORES (CNEC), 1979a – Bacia Hidrográfica do rio Uruguai – Estudo de Inventário Hidroenergético, ELETROSUL, Florianópolis, Relatório Geral, 144pp., mimeo. Estudos Sócio-Econômicos, 155pp. mimeo. 103 discutir as futuras barragens de Itá e Machadinho. Dessa reunião surge a Comissão de Barragens32. Em 1980, depois de realizar uma reunião e um encontro para discutir o projeto de construção de barragens, onde o mesmo é questionado por um conjunto de objeções, a Comissão decide ampliar sua organização através da criação de Comissões Locais. Neste momento, a Comissão passa a se chamar Comissão Regional de Atingidos por Barragens – CRAB (Sigaud, 1986). Principalmente a partir da criação da CRAB, inúmeras reuniões, encontros, mobilizações e protestos foram realizados com o objetivo de impedir o andamento das obras e a implantação das usinas, tanto de Itá quanto de Machadinho. Além da CRAB, foi criada, no princípio de abril de 1983, na Assembléia Legislativa (RS), a Comissão Especial de Barragens, cujo objetivo principal era “saber, com antecedência, quais os planos do Governo quanto às barragens, como por exemplo, o organograma oficial de sua construção; as áreas que serão atingidas; como e onde será feito o assentamento dos colonos e quando entrarão em funcionamento” (Zero Hora citado por Sigaud, 1986, p.85)33. De acordo com Sigaud (1986, p.88) “neste encontro houve uma condenação quase que unânime do projeto de construção de barragens”, com exceção apenas do presidente da ELETROSUL, do deputado que ocupava o cargo de secretário da Comissão do estado do Rio Grande do Sul e do presidente da Comissão do estado de Santa Catarina. Cabe notar, no entanto, que em geral não se tratava de condenação pura e simples do projeto de construção de barragens para geração de energia elétrica, mas das dimensões e formas do projeto em vigor e da inexistência de alternativas para contornar seus efeitos sociais e ecológicos (Sigaud, 1986, p.88). 32 De acordo com REIS (1999, p.1), “a iniciativa de mobilizar os produtores rurais familiares partiu primeiramente, de agentes da Pastoral da Terra, de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, das igrejas Católica e Evangélica de Confissão Luterana, de professores da Fundação do Alto Uruguai para a Pesquisa e Ensino Superior (FAPES) e de sindicatos de trabalhadores rurais da região”. 33 Zero Hora, 12/04/83. 104 Em março de 1984, a CRAB faz um balanço do relatório da Comissão Especial dos Deputados. O resultado não satisfaz as lideranças, que o recebe com restrições. A única conclusão bem aceita foi a sugestão de transformar a Comissão Especial numa Comissão Permanente. Entretanto, como aponta Sigaud (1986, p.92) essa sugestão “(...) acabou sendo inviabilizada por questões de ‘regulamentos’ e políticas”. Em junho do mesmo ano, a Comissão Regional juntamente com a Regional Sindical do Alto Uruguai e a CPT/RS promovem uma manifestação de protesto na cidade de Erechim, no Dia do Agricultor. Dois dias após a manifestação, um grupo de dirigentes sindicais e membros das Comissões de Barragens vai ao Rio de Janeiro com o intuito de entregar ao presidente da ELETROBRÁS uma carta contendo as principais reivindicações e justificativas do movimento contra a construção das barragens. Contudo, o presidente da empresa não os recebe (Sigaud, 1986). A Comissão segue, então, para Brasília, para um encontro com o titular do Ministério Extraordinário de Assuntos Fundiários, que recebe o documento de reivindicações e um abaixo-assinado com um milhão e dezesseis mil assinaturas (Sigaud, 1986). Em outubro, durante um encontro dos agricultores e delegações com a ELETROSUL, os primeiros reafirmam sua vontade de permanecer na terra e condenam unanimemente a construção da barragem. As manifestações de protesto, reuniões e abaixo-assinados se multiplicam no final de 84. A reação da população à construção da barragem consegue ‘evitar que técnicos da ELETROSUL realizem levantamentos de terreno, o que impede a continuidade dos trabalhos’ (Sigaud, 1986, p.96). Em dezembro, realiza-se o II Encontro Estadual sobre a Implantação de Barragens na Bacia do Rio Uruguai, onde é pedido o fechamento da ELETROSUL e a substituição das 105 usinas hidrelétricas por termoelétricas. Nesse Encontro os representantes dos governadores do Rio Grande do Sul e Santa Catarina apóiam a suspensão das obras. “O ano de 1984 termina com a aglutinação de forças sociais com posições divergentes da Comissão Regional de Barragens” (Sigaud, 1986, p.96). Prefeitos, padres, presidentes de sindicatos de trabalhadores rurais de alguns municípios fundam uma Equipe de Justiça e Trabalho com o objetivo de buscar alternativas para os atingidos. Enquanto a Equipe de Justiça e Trabalho considera a barragem irreversível, a CRAB ainda luta para que o projeto seja abandonado. A divergência entre a Comissão e a Equipe fica clara nas palavras de dois atingidos pela barragem de Itá, que atuaram junto à CRAB: Junto com o MAB tinha aquela Comissão de Justiça e Trabalho organizado pela... que tinha... eu acho que o Padre lá de Marcelino Ramos, eu não me lembro o nome agora. Então, ele fazia a outra Comissão, quer dizer, participando de toda a discussão social, mas não defendendo o lado do atingido (N.B, atingido, reassentado, 2003). Na época foi feia, né, porque aí logo os prefeito e padre souberam (...) fizeram uma, como é que se diz (...) Eles tiraram uma comissão também, né. E aí houve a briga. Essa do MAB hoje contra aquela dos prefeitos e padres, né (P.P, atingido, indenização, 2003). É preciso destacar que nem todos os prefeitos se posicionaram a favor da barragem. Na realidade, houve uma divisão política entre os prefeitos que se posicionaram contra e a favor da obra.34 É importante notar, ainda, que o projeto de barragem gerou conflito não só entre os colonos e a empresa como entre os próprios atingidos da área rural; entre os que eram favoráveis à obra e negociaram com a ELETROSUL, a partir de meados da década de 80 e aqueles que participaram da CRAB. Uma das lideranças da época relata: 34 Não foi possível saber quais os prefeitos se posicionaram a favor e quais se posicionaram contra a obra. 106 Aí se criou o conflito, sabe. Chegava uma altura que eu e o presidente do sindicato não podia nem mais entrar numa bodega na cidade que nós corria o risco de ou brigar ou ser enfrentado, sei lá. Se criou um clima ruim para nós (N.B., atingido, reassentado, 2003). Então vamos dizer assim, aquele conflito, ele durou desde aquela época [1985] até, por exemplo, 90, 91. Então, foram uns 5, 6 anos que a gente teve essa situação. Por exemplo assim, os próprios atingidos da área rural que não tinha entendimento, por exemplo aquele que era oposição. Porque tipo assim, tudo era uma incógnita. Até para mim, que tu quando tu entrava nessa história toda (...) Eu também não sabia onde é que isso poderia sair. Não existia para nós copiar um exemplo de lá ou de cá (N.B, atingido, reassentado, 2003). De repente, tinha umas 30 que era oposição a nós. Então, além de tudo, nós tinha que ainda se enfrentar com os próprios colegas. Quando nós ia nas reunião com a empresa (...) (N.B, atingido, reassentado, 2003). Os moradores da área urbana do município de Itá foram, em sua maioria, favoráveis à obra. Nenhum documento da ELETROSUL ou da CRAB mencionou resistência significativa por parte da população urbana, o que resultará, como se verá mais adiante, em um processo de negociação distinto daquele verificado com a população rural. De acordo com N.B, atingido pela barragem de Itá, a partir de 1985 e 1986 iniciase o processo de negociação com a ELETROSUL, com a formação de grupos de trabalho para discutir a situação da população rural. Então, eu, em cima daquilo lá (...) o Ministério de Minas e Energia, nós fizemos umas assembléias aqui no Itá, depois o Ministério me escolheu, meu nome, pela barragem do Itá. Por isso que eu digo que eu participei de toda essa coisa (...) O desleixo de tudo, né, e tal. Então, esse grupo de trabalho começou a discutir o que seria feito com a base rural, sabe. A partir desse momento que começou a se discutir a questão rural nessa história (N.B., atingido, reassentado, 2003). Com a retomada das negociações, depois do período de impasses e paralisação da obra, a ELETROSUL iniciou, em 1986, os Estudos de Inserção Regional da Usina Hidrelétrica de Itá (UHE Itá)35. 35 Para uma visão critica da concepção de inserção regional do setor elétrico ver: VAINER, Carlos B.; ARAÚJO, Frederico G. B. Grandes Projetos Hidrelétricos Desenvolvimento Regional. Rio de Janeiro: CEDI, 1992. 107 O objetivo desses estudos, nas palavras da própria ELETROSUL era “(...) conciliar as reivindicações e aspirações dos diversos segmentos da sociedade com a viabilização técnico-econômica do empreendimento” (ELETROSUL, 1992, p.7). Mas foi somente em outubro de 1987 que o processo de negociação se institucionaliza, a partir da assinatura do acordo entre a CRAB e a ELETROSUL, homologado pelo Ministro de Minas e Energia36. Esse acordo representou e ainda representa um marco no processo de negociação do movimento com a ELETROSUL, pois nele estão contidas importantes conquistas, como se verá melhor adiante. 3.4. Processo de Negociação e Reparação Logo que saíram as primeiras notícias sobre a barragem de Itá e Machadinho37 e já com a estrutura da Comissão Regional mais consolidada, a Associação dos Municípios do Alto Uruguai (AMAU) realiza, em 1981, uma reunião com o presidente da ELETROSUL para obter informações sobre o prazo de construção de Itá, sobre as indenizações, sobre o prazo para as colheitas, dentro outros (Sigaud, 1986). Em maio do mesmo mês, uma comissão de nove prefeitos do Alto Uruguai se reúne com representantes da ELETROSUL para discutir como a empresa vai resolver os problemas sociais já existentes e aqueles que ainda iriam aparecer. Nessa reunião, os prefeitos encaminham um questionário à empresa, que responde através de um documento intitulado “Política Geral de Desapropriação38”. 36 ELETROSUL; CRAB. Documento de Acordo entre Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A. – Eletrosul – e a Comissão Regional de Atingidos por barragens – CRAB, em relação às Usinas Hidrelétricas de Ita e Machadinho. Florianópolis, 1987a 37 O processo de negociação e mesmo de mobilização da população rural atingida pelas duas obras se deu conjuntamente. As principais negociações, as linhas gerais se aplicaram a ambas as usinas. 38 CENTRAIS ELÉTRICAS SUL DO BRASIL S/A (ELETROSUL) / CONSÓRCIO NACIONAL DE ENGENHEIROS CONSULTORES (CNEC), 1981 – Política Geral de Desapropriação (documento), Florianópolis, 10 pp. mimeo citado por SIGAUD, Lygia. Efeitos Sociais de Grandes Projetos Hidrelétricos, Comunicação nº 9 – Museu Nacional/UFRJ, 1986. 108 Neste documento, a ELETROSUL expõe, de maneira geral, as linhas e princípios que norteariam o processo de reparação da população afetada. Como aponta Sigaud (1986, p.75) Neste documento resumidamente é dito que: as terras situadas dentro da cota do reservatório serão adquiridas pela empresa desde que exista documento comprobatório de propriedade; a empresa estabelecerá convênio com o Governo dos Estados (RS e SC) e o INCRA para resolver a situação de posseiros; ao expropriado será dada a opção de incorporar-se ou não ao plano de reassentamento; o levantamento das benfeitorias e culturas será feito em presença do proprietário e os valores serão apurados segundo tabela da ELETROSUL; a negociação sobre valores não poderá exceder o que foi aprovado na avaliação; as indenizações serão pagas de acordo com as conveniências da empresa; uma vez paga a indenização a empresa considerará o imóvel livre; em caso de divergência e esgotadas as possibilidades de indenizações, a ELETOBRÁS recorrerá à Justiça para desapropriar o imóvel; quando os imóveis tiverem sido liberados se procederá ao enchimento do reservatório, a população devendo ser avisada com seis meses de antecedência (grifos nossos). No que diz respeito aos bens comunitários da área rural, a empresa sinaliza apenas que a relocação dos mesmos será estudada com os moradores. Em relação ao reassentamento rural, não há ainda nenhuma definição quanto à região de localização dos projetos. A única declaração a esse respeito, até esse momento, havia sido dada ao jornal Zero Hora de 2/7/80, onde a ELETROSUL dizia considerar o reassentamento da família na própria região ou em áreas onde existiam projetos de colonização. Essas “propostas” ou princípios gerais só vieram confirmar o temor dos atingidos da área rural que, como nos outros grandes projetos de Usinas Hidrelétricas39, seriam os mais prejudicados, uma vez que não teriam direito à indenização e, em caso de reassentamento, 39 Como aponta SIGAUD (1986), informações, transmitidas aos agricultores pelo movimento sindical de trabalhadores rurais e pelas organizações vinculadas às Igrejas Católica e Protestante, a respeito de indenizações irrisórias, perdas de terra e reassentamentos insatisfatórios decorrentes dos projetos de Sobradinho, Itaipu e Passo Real contribuíram muito para dar impulso ao movimento. Os relatos das experiências de atingidos por outras barragens reforçaram a convicção das Comissões da necessidade de resistir ao projeto e embasaram muitas das reivindicações formuladas por elas. 109 teriam que se deslocar possivelmente para o Mato Grosso, onde seriam instalados projetos de colonização. Assim, ao longo do processo de mobilização foram sendo levantadas as reivindicações e posicionamentos dos atingidos. No que diz respeito ao processo de reparação, as principais reivindicações eram: a) Permuta das áreas de terras, denominada pelo movimento de opção “Terra por Terra”: sendo que as mesmas deveriam localizar-se no mesmo estado, ou no estado vizinho, com igual tamanho e qualidade; sendo as mesmas analisadas em grupo, intermediado pelas comissões e expropriados e/ou Sindicato de Trabalhadores Rurais. b) Indenização em dinheiro: sendo o preço justo aquele, no mínimo, igual ao do mercado do dia; o pagamento sendo feito, no máximo, 15 dias40 após o acordo e o contrato coletivo sendo fiscalizado pelos sindicatos e comissões; sendo o contrato simultâneo com terra e benfeitorias; sendo garantida a permanência na propriedade até o alagamento e; tendo o proprietário a liberdade de optar pela indenização total da área em caso de ser parcialmente atingido. c) Reassentamento Rural: destinado aos não proprietários atingidos (arrendatários, parceiros, meeiros, posseiros, peões, etc); em terras financiadas em um dos estados do sul; prestação da assistência técnica; infra-estrutura paga pela ELTROSUL e; indenização das benfeitorias. Quanto à forma de negociação, o movimento reivindicava que os acertos fossem coletivos, com intermediação das comissões dos atingidos e/ou sindicatos e com fiscalização de outras entidades como, por exemplo, Igrejas, Ordem dos Advogados do Brasil, FAPES, Cooperativas, Comissão Pastoral da Terra e etc. 40 É bom lembrar que este era um período de alta inflação. 110 Com a assinatura do acordo entre a CRAB e a ELETROSUL, em 1987, estabeleceram-se as seguintes alternativas de remanejamento da população rural: a) terra por terra; b) indenização; c) reassentamento. Além disso, estipulou-se que as aquisições das propriedades atingidas pelo reservatório seriam desenvolvidas, não pela conveniência da ELETROSUL, mas, por municípios de ambas as margens igualitariamente, de jusante a montante da barragem seguindo a seguinte ordem de prioridades: 1) propriedades totalmente atingidas ou parcialmente atingidas cujos proprietários manifestassem desejo de indenização parcial e; 2) propriedades parcialmente atingidas, objeto de estudo da capacidade produtiva do remanescente (ELETROSUL, 1993). 3.4.1. Indenização As primeiras indenizações da população atingida pela UHE Itá ocorreram já em 1988, dando início aos trabalhos de remanejamento populacional. Nessa modalidade e, em consonância com o estabelecido no acordo, foi feita uma pesquisa de preço baseada nos valores praticados no mercado e por meio de comissões paritárias de representantes da empresa e da população atingida. As pesquisas para a determinação dos custos de reposição das culturas permanentes e edificações foram feitas diretamente no comércio local, onde foram levantados os preços de materiais de construção, mão-de-obra, frutos, insumos, etc (ELETROSUL, 1993). Quanto às pesquisas de mercado para a determinação do valor da terra nua, fez-se um levantamento junto a cartórios, exatorias, imobiliárias, corretores, sindicatos, etc, nos três estados do sul. Depois de vistoriados e deduzidos os valores excedentes ao da terra nua e 111 analisadas as condições de acesso, manejo e aptidão agrícola procedeu-se à determinação do valor unitário da terra nua a partir de métodos de homogeneização e análise estatística. O prazo de validade de cada pesquisa era de seis meses, findos os quais era feita nova pesquisa. Tiveram direito à indenização os proprietários total ou parcialmente atingidos. No caso dos proprietários parcialmente atingidos, aqueles que tiveram sua propriedade inviabilizada economicamente foram indenizados totalmente e as áreas remanescentes foram reorganizadas para compor a área de preservação permanente e/ou compor novos lotes para as famílias que ficaram na região. As propriedades que foram parcialmente atingidas, mas que não se tornaram economicamente inviáveis só foram indenizadas pela parte atingida. As negociações foram feitas individualmente, sendo apenas a pesquisa de preço coletiva. Uma vez acordado o valor da indenização, a ELETROSUL tinha um prazo máximo de 30 dias para efetuar o pagamento em dinheiro, de uma só vez. A avaliação contemplava além dos bens patrimoniais, um acréscimo de 4% do seu valor para cobrir as despesas legais com a aquisição de novos bens. Foi acordado, ainda, que o ex-proprietário que desejasse poderia celebrar contrato de comodato com a empresa para permanecer na área até seis meses antes do enchimento do reservatório. Em contrapartida, o atingido (ou a família atingida) se obrigava a desmatar a área conforme um cronograma pré-estabelecido. 3.4.2. Terra por Terra A alternativa terra por terra foi criada para atender o atingido que não desejava a indenização nem a opção de reassentamento rural coletivo. Essa modalidade consistiu na permuta de área de terra atingida por outra escolhida mediante consulta à Bolsa Imobiliária, mantida pela ELETROSUL, com uma lista de imóveis em oferta. 112 De acordo com o documento da ELETROSUL (1992, p.38) esse processo até o ano de 1992, “por dificuldades operacionais, não foi utilizado na forma como foi concebido”. Na prática o que aconteceu foi que, no ato da negociação para a aquisição da área atingida, a ELETROSUL oferecia uma listagem com as ofertas de compra cadastradas na Bolsa Imobiliária, com seus respectivos preços, para que o proprietário, se assim o desejasse, pudesse conhecer e comprar a nova propriedade, compatível com a indenização recebida (ELETROSUL, 1992). 3.4.3. Reassentamento Rural O objetivo principal desta alternativa era atender um grupo social excluído dos processos de negociação e reparação ou, quando muito, precariamente ressarcido por empreendimentos do setor elétrico brasileiro, qual seja: trabalhadores rurais sem terra. O público alvo dos reassentamentos não se limitou, contudo, aos trabalhadores rurais sem terra. Foram considerados, também, os pequenos proprietários, cuja propriedade fosse inferior ou igual a 75 ha de terra. Segundo o documento “Diretrizes e Critérios para Planos e Projetos de Reassentamentos Rurais de Populações Atingidas pelas Usinas Hidrelétricas de Itá e Machadinho”, o público alvo considerado seria: todos os trabalhadores rurais atingidos, entendendo-se como tal; os que tenham suas funções inviabilizadas economicamente, pelas barragens de Itá e Machadinho, definidos como tal: proprietários (com área até 75 ha), posseiros, filhos de agricultores (caracterizadamente sem terra e com idade mínima de 16 anos), pequenos arrendatários, parceiros, assalariados rurais e trabalhadores 113 volantes que, comprovadamente vivem e trabalham em área de terra a ser atingida pelo reservatório e, devidamente registrados no cadastro sócio-econômico41. As principais diretrizes e critérios consistiam em: proporcionar a ascensão sócioeconômica dos agricultores atingidos pela obra; dotar as famílias atingidas de plenas condições de se auto gerirem comunitariamente e proporcionarem melhorias às suas condições de vida; preservar a cultura e tradição; promover a readaptação e capacitação técnica-profissional; promover a conscientização e participação dos beneficiários na busca da solução do problema; dotar os projetos de condições de recepção dos beneficiários, na época de sua transferência, realizando-a, sempre que possível, em época adequada ao calendário agrícola e escolar; incentivar os trabalhos de mutirão; permitir que os beneficiários ou seus representantes participem do processo de escolha do novo local; estabelecer convênios com os governos dos Estados, Prefeituras, cooperativas, sindicatos, etc; promover o aproveitamento da mão de obra dos próprios reassentados; conter a evasão rural; entre outros. Para que essa modalidade fosse satisfatoriamente implementada alguns conceitos e critérios básicos foram desenvolvidos, são eles: a) Unidade familiar: duas ou mais pessoas pertencentes a uma mesma família, constituída legalmente ou devidamente reconhecida como tal pela comunidade, que exercesse atividades agropecuárias na área atingida. b) Tamanho do lote: a área do lote seria relacionada à força de trabalho existente na unidade familiar e deveria variar de 17 ha a 59 ha, com tamanho médio de 23 ha. c) Força de trabalho: peso dado a cada trabalhador rural para a execução de tarefas vinculadas às atividades agropecuárias. Foi baseado em parâmetros de idade, sexo e faixa etária. O somatório da força de trabalho de cada unidade familiar deveria ser no mínimo 41 Os conceitos específicos de arrendatário, meeiro, parceiro, etc, encontram-se em: Diretrizes e Critérios para Planos e Projetos de Reassentamentos Rurais de Populações Atingidas pelas Usinas Hidrelétricas de Itá e Machadinho. Florianópolis, 1987b. 1v. 114 igual a 1,8 para que a mesma tivesse direito ao reassentamento. Os valores foram determinados de acordo com a tabela a seguir: Tabela 1: Força de Trabalho dos agricultores atingidos pela UHE Itá Faixa etária Idade Sexo F.T 1 05 a 10 anos ambos 0,25 2 11 a 15 anos ambos 0,60 homem 1,00 3 16 a 60 anos mulher 0,80 homem 0,50 mulher 0,25 4 60 anos ou mais Fonte: ELETROSUL, 1987b. d) Infra-estrutura: o projeto de reassentamento deveria reproduzir, no mínimo, as condições de infra-estrutura anteriormente existentes e necessárias para a viabilização das propriedades, no que diz respeito a abastecimento de água, estradas, energia elétrica, instalações para comunicação, educação, saúde, armazenamento, serviços religiosos e participação sócio-cultural. Os equipamentos comunitários que integram o reassentamento são: escola, salão comunitário, armazém comunitário, igreja, cancha de bocha e campo de futebol. A infra-estrutura interna de cada lote inclui: ponto de luz, ponto de água, casa de madeira, galpão contendo paiol, estrebaria, chiqueiro e uma área para abrigo de ferramentas e outros utensílios agrícolas. e) Verba de manutenção: instrumento de apoio pecuniário mensal concedido à família reassentada até a comercialização da primeira safra agrícola, por um período de até nove meses42 e com valor determinado pela cesta básica. f) Assistência Técnica e Apoio à Produção: além da assistência técnica, oficial ou não, aos reassentados foram garantidos recursos para a primeira safra. 42 Em documento da ELETROSUL de 1992, considerou-se o período de 1 ano para verba de manutenção. 115 g) Forma de Pagamento: os beneficiários deveriam assumir a dívida pela terra e benfeitorias. Esta dívida deveria ser amortizada em um prazo máximo de 20 anos, com 3 de carência e com parcelas de amortização proporcionais (variando de 20% a 45%) à renda monetária líquida da unidade familiar43. (Caso a família fosse proprietária de imóvel atingido, o valor deste seria deduzido do montante da dívida). h) Transferência da Terra aos reassentados: a transferência da terra seria feita através de uma escritura pública de compra e venda com pacto adjeto de hipoteca; isto é, até o pagamento integral da dívida a empresa teria a hipoteca sobre os lotes e benfeitorias como direito de garantia real. i) Localização dos Projetos: os reassentamentos deveriam localizar-se preferencialmente, pela ordem, no próprio município de origem dos reassentados, na própria região ou em um dos três estados do sul, nas micro-regiões do Alto Uruguai, Planalto, Missões, Oeste e Extremo Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná. As terras deveriam ter características não inferiores às da área do reservatório e a infra-estrutura da região deveria ser igual ou superior à da área atingida. A partir desses critérios a CRAB e a ELETROSUL (depois GERASUL) deram início a elaboração e implementação de oito projetos de reassentamento, que se localizam nos seguintes municípios e estados e foram implementados na seguinte ordem: 1º) Marmeleiro/PR (32 famílias reassentadas); 2º) Campo Erê/SC (50 famílias); 3º) Mangueirinha/PR (82 famílias); 4º) Chopinzinho/PR (74 famílias); 5º) Honório Serpa/PR (38 famílias); 6º) Chiapetta/RS (66 famílias); 7º) Campos Novos/SC (28 famílias) e; 8º) Catuípe/RS (74 famílias)44. 43 Entende-se por renda monetária líquida a renda anual da propriedade rural deduzidas todas as despesas, custos fixos e depreciação de equipamentos. 44 Dados colhidos junto ao Movimento de Atingidos por Barragens – MAB. 116 Centenas de reuniões foram realizadas para discutir os detalhes de cada projeto e para cada projeto foram criadas comissões de pesquisa de preço de material, de coordenação dos trabalhos de construção, etc. Não cabe, aqui, um detalhamento do processo de implementação de cada um desses projetos. Entretanto, vale ressaltar dois pontos. O primeiro diz respeito às mudanças ocorridas de um projeto para o outro. Como num processo de aprendizagem, as formas e sistemas de trabalho foram se transformando à medida que os projetos iam ficando prontos. O saber adquirido com a prática, através dos erros e acertos, ia sendo repassado e modificado de um projeto para o outro. Assim, a título de exemplificação, o reassentamento de Marmeleiro/PR, primeiro a ser implementado, teve toda a infra-estrutura básica e as edificações residenciais construídas pela ELETROSUL; já no reassentamento de Mangueirinha/PR, terceiro da cronologia, as edificações residenciais, bem como os galpões foram construídos pelos próprios reassentados em sistema de mutirão com recursos repassados pela empresa. O segundo está relacionado ao reassentamento de Catuípe, último a ser conquistado pelo movimento. Inicialmente, esse projeto não constava dos planos da então GERASUL. A área que hoje pertence a esse reassentamento estava destinada a um reassentamento de atingidos pela barragem de Machadinho. Através de muita mobilização e negociação a área foi repassada aos atingidos pela barragem de Itá, assim como a liberação de recursos para a construção das casas e equipamentos comunitários. A verba repassada, contudo, foi bem menor do que a destinada aos outros projetos. Por isso, ainda hoje, alguns equipamentos comunitários não foram concluídos. Além disso, a atual empresa responsável pela usina não reconhece o reassentamento. Nas palavras de uma atingida reassentada em Catuípe: 117 Até o reassentamento de Catuípe, que a gente tá morando, foi o último da barragem de Itá. Eles não queriam reconhecer. (...). Porque a empresa não quer reconhecer, não quer dar a escritura de terra, porque se ela reconhece nós como atingido, ela é obrigada a dar toda a infra-estrutura para a comunidade: centro comunitário, Igreja, escola para as crianças estudar. Porque as crianças não podem ficar sem escola, né. Se ela dar a escritura, ela vai se obrigar a reconhecer nós como atingido, que até hoje não reconheceu. E dar essa infra-estrutura. E além disso, os nove meses de manutenção alimentação que a gente não teve. Que nós foi no duro mesmo, sofrido, né. E a empresa quer largar o documento da terra para o governo do estado. Mas, isso é uma forma de lavar as mãos: eu não tenho nada a ver com esse povo (A., agricultora atingida pela barragem de Itá, 2003). 3.4.4. Ocupação de áreas remanescentes Pelos critérios do reassentamento acima mencionados, principalmente o que diz respeito à força de trabalho familiar, uma parte da população atingida ficaria excluída dessa modalidade. Desse modo, foi prevista uma alternativa para atender essa população, que foi denominada como “casos especiais”. Essa alternativa foi classificada pela empresa de reassentamento em áreas remanescentes, cujas diretrizes básicas encontram-se no documento “Critérios para um Programa de Ocupação das Áreas Remanescentes do Reservatório da Usina Hidrelétrica de Itá”. Ela consistiu na reorganização fundiária das áreas remanescentes de propriedades adquiridas pela ELETROSUL que foram parcialmente atingidas pelo reservatório, mas que isoladamente ficariam economicamente inviáveis para seus antigos proprietários. O público alvo prioritário dessa modalidade foi constituído pelas famílias/pessoas com características extraordinárias – pessoas idosas, sozinhas, portadores de deficiência físicas e mental e unidades com força de trabalho inferior a 1,8. Também foram considerados beneficiários: os proprietários de lotes rurais cujas áreas atingidas fossem adquiridas pela ELETROSUL e que desejassem recompor o tamanho original dos mesmos adquirindo áreas remanescentes equivalentes às que vendessem à empresa; os proprietários de lotes rurais que não desejassem vendê-los à empresa, mas 118 permutá-los; não-proprietários reassentáveis em projetos rurais que não optassem por esta alternativa. Foram estipulados três tipos de lotes para essa modalidade: lotes de permuta (pertencentes à ELETROSUL, disponíveis para a permuta por lotes atingidos ou parte deles); lotes especiais (menores que os convencionais e destinados às pessoas ou unidades familiares classificadas como casos especiais); lotes convencionais (com áreas equivalentes às forças de trabalho dos seus pretendentes). No que tange à infra-estrutura geral, o documento previa que todos os lotes deveriam ter acesso viário chegando até as residências, energia elétrica através de rede de distribuição geral e equipamentos comunitários de lazer. Quando os últimos não estivessem ao alcance de determinado grupo de famílias, a ELETROSUL se comprometeria a edificá-los dentro dos padrões culturais da região. A infra-estrutura dos lotes ficou por conta dos seus ocupantes, com exceção dos lotes especiais. As formas de pagamento estipuladas foram: a) nos casos especiais; quando o beneficiário fosse proprietário de terras e benfeitorias, estas deveriam ser indenizadas a titulo de remoção, sendo o montante abatido do valor do lote; se o beneficiário fosse um nãoproprietário, seria avaliada sua capacidade de pagamento e definida a forma de pagamento; b) quando o beneficiário fosse proprietário que, ao invés da indenização optasse pela permuta, o valor de sua propriedade seria usado como pagamento do novo lote; c) no caso de nãoproprietários reassentáveis em projetos rurais coletivos, o pagamento seria efetuado da mesma forma que a prevista para aqueles projetos45. Nessa modalidade, não estava prevista assistência técnica agrícola, mas, apenas assistência social para as pessoas consideradas como “casos especiais”. 45 Em todos as três possibilidades, caso o valor da propriedade atingida fosse maior do que a recebida, a ELETRIOSUL se comprometia a devolver a diferença. 119 3.4.5. Carta de Crédito A modalidade Carta de Crédito ou Auto-Reassentamento surgiu em 1995, no final do processo de remanejamento populacional, em virtude da vontade de uma parte da população de permanecer na região e da empresa de simplificar os procedimentos de remanejamento e baratear seu custo. Essa modalidade consistiu na concessão de uma carta de crédito de um determinado valor, estipulado em função de critérios específicos e; afiançada pela ELETROSUL, para a aquisição, pela família atingida, de uma propriedade rural ou urbana escolhida pela mesma, na região abrangida pela UHE Itá, sujeita à avaliação e aprovação por parte da empresa. O valor da carta de crédito foi calculado com base no valor da terra nua e das benfeitorias das famílias optantes por essa modalidade, acrescidos dos valores médios de escavação de um poço convencional e seu encamisamento e de uma moto-bomba. Seu público alvo era basicamente o mesmo do reassentamento rural coletivo, isto é, incluiu os não proprietários. A participação da empresa na negociação de compra e venda da terra se deu somente na análise da propriedade, que teria que ser um lote economicamente viável e no seu pagamento. A procura e escolha do terreno ficaram a critério da família. Nos casos em que o imóvel possuía edificações em condições inferiores às necessidades do titular seria repassado a ele o valor relativo à diferença. Nos casos em que toda ou parte da área destinada à lavoura não estivesse mecanizada, seriam repassados recursos para tal, como por exemplo, verba para a compra de calcário para correção do solo. 120 Também foi prevista verba de manutenção mensal por um período de no máximo nove meses, de acordo com avaliação técnica da necessidade, podendo a mesma ser suspensa quando a empresa considerasse que ela não mais se justificava. Assim como no reassentamento rural coletivo, o pagamento do saldo devedor foi estipulado para um prazo máximo de 20 anos, com um prazo de carência de três anos; o mesmo sendo feito em parcelas anuais correspondentes a 20% da renda monetária líquida da produção do lote, em valor apurado em moeda corrente nacional, convertido em sacas de milho. Nos critérios estabelecidos para essa modalidade, findo o prazo de pagamento, a dívida é considerada quitada. No caso de frustração de 25% ou mais da safra principal, em função de adversidades, e desde que tenha sido constatada em tempo hábil pela empresa e atestado pelo órgão de extensão rural do município, a parcela seria considerada quitada. Ao contrário do reassentamento rural coletivo, a empresa não se responsabilizou pela construção de acessos, rede de energia elétrica e assistência técnica. 3.4.6. Relocação de Núcleos Rurais e Vilas O documento “Plano Global de Remanejamento das Populações Atingidas pela Usina Hidrelétrica de Itá” estipulou as principais diretrizes e critérios do Programa de Relocação de Cidades, Vilas e Núcleos de Linha, a saber: incentivar a permanência na região das comunidades afetadas; promover um processo de relocação articulado com os parceiros institucionais e as comunidades atingidas, coordenado pela ELETROSUL; proporcionar a estreita participação das comunidades afetadas em todas as etapas de formulação e implementação dos projetos, garantindo a opção de relocação patrocinada e a de autorelocação; garantir a reposição da infra-estrutura dos núcleos atingidos; etc. 121 Foram considerados beneficiários desse programa a população direta e indiretamente atingida pela formação do reservatório, residente e devidamente registrada no cadastro sócio-econômico. E ainda: “as famílias residentes em propriedades rurais e cujas atividades econômicas estejam diretamente vinculadas aos núcleos de linha, poderão optar pelo Programa de Relocação em desistência à opção pelo Programa de Reassentamento Rural” (ELETROSUL, 1988a, p.9). Para os núcleos indiretamente atingidos o documento a ELETROSUL só menciona que seriam “estabelecidas medidas compatíveis com o impacto sofrido” (ELETROSUL, 1988a, p.9). Quanto às edificações públicas relativas aos setores de saúde e educação, seriam seguidas as normas usuais dos respectivos órgãos públicos. Em relação às edificações privadas habitacionais, comerciais, religiosas, entre outras, seriam projetadas e implantadas com a participação da comunidade, respeitando enquadramento tipológico e as opções de relocação patrocinada pela empresa ou de autorelocação. No que tange à infra-estrutura, determinou-se que o projeto deveria reproduzir, no mínimo, as condições existentes. Em outro documento da ELETROSUL “Remanejamento de Populações e Recomposição Físico-Territorial”, este mais recente, a mesma coloca: Com a intenção de não diluir os escassos recursos disponíveis, durante muito tempo os mesmos foram concentrados na relocação da cidade de Itá. Por outras vezes, na necessidade de gastá-los rapidamente houve a preferência pela indenização de propriedades rurais porque a mesma permitia uma maior agilidade. Tal fato criou um indesejável descompasso entre a recomposição físico-territorial e as indenizações, acarretando esvaziamento de alguns núcleos, falta de acessos e de energia elétrica àqueles proprietários que já executaram a remoção de suas benfeitorias da área remanescente (ELETROSUL, 1992, p.31). 122 Com isso, até o ano de 1992, as ações relativas a implementação do Programa de Relocação de Vilas e Núcleos de Linha se resumia: a formação de Comissões de Representantes em todos os núcleos atingidos; a escolha das alternativas de localização de todos os núcleos; a apresentação do Estudo Preliminar de Recomposição Físico-Territorial do território afetado para todas as prefeituras envolvidas; finalmente, a aquisição de duas áreas para novos núcleos no município de Aratiba (de um total de 37) (ELETROSUL, 1992). 3.4.7. Relocação da cidade de Ita A primeira comunicação oficial sobre a inundação da cidade de Itá ocorreu em 12 de dezembro de 1980. Nessa data a presidência da ELETROSUL informou que “(...) considerados os problemas sociais e a desestruturação do município, seriam abandonados os eixos preferenciais, sob o ponto de vista técnico, e adotados outros a montante do rio Engano (ou Uvá)” (ELETROSUL, 1992). Como foi dito anteriormente, “(...) apesar do impacto e preocupação iniciais decorrentes da notícia, não houve uma reação significativa contra a inundação da cidade” (ELETROSUL, 1992). A partir de então, formou-se a Comissão Municipal para Relocação de Itá, formada por representantes de diversos segmentos da comunidade. Em contrapartida a ELETROSUL formou sua comissão para iniciar o processo de negociação. De acordo com a ELETROSUL (1992, p.15) “ao decorrer do tempo, percebeu-se que havia a necessidade de se estabelecer um outro fórum de discussão que envolvesse além do Governo do Estado, o órgão de planejamento da Região Sul”. Assim, foi formado o Grupo Operacional para a Relocaçao de Itá – GORI – composto por membros da prefeitura Municipal, do Gabinete de Planejamento do estado de 123 Santa Catarina, da ELETROSUL e da Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul (SUDESUL). Esse grupo estabeleceu as regras gerais que regeram o processo de relocação da cidade de Itá, contidas num documento chamado “Plano de Mudança”. Durante o tempo de implantação da nova cidade outras comissões foram criadas para tratar de assuntos específicos e/ou genéricos, tais como; Comissão de Inquilinos, Comissão dos Após data-base, Comissão Feminina Pró-Relocação de Itá, Comissão de Recuperação de Itá, etc. De acordo com a ELETROSUL (1992, p.12) “Itá foi o primeiro trabalho da empresa que envolvia usuários fora do setor Elétrico e com uma temática urbana ‘aberta’46”. Por causa disso, foi constituída uma equipe multidisciplinar para dar início aos trabalhos de cadastro das moradias, entrevistas qualitativas, levantamento espacial urbano e dos equipamentos comunitários, levantamento das atividades econômicas e necessidade administrativas do município. Mesmo sabendo que a questão da relocação de Itá deveria ser enfocada a partir de estudos regionais da área afetada pelo empreendimento, a ELETROSUL “por razões conjunturais (pressões e urgências do momento)” (ELETROSUL, 1992) iniciou os trabalhos específicos da cidade. Uma das justificativas da empresa para agilizar o processo de relocação da cidade de Itá foi a mobilização e a reação à construção de barragens, no meio rural. Nas suas palavras: Como a ELETROSUL não dispunha de credibilidade que convencesse aos atingidos de que a qualidade dos trabalhos necessários pudessem vir a ser aceitáveis, (...) a relocação de Itá representava uma oportunidade para demonstrar,na prática, uma nova postura, adequada a nova realidade (ELETROSUL, 1992, p.16). 46 Como a ELETROSUL só tinha experiência, até então, com temáticas ligadas à produção de energia, a nível urbano, de construção de Vilas Residenciais dos Operários da Usina, tudo o que extrapolou essa dimensão, foi denominado pela mesma de temática urbana “aberta”. 124 A partir de uma análise dos casos de relocação, principalmente daqueles empreendidos pelo setor elétrico, os quais receberam duras críticas, a ELETROSUL elaborou um documento intitulado “Diretrizes para Relocação de Itá”, contendo as principais referências teóricas que nortearam a implementação da nova cidade. Dentre elas destacavamse as seguintes orientações: envolvimento da população, do poder público municipal, de órgãos governamentais e da classe política; proporcionar condições de sobrevivência de Itá, antes e após o período de obras; dar início a sua relocação antes do início da obra principal; evitar a favelização da cidade pela população indiretamente atraída pela construção da UHE Itá; garantir que o novo sítio contivesse condições de clima e solo no mínimo iguais à da cidade velha; prover a cidade nova com um projeto adequado às diversas fases do processo e às necessidades e características culturais da população; efetuar os projetos arquitetônicos de modo a obter resultados que favorecessem a identidade dos usuários com os espaços resultantes, etc. Com base nessas diretrizes, a implantação da nova cidade iniciou-se no final de 1981 com a construção do escritório e um almoxarifado para a ELETROSUL. “Os primeiros prédios foram executados através de administração direta da ELETROSUL, com mão de obra cedida por terceiros”. Essa modalidade se mostrou muito interessante para a empresa, uma vez que os custos se situaram 20% abaixo do Custo Unitário Básico da Construção Civil (CUB). Assim, no primeiro momento, devido à falta de recursos, essa alternativa foi utilizada. Com a necessidade de acelerar o trabalho, as edificações passaram a ser construídas por empreiteiras, preferencialmente da região, contratadas pela ELETROSUL. Nesse momento, as edificações foram permutadas através do sistema de “relocação patrocinada”. Nesse sistema a ELETROSUL se encarregava da construção até a entrega das chaves ao proprietário. 125 De acordo com a ELETROSUL (1992, p.26), por causa da crescente crise brasileira, que acarretou falta de recursos e falência de muitas empreiteiras, a empresa passou a adotar o sistema de “auto relocação”, no qual o proprietário se encarregava da construção de sua edificação, recebendo as parcelas em conformidade com o andamento da obra. Esta modalidade se mostrou muito interessante para a empresa, dado que houve uma “sensível diminuição de custos e uma maior agilidade decorrente da eliminação da excessiva burocracia (...)”. A relocação da nova cidade estava prevista para ficar totalmente concluída em julho de 1993. Sua inauguração se deu somente em 1996. A estrutura urbana resultante dos condicionantes físicos, tais como clima e topografia da nova área, é linear, com um eixo viário que atravessa a cidade e canaliza os fluxos mais intensos de veículos e pedestres. No centro geométrico localiza-se a praça central e os principais equipamentos comunitários (Prefeitura, ginásio coberto, igreja, salão paroquial, galeria comercial). Como resultado das diretrizes acima mencionadas, a infra-estrutura da cidade foi projetada para uma população de aproximadamente 2.500 habitantes (a população da cidade velha era 940 habitantes, de acordo com os primeiros cadastros da Eletrosul). 3.4.8. Planos e Programas Ambientais Quanto às medidas mitigatórias e compensatórias dos impactos ambientais/ecológicos, a ELETROSUL elaborou 21 programas de manejo, controle, monitoramento, entre outros. A estrutura dos programas ambientais – aí incluídos aqueles cujas ações são voltadas ao desenvolvimento sócio-cultural e econômico da região – previstos e elaborados 126 pela ELETROSUL, destinados à recomposição dos impactos decorrentes da construção da UHE Itá foram agrupados em 7 Planos (ELETROSUL, 1992), quais sejam: 1) Plano de Controle e Acompanhamento das Alterações do Meio Físico 1.1. Programa de Observação das Condições Climatológicas 1.2. Programa de Observação das Condições Hidrossedimentológicas 1.3. Programa de Monitoração e Controle da Estabilidade dos Taludes Marginais 1.4. Programa de Acompanhamento das Condições Sismológicas 1.5. Programa de Monitoração das Condições do Aqüífero Basáltico 1.6. Programa de Controle da Degradação e Recomposição das Áreas da Obra 2) Plano de Controle e Acompanhamento do Meio Aquático 2.1. Programa de Desmatamento e Limpeza da Área de Inundação 2.2. Programa de Acompanhamento da Operação Enchimento 2.3. Programa de Monitoração e Controle da Qualidade da Água 3) Plano de Conservação dos Ecossistemas Naturais 3.1. Programa de Manejo e Conservação de Flora e Fauna 4) Plano de Reorganização das Estruturas Físico-Territoriais e da Base Populacional 4.1. Programa de Remanejamento da População Rural 4.2. Programa de Relocação de Núcleos de Apoio à População 4.3. Programa de Monitoração do Remanejamento de População 4.4. Programa de Recomposição e Melhoria dos Sistemas de Infra-estrutura 4.5. Programa de Usos Múltiplos do Reservatório 127 5) Plano de Recomposição do Quadro de Vida da População 5.1. Programa de Recomposição e Melhoria dos Serviços 5.2. Programa de Recomposição e Adequação do Sistema de Saúde 5.3. Programa de Apoio à População Migrante 5.4. Programa de Apoio aos Municípios 5.5. Programa de Conservação do Solo e Saneamento Rural 5.6. Programa de Fomento à Produção Agropecuária 5.7. Programa de Educação Ambiental 6) Plano de Salvamento e Preservação do Patrimônio 6.1. Programa de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural 6.2. Programa de Salvamento do Patrimônio Arqueológico 7) Plano de viabilização dos Programas Ambientais 7.1. Programa de Relacionamento e Negociação 7.2. Programa de Articulação Institucional 3.5. A percepção dos atingidos Se por um lado a barragem simboliza o progresso e a modernidade, por outro e para outros ela representa, como diz a música de Chico Buarque, uma verdadeira Roda Viva, um moinho/redemoinho que chega remexendo e revirando com a água, a vida e o destino das pessoas. A notícia é tão surpreendente que num primeiro momento não se consegue nem acreditar na sua veracidade. 128 Quando eu ouvi falar de barragem que tocava sair (...) pra gente aquilo foi um fim de mundo, né. Porque a cidade (...) O pessoal do interior lá tem medo da cidade, principalmente, quem não sabe fazer nada (P.P., atingido, indenizado, 2003). Olha, nós ficamos sabendo da barragem quando um dia desceu um helicóptero aqui na barranca do rio. A gente ficou curioso. Perguntar o que que era isso aí. Daí o pessoal do sindicato já orientou nós, que seria construído uma barragem. Até do começo ninguém acreditava isso aí (H.2., atingido, indenizado, 2003). Olha, a barragem, ela começou assim há uns vinte e cinco anos, vinte e oito anos atrás, se ouviu falar em barragem. Só que a gente não acreditava. Se via falar uma coisa, um tempinho era falado que tinha barragem, daqui a pouco não tinha mais. Aí dava uma acalmadinha e (...). Até que quando a gente começou a acreditar realmente que vinha a barragem era o princípio dos primeiros levantamentos que (...) tinha na região. Mas, isso é em torno assim de uns doze anos, mais ou menos, que foi definido mesmo de fazer essa tal de barragem (R.D., atingido, indenizado, 2003). É vinte e três ano que começaram a dizer que vinha a barragem. Nós morava lá em cima na cabeceira. Depois compramos a terra lá de lá. Até o mano do meu marido dizia assim: o Vintano vai morar lá embaixo e depois vem a barragem. Mas, quem que dizia que vinha? Parecia que não, né. Vivia no morro de lá do rio. Depois vendemo lá e compramos aqui. Eu só digo assim: que eu pra mim foi muita tristeza. Muita, muita. Que eu tava olhando agora, não tinha nada de fazer, botei o pão no forno, me sentei ali, olhando as foto de antes que vinha a barragem. Quanta gente que tinha! Daí fiz uma chorada. Chorei! Tinha todas amigas aqui perto. Era tão bonito! E elas agora mesmo saíram daqui e elas vêem e me dizem: mas, Hilda, quanta saudade do chimarrão que nós tomava junta! ...Mas, me deu uma tristeza. Bom, as lágrima que eu fiz só Deus que sabe, mas assim mesmo nós temo contente agora. Sim (H.3., atingido, remanescente, 2003). Seguindo os critérios de remanejamento da ELETROSUL, as trinta entrevistas realizadas na região foram assim distribuídas: a) Indenização: 6 entrevistas; b) Reassentamento: 15 entrevistas; c) Carta de crédito: 3 entrevistas; d) Áreas remanescentes: 2 entrevistas; d) Relocação de núcleo de linha: 1 entrevista; e) Relocação de Itá: 1 entrevista; f) permuta de terra: 1 entrevista. Foram realizadas ainda entrevistas com uma das lideranças da CRAB, com um trabalhador da usina e com uma família atingida que se diz “caso pendente”, isto é, que não recebeu nada da empresa. 129 3.5.1. Indenizados Das seis famílias entrevistadas, cinco consideraram justo o valor pago pela indenização. Todas essas famílias receberam a indenização depois de criada a comissão paritária entre a CRAB e a ELETROSUL, que fez a pesquisa de preço com base nos critérios citados anteriormente. A criação dessa comissão fez com que o valor da terra aumentasse em relação à avaliação inicial feita pela ELETROSUL, que era unilateral. Até na parte da indenização não foi difícil com a Gerasul. Eles pagaram razoavelmente. Mas, isso através de luta, briga (H.2., atingido,indenizado, 2003). Nós fomos fazer pesquisa de preço, nos três estados do sul aqui. Daí foi feito um acordo porque o preço deles não era esse. Daí foi feito através do MAB, né, e nós. Aí foi feito avaliação de preço e daí foi feito preço justo, né, pra ambas as parte, né. Tanto nós, atingido, quanto a Gerasul. Entramos um acordo (H.2., atingido, indenizado, 2003). Outro ponto importante e muito citado nas entrevistas, não só com os atingidos indenizados, foi o fato de as condições de negociação terem melhorado em função da organização do movimento e da resistência dos agricultores atingidos. Dali pra frente começamos a ter o respeito. E dali pra frente, também, se começou a responder processo contra a justiça por tirar o direito de ir e vir de pessoas. Então, vamos dizer assim; só que dali pra frente nós conseguimos negociar. A empresa achou que a nossa resistência era muito forte e eles começaram a ceder, começaram a buscar essa liderança pra negociar, né. Foi ali que deu entendimento onde saiu a indenização, onde o pessoal foi bem remunerado, né (R.G., atingido, indenizado, 2003) (grifos nossos). Uma observação levantada pelas famílias que receberam indenização foi que um “erro” ou uma “malandragem” da ELETROSUL foi ter indenizado as famílias muito tempo antes de elas terem, de fato, que sair da região. Isso acabou gerando problemas do tipo: as famílias começaram a gastar o dinheiro da indenização com carro, coisas supérfluas ao invés 130 de comprarem e investirem em uma nova área de terra. Quando chegou o momento de sair, o dinheiro tinha acabado e elas não tinham mais como se reestruturar, como se manter. (...) Veio de presente porque o cara não entregava a terra, ele ficava trabalhando. E veio um dinheiro de graça assim, né. E sentido foi depois que encheu a barragem, que entregou, que tocou entregar a terra. E muitos nem compraram terra também, né. Gastaram o dinheiro (P.P., atingido, indenizado, 2003). Agora teve outros indenizados que também conseguiram se colocar bem. Agora, teve aqueles que...uma demora, por exemplo, da indenização pra vim a água do lago, pra encher o lago, aí teve gente que ficou oito, nove anos com o dinheiro. Aí o que que aconteceu: muitas pessoas que acharam que o dinheiro não acabava mais, ele acabou comprando um fusca velho, uma Brasília, né. Gastar pra cá, pra lá. Melhoria talvez nuns móveis, que talvez é uma coisa supérflua, né, que não teria muito sentido, né. Aí chegou no momento que veio a água, teve muitas famílias que não tinha mais opção, não tinha mais dinheiro. Aí tu vai fazer o quê? É comprar, ter que sair e se habituar a morar aonde que deu. Então, aconteceu muito disso. Infelizmente, apesar de toda instrução, de todo trabalho que foi feito, aconteceu muito disso. Isso é bastante ruim, né. Parece que o trabalho que esse pessoal, a empresa, o sindicato, o MAB, todo esse pessoal envolvido, pra muitas pessoas não pegou, né. Não serviu (R.G., atingido, indenizado, 2003) (grifos nossos). Eu acho, pelo menos a minha opinião particular, pra muitas pessoas devia dizer: você tem trinta dias...a pessoa ia sentir o golpe, né. Mas, a malandragem que eles usavam era a seguinte: não o valor é meio pequeno, mas você pode ficar aí mais uns dez ano, né. Então, era uma malandragem isso aí (R.G., atingido, indenizado, 2003). Outro ponto levantado por um dos indenizados foi o fato de que as pessoas mais envolvidas na mobilização souberam aplicar melhor o dinheiro da indenização. Nas palavras desse atingido: Então, uma parte da população atingida cobra daqueles mais que trabalhava no movimento, que tudo saíam melhor. Mas, aquele que mais acompanhou a reunião lá também saiu bem porque o movimento ensinava, dizia, né. E aquele que ficou mais acomodado em casa, ele, e mesmo não acreditando, achou que não era” (P.P., atingido, indenizado, 2003). Outro atingido indenizado diz: 131 Fui privilegiado pra comprar um, eu acho, um pouco pelo conhecimento, né. A gente conseguiu comprar um lugar...que eu era pesquisador de terra, né, na época. Então, eu fazia pesquisa nos três estados. Então, a gente sabia onde tinha tudo aquilo pra vender, né. Então, poucos que teve a oportunidade que eu tive, né (R.G., atingido, indenizado, 2003). Quando perguntados sobre se a vida estava melhor ou pior do que antes, a resposta, em geral, foi que economicamente a vida tinha melhorado ou permanecia igual, porém, socialmente, a barragem tinha quebrado as relações sociais da comunidade, tanto para aqueles que saíram da região e foram para cidade ou outro município, quanto para os que ficaram no município. (...) A cidade é bom. É bom, né, mas olha o tumulto que tem aí. E aqui tu trabalha de (...) Eu trabalho até 11 horas, meia noite e no domingo até 4 hora. E lá não. Sábado de tarde ia na bodega. Domingo ia passear. Tinha tudo, né. E aqui tu tem que trabalhar. Se tu não trabalhar, tu dança, né. Lá não. Vida mais tranqüila, melhor pra viver. Acho que até um pouco isso, o medo do cara sair lá da beira do rio. Tu vai construir uma obra ninguém que sair, né. Quer ficar na terrinha dele, na vidinha dele, né. E na cidade (...) Se tu trabalhar é bom pra tu fazer dinheiro, mas não pra tu viver na cidade. Na cidade (...) E ta cada ano pior, né (P.P., atingido, indenizado, 2003). E nem todo mundo vai bem, né. Aquele que vai que faz dinheiro até bom. E aquele que perde tudo que tem e não consegue dá o giro, aí é pior, né. E a maioria (...) Se vai fazer uma soma numa barragem tem um montão de gente mal lá, muito pior do que antes (P.P., atingido, indenizado, 2003). Olha, eu acho que tá na mesma. Agora, pra nós não é o mesmo em termos social não. Ali modificou bastante porque nós, como eu tava falando, nós temos bastante dificuldade, né. Nós não temos mais comércio. Acabou com o nosso comércio. Pra construir um centro comunitário aqui, nós temo até 60 familias e antes nós tinha 148. Então, pra fazer é uma dificuldade. Nesse caso até eu mandei duas vez documento pra Gerasul pedindo uma ajuda e ela disse que não se sentia na obrigação de ajudar. Nessa parte nós aqui não recebemos um centavo...ajuda da Gerasul pra comunidade (H.2., atingido, indenizado, 2003). Porque tu sabe como é: a gente tava colocado lá. Nós tava bem colocado e tudo bem. Mas, fazer o quê. Eu to bem aqui também. Eu gosto de morar aqui, só que a gente trabalhou, trabalhou tanto pra depois ir lá desmanchar tudo que tava feito, né. Então, é uma coisa assim que a gente fica pensando, hoje em dia, como é que é a vida, né (C., atingida, indenizada, 2003). 3.5.2. Optante pela Permuta de Terras 132 Apenas um atingido entrevistado teve como compensação pela perda de sua terra e benfeitorias a permuta de terra. De acordo com o mesmo, essa foi a única modalidade que lhe foi oferecida pela empresa. Seu descontentamento com essa modalidade e com a empresa é visível. Para ele e sua família, a reparação via permuta de terras deixou-os em uma situação pior do que a que tinham antes da barragem. Na verdade, seu problema se agravou com a “questão dos cem metros”47, pois uma parte de sua terra é agora atingida pela faixa de proteção ambiental. Na parte de terra que foi permutada com a ELETROSUL e que, hoje, está debaixo da água, ficava sua casa e seu potreiro. Sua casa atual localiza-se no município de Mariano Moro. A parte da sua terra destinada a lavoura não tem acesso direto, não tem estrada, nem água, nem luz. Ele alega que tem que passar pelo lote do vizinho para chegar no seu. Durante dez anos ele tentou com a empresa indenização total de suas terras, mas ela recusou. Sua percepção desse processo é de que os não proprietários, a população mais pobre saiu melhor no processo de negociação com a empresa do que os pequenos proprietários como ele. Só que quem tinha alguma coisa sofreu e quem não tinha nada, praticamente, não sofreu pra ganhar bem (I.P., atingido, terra por terra, 2003). 3.5.3. Reassentados Foram realizadas entrevistas em três reassentamentos, a saber: Mangueirinha, Honório Serpa e Chopinzinho, todos no estado do Paraná. 47 Esse ponto será melhor desenvolvido no final do trabalho. 133 De maneira geral, a percepção dos reassentados foi de que a vida melhorou. Em alguns casos, houve uma diferenciação entre a “vida econômica” e a “vida social”. Aí o aspecto social, ficou “prejudicado”. Num caminhão vinha toda minha mudança. Hoje se for carregar um caminhão, não vai nem a metade. Então, é um monte de coisa diferente, né. Ah, melhorou bastante aqui. Eu lá não tinha carro. Hoje tenho carro. Não tinha...Hoje...Dentro de casa tinha muito pouco e fora hoje, só esse ano aqui, investi 6,5 só em leite, só em coisa pra comprar suprimento pra leite (L.F., atingido, reassentado, 2003). Eu acho que nós tamo melhor. A gente acostumou com o clima. Até o clima eu acho que é mais saudável pra gente, pra, vamos supor, a gente mexe com gado de leite, né, e coisa. Pro gado de leite o clima é melhor do que lá. Questão de saúde também, eu acho que é melhor. Trabalhar é melhor. Então, por isso que eu to dizendo: eu não volto mais (J.K., atingido, reassentado, 2003). No caso social, me desculpe dizer, eu pegava a mudança amanhã. Porque a gente quando saiu de lá foi um exagero, uma coisa extraordinária que fizeram pra gente lá. Então, tudo aquilo tu não esquece. Só que tu tem que pensar que tu voltando hoje lá tu também não encontra aquele grupo de pessoas que tem, né. Aquele grupo que nós tinha. Hoje aquele grupo lá também vai estar dividido, no mínimo, não quero exagerar, em 10 municípios. Porque foi um extravio de pessoal, né. A Eletrosul tentou quebrar a força (L.G., atingido, reassentado, 2003). Quando perguntados pelas razões que os levaram a escolher o reassentamento, as respostas se dividiram. No caso dos proprietários, que poderiam optar pela indenização, a escolha do reassentamento se deu pela segurança de valorização e produção nos lotes. Porque na época, como era um período de inflação, a gente teve umas experiências que os que pegaram dinheiro dá pra dizer, uns seis meses antes que nós, eles compraram pouquinha e acabaram, de repente...Não compraram lote e gastaram um pouquinho daqui, um pouquinho dali e foram indo, foram indo e quando viu, o dinheiro tinha quase acabado e não conseguiram mais dá o giro e comprar outra propriedade (J.B., atingido, reassentado, 2003). Porque daí eles queria que nós pegava dinheiro. Mas, a gente via que os vizinho que pegou dinheiro não tava mais colocado, né. Não deu pra se colocar como era pra se colocar. E daí nós sempre teimava que queria reassentamento, não dinheiro, né. Que ao menos a terra tu tira pra comer (O., atingida, reassentada, 2003). 134 No caso dos não proprietários, a opção pelo reassentamento, até o surgimento da carta de crédito, se explica pela falta de outra opção. Depois que surgiu a carta de crédito, a experiência dos primeiros reassentamentos e a topografia foram dois motivos que levaram as famílias a escolherem o reassentamento rural coletivo. Achamo que ia ser o melhor, né. É. Aqui era bem melhor. Aqui é mais plaino, né. Tudo isso é vantagem. Tu pegasse lá é morro, né, não tem como trabalhar com máquina (M.1., atingida , reassentada, 2003). Foi desde o começo que eu disse que eu não queria nem carta de crédito nem nada. Eu queria era reassentamento porque a gente sabia que daí a gente ia conseguir um pedaço de terra pra gente viver mais sossegado (P.1., atingido, reassentado, 2003). Em relação à mudança para o reassentamento, a ELETROSUL contratou uma transportadora para fazer a mudança dos móveis e bens dos reassentados. Nesse ponto todos os entrevistados se mostraram satisfeitos48. Quanto à chegada e os primeiros meses no reassentamento, a maior parte das famílias entrevistadas mencionou que foi um período difícil. P: E como foram esses primeiros meses aqui? Foi difícil. Não tinha água, não tinha luz, não tinha banheiro...Tinha banheiro, mas não dava pra usar. E daí eu fiz ali de lona e um buraco pra gente fazer necessidade lá, né. Porque derrubaram tudo. Ficamo limpo. Então, foi difícil. Daí a Eletrosul trazia a água (O., atingida reassentada em Mangueirinha, 2003). Cheguemo aqui não tinha luz instalada, né. Faltava ligar ainda. Não tinha água, bem equipada porque eu sou um que precisa de uma bomba, né. Não tinha luz. Então, virava uma coisa, né. É um monte de transtorno, né (J.K., atingido reassentado em Honório Serpa, 2003). O período de negociação e construção dos reassentamentos também foi complicado para as famílias, isso porque nos três reassentamentos visitados, as casas e 48 A modalidade reassentamento rural coletivo foi a única que a ELETROSUL contratou uma transportadora para a mudança dos bens. Em todas as outras, remoção foi feita pelos próprios atingidos. 135 galpões foram construídos pelos próprios reassentados em sistema de mutirão. Além disso, os avanços e recuos nas negociações aumentavam a incerteza das famílias. Eu dizia pro nosso pessoal, quando a gente voltava dos acampamentos, dos barracos, que nós tava sofrendo, mas quando saía de lá, o sofrimento que nós passava aqui na construção, eles iam ficar lá. Hoje as barrancas do rio tem o sofrimento que nós tinha nas construção aqui. Sociedade diluída assim. Toda ela quebrada (L.G., atingido, reassentado, 2003). Era difícil de você ir numa negociação. Porque a negociação era cheia de promessa e muitas vezes não era cumprida, né. Então, você ia, você voltava otimista da negociação. De lá um mês, dois mês mudava a realidade, né. Então, você sabia que você tinha que encarar outra negociação, né. E aí você tinha que deixar em casa, você tinha que deixar, né. As vez, conseguia entender, né, a própria família. Às vez, entendia. Às vez, não conseguia entender (J.K., atingido, reassentado, 2003). Outra dificuldade apontada pelos atingidos apareceu na recriação das relações sociais. A principal razão elencada por eles foi o fato de que, em todos os três reassentamentos visitados, a diversidade de culturas, decorrentes das diversas localidades de origem dos reassentados, tanto de município quanto de comunidade, exigiu muitas reuniões e discussões. Ao longo do tempo, essas dificuldades foram superadas e no caso do reassentamento Itá I, em Mangueirinha, todos as famílias entrevistadas, bem como os técnicos, disseram que a “vida na comunidade” hoje é boa ou muito boa49. Botar em funcionamento a comunidade, fazer uma discussão de como é que se implantava, como é que se fazia o começo dessa comunidade, cada um tentava levar o que tinha na comunidade dele, né. Então, foi bastante discutido, bastante difícil no começo, assim, mas hoje... cada um acostumou já no que a gente pegou o rumo dessa comunidade. Que cada comunidade tem um sistema de: lá funcionava assim, lá funcionava assim, a igreja era assim, a escola era... Num lugar a igreja era que tinha maior poder, vamos supor, promoção e coisa. Noutro lugar era esporte, noutro lugar era escola. Então, esse foi um ponto que nós tivemos bastante discussão, mas, acertemo (J.K., atingido, reassentado, 2003). 49 O reassentamento de Mangueirinha é dividido em duas comunidades, cujos nomes são Itá I e Itá II. Um fato curioso é que Itá I é vista como uma das comunidades mais organizadas com clube de mães, de jovens, associações de máquinas, etc, enquanto Itá II, que é contígua à Itá I é uma comunidade considerada desorganizada. 136 Em relação à produção, as diferenças de topografia e solo dos reassentamentos do Paraná aumentaram o grau de mecanização da produção. Além disso, introduziu-se também, em maior escala, o uso de “veneno” (defensivos químicos) 50 , adubo e uréia. Apesar do aumento dos custos, a produção apresentou um aumento significativo. Não obstante todas essas dificuldades, quando perguntados se mudariam de opção, se escolheriam, hoje em dia, indenização ou carta de crédito, a resposta, em geral, foi negativa. A exceção ficou por conta de três atingidos que saíram dos reassentamentos alegando dificuldades de relacionamento. 3.5.4. Relocados em Áreas Remanescentes Na verdade quem permaneceu na região é o que mais tá carente hoje. Porque mais carente no sentido assim ó, não tem mais comércio no local, não tem mais amigo. Porque, na verdade, tem amigo, mas tem um para você chegar e dizer: meu amigo mais próximo é três quilômetros, quatro km. E saber que antes não. Antes a cada 15 metros tinha um morador. Aí, nós até tava comentando, nós da minha comunidade onde que eu moro, da minha comunidade para chegar até onde que eu moro hoje tinha uns cinco campos de futebol. Cada campo de futebol tinha dois times. Até tinha campos onde é que tinha três times de futebol. Hoje, tem um campo e tu não acha um time de futebol. Hoje tu não vê mais ninguém naquela região. O comércio também terminou. Na verdade as áreas melhor são as áreas de várzea, na beira dos rios, para a produção. É aonde que hoje tá tudo debaixo da água... Quem foi para o reassentamento hoje ou saiu daqui hoje tá melhor. Por mais que a gente quer(...) é duro viver longe daonde que se criou, mas tá melhor. E tem os casos que a gente comentou: quem pegou indenização e soube investir, tá bem. Quem pegou indenização e não soube investir tá numa situação bem precária (E.1., atingido, indenizado, 2003). A visão acima transcrita é compartilhada por muitas famílias que permaneceram na região, sejam as que participaram do programa de relocação ou reassentamento nas áreas remanescentes, sejam os indenizados que lá ficaram. 50 Atualmente, a COOPERARSUL - Cooperativa dos atingidos reassentados do estado do sul está tentando implementar técnicas agroecológicas de produção. 137 A ênfase da entrevistada que participou do programa de ocupação das áreas remanescentes foi sobre o esvaziamento da comunidade e da saída da população, principalmente, a mais jovem. P: O que você acha que foi pior, assim, dessa história toda? Ah, eu senti muito porque o rapaz também saiu e os vizinhos que tinham, também, saiu todos. Mas, final pro trabalho, continuemo a mesma coisa, né (H.3., atingida, remanescente, 2003). P: E a comunidade agora tá... A comunidade é mais pequena, mas senão tá tudo bonito assim. Por isso, sim (H.3., atingida, remanescente, 2003). P: E voce acha que teve alguma coisa boa? Boa porque foi feito a igreja mais nova, o pavilhão, essas coisa, né. Mas, senão... (H.3., atingida, remanescente, 2003). P: De modo geral você acha que melhorou ou piorou sua vida? De vinte anos pra cá? Que que eu vou te dizer? Parece que é sempre igual. Afinal, cê vai vivendo... (H.3., atingida, remanescente, 2003). O curioso é que esta família optou pelo programa de ocupação das áreas remanescentes ao invés do reassentamento rural coletivo a que tinha direito porque não desejava sair da região onde havia sido criada. O segundo entrevistado nesta modalidade mencionou que o valor pago pela empresa foi baixo. Não foi possível descobrir o porquê, uma vez que a transação foi realizada por seu falecido pai. Nós aí no negócio de negociação só perdemo área de terra, né. O certo mesmo foi pouco pago. Foi pouco valor (V., atingido, remanescente, 2003). 3.5.5. Preferentes da Carta de Crédito 138 A percepção geral das famílias entrevistadas que receberam carta de crédito foi que a vida melhorou depois da barragem. A justificativa principal, senão a única, foi o fato de terem conseguido a propriedade da terra. Isso porque todas as famílias entrevistadas e a maioria dos que receberam carta de crédito eram não-proprietários (arrendatários, meeiros, parceiros, agregados, etc). Assim, a conquista da propriedade da terra aparece como um grande indicativo de melhora para essas famílias. P: O que acha da vida aqui? Você acha que está melhor, tá pior? Comparando antes. Antes eu não tinha nada, no caso. Falar o que era, né. Nós vivia na terra dos outro e era arrendatário. Tinha que dar renda, essas coisas aí. Agora, a gente trabalha pra gente. Agora nós temos as nossas coisas. Pelo menos isso é o que eu acho, né (D., atingido, carta de crédito, 2003). Ah, agora tá melhor porque antes era muito sofrido, né. Os filho eram pequeno, né. Tinha que trabalhar, dar parte pro patrão, né. Agora a gente não dá pra ninguém, né. Só a gente pensa que tem que guardar pra nós pagar a terra, daí, né. Até em final temo guardando já, né. Depositando lá um pouco porque se chega algum tempo pra pagar, daí a gente tem, né (L., atingida, carta de crédito, 2003). Em relação à produção, uma das famílias mencionou a introdução do uso de adubo, uréia e veneno, que antes não utilizavam. Outra mencionou a introdução de máquinas. Os produtos, contudo, permaneceram basicamente os mesmos: milho, soja, feijão e leite. É tudo igual assim...que a gente planta feijão, milho, soja, né. Miudeza, mandioca, batata, tudo. Tudo a gente planta. Mas, é mais dureza porque não vem nada bonito, né. Tem que sofrer, comprar adubo, uréia porque senão, senão botou não vem (L., atingida, carta de crédito, 2003). P: E lá não precisava? R: Ah, naqueles ano não. Nós morava lá não botava nada no milho. Não sei se é já a natureza aqui assim, o quê. Mas, aqui senão botou nada, daí não colhe nada também (L., atingida, carta de crédito, 2003). Eu planto com plantadeira, colho com ceifa. Já é dois, três anos que faço isso, né. Então, acho eu que não teria muito...Achar ruim aqui não é o necessário (D., atingido, carta de crédito, 2003). 139 A escolha pela opção da carta de crédito ao invés do reassentamento rural coletivo se baseou em todos os casos na intenção das famílias em permanecer na região. O meu velho não quis. Ele quis ficar aqui porque...Daí então, nós fomo criado aqui, né, nessa região aqui. Daí quis ficar aqui, né. Então, fiquemo aqui (L., atingida, carta de crédito, 2003). Se não quisesse o reassentamento poderia ser carta de crédito. E daí como aqui é todo mundo conhecido, né. A gente praticamente se criou aqui na região, né. E daí resolvemo comprar aqui, né. Meu pai comprou lá e daí nós compramo essa. Porque daí nós recebemos 39 mil reais, né, pra comprar aqui (D., atingido, carta de crédito, 2003). Como essas famílias ficaram na sua região de origem, a modalidade carta de crédito se mostrou mais adequada no que diz respeito às relações sociais de parentesco e vizinhança. E como que é a vida aqui com os vizinhos? Olha aqui não tem queixa de ninguém, né. Os vizinho também são bom. Os vizinho que nós conhecia já antes, que nós morava logo ali no Porto, né. Se passava aqui para ir para Mariano, então era conhecido com eles, né. Então, não muda muita coisa. Só muda um pouco: fica mais perto deles. Só isso que muda, né. É assim (D., atingido, carta de crédito, 2003). Ainda em relação à carta de crédito, um último ponto mencionado, tanto por um dos beneficiários, quanto por outros atingidos mais ligados ao movimento, foi o fato de que nessa alternativa, nem todas as famílias melhoraram sua condição econômica. Uma das razões elencadas foi a falta de instrução, de conhecimento do atingido. Outra razão mencionada é a interferência de imobiliárias na negociação. Cada caso é um caso. De repente tem alguma família que não deu certo. Talvez, por não ter, talvez, alguma instrução mais adequada na compra ou na negociação, uma coisa assim. Muita gente, talvez, não se saiu bem, né (D., atingido, carta de crédito, 2003). 140 Carta de crédito, vamos dizer assim, você pode dizer que quem pegou carta de credito, hoje, e soube investir tá bem porque na verdade, vão ter que pagar também. Isso com certeza, porque os caras disseram que vão ter que pagar. Mas vinha manutenção, vinha, vamos dizer, recursos para preparar o solo, mas teve gente que não soube investir e tá... E aquele que tem hoje moradores lá que investiu e tá super bem. Mas, tem aquele que pegou a propriedade e tu passa lá e tu vê a realidade que o cara não faz nem para se manter em cima da propriedade (E., atingido, indenizado, 2003). E nesse projeto de carta de crédito, olha, eu até... Se for preciso eu gastar um dia, mostrar aonde o pessoal comprou por carta de crédito, 90% não moram mais e o resto tão com problema sério financeiro. Não vão conseguir pagar e compraram uma área de terra muito ruim. Mas, assim, um pouco por falta de experiência da pessoa que comprou e um pouco espertalhão no meio, que é o pessoal das imobiliárias. Combinaram com a própria empresa, né. Então, levou um dinheiro das pessoas sem dar nada em troca praticamente (R.G., atingido, indenizado, 2003). 3.5.6. Morador de Itá O único morador da cidade de Itá que foi entrevistado, quando perguntado sobre como via sua vida hoje disse: Pior não está. Digamos que está um pouquinho melhor, inclusive. Com perspectiva de melhora, inclusive (E.B., atingido, morador de Itá, 2003). Olha, a gente, claro, eu digo, nem todo santo contenta todo santo, mas, enfim... Para nós aí a Gerasul não deixou nada a desejar. Nesse sentido de indenização (E.B., atingido, morador de Itá, 2003). O negócio é que aqui na nossa cidade eles não poderiam indenizar mal porque senão ninguém ia sair daqui. Agora, mais para cima, em outros municípios já não existiu isso. Lá, eu acho que ganharam menos que nós (E.B., atingido, morador de Itá, 2003). Quanto aos pontos positivos: Olha, os aspectos positivos é que era uma cidade praticamente, vamos dizer, a economia dela era agricultura. Mas, com o surgimento da usina, a gente começou a desenvolver outras áreas, como o turismo, enfim... Várias coisas que a gente não tinha. Então esses foram os pontos positivos (E.B., atingido, morador de Itá, 2003). Quanto aos pontos negativos: 141 Os pontos negativos aí... Claro, quando você tem uma usina hidrelétrica você tem muito emprego. Eram em torno de 2 ou 3 mil empregos. Agora, acabou a usina surgiu muito desemprego. Isso que talvez foi o ponto negativo. Que a gente não pode acompanhar, talvez, aquela desaceleração da economia. Porque tinha usina, tinha 3 mil empregos. Deu um baque, então, a gente teve que rebuscar isso. Tem que rebuscar. Muitos desempregados acabaram ficando aqui na cidade. Pessoas que vieram de outros locais morar aqui, inclusive. Então, isso foi, talvez, o ponto negativo (E.B., atingido, morador de Itá, 2003). Como havia sido previsto no Estudo de Impacto Ambiental - EIA da usina, assim como em quase toda literatura especializada, o problema do desemprego pós-construção da usina é hoje o maior problema enfrentado pelos moradores da cidade. Isso foi mencionado também pelo ex-peão da obra, que atualmente mora e trabalha na cidade como garçom e pelas lideranças do movimento. A medida prevista para minimizar esse impacto foi, como em vários outros projetos similares, o desenvolvimento do turismo na região. Quando perguntado sobre as ações atuais de investimento no município, o entrevistado diz: Olha, na verdade, quem está desenvolvendo a questão de investimento no município é a prefeitura. A prefeitura está investindo 4 milhões em um balneário. Provavelmente, vai ser o maior em Santa Catarina, em cinco anos. E também está trazendo investimentos para cá, por exemplo, um hotel. Um hotel com 120, 130 leitos de uma empresa de Concórdia e várias construções. Então, essa é primeiramente a fase inicial de construções. E já estão sendo previstas outras construções, por exemplo, Beto Carreiro, que já tem tradição em turismo. Também está com a idéia de vir para Itá. Ele tá com o projeto de águas nos Santos. Ele quer montar um parque dentro do lago de Itá. Com isso, ele vai trazer artistas do circo dele, várias opções, né (E.B., atingido, morador de Itá, 2003). Quanto às ações da empresa: Existe pouco. Mas, na verdade, ela já desenvolveu, por exemplo, o CDA, que é o Centro de Divulgação Ambiental, aqui de Santa Catarina. Então, esse CDA, ele repassa todas as informações ambientais para o estado. Para quem visita a cidade serve muito, essa questão ambiental. Ela tá investindo, mas não aquilo que a gente esperava, né. Pouco (E.B., atingido, morador de Itá, 2003). 142 Apesar de considerar pequena a participação da empresa na promoção do desenvolvimento da cidade, não houve por parte do entrevistado nenhuma responsabilização da mesma, como se pode perceber: (...) o pessoal da usina se comprometeram unicamente em construir a cidade. Eles não se comprometeram em, talvez, depois disso, continuar com estrutura, construções. Na verdade, a gente também não tem o que cobrar porque o papel deles eles já desenvolveram, né. Agora falta a gente fazer o nosso, né (E.B., atingido, morador de Itá, 2003). Ainda em relação às políticas de desenvolvimento econômico do município, o entrevistado mencionou uma ação impetrada na justiça pelo município de Itá contra o de Aratiba questionando o valor da Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH)51. Inclusive, o município de Itá está brigando na justiça para receber o valor de royalties, de impostos que está perdendo para o município vizinho de Aratiba. Então, com isso, se a gente ganhar essa questão, com certeza a gente vai poder investir mais em turismo. É questão de 300 a 400 mil reais por mês (E.B., atingido, morador de Itá, 2003). 3.5.7. Relocada em Núcleo de Linha O problema do desemprego aparece também para os moradores, principalmente os jovens, que moram em núcleos de linha próximos à cidade de Itá. Quando questionada sobre 51 A Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) é um percentual que as concessionárias e empresas autorizadas a produzir energia por geração hidrelétrica pagam pela utilização de recursos hídricos. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) gerencia a cobrança da taxa e a distribuição dos recursos arrecadados entre os municípios, Estados e a União. Conforme estabelecido pela Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, são destinados 45% dos recursos aos municípios atingidos pelas barragens, enquanto que os Estados onde se localizam as represas têm direito a outros 45%. A União fica com 10% do total. 143 como via sua vida atualmente e sobre os aspectos positivos e negativos da barragem para sua vida, a entrevistada52 respondeu: Para mim piorou porque eu não tenho emprego. Itá, agora, eles tão fazendo aqueles parque não sei o que lá, mas... faculdade. Como nós vamos fazer 500 reais por mês, quatro anos e meio? Nós pobre não vamos conseguir. Agora se tivesse a obra agora era melhor por causa que... quando a gente era mais novo eles empregavam. Então, a obra passou, Itá ficou assim, uma cidade deserta. No começo da obra e como tá agora, Itá morreu (R.1., atingida, núcleo de linha, 2003). P: E o que você acha que melhorou na sua vida ou não teve nada que melhorou? R: Tem dois lados. Melhorou porque hoje a gente tem a nossa casa, a nossa terra. Mas um lado com a obra piorou porque não tem emprego. Tem dois lados (R.1., atingida, núcleo de linha, 2003). P: O que piorou? R: O desemprego. Porque no começo tinha muito e agora não tem nada (R.1., atingida, 2003). Em relação aos aspectos sociais, a entrevistada coloca: Antes era melhor por causa que, na cidade velha eu tinha mais liberdade, eu conhecia todo mundo. Agora aqui a cidade cresceu... Conhece assim, mas não como antes. Assim, foi perdido um pouco da cultura (R.1., atingida, núcleo de linha, 2003). Quanto ao período de mudança para o novo lugar: No começo foi difícil. Foi difícil porque era mato aonde que a gente foi morar. A gente teve que derrubar, plantar. Nós teve que carpir mesmo. Mas, agora, até que tá melhor (R.1., atingida, núcleo de linha, 2003). 3.5.8. Meio Físico-Biótico No que tange à reparação dos impactos do meio físico-biótico houve pouca menção por parte dos atingidos. 52 A entrevistada tem vinte anos e, portanto, não se lembra muito bem dos primeiros anos da mobilização, nem do processo de negociação. Sua mãe trabalhava como enfermeira no hospital da cidade velha de Itá e como agregada, na “roça”. 144 As maiores reclamações quanto ao descumprimento dos programas de mitigação e compensação ambientais ocorreram no município de Mariano Moro, com famílias que permaneceram nas áreas remanescentes próximas ao reservatório. Uma das famílias entrevistadas alega que a empresa não cumpriu com o programa de reflorestamento da mata ciliar na faixa dos 30 metros que circunda o lago. Inclusive, a questão do tamanho da faixa foi contestada judicialmente pelo movimento, pois pela lei 4771/65 – Código Florestal e pela Resolução do CONAMA 04/85, art. 3º, a faixa de proteção e preservação permanente deveria ser de 100 metros. A principal queixa entre as famílias entrevistadas nessa região foi o aumento do número de formigas que além do incômodo, geraram um aumento no custo da plantação. Aumentou a demanda na região por veneno. Além de aumentar o custo da lavoura, teriam surgido problemas de saúde. Também foi mencionado o mau cheiro do reservatório nos períodos de cheia, além de mudanças no clima. Outra reclamação que apareceu foi a diminuição do número de peixes. Nesse ponto algumas famílias de Mariano Moro e um morador de Itá alegaram que o número de peixes diminuiu bastante no reservatório e até a data da entrevista nada havia sido feito. Mas, de modo geral, a questão ambiental, strictu sensu, é pouco conhecida, pouco percebida. A citação seguinte expressa a opinião de uma das lideranças a esse respeito. Os programas assim ambientais, ambientais eu diria que praticamente foram. Eles compraram uma reserva. Nesse sentido até eles investem bastante. A única coisa é que nessa coisa de cem metros em torno do lago eles não investiram, aí eles deixaram (A., liderança, 2003). A questão dos cem metros a que ele se refere diz respeito a um conflito gerado a partir de meados de 1995, quando o movimento tomou conhecimento da legislação ambiental, 145 que pela lei 4771/65 – Código Florestal e pela Resolução do CONAMA 04/85, art. 3º, determina que a faixa de proteção e preservação permanente ao redor de reservatórios deve ser de 100 metros. O conhecimento dessa legislação acabou gerando um novo conflito, pois, até então, a ELETROSUL vinha indenizando os atingidos proprietários ribeirinhos por uma faixa de proteção de 30 metros. A partir de 1996 os atingidos iniciaram a discussão com a ELETROSUL exigindo a responsabilidade da empresa. Várias reuniões, mobilizações e audiências foram realizadas entre os atingidos e a empresa. Em 1997, outras instituições e outros atores sociais passam a participar dessa discussão, entre eles: FEPAN/RS, FATMA/SC, IBAMA, Procuradoria da República/SC, Ministério Público Federal, Deputados Estaduais de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e entidades ambientalistas nacionais e internacionais. No mês de abril de 1997, o movimento entra com uma Ação Civil Pública na Justiça Federal de Santa Catarina. Em maio do mesmo ano, na Audiência de Conciliação, que pôs fim ao litígio jurídico, foi determinado que a ELETROSUL ficasse responsável pela preservação ambiental de uma área mínima de cem metros a partir da margem do reservatório. Tal preservação consistiria na desapropriação de uma faixa de, no mínimo, trinta metros. Em relação aos setenta restantes, a empresa se comprometeu a indenizar os proprietários que se tornariam ribeirinhos pela restrição de uso. No documento “Critérios de Avaliação para a Faixa de Cem Metros no Entorno do Reservatório” de fevereiro de 2000, a então GERASUL estabelece a metodologia de avaliação das terras, benfeitorias reprodutivas e não reprodutivas na faixa dos setenta metros. 146 Sabe-se que algumas famílias receberam e aceitaram os valores apresentados pela empresa. Outras, entretanto, alegam que teriam direito, mas que não receberam. E outras, ainda, contestam os valores oferecidos pela empresa. 3.5.9. Casos Pendentes Das famílias que ainda reclamam algum tipo de reparação e são denominados “casos pendentes”, a maior parte está vinculada a pedidos de: indenização pelas perdas do comércio; carta de crédito; indenização pela restrição de uso da faixa dos cem metros do reservatório; indenização pela remoção de benfeitorias poluentes nessa faixa; reasentamento rural coletivo; infra-estrutura (água, luz, acessos e/ou estradas);etc. Merece destaque pela ausência de qualquer tipo de ressarcimento o comércio dos municípios atingidos. Em documento da Associação Comercial e Industrial de Marcelino Ramos, são levantadas e calculadas todas as perdas decorrentes da construção da barragem de Itá. Nesse documento são consultados, além da associação comercial, as entidades religiosas, o Sindicato de Trabalhadores Rurais, a Prefeitura e uma escola estadual. Segundo o mesmo, O documento destina-se a ser a ‘posição oficial e definitiva’ do município de Marcelino Ramos, no que se refere aos seus pleitos junto à GERASUL ou aos poderes públicos ou privados, superiores à referida empresa, aos quais eventualmente ela possa se subordinar, no sentido do ressarcimento legal e de direito do município, ao povo e às suas instituições, prejudicadas que foram pela empresa em referência (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE MARCELINO RAMOS, 2001). O cálculo final de todas as perdas, de todos os segmentos é de R$ 5.475.095,00 de reais. De acordo com um dos atingidos entrevistados que hoje milita no Movimento de Atingidos por Barragens – MAB: 147 Tem. Tem vários casos pendentes, eles dizem casos pendentes, que até hoje tão na justiça para receber porque não receberam indenização. Até muitos casos desses assim que a gente sabe que é verdade que não receberam indenização. Eu tentei entrar em contato com o pessoal da empresa e eles me disseram assim que se nós queria cobrar algum direito era antes de começar gerar energia. Que agora que começaram a gerar energia não tinha mais como, se não cobraram antes agora era muito difícil de receber. No caso, quem tá na justiça ainda tá correndo o processo, mais cedo ou mais tarde, tem que sair. Mas quem nem o processo não tá na justiça, azar dele, foi o que o cara me disse pelo telefone (E., atingido, indenização, 2003). (...) porque os escritórios que tinham eles desativaram aqui na região. Aqueles que tinha em Florianópolis tu tenta entrar em contato não tem mais ninguém que é responsável. E o pessoal também quando tenta se organizar, por mais que se organize, mas tem que se afastar muito. Ir muito à procura deles. Não tem recurso, na verdade. Porque já estão aí. Tão vendo uma forma de se viabilizar em cima dessa propriedade que ficou. E como não tem recurso para sair eles não vão longe para buscar isso aí (E., atingido, indenização, 2003). 3.5.10. Comentários Finais Ao concluir este capítulo dois aspectos merecem um destaque especial. O primeiro diz respeito à dimensão temporal. Assim como os impactos se dão em tempos e espaços distintos, de formas e intensidades diferentes, também no processo de reparação, a temporalidade das ações se mostrou crucial, seja no momento da negociação, seja no tempo da reestruturação das famílias. Em entrevista com um atingido, que foi uma das principais lideranças, na época, a dimensão temporal aparece como sendo essencial para as conquistas obtidas pelo movimento. Então, vamos dizer, nós conseguimos, até certo ponto, se antecipar, né. Resolver esses problemas (...) Então, eu acho que por ali assim, o atingido começou a ter uma certa garantia que ele não ficaria jogado às traças na estrada. Então, por exemplo assim, hoje, se tu escuta a empresa falar hoje, ela vai te dizer assim: nós fizemos...aconteceu isso, aconteceu aquilo e tal, tal, tal. Só que tudo bem, isso realmente aconteceu, mas com muita pressão nossa (N.B., atingido, reassentado, 2003). 148 O segundo ponto diz respeito à noção de direito presente nas falas e discursos de muitos atingidos. A idéia de conquista e de direito se fez presente, principalmente, nos atingidos que participaram mais ativamente do movimento, como aparece nas citações abaixo. Isso aqui foi uma conquista nossa. Através da nossa força, da nossa organização, né. Do atingido mesmo por barragem (H.1., atingido, reassentado, 2003). Porque se não é assim, na luta, no braço, não consegue nada (O., atingida, reassentada, 2003). Esses dois pontos, essas duas percepções, apareceram em muitas das entrevistas realizadas. Elas apareceram, principalmente, na fala dos atingidos que tiveram maior participação no movimento. Apareceu nas vozes de lideranças locais da época e na de jovens militantes, filhos de famílias atingidas por barragens que hoje militam no MAB. Apesar das limitações empíricas da pesquisa, é possível sintetizar em alguns pontos a percepção dos atingidos sobre o processo de reparação de suas perdas. O primeiro deles diz respeito à separação, a cisão, da vida na sua dimensão “econômica”, “material”, “individual” e na sua dimensão “social”, “cultural”, “imaterial”, “coletiva”. Com exceção de alguns casos, muitos atingidos se mostraram satisfeitos, ressarcidos e reparados em suas perdas materiais, econômicas, mas insatisfeitos, não ressarcidos em suas perdas imateriais, sociais e culturais. Essa insatisfação parece decorrer do fato e da própria consciência do atingido da dificuldade de reparação desse tipo de perda. Em muitas falas, a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de reestruturação das relações sociais esteve presente. Mesmo para aqueles e, talvez, principalmente para os que optaram por permanecer na região, seja pela opção de indenização, seja pela opção de relocação em núcleos rurais ou áreas remanescentes, a saída de parentes, vizinhos, sócios de clubes, igrejas, sindicatos, etc, parece ter ganhado, hoje, um peso ainda maior. 149 No caso dos reassentamentos rurais coletivos, a despeito de todas as dificuldades apontadas pelos entrevistados, nas diversas fases dos projetos e na recriação dos laços sociais, hoje, passados alguns anos de sua implementação, é possível perceber através das falas dos atingidos que, salvo algumas exceções, o reassentamento é tido com o território do futuro, de um futuro, o lugar onde as possibilidades estão mais presentes. É bom ressaltar que das modalidades de remanejamento implementadas, o reassentamento rural coletivo, aparece como a opção cuja reparação, em termos econômicos, foi a mais satisfatória. Por fim, quando se tenta analisar o processo de reparação de uma maneira mais geral e generalizada, aglutinando essas duas dimensões da vida – a econômica e a social e cultural – uma contradição aparece: as famílias e pessoas que saíram da região estão, hoje, em uma situação melhor do que as que ficaram na região. Assim, ainda que a partir de muita “luta” e “peleia”, os benefícios, a reparação, mesmo que parcial e incompleta, parece repercutir em outros territórios que não aquele que é o alvo do empreendimento. A promessa de desenvolvimento da região continua ainda uma promessa. 150 CONSIDERAÇÕES FINAIS Dadas as limitações deste trabalho as observações que se seguem representam mais questionamentos e caminhos para futuras pesquisas do que conclusões propriamente ditas. Como foi colocado na Introdução, o objetivo desta dissertação é situar o debate sobre a reparação das perdas dos atingidos procurando entender como se deu esse processo no caso dos atingidos pela barragem de Itá. Nesse sentido, o primeiro ponto a ser destacado, e que foi de extrema importância para o desenrolar de todo o processo de reparação dos atingidos pela barragem de Itá diz respeito à organização e mobilização dos atingidos, através do movimento social de atingidos por barragens (inicialmente, Comissão de Barragens, depois Comissão Regional de Atingidos por Barragens e, atualmente, Movimento de Atingidos por Barragens). A organização e mobilização dos atingidos da área rural foi fundamental não só para a criação de novas modalidades e condições de reparação, bem como para sua implementação. Assim, o processo de reparação deve ser participativo. Para que o indivíduo, a comunidade e o grupo social seja reparado em suas perdas, ele tem que participar do processo, principalmente, quando se fala das perdas imateriais e coletivas. O caso do reassentamento de Mangueirinha, no Paraná, parece corroborar esse ponto. Sua organização, tão mencionada em conversas informais e entrevistas, parece ter contribuído para a reestruturação das relações sociais dentro do próprio reassentamento, assim como do reassentamento com o município. Contudo, nenhuma afirmação mais forte pode ser feita nesse sentido, uma vez que não há informações suficientes para tanto. Uma investigação mais aprofundada merece ser feita. 151 A participação dos atingidos em todas as partes do processo foi importante, também, para o reconhecimento dos seus direitos e conquistas. Num sentido oposto, a falta de participação e organização significativa dos agentes do comércio dos municípios atingidos parece ter sido, também, um dos fatores que levaram esse setor e esse agentes a não terem suas perdas ressarcidas. Em relação a organização da população é preciso ressaltar dois pontos. O primeiro diz respeito ao contexto de abertura política em que ela estava inserida, momento em que a ditadura militar já mostrava sinais de enfraquecimento. O segundo está relacionado às suas características singulares de organização social e política: uma população marcada por forte tradição de vida associativa, integrada à vida política regional, densamente concentrada no território – região do Alto Uruguai – atuante em organizações religiosas (igrejas) e econômicas (cooperativas). Quanto à questão urbana, a lacuna existente na literatura sobre impactos sócioambientais de barragens, assim com nas políticas e programas do setor elétrico tendem a agravar a evasão populacional, econômica, social gerada pela barragem. O caso da cidade de Itá é emblemático, pois, a despeito de todo investimento inicial gasto com a relocação da cidade, o que se vê, hoje, terminada a construção da usina, é um sério problema econômico, com alto índice de desemprego. Assim, na experiência da cidade de Itá, a questão urbana aparece basicamente como um mero problema urbanístico. Isso sem contar os outros municípios atingidos, que não tiveram sua sede municipal alagada, mas que também se encontram em dificuldades, devido a emigração da população, e a conseqüente queda da arrecadação municipal decorrente sobretudo da perda da produção agrícola – principal atividade econômica destes municípios. A única medida compensatória, nesse sentido, tem sido a Compensação Financeira pela Utilização de 152 Recursos Hídricos repassada aos municípios atingidos, que, ao que parece, tem sido insuficiente para estimular o crescimento dos mesmos. Nesse sentido, o que se depreende, e é confirmado pela percepção dos atingidos entrevistados, é que “quem saiu da região, hoje, está melhor do que quem ficou”, contrariando o argumento de progresso e modernidade que a barragem traria para a região. Esse aparente paradoxo parece confirmar a lógica do desenvolvimento capitalista que, ao introduzir e concentrar, num determinado espaço, grande quantidade de capital, acaba criando e aumentando a pobreza e a desigualdade da região. A saída da região, a migração, o deslocamento compulsório aparece como a melhor, quando não a única, alternativa. Por outro lado, quando se analisa a inserção dos reassentamentos dentro dos municípios onde se localizam, o que se vê é: aumento da demanda por serviços de educação e saúde, entre outros, que, nem sempre, conseguem ser ofertados pelas prefeituras municipais; aumento das receitas dos mesmos com a produção dos reassentados. Pode-se pensar, então, que tanto os impactos quanto as reparações representam uma verdadeira reordenação do território levada a cabo pelo planejamento setorial. Entretanto, no caso dos impactos e, mesmo, das reparações, a escala de atuação do setor ainda é muito pequena se comparada às repercussões que o mesmo gera. No que diz respeito à questão ambiental, propriamente dita, o novo contexto político-institucional, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, resoluções do CONAMA e outras leis ambientais, fez com que fossem elaborados planos, programas e estudos de impactos ambientais, até então, inexistentes. A efetivação desses programas e planos não pôde, contudo, ser averiguada. Outra questão importante que apareceu na fala dos atingidos e nas análises documentais diz respeito à dimensão temporal do processo de reparação. A antecipação dos 153 atingidos na organização e mobilização foi fundamental para as conquistas adquiridas para a população da área rural. Além disso, é preciso levar em conta as diferentes temporalidades da desestruturação das relações sociais e declínio da produção econômica e da recriação das relações sociais e da retomada das atividades econômicas. A dificuldade de reparação das perdas imateriais (dos danos ambientais, sociais, culturais) apontada pela literatura é confirmada e corroborada pela percepção e insatisfação dos atingidos. Um último ponto que deve ser levantado para investigações futuras diz respeito aos reflexos da privatização do setor elétrico no processo de reparação. De acordo com um dos entrevistados, o processo de negociação com a empresa ficou completamente inviabilizado depois que ela foi totalmente privatizada. Será isto uma tendência? Não é possível tirar nenhuma conclusão, até porque o processo já estava no final. Por fim, é preciso ressaltar que o caso de Itá é considerado pelo movimento e pelos atingidos, bem como pela literatura, como um marco divisor de águas do processo de reparação dos atingidos por barragens no Brasil. Apesar de todas as dificuldade e desacertos, se comparado à exemplos anteriores (Tucuruí, Itaipu, Itaparica, etc) Itá representa um grande avanço. Da mesma forma, quando se pega o caso dos atingidos pela barragem de Machadinho (e devido à proximidade física-territorial, social, política, econômica e cultural), é possível perceber que muitos desses erros e desacertos foram sendo corrigidos e transformados, como num verdadeiro processo de aprendizagem. Isso não garante, contudo, que os futuros atingidos pelos novos projetos de barragens terão reparação melhor. 154 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A ENCHENTE DO URUGUAI. Erechim: Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), edição n.74, Out./Nov./Dez. 2000. ABRAMOVICH, Victor Ernesto. Estratégias de Litígio em Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Proposta, Rio de Janeiro, ano 31, n. 92, p. 28-38, mar./mai. 2002. ACIOLI, Hildebrando Pompeu. Manual de Direito Internacional Público. 11. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1986. Introdução: noção, fundamento e desenvolvimento histórico do direito internacional publico, p. 1-12. ACSELRAD, Henry. 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Resolução 1803 (XVII) de Assembléia Geral, de 14 de dezembro de 1962, com o título de "Soberania permanente sobre os recursos naturais”. 6.2. Bibliografia Eletrônica BARTOLOME, L.J. et al. Displacement, Resettlement, Rehabilitation, Reparation, and Development. Cape Town: World Comission on Dams (WCD), 2000. Thematic Review I.3 prepared as an input to the World http://www.dams.org. Acesso em 15 jul. 2002. Commission on Dams. Disponível em: 162 JOHNSTON, Barbara. 2000. Reparations and the Right to Remedy. Contributing Paper Prepared for Thematic Review I.3: Displacement, Resettlement, rehabilitation, reparation and development. Disponível em: http://www.dams.org. Acesso em 20 jun. 2002. JORNAL DIÁRIO DE CUIABÁ. Reportagem Especial sobre a Usina Hidrelétrica de Manso. www.diariodecuiaba.com.br REZENDE, Leonardo Pereira. O dano moral nas construções de barragens hidrelétricas. Disponível em: http://www.ufop.br. Acesso em 10 out. 2002. www.aneel.gov.br 6.3. Documento Sonoro (entrevista gravada) A.: agricultora, atingida pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Erechim/RS, 2003. 1 fita cassete (30 min). A.F.; J.F.: casal de agricultores, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mariano Moro/RS, 2003. 1 fita cassete (30 min). C.: ex-agricultora, atingida pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Erechim/RS, 2003. 1 fita cassete (20 min). D.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mariano Moro/RS, 2003. 1 fita cassete (20 min). E.1.: estudante, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Erechim/RS, 2003. 1 fita cassete (30 min). E.2.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Chopinzinho/PR, 2003. 1 fita cassete (30 min). 163 E.B.: operador de barco, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Itá/SC, 2003. 1 fita cassete (30 min). G.S.; T.S.: casal de agricultores, atingido barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mangueirinha/PR, 2003. 1 fita cassete (15 min). H.1.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mangueirinha/PR, 2003. 1 fita cassete (30 min). H.2.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana.Concórdia/SC, 2003. 1 fita cassete (20 min). H.3.: agricultora, atingida pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mariano Moro/RS, 2003. 1 fita cassete (15 min). I.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mariano Moro/RS, 2003. 1 fita cassete (15 min). J.B.; C.B.: casal de agricultores, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mangueirinha/PR, 2003. 1 fita cassete (30 min). J.K.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Honório Serpa/PR, 2003. 1 fita cassete (30 min). L.: agricultora, atingida pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mariano Moro/RS, 2003. 1 fita cassete (20 min). L.D.C.: liderança dos atingidos por barragens. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Erechim/RS, 2003. 1 fita cassete (20 min). L.F.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Honório Serpa/PR, 2003. 1 fita cassete (25 min). 164 L.G.; J.G.: casal de agricultores, atingido barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mangueirinha/PR, 2003. 1 fita cassete (20 min). M.1.: agricultora, atingida pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Chopinzinho/PR, 2003. 1 fita cassete (20 min). M.2.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mariano Moro/RS, 2003. 1 fita cassete (20 min). M.B; A.B.: casal de agricultores, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mariano Moro/RS, 2003. 1 fita cassete (30 min). N.B.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Itá/SC, 2003. 1 fita cassete (1h). O.: agricultora, atingida pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mangueirinha/PR, 2003. 1 fita cassete (1 h e 15 min). P.1..: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Chopinzinho/PR, 2003. 1 fita cassete (20 min). P.2.: ex-agricultor, comerciante, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Erechim/RS, 2003. 1 fita cassete (15 min). P.P.: ex-agricultor, comerciante, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Erechim/RS, 2003. 1 fita cassete (1 h e 30 min). R.1.: estudante, atingida pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Erechim/RS, 2003. 1 fita cassete (20 min). R.2.: garçom, ex-peão da usina hidrelétrica de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Itá/SC, 2003. 1 fita cassete (30 min). 165 R.3.: agricultor, presidente da cooperativa COOPERARSUL, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mangueirinha/PR, 2003. 1 fita cassete (45 min). R.V.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana.Concórdia/SC, 2003. 1 fita cassete (25 min). V.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [agosto-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Mariano Moro/RS, 2003. 1 fita cassete (15 min). V.B.: agricultor, atingido pela barragem de Itá. Depoimento [julho-2003]. Entrevistadora: R. Viana. Honório Serpa/PR, 2003. 1 fita cassete (20 min). 166 ANEXOS 167 Mapa 1: Aproveitamentos da Bacia do Rio Uruguai Fonte: ELETROSUL, 1992 (sem escala no original). 168 Mapa 2: Tipologias de Impactos do Reservatório Fonte: ELETROSUL, 1992 (sem escala no original). 169 Mapa 3: Arranjo Geral da UHE Itá Fonte: ELETROSUL, 1992 (sem escala no original). 170 Mapa 4: Fragmentação do Município de Itá com a inundação do Rio Uvá Fonte: ELETROSUL, 1992 (sem escala no original). 171 Mapa 5: Cidade de Itá, em 1982 Fonte: ELETROSUL, 1992 (sem escala no original). 172 Mapa 6: Plano Diretor da Cidade Nova de Itá Fonte: ELETROSUL, 1992 (sem escala no original). 173 Mapa 7: Centro urbano da Nova Cidade de Itá Fonte: ELETROSUL, 1992 (sem escala no original). 174 Mapa 8: Reservatório da UHE Itá Fonte: ELETROSUL, 1992 (sem escala no original). 175 Mapa 9: Recomposição físico-territorial do município de Aratiba Fonte: ELETROSUL, 1992 (sem escala no original). 176 Mapa 10: Reassentamentos de Mangueirinha, Marmeleiro e Campo Erê Fonte: ELETROSUL, 1992 (sem escala no original). 177 APÊNDICES 178 ROTEIRO DE ENTREVISTA Pesquisa de campo: Processo de reparação da população atingida pela barragem de Itá. Local: Data: Entrevistadora: Entrevistado: 1) Quando foi a primeira vez que você ouviu falar da barragem? 2) Como soube do projeto? 3) Onde você morava na época? Como era sua vida lá (a vida da famílila)? O que você (seu pai) fazia ? Com o que trabalhava ou o que produzia? Quais eram suas atividades de lazer? Como era sua relação com os vizinhos? Como era sua casa? O que tinha na sua vila (núcleo, distrito, cidade)? (Se o entrevistado estiver no caso daqueles que eram crianças à época, perguntar sobre a vida da família? 4) Houve alguma mobilização em sua comunidade? Como ela se deu? Quando ela começou? 5) Você ou alguém da sua família participou ou participa do MAB? Que tipo de participação? Já participou de reuniões do MAB? Já participou de manifstações públicas promovidas pelo MAB? Já participou de Romarias da Terra? 6) Durante o processo de negociação como ficou sua vida? 7) Você participou do processo de negociação com a Eletrosul? 8) Algum técnico da empresa foi na sua casa conversar com o Sr. (a)? Quando foi a primeira vez que isso aconteceu? 9) Depois desta primeira visita quantas vezes ele (a) voltou? O que ele (a) lhe disse? 10) Como foi feito o processo de reparação? Alguém (o movimento ou a empresa) ofereceu ao Sr. (a) alguma opção ou ela lhe foi imposta? 11) Porque você escolheu a opção pelo (reassentamento coletivo/ auto-reassentamento/ indenização/ reassentamento em áreas remanescentes)? 12) Como foi o processo de deslocamento (a mudança) de um lugar para o outro? Quem fez a mudança? Houve tempo suficiente? Houveram condições suficientes de transporte? 13) Como foi a chegada aqui na região? 14) Como foram os primeiros meses aqui? 179 15) E como está sua vida hoje, em relação à produção, a Infra-estrutura da região, as atividades de lazer e o convívio com os vizinhos e parentes? 16) Hoje em dia, se você pudesse escolher, você optaria por outra forma de compensação, por exemplo: (reassentamento coletivo/ auto-reassentamento/ indenização/ reassentamento em áreas remanescentes)? 17) Como você vê sua vida hoje? Você acha que sua vida melhorou ou piorou depois da barragem? 18) Quais foram as coisas em que sua vida melhorou? 19) Quais foram as coisas que sua vida piorou? 20) Você acha que ela melhorou ou piorou por causa da barragem? 180 Foto 1: Barragem de Itá. Fonte: Arquivo de fotos do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ). 181 Foto 2: Torres da Igreja Velha de Itá, inundada pelo reservatório Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003. 182 Foto 3: Escola abandonada, município de Marcelino Moro/RS Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003. 183 Foto 4: Terra Vermelha, núcleo de linha parcialmente atingido, município de Concórdia/SC Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003. 184 Foto 5: Sede da Cooperativa de Atingidos Reassentados, Mangueirinha/PR Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003. 185 Foto 6: Reassentamento Ita I, Mangueirinha/PR Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003. 186 Foto 7: Agricultor atingido pela UHE Itá, produzindo açúcar, município de Honório Serpa/PR Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003. 187 Foto 8: Praça do centro urbano da Cidade Nova de Itá/SC Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003. 188 Foto 9: Igreja da Nova Cidade de Itá/SC Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003. 189 Foto 10: Reservatório da UHE Itá, município de Aratiba/RS Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003. 190 Foto11: Reservatório da UHE Ita, município de Itá/SC Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003. 191 Foto 12: Cemitério relocado de Vila da Várzea, município de Mariano Moro/RS Fonte: trabalho de campo realizado em julho/agosto de 2003.