ESTADO, EDUCAÇÃO E LUTA DE CLASSES: A LUTA POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO Alex Verdério (Universidade4 Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE) Liliam Faria Porto Borges (Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE) Apoio Financeiro: CAPES, bolsa de mestrado. Resumo: Este artigo trata da ação dos povos do campo na busca da garantia de direitos afirmados juridicamente, mas negados concretamente nas relações do modo de produção capitalista. A análise tem como ponto de partida as práticas efetivadas pelos sujeitos do campo, através da luta por uma Educação do Campo. Sendo que os elementos que impulsionam tal luta estão presentes na atuação dos Movimentos Sociais Populares do Campo. E é no terreno da democracia burguesa, que os mesmos focalizam os anseios e as necessidades dos indivíduos, dentro da luta de classes, através de suas ações coletivas, tensionando o Estado burguês a lançar mão das políticas sociais para garantia de direitos. Possibilitando assim o aprendizado de direitos a população oprimida que vive no campo brasileiro. O foco do entendimento esta atrelado em compreender a militância na luta de classes como um elemento formativo de fundamental importância na formação dos povos do campo. Tendo como margem de ação o campo como espaço de resistência, no qual se materializa a luta e as práticas do que vem sendo chamado de Educação do Campo. Palavras Chaves: Estado, Políticas Sociais, Educação, Movimentos Sociais. ESTADO, EDUCAÇÃO E LUTA DE CLASSES: A LUTA POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO Introdução A reflexão que se segue esta relacionada à ação dos povos do campo para garantia do direito a educação. Ação esta que se realiza no âmbito da luta de classes, na busca da garantia de direitos afirmados juridicamente, mas negados concretamente nas relações do modo de produção capitalista, o que leva o Estado burguês a lançar mão de um conjunto de políticas sociais, dentre elas as educacionais, para evitar o colapso da sociedade capitalista. Os elementos que impulsionam a luta por uma Educação do Campo estão presentes na atuação dos Movimentos Sociais Populares do Campo, que focalizando os anseios e as necessidades dos indivíduos, dentro da luta de classes, possibilitam o aprendizado de direitos a população oprimida que vive no campo brasileiro. Tal luta traz a tona estes sujeitos, com suas características específicas. Entretanto, encontramos laços que os unem, e os identificam como o povo brasileiro que vive no campo e tem sofrido na pele as marcas da opressão, discriminação e exploração impostas pelo capital. O ponto de partida tomado são as práticas efetivadas por esses sujeitos, que a partir do contexto da luta de classes, de suas ações coletivas vem tencionando o Estado burguês na perspectiva da garantia de direitos, dentre eles a educação. Os sujeitos aqui apontados estão imersos nas condições objetivas do campo brasileiro e de sua realidade concreta que apresenta suas contradições, de um campo que produz muita riqueza e também muita miséria, o que inevitavelmente nos leva à totalidade do modo de produção capitalista. Tomando o concreto como síntese de múltiplas determinações, com o intuito de compreender a atuação e os processos formativos nos quais estão inseridos os sujeitos do campo, que em sua vinculação e atuação efetiva dos Movimentos Sociais Populares do Campo, no âmbito da luta de classe, dão materialidade à processos formativos que perpassam desde a realidade do campo enquanto espaço de resistência, a militância na 2 luta de classes, a organização coletiva, até a Educação do Campo, seja no seu âmbito formal ou não formal. Ao considerar a realidade do campo brasileiro, somos levados a refletir sobre a Questão Agrária, constituída pelas relações sociais nele estabelecidas. Entendo-a, [...] como um problema estrutural do modo capitalista de produção. Esse problema é criado pela lógica da reprodução ampliada do capital, que provoca o desenvolvimento desigual, por meio da concentração de poder expresso de diferentes formas, por exemplo: propriedade da terra, dinheiro e tecnologia. Esta lógica produz a concentração de poder criando o poder de concentrar, reproduzindo-se infinitamente. A reprodução infindável é da natureza do modo capitalista de produção, portanto, para garantir sua existência, o capital necessita se territorializar sem limites. Para a sua territorialização, o capital precisa destruir outros territórios, como, por exemplo, os territórios camponeses e indígenas. Esse processo de territorialização e desterritorialização gera conflitualidades diferenciadas que se modificam de acordo com a conjuntura da questão agrária. Todavia, a questão agrária não é uma questão conjuntural, como muitos pensam. A questão agrária é estrutural, portanto não há solução para a questão agrária a partir do modo capitalista de produção. (FERNANDES, In: SANTOS, 2008, et all Orgs., p.43-44). Neste bojo, é que estando imersos nas disputas presentes no campo brasileiro, e sofrendo na pele suas consequências, os povos do campo são levados a tomar posição no âmbito da luta de classes, configurando-se como sujeitos de direitos, fruto da disputa entre os poucos que se apropriam das riquezas produzidas, e os muitos explorados que vivem neste campo. Materializam assim um fazer educativo que se firma principalmente no caráter educativo da própria luta de classes, e no campo enquanto espaço de resistência dos camponeses frente ao modo de produção capitalista. A participação efetiva nos Movimentos Sociais Populares do Campo, na luta de classes, imprime aspectos na vivencia e no fazer educativo dos sujeitos, que trazem em si uma grande possibilidade formativa. [...], a condição gera a necessidade de aprender a ser solidário e a olhar para a realidade desde a ótica do coletivo e não de cada indivíduo ou de cada família isoladamente. Uma inversão que não se aprende fácil e nem sem conflitos [...]. Mas um aprendizado que, quando se consolida, não deixa de se vincular com um profundo sentimento de indignação diante de contraste gritante que existe entre esta lógica de uma vida social baseada na competição e no individualismo desenfreados, exatamente os antivalores que sustentam uma sociedade que não se importa em produzir sem-terra, sem-teto, 3 sem-emprego, sem-escola, sem-esperança... (CALDART, 2004, p.179-180). Em tais relações sociais e culturais forjam-se sujeitos, que ao partirem de sua individualidade, na busca da solução de necessidades imediatas, vão construindo novas relações, baseadas na cooperação, na solidariedade e no compromisso, que provocam o surgimento de um novo sujeito coletivo. Desta forma, a luta travada por estes sujeitos, na busca da efetivação de seus direitos, é pedagógica. Educa e reeduca em outra ótica cultural e política, na qual a terra, o trabalho, alimentação, a moradia, a saúde, a educação e outras necessidades, tendem a superar as políticas oficiais compensatórias na perspectiva da construção de políticas públicas que reconheçam os direitos de tais sujeitos. Com isso a sugestão posta, é a de olhar para a militância na luta de classes como um elemento formativo de fundamental importância na formação dos povos do campo, pois ao se vincularem de forma ativa à luta de classes, através da luta organizada dos Movimentos Sociais Populares do Campo, tais sujeitos assumem uma tarefa imprescindível, a de pensar e fazer o seu processo educativo, desde a ótica dos trabalhadores, na perspectiva de sua emancipação, e desde a realidade cotidiana na luta de classes que se configura como vida vivida na luta pela terra e na luta na terra. No entanto, ao considerar a realidade cotidiana há de se admitir que ela pode se configurar como fenômeno aparente, ou seja, nas palavras de Kosik: O mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano. O seu elemento próprio é o duplo sentido. O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial ou apenas sob certos ângulos e aspectos. (KOSIK, 1995, p.15). Portanto este pensar e fazer um processo educativo condizente com a emancipação humana, ou no mínimo, para a garantia de direitos, que pela lógica de existência do modo de produção capitalista, são negados, exige a reflexão sobre a experiência prática e os debates em torno da Educação do Campo. O modo de produção capitalista tem se caracterizado historicamente pela sua capacidade de rearticulação e superação de crises, inerentes a sua existência, como construção histórica. Neste sentido, grande tem sido o papel do Estado burguês na 4 defesa, consolidação e manutenção do sistema do capital. Através de sua atuação direta e efetiva, nos distintos momentos de existência do capitalismo. Nesse sentido, as políticas sociais, dentre elas as educacionais, efetivadas no seio da sociedade capitalista, tem se materializado como ações do Estado que se efetivam fora do mercado, mas que, no entanto, se consolidam no sentido de possibilitar a expansão da economia capitalista, e em conseqüência o fortalecimento do sistema do capital. Sendo que as políticas sociais, efetivadas pelo Estado burguês, têm como público alvo os ‘incapazes’ de, a partir de suas condições e habilidades individuais, se favorecerem da ‘liberdade’ para livre venda de sua força de trabalho e compra dos bens que lhe satisfarão suas mais diversas necessidades. Todavia, as políticas sociais, se caracterizam pela atuação direta do Estado burguês, na perspectiva de se contrapor ao caráter anti-social da política econômica. Pois, mesmo para o desenvolvimento pleno da economia capitalista, se faz necessário a instituição de direitos básicos, com o intuito de garantir a reprodução da força de produção Trabalho. Entretanto, o mínimo garantido, para muitos, se torna o máximo possuído, o que acarreta a continuidade da disparidade econômica e social entre as diferentes classes sociais. No desenvolvimento histórico do capitalismo podemos constatar a sua constante rearticulação, com o objetivo de garantir sua existência, a partir da expansão continua da acumulação de capital. Dentro desde contexto, o Estado burguês, vem instituindo progressivamente a formalidade de direitos no âmbito jurídico e da democracia burguesa, com o intuito de minimizar as conseqüências da subordinação do trabalho ao capital. Com este artigo, a proposição é fazer uma reflexão parcial sobre o conceito de Estado, de políticas sociais, de democracia e de educação, bem como, de buscar compreender o terreno das políticas sociais, tomando aqui o debate em torno da Educação do Campo, como espaço propício de articulação da classe trabalhadora frente ao capital. O Estado burguês e a lógica do capital. 5 Na constituição histórica do capitalismo, faz-se necessária a instituição de um ente superior, capaz de coadunar os diferentes interesses sociais para impedir a destruição da sociedade no caso da exacerbação de tais tensões. Desta forma, o conceito de Estado distancia-se, diferencia-se da natureza. Passa a ser definido como expressão do momento supremo da coletividade humana. O Estado em si e para si é o todo ético, a realização efetiva da liberdade e o fim absoluto da razão é que a liberdade seja efetivamente real. O Estado é o espírito que fica (steht) no mundo e que realiza nele com consciência, enquanto que na natureza o espírito só se realiza efetivamente como o outro de si mesmo, como espírito dormente. (HEGEL, 1998, p.33). Sendo assim, o Estado burguês tem a responsabilidade de cercear, controlar os homens no seu estado de natureza (paixões, instintos, egoísmos), garantindo a realização efetiva da liberdade concreta, que conforme Hegel consiste na garantia da liberdade singular por meio da liberdade universal. Considerando que as características naturais humanas não iam ao encontro das necessidades postas para o desenvolvimento do capitalismo, que dependia de disciplina e regras. A racionalidade se constitui como a força capaz de orientar o homem para o desenvolvimento, sendo o Estado a expressão desta razão, constituindo-se como o reino da liberdade regulada. Hegel tem papel fundamental em tal formulação, a qual concebe que a única forma de viver em coletividade é através da racionalidade, sendo o Estado o fundamento da sociedade civil e da família, deixando desta forma de ser um ideal e passando a ser o real. A racionalidade, neste movimento histórico-real assume a idéia ética do racional em si e para si, deixando de lado o real como concreto, considerando a idéia ética como produtora da realidade. Marx, por sua vez, considera que o Estado se constitui como violência concentrada e organizada da sociedade. A existência da relação da sociedade civil (relações econômicas) e da sociedade política (Estado) leva-nos a compreender, que nesta ultima, a estrutura social e sua consolidação como força organizada “[...] decorrem constantemente do processo da vida de determinados indivíduos; [...], daquilo que são na realidade [...], em determinados limites, premissas e condições materiais que não dependam da sua vontade.” (MARX; ENGELS, 2002, p.25). 6 Na sociedade civil esta posta a tensão, que se expressa pela contradição entre trabalho e capital. Tendo no sobre-trabalho sua personificação, que tem a capacidade de gerar o lucro dos detentores dos meios de produção, e por consequência a exploração dos trabalhadores. A sociedade civil se figura como expressão hegemônica do capital sobre o trabalho, ou seja, vai em direção à manutenção do capitalismo. Sendo que o Estado burguês assume uma existência particular junto a sociedade civil, pois passa a representar e ser ocupado na perspectiva de suprir os anseios da sociedade civil, sendo movido pelas relações de produção capitalistas, se constituindo como a forma de organização que a burguesia formula pela necessidade de garantir mutuamente a sua propriedade e seus interesses. Contudo Marx identifica que, Os homens são produtores das suas representações, idéias etc., mas os homens reais, os que realizam, tal como foram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do modo de relações que lhe compreende, incluindo até as suas formações mais avançadas. A consciência não pode ser mais do que o Ser Consciente e o Ser dos Homens é o processo da vida real. [...] Não têm história, não têm desenvolvimento, são os homens que desenvolvendo sua produção material e as suas relações materiais mudam sua realidade, mudam também seu pensamento e os produtos de seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência. (MARX; ENGELS, 2002, p.25-26). E é neste movimento histórico e contraditório, que os trabalhadores agem na perspectiva de romper com tais relações sociais, buscando no enfrentamento com o Estado burguês, a possibilidade de mudar a orientação deste, voltando-a no sentido de romper com a contradição entre trabalho e capital, alcançando assim a emancipação da classe trabalhadora, e conforme Engels o definhamento do Estado. Aqui assumi-se a concepção leninista, a qual considera, a partir de Marx e Engels, o Estado como, “[...] produto e a manifestação do antagonismo inconciliável de classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classes não podem objetivamente ser conciliados.” (LENIN, 2007, p.25). O tensionamento gerado pela luta dos trabalhadores, historicamente, tem obrigado o Estado burguês, a criar mecanismos de administrar as contradições, suprimindo-as da legislação, negando a disparidade entre capital e trabalho, pois se esta for exposta de forma concreta, mostrará consigo o caráter classista deste Estado. Sendo assim, as políticas sociais emanadas pelo 7 Estado, atuam na perspectiva estratégica de minimizar as contradições geradas pelo sistema capitalista. Do mesmo modo, a plena democracia passa a estar vinculada e representar efetivamente o Estado burguês, em sua forma política. Conforme afirma Lenin, “[...] A onipotência da “riqueza” é tanto melhor assegurada numa república democrática quanto não está sujeita a uma crosta acanhada do capitalismo. A república democrática é a melhor crosta possível do capitalismo.” (LENIN, 2007, p.31). Sendo assim, a democracia burguesa se configura como elemento de dominação do capital sobre o trabalho. Entretanto, Lenin (2007) admite ainda que a democracia configura-se também como campo de atuação das classes subalternas, sendo ela, a melhor forma de governo para o proletário sob o regime capitalista. Porém, vale ressaltar que a democracia, na concepção de Lenin, é tida como ação tática das classes subalternas na perspectiva de romper com o modo de produção capitalista, na qual o mesmo afirma que “[...] andaríamos mal se esquecêssemos que a escravidão assalariada é o quinhão do povo mesmo na república burguesa mais democrática.” (LENIN, 2007, p.37). Desta forma, conforme Saes (1998) entende-se que as instituições políticas democráticas servem como mecanismos de dominação ideológica da burguesia sobre os trabalhadores, mas por outro lado, tais instituições também podem se figurar como elementos de desenvolvimento da consciência revolucionária das classes subalternas. Neste quadro, as políticas sociais, dentre elas as políticas educacionais, não podem ser compreendidas, sem a compreensão do projeto de Estado que esta sendo implementado e à qual perspectiva este pretende atender. Como visto, o Estado burguês tem sua consolidação, em consonância com a do modo de produção capitalista. Sendo que este passa a ser a instituição legal, capaz e delegada de suprir as necessidades postas pelo movimento do capital. Conforme Saes (2001) o Estado cumpri a tarefa “[...] de assegurar a coesão da sociedade de classes vigente, mantendo sob controle o conflito entre as classes sociais antagônicas e impedindo que tal conflito deságue na destruição desse modelo de sociedade.” (p.96), se configurando desta forma, necessariamente em um Estado de classe: o Estado burguês. No quadro de consolidação do Estado burguês brasileiro e de efetivação das políticas sociais como elementos centrais para ampliação e reprodução do capital, bem 8 como para manutenção do status quo deste Estado, a partir de meados da década de 1980, a democracia passa a ter fundamental importância tanto para o avanço das políticas liberais, como para a construção, por parte da classe trabalhadora, de um projeto popular para o Brasil. Em termos das lutas nacionais, e em suas relações com a conjuntura internacional, na década de 1980, no Brasil, um debate que conforme Saes (1998) refletiu pouca produção teórica, mas produziu grandes efeitos ideológicos-políticos esteve relacionado às teses sobre a democracia. Tal tema mobilizou grande parte da sociedade brasileira. Tomando a analise de Saes (1998), identifica-se neste período, o ressurgimento de velhas teses sobre a democracia burguesa que se refeririam apenas ao caráter de sua criação, e a que interesse ela atenderia de forma isolada. Tais teses passaram a orientar de modo geral as ações da esquerda. No entanto, conforme Saes (1998), quando toma Engels e Lênin por referencias, o entendimento é que tais teses estão equivocadas, pois a democracia burguesa se configura como síntese do processo de luta entre as classes sociais antagônicas. Engels no texto ‘Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã’ evidencia que a história humana, é dotada de consciência, por que é feita justamente por homens que agem no mundo conforme suas reflexões, paixões, que são produzidas neste mundo, e os levam a perseguir fins determinados. No entanto, a realidade se conforma a partir das diversas e distintas intenções, e não de intenções exclusivas ou vinculadas a um único interesse, pois, é no choque entre os fins intencionados que se materializa o real, o que efetivamente significa dizer que os fins desejados são intencionais, mas os resultados advindos das ações realizadas em busca deste fim não o são. Assim o resultado social na realidade concreta, necessariamente não corresponde as intenções dos agentes sociais envolvidos. Se por um lado a ação de resistência da classe dominada implica em dificultar a exploração maximizada intentada pela classe dominante, esta por sua vez, ao responder através de concessões pontuais, seja no plano discursivo ou material, perverte a orientação do projeto dos dominados. Neste sentido, cabe salientar que a democracia burguesa, que se constitui tendo no parlamento o órgão de representação popular, no qual através do sufrágio universal possibilita a participação e a prática de liberdades propriamente políticas, é o resultado histórico concreto da não concretização das intenções inicias e da luta entre as 9 antagônicas classes sociais. Identifica-se assim, que tal proposição já havia sido formulada por Lenin (2007) em 'Estado e a Revolução', quando o mesmo efetua sua dupla formulação sobre a democracia burguesa, identificando que esta imbricada aos interesses da burguesia, entretanto, da mesma forma, a democracia se configuraria como de interesse da classe proletária, não deixando de salientar que sendo a democracia a forma política do Estado burguês, com o progressivo definhamento deste a necessidade da mesma também se diluirá. Com tais considerações, conclui-se que, do mesmo modo que as instituições democráticas servem como instrumentos de dominação ideológica da burguesia sobre o proletariado, elas também se constituem como importantes espaços de constituição da consciência revolucionária das classes populares. Sendo que a possibilidade de construção da consciência revolucionária esta atrelada ao limite posto pela contradição entre a igualdade jurídica e a igualdade material. Políticas sociais como possibilidade na articulação da classe trabalhadora: a luta por uma Educação do Campo Pelo exposto, reafirma-se as políticas sociais como ações do Estado burguês no intuito de desenvolver, consolidar e manter o sistema capitalista. No entanto, somos levados ainda, a refletir sobre o caráter de disputa que o campo das políticas sociais permite. Pois, se elas, por vezes, são o antídoto do caráter anti-social da política econômica capitalista, a luta por efetivação de políticas sociais podem se figurar como momentos que possibilitem, a partir da tensão exercida sobre o Estado burguês, a articulação da classe trabalhadora em contraposição ao domínio do capital. Pois, como nos afirma Saviani (2007), “[...] a defesa do ensino público e gratuito e a reivindicação por mais verbas para a educação constituem um aspecto da luta pela valorização da política social em relação à política econômica.” (p.210). Desta forma, ao lutar por mais recursos para as políticas sociais, contra a privatização dos mecanismos de sua efetivação, e alcançando a organização necessária para travar tais lutas, possivelmente se estará dando um passo a frente na luta pela transformação das bases materiais da existência humana. 10 Neste sentido, assumir o debate sobre a Educação do Campo pode significar, apontar uma maneira nova de conceber o direito universal à educação, pois este vem sendo materializado na atuação efetiva dos sujeitos do campo, no refletir e no fazer de seus processos formativos, concretizando o direito no contexto do real, para além de seu caráter jurídico. Pois, o fato é que “[...] o universal tem sido pouco universal. O que se quer, portanto, não é ficar na particularidade, fragmentar o debate e as lutas; ao contrário, a luta é para que o “universal seja mais universal”, seja de fato síntese de particularidades diversas, contraditórias”. (CALDART, 2008, p.74). E para que de fato este universal, se universalize se faz necessária a luta no campo do direito, entretanto um direito concreto e não no campo jurídico como defendem muitos. Ao nomear os povos do campo como sujeitos de direitos, e para garantia concreta de tais direitos se faz necessária a instituição de ações afirmativas no contexto das políticas públicas, pois ao considerarmos a trajetória excludente e discriminatória da Educação Rural e o panorama atual da educação no campo em nosso país, tendo presente o alto índice de analfabetismo, por exemplo, esta passa a se constituir como uma dívida que precisa ser assumida pelo conjunto da sociedade, pois conforme Molina (2008), “É a especificidade das condições de acesso e as desigualdade históricas no acesso à educação que necessariamente demandam ações afirmativas do Estado para corrigir essas distorções.” (p.29). A evidência material desta busca pelo direito em sua concretização real se torna cotidiana na luta dos povos do campo, nas ocupações, nas marchas, nas mobilizações de massas, nos estudos, na prática da solidariedade de classe, na dimensão da produção, da auto-organização, do trabalho cooperado, das lutas de classe empreendidas conta o capital e contra o Estado burguês, tencionando-o, no sentido que este mostre sua face, para que a classe trabalhadora possa identificar seu real posicionamento classista em favor das classes dominantes, e assim a classe trabalhadora possa avançar na luta pela emancipação plena do ser humano. Ao objetivar-se esta educação que seja própria do campo, para formação dos indivíduos como sujeitos sociais deste espaço, tais sujeitos identificam a necessidade da luta no terreno das políticas sociais. Com tal compreensão, os Movimentos Sociais Populares do Campo, através da luta organizada, passam a tencionar o Estado burguês para a efetivação da Educação do Campo, como política de Estado, mas sob controle 11 das Comunidades a partir da organização nos Movimentos Sociais Populares do Campo, que se firmam na luta social e na organização coletiva para realizar tais enfrentamentos. Contudo vale salientar, que tais iniciativas não foram e não vêm sendo tranqüilas. Pois o que estamos vivenciando é a luta dos trabalhadores do campo, através de suas organizações, na perspectiva da garantia de direitos básicos, neste caso especifico a educação. Por sua vez, o Estado burguês tende a buscar através da implementação de políticas públicas, de caráter compensatório, desempenhar o papel de minimizador da contradição entre trabalho e capital, na perspectiva de ‘maquiar’ sua face, relegando a si mesmo um patamar de agente neutro. Nesta concepção “O Estado é visto como um ente acima das classes sociais, zelador do bem comum e mediador da barbárie que se instalaria na sociedade em caso de sua desaparição”. (OURIQUES, 2001, p.31). No entanto, compreendemos o Estado burguês, em sua composição, como um defensor dos interesses do capital, em detrimento aos direitos da classe trabalhadora Considerando ainda que, Hoje, mais do que em qualquer outra quadra histórica, é imperativo considerar as determinações de classe constitutivas do Estado. E se se vai analisar política social, seus projetos e programas, é preciso considerar a dupla função deste Estado de classe. [...] por uma parte ele é garantidor de todo o processo de acumulação capitalista; por outra, ele é também fiador, um legitimador da ordem burguesa. (NETO, 2003, p.21). Todavia, partindo da luta de classes e da organização coletiva, os Movimentos Sociais Populares do Campo vêm se constituindo e ocupando espaços, como protagonistas de ações que pontuem e possibilitem a formação de sujeitos que lutam por sua emancipação. Entendendo... [...] a educação como um direito universal, de todos: um direito humano, de cada pessoa em vista de seu desenvolvimento mais pleno, e um direito social, de cidadania ou de participação mais critica e ativa na dinâmica da sociedade. Como direito não pode ser tratada como política compensatória; muito menos como mercadoria. (CALDART, 2002, p.26). Sendo que, as políticas sociais, nada mais são do que: 12 [...] respostas do Estado burguês do período do capitalismo monopolista a demandas postas no movimento social por classes (ou estratos de classes) vulnerabilizados pela “questão social”. [...] O Estado apresenta respostas quando os afetados por essas expressões são capazes de exercer, sobre ele, uma pressão organizada. Não basta que haja expressões da “questão sociais” para que haja política social; é preciso que aqueles afetados pelas suas expressões sejam capazes de mobilização e organização para demandar a resposta que o Estado oferece através da política social. (NETO, 2003, p.15-16). Mas é no contexto de luta pelo protagonismo dos sujeitos e vinculação a realidade social de resistência no campo brasileiro, é possível compreender que os Movimentos Sociais Populares do Campo assumem a educação, através da luta por Educação do Campo, como ferramenta para discutir as contradições da sociedade de classes e tencionar o Estado burguês a efetivar o que ele mesmo alega ser sua tarefa, mas que na prática, no Estado que temos atualmente, tal tarefa se torna impraticável. Isto se verifica na luta pela Educação do Campo, pois a luta pela efetivação de políticas sociais se faz num terreno de disputa, no qual se chocam projetos com orientações e finalidades diferentes e possivelmente opostos, sejam nos momentos de formulação ou de implementação das mesmas. A partir deste tensionamento, identifica-se que ao tratar da Educação do Campo, como proposta que vem se materializando a partir da luta coletiva e do fazer educativo dos povos do campo na perspectiva da garantia de seus direitos, necessariamente somos levados a refletir sobre os processos nos quais tais sujeitos se efetivam como protagonistas. Processos estes, que, a partir da vivencia coletiva no contexto da luta de classes, explicitam seu caráter formativo. Ao apoderar-se do termo processos formativos, concomitante a isto, se faz a apropriação da concepção marxiana de formação humana, a qual concebe o ser humano como fruto das relações sociais e historicamente constituídas, no processo de produção e reprodução da vida material dos homens e mulheres, que ao transformar a realidade de sua existência transformam-se a si mesmos. E no contexto da luta por uma Educação do Campo, identifica-se como processos formativos os elementos que se materializam com a atuação efetiva dos sujeitos no contexto da luta de classes, e que delineiam as formas com que tais sujeitos se confrontam com as situações dadas e as alternativas que deste confronto decorrem no sentido da garantia de direitos. 13 Conforme Gramsci, considera-se que: Não há nenhuma atividade humana da qual se possa excluir qualquer intervenção intelectual – o Homo Faber não pode ser separado do Homo Sapiens. Além disso, fora do trabalho, todo homem desenvolve alguma atividade intelectual; ele é, em outras palavras, um “filosofo”, um artista, um homem com sensibilidade; ele partilha uma concepção do mundo, tem uma linha consciente de conduta moral, e portanto contribui para manter ou mudar a concepção de mundo, isto é, para estimular novas formas de pensamento. (GRAMSCI, apud., MÉSZÁROS, 2005). Com tal afirmação, é efetivada a aproximação da concepção de práxis, entendida como: [...] atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transforma-se a si mesmos. É a ação que, para aprofundar de maneira mais consequente, precisa da reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete a ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática. (KONDER, 1992, p.115). Que vincula necessariamente o fazer ao pensar, evidenciando uma unidade dialética indissolúvel entre ambos. Compactuando, ainda, com Mészáros (2005), resgata-se em Paracelso a afirmação de que “a aprendizagem é nossa própria vida”, com a qual se identifica que, [...] muito do nosso processo continuo de aprendizagem se situa, felizmente, fora das instituições educacionais formais. Eles comportam tudo, desde o surgimento de nossas respostas críticas em relação ao ambiente material mais ou menos carente em nossa primeira infância, do nosso primeiro encontro com a poesia e com a arte, passando por nossas diversas experiências de trabalho, sujeitos a um escrutínio racional, feito por nós mesmos e pelas pessoas com quem partilhamos e, claro, até o nosso envolvimento, de muitas diferentes maneiras e ao longo da vida, em conflito e confrontos, inclusive as disputas morais, políticas e sociais dos nossos dias. (MÉSZÁROS, 2005, p.53) Com tal raciocínio, afirma-se a compreensão de que as práticas de educação formais necessitam serem embriagadas de forma progressiva e consciente por processos formativos mais abrangentes, como ‘a nossa própria vida’, para poder alcançar suas muito necessárias aspirações emancipadoras. O que significa dizer, que no contexto da 14 Educação do Campo, a luta de classes e a organização coletiva, bem como o campo como espaço de resistência, tem se efetivado como elementos centrais na vida dos povos do campo, e por isso, tais fenômenos necessitam serem compreendidos como processos formativos, passíveis e necessários, de serem articulados aos processos educativos formais. 15 Referencial Bibliográfico: CALDART, Roseli Salete; Pedagogia do Movimento Sem Terra. – 3ª ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2004. CALDART, Roseli Salete. Por Uma Educação do campo: traços de uma identidade em construção. 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