ESTADO, EDUCAÇÃO E LUTA DE CLASSES: A LUTA POR UMA
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Alex Verdério (Universidade4 Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE)
Liliam Faria Porto Borges (Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE)
Apoio Financeiro: CAPES, bolsa de mestrado.
Resumo: Este artigo trata da ação dos povos do campo na busca da garantia de direitos
afirmados juridicamente, mas negados concretamente nas relações do modo de
produção capitalista. A análise tem como ponto de partida as práticas efetivadas pelos
sujeitos do campo, através da luta por uma Educação do Campo. Sendo que os
elementos que impulsionam tal luta estão presentes na atuação dos Movimentos Sociais
Populares do Campo. E é no terreno da democracia burguesa, que os mesmos focalizam
os anseios e as necessidades dos indivíduos, dentro da luta de classes, através de suas
ações coletivas, tensionando o Estado burguês a lançar mão das políticas sociais para
garantia de direitos. Possibilitando assim o aprendizado de direitos a população
oprimida que vive no campo brasileiro. O foco do entendimento esta atrelado em
compreender a militância na luta de classes como um elemento formativo de
fundamental importância na formação dos povos do campo. Tendo como margem de
ação o campo como espaço de resistência, no qual se materializa a luta e as práticas do
que vem sendo chamado de Educação do Campo.
Palavras Chaves: Estado, Políticas Sociais, Educação, Movimentos Sociais.
ESTADO, EDUCAÇÃO E LUTA DE CLASSES: A LUTA POR UMA
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Introdução
A reflexão que se segue esta relacionada à ação dos povos do campo para
garantia do direito a educação. Ação esta que se realiza no âmbito da luta de classes, na
busca da garantia de direitos afirmados juridicamente, mas negados concretamente nas
relações do modo de produção capitalista, o que leva o Estado burguês a lançar mão de
um conjunto de políticas sociais, dentre elas as educacionais, para evitar o colapso da
sociedade capitalista.
Os elementos que impulsionam a luta por uma Educação do Campo estão
presentes na atuação dos Movimentos Sociais Populares do Campo, que focalizando os
anseios e as necessidades dos indivíduos, dentro da luta de classes, possibilitam o
aprendizado de direitos a população oprimida que vive no campo brasileiro. Tal luta traz
a tona estes sujeitos, com suas características específicas. Entretanto, encontramos laços
que os unem, e os identificam como o povo brasileiro que vive no campo e tem sofrido
na pele as marcas da opressão, discriminação e exploração impostas pelo capital.
O ponto de partida tomado são as práticas efetivadas por esses sujeitos, que a
partir do contexto da luta de classes, de suas ações coletivas vem tencionando o Estado
burguês na perspectiva da garantia de direitos, dentre eles a educação. Os sujeitos aqui
apontados estão imersos nas condições objetivas do campo brasileiro e de sua realidade
concreta que apresenta suas contradições, de um campo que produz muita riqueza e
também muita miséria, o que inevitavelmente nos leva à totalidade do modo de
produção capitalista.
Tomando o concreto como síntese de múltiplas determinações, com o intuito de
compreender a atuação e os processos formativos nos quais estão inseridos os sujeitos
do campo, que em sua vinculação e atuação efetiva dos Movimentos Sociais Populares
do Campo, no âmbito da luta de classe, dão materialidade à processos formativos que
perpassam desde a realidade do campo enquanto espaço de resistência, a militância na
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luta de classes, a organização coletiva, até a Educação do Campo, seja no seu âmbito
formal ou não formal.
Ao considerar a realidade do campo brasileiro, somos levados a refletir sobre a
Questão Agrária, constituída pelas relações sociais nele estabelecidas. Entendo-a,
[...] como um problema estrutural do modo capitalista de produção.
Esse problema é criado pela lógica da reprodução ampliada do capital,
que provoca o desenvolvimento desigual, por meio da concentração de
poder expresso de diferentes formas, por exemplo: propriedade da
terra, dinheiro e tecnologia. Esta lógica produz a concentração de
poder criando o poder de concentrar, reproduzindo-se infinitamente. A
reprodução infindável é da natureza do modo capitalista de produção,
portanto, para garantir sua existência, o capital necessita se
territorializar sem limites. Para a sua territorialização, o capital precisa
destruir outros territórios, como, por exemplo, os territórios
camponeses e indígenas. Esse processo de territorialização e
desterritorialização gera conflitualidades diferenciadas que se
modificam de acordo com a conjuntura da questão agrária. Todavia, a
questão agrária não é uma questão conjuntural, como muitos pensam.
A questão agrária é estrutural, portanto não há solução para a questão
agrária a partir do modo capitalista de produção. (FERNANDES, In:
SANTOS, 2008, et all Orgs., p.43-44).
Neste bojo, é que estando imersos nas disputas presentes no campo brasileiro, e
sofrendo na pele suas consequências, os povos do campo são levados a tomar posição
no âmbito da luta de classes, configurando-se como sujeitos de direitos, fruto da disputa
entre os poucos que se apropriam das riquezas produzidas, e os muitos explorados que
vivem neste campo. Materializam assim um fazer educativo que se firma principalmente
no caráter educativo da própria luta de classes, e no campo enquanto espaço de
resistência dos camponeses frente ao modo de produção capitalista.
A participação efetiva nos Movimentos Sociais Populares do Campo, na luta de
classes, imprime aspectos na vivencia e no fazer educativo dos sujeitos, que trazem em
si uma grande possibilidade formativa.
[...], a condição gera a necessidade de aprender a ser solidário e a
olhar para a realidade desde a ótica do coletivo e não de cada
indivíduo ou de cada família isoladamente. Uma inversão que não se
aprende fácil e nem sem conflitos [...]. Mas um aprendizado que,
quando se consolida, não deixa de se vincular com um profundo
sentimento de indignação diante de contraste gritante que existe entre
esta lógica de uma vida social baseada na competição e no
individualismo desenfreados, exatamente os antivalores que sustentam
uma sociedade que não se importa em produzir sem-terra, sem-teto,
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sem-emprego, sem-escola, sem-esperança... (CALDART, 2004,
p.179-180).
Em tais relações sociais e culturais forjam-se sujeitos, que ao partirem de sua
individualidade, na busca da solução de necessidades imediatas, vão construindo novas
relações, baseadas na cooperação, na solidariedade e no compromisso, que provocam o
surgimento de um novo sujeito coletivo. Desta forma, a luta travada por estes sujeitos,
na busca da efetivação de seus direitos, é pedagógica. Educa e reeduca em outra ótica
cultural e política, na qual a terra, o trabalho, alimentação, a moradia, a saúde, a
educação e outras necessidades, tendem a superar as políticas oficiais compensatórias na
perspectiva da construção de políticas públicas que reconheçam os direitos de tais
sujeitos.
Com isso a sugestão posta, é a de olhar para a militância na luta de classes como
um elemento formativo de fundamental importância na formação dos povos do campo,
pois ao se vincularem de forma ativa à luta de classes, através da luta organizada dos
Movimentos Sociais Populares do Campo, tais sujeitos assumem uma tarefa
imprescindível, a de pensar e fazer o seu processo educativo, desde a ótica dos
trabalhadores, na perspectiva de sua emancipação, e desde a realidade cotidiana na luta
de classes que se configura como vida vivida na luta pela terra e na luta na terra. No
entanto, ao considerar a realidade cotidiana há de se admitir que ela pode se configurar
como fenômeno aparente, ou seja, nas palavras de Kosik:
O mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e
engano. O seu elemento próprio é o duplo sentido. O fenômeno indica
a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no
fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial ou apenas sob certos
ângulos e aspectos. (KOSIK, 1995, p.15).
Portanto este pensar e fazer um processo educativo condizente com a
emancipação humana, ou no mínimo, para a garantia de direitos, que pela lógica de
existência do modo de produção capitalista, são negados, exige a reflexão sobre a
experiência prática e os debates em torno da Educação do Campo.
O modo de produção capitalista tem se caracterizado historicamente pela sua
capacidade de rearticulação e superação de crises, inerentes a sua existência, como
construção histórica. Neste sentido, grande tem sido o papel do Estado burguês na
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defesa, consolidação e manutenção do sistema do capital. Através de sua atuação direta
e efetiva, nos distintos momentos de existência do capitalismo.
Nesse sentido, as políticas sociais, dentre elas as educacionais, efetivadas no
seio da sociedade capitalista, tem se materializado como ações do Estado que se
efetivam fora do mercado, mas que, no entanto, se consolidam no sentido de possibilitar
a expansão da economia capitalista, e em conseqüência o fortalecimento do sistema do
capital.
Sendo que as políticas sociais, efetivadas pelo Estado burguês, têm como
público alvo os ‘incapazes’ de, a partir de suas condições e habilidades individuais, se
favorecerem da ‘liberdade’ para livre venda de sua força de trabalho e compra dos bens
que lhe satisfarão suas mais diversas necessidades. Todavia, as políticas sociais, se
caracterizam pela atuação direta do Estado burguês, na perspectiva de se contrapor ao
caráter anti-social da política econômica. Pois, mesmo para o desenvolvimento pleno da
economia capitalista, se faz necessário a instituição de direitos básicos, com o intuito de
garantir a reprodução da força de produção Trabalho. Entretanto, o mínimo garantido,
para muitos, se torna o máximo possuído, o que acarreta a continuidade da disparidade
econômica e social entre as diferentes classes sociais.
No desenvolvimento histórico do capitalismo podemos constatar a sua
constante rearticulação, com o objetivo de garantir sua existência, a partir da expansão
continua da acumulação de capital. Dentro desde contexto, o Estado burguês, vem
instituindo progressivamente a formalidade de direitos no âmbito jurídico e da
democracia burguesa, com o intuito de minimizar as conseqüências da subordinação do
trabalho ao capital.
Com este artigo, a proposição é fazer uma reflexão parcial sobre o conceito de
Estado, de políticas sociais, de democracia e de educação, bem como, de buscar
compreender o terreno das políticas sociais, tomando aqui o debate em torno da
Educação do Campo, como espaço propício de articulação da classe trabalhadora frente
ao capital.
O Estado burguês e a lógica do capital.
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Na constituição histórica do capitalismo, faz-se necessária a instituição de um
ente superior, capaz de coadunar os diferentes interesses sociais para impedir a
destruição da sociedade no caso da exacerbação de tais tensões. Desta forma, o conceito
de Estado distancia-se, diferencia-se da natureza. Passa a ser definido como expressão
do momento supremo da coletividade humana.
O Estado em si e para si é o todo ético, a realização efetiva da
liberdade e o fim absoluto da razão é que a liberdade seja efetivamente
real. O Estado é o espírito que fica (steht) no mundo e que realiza nele
com consciência, enquanto que na natureza o espírito só se realiza
efetivamente como o outro de si mesmo, como espírito dormente.
(HEGEL, 1998, p.33).
Sendo assim, o Estado burguês tem a responsabilidade de cercear, controlar os
homens no seu estado de natureza (paixões, instintos, egoísmos), garantindo a
realização efetiva da liberdade concreta, que conforme Hegel consiste na garantia da
liberdade singular por meio da liberdade universal. Considerando que as características
naturais humanas não iam ao encontro das necessidades postas para o desenvolvimento
do capitalismo, que dependia de disciplina e regras. A racionalidade se constitui como a
força capaz de orientar o homem para o desenvolvimento, sendo o Estado a expressão
desta razão, constituindo-se como o reino da liberdade regulada. Hegel tem papel
fundamental em tal formulação, a qual concebe que a única forma de viver em
coletividade é através da racionalidade, sendo o Estado o fundamento da sociedade civil
e da família, deixando desta forma de ser um ideal e passando a ser o real. A
racionalidade, neste movimento histórico-real assume a idéia ética do racional em si e
para si, deixando de lado o real como concreto, considerando a idéia ética como
produtora da realidade.
Marx, por sua vez, considera que o Estado se constitui como violência
concentrada e organizada da sociedade. A existência da relação da sociedade civil
(relações econômicas) e da sociedade política (Estado) leva-nos a compreender, que
nesta ultima, a estrutura social e sua consolidação como força organizada “[...]
decorrem constantemente do processo da vida de determinados indivíduos; [...],
daquilo que são na realidade [...], em determinados limites, premissas e condições
materiais que não dependam da sua vontade.” (MARX; ENGELS, 2002, p.25).
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Na sociedade civil esta posta a tensão, que se expressa pela contradição entre
trabalho e capital. Tendo no sobre-trabalho sua personificação, que tem a capacidade de
gerar o lucro dos detentores dos meios de produção, e por consequência a exploração
dos trabalhadores. A sociedade civil se figura como expressão hegemônica do capital
sobre o trabalho, ou seja, vai em direção à manutenção do capitalismo. Sendo que o
Estado burguês assume uma existência particular junto a sociedade civil, pois passa a
representar e ser ocupado na perspectiva de suprir os anseios da sociedade civil, sendo
movido pelas relações de produção capitalistas, se constituindo como a forma de
organização que a burguesia formula pela necessidade de garantir mutuamente a sua
propriedade e seus interesses.
Contudo Marx identifica que,
Os homens são produtores das suas representações, idéias etc., mas os
homens reais, os que realizam, tal como foram condicionados por um
determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do modo
de relações que lhe compreende, incluindo até as suas formações mais
avançadas. A consciência não pode ser mais do que o Ser Consciente
e o Ser dos Homens é o processo da vida real.
[...] Não têm história, não têm desenvolvimento, são os homens que
desenvolvendo sua produção material e as suas relações materiais
mudam sua realidade, mudam também seu pensamento e os produtos
de seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, é a vida
que determina a consciência. (MARX; ENGELS, 2002, p.25-26).
E é neste movimento histórico e contraditório, que os trabalhadores agem na
perspectiva de romper com tais relações sociais, buscando no enfrentamento com o
Estado burguês, a possibilidade de mudar a orientação deste, voltando-a no sentido de
romper com a contradição entre trabalho e capital, alcançando assim a emancipação da
classe trabalhadora, e conforme Engels o definhamento do Estado.
Aqui assumi-se a concepção leninista, a qual considera, a partir de Marx e
Engels, o Estado como, “[...] produto e a manifestação do antagonismo inconciliável
de classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classes não
podem objetivamente ser conciliados.” (LENIN, 2007, p.25). O tensionamento gerado
pela luta dos trabalhadores, historicamente, tem obrigado o Estado burguês, a criar
mecanismos de administrar as contradições, suprimindo-as da legislação, negando a
disparidade entre capital e trabalho, pois se esta for exposta de forma concreta, mostrará
consigo o caráter classista deste Estado. Sendo assim, as políticas sociais emanadas pelo
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Estado, atuam na perspectiva estratégica de minimizar as contradições geradas pelo
sistema capitalista.
Do mesmo modo, a plena democracia passa a estar vinculada e representar
efetivamente o Estado burguês, em sua forma política. Conforme afirma Lenin, “[...] A
onipotência da “riqueza” é tanto melhor assegurada numa república democrática
quanto não está sujeita a uma crosta acanhada do capitalismo. A república
democrática é a melhor crosta possível do capitalismo.” (LENIN, 2007, p.31). Sendo
assim, a democracia burguesa se configura como elemento de dominação do capital
sobre o trabalho. Entretanto, Lenin (2007) admite ainda que a democracia configura-se
também como campo de atuação das classes subalternas, sendo ela, a melhor forma de
governo para o proletário sob o regime capitalista. Porém, vale ressaltar que a
democracia, na concepção de Lenin, é tida como ação tática das classes subalternas na
perspectiva de romper com o modo de produção capitalista, na qual o mesmo afirma
que “[...] andaríamos mal se esquecêssemos que a escravidão assalariada é o quinhão
do povo mesmo na república burguesa mais democrática.” (LENIN, 2007, p.37).
Desta forma, conforme Saes (1998) entende-se que as instituições políticas
democráticas servem como mecanismos de dominação ideológica da burguesia sobre os
trabalhadores, mas por outro lado, tais instituições também podem se figurar como
elementos de desenvolvimento da consciência revolucionária das classes subalternas.
Neste quadro, as políticas sociais, dentre elas as políticas educacionais, não podem ser
compreendidas, sem a compreensão do projeto de Estado que esta sendo implementado
e à qual perspectiva este pretende atender.
Como visto, o Estado burguês tem sua consolidação, em consonância com a do
modo de produção capitalista. Sendo que este passa a ser a instituição legal, capaz e
delegada de suprir as necessidades postas pelo movimento do capital. Conforme Saes
(2001) o Estado cumpri a tarefa “[...] de assegurar a coesão da sociedade de classes
vigente, mantendo sob controle o conflito entre as classes sociais antagônicas e
impedindo que tal conflito deságue na destruição desse modelo de sociedade.” (p.96),
se configurando desta forma, necessariamente em um Estado de classe: o Estado
burguês.
No quadro de consolidação do Estado burguês brasileiro e de efetivação das
políticas sociais como elementos centrais para ampliação e reprodução do capital, bem
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como para manutenção do status quo deste Estado, a partir de meados da década de
1980, a democracia passa a ter fundamental importância tanto para o avanço das
políticas liberais, como para a construção, por parte da classe trabalhadora, de um
projeto popular para o Brasil.
Em termos das lutas nacionais, e em suas relações com a conjuntura
internacional, na década de 1980, no Brasil, um debate que conforme Saes (1998)
refletiu pouca produção teórica, mas produziu grandes efeitos ideológicos-políticos
esteve relacionado às teses sobre a democracia. Tal tema mobilizou grande parte da
sociedade brasileira. Tomando a analise de Saes (1998), identifica-se neste período, o
ressurgimento de velhas teses sobre a democracia burguesa que se refeririam apenas ao
caráter de sua criação, e a que interesse ela atenderia de forma isolada. Tais teses
passaram a orientar de modo geral as ações da esquerda. No entanto, conforme Saes
(1998), quando toma Engels e Lênin por referencias, o entendimento é que tais teses
estão equivocadas, pois a democracia burguesa se configura como síntese do processo
de luta entre as classes sociais antagônicas.
Engels no texto ‘Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã’
evidencia que a história humana, é dotada de consciência, por que é feita justamente por
homens que agem no mundo conforme suas reflexões, paixões, que são produzidas
neste mundo, e os levam a perseguir fins determinados. No entanto, a realidade se
conforma a partir das diversas e distintas intenções, e não de intenções exclusivas ou
vinculadas a um único interesse, pois, é no choque entre os fins intencionados que se
materializa o real, o que efetivamente significa dizer que os fins desejados são
intencionais, mas os resultados advindos das ações realizadas em busca deste fim não o
são. Assim o resultado social na realidade concreta, necessariamente não corresponde as
intenções dos agentes sociais envolvidos. Se por um lado a ação de resistência da classe
dominada implica em dificultar a exploração maximizada intentada pela classe
dominante, esta por sua vez, ao responder através de concessões pontuais, seja no plano
discursivo ou material, perverte a orientação do projeto dos dominados.
Neste sentido, cabe salientar que a democracia burguesa, que se constitui tendo
no parlamento o órgão de representação popular, no qual através do sufrágio universal
possibilita a participação e a prática de liberdades propriamente políticas, é o resultado
histórico concreto da não concretização das intenções inicias e da luta entre as
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antagônicas classes sociais. Identifica-se assim, que tal proposição já havia sido
formulada por Lenin (2007) em 'Estado e a Revolução', quando o mesmo efetua sua
dupla formulação sobre a democracia burguesa, identificando que esta imbricada aos
interesses da burguesia, entretanto, da mesma forma, a democracia se configuraria como
de interesse da classe proletária, não deixando de salientar que sendo a democracia a
forma política do Estado burguês, com o progressivo definhamento deste a necessidade
da mesma também se diluirá.
Com tais considerações, conclui-se que, do mesmo modo que as instituições
democráticas servem como instrumentos de dominação ideológica da burguesia sobre o
proletariado, elas também se constituem como importantes espaços de constituição da
consciência revolucionária das classes populares. Sendo que a possibilidade de
construção da consciência revolucionária esta atrelada ao limite posto pela contradição
entre a igualdade jurídica e a igualdade material.
Políticas sociais como possibilidade na articulação da classe trabalhadora: a luta
por uma Educação do Campo
Pelo exposto, reafirma-se as políticas sociais como ações do Estado burguês no
intuito de desenvolver, consolidar e manter o sistema capitalista. No entanto, somos
levados ainda, a refletir sobre o caráter de disputa que o campo das políticas sociais
permite. Pois, se elas, por vezes, são o antídoto do caráter anti-social da política
econômica capitalista, a luta por efetivação de políticas sociais podem se figurar como
momentos que possibilitem, a partir da tensão exercida sobre o Estado burguês, a
articulação da classe trabalhadora em contraposição ao domínio do capital.
Pois, como nos afirma Saviani (2007), “[...] a defesa do ensino público e
gratuito e a reivindicação por mais verbas para a educação constituem um aspecto da
luta pela valorização da política social em relação à política econômica.” (p.210).
Desta forma, ao lutar por mais recursos para as políticas sociais, contra a privatização
dos mecanismos de sua efetivação, e alcançando a organização necessária para travar
tais lutas, possivelmente se estará dando um passo a frente na luta pela transformação
das bases materiais da existência humana.
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Neste sentido, assumir o debate sobre a Educação do Campo pode significar,
apontar uma maneira nova de conceber o direito universal à educação, pois este vem
sendo materializado na atuação efetiva dos sujeitos do campo, no refletir e no fazer de
seus processos formativos, concretizando o direito no contexto do real, para além de seu
caráter jurídico. Pois, o fato é que “[...] o universal tem sido pouco universal. O que se
quer, portanto, não é ficar na particularidade, fragmentar o debate e as lutas; ao
contrário, a luta é para que o “universal seja mais universal”, seja de fato síntese de
particularidades diversas, contraditórias”. (CALDART, 2008, p.74). E para que de
fato este universal, se universalize se faz necessária a luta no campo do direito,
entretanto um direito concreto e não no campo jurídico como defendem muitos.
Ao nomear os povos do campo como sujeitos de direitos, e para garantia
concreta de tais direitos se faz necessária a instituição de ações afirmativas no contexto
das políticas públicas, pois ao considerarmos a trajetória excludente e discriminatória da
Educação Rural e o panorama atual da educação no campo em nosso país, tendo
presente o alto índice de analfabetismo, por exemplo, esta passa a se constituir como
uma dívida que precisa ser assumida pelo conjunto da sociedade, pois conforme Molina
(2008), “É a especificidade das condições de acesso e as desigualdade históricas no
acesso à educação que necessariamente demandam ações afirmativas do Estado para
corrigir essas distorções.” (p.29).
A evidência material desta busca pelo direito em sua concretização real se torna
cotidiana na luta dos povos do campo, nas ocupações, nas marchas, nas mobilizações de
massas, nos estudos, na prática da solidariedade de classe, na dimensão da produção, da
auto-organização, do trabalho cooperado, das lutas de classe empreendidas conta o
capital e contra o Estado burguês, tencionando-o, no sentido que este mostre sua face,
para que a classe trabalhadora possa identificar seu real posicionamento classista em
favor das classes dominantes, e assim a classe trabalhadora possa avançar na luta pela
emancipação plena do ser humano.
Ao objetivar-se esta educação que seja própria do campo, para formação dos
indivíduos como sujeitos sociais deste espaço, tais sujeitos identificam a necessidade da
luta no terreno das políticas sociais. Com tal compreensão, os Movimentos Sociais
Populares do Campo, através da luta organizada, passam a tencionar o Estado burguês
para a efetivação da Educação do Campo, como política de Estado, mas sob controle
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das Comunidades a partir da organização nos Movimentos Sociais Populares do Campo,
que se firmam na luta social e na organização coletiva para realizar tais enfrentamentos.
Contudo vale salientar, que tais iniciativas não foram e não vêm sendo
tranqüilas. Pois o que estamos vivenciando é a luta dos trabalhadores do campo, através
de suas organizações, na perspectiva da garantia de direitos básicos, neste caso
especifico a educação.
Por sua vez, o Estado burguês tende a buscar através da implementação de
políticas públicas, de caráter compensatório, desempenhar o papel de minimizador da
contradição entre trabalho e capital, na perspectiva de ‘maquiar’ sua face, relegando a si
mesmo um patamar de agente neutro. Nesta concepção “O Estado é visto como um ente
acima das classes sociais, zelador do bem comum e mediador da barbárie que se
instalaria na sociedade em caso de sua desaparição”. (OURIQUES, 2001, p.31).
No entanto, compreendemos o Estado burguês, em sua composição, como um
defensor dos interesses do capital, em detrimento aos direitos da classe trabalhadora
Considerando ainda que,
Hoje, mais do que em qualquer outra quadra histórica, é imperativo
considerar as determinações de classe constitutivas do Estado. E se se
vai analisar política social, seus projetos e programas, é preciso
considerar a dupla função deste Estado de classe. [...] por uma parte
ele é garantidor de todo o processo de acumulação capitalista; por
outra, ele é também fiador, um legitimador da ordem burguesa.
(NETO, 2003, p.21).
Todavia, partindo da luta de classes e da organização coletiva, os Movimentos
Sociais Populares do Campo vêm se constituindo e ocupando espaços, como
protagonistas de ações que pontuem e possibilitem a formação de sujeitos que lutam por
sua emancipação. Entendendo...
[...] a educação como um direito universal, de todos: um direito
humano, de cada pessoa em vista de seu desenvolvimento mais pleno,
e um direito social, de cidadania ou de participação mais critica e ativa
na dinâmica da sociedade. Como direito não pode ser tratada como
política compensatória; muito menos como mercadoria. (CALDART,
2002, p.26).
Sendo que, as políticas sociais, nada mais são do que:
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[...] respostas do Estado burguês do período do capitalismo
monopolista a demandas postas no movimento social por classes (ou
estratos de classes) vulnerabilizados pela “questão social”. [...] O
Estado apresenta respostas quando os afetados por essas expressões
são capazes de exercer, sobre ele, uma pressão organizada. Não basta
que haja expressões da “questão sociais” para que haja política social;
é preciso que aqueles afetados pelas suas expressões sejam capazes de
mobilização e organização para demandar a resposta que o Estado
oferece através da política social. (NETO, 2003, p.15-16).
Mas é no contexto de luta pelo protagonismo dos sujeitos e vinculação a
realidade social de resistência no campo brasileiro, é possível compreender que os
Movimentos Sociais Populares do Campo assumem a educação, através da luta por
Educação do Campo, como ferramenta para discutir as contradições da sociedade de
classes e tencionar o Estado burguês a efetivar o que ele mesmo alega ser sua tarefa,
mas que na prática, no Estado que temos atualmente, tal tarefa se torna impraticável.
Isto se verifica na luta pela Educação do Campo, pois a luta pela efetivação de políticas
sociais se faz num terreno de disputa, no qual se chocam projetos com orientações e
finalidades diferentes e possivelmente opostos, sejam nos momentos de formulação ou
de implementação das mesmas.
A partir deste tensionamento, identifica-se que ao tratar da Educação do Campo,
como proposta que vem se materializando a partir da luta coletiva e do fazer educativo
dos povos do campo na perspectiva da garantia de seus direitos, necessariamente somos
levados a refletir sobre os processos nos quais tais sujeitos se efetivam como
protagonistas. Processos estes, que, a partir da vivencia coletiva no contexto da luta de
classes, explicitam seu caráter formativo.
Ao apoderar-se do termo processos formativos, concomitante a isto, se faz a
apropriação da concepção marxiana de formação humana, a qual concebe o ser humano
como fruto das relações sociais e historicamente constituídas, no processo de produção
e reprodução da vida material dos homens e mulheres, que ao transformar a realidade de
sua existência transformam-se a si mesmos. E no contexto da luta por uma Educação do
Campo, identifica-se como processos formativos os elementos que se materializam com
a atuação efetiva dos sujeitos no contexto da luta de classes, e que delineiam as formas
com que tais sujeitos se confrontam com as situações dadas e as alternativas que deste
confronto decorrem no sentido da garantia de direitos.
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Conforme Gramsci, considera-se que:
Não há nenhuma atividade humana da qual se possa excluir qualquer
intervenção intelectual – o Homo Faber não pode ser separado do
Homo Sapiens. Além disso, fora do trabalho, todo homem desenvolve
alguma atividade intelectual; ele é, em outras palavras, um “filosofo”,
um artista, um homem com sensibilidade; ele partilha uma concepção
do mundo, tem uma linha consciente de conduta moral, e portanto
contribui para manter ou mudar a concepção de mundo, isto é, para
estimular novas formas de pensamento. (GRAMSCI, apud.,
MÉSZÁROS, 2005).
Com tal afirmação, é efetivada a aproximação da concepção de práxis, entendida
como:
[...] atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no
mundo modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la,
transforma-se a si mesmos. É a ação que, para aprofundar de maneira
mais consequente, precisa da reflexão, do autoquestionamento, da
teoria; e é a teoria que remete a ação, que enfrenta o desafio de
verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática.
(KONDER, 1992, p.115).
Que vincula necessariamente o fazer ao pensar, evidenciando uma unidade
dialética indissolúvel entre ambos. Compactuando, ainda, com Mészáros (2005),
resgata-se em Paracelso a afirmação de que “a aprendizagem é nossa própria vida”, com
a qual se identifica que,
[...] muito do nosso processo continuo de aprendizagem se situa,
felizmente, fora das instituições educacionais formais.
Eles comportam tudo, desde o surgimento de nossas respostas críticas
em relação ao ambiente material mais ou menos carente em nossa
primeira infância, do nosso primeiro encontro com a poesia e com a
arte, passando por nossas diversas experiências de trabalho, sujeitos a
um escrutínio racional, feito por nós mesmos e pelas pessoas com
quem partilhamos e, claro, até o nosso envolvimento, de muitas
diferentes maneiras e ao longo da vida, em conflito e confrontos,
inclusive as disputas morais, políticas e sociais dos nossos dias.
(MÉSZÁROS, 2005, p.53)
Com tal raciocínio, afirma-se a compreensão de que as práticas de educação
formais necessitam serem embriagadas de forma progressiva e consciente por processos
formativos mais abrangentes, como ‘a nossa própria vida’, para poder alcançar suas
muito necessárias aspirações emancipadoras. O que significa dizer, que no contexto da
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Educação do Campo, a luta de classes e a organização coletiva, bem como o campo
como espaço de resistência, tem se efetivado como elementos centrais na vida dos
povos do campo, e por isso, tais fenômenos necessitam serem compreendidos como
processos formativos, passíveis e necessários, de serem articulados aos processos
educativos formais.
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