Procedimentos formais e informais para votação de proposições em regime de urgência nas Casas Legislativas Introdução O presente artigo apresenta aos colegas e demais interessados dois tipos de urgência que são efetivamente aplicados no âmbito do Poder Legislativo. O primeiro é a urgência a requerimento prevista nos Regimentos internos da Câmara e do Senado e o outro é a urgência constitucional prevista no art. 64, que trata da solicitação do presidente da República. Muito importante observar que existe uma terceira forma, a urgência quanto ao conteúdo da matéria. Ou seja, a proposição já nasce urgente devido à natureza do tema (declaração de guerra, intervenção federal, autorização para presidente e vice-presidente se ausentarem do país por determinado período, entre outras). A urgência a requerimento está prevista nas duas Casas Legislativas, entretanto há singularidades regimentais, as quais serão aqui apresentadas ao leitor. O propósito é mostrar quais artigos dos regimentos são usados na prática e os procedimentos informais que acompanham esse processo. Sendo assim, o leitor conhecerá os artigos 154 e 155 do Regimento da Câmara dos Deputados (RICD) e o artigo 336 do Regimento Interno do Senado Federal (RISF), já o Regimento Interno Comum do Congresso Nacional (RCCN) não é objeto deste artigo. A urgência prevista na Constituição Federal (CF), no art. 64, §§ 1º, 2º e 3º, também será alvo de análise deste texto, assim como se dará atenção ao seu aspecto informal mais interessante: o manejo desse instrumento pelo Poder Executivo para tentar controlar a agenda dos plenários das Casas legisladoras. O objetivo do rito de urgência é conceder prioridade a determinada proposição, ou seja, ela “fura a fila” para ser votada antes das outras. A princípio, quem decide a aplicação ou não da urgência a requerimento é a instância maior das Casas, isto é, os plenários. O processo resumido é: primeiro, o requerimento precisa de autoria específica (número especial de parlamentares ou líderes) e, posteriormente, a oportunidade e conveniência dessa solicitação de urgência é apreciada em plenário pelos pares dos autores. Uma vez aceito o regime de urgência pelo pleno, a matéria está apta a posto privilegiado na fila interminável de propostas que aguardam votação. Qualquer variação da urgência é enquadrada, para fins didáticos, como procedimento sumário dentro do processo legislativo federal brasileiro. Além do procedimento sumário, existem outros três procedimentos legislativos: ordinário, abreviado e especial. Procedimento legislativo é o nome para os diferentes modos de realização de atos durante o processo legislativo. Ordinário é o procedimento comum, com padrão de etapas, adotado para projeto de lei ordinária. É realizado por meio de fases principais (discussão, votação, sanção ou veto) e fases complementares (promulgação e publicação), envolvendo as comissões e os plenários das duas casas do Congresso. O rito abreviado é quando o projeto só tramita pelas comissões, sem ser submetido ao plenário e tem por sede normativa o artigo 58 da Constituição. Por fim, denomina-se procedimento especial os casos previstos na Constituição Federal e nos regimentos das casas legislativas para algumas espécies normativas, exemplos: proposta de emenda à Constituição (PEC), projetos de código, projetos de resolução. É especial porque há exigências não previstas para o caso ordinário, como: quórum qualificado para aprovação, análise por comissão especial, sessão plenária específica para o projeto, entre outras. Urgência a requerimento na Câmara dos Deputados O RICD dispõe sobre o assunto em cinco artigos e aqui serão apresentados dois casos. O primeiro deles está previsto no inciso II do art. 154. Art. 154. O requerimento de urgência somente poderá ser submetido à deliberação do Plenário se for apresentado por: ............................................................................................................................................................. II – um terço dos membros da Câmara (171 deputados), ou Líderes que representem esse número; ............................................................................................................................................................. § 2º Estando em tramitação duas matérias em regime de urgência, em razão de requerimento aprovado pelo Plenário, não se votará outro. O parágrafo segundo do artigo citado pontua exceção que limita o número de proposições tramitando sob o rito da urgência requerida a duas por vez. Isso é interessante, pois se esse fosse o único tipo de requerimento apresentado, não se formaria fila de matérias com urgência sem apreciação da Casa. Devido a tal restrição, na prática os deputados usam a urgência do art. 155 do RICD: Art. 155. Poderá ser incluída automaticamente na Ordem do Dia para discussão e votação imediata, ainda que iniciada a sessão em que for apresentada, proposição que verse sobre matéria de relevante e inadiável interesse nacional, a requerimento da maioria absoluta da composição da Câmara (257 deputados), ou de Líderes que representem esse número, aprovado pela maioria absoluta dos Deputados, sem a restrição contida no § 2º do artigo antecedente. A realidade vivenciada na Câmara demonstra a importância dos líderes para este requerimento de urgência, conhecido como urgência urgentíssima, pois eles costumam assinar esse modelo de requerimento quando já há alguma predisposição da Casa em apreciar a matéria (geralmente, instigada por grupos de pressão) ou se há certo clamor da população ou da mídia. Sumarizando os dispositivos regimentais, cabe dizer que a votação do projeto de lei objeto de um requerimento de urgência urgentíssima abrange duas ações: a) conseguir a assinatura de líderes que representem 257 deputados e b) aprovação do requerimento de urgência em plenário com 257 votos (quórum da maioria absoluta). Na prática, já consolidada em questão de ordem, não há impedimento de votação simbólica, se houver unanimidade em plenário (Questão de Ordem1 - OQ 88/2007). Outra questão de ordem interessante para conhecimento dos articuladores que querem ver seu projeto aprovado é a QO 269/2013, que diz que “a presidência tem competência regimental para colocar em votação uma proposta de requerimento de urgência a qualquer momento”, ou seja, sem necessidade de prévia discussão dentro da reunião de líderes sobre o assunto. Analisando as regras acima, pode-se afirmar que o requerimento de urgência visa abreviar o tempo de apreciação de determinada matéria na Casa Legislativa. Contudo, a urgência também pode ser concedida à matéria para a sua não aprovação imediata ou para a sua inviabilização de aprovação na legislatura. Como a medida é um artifício da maioria (exige quóruns qualificados para apresentação e para aprovação), ela pode ser estrategicamente usada para retirar das comissões a possibilidade de apreciação conclusiva (ou terminativa na nomenclatura do Senado) da matéria e enviá-la ao plenário. Nessa esfera, como cabe ao presidente da Câmara, ouvido o Colégio de Líderes, determinar a pauta, pode ocorrer de matéria com urgência deferida pelo plenário não vir a ser pautada por falta de interesse político. Urgência a requerimento no Senado Federal O RISF diz que a urgência poderá ser requerida para três casos: i) quando se trate de matéria que envolva perigo para a segurança nacional ou de providência para atender a calamidade pública; ii) quando se pretenda a apreciação da matéria na segunda sessão deliberativa ordinária subsequente à aprovação do requerimento; iii) quando se pretenda incluir em ordem do dia matéria pendente de parecer (art. 336). O item i seria o caso de procedimento sumaríssimo (urgência urgentíssima da Câmara) e é assinado pela maioria absoluta (41 senadores) ou líderes que representem esse número ou, ainda, pela Mesa. Uma vez aprovado, a proposição é votada imediatamente. O procedimento sumário, previsto no item ii, deve ser assinado por dois terços da composição do Senado, ou por líderes que representem esse número (54 senadores). Se for aprovado o requerimento, a matéria a que se refere entrará na ordem do dia da segunda sessão deliberativa ordinária subsequente à da aprovação para discussão e votação. 1 Questão de Ordem é um importante instrumento de questionamento, disponível a cada parlamentar (deputado ou senador), dirigida ao presidente da arena em que se encontre (comissão ou plenários). Seu objetivo é dirimir dúvida acerca da aplicação dos regimentos, na prática exclusiva ou em relação com a Constituição. O conjunto de suas decisões forma a jurisprudência das Casas legislativas. No caso iii, o requerimento deve ser assinado por um quarto dos senadores ou líderes que totalizem esse número (21 senadores). Uma vez aprovado o requerimento, a matéria é incluída na ordem do dia da quarta sessão deliberativa ordinária subsequente à da aprovação do requerimento, devendo o parecer ser proferido até a véspera. Neste caso, as emendas são apresentadas em plenário até o encerramento da discussão. O usual no Senado é a aplicação do item ii para todos os casos. Esse tipo de urgência, inclusive, pode ser de autoria da maioria dos membros da comissão, ou seja, será um requerimento de comissão. Então, o que se vê nas rotinas das comissões é, ao final da aprovação da proposição, o relator propor requerimento de urgência para aquela matéria e os pares acabarem por aquiescer. Urgência Constitucional O art. 64 e seus parágrafos da Constituição Federal explicam as regras para uso do regime de urgência em projetos de autoria da presidência da República. Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. § 1º - O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa. § 2º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação. § 3º - A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados far-se-á no prazo de dez dias, observado quanto ao mais o disposto no parágrafo anterior. § 4º - Os prazos do § 2º não correm nos períodos de recesso do Congresso Nacional, nem se aplicam aos projetos de código. O presidente da República pode requerer urgência para projetos de lei de sua iniciativa. Relevante pontuar que a urgência pode ser requerida ainda que o projeto não seja de iniciativa exclusiva do Presidente. A formulação do pedido de urgência não precisa vir na mensagem inicial que deflagrou a tramitação do projeto de lei do presidente no Congresso Nacional. A requisição de urgência pode ocorrer em qualquer fase da tramitação (em qualquer Casa), o que se dá por nova mensagem do Presidente da República. A solicitação de retirada da urgência também é cabível em qualquer momento da tramitação e igualmente deve ser requerida pelo presidente. O objetivo da urgência constitucional é estabelecer prazos para que cada Casa, sucessivamente, aprecie a matéria, o que não acontece com o procedimento ordinário. Os prazos estabelecidos pelo art. 64, §§ 2º e 3º da CF são: a) de 45 dias para apreciação na Casa iniciadora, que será sempre a Câmara, pois é projeto de autoria do presidente; b) 45 dias para deliberação na Casa revisora, que será o Senado Federal; c) 10 dias para apreciação das emendas do Senado, se houver, pela Câmara. Assim, o total do prazo varia de 90 a 100 dias, contados a partir da apresentação do requerimento da urgência. A própria Constituição traz as consequências para eventual não observância dos prazos ao dizer que se “a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado (CF, art. 64, §2º)” Essas com prazo constitucional determinado são as medidas provisórias. A urgência constitucional é instrumento estratégico para o chefe do Poder Executivo atuar no Congresso Nacional, e, geralmente, o faz de forma estratégica. Ao formular o requerimento, às vezes, pode parecer que o presidente deseja mesmo acelerar a apreciação de um projeto. No entanto, por vezes, o propósito é o de bloquear a pauta do plenário da Casa onde o projeto está e assim evitar-se a votação de outra matéria, possivelmente, contrária ao interesse do Governo. O trancamento da pauta deliberativa do plenário impõe aos parlamentares encontrar solução para a matéria trancada na medida em que eles precisam deliberar acerca de outra proposição sujeita ao sobrestamento. Sendo assim, eles deverão negociar, buscar acordos entre as lideranças da base do Governo, da oposição e com o autor da urgência, neste caso, o Poder Executivo. Observações finais Cabe ressaltar que para todo e qualquer procedimento de tramitação há exigências constitucionais e regimentais previstas. Dessa forma, mesmo para a matéria sob o rito da urgência, jamais poderão ser dispensados os seguintes requisitos: a publicação e a distribuição em avulsos ou por cópia da proposição principal e das acessórias (se houver), o quórum para deliberação e os pareceres das comissões ou de relator designado em plenário em substituição à comissão. Conclui-se que o conhecimento das urgências é ferramenta interessante para atuação do profissional de relações governamentais junto ao Congresso Nacional. Por meio delas, é possível adiantar, retardar ou inviabilizar uma deliberação. Pode ser útil, ainda, para apenas sinalizar alguma disposição para votar certa matéria. Enfim, conseguir um requerimento de urgência dos líderes da Câmara ou do Senado não é sinônimo de aprovação da proposta, mas pode representar janela de oportunidade para discussão, aprimoramento e votação da matéria.