REABILITAÇÃO CRIMINAL De acordo com o art. 93 do Código Penal, o instituto da reabilitação tem dupla finalidade: a) assegurar o sigilo do registro sobre o processo e sua condenação; b) conferir novamente ao acusado direitos que lhe foram retirados como efeito secundário da condenação. SIGILO DOS REGISTROS O art. 93, caput, do Código Penal assegura ao condenado reabilitado uma folha de antecedentes sem registros criminais a respeito do processo e da condenação. De ver-se, contudo, que o art. 202 da Lei de Execuções assegura o mesmo sigilo, independentemente da reabilitação. Por qual razão, então, o condenado iria requerer a reabilitação, se este dispositivo garante o sigilo logo após o cumprimento ou extinção da pena e de forma automática, enquanto o deferimento da reabilitação exige o decurso do prazo de 2 anos após referida extinção ou cumprimento e pressupõe o preenchimento de diversos requisitos? A resposta é simples. O deferimento da reabilitação faz com que a condenação anterior só possa constar de certidões por força de ordem judicial (art. 748 do CPP), enquanto o sigilo descrito no art.202 da Lei de Execuções Penais assegura apenas a certidão sem registros quando solicitada pelo condenado, podendo, contudo, haver menção aos antecedentes quando for solicitada por autoridade policial, por órgão do Ministério Público, ou, ainda, para fim de concursos públicos, uma vez que a parte final do referido art. 202 prevê a possibilidade da quebra do sigilo “em outros casos expressos em lei”. Há de se ressalvar, novamente, que, mesmo com o deferimento da reabilitação, o sigilo não é absoluto, posto que, em decorrência de ordem judicial, poderão os antecedentes constar de certidão a fim de instruir processo pela prática de novo crime. Por isso, é assegurado ao condenado que já cumpriu pena obter certidão negativa, o que poderá facilitar sua reinserção na vida social, obtenção de emprego etc. Contudo, a anotação referente à condenação será mantida nos arquivos judiciais e constará de certidão, por ordem judicial, para instruir outro processo, de modo que o magistrado, neste novo feito, possa individualizar corretamente a pena à vista dos antecedentes ou reincidência do réu. RECUPERAÇÃO DOS DIREITOS ATINGIDOS COMO ESPECÍFICO DA CONDENAÇÃO Efetivamente, estabelece o parágrafo único do art. 93 do Código Penal que a reabilitação pode atingir os efeitos da condenação previstos no art. 92 do Código, vedada a reintegração na situação anterior, nos casos dos incs. I e II do mesmo artigo. O mencionado art. 92 prevê os denominados efeitos extrapenais específicos da condenação: I - perda de cargo, função ou mandato eletivo; II — incapacidade para exercício do poder familiar, tutela ou curatela; III — inabilitação para conduzir veículos. São chamados de específicos porque só se aplicam a condenações que se revistam de certas características, conforme já estudado. O deferimento da reabilitação permite que o condenado volte a exercer tais atividades, para as quais estava inabilitado, vedada, porém, a reintegração ao estado anterior, nas hipóteses I e II, nos termos expressos da lei. Assim, imagine-se um funcionário público que tenha sido condenado a 6 anos de reclusão por um crime de homicídio simples e que, por tal razão, tenha o juiz decretado a perda do cargo que ocupava (art. 92, I, b, do CP). Com o reconhecimento da reabilitação, poderá tal pessoa voltar a ser funcionário público (nomeado ou por concurso), mas, em hipótese alguma, poderá ser reconduzido ao mesmo cargo que ocupava como efeito automático da reabilitação. Da mesma forma, o condenado a quem tenha sido aplicada a incapacitação para o exercício do poder familiar, por ter cometido crime doloso apenado com reclusão contra o próprio filho. Tal efeito é permanente em relação a este descendente, porém, com a reabilitação, será possível que volte a exercer tal poder em relação aos outros filhos. No que tange à inabilitação para conduzir veículos aos condenados por crime doloso em que este tenha sido utilizado como meio de execução, a reabilitação tornará possível a obtenção de nova habilitação. PRESSUPOSTOS Para a obtenção da reabilitação criminal, é necessário que estejam presentes, cumulativamente, os requisitos elencados no art. 94 do Código Penal: a) Que já tenham se passado 2 anos do dia em que foi extinta, por qualquer modo, a pena ou tenha terminado sua execução, computando-se o período de prova do sursis e do livramento condicional, desde que não revogados (art. 94, caput, do CP). A reabilitação só é cabível em caso de condenação, quer tenha havido o cumprimento da pena, quer tenha sido decretada sua extinção (prescrição da pretensão executória, por exemplo). O prazo (2 anos) é sempre o mesmo, quer o condenado seja primário ou reincidente. No caso de prescrição da pena, conta-se o tempo do dia em que encerrado o prazo, e não daquele em que foi judicialmente declarado. b) Que o sentenciado tenha tido domicílio no país durante os 2 anos que o tópico anterior menciona. Pode ser provado por carteira de trabalho, comprovante de residência, declaração por escrito de pessoas idôneas, atestado de frequência a cursos etc. c) Que durante esse prazo o condenado tenha dado demonstração efetiva de bom comportamento público e privado. A comprovação deste requisito deve observar o disposto no art. 744 do Código de Processo Penal, que prevê que o requerimento de reabilitação deve ser instruído com: I — certidões comprobatórias de não ter o requerente respondido nem estar respondendo a processo penal, em qualquer das comarcas em que houver residido, durante o período de 2 anos já referido; II — atestados de autoridades policiais ou outros documentos que comprovem ter residido nas comarcas indicadas e mantido, efetivamente, bom comportamento; III — atestados de bom comportamento fornecidos por pessoas a cujo serviço tenha estado; IV — quaisquer outros documentos que sirvam de prova de sua regeneração. d) Que o condenado tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida. O condenado, para obter a reabilitação, deve reparar o dano ou: a) comprovar a impossibilidade de fazê-lo; b) exibir documento que comprove a renúncia da vítima; c) exibir documento que comprove a novação da dívida. COMPETÊNCIA, PROCEDIMENTO E RECURSOS A reabilitação só pode ser concedida pelo próprio juízo da condenação (pelo qual tramitou o processo de conhecimento), e não pelo juízo das execuções, uma vez que a reabilitação é concedida após o término da execução da pena. A competência é do órgão jurisdicional de 1ª instância. O procedimento a ser seguido está descrito nos arts. 744 e 745 do Código de Processo Penal. O sentenciado deve apresentar petição em juízo com a documentação que comprove a satisfação dos requisitos legais (art. 744). Tal requerimento, por ser judicial, deve ser feito por intermédio de advogado. Caso seja denegado o pedido, em razão da ausência de algum dos requisitos, o pedido poderá ser renovado a qualquer tempo, desde que sejam apresentadas novas provas (art. 93, parágrafo único, do Código Penal). Se a parte, entretanto, não se conformar com a decisão denegatória, poderá interpor recurso de apelação (art. 593, II, do CPP). Se a reabilitação for deferida, o juiz deverá interpor recurso de ofício, devendo a matéria, portanto, passar por reexame obrigatório no Tribunal de Justiça. CONDENADO QUE OSTENTA DIVERSAS CONDENAÇÕES Só pode requerer a reabilitação após o decurso de 2 anos do cumprimento da última das penas. Se ainda existir pena a cumprir em relação a qualquer das ações penais em que foi condenado, a reabilitação não pode ser deferida quanto às outras em que a pena já tenha sido cumprida ou extinta há 2 anos. Esta conclusão decorre da própria natureza do instituto que visa a reinserção do acusado no corpo social. REVOGAÇÃO DA REABILITAÇÃO De acordo com o art. 95 do Código Penal, a reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por sentença transitada em julgado, exceto se houver imposição somente de pena de multa. A reabilitação não exclui a possibilidade de o réu ser considerado reincidente caso venha acometer novo delito, já que os efeitos da condenação anterior subsistem por 5 anos após o cumprimento da pena ou sua extinção. Assim, concedida a reabilitação após 2 anos, o réu não volta a ser primário. Desse modo, se neste interregno (após a reabilitação e antes do retorno à condição de primário) o réu sofrer nova condenação, sendo considerado reincidente, estará revogada a reabilitação deferida no processo anterior. Morte do reabilitando Faz com que o pedido de reabilitação que esteja em processamento não seja conhecido por falta de interesse.