A PROPOSTA ORTOGRAFICA DE LUIS ANTONIO VERNEY (1746) Maria Mercedes Saraiva Hackerott (USP) Luis Antonio Verney, em 1746, escreveu 0 VerdadeiroMetodo de &tudar, para ser Util d Republica, e d 19reja:proporcionodo ao estilo, e necesidade de Portugal, nesta obra, portuguesa. 0 autor deu, atmves de dezesseis caItas, seu parecer a respeito da educa~io Urn des pontos mais poJemicos do Verdadeiro Metodo foi a refonnu1a~o ortogrBfica. Verney, al6m de propor novas regras para a ortografl8 Iusa, ele as aplicou em todaaobra. Prevendo unI8 ma reeeptividade, por parte do pUblico leitor, de wn livro escrito com unI8 ortogmfia diferente da vigente, 0 impressor Antonio Balle advertiu: "0 autor segue uma Dnografia porticular, (que eu, movido lias mesmas rtJlIJens,abr~ei) e que ainda nam estti hem recebida, nese Reino; e, ~im, pora Ram parecer novidade,sera precilP ler ~ cart~, como se-acham imp~: observanda hem a primeira, na qual dd rQ:llllll,da sua Dnografia." (Verney, 1746, p.V) Vemey expOs as regras ortogrBficas que norteiam sua obra, em 75% da primeira carta do VerdadeiroMetodo. "Devo tamhem dizer a v.P. alguma coiza, sobre a Onografia PotugueZILnoticia que me-porece mui necesaria, e que com todo 0 cuidado se-deve comunicar aos principianles: pois da-falta desta doutrina nace, que em toda a sua vida, escrevammal: e, ainda despois de estarem em lugares de letr~, e lastima ver, como muitos escrevem." (Verney, 1746, p.ll) Ciente de que a ortografia vigente cada vez menos correspondia a pronUncia, Verney propOs unI8 padroni~ ortognifica, em que a ortografl8 lusa fosse simplificada e tivesse base fooetica. Verney, ao propor unI8 ortografia baseada na pronUncia, precisou escolher a pronUncia de unI8 provincia para ser a padriio. Assumiu que a pronUncia-padriio era a falada pelos homens cultos da Provincia de &trenl8dura. "digo. que os PortugueZllSdevem pronunciar, como pronunciam os omens de melhor doutrina, da-Provincia de &tremadura: e, posto islo. devem escrever a sua lingua da-mesma sone que apronunciam."(Verney.1746. p.13) 796 A proposta ortognifica de Verney, nio se limitou a padronizar a escrita. Ao estabelecer wna pronUncia-padriio para ser reproduzida na escrita, Verney tambem estava padronizando a fala e desconsiderando a diversidade dos falares do Portugues. "e advertem, que e erro da-pronuncia da-Estrenuulura, pronunciar 0 ch, como JC. Mas, sem fazer cazo da deciwm destes Senhores, julgo, que devemos continuar, na pronuncia da-Estrenuulura. Nam digo, que na escritura convertamos 0 ch, em JC: deixo as coiYJS como se-acham; so digo, que na pronuncia, niio If diferensa entre uma, e outro letra. Em materia de pronuncia, sempre se-devem preferir, os que sam nuUs cultos e falam hem na Estrenuulura, que tatlas os das-outras Provincias juntas. "(Verney, 1746, p.24) Verney, sabendo que as regras ortognificas eram ditadas pela autoridade dos bons escritores, previu a oposi~o que os adeptos da ortografia vigente fariam a sua ortografia, princiapalmente por ele ser urn estrangeirado. "sabenda, que ainda os nuUs doutos se-ririam. de que um Estrangeiro, viese dar regras, nesta materia: Sem se-lembrarem, que tambem os que nestes ultimos seculos, escreveram sobre a Onograjia lAtina, eram Esrrangeiros nela: semque, por-iso, sejam mal ouvidos." (Verney, 1746, p.13) Nio tendo autoridade Iingiiistica, Verney lan~ mio da autoridade dos gtIIIDliticos, ort6grafos e do dicionarista Rafael Bluteau, que questionavam a ortografia corrente e propunham sua simplifica~o. "Que desta opiniam [seguir a pronUncia na escrita] era Duane Nunes de Leam, &: Joam de Barros, nas suas Onografias; e outros muitas autores que escreveram da-lingua. Contudo diz. que na Academia doEriceira se-asenttfra, que nem sempre se-devia escrever como a pronuncia:" (Verney, 1746, p.26) Certamente Bluteau e a grande fonte da teoria ortognifica de Verney. Tentando provar a urgencia da reforma ortogrlifica em Portugal, apropriou da autoridade de Bluteau citando-o em nota de roda-pe: Verney se "(a) 0 Bluteau, no-Prologo do-Suplemento, falanda com 0 leitor Pseudo-critico, co'!fesa, que muitos omens doutos, nam dobrom as letras no Portuguez: aintiaque condena, que muitos nam observem, a analogia, e derivasam do-Latim, e Grego: que e a costumada cantilena dos-Velhos. Reconhece porem, que seria necesario, reformar a Ortogrojia Ponugueza." (Verney, 1746, p.13) No Verdadeiro Metoda, estio citados os seguintes trabalhos de Bluteau: do Suplemento do Vocabuldrio a parte "Ao leitor pseudo-critico" do segundo pr6logo; das Prosas Ponuguesas. a "Gramaton6mica"; a "Apologetica" (tratada por "Opusculos"); e a "Sexta Conferencia das DecisOes Academicas das Palavras Portuguesas". 797 Quanto a Duarte Nunes do wo e laio de Barros, apesar de vlirias vezes cita-los, pam confinnar 011 a urgencia da refonna ortognifica ou a veracidade de uma regra, afinna desconheee-los: "Co'!feso a v.P. que nam pude ler isto sem rizo. Eu nunca Ii as obras do-Leam, ou Barros, nem me-cansei em buscalas:" (Verney, 1746, p.27) As ortografias de laio Franco Barreto e Alvaro Ferreira de Vera juntamente com a granuitica de lose Bento Pereira foram sempre citadas pam refo~r as regras que provavelmente causadam estranheza. A proposta ortognifica de Verney pode ser resumida nas seguintes regras: A escrita deveria reproduzir a pronlincia da Provincia de Estremadura, Para tanto, Verney e1iminou as dobras de letras, que nio eram sentidas na pronlincia, ficando samente a dobra do "r" (rr). Ao tratar do sam Is!, Verney reduziu as quatro grafias vigentes ("s", "ss", "~", "CO) a duas ("c", Us"). Eliminou 0 "ss" e 0 "~" pais nio admitia dobras de letras alcSmdo "rr", Para Verney, 0 "~"era fonnado por dais "c" contrapostos e que va1iam por urn Is! e portanto deveria ser substituido pelo Us". Em todo Verdadeiro Mtodo, esta regra fei respeitada: "berso" ~), "posa" (possa I verba poder), "serviso" (servi~), "forsan (f~), "expresam" (expressao), "obedeso" (o~), "dise"(disse), "pesoa"(pessoa), etc. Quante a diferen~ entre "ee" e "se", nio se pode saber se rea1mente havia na pronlincia de Estremadura, ou se Verney est&va preso a tradi9io latina que distinguia "ee" Jtse/, "se" lsel e que fk eJ. No Verdadeiro Metodo estio registradas pa1avras como: "que", "parece", "seN. o "s" inicia1 antes de consoante ou fei eliminado (eena e nio seena) ou foi inserido urn "e" (esqueleto e nio squeleto). 0 "s" e 0 "z" finais tinham 0 sam de "x", mas deveriam ser mantidos na escrita, pois nio tinham este sotn no plural: feliz, felizes. Quando intervoc8licos, 0 "s" era diferente de "z", que era aspero (coiza, impreso). o "ch", no portugues, era igual a "x", exeeto em pa1avras de origem grega, que deveriam ser escritas ou com "ch" (como os latinos) ou "k", nunca com "q", pais depois da letta "q" sempre se pronunciava urn "un. Verney substituiu 0 use de "th" e "ph" por "t" e "f', tendo como ex~ apenas pa1avras desoonhecidas usadas nas artes e ciendas, TambcSmforam e1iminados os "p", "c" ou "u" antes de "t" (promto e nio prompto, ato e nio auto ou acto). 0 "g" antes de consoante sO era permitido quando pronunciado (Madalena e nio Magdalena, JDllIIIifico), o \ISO do "11" era admitido apenas nos digrafos "nhJchflh", nunca em inicio de palavras. No Verdadeiro Metodo M: "omens" (homens), "oje" (hoje), "Istoria" (hist6ria), "aveniN (haveni), "a" (lui), He". Quanta as diferentes minUsculas que representavam as maiUsculas "I" e "V", Vemey estabeleceu "i" para vogal e "j" para consoante, e "UNpara vagal e "v" para cansoante. Tamb,m admitiu a grafia das cansoantes maiUscUIas "1" e "UN, por j8 estarem senda adotadas na Alemanha. o emprego de "g" ou OJ" antes de He" ou Hi" tinha por regra: Pessoas doutas devem, no inicio de palavras, seguir a deriv~o latina usando preferencialmente "j", exceta quando seguir "iN (Ginja); no meio de palavras e preferivel "gR. Os ignorantes devem seguir 0 \ISO e pnitica des que melhor escrevem. Verney aboliu 0 \ISO do tiJ. Falio equivalia a falBODl,senda que 0 "0" entre 0 "a" e 0 "m" era tio breve que ocasionava uma sincape resultando em falam. A ~o "am" era diferente de "an" a primeira era usada nos mascu1inos "vam" e "irmam" e a segunda nos femininos "van" e "irman". E, finalmente, 0 \ISO da "y" em ditongos foi substituido pelo "i". AIem cIestas regras, Verney sugeria incluir na grafia lusa os acentos diferenciais [grave (") em particulas, agudo (') nas silabas tOnicas, e circunflexo sabre 0 "i" tOnica (i)], o "~o" (hifen usado para Iigar as locu¢es) e 0 ap6strofe. "lsto me-parece basta advertir, sobre a Onogrqfia PortugueZlJ, visto nam faur tratado dela. muito mais, parque com estas poucas regras, se-pode responder Os outras dificuldades que ocoreram. Algumas observasoens de menor momento, podem-se ver, nos Dnogrqfias Portugue1PS: tendo a advertencia, de nam se-deixar inganar, das regras que dam, porque comumente sam mui mas. 0 P. Bento Pereira, que cuido /oi dos-primeiras, que escreveram nesta materia, dd muito mas regras; e sO proprios para destruir, 0 que cada um sabe. 0 Barreto, 0 Leam, 0 Vera, tem algumas coi1PS boas, entre outras muito mas. Na mesma close ponho, 0 que diz 0 P. Argote, nos sua Regras Ponugue1PS; e algum outro. Tais autores copiaram-se fielmente uns aos ou!ras, sem examinarem a materia." (Verney, 1747, p.36) Depois de expor as regras ortognificas, Verney ainda tratou da pont~. A regra de pontua~o mais combatida fei a 1180 obrigatariedade do \ISO de maiUsculas depois do ponto. o Verdadeiro Mitado, ao cantrariar tanto a ortografl8 lusa quanta todo 0 sistema de ensino portugues, fei alvo de severas criticas, gerando uma grande poIemica sabre 0 como e 0 que se deveria ensinar a mocidade portuguesa. Essa discussiio sO teve fun com a reforma des estudos feita por Pombal. 799 Dais BOOS depois da pUbli~ do Verdadeiro Metodo foram publicadas as Rejlt!JWeTlSApologeticas de autoria do Pe. Jose de Araujo. As reflexOes refutavam wna a wna as cartas de Vcruey. Quanta a ortografia, Araujo COlJle9OU sua crftica questinando a pseudo-autoridade de Verney ao propor wna refonna ortognifica. "0 erro do graD Critico em nos querer introduzjr novas palavras. e novo modo de escrever. sem legitima autoridade. nem QO menos ap1't!Sentar procurafaii bastan1e feita em publica forma." (Armijo. 1748, p.15) No mesmo 8110, Verney publicou, sem mais 0 pseudOnimo de Barbadinho, as Resposras as Relt!JWeTlS,nas quais defendeu cads ponto atacado par Araujo. Quanto a falta de autoridade, argumentou: "Ontle aprendJ!Ste esta Logica, Fr. Arsenio? Para provar alguma coila tkveis provar. que nam se podia admitir palavra nenlutma sem uma Lei feita pelo Senodo. ou par Elrei. Mas emiJuanto deixais a introdusam QO uzp. tkveis saber. que alguem dt!W! ser 0 primeiro a introdu1jlos, outro a abrasalas. e asim se va; fozendo 0 uzp. Pergunto agora, quem d de ser 0 introdutor? Um sapateiro. ou um omem douto? Sem tluvitkJ que 0 douto. E neste cazo que coirJI provais? Nada." (Verney. 1748, p.14) Quanta a reformu1al;io ortogr8fica, Araujo combateu principalmente que divergiam do \ISO tradicional par omitirem a origem das palavras. as regms A titulo de exemplifi~ segue a discussio a respeito do emprego do til. Ambos, Araujo e Verney, ooncordavam quanta a nasa1iVl9io do ditongo "io" no Portugues, mas discordavam quanto a grafia do mesmo ditongo. "Aqui nos quer dar huma nova explictJfaii do ali Portuguez, e nos quer persuadir. que tem hum m no Jim, e talvez levado deste engano costuma escrt!Ver: nlZ/llII, mam, amaram, mram com este modo engano a qualquer estrangeiro. que quizer ler as taes palavras na mesma fOrma, que as v. escritas. e lire dani sem duvida 0 mesmo som, que a estas latinas: amarulam. qllerulam. legerulam. etc. E ainda dado. que 0 nosso aii leve no Jim m. devia fU!SSecazo escrever nIVIOlII, maolll, amaNOIII, .,ieraom. e teria sua galonteria. Naii Iui duvida, que o nosso tIii leva m. mas naii no Jim depois do o. leva-o entre 0 II, e o. v.g.re:;amo; porem com esta advertt!ncill, que 0 m. niio dt!W!juntar-se. nem fazer sylloba com 0 o. mas deve fazer huma sylloba junto com 0 II, e pora signigicarmos isto. se inventou assinar uma plica entre 0 II, e 0: desta sone escrevendo tudo. tkveria ser assim: re-mm-D. vi-e-ramo. FtJfa-se agora rejlaaii em querer ajuntar as taes syllobas na pronunc~ e acharse-lui; que dafj 0 mesmo som. que damas. quando pronunciamos nzzai, ,ieraii. "(Armijo. 1748, p.16) A esta critics, Verney respondeu: "Tamhem vejo, que nom sabeis, que a consoante entre dlll1S vogais se une sempre com a vagal seguinte: porque se 0 soubeseis, nom direis, que em fIIZ/IOm, ,ieraom, etc. se delle escrever 0 m entre as Letras /I, e o asim, ra-zam-o, vi-e-ram-o. Porque desta sone faz 14m som despropoziUJdisimo." (Verney, 1748, p.15) Como na maioria das replicas, Amujo tenninou sua reflexao desconsiderando trabalho de Verney. 0 "Por ultima conclUZllo, esta primeira Cana he escuzada, e 0 tempo, em que escreveo, melhor seria gastallo em relllr pelas contas.· (AraUjo, 1748, p. 18) "Emfim como de Ortograjia vejo que nom entendeis nada, nem tenho mais que vos aconselhar, senom que leais hem, e entendais a primeira cana do autor, e a comporeis com 0 que di1J!m os autores Portugue1J!s, que ele cita; e vereis que (!OS regras fundamemaes pela maior parte concordom: e a diferensa so estd emque 0 Barbadinho do regra da pronuncia tira hem as consequencias, e as pratica; 0 que namfa1J!lfI os outros." (Verney, 1748, p.16) Para fina1imr, vale ressaltar que, apesar cia ortografia de Verney niio ler vingado, ela teve sua import8ncia na HistOria cia Lingua Portuguesa, pais revelou a con~o lingilistica do ilwninista portugues e mostrou a preoeu~io que Verney tinha em padronizar e simplifiear a ortografJa vigente. Tal preocu~o 56 foi retomada no final do s6culo XIX com a proposta ortogrBfica de Gon~alvez VI8II8. PALAVRAS-CHAVES: Ortografia, HistOria da Lingua Portug~, Ungiiistica. Historiografia VERNEY,L.A. (1746) Verdadeiro Metoda de Estudar, para Ser Vtil Ii Republica e Ii greja: Proporcionado ao estilo, e necesidade de Portugal red. de 1747; Valensa: Antonio Balle] as ----------- (1748) Respostas Rejlexoens, que 0 R.P.M. Frei Arsenio da Piedade Capucho fez ao Livro intituJodo Verdadeiro Metoda de Estudar. Escrita por outro Religloso da dita Provincia para desagravo da mesma Religiam, e da Nasam Valensa: Antonio Balle. ARAUJO).de (1748) Rejlexoens Apologeticas Ii Obra Intitulada Verdadeiro Metoda de Estudar Dirigida a Persuodir Iwm Novo Metoda para Portugal se Ensinarem, e Aprenderem as Sciencias, e Refutar 0 que neste Reina sa Pretica; Expendidas para Desagravo dos Portuguezes em Iwma Carta, que em Resposta de outra Escreveo da Cidade de Lishoa para a de Coimbra Valensa: Antonio Balle.