UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS ROSIVANE ARCARO IDENTIDADE DE LUGAR. UM ESTUDO SOBRE UM GRUPO DE MORADORES ATINGIDOS POR BARRAGEM NO MUNICÍPIO DE TIMBÉ DO SUL, SANTA CATARINA CRICIÚMA, SC 2011 ROSIVANE ARCARO IDENTIDADE DE LUGAR. UM ESTUDO SOBRE UM GRUPO DE MORADORES ATINGIDOS POR BARRAGEM NO MUNICÍPIO DE TIMBÉ DO SUL, SANTA CATARINA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Ambientais da Universidade do Extremo Sul Catarinense para obtenção do Título de Mestre em Ciências Ambientais Orientadora: Profª. Teresinha Maria Gonçalves CRICIÚMA, SC 2011 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação A668i Arcaro, Rosivane. Identidade de lugar : um estudo sobre um grupo de moradores atingidos por barragem no município de Timbé do Sul, Santa Catarina. / Rosivane Arcaro ; orientador : Teresinha Maria Gonçalves - Criciúma : Ed. do Autor, 2011. 142 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Extremo Sul Catarinense, Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, Criciúma (SC), 2011. 1. Psicologia ambiental. 2. Apropriação do espaço. 3. Identidade cultural. 4. Etnologia – Timbé do Sul. 5. Comunidades agrícolas. I. Título. CDD. 21ª ed. 307.72 Bibliotecária Eliziane de Lucca – CRB 1101/14ª Biblioteca Central Prof. Eurico Back - UNESC AGRADECIMENTOS À Professora Dra Teresinha Maria Gonçalves por ter acreditado no meu projeto, mostrando sempre disponível nas orientações. À minha mãe, Maria, por ter acreditado em mim, me ensinando a não perder a esperança nos momentos difíceis. Agradeço a meu pai pelo apoio e dedicação. À Santina, por ter me ajudado com suas orações, na qual pensei que não conseguiria chegar ao fim. Às minhas duas irmãs, Rejane e Vanusa pelo estímulo ao estudo e compreensão pelas minhas falhas. Agradeço aos meus irmãos Ivonir e Ivanor pela disposição em ajudar na minha pesquisa. Às minhas amigas Dolores, Andresa, Jucelene e Ivana que sempre estiveram comigo nas horas de alegria e tristeza. Aos moradores das comunidades de Areia Branca e Rio do Salto pela disposição nos relatos das entrevistas. Ao presidente da COTIL de Turvo, Rogério Bardini, pela atenção e pelo fornecimento de materiais para minha pesquisa. Agradeço principalmente a Deus por me emprestar diariamente o coração que pulsa, o oxigênio que respiro, o solo em que caminho. Enfim tudo o que tenho foi devido sua permissão. “(...) Não ofereça o que não pode dar. Não queira que as pessoas mudem só para te agradar, porque as pessoas são diferentes e cada um de nós tem caminhos diferentes. Nunca deixe que outra pessoa tome decisões por você. É muito importante que você saiba que o seu melhor amigo é você mesmo. Siga sempre os seus pensamentos, mas não se deixe levar por pensamentos egoístas, pensamentos negativos, pensamentos de vinganças e de ódio”. Alves dos Santos RESUMO A presente dissertação se insere no campo da Psicologia Ambiental e tem como objeto de pesquisa a Identidade de lugar - um estudo sobre um grupo de moradores atingidos por Barragem no Município de Timbé do Sul, S.C. A barragem afetará duas comunidades Areia Branca e Rio do Salto, onde 300 pessoas serão desapropriadas de suas terras. Ambas as comunidades são compostas de moradores descendentes de italianos, os quais preservam sua cultura. É comum nas referidas comunidades os pais deixarem suas propriedades a seus filhos os quais cuidarão e passarão às gerações futuras. A atividade agrícola é predominante na região de Areia Branca e Rio do Salto, os moradores plantam fumo, milho, feijão, destacando em pequena proporção o cultivo de arroz. Nas referidas comunidades há a exploração de argila, beneficiando as Cerâmicas de Criciúma, Tubarão e Içara. O empreendimento que levará o nome Barragem Rio do Salto faz mais de 20 anos que está em processo, sendo que ainda não foi concluída. O estudo foi realizado por meio de uma pesquisa de campo de natureza qualitativa, tendo a técnica da história de vida e registros etnográficos como principais instrumentos de coletas de dados. O objetivo geral norteador de toda a pesquisa foi compreender o processo de ruptura de identidade de lugar frente ao fenômeno da desapropriação e mudança de moradia de oito moradores que habitam as comunidades de Areia Branca e Rio do Salto. Os resultados obtidos demonstraram um grande sentimento de pertença ao lugar, por todos os moradores entrevistados. A apropriação foi compreendida pelos conceitos de identidade de lugar, apego entre outros. Os relatos mostraram-se repletos de simbologias, significados, afetividades ao espaço físico e social. Dos oito moradores entrevistados somente um não apropriou-se do espaço. Palavras-chaves: Psicologia Ambiental - Apropriação do Espaço. – Identidade Camponeses. ABSTRAT This work falls in the field of environmental psychology and aims to research the identityof place – a study on a group of villagers affected by dam in the City of South Timbé SC. A dam will affect both communities and White Sand River Falls, where 300 peoplewill be evicted from their land. Both communities are composed of residents of Italian descent, which retain their cultura. É common in hese communities parents leaving theirproperty to their children, which will look after and to future generations. Agricultural activity is predominant in the Sand and White River Falls, residents planted tobacco, corn, beans, especially in a small proportion of the crop arroz. Nas those communities for the exploitation of clay, ceramics benefiting Crickhowell, Shark and Içara. O venturethat will bring the name Dam River Falls for more than 20 years who is in the process, and has not yet been completed. The study was conducted through a field research of qualitative nature, with the technique of the life history and ethnographic records as the main tools for collectingdata. The overall guiding purpose of all the research was to understand the ruptureprocess of identity place to combat the phenomenon of expropriation and change ofhousing eight residents who live in the communities of White Sand and River Falls. The results showed a great sense of belonging to place, all the residents interviewed by Theappropriation was understood by the concepts of place identity, attachment amongothers. The reports proved to be full of symbols, meanings, affecting physical and social space. Of the eight residents interviewed only one nonappropriated space. Keywords: Environmental Psychology - Appropriation of Space - Identity - Peasants. LISTA DE ENTREVISTA DOS MORADORES DE AREIA BRANCA E RIO DO SALTO a-Entrevista 1 - Ascendino Monteiro b- Entrevista 2 - Darci Biz Souza c-Entrevista 3 - Ademilsom Luiz d-Entrevista 4 - Amable Maria Dassi Oliveira e- Entrevista 5 - Marlene Correa Pláscido f-Entrevista 6 - Adão Krigüer g- Entrevista 7- Bernadete Zilli Polli h- Entrevista 8- Rosimere Pasine LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BIRD - Banco Interamericano de Desenvolvimento CAEP - Coordenação de Administração Pastoral CASAN - Companhia Catarinense de Águas e Saneamento CEMIG - Companhia Energética de Minas Gerais CONAMA-Conselho Nacional do Meio Ambiente CCMA - Conselho Consultivo de Meio Ambiente CDDPH - Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CHESF - Companhia Hidro Elétrica de São Francisco CLIMERH-Centro Integrado de Meteorologia e Recursos Hídricos CPA - Comportamento Pró-ambiental EIA - Estudo de Impacto Ambiental ELETROSUL – Centrais Elétricas S/A (Subsidiária de Centrais Elétricas do Brasil S.A. – ELETROBRÁS) EPAGRI - Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina. S.A. INMET - Instituto Nacional de Meteorologia MAB - Movimento Nacional de Atingidos por Barragem NASA - Agência Espacial Norte- Americana PCHS - Pequenas Centrais Hidrelétricas ONG - Organização Não Governamental RIMA - Relatório de Impacto Ambiental SDH - Secretaria de Direitos Humanos SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10 1.1 Metodologia ....................................................................................................................... 12 2 O ESPAÇO DO HOMEM: O ESPAÇO DA BARRAGEM ............................................ 15 2.1 Atingidos Por Barragens .................................................................................................. 15 2.2 Barragem Rio do Salto ..................................................................................................... 18 3 PSICOLOGIA AMBIENTAL: CONCEITOS ESTUDADO PELA DISCIPLINA ...... 23 3.1 Estudos da psicologia ambiental e interdisciplinaridade .............................................. 23 3.2 Território, lugar e espaço................................................................................................. 28 3.3 Apropriação do espaço ..................................................................................................... 30 3.4 Identidade .......................................................................................................................... 33 3.5 Camponeses: cultura e modos de vida ............................................................................ 37 3.6 Por uma racionalidade ambiental ................................................................................... 41 4 APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO DOS MORADORES DE AREIA BRANCA E RIO DO SALTO.............................................................................................................................. 44 4.1 O sonho em ser um poeta ................................................................................................. 44 4.2 Lembranças de criança: época que não volta mais ....................................................... 52 4.3 Memórias de um agricultor ............................................................................................. 57 4.4 O saudosismo feminino .................................................................................................... 62 4.5 Uma liderança feminina ................................................................................................... 67 4.6 Um cidadão ecológico ....................................................................................................... 71 4.7 Lembranças da terra natal .............................................................................................. 75 4.8 Mulher, mãe, doméstica, pedagoga; todas em uma só mulher ..................................... 79 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 84 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 87 APÊNDICES ........................................................................................................................... 96 ANEXOS ............................................................................................................................... 126 10 1 INTRODUÇÃO A apropriação é um conceito importante na psicologia ambiental, relaciona-se a noção de identidade de lugar, ou seja, o lugar tem um significado para o indivíduo que o incorpora a própria identidade. Na construção da identidade existem dimensões e características do entorno físico que são incorporadas pelo sujeito por meio da interação com o ambiente. Nesse sentido a identidade de lugar é um componente específico do próprio “eu” do sujeito, forjado, em um complexo de ideias conscientes e inconscientes, sentimentos, valores, objetivos, preferências, habilidades e tendências (GONÇALVES, 2007). A Psicologia Ambiental estuda a relação homem e meio e sua inter-relação, os quais foram despertados através da disciplina Psicologia Ambiental que serviu de suporte teórico e metodológico para compreender a preocupação de determinados educandos, estudantes da Escola de Educação Básica Timbé do Sul, Santa Catarina, referente ao projeto de uma barragem que levará o nome Barragem Rio do Salto. Este empreendimento atingirá áreas das comunidades de Areia Branca e Rio do Salto, localizadas no interior do município de Timbé do Sul, Santa Catarina. Os alunos informaram, em sala de aula, sobre o desânimo e a incerteza de seus pais que se encontram desanimados, pois este projeto está em fase de tramitação há mais de 20 anos. Em épocas de eleições este projeto vem à tona, muitos candidatos do município de Timbé do Sul usam o horário e prometem soluções aos moradores de Areia Branca e Rio do Salto e quando são eleitos, o problema acaba ficando no esquecimento. A incerteza dos moradores de ambas as comunidades citadas aumenta, pois não são informados sobre o desenrolar da barragem. Muitos não sabem se investem em suas propriedades ou não, acreditam que, se caso for construída a barragem, poderão perder todos os seus investimentos. Portanto, alguns moradores deslocaram-se das comunidades indo para outras regiões. Aqueles que resolveram ficar no local, estão esperando por uma solução há anos, e hesitam em fazer reformas, seja na casa, ou no local do trabalho. As comunidades de Areia Branca e Rio do Salto eram consideradas no passado as comunidades mais desenvolvidas do município de Timbé do Sul, pelo fato de terem muitas olarias, revendedora de sacaria, aviários, e grande quantidade de argila, sendo que estas vêm sendo exploradas há anos pelas cerâmicas de Criciúma, Tubarão e Içara. Atualmente, nas comunidades, observa-se o desprezo, a inconformação dos moradores, pois estes convivem no seu local de origem com crateras causadas pela retirada de 11 argila, casas velhas e mal arrumadas, restando somente duas olarias e ambas necessitam de reformas. Aquele lugar conhecido como lugar do progresso, tornou-se hoje lugar de conflitos. Conforme levantamentos de campo, citados no EIA/RIMA-EPAGRI (2006) existem na área que será afetada pelo alagamento da barragem, 129 propriedades, sendo que 51 estão desapropriadas. Em 78 propriedades residem 85 famílias, que totalizam 300 moradores. A área de inundação prevista tem aproximadamente 510 hectares de solo argiloso que serão cobertos por um espelho d’água retida entre dois morros, um localizado ao sul do empreendimento e outro ao norte. Os municípios impactados de forma socioeconômica pelo empreendimento proposto (Timbé do Sul, Turvo, Ermo, Morro Grande, Meleiro e Araranguá) pertencem à área da bacia hidrográfica do Rio Araranguá. Segundo a CASAN, o empreendimento irá garantir abastecimento público de água potável, para os habitantes do vale do Araranguá, contenção de cheias, desenvolvimento turístico e principalmente a irrigação de cultivos, neste caso a rizicultura, na qual 1.562 propriedades serão favorecidas pela obra (EIA / RIMA-EPAGRI, 2000-2006). Estudos realizados nas áreas do empreendimento: Areia Branca e Rio do Salto mencionados no EIA/RIMA-EPAGRI (2006) retratam que os municípios citados acima, por produzirem arroz sobre forma irrigado, necessitam de grande quantidade de água, na qual a procura é maior do que a oferta em épocas de plantio, em função da alta produtividade de grãos, proporcionando atritos em determinadas épocas entre CASAN e rizicultores. Além disso, vários rios da bacia hidrográfica do rio Araranguá estão contaminados por resíduos de mineração, domésticos e industriais, apresentando na água acidez elevadas, sendo impróprios ao abastecimento. Conforme os problemas mencionados tratando-se do projeto da barragem Rio do Salto, surgiu o interesse em estudar o processo de apropriação pelo sentimento de pertença dos moradores das comunidades atingidas. Desta forma, esta pesquisa procura revelar quais os lugares de maior apego e que mais se identificam com os moradores, dando ênfase sobre sua relação com a natureza e analisando a partir da fala dos moradores, a forma pelas quais estes passam a tratar o projeto da barragem enquanto possibilidades de desapropriação de suas terras e ter que migrar para locais desconhecidos. Ambas as comunidades estão localizados a uma latitude 28 49’ 4 S e longitude 49 50’ W, a altitude nas áreas mais baixas é de 123 metros e nas áreas mais altas 220 metros acima do nível do mar. O clima predominante é o subtropical úmido, sem estação seca, com 12 verão quente, temperatura média do mês mais quente é de 22 ºC, mês mais frio pode chegar a 12 ºC. O índice pluviométrico total anual pode variar de 1.220 a 2.000 mm (EPAGRI, 2010). Esta pesquisa justifica-se como uma investigação legítima sobre os impactos socioambientais gerados por um empreendimento de infraestrutura de grande porte e o desconforto e sofrimento trazidos para a população do entorno. Como é uma pesquisa qualitativa, privilegia a pesquisa de campo e a opinião e percepção das pessoas envolvidas. Dar voz aos moradores atingidos por essa barragem é trazer para a atualidade o lado oficial, mostrando o descaso que estes vêm passando há anos, sem terem solucionado ainda seus problema referente à obra. A referida pesquisa procura contribuir para o planejamento de futuros estudos e relatórios de impactos ambientais, mas também para o avanço da Psicologia Ambiental e especialmente na reconstrução da consciência histórica pessoal para o município de Timbé do Sul, S.C. OBJETIVOS Geral: verificar o processo de ruptura da identidade de lugar dos moradores atingidos pelo projeto da barragem Rio do Salto. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: - Analisar os vínculos que os moradores de Areia Branca e Rio do Salto têm com o meio em que vivem. - Verificar o processo de apropriação por meio do sentimento de pertença. - Identificar nas falas dos moradores de Areia Branca e Rio do Salto suas expectativas quanto às mudanças que poderão ocorrer em suas vidas, referente ao processo de desapropriação de suas terras. 1.1 Metodologia Está pesquisa caracteriza-se por uma abordagem qualitativa tendo como principal método o Estudo de Caso. Foi realizada nas comunidades de Areia Branca e Rio do Salto localizados no município de Timbé do Sul, SC. O corpus da pesquisa é composto por oito moradores com faixa etária entre 40-80 anos, visto que a natureza da pesquisa não recomenda amostragem estatística. Foi realizada uma pesquisa com um representante da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento- 13 CASAN, para a obtenção de informações se há um projeto de reassentamento aos atingidos, no sentido de inseri-los em uma atividade produtiva. Na comunidade de Areia Branca foram entrevistados cinco moradores e em Rio do Salto três. Houve um maior número de pessoas entrevistadas em Areia Branca devido o lago artificial da barragem, ser construído nesta comunidade, nas quais 250 pessoas serão desapropriadas de suas terras.Já em Rio do Salto o número de entrevistados foi menor, somente 50 pessoas serão expropriadas de suas residências e é nesta área onde serão feitos os canais de distribuição de água. O estudo utilizou pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. Esta última foi efetivada por meio de várias visitas às comunidades de Areia Branca e Rio do Salto durante os anos de 2009, 2010 e 2011. Durante as visitas foram feitas várias anotações sobre a dinâmica local das comunidades e registradas em um diário de campo, correspondendo às percepções da pesquisadora em relação às comunidades e seus moradores. O contato inicial com as pessoas entrevistadas foi realizado com a ajuda de uma informante qualificada, conhecido por todos os membros da comunidade, na qual foi explicado o objetivo da pesquisa. Antes de iniciar as entrevistas com os moradores, foi explicada a importância desta pesquisa e cada morador teve direito à recusa e participação durante as entrevistas. A pesquisa de campo empregou a técnica de entrevista narrativa, os moradores relataram livremente sua história de vida no local em que estão inseridos. Além da entrevista narrativa também foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, na forma de narrativa, na qual foram colocadas questões aos moradores, a fim de verificar na fala deles, suas perspectivas quanto ás mudanças que podem ocorrer em suas vidas, referentes ao processo de desapropriação de suas terras. Cada entrevista foi registrada em um gravador em seguida foram transcritas. Após as entrevistas os moradores receberam uma máquina fotográfica, para que tirassem fotos do local de sua casa onde mais se identificava, ou seja, maior apego. No término das entrevistas foi deixado pela pesquisadora um caderno de brochura, a fim de averiguar a história de sua relação com a natureza e também para saber os locais onde já morou. Cada entrevistado teve um prazo de um mês para fazer está atividade, após a pesquisadora passou para recolher os cadernos e analisar os dados. Na referida pesquisa, com a devida permissão de cada entrevistado, foi colocado o nome original e não o pseudônimo destes. Com o representante da CASAN foi realizada uma entrevista de modalidade semi-estruturada na qual os dados foram registrados em um gravador. A pesquisa foi dividida em partes abordando os seguintes assuntos: 14 A primeira parte deste trabalho procura fazer a apresentação do tema, discorrer sobre a metodologia empregada em si e uma breve explanação sobre a pesquisa desenvolvida. A segunda parte aborda questões referentes aos atingidos por barragens. No Brasil 300 mil famílias foram desapropriadas pelas barragens, e 3.4 milhões de hectares de terras foram inundados pelas obras. Essas inundações provocaram perdas materiais e imateriais para as populações. Sociedades inteiras têm perdido não somente o acesso a recursos naturais, presenciaram a submersão de suas heranças culturais. Os moradores entrevistados atingidos pela barragem Rio do Salto relatam situações que vêm vivenciando durante muitos anos em suas comunidades. Mostram suas angústias ao verem que o projeto da barragem está em andamento. A terceira parte aborda o referencial em torno dos seguintes temas: Psicologia ambiental e interdisciplinaridade, conceitos de território, espaço e lugar, identidade, camponeses e por última racionalidade ambiental. A psicologia ambiental é contextualizada bibliograficamente tem seu suporte em vários autores e seu objeto de estudo e de ação a relação da pessoa com seu ambiente sóciofísico, tanto o construído quanto o natural. A quarta e última parte traz a análise dos dados mostrando a fala dos moradores dentro de seu espaço natural e cultural. Contam por meio da história oral, toda sua vida ambientada nas duas comunidades visitadas. Suas falas mostram entre outras coisas, o sentimento de pertencer ao lugar onde num futuro não tão distante pode não existir nada mais, além de água. A última parte do trabalho apresenta as considerações finais, referindo-se a análise dos resultados constatando-se se os objetivos da pesquisa foram alcançados ou não. 15 2 O ESPAÇO DO HOMEM: O ESPAÇO DA BARRAGEM 2.1 Atingidos Por Barragens No Brasil desde a década de 70, vem ocorrendo à construção de grandes barragens ocasionando impactos socioambientais, desorganizando grandes áreas e expulsando populações da área rural, contribuindo desta forma para o crescimento do êxodo rural. No mundo há 45 mil grandes barragens construídas, deslocando aproximadamente 80 milhões de pessoas. No Brasil existem 2.000 barragens, na qual é previsto até 2015 a construção de mais 494 grandes empreendimentos. Segundo a Eletrobrás, também existe um potencial que poderá vir a ser explorado em PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) em torno de 942 novas barragens (MAB, 2010). Segundo Santos (2005), um milhão de pessoas no Brasil, já foram expulsas de suas terras pela construção de barragens, isto corresponde a 300 mil famílias e 3.4 milhões de hectares de terras estão alagados pelos reservatórios. Dados do Movimento dos Atingidos por Barragem – MAB (2010) apontam que a cada 100 famílias deslocadas, 70 não receberam nenhum tipo de indenização. Entre as famílias que conseguiram nova moradia, o índice de empobrecimento é muito alto, já que elas perderam seus meios de produção, a terra para o cultivo e os rios para a pesca (SANTOS, 2005). A reação das populações rurais atingidas por projetos de barragens permitiu, entre outros aspectos, o reconhecimento de que a instalação de empreendimentos resulta em uma problemática extremamente complexa, que longe está de se esgotar em sua fase técnica econômica. Em termos socioambientais é indispensável salientar, por um lado, que esta instalação provoca uma verdadeira reordenação territorial, exigindo a remoção compulsória das populações causando não somente a perda de identidade coletiva decorrente da perda da propriedade rural e dos padrões de organização sociais, como relações de parentesco, amizade e comunidade (REIS, 2007). Além desses problemas mencionados, de acordo com o Estudo de Impacto Ambiental - EIA e Relatório de Impacto Ambiental-RIMA-EPAGRI (2006), há também a perda da própria rede vicinal e de parentesco, construída pelos moradores, assim como a história de vida pessoal de cada um, sendo intransferível ser levada e refeita da mesma forma 16 em outro lugar. Atualmente a maioria das barragens que estão sendo planejadas vem provocando vários impactos negativos cumulativos, como: perda de terras e de fauna, a montantes alagados pelo reservatório; assoreamento dos rios, perda de fertilidade dos solos e também a transmissão de doenças infecciosas Quanto aos impactos socioeconômicos e culturais, a construção das mesmas tem ameaçado a sobrevivência econômica e o modo de vida dos camponeses atingidos (VAINER; ARAÚJO, 1990). Para Wolfart (2011) os atingidos por barragens são desconstituídos do meio ambiente que, por gerações, como bem material e simbólico, vêm assegurando a manutenção e a reprodução de seus modos de vida tem a terra como patrimônio da família e da comunidade, defendida pela memória coletiva e por regras de uso e compartilhamento de recursos. A reação dos agricultores atingidos por “Barragem” permitiu o reconhecimento de que a instalação de barragens resulta em uma problemática extremamente complexa, que longe está de se esgotar em sua fase técnica econômica. Costa (2010) ressalta que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), ligado à Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, considera que 16 direitos humanos das populações atingidas por barragens foram “sistematicamente” violados na construção de hidrelétricas. Entre eles estão os direitos à informação e à participação, à plena reparação de perda, de ir e vir, de grupos vulneráveis à proteção especial, além dos direitos à educação, saúde, ao ambiente saudável e à moradia adequada. De acordo com o documento, “o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”. Para Costa (2010), o documento faz mais de 100 recomendações ao governo federal e estadual (responsáveis pelos licenciamentos ambientais) e aos construtores de hidrelétricas e considera que “a estrutura legal e normativa brasileira contém vários dispositivos de proteção aos direitos humanos das populações e dos indivíduos atingidos pela implantação de barragens […] É possível, entretanto, identificar limitações, omissões ou insuficiências no sistema normativo existente”. Reis (2007) relata que na construção de barragens, tais processos envolvem a presença de um número significativo de atores sociais, via de regra com interesses e perspectivas diferentes sobre os referidos empreendimentos. Dentre estes atores destacam-se as financiadoras nacionais e internacionais, os setores da administração pública federal 17 responsável por obras desta natureza, a corporação específica que assume a execução do empreendimento e as populações regionais e locais ocupantes das áreas a serem requeridas para a instalação destas obras. Em meados de 1980 em vários países latino-americanos, acompanhando o processo de democratização, com a ascensão de vários movimentos ambientalistas, a consequente difusão das preocupações com a preservação do meio ambiente, a pressão da sociedade civil e, sobretudo, a assistência das populações atingidas conduziram progressivamente o setor elétrico a incorporar questões sociais e ambientais à sua agenda (VAINER, 2007). Segundo o autor citado, em 1986, foi criado o Conselho Consultivo de Meio Ambiente da Eletrobrás (CCMA). No mesmo ano, a Resolução 01/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) regularizou a obrigatoriedade de realização de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) para fins de licenciamento ambiental. Em 1987 a Conama começou a estabelecer regras para o licenciamento ambiental de obras de grande porte, especialmente de energia elétrica, sendo criada a divisão (depois departamento) de Meio Ambiente da Eletrobrás. Na década de 80, resistências locais no Brasil ao deslocamento compulsório se transformaram, sob certas condições em movimento sociais. A organização pré-existente da população local e o apoio de ONG’s e setores progressistas de igrejas e de universidades têm contribuído para a construção de movimentos de atingidos por empreendimentos, os quais têm procurado aumentar o poder de transação adequado aos atingidos (VAINER; ARAÚJO, 1990). Por volta de 1989, surge o Movimento Nacional de Atingidos por Barragens (MAB), na qual foi criada pelos movimentos sociais (MAB, 2010). O Movimento dos atingidos por Barragens tornou-se um movimento popular que visa organizar a população atingida ou ameaçada por barragens e/ ou pela garantia de seus direitos de indenização, colaborando com isso para a construção de um novo modelo energético. Articula os interesses dos atingidos frente às empresas, as autoridades, Estado e outras entidades envolvidas nos projetos de construção de hidrelétricas (MAB, apud, FOSCHIERA, BATISTA, JUNIOR, 2009, p.136). Segundo os autores Foschiera, Batista e Junior (2009), os integrantes deste movimento, na maioria são pequenos agricultores, trabalhadores rurais sem terra, (meeiros, parceiros, posseiros entre outros), povos indígenas, pescadores e mineradores. O Movimento dos Atingidos por Barragens é contra os planos que compõem a construção de grandes barragens sejam elas privadas, estatais, financiadas ou não por agências 18 internacionais. O MAB (2010) incentiva a busca e luta por alternativas para a geração e distribuição de energia que modifiquem a atual matriz energética brasileira, o que somente será possível através de uma real democratização da política energética e de seu compromisso com um projeto de sociedade socialmente justa e ecologicamente responsável. 2.2 Barragem Rio do Salto As comunidades de Areia Branca e Rio do Salto localizam-se no interior do município de Timbé do Sul, Santa Catarina. Juntas contam com uma população de 320 habitantes. Situam-se a uma latitude 28 49’ 4 S e longitude 49 50’ W. As altitudes nas áreas mais altas estão em torno de 220 metros e nas áreas mais baixas 123 metros acima do nível do mar. O clima predominante é o subtropical úmido, sem estação seca, com verão quente, temperatura média do mês mais quente é de 22 ºC, mês mais frio pode chegar a 12 ºC. O índice pluviométrico total anual pode variar de 1.220 a 2.000 mm (EPAGRI, 2010). A economia predominante nas comunidades está voltada ao plantio de fumo, banana, milho, cana-de-açúcar, arroz, eucalipto e pastagens. Há em pequenos números nas propriedades a existência de pomares junto às moradias. Na comunidade de Areia Branca há a efetuada extração de uma argila especial, destinada ao fabrico de pisos cerâmicos, abastecendo as empresas que atuam no local desde 2007 como VECTRA, ITAGRES e DE LUCA. A reserva de matéria-prima na área a ser alagada é de 900.000 toneladas. Isto representa uma quantia suficiente para uma autonomia de 30 anos de serviço para as empresas e representa no momento atual 25% da matéria-prima que vem sendo processada nas indústrias (RIMA-EPAGRI, 2000). Devido haver grande excesso de contaminação dos recursos hídricos provenientes de esgotos domésticos e industriais, resíduos de mineração e do uso excessivo de agrotóxicos na agricultura, estes fatores são responsáveis pela contaminação das águas dos afluentes do rio Araranguá, provocando escassez de água potável em especial nos municípios de Turvo e Meleiro, desta forma tem-se cogitado, portanto, a construção de uma barragem na área rural do Rio do Salto, localizado no município de Timbé do Sul, Santa Catarina. Os municípios impactados socioeconomicamente pelo empreendimento proposto (Timbé do Sul, Turvo, Ermo, Morro Grande, Meleiro e Araranguá) pertencem à área da bacia 19 hidrográfica do Rio Araranguá. A realização da obra visa atender interesses econômicos dos municípios de Turvo, Meleiro, Araranguá e Ermo que serão beneficiados pelo empreendimento, pois além de disponibilizar água potável para o consumo humano e outras atividades ligadas a agricultura e indústria. De acordo com o estudo do Relatório de Impacto Ambiental-RIMA-EPAGRI (2000) e o Estudo de Impacto Ambiental - EIA e Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMAEPAGRI (2006), os municípios do vale do Araranguá produzem grande quantidade de arroz. Os agricultores do vale possuem terras próximas a várzea dos rios Amola Faca, Figueira, Manoel Alves, Jundiá, Turvo e Itoupava. Em épocas de plantio verificam-se atritos entre rizicultores e a CASAN pelo uso da água. Segundo os rizicultores da região a construção de uma barragem poderia diminuir estes conflitos. Conforme levantamentos realizados por técnicos da empresa Magna, citados no EIA/RIMA-EPAGRI (2006) existem na área a ser alagada pelo empreendimento 129 propriedades, destas 51 já foram desapropriadas e em 78 propriedades residem 85 famílias que totalizam 300 moradores. Até o presente momento foram indenizadas 31 propriedades. Segundo o Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Araranguá, o passo seguinte seria buscar recursos para o pagamento das indenizações às propriedades restantes, para que no início de 2011, seja dada continuação a este processo. Acredita-se que o restante das indenizações sejam pagas em breve, pois sabe-se que os moradores,vêm aguardando a barragem há mais de 20 anos, na qual este problema é um dos fatores responsáveis pelo entrave do desenvolvimento da economia local (JORNAL SEM CENSURA, 2010). Atualmente as áreas exploradas pela retirada de argila em Areia Branca estão repletas de crateras, onde moradores utilizam as mesmas para criarem peixes, na qual havia no passado o compromisso das indústrias Cerâmicas fazerem a recuperação da área degradada. Antes da ideia da barragem, Rio do Salto e Areia Branca eram consideradas as comunidades mais desenvolvidas do município de Timbé do Sul devido estas terem olarias, mercado e uma revendedora de sacaria. Das 14 olarias existentes, restaram somente duas, necessitando de reformas. Segundo os proprietários das olarias, não adianta investir nas mesmas, pois as propriedades já foram valoradas pela CASAN. “Investir seria jogar dinheiro fora”. Desde as primeiras notícias sobre a construção do empreendimento, os moradores 20 das comunidades de Rio do Salto e Areia Branca, passaram a experimentar um processo de crescente apreensão, transtornos, brigas, tristeza, stress, sentimento de abandono e desmotivação, o qual pode ser observado no seguinte relato: “Tudo isso é muito ruim para a comunidade, estamos esperando por uma decisão e ainda não obtivemos. Algumas famílias foram indenizadas, outras ainda não, estão à espera de uma indenização justa para que possam migrar para outra região. Já faz mais de 20 anos que se fala em barragem e ainda não saiu. Esta história de barragem tem sido uma sombra na vida das pessoas. Desde que começou a se falar da barragem, nós vivemos com uma sombra. Não conseguimos empréstimos dos bancos para investirmos em nossas propriedades. O que nos é colocado é que nossa comunidade é uma área de utilidade pública. Perdemos muito com esta barragem”. Na área a ser construída a barragem é visto que os moradores deixaram de investir em suas propriedades, hesitam em realizar reformas ou até mesmo pequenos reparos em suas casas. Este sentimento de abandono se reflete na própria visualização cênica nas comunidades, as mesmas tornaram-se áreas abandonadas, casas velhas e mal-arrumadas, crateras para todo lado, montes de argila empilhados, restos de construções abandonadas pelos moradores que já foram desapropriados das suas terras. Conforme estudos realizados nas comunidades de Areia Branca e Rio do Salto mencionados no EIA/RIMA-EPAGRI (2006), os moradores que se auto definem “contra a barragem” argumentam que o motivo reside na questão humano/cultural, ou seja, ali é o lugar onde nasceram, cresceram, formaram famílias e onde pretendiam permanecer. É comum nas referidas comunidades pais deixarem como herança, terras para seus filhos, na qual este processo é contínuo, passando de geração a geração. Para o camponês a terra é mais que objeto, é meio de produção. Segundo Bastos (1984, p. 21), a luta dos camponeses não é uma luta por qualquer terra, mas sim uma luta por terra que tem incorporado o seu trabalho. Nesse sentido, não se trata de uma luta pequeno burguesa pela propriedade, mas sim uma luta pelo objetivo e meio de seu trabalho. Um dos entrevistados ao ser questionado sobre a construção da barragem e as consequências na sua família (mudança) e para a comunidade (desintegração), deu o seguinte depoimento: “Primeiro: nasci aqui e me criei aqui.” 21 “Segundo: Eu não me acostumo com o barulho que tem na cidade.” “Terceiro: Se na agricultura está ruim, na cidade é pior”. Outra moradora entrevistada observou que muitos bens e benfeitorias existentes não possuem apenas um valor de mercado, que geralmente é fácil de ser quantificado, mas principalmente o valor sentimental, o qual não tem como ser mensurado. Ela dá o seguinte depoimento: “Cada pau, cada pedra aqui tem uma história. Este pomar, o jardim, a minha casa tem um grande valor. Hoje o que me entristece é que estou morando numa casa onde não é mais minha. Já recebi a indenização da minha propriedade, o que mais me aborrece é que não fui eu quem fiz a valoração das minhas terras. Simplesmente me impuseram um valor e tive que aceitar. Com o dinheiro que recebi não vai dar para comprar em outro lugar as mesmas coisas que tenho aqui. Tudo lá fora é muito caro”. Um dos entrevistados relata a preocupação sobre a necessidade de uma orientação sobre a administração do possível dinheiro a ser recebido a título da indenização. Na sua concepção, muitas pessoas não estão preparadas para receber o dinheiro e corre o risco de ficarem sem nada, “vê o dinheiro, pensam que é muito, daqui um ano não tem mais nada”. Segundo o Superintendente Regional de Negócios da CASAN, responsável atualmente pela obra, relatou que não há nenhum projeto referente ao plano de reassentamento aos atingidos. Cada família receberá a indenização, migrando para o lugar que lhe convier. A CASAN tem um grupo de técnicos que avalia as áreas territoriais antes da suposta indenização. Conforme o que tem na propriedade e como é a terra, a valoração será diferenciada. Este órgão substitui um parâmetro: terras agricultáveis têm um valor, áreas com vegetação têm outro valor, as moradias são valoradas pela metade do preço de mercado. Para o Superintendente da CASAN, não tem sentido os moradores atingidos pela barragem ficarem em uma área inferior a sua, então o órgão dá a oportunidade para cada morador escolher uma área com a qual se identifiquem. Na sua concepção cada atingido quer o suposto dinheiro da indenização e não um lugar para morar. Referente à Barragem Rio do Salto o Superintendente Regional de Negócios da CASAN relatou que o órgão ou beneficia os agricultores, neste caso os rizicultores, ou a população local, na sua visão a vida pode ser refeita em outro lugar. Estudos citados no RIMA-EPAGRI (2000), relataram que o imaginário dos atingidos 22 pela barragem é povoado de miséria sobre os quais tiveram conhecimento, seja pela televisão ou pela narrativa de amigos que vivem em outras cidades. As notícias que chegam às comunidades de Areia Branca e Rio do Salto sobre outras barragens que foram construídas e cujas indenizações atrasaram, contribuíram também para está insegurança, “Fazer dívida com o Estado é um risco, demora ou então não pagam a gente”. Dos oito moradores entrevistados, somente dois foram indenizados, os demais estão em fase de negociação com a CASAN, dando o seguinte depoimento: “Temos medo de não chegarmos a um acordo com a CASAN e termos que sair daqui a força. A valoração da terra que nos foi dada é muito baixa. Alguns moradores que moram aqui em (Areia Branca e Rio do Salto) entraram na justiça para que as autoridades analisem o preço por hectare. Conseguimos pouca coisa com isso.” É percebível nas falas dos moradores a falta de consideração que há por parte dos órgãos responsáveis pelo projeto, pois faz 10 anos que as propriedades foram valoradas, não sendo refeitas novas propostas. Uma das entrevistadas mostra a indignação de ter que sair da comunidade, na qual os moradores das áreas atingidas pela suposta barragem não pediram para que fosse construída a mesma, estão beneficiando outros municípios que não estão se importando pelo problema que vêm enfrentando há anos. Na sua concepção, o lugar na qual estão inseridos dá para viver muito bem, com dignidade. “Ter que migrar contra vontade é muito ruim” afirma. “Tenho dó das pessoas mais antigas, estas são as que estão mais sofrendo com isto. Construíram sua vida neste local, criaram seus filhos, ajeitaram sua propriedade e sua casa como o gosto e agora são obrigados a deixar tudo.” Martins (1998) diz que a migração é componente do processo de expropriação, desenraizamento e proletarização do camponês. Rompe assim seu mundo de relações pessoais para lançá-lo no mundo de relações contratuais. Assim sendo, os atingidos procuram recompor os laços de sociabilidades rompidas, se adaptarem ao novo ambiente, se reorganizarem socialmente. É constatada nas falas dos moradores de Areia Branca a tristeza ao verem as casas de moradores antigos serem levadas por caminhões e o desespero destes ao deixarem seu local de origem, sua história, sua família. 23 3 PSICOLOGIA AMBIENTAL: CONCEITOS ESTUDADO PELA DISCIPLINA 3.1 Estudos da psicologia ambiental e interdisciplinaridade A Psicologia Ambiental, enquanto disciplina surgiu na Europa e nos Estados Unidos, envolvendo as áreas da arquitetura e da sociologia urbana. A origem da Psicologia Ambiental, a base de seu desenvolvimento ocorreu de formas diferentes em vários países. Pol e Tassara citados por Carpigiani (2007) relatam que na Europa, a evolução da Psicologia Ambiental está ligada ao processo de reconstrução social das cidades europeias depois da segunda guerra mundial e aos setores produtivos através de efeitos das novas tecnologias nascentes. Nos Estados Unidos, a Psicologia Ambiental, converge mais a uma “psicologia individual”, apontando para o estudo do comportamento do sujeito no espaço e desenvolve suas pesquisas, por exemplo, em espaços bem definidos como hospitais psiquiátricos, espaços públicos e escolas, sempre entendendo que a alteração do ambiente determinará melhores condições psicológicas do sujeito (POL, apud, CARPIGIANI, 2007, p 42). Segundo os autores Pol (1996) e Proshanski (1970), a psicologia ambiental tem suas raízes não apenas na psicologia tradicional, mas em muitas outras áreas, é importante salientar um dos aspectos que a distingue das suas raízes é que constitui um dos elos entre duas vertentes: a atenção ao lugar e a localização do indivíduo diante dos elementos do seu ambiente. Na América Latina os estudos realizados por Weisenfeld e Tassara referido por Carpigiani (2007), mostram que o ensino a pesquisa em Psicologia Ambiental são gerados, claramente a partir da Psicologia Social, possui caráter interdisciplinar, e a tendência mais atual é a de contemplar a saúde no sentido de incorporar participação comunitária, sustentabilidade ambiental, teorias e métodos da ação participativa, inserindo a Psicologia da Saúde e Psicologia Comunitária, fazendo interfaces principalmente com a Geografia e Arquitetura. O desenvolvimento da Psicologia Ambiental no Brasil segundo Pinheiro (2003) ocorre em relação direta com os acontecimentos em outros países, seja porque, alguns autores nacionais obtiveram sua formação no exterior, e em alguns casos, mantém vínculos ativos com instituições ou pessoas, seja, por participantes de congressos internacionais da área, ou 24 ainda, por terem desenvolvidos relações de colaboradores com colegas de outros países, Espanha, Estados Unidos, França, México, etc. As primeiras pesquisas neste campo (pessoa/ambiente) na análise de Corsini, Auerbach (1996) mencionado por Bentham (2006), tendiam a estudar as relações individuais aos estímulos ambientais, por exemple, os efeitos de iluminação ou ruído, em condições controladas de laboratório. Contudo, havia dificuldades em generalizar tais pesquisas para ambientes reais. As pesquisas posteriores tendiam a analisar o contexto ambiental. O determinismo ambiental enfatizava os efeitos ambientais sobre o comportamento, mas não reconhecia a inter-relação entre ambos. O determinismo arquitetônico, estabelece que as pessoas podem se adaptar a qualquer organização do espaço e que o comportamento num ambiente dado é inteiramente causado pelas características do ambiente. Pessoas diferentes podem ter reações completamente diferentes aos mesmos ambientes. Nas últimas décadas dentro da Psicologia Ambiental de acordo com Corral-Verdugo e Pinheiro (1999, p. 98) “o maior objeto de estudo tem sido o comportamento pró-ambiental (CPA). Dentro deste interesse foi possível descobrir quais características pessoais e quais condições estão associadas a um indivíduo que se mostra responsável em relação ao meio ambiente”. Os trabalhos de Borden e Schettino (1997), de Hines, Hungerford e Tomera (1987) e de Schahn e Holzer (1990), mostram que as pessoas mais propensas a cuidar de seu entorno são aquelas com conhecimento, atitudes favoráveis, motivadas, hábeis, com lócus de controle interno, responsáveis e com crenças pró-ambientais. Günther, Pinheiro e Lobo (2004), afirmam que a Psicologia Ambiental tenha nascido com dupla vinculação ao estudo de problemas de degradação ambiental e elaboração de projetos para ambientes construídos. Essa subárea da Psicologia evoluiu para abarcar muitos outros tipos de problemas no âmbito do ser humano. Os autores mencionam os principais tipos de problemas que compõem na atualidade seu interesse: [...] desde a percepção e cognição do ambiente; efeito do ambiente no comportamento ambiente diferenciados; ambientes específicos (como cidades); construção de determinados ambientes para obter determinados efeitos sobre o comportamento; mudanças de atitude, percepção e comportamento frente ao ambiente; mudanças e planejamentos do ambiente e preservação do meio ambiente (GÜNTHER; PINHEIRO; LOBO, 2004, p. 25). “Com tamanha expansão de abrangência, a Psicologia Ambiental quase incorporou todas as possibilidades de estudo da área da Psicologia considerada em seu conjunto” (GÜNTHER; ROZESTRATEN, 2005, p. 25). 25 Os autores Proshansky, Ittelson & Rivlin (1970), mencionados por Günther e Pinheiro (2004), entendem que a Psicologia Ambiental se diferencia das demais ciências, devido à priorização de uma análise da inter-relação ativa entre indivíduo e ambiente não se limitando ao estudo de estímulos e respostas. Os autores abordam alguns aspectos que dão razão á existência desta disciplina: estuda o ambiente ordenado e definido pelo indivíduo; seus problemas científicos estão relacionados com problemas sociais emergentes; estuda o indivíduo como parte integrada de toda a situação problemática. Moser relata que a especificidade da Psicologia Ambiental é a de analisar como o indivíduo avalia e percebe o ambiente e ao mesmo tempo como ele está sendo influenciado por esse ambiente (1998). Ittelson (1973) afirma que o ser humano tem qualidades ambientais tanto quanto características psicológicas. Este pressuposto indica que as pessoas são componentes do ambiente, criando troca mútua entre elas, sendo instrumental para mensuração do comportamento humano em determinado meio físico. O autor citado fala que não há ambiente físico que não seja envolvido por um sistema social e inseparavelmente relacionado a ele. A Psicologia Ambiental nas palavras de Moser (1998) estuda a pessoa em seu contexto, tendo como tema central as inter-relações - e não somente as relações – entre a pessoa e o meio ambiente físico e social. As dimensões sociais e culturais estão sempre presentes na definição dos ambientes, mediando à percepção, a avaliação e as atitudes do indivíduo frente ao ambiente. Cada pessoa percebe, avalia e tem atitudes individuais em relação ao seu ambiente físico e social. Esta disciplina, na compreensão de Gonçalves (2004), tem por finalidade o estudo do significado simbólico do espaço e a compreensão dos processos psicossociais derivados das relações e interações entre grupos, pessoas, comunidades e seus entornos sociofísicos. Os temas recorrentes ao espaço físico e á conduta espacial, os aspectos do espaço pessoal, privacidade e os relacionados ao processo de apropriação do espaço são, portanto, objetos de estudo da Psicologia Ambiental. É de grande importância destacar os estudos sobre a percepção ambiental, representação de entornos sociofísicos, assim como a análise do significado ambiental como âmbito de qualidade de vida. A Psicologia Ambiental troca diálogos interdisciplinares com várias disciplinas, arquitetura, geografia, ecologia, ciências sócias e as diversas áreas da psicologia como a social, a comunitária e até mesmo o comportamentalismo. Dessa forma pode-se definir a atuação da Psicologia Ambiental como interdisciplinar e transdisciplinar ao fato de ser recente a criação desta como vinculada à psicologia, o que dificulta a especificação do que lhe seria um campo próprio e exclusivo de estudos (FREIRE; VIEIRA, 2006 p. 32). 26 Por estar inserida em um campo interdisciplinar, a Psicologia Ambiental busca estabelecer vínculos com outras disciplinas interessadas na temática humana ambiental e se preocupa em aplicar os conhecimentos advindos de pesquisas para melhorar a qualidade de vida de seus usuários, bem como a qualidade do ambiente. (SILVEIRA, 2009). Esta disciplina vem cada vez mais se configurando como parte de um campo interdisciplinar. Atualmente, no Brasil, a prática de Psicologia Ambiental se faz integrando todos os profissionais preocupados com as relações travadas pelo ambiente físico e o comportamento humano. Por meio ambiente pode-se entender a infinidade de aspectos do mundo individual, social, físico, econômico, cultural, etc. (CHURCHMAN, 2002, apud NAZÁRIO, 2010). O estudo da inter-relação entre ambiente e indivíduo, geralmente exige um trabalho interdisciplinar entre especialistas de diversas áreas do conhecimento. Cada especialista pode captar, a partir de sua especialidade, os aspectos mais significativos que incidem nesta e trazer os conhecimentos úteis para seu controle ou para a implementação de programas alternativos (GIESBRECHT, 2005). De acordo com Giesbrecht (2005), a interdisciplinaridade seria uma simples comunicação de ideias para a integração mútua de conceitos, metodologias, procedimentos, epistemologias, terminologias, dadas e organização de pesquisa e educação em um grande campo. A autora em seu estudo relata uma passagem de Piaget, que acredita que essa integração significa uma assimilação recíproca entre as disciplinas participantes. Para Carvalho (2008) a interdisciplinaridade, por sua vez, não pretende a unificação dos saberes, mas deseja a abertura de um espaço de mediação entre conhecimento e articulação de saberes, no qual as disciplinas estejam em situação de mútua coordenação e cooperação, construindo um marco conceitual e metodológico comum para a compreensão de realidades complexas. A meta não é unificar as disciplinas, mas estabelecer conexões entre elas, na construção de novos referenciais conceituais e metodológicos consensuais, promovendo a troca entre os conhecimentos disciplinares e o diálogo dos saberes especializados com os saberes não científicos. Proshansky (1987) apud Sánchez (2005) ratifica a aspiração de interdisciplinaridade da seguinte forma: Para muitos psicólogos ambientais, eu inclusive, o campo é, por definição, praticamente interdisciplinar, por ser concebido a partir de uma disciplina orientada para o problema e interessada em questões importantes da relação pessoa/ambiente no entorno urbano. De modo consciente ou não, ela se fundamenta em outros campos da psicologia, assim como em outras ciências do comportamento e das 27 profissões do design (PROSHANSKY, 1987, p.4) Em seu estudo Gomes (2008), faz uma citação do trabalho de Burillo e Peluso que afirmam a ligação da interdisciplinaridade entre a Psicologia Ambiental e a Geografia. Ambas as disciplinas tem o caráter multidisciplinar, e é de grande importância do psicólogo ambiental estar atuando em conjunto com profissionais de outras áreas, como sociologia, geografia, arquitetura. A Psicologia Ambiental na percepção de Peluso (2003) recebeu contribuições de outras tantas ciências para consolidar-se. Para Peluso (2003), a afinidade entre a Psicologia Ambiental e a Geografia se estabelece quando se entende o espaço e o ambiente como atores sociais. As relações indivíduo/ambiente podem ser compreendidas pelas representações sociais da casa própria. A autora acredita haver uma pequena fronteira entre as duas ciências, pois ambas estudam as construções sociais, embora reconheça a especialidade de cada uma, é possível estabelecer um núcleo comum entre conhecimento, com a preocupação voltada para os problemas socialmente relevantes e a busca de soluções coletivas para os mesmos. Além da interdisciplinaridade temos a transdisciplinaridade no entendimento de Leff (2002), pode ser definida como um processo de intercâmbio entre diversos campos e ramos do conhecimento científico, nos quais uns transferem métodos, conceitos, que são incorporados e assimilados pela disciplina, induzindo um processo contraditório de avanço – retrocesso do conhecimento, característico do desenvolvimento das ciências. Carvalho (2008) diz que a ideia de transdisciplinaridade radicaliza a idéia de reacomodação e unificação dos conhecimentos disciplinares, com relativo desaparecimento de cada disciplina. Assim, cada campo especializado do saber envolvido no estudo e tratamento de dado fenômeno seria fusionado em um amplo corpo de conhecimentos universais e não especializados que poderiam ser aplicados a qualquer fenômeno. A idéia de um saber comum, unitário que abarque o conhecimento de toda a realidade, é pretensão bastante controversa, pois, de certa forma, repõe a crença em uma razão unitária e em sua capacidade ilimitada de saber tudo sobre o real. Giesbrech (2005, p.4) salienta que a transdisciplinaridade é entendida por Jantsch (1972) um grau último de coordenação, tratando-se, portanto, de uma etapa posterior à interdisciplinaridade que não apenas atingiria as interações ou reciprocidades entre as investigações especializadas, como também situaria estas relações no interior de um sistema total, sem fronteiras estáveis entre as disciplinas. 28 3.2 Território, lugar e espaço A geografia é uma ciência que estuda os conceitos de espaço, território, região, paisagem, lugar entre outros. Segundo Santos (2000) o território é o dado essencial da condição da vida cotidiana, ou seja, um conjunto de lugares e objetos materiais e naturais com os quais as pessoas se relacionam, entram em sintonia, identificam-se. Em geografia, o território representa o espaço concreto dominado e apropriado por uma sociedade ou por um estado. Por ser uma forma de apropriação do espaço, o território é resultado de uma criação humana, um conjunto do trabalho social. Isso significa que o espaço se transforma em território por meio da ação coletiva e política e pelo exercício do poder (TERRA, 2005, p. 18). Santos (2000) define o território como: “[...] um simples conjunto de objetos, mediante os quais trabalhamos, circulamos, moramos, mas também um dado simbólico (p, 61)”. Para o autor o território é o produto histórico do trabalho humano, que resulta na construção de um domínio ou de uma delimitação do vivido territorial, assumindo múltiplas formas e determinações: econômica, administrativa, bélica, cultural e jurídica. O território é uma área demarcada onde um indivíduo, ou alguns indivíduos ou ainda uma coletividade exercem o seu poder (2000). O território forma-se a partir do espaço e só por intermédio deste ele se realiza. As diferentes relações sociais que se sustentam no espaço dividem-no, mesmo sendo indissociável único e indivisível. Cada forma de apropriação social do espaço através das dimensões econômica, política e cultural produz “descontinuidades”, surgindo os territórios. As formas de poder engendradas em cada território imprimem, nos diferentes lugares, formas próprias de concorrência e solidariedade que, articuladas, dotam de dinamicidade o todo social (SANTOS, 2000). Para Lopes e Bastos (2002), “o território se apóia no espaço, mas não é o espaço, é uma produção a partir do espaço. A produção de todas as relações que envolvem se inscreve num campo de poder”. O território é uma reordenação do espaço na qual a ordem está em busca dos sistemas informacionais dos quais dispõem o homem enquanto pertencente a uma cultura. O território na sua concepção pode ser considerado como espaço informado pela biosfera. O território, segundo Mitidiero (1999), ganha uma identidade, não em si mesma, mas na coletividade que nele vive e o produz. Ele é um todo concreto, mas ao mesmo tempo 29 flexível dinâmico e contraditório, por isso dialético, recheado de possibilidades que só se realizam quando impressas e especializadas no próprio território. O território é a produção humana a partir do uso dos recursos que dão condições a nossa existência. O primeiro destes recursos é o espaço, por isso precisamos dominá-lo. Além de território é importante compreender o significado de espaço. Para Santos (2000) o espaço é um conjunto de objetos e um conjunto de ações. O autor afirma que o espaço que os seres humanos habitam é modificado todos os dias, através de tecnologias. Nogueira (2009, p.60) relata “que a constante produção e apropriação que o ser humano faz do espaço revela a importância deste elemento na constituição do humano: no espaço homens e mulheres imprimem suas marcas, desenvolvem relações de poder e subsistência”. O espaço para Santos (1994) é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como um quadro único na qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos e mecanizado e depois cibernético fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. Para Tuan (1983, p.6) “o espaço é mais abstrato do que lugar. O que começa como espaço indiferentemente transforma-se em lugar à medida que reconhecemos melhor e dotamos valor a ele”. Toda a história não se escreve fora do espaço. No entanto a história também não pode ser tomada por si só, pois precisa ser entendida de forma indissociável, por meio de sua espacialidade (SANTOS, 2000). Um espaço em si no entendimento de Gois (2005, p. 104), “não se constitui um lugar até que seja afetivamente investido de significações. Transformar espaços em lugares é identificar-se e transformar estes espaços em algo que reflita a identidade de um grupo ou de uma comunidade”. Espaço e lugar segundo Tuan (1983, p. 6), não podem ser definidas uma sem a outra. “Espaço é algo que permite movimento, lugar é pausa; cada pausa no movimento torna possível que a localização se transforme em lugar”. “Em geografia o conceito de lugar está ligado ao espaço que nos são familiares, que fazem parte da nossa vida. O nosso lugar nos dá identidade própria e nos permite estabelecer relações com lugares diferentes no resto do mundo” (ALMEIDA; RIGOLIN, 2007, p. 8). 30 O lugar é o espaço de vivência de um grupo. É um ambiente conhecido praticamente por seus habitantes, que o utilizam em suas atividades cotidianas. É um ambiente carregado de afetividade, pontilhado por artefatos sociais ou objetos naturais que servem como pontos de referência e, muitas vezes, evocam memórias pessoais (MAGNOLI, 2OO5, p. 24). O lugar no conceito de Santos (2000, p. 87) é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade. Em suas palavras os lugares se definem, pois, por sua densidade comunicacional e por densidade informacional cuja função os caracteriza e distingue. Tuan (1983) vê o lugar como centro ao qual atribuímos valor e onde são satisfeitas as necessidades biológicas relacionadas à água, ao descanso, á alimentação, e a procriação. Os significados e organizações atribuídos pelos homens ao espaço e ao lugar têm relação com fatores culturais, e estes próprios da espécie humana. O autor ainda ratifica que a passagem de lugar para espaço pode ocorrer por motivo de vergonha ou de dor. Desta forma, certos espaços só se tornam lugares após uma demorada experiência. Para ele lugar é segurança, é também lugar de liberdade que se sente quando se apega ao lugar. Tuan (1983, p. 21) fala “que quando residimos por muito tempo em um determinado lugar, podemos conhecê-lo intimamente. Podemos apegar-se e apaixonar-se a ele”. Tanto o lugar quanto o sujeito de acordo com Santos (2000, p.123), “tem sua valorização no dinamismo do contexto, econômico, histórico, social e político”. Santos (2000, p.123) prescreve que “o cidadão é um indivíduo num lugar”. Frémont (1980, p. 144) “considera os lugares como a trama banal e elementar do espaço, na qual é possível detectar funções que não são iguais por toda parte”. Para Leff (2001), o lugar é o território onde a sustentabilidade se enraíza em bases ecológicas e identidades culturais. É o espaço social onde os atores sociais exercem seu poder para controlar a degradação ambiental e para mobilizar potenciais ambientais. O lugar na sua visão é o lócus das demandas e das reivindicações das pessoas pela reversão ambiental, assim como suas capacidades de reconstruir seus mundos de vida. 3.3 Apropriação do espaço O conceito de apropriação do espaço é de extrema importância na Psicologia 31 Ambiental. Esta síntese esta relacionada à identidade de lugar – place identity (PROSHANSKI, 1970). A apropriação do espaço, na Psicologia Ambiental, no entendimento de Gonçalves (2007), envolve processos cognitivos, afetivos, interativos, simbólicos e estéticos. Os processos cognitivos referem-se como o sujeito se localiza, se movimenta, onde vive. Nos processos simbólicos, destacam-se as diferentes formas com as quais a pessoa se identifica com o seu entorno, valoriza e preserva o lugar e os processos afetivos estão relacionados à atração ao lugar e se este lhe proporciona bem estar pessoal. A importância de todos estes componentes tem suas variações durante o ciclo de vida do ser humano. Assim, a pessoa passa a ser conhecedora do ambiente em que vive e habita-o, sentindo-se pertencente àquele lugar. O processo de apropriação conforme Gonçalves tem um uma dinâmica em dois sentidos: um dirigido para a conquista do espaço; outro para si. Isso implica o sujeito adaptarse o espaço às suas próprias necessidades, dar-lhes características próprias (2004, p.19). Pol relata que pertencemos aos lugares e eles não a nós. Desta forma , pertencemos a todos os lugares onde já habitamos, sendo ligados a eles pelos sentimentos que neles experimentamos (1996). “Para o indivíduo se sentir pertencente a um lugar e apropriar-se dele, o corpo é o instrumento chave para essa inserção no mundo o qual trabalha, vivencia, habita e percebe”. (KAIMOTI, 2009, p. 16). Gonçalves (2007) afirma que a ocupação funcional num lugar é morar, porém o sujeito só habita quando se apropria de todos os espaços que envolvem o físico, o simbólico, o emocional e o cultural. A apropriação como processo de identificação, é em certo sentido um agente transformador, pois ao apropriar-se do espaço o sujeito deixa sua marca ao transformálo, iniciando assim um processo de reapropriação constante, que vai desde a casa aos objetos interiores. Peluso (2003) coloca que os pequenos poderes que o indivíduo exerce em sua casa mostram o quanto ele sedimentou subjetivamente o universo de significações construído socialmente e que reforçam o poder social. Segundo a autora o sujeito sente-se desamparado frente ao mundo, mas a casa é poderosa. Sente-se com poder de decidir, desejar, sonhar, de planejar, de construir, e isso se torna cúmplice das instâncias superiores que permitem a instauração dos pequenos poderes, dos pequenos sonhos, e das pequenas superações do desamparo. O sujeito na casa própria sente-se o mesmo desejado de possuí-la e pelos motivos de prestígio, autoestima e status de toda a sociedade, segundo a qual cada um só pode ser 32 visto por meio da propriedade particular. Gonçalves (2007) destaca que ao se instalar numa casa vazia o sujeito irá colocar nela objetos, utensílios, móveis. Na forma de organizar e decorar a casa estão refletidos hábitos, os valores e o modos de vida de cada sujeito. O lugar mostra-se carregado de emoções no enfeite da casa, no cuidado do jardim na realidade por ele construída. Leite (1998) diz que cada pessoa está rodeada por camadas concêntricas de espaço vivido, da sala para o lar, para a vizinhança, cidade, bairro e para a nação. O lar é onde a vida começa e termina; é o principal referencial de existência da espécie humana na medida em que este é a forma concreta do abrigo, da proteção contra as intempéries e outros perigos potenciais. O lar é o pivô de uma rotina diária. Vamos a todos os tipos de lugares (escola, trabalho, igreja, etc.), mas sempre retornamos ao lar, ou lugares semelhantes (abrigos, acampamentos, hotéis, etc.). O lar na visão de Tuan (1983, p. 160) “é um lugar íntimo. Pensamos na casa como lar e lugar. Lareira, refúgio, lar ou sede são lugares íntimos para as pessoas, onde quer que estejam”. Gonçalves (2007) afirma que a marca deixada pelo sujeito em um lugar revela a sua subjetividade e a sua afetividade ao lugar. A subjetividade humana compreende um processo de construção social. A subjetividade é o processo de invenção de si, a força da invenção da vida, de experimentação e apreensão particular e única do mundo através do modo como cada sujeito se produz como um indivíduo único, em transformação constante na experimentação cotidiana (FURTADO, 2002, apud NOGUEIRA, 2009, p. 71). Tassara e Rabinovich (2001) referindo-se a subjetividade abordam: [...] a subjetividade expressar-se-ia pelas figuras que representam as imagens, por sua vez, alimentam os pensamentos que se opõe através de falas. O que se conhece do sujeito é aquilo que ele vai ser capaz de expressar a respeito de imagens que compõem o seu acervo experimental, mediado pela livre imagem, que não a define (p. 217). A respeito da subjetividade Gonçalves (2007, p. 19) afirma que “nos lugares do espaço o sujeito desenvolve várias atividades como morar, trabalhar, caminhar, ele efetiva o processo de significação. É neste lugar onde cada sujeito produz a sua subjetividade. De corpo inteiro e alma atenta, ele apropria do espaço sentido, observado e visto”. Na visão de Pol conforme menciona Gonçalves (2004), na relação com outros sujeitos, grupos e situações objetivas ligadas ao modo de viver, de morar que vai se desenvolvendo o sentimento ao espaço. É a partir das cores, das formas, dos odores e das 33 sensações de prazer, o sujeito vai modificando as paisagens concretas do lugar, deixando sua marca, e, ao mesmo tempo, vai modificando sua paisagem interna, ou seja, as paisagens de seu mundo interior. O lugar e o espaço segundo Riviére (1977) são incorporados pela dimensão simbólica, ao mundo interno do sujeito que o recria no processo de apropriação. Gomes (2008) enfatiza que a apropriação pode, portanto, ser entendida como uma necessidade humana de enraizamento, que ocorre quando o eu se inscreve num lugar geográfico e, a partir daí, há o que se chama de criação de um ponto de referência, quando o espaço indefinido passa a ser importante para o sujeito que o vivencia. A apropriação que o ser humano faz do espaço revela a importância deste elemento na constituição do humano: no espaço homens e mulheres imprimem sua marca, desenvolvem relações de poder e de subsistência. O espaço deve ser percebido pelos sujeitos que neles se movimentam, pela apropriação que dele é feita (NOGUEIRA, 2009, p. 70-73). Na visão de Sansot (1996), o sujeito se apropria daquilo com o qual se identifica. De acordo com Nogueira (2009) através da apropriação do espaço, os lugares são definidos. Nos espaços os sujeitos sociais inscrevem suas marcas e desenvolvem suas histórias. Através da apropriação, nas palavras de Séve (1989) o ser humano dialoga com o ambiente e sua identidade vai se construindo ao mesmo tempo em que ele contribui para a construção ativa do contexto. O ser humano não simplesmente se adapta ou introjeta o ambiente, mas ele se apropria ou não, conforme sua individualidade e aquilo que lhe é oferecido ou dado como possibilidade, dentro do seu contexto histórico e social. 3.4 Identidade Quando se refere ao conceito de identidade, os autores empregam expressões distintas como imagem, representação e conceito de si. Referem-se a conteúdos como conjuntos de traços, de imagens, de sentimento que o indivíduo reconhece como fazendo parte dele próprio. “Na literatura norte-americana, o termo consagrado é self ou self-concept, que significa o conceito de si”. (STREY, 1998, p. 161) Alencar e Freire (2007) fazem referência ao conceito de identidade, na qual é empregado na Psicologia Ambiental. Segundo os autores, tem relação direta com o conceito de apropriação em Marx, o qual pressupõe um processo de identificação que vai dando 34 sentido contrário à alienação, pois a ideia de identidade remete àquilo que é próprio do sujeito, ou seja, àquilo sobre o qual o sujeito imprime uma ação e se reconhece no produto (material ou imaterial) desta. O contrário desse processo de identificação seria o de alienação, no qual o sujeito não se reconhece no produto de sua ação. Ciampa afirma que a identidade é um processo que é construído e conhecido pela ação, ou seja, através da atividade humana (1984). O autor afirma que o processo de construção da identidade envolve tanto diferenças quanto desigualdades, portanto, a identidade traz consigo uma posição de alteridade de si. Leff (2002, p. 185) comenta que ”a identidade é representada por significações simbólicas, relacionadas com práticas sociais que arraigam num ser coletivo, cuja memória viaja no tempo, lançando raízes na terra, no material e no simbólico”. O conceito de identidade, segundo Castells (1999) pode ser entendido através da fonte de significados e experiência de um povo, no qual os atores sociais dão origem a sua identidade pelo processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda, um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, os quais prevalecem sobre suas outras fontes de significados. Strey (1998) afirma que é do contexto histórico e social em que vive o homem que decorrem as possibilidades e impossibilidades, os modos e alternativas de sua identidade (como formas histórico-sociais de individualidade). No entanto, a identidade se configura, ao mesmo tempo, como determinante, pois o indivíduo tem um papel ativo quer na construção deste contexto a partir de sua inserção, quer na sua apropriação. Sob esta perspectiva é possível compreender a identidade pessoal como e ao mesmo tempo identidade social, superando a falsa dicotomia entre essas duas distâncias. Strey (1998) explica: [...] os sistemas identificatórios são subdivididos e a identidade passa a ser qualificada como identidade pessoal (atributos específicos do indivíduo) e/ou identidade social (atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias); essa última ainda recebe predicativos mais específicos como identidade étnica, religiosa, profissional, etc. (STREY, 1998, p. 161). A Psicologia Ambiental, ao discutir a ligação que as pessoas estabelecem com lugares geográficos, fez uso do conceito de identidade, articulando-o às noções de lugar e apego (attachment), empreendendo estudos sobre identidade de lugar (place-identity) e de apego ao lugar (place-attachment). Esta linha de pensamento iniciou-se com Proshansky, Fabian e Kaminoff (1983), ao considerarem que na teorização sobre identidade e conceito de 35 self inexiste uma discussão sobre o papel do ambiente físico. Propuseram, por esta razão, o conceito de identidade de lugar, "teoricamente concebido como aglomerados de cognições com valência positiva e negativa dos ambientes físicos" (GÜNTHER; ROZESTRATEN, 2005, p. 2). Identidade de lugar para Günther, Pinheiro e Lobo (2004) é, portanto uma estrutura complexa constituída por atitudes, valores, crenças e significados referente à relação psicológica que estabelecemos com os espaços físicos. O lugar foi incluído pelos autores como um subsistema da identidade do eu, cuja particularidade consiste na descrição e socialização da pessoa com o mundo físico. A identidade do eu acolhida pela Psicologia Ambiental, é reelaborada e reproduzida a cada relato que o sujeito faz de si e de seu entorno, remetendo-o a sua história de vida e à história do entorno ao qual pertence. Abre a possibilidade da escuta, através das narrativas da história de vida, da diversidade subjetiva responsável pela construção de um ambiente sociohistórico, o que é desprezado nas definições das identidades totalizadoras comuns nas psicologias (ALENCAR; FREIRE, 2007). A identificação com o ambiente, na Psicologia Ambiental, implica no sentimento de bem-estar e de familiaridade do sujeito com o seu entorno. Na construção da identidade existem dimensões e características do entorno físico que são incorporadas pelo sujeito por meio da interação com o ambiente. Nesse sentido a identidade de lugar é um componente específico do próprio eu do sujeito, forjado em um complexo processo de ideias conscientes e inconscientes, sentimentos, valores e objetos (GONÇALVES, 2007). As memórias passadas, experiências presentes e futuros sonhos de cada pessoa nas palavras de Lopes e Bastos (2002), estão ligadas inextricavelmente aos objetos que compreendem seu entorno. Para a Psicologia Ambiental, o entorno faz parte do meio social concreto. O ambiente é a vivencia concreta do sujeito. Nele, o sujeito trabalha, constrói sua casa, faz sua poética, constrói laços, apega-se, sente pertencente a um lugar, sonha, transforma. O conhecimento do entorno se faz pelos pés e pela cabeça; por nossos braços, nossas pernas (GONÇALVES, 2007, p. 19). “O conceito de identidade de um lugar engloba vários conteúdos perceptivos e definidos por inúmeros fatores que contribuem para a criação de um sentimento de identificação, fato sociológico manifestado pelo auto reconhecimento entre o lugar e o sujeito” (MUNTANÕLA, 1996, p. 43). “A identidade de lugar desempenha um papel na maneira como o espaço físico é 36 percebido, sentido e significado, por sua vez, o espaço físico ganha significado por meio da identidade de lugar” (GONÇALVES, 2004, p. 3). A autora menciona que é no meio Físico que o sujeito vive e constrói a sua subjetividade (2007, p. 50). Tuan (1980, p.55) afirma que “a subjetividade é construída pelo sujeito na relação com o lugar. Relações onde ele pode estabelecer vínculos não somente com pessoas, mas pode vir também a se vincular com o próprio espaço”. Silveira (2009) relata que os significados atribuídos aos lugares revelam vínculos simbólicos e afetivos que podem estar relacionados com a ordem do sagrado (dados na relação entre divino natural e divino social), bem como às formas de sociabilidade, dentre o lúdico e a contemplação refletiriam, simbolicamente, a possibilidade de experimentar esteticamente a relação com o lugar. Tuan (1983) argumenta que o elo afetivo que há entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico é denominado Topofilia. Ele afirma que esse sentimento de afetividade não é a emoção mais forte que o sujeito experimenta, mas quando isso ocorre, é porque o meio ambiente ou o lugar conduz a emoções fortes ou é percebido como um símbolo pela pessoa. Tuan acredita que a Topofilia pode ser despertada pela familiaridade. Desta forma, como somos capazes de nos afeiçoar aos nossos pertences pessoais, que podem ser entendidos como uma extensão da nossa personalidade, com o decorrer do tempo o sujeito deposita parte de sua vida não somente no seu lar, mas também no seu bairro. A noção de apegar como adaptar é utilizada amplamente na Psicologia Ambiental por autores que não diferenciam a noção de apego a lugares com os de identidade de lugar e de apropriação do espaço. Essa perspectiva não responde a uma ética da alteridade. Contudo, há formas de conceber o apego a lugares, dentro da Psicologia Ambiental, numa perspectiva ética da alteridade (ALENCAR, 2007). O conceito da Psicologia Ambiental segundo Alencar (2007) contempla essa abertura do ambiente para o outro. Diz respeito ao vínculo afetivo estabelecido entre a pessoa e um ambiente, sem que seja necessário um processo de identificação prévio com este. Compreende-se, pois que para se estabelecer um desejo de proximidade com o meio, não é preciso se apropriar deste, ou se formar a partir do mesmo uma identidade com o lugar, mas sim, comportar uma atitude ética de aceitação de sua diferença. O apego ao lugar é um dos fatores fundamentais para o desenvolvimento da identidade da pessoa, ou seja, há lugares que tem um grande valor simbólico para o sujeito. A identificação com o local promove a capacidade de se vincular afetivamente a este, promovendo o apego ao lugar (LIMA; BOMFIM, 2009, p. 445). 37 As pessoas unem-se a objetos de maneira peculiar. Assim como investem afeto nas relações de amizade, destinam a objetos afetos e valores que vão além daqueles traduzidos em valores pecuniários (LOPES; BASTOS, 2002). Na conceituação de identidade, Castells (2000) faz um parecer importante à distinção entre identidade e os papéis e o conjunto de papéis. São considerados papéis as normas, estruturadas pelas instituições e organizações da sociedade, a sua importância está no ato de influenciar o comportamento das pessoas, dependende das negociações e acordos entre os mesmos, como por exemplo: ser mãe, trabalhador, vizinho, fumante, ao mesmo tempo, são definidos normas estruturadas pelas instituições e organizações da sociedade. A respeito de identidade Esteves (2010) expõe que uma pessoa possui múltiplas identidades, à multiplicidade de papéis que ela exerce em um ou vários grupos, simultaneamente e ao longo de sua vida. Entretanto, a pessoa não vive todos os papéis do mesmo modo e da mesma intensidade, já que alguns são transitórios e outros permanentes. Referindo-se a identidade de papel Gonçalves e Martinez (2010) dizem que sujeito assume as características de cada papel e age de acordo – por exemplo, um professor tem a função de ensinar, uma mãe tem a de cuidar, proteger e educar, etc. A identidade de projeto segundo as autoras citadas, refere-se aos projetos de vida dos indivíduos. Por meio deles, os sujeitos estariam aptos a redefinir seu local social e a buscar mudanças na estrutura social. A identidade cultural nas palavras de Gonçalves e Martinez (2010) é construída pela incorporação de crenças, valores, ideias e comportamentos encontrados no meio experimentado pelo sujeito. Todas as ações, percepções e idéias são proporcionadas pelo ambiente cultural. “As identidades nunca são idênticas. Ao contrário, a igualdade e sustentabilidade a partir da política cultural pela identidade é uma luta pela diversidade, pelo direito de ser diferente” (LEFF, 2001, p. 341). 3.5 Camponeses: cultura e modos de vida A cultura pode ser vista não como mero comportamento, mas sim consiste em abstrações e no próprio comportamento. A cultura é feita de atitudes e de gestos. Ela comporta as técnicas do corpo: como se lavar, se pentear, se limpar. cultura passa ser compreendida como: Para Claval (2001), a 38 [...] “a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A cultura é herança transmitida de uma geração a outra. Não é, portanto um conjunto fechado e imutável de técnicas e de comportamentos” (CLAVAL, 2001, p. 63). Cada cultura vai configurando um estilo de apropriação de seu ambiente. A cultura simboliza seu ambiente em mitos e rituais, reconhece seus recursos naturais, imprime significados às suas práticas de uso e transformação. Assim, o habitat se define ao ser habitado; e esse habitar cria hábitos e define sentidos existenciais que conduziram a coevolução das culturas com seu meio, através das formas de apropriação de seu ambiente (LEFF, 2001, p. 283). Reiterando a visão de Leff, Claval (2001), relata que os camponeses conhecidos na América Latina como produtor rural ou agricultor, são povos que preservam ainda sua cultura, costumes, hábitos, tradições e valores, que são comuns aos seus membros e os diferenciam de outros povos ou comunidades. O conceito de camponês permite apreender a complexidade do sujeito histórico que designa, diferentemente do que ocorrem com outros conceitos como os de pequena produção e agricultura familiar. Trata-se de um conceito que possui uma história significativa no interior das ciências sociais e que tem se relacionado às disputas políticas e teóricas travadas em torno da interpretação da questão agrária brasileira e das direções tomadas pelo desenvolvimento capitalista no campo (MARQUES, 2008). De acordo com Woortmann (1990, apud, Marques, 2008) a campesinidade corresponde a uma qualidade encontrada em diferentes tempos e lugares, que expressa à importância de valores da ética camponesa para indivíduos ou grupos específicos. Estes podem apresentar maior ou menor grau de campesinidade segundo sua trajetória de vida e sua forma de integração à sociedade moderna capitalista. A sociedade tradicional ou camponesa é definida pelo seu relativo isolamento econômico, cultural e político, dada a fraca comercialização dos produtos e sua autosuficiência. Sua inserção na sociedade nacional se dá geralmente por uma tênue subordinação política e administrativa, exercida por mediadores que se constituem a partir de relações de patronagem e de princípios de redistribuição social. As relações de entre - ajuda postas em prática pelas unidades de produção e a presença de mecanismos de controle da diferenciação social e do conflito tornam a comunidade a unidade social mais ampla e uma entidade que assegura a coesão social (NEVES, 1985). Os camponeses vivem da terra e do que ela produz, plantando o alimento que vai para sua mesa, apegando-se profundamente a terra. Conhecem a natureza porque ganham a 39 vida com ela. Para o trabalhador camponês, a natureza forma parte dele, e a beleza, como substância e processo da natureza, pode-se dizer que a personifica. Os músculos e as cicatrizes testemunham a intimidade física do contato. A topofilia do agricultor ou camponês segundo Tuan (1980) está formada desta intimidade física, da dependência material e do fato de que a terra é um repósito de lembranças e mantém a esperança. A apreciação estética está presente, mas raramente é expressa. Em suas pesquisas Tuan (1980, p. 120) ao falar da intimidade da terra um camponês revela a seguinte fala: [...] Para mim, minha terra está sempre aí, esperando-me e é parte de mim, bem no fundo do meu ser; é tão minha como meus braços e pernas. A terra é amiga e inimiga, é as duas coisas. A terra dirige meu tempo e meus estados de ânimo; se a colheita vai bem, eu me sinto bem, se há problemas com ela, há problemas comigo. Segundo Moura (1986) o camponês ao trabalhar com a terra conhece os segredos da natureza. A céu aberto é um observador dos astros e dos elementos. Sabem de onde sopra o vento, que insetos podem ameaçar seus cultivos, quantas horas deverão ser dedicadas a determinadas tarefas. Seu conhecimento do tempo e do espaço é profundo e já existia antes daquilo que convencionamos chamar de tecnologia. Geralmente o camponês pratica uma policultura, cuja pequena produção, obtida em pequena área trabalhada, destina-se uma parte para o consumo e outra para o mercado. Neves (1985) fala que os instrumentos utilizados no trabalho pelos camponeses são qualificados como rudimentares, produzidos por artesãos locais. Desse fato decorre então um acesso relativamente indiferenciado aos instrumentos de trabalho, variando apenas quanto à quantidade disponível pelas unidades de produção. O acesso a terra é relativamente amplo, pois que não se constitui em mercadoria ou o mercado. As formas sancionadas para este acesso prescrevem ainda a propriedade comunal para todos os membros da comunidade, segundo determinados usos (florestas, pastos etc.), e oportunidades amplas para o uso da terra através de formas de transferência de renda-produto ou renda-trabalho. “Habituado igualmente a trocar aquilo que a terra produz, seus contatos sociais podem ocorrer tanto dentro da pequena localidade em que vive, como se estender a habitantes distantes, mais especificamente à população das cidades” (MOURA, 1986, p. 9). Os produtos que não produz em sua propriedade como farinha de trigo, sal, roupas calçados entre outros, adquirem através de compras. Os camponeses por estarem sempre em contato com a terra sabem muito bem a época certa de plantar, capinar e colher os cereais. 40 Diferentes de outras categorias não têm um salário mensal, somente quando vende o produto de sua colheita. No campo e na fazenda, convém saber como e quando laborar, mexer a terra, semear, tirar a erva, colher, e aprender onde guardar os animais, o que lhes dar para comer, como ordenar os rebanhos, entre outros. Estas atividades fazem parte da vida do homem do campo, ele sabe quais as melhores épocas e horas de desenvolvê-las. Fazem parte de sua rotina. A repetição ganha ás vezes uma colaboração moral: o gesto tem seu valor pelo simples fato de se reproduzir indefinidamente. Ele se torna um ritual, entre o que é transmitido de geração a geração, as sequências assim são memorizadas ocupam um lugar importante, na vida de um homem do campo (CLAVAL, 2001). Independente de terem pouca terra, na unidade de trabalho, os chefes de família tomam a iniciativa de determinar e organizar os trabalhos, cuja mão-de-obra é essencialmente familiar. A produção é orientada para subsistência e aproveitando-se o excedente para ser vendido na cidade próxima. É de sua responsabilidade o trato com os animais domésticos de grande porte, cujo número e qualidade é sempre comparativamente inferior aos encontros nas propriedades de um grande fazendeiro ou de uma empresa agropecuária (MOURA, 1986). Geralmente as terras dos camponeses são repassadas de pais para filhos ou parentes, conhecidas como heranças, que acionam para dar continuidade ao uso social da terra que habitam e trabalha e á própria organização social da vida. Para um camponês o matrimônio é sagrado. Este deixa claro que não pode ficar sem mulher para cozinhar, cuidar da casa, ajudálo no trabalho da roça, criar-lhes filhos (MOURA, 1986). A vida cotidiana de uma mulher camponesa implica uma multiplicidade de saberes geralmente modestos: durante o dia ela varre, tira a poeira, lava os ladrilhos, encera, lava e passa a roupa, bate a massa do bolo, coloca a mesa, etc. (CLAVAL, 2001). Além dessas atividades uma mulher camponesa pode estar presente nas tarefas de produção, ou ausente em grande número delas, restringindo-se a tarefas que executa no interior de sua própria casa e no terreiro que lhe é contínuo; o trabalho feminino inclui a participação no plantio e na colheita, atividades que acumula com as tarefas desempenhadas no corpo da casa e no quintal (MOURA, 1986) A vida familiar é pontuada pelas refeições onde todos se sentam numa mesma ordem e na mesma hora ao redor da mesa, as mesmas pessoas servem ou tiram a mesa, os pratos sucedem-se em sequência idênticas e os mesmos assuntos alimentam as conversações e os comentários (CLAVAL, 2001). É comum os camponeses participarem de romarias, novenas e serem devotos de 41 santos. Recorrem fortemente ao pagamento de promessas por graças alcançadas e à veneração de santos protetores, tais práticas se difundem por toda a sociedade, mobilizando um grande número de pessoas inclusive não trabalham nos dias dedicados aos santos de sua devoção. São os santos e as divindades que dão sentido aos dias especiais. Os feriados nacionais estabelecidos pelo Estado não têm grande significado no meio rural. Se uma data nacional, como a Independência ou a Proclamação da República chega ao conhecimento do camponês, não lhe altera a substância simbólica do tempo, como ocorre num dia de festejos de um santo padroeiro. A festa deste é forte o suficiente para gerar a parada do trabalho, enfim, a alteração do cotidiano nas áreas rurais, mesmo que não esteja no calendário nacional é realizada e cultuada (MOURA, 1986, p. 22). 3.6 Por uma racionalidade ambiental Para Leff (2001) a educação ambiental fomenta novas atitudes nos sujeitos sociais e novos critérios de tomada de decisões dos governos, guiados pelos princípios de sustentabilidade ecológica e diversidade cultural, internalizando-os na racionalidade ecoeconômica e no planejamento do desenvolvimento. Isto implica educar para formar um pensamento crítico, criativo e prospectivo, capaz de analisar as complexas relações entre processos naturais e sociais, para atuar no ambiente com uma perspectiva global, mas diferenciada pelas diversas condições naturais e culturais que a definem. A Educação Ambiental (EA) é parte do movimento ecológico, se constitui numa forma de educação, que tem como objetivo atingir todos os cidadãos, através de um processo participativo permanente, criando no educando uma consciência crítica sobre as questões ambientais. Nesse sentido, podemos dizer que a Educação Ambiental é herdeira direta do debate ecológico e está entre as alternativas que visam construir novas maneiras de os grupos sociais se relacionarem com o meio ambiente, (CARVALHO, 2008, p. 51). A problemática ambiental segundo Leff (2002), não é ideologicamente neutra nem é alheia a interesses econômicos e sociais. Sua gênese dá-se num processo histórico dominado pela expansão de modo de produção capitalista, pelos padrões tecnológicos gerados por uma racionalidade econômica guiada pelo propósito de maxizar os lucros e os excedentes econômicos a curto prazo, numa ordem econômica mundial marcada pelas desigualdades entre nações e classes sociais. Este processo gerou, assim, efeitos econômicos, ecológicos e culturais desiguais sobre diferentes regiões, populações, classes e grupos sociais, bem como perspectivas diferenciadas das análises. 42 Para Leff (2000) a difusão deste modelo tecnológico foi tirando o lugar das pequenas indústrias e das práticas produtivas tradicionais, lançando no mercado de trabalho maior contingentes de mão-de-obra desempregada ou subempregada e destruindo as condições para um desenvolvimento autodeterminado e sustentável. Os custos ambientais e sociais do crescimento econômico, fundado no incremento da produtividade tecnológica tampouco foram avaliados em termos de seu impacto na desestruturação dos ecossistemas produtivos e na superexploração dos recursos naturais. Isto significou a perda do potencial econômico proveniente do aproveitamento da produtividade primária dos ecossistemas naturais, do manejo integrado de seus recursos e da descoberta de recursos potenciais. A dependência cultural reforça os efeitos da dependência econômica, ao incorporar padrões um processo produtivo orientado para a satisfação da demanda externa o que provoca uma fuga importante do excedente econômico interno e uma destruição dos recursos disponíveis para um desenvolvimento endógeno fundado no ordenamento ecológico das atividades produtivas (LEFF, 2001). A eficiência tecnológica e a maximização do lucro de curto prazo, que regem a economia globalizada, aceleram processos de uniformização da paisagem, produção de monoculturas, de perda de diversidade biológica, de homogeneização cultural e de urbanização dos assentamentos humanos. Desta forma, o crescimento econômico se alimenta de um processo de extração e transformação destrutiva de recursos naturais, de degradação da energia nos processos de produção e consumo de mercadorias (LEFF, 2001, p. 285). Leff (2002) ressalta que o processo de globalização busca ecologizar a economia, o território e a organização social; mas ao mesmo tempo vai desterritorializando identidades, enterrando saberes práticos e desarraigando a cultura de seus referentes locais. A busca de status, de lucro, de prestígio, de poder, substitui os valores tradicionais: o sentido de enraizamento, equilíbrio, pertença, cooperação, convívio e solidariedade. Desta forma Capra (1999) coloca que um dos desafios para o século XXI, seria a mudança do sistema de valores que está por trás da economia global, de modo a torná-lo compatível com as exigências da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica. O autor fala que a sustentabilidade ecológica requer mudanças de pensamento, de comportamento, de atitudes e valores do ser humano. “A racionalidade ambiental exige sempre um saber ambiental, enraizado na subjetividade dos sujeitos coletivos e na sua ordem cultural, através de um diálogo de saberes. Por isso que o saber ambiental procura o que as ciências ignoram” (FLORIANI, 2004, p. 131) Leff (2002) ao falar da racionalidade ambiental incorpora assim as bases do equilíbrio ecológico como norma do sistema econômico e condição de um desenvolvimento 43 sustentável; da mesma forma se fundamenta em princípios éticos (respeito e harmonia com a natureza) e valores políticos (democracia participativa e equidade social) que constituem novos fins do desenvolvimento e entrelaçam como normas morais nos fundamentos materiais de uma racionalidade ambiental. O autor citado salienta que a racionalidade ambiental se funda numa nova ética que se manifesta em comportamentos humanos em harmonia com a natureza; em princípios de uma vida democrática e em valores culturais que dão sentido à existência humana. Estes se traduzem num conjunto de práticas sociais que transformam as estruturas do poder associadas à ordem econômica estabelecida, mobilizando um potencial ambiental para a construção de uma racionalidade social alternativa (2002, p. 88). Na construção da racionalidade ambiental desconstrutora da racionalidade capitalista que se forma o “saber ambiental”. Este pressupõe a integração inter e transdisciplinar do conhecimento, para explicar o comportamento de sistemas socioambientais complexos e, também, problematizar o conhecimento fragmentado em disciplinas e a administração setorial do desenvolvimento. Tudo isto para construir um campo de conhecimentos teórico e prático orientado para a rearticulação das relações sociedade-natureza (LEFF, 2001). O saber ambiental emerge assim como uma consciência crítica com um propósito estratégico, transformando os sistemas de valores, as normas éticas, os conceitos e métodos de uma série de disciplinas e construindo novos instrumentos que permitam a concretização do discurso ambiental na realização de projetos e programas de gestão ambiental. Isto faz com que, apesar do saber ambiental transformar os conteúdos e orientações teóricas de uma série de disciplinas, por outro lado orientase por fim para a resolução de problemas concretos e para a execução de políticas alternativas de desenvolvimento (LEFF, 2000, p. 234). 44 4 APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO DOS MORADORES DE AREIA BRANCA E RIO DO SALTO 4.1 O sonho em ser um poeta Seu Ascendino, 70 anos, nasceu em Rio Jundiá, no interior do município de Turvo SC, na região do extremo sul catarinense, onde o plantio de arroz é o forte da economia. É uma região de extensas planícies cercadas pela Serra Geral e pelo mar. É filho de agricultor. Sua família sempre morou no campo. Seu pai era dono de uma pequena propriedade onde desenvolviam atividades como plantar, capinar e colher os cereais que plantavam, sendo que estes eram somente para própria subsistência. Como tinham pouca terra e a família era grande, resolveram vendê-la, migrando para um novo lugar, conhecido como Sapiranga localizado no município de Meleiro, S.C. Na comunidade de Sapiranga, sua família trabalhava também na agricultura, criavam alguns animais para o consumo, plantavam milho, mandioca, feijão entre outros. Durante a semana seu Ascendino exercia atividades totalmente diferentes dos finais de semana. Todos os membros de sua família tinham o mesmo compromisso, ir à igreja. Nos domingos à tarde era o período que tiravam para descansar e para os momentos de lazer que era brincar de futebol, pescar, tomar banho de rio, coletar frutos no meio da mata. O lazer significa sair de casa. Conforme Brandão (1989, p.17): "[...] não há dúvida de que a casa é o local da rotina, da família e de uma estabilidade de relações que em quase tudo sugere o contrário daquilo que a rua, seus tempos, festas e sujeitos pretendem ser”. É por isso que o lazer é expresso nos registros diários de uma maneira diferenciada nos sábados e domingos -, contando o que foi feito fora do ambiente da casa, mesmo que tenha havido trabalho, como no caso das festas de igreja. Segundo Foetsch (2005), a lembrança do passado é um elemento importante no amor pelo lugar, encarada como herança, um legado a ser preservado, algo que enraíza os sentimentos, uma memória que pode ser tanto individual quanto social e reaparece nas relações pessoais com a simbologia do espaço vivido. Tais laços de afetividade que ligam o homem, abstrata ou concretamente, ao lugar vivido despertam sentimentos e provocam relatos e referências verbais e ou escritas de poetas, intelectuais e mesmo cidadãos comuns, os quais 45 buscam evocar a alma dos lugares, captam e descrevem o desempenho dos seres humanos, a fixação aos lugares, o cotidiano, o transcendental, a nostalgia, enfim uma gama ampla de motivos e emoções. “De todos os lugares onde já morei, o que mais me chamou a atenção e me identifiquei foi esta comunidade, sendo que aqui construí a minha família, minha casa e a minha própria cerâmica. Foi aqui onde nasceram meus filhos, netos e bisnetos. Foi aqui que adquiri alguma coisa. Adoro olhar para a rua e ver meus amigos passando e me cumprimentando. Adoro acordar de manhã e ouvir os pássaros cantando e sentir um cheiro de ar puro, como este aqui ainda nunca senti.” Assim relata um dos entrevistados que mais referenda e embasa a vida em comunidade na localidade de Areia Branca (Sr.Ascendino Monteiro, 2010 entrevistado 1). Através dos relatos de seu Ascendino, pode-se conhecer suas particularidades, sonhos, desejos e emoções e conforme salienta Pasini (2010), através da memória pode-se ter acesso as particularidades de um passado, dando-nos a conhecer o cotidiano e a vida local. Segundo o autor, “a memória não é o retrato fiel daquilo que aconteceu, pois ela gira em torno da relação passado presente e está ligada aos sentimentos dominantes de cada época, alterando-se de geração para geração” (PASINI, 2010, p.3). O amor pelo lugar, às lembranças boas do passado, as emoções vividas no local em que está inserido, são motivos que fazem seu Ascendino, querer recontar e relembrar a sua história de vida. Ao perguntar o que entende por natureza seu Ascendino coloca: “natureza é o lugar onde tem pássaros, árvores, ar puro, água. Tudo isso faz parte dela, onde ela nos dá de graça”. Na visão de Gonçalves (2007) todos os elementos que compõem a natureza constituem imagens poéticas compartilhadas. “Senti-a muito feliz no encontro com a natureza. Ficava a apreciar os pássaros cantarolando, o ar puro somente encontrado ali, no meio das matas e a grande exuberância das árvores, todas com sua função” (Sr.Ascendino Monteiro, 2010, entrevistado 01). Para Santos cada lugar é a sua maneira o mundo, e por estar em comunhão com este, 46 torna-se exponencialmente diferente dos demais. Na visão de seu Ascendino todos os lugares que já morou cada um tem um valor sentimental, pois estes contribuíram para a formação de sua história de vida. No final da tarde de domingo, seu Ascendido preparava-se para o dia seguinte, onde começaria tudo de novo; a lida na roça. Sua mãe os acordava muito cedo, onde bebiam um pequeno “mata bicho” 1, em seguida cangavam2 os bois na zorra3 ou no carro de boi , dirigiam-se para a lavoura.O trabalho na agricultura na época era braçal sem o uso de máquinas e poucos implementos agrícolas o que dificultava o manejo da terra, assim, as famílias neste período um tanto quanto numerosas necessitavam de novos meios de sobrevivência,partiam para novas comunidades em busca de uma vida melhor .O emprego era o objetivo principal para o estabelecimento dessas famílias. De acordo com Cabral (2008, p.17): A modernização do campo contribui para acelerar o êxodo rural, fazendo com que milhares de famílias deixassem o campo, ou por falta de emprego, uma vez que, as máquinas estavam substituindo o trabalho humano, ou se dirigiam às cidades em busca de novas perspectivas de vida que a vida urbana poderia oferecer. Aos 15 anos de idade seu Ascendino junto com alguns amigos resolvem montar um conjunto onde iam nos aniversários e festas para animar os bailes. O nome do conjunto era “Trio Luar do Sertão”. Na mesma época em que cantava no conjunto também exercia uma outra atividade, trabalhava na rádio de Araranguá como locutor. Quando era moço gostava muito de cantar e fazer poemas. Os seus poemas são baseados em fatos reais, que até hoje o autor, os cria com grande prazer e carinho. Aos 30 anos seu Ascendino recebe uma nova proposta de emprego em uma nova comunidade conhecida como Ermo. Nesta época Ermo era distrito de Turvo. Neste lugar exercia uma função totalmente diferente daquele em que era acostumado a fazer quando estava na roça. Agora iria trabalhar na administração de uma cerâmica. Pensar o lugar significa pensar na história particular de cada lugar, se desenvolvendo, ou melhor, se realizando em função de uma cultura, tradição, língua, hábitos que lhe são próprios, construído ao longo da história (CARLOS, 1996). Observa-se que seu Ascendino, buscava se encontrar em uma profissão poética, seja pela música, através de uma rádio, através de festas e bailes. Percebe-se que ele é uma pessoa 1 Termo utilizado pelos camponeses quando ao referir-se ao café da manhã em jejum. Peça utilizada para unir os bois. 3 Caixote de madeira para carregar fumo. 2 47 do povo que gosta de se comunicar com as pessoas através destas linguagens, e mudava-se constantemente em busca de uma realização pessoal. Não mostrava apego ao lugar, mas sim sobre as coisas que fazia. De acordo com Calvente, Moura e Antonello (2010, p. 393): [...] a experiência de ouvir as histórias de vida dos mais velhos, com relação ao meio, permite reconstruir o presente, tomando-se por base histórias individuais, caminhando para o entendimento de uma história comum, fortalecendo as identidades coletivas e as relações sociais no presente. Seu Ascendino morou pouco tempo em Ermo. Como já tinha experiência em trabalhar em cerâmica resolveu investir no seu próprio negócio. Sabia que em Areia Branca localizada no município de Timbé do Sul-SC havia muito minério de argila, então comprou uma pequena propriedade nesta comunidade, montou sua própria cerâmica e até hoje trabalha com seu filho caçula na produção de tijolos. Ao lembrar do dia em que chegou para morar na comunidade, o acesso era muito difícil, não havia estradas grandes, apenas estradas de boiadeiro (as chamadas picadas), havia muito mato e não tinha acesso ao centro da cidade. Os rios não tinham pontes, quando iam ao centro da cidade eram obrigados a passar por dentro dos rios. Em 1976 seu Ascendino resolveu concorrer a uma vaga de vereador, onde foi eleito o mais votado. Neste período começou a lutar pelo desenvolvimento da comunidade, e conseguiu com a ajuda do governador Antônio Carlos Konder Reis4 uma draga para abrir um rio e também uma patrulha mecanizada para abrir as estradas. Segundo o autor Savi (1992) os primeiros caminhos não passavam de simples carreiros utilizando inicialmente as trilhas deixadas pelos tropeiros e a partir do povoamento, das picadas traçadas pelos colonos. Muitas vezes era aberto apenas o espaço mínimo para dar passagem a um carro de boi, desviando árvores, dando voltas para desviar banhados ou subidas íngremes. Os pequenos cursos d’água, quando não ofereciam condições de vau, (travessia de rio, onde não havendo ponte, os animais de carga ou sela, ou mesmo carros, têm que passar por dentro dos rios) se improvisavam pontilhões com madeiras brutas. Seu Ascendino junto com os moradores de Areia Branca lutou pelo desenvolvimento da comunidade, onde ele doa um terreno para construir uma igreja, uma escola, um posto de saúde e o salão de festas. Tuan (1980) diz que o lugar é um centro de significados construídos 4 Antônio Carlos Konder Reis (Itajaí, 16 de dezembro de 1925) é um político brasileiro que foi governador de Santa Catarina por duas ocasiões. É neto de Adolfo Konder que também ocupou a máxima magistratura do estado. Tendo-se pertencido à União Democrática Nacional, à ARENA e ao Partido Progressista. 48 pelas experiências. No lugar desenvolvem-se referências afetivas ao longo da vida a partir da convivência com o lugar e com o outro. Hoje seu Ascendino sente-se orgulhoso em ser um dos moradores que mais ajudou para que ocorresse o desenvolvimento da comunidade de Areia Branca. Ele contribuiu não somente com recursos financeiros próprios, mas também com a ajuda das políticas públicas estaduais para a implantação de melhorias na infraestrutura local. Referindo-se ao passado, seu Ascendino alega que têm muitas saudades, pois ele e seus amigos nos finais de semana se reuniam para jogar baralho, mora, boxa, entre outras brincadeiras. Savi (1993) fala que antigamente os adultos ou adolescentes quando saiam de casa aos domingos, primeiro se reuniam na casa de uma pessoa para a reza do terço, com cânticos sacros em italiano e as ladainhas de nossa senhora, em latim. Depois, é que se espalhavam pelas poucas casas ou pela única venda, onde passavam o resto do dia jogando baralho, mora, ou boxas, bebericando café, vinho ou cachaça e entoando canções italianas. “Hoje me lembro também que eu e meus amigos participávamos de brincadeiras como o terno de reis. Nós passávamos nas casas fazendo as apresentações, onde toda a comunidade participava e se divertia” (Sr. Ascendino Monteiro, 2010, entrevistado1). O Terno de Reis, ou Folia de Reis é um festejo de origem portuguesa ligado às comemorações do culto católico do Natal, trazido para o Brasil ainda nos primórdios da formação da identidade cultural brasileira, e que ainda hoje mantém-se vivo nas manifestações folclóricas de muitas regiões do país (SANTOS, 2010). No Brasil a visitação das casas, que dura do final de dezembro até o dia de Reis, é feita por grupos organizados, muitos dos quais motivados por propósitos sociais e filantrópicos. Cada grupo, chamado em alguns lugares de Folia de Reis, em outros Terno de Reis, é composto por músicos tocando instrumentos, em sua maioria de confecção caseira e artesanal, como tambores, reco-reco, flauta e rabeca (espécie de violino rústico), além da tradicional viola caipira e do acordeom, também conhecida em certas regiões como sanfona, gaita ou pé-de-bode (VENTORIM, 2010). Nos meses de junho e julho são realizadas a festas de São João conhecida em todo o Brasil como as chamadas festas juninas (junho) e julhina (julho). “No mês de junho fazíamos as festas juninas no salão de festas, tomávamos quentão 49 e fazíamos muitas brincadeiras. Divertíamo-nos muito. Tempo este que não volta mais” (Sr.Ascendino Monteiro, 2010, entrevistado 1). Seu Ascendino salienta que quando está inspirado procura o lugar mais aconchegante da sua casa, neste caso, a sala. É neste local que procura ficar a maior parte de seu tempo. Para ele, este é um tempo precioso, onde consegue descansar, pensar, meditar e criar seus poemas. Para Tuan (1983) os lugares são carregados de sensações emotivas principalmente porque nele as pessoas sentem-se seguras e protegidas. É visível o apreço de seu Ascendino pela escrita e pela viagem que seus poemas podem levá-lo, assim como a veracidade de fatos marcantes em suas histórias, pois proporciona aos leitores a sua história de vida e de sua comunidade. Um dos poemas de grande destaque de seu Ascendino, foi sobre o Ciclone, ocorrido entre os dias 27 e 28 de março de 2004, que assustou muitas pessoas do vale do Araranguá, pelos seus estragos e pela velocidade dos ventos que atingiram até 155 Km/h. As rajadas de ventos fortes eram assustadoras, telhas arrancadas, a chuva torrencial molhou o interior das casas, rios invadiram cidades, no mar ondas de até cinco metros. Este fenômeno climático foi, popularmente, batizado de Furacão Catarina, primeiro furacão na história do Atlântico Sul (HERRMANN, 2005). Há controvérsias: Segundo o INMET (Instituto Nacional de Meteorologia), o fenômeno que atingiu Santa Catarina e o Rio Grande do Sul foi um “Ciclone Extratropical”. No entendimento da NASA (Agência Espacial Norte americana e o Centro Integrado de meteorologia e Recursos Hídricos-Climerh-SC) o fenômeno foi um Furacão (AVANCINI, 2011). Foi neste momento que seu Ascendino, deitado em seu sofá, criou um poema sobre o “Furacão”, baseado no sentimento de angústia e desespero dos moradores que o presenciaram no vale do Araranguá. Este foi seu poema: Em 28 de março foi no clarear do dia Ciclone soprava forte, vários gritos se ouvia Destruindo muitas casas, postes e árvores que caíam Um rezava e outro chorava, outro de susto corria Parecia o fim do mundo, credo em cruz, virgem Maria Amanheceu um dia triste vendo a mata destruída E as flores sem perfume, as folhas murcha caídas 50 Ficaram mudos os passarinhos, de ver o sertão sem vida O caboclo olhava triste a sua roça perdida O ciclone Catarina deixou o povo assustado Aos prefeitos e vereadores, governadores e deputados Abrace nossos colonos, que são trabalhadores honrados Que dirige o seu trator, dando murro no pesado Não tem chuva não tem sol, de suor fica molhado É a bandeira do Brasil orgulho do nosso estado Conheço muitos colonos no vale dessas colinas Aonde tem matas verdes, rio de água cristalina Tem o santo protetor, São Cristóvão nos ilumina Onde o céu é mais azul, é Rio Grande, Timbé do Sul Nossa Santa Catarina Senhor Presidente, eu queria um minuto de atenção Ajudai os pobrezinhos e o povo humilde do sertão Não tem terra e não tem casa, não pode comprar o pão É um amigo que implora por Deus e Nossa Senhora Ajudai nossos irmãos Aqui fica o meu abraço, e um aperto de mão Não falei mais porque não coube nesta singela canção Se eu tombar em outras terras eu peço de coração Aqui meu pedido encerra, deixo um abraço aos Colonos que é o alicerce da nação.” A poesia é uma forma de expressão linguística, destinada a evocar sensações e emoções. Surgiu intimamente ligado a música. A poesia dos aedos gregos e trovadores medievais promoviamn a união entre a letra do poema e o som. Ao longo dos anos, este vínculo foi se intensificando, mas houve uma distinção técnica entre a música (que passou a ser escrita em pautas) e a poesia que preservou a rítmica natural, e passou a ser construída por meios gramaticais. Posteriormente, a poesia ganhou fundamentos e regras próprias (LORCA, 2010). Ao terminar este poema seu Ascendino descreve o grande aperto que sente no coração, pois seu sonho era ser um poeta. Teve muito medo de seguir esta profissão, pois nem todas as pessoas têm sorte de serem reconhecidas e bem sucedidas. Seu Ascendino já fora convidado pelos cantores Milionário e José Rico para compor músicas para eles, chegaram a convidá-lo para ir embora para São Paulo, oferecendo casa e um bom salário. Mas devido o medo e por estar com uma idade avançada resolveu ficar. Em sua fala coloca o grande desejo de publicar seu próprio livro com todos os poemas que já fez. Hoje tem pronto mais de cento e vinte poemas. O último poema que fez foi sobre a barragem 51 de Areia Branca. Este, porém, mostrará apenas quando receber a indenização de sua propriedade. Na construção de barragens ocorrem impactos socioeconômicos, ecológicos e socioculturais. De acordo com Soares, Froëhluich e Marques (2007), o deslocamento obrigatório de pessoas, pode gerar uma perda de identidade coletiva decorrente da perda da propriedade rural e dos padrões de organização social, como relações de parentescos, amizades e da própria comunidade. Ao falar da barragem seu Ascendino demonstra a tristeza que sente de ter que sair do lugar que organizou conforme seu gosto, devido à construção da mesma. Carlos (1996) diz que cada sociedade produz seu espaço e que dentro dos espaços cabem vários lugares, determinando o modo de vida, os modos de apropriação, expressando sua função social, seus projetos e desejos. Segundo seu Ascendino, desde que soube do projeto de construir uma barragem em Areia Branca, não apresentou mais ânimo de arrumar sua própria casa, seu local de trabalho (cerâmica). Ressalta que “não adianta fazer mais reformas, pois o dinheiro investido não terá mais retorno, pois o valor das indenizações já foi impostos há cinco anos atrás”. Referindo-se a comunidade de Areia Branca, percebe-se a grande tristeza em seus olhos ao colocar que a comunidade esta composta por crateras devido a várias empresas retirarem argila do local. Muitos moradores estão com as casas em péssimas situações, não tendo mais vontade de investir em suas propriedades. Seu Ascendino fala do grande esforço em busca do desenvolvimento local feito no passado pela comunidade e agora todo o amor depositado ficará um dia debaixo d’água. Ao lembrar que terá que migrar para um novo lugar ele faz a seguinte explanação: “Sentirei saudades da água que tenho aqui. Ela nasce na minha própria propriedade, ela é cristalina. Sei que ao migrar para um novo lugar, a água não vai ser igual como a que tenho aqui. Se quiser água boa terei que comprar, está aqui eu não pago nada por ela” (Ascendino Monteiro, 2010, entrevistado 1). O abandono da comunidade, unindo-se a dificuldade de adaptação de outras lares fazem com que muitas pessoas sentem medo da remoção de seus domicílios, pois a insegurança de não conseguirem imóveis similares às antigas e também medo de não manterem o mesmo padrão de vida. Nas palavras de seu Ascendino sobre o remanejamento, argumenta o grande medo 52 que tem de não conseguir se adaptar no novo lugar. Segundo ele toda a pessoa de idade a partir que constrói seu lugar, quer ficar ali até morrer, pois todo o objeto criado por cada um tem um forte valor emocional. Ele acredita que irá levar muito tempo para se adaptar no novo lugar, isto é, se conseguir se adaptar nele, pois no novo local os vizinhos não serão os mesmos. Achava que só sairia de Areia Branca, um lugar muito especial para ele e no qual nos conta sua história com muito orgulho, somente depois de morto. Seu Ascendino remete-se a sua migração forçada como sendo mais uma de suas antigas mudanças em busca de uma terra onde possa ser feliz e dar certo na vida, visto que imaginava que seria aquela terra a receber seu corpo quando não tivesse mais vida. 4.2 Lembranças de criança: época que não volta mais Para Norberg-Schulz (1987), o homem não se identifica com estruturas abstratas, mas com um mundo de coisas palpáveis. As coisas palpáveis são percebidas: rochas, montanhas, árvores, campos, lagos, rios, animais e seres humanos, casas e artefatos. São estes os objetos que conhecemos, reconhecemos e recordamos. O caráter ambiental é, portanto determinado pelos objetos que constituem a localidade. Desta forma dona Darci Biz, 74 anos, relembra do lugar onde morou durante toda a sua infância em uma comunidade conhecida como Morro Chato, localizado no município de Turvo SC. Morou durante 19 anos em Morro Chato. Quando criança gostava muito de tomar banho no rio. O banho no rio tinha dois motivos: primeiro porque na casa não havia banheiro. Optar pelo banho em casa tinha que esquentar uma chaleira d’água e colocar na gamela (vasilha de madeira). Segundo porque em dias de calor dava para se refrescar. Nos finais de semana dona Darci e suas amigas costumavam ir brincar no meio da floresta próxima a sua casa. Ela gostava de subir nas árvores para coletar frutos como bacupari, cortiça e também para se esconder das suas colegas. Gostava de se balancear nos cipós que havia nas árvores, até balanço nelas ela fazia. Ficava durante muito tempo quietinha a observar o canto dos pássaros, o ar puro que havia naquele local. Somente naquele lugar encontrava muita paz. A poética da natureza é produzida pelo ser humano no instante consagrado de sua emoção, coloca-se nas mais diversas figurações (imagens) com que a natureza brinda os olhos humanos, traduzida na arte compartilhada com toda a humanidade. A natureza para dona 53 Darci é perfeita e importante, pois ela nos dá o sustento, e principalmente a matéria prima para transformarmos em produtos (GONÇALVES, 2007). Durante a semana, ajudava seu pai na roça. Tinha época que exercia outras atividades como puxar com o carro de boi aipim para fazer farinha de mandioca e polvilho. Seu pai ficava cuidando do moinho em casa. A farinha de mandioca e o polvilho, seu pai vendia para as mercearias de Araranguá, Turvo e Meleiro. Savi (2009) diz que as crianças de antigamente durante o dia, tinham muitos compromissos, principalmente com as mães, em ajudar nos serviços de manutenção da casa, tratar dos animais, recolher ovos das galinhas, debulhar milho para levar na atafona, no qual este era transformado em farinha de milho, ajudar no quintal, separar os terneiros das vacas e ajudar na ordenha. As crianças maiores os pais levavam para trabalhar na roça, pois pagar um peão por dia se tornava muito caro (p. 30). Não tinha tempo para ir à escola. A infância de Dona Darci foi muito diferente da infância das crianças de hoje, visto que na sua época, não existia uma lei que os obriga-se a ficar na escola. Quando tinha tempo fazia seus próprios brinquedos. As brincadeiras de antigamente eram mais saudáveis e eram feitas pelas próprias crianças, os meninos faziam carrinhos de sabugo de milho ou então de rolo de carretel; já as meninas faziam suas bonecas de sabugo de milho, de pano, ou então, na época que o milho estava soltando grãos, elas retiravam a espiga do pé e faziam suas próprias bonecas (SAVI, 2009). Aos 15 anos de idade começou a frequentar as festas. As festas geralmente eram como nos dias atuais, realizadas nas comunidades, sendo que estas sempre em homenagem aos santos padroeiros. Era comum na sua época as pessoas irem descalço até próximo ao salão de festas. Devido à situação no passado não ser muito boa, os pais compravam sapatos com números maiores, pois se crescia o pé o sapato ainda servia, ou quando não servia mais, era repassado para a criança menor. Dona Darci coloca que levava uma toalha na mão para quando chegasse próximo do salão lavava os pés, secava-os e colocava o calçado. Fazia desta forma, pois um par de calçado tinha que durar muito tempo. De acordo com Aguiar (1998), a identidade é um valor de âmbito cultural, de forte caráter emocional. Incorporar os valores da idade, as relações com as tradições, com as memórias e as lendas, com as simbologias de âmbito político religioso, que muito facilmente despertam sentimentos extraordinariamente fortes, sejam eles de caráter nacionalista, patriótico, ou místico. Os valores atuais não são os mesmos da época vivenciada pela dona Darci. Desde cedo Darci aprendeu com sua mãe a cuidar da própria casa, cozinhar, lavar roupa e cuidar dos próprios irmãos. Antigamente era comum as mulheres serem preparadas 54 para o casamento. Muitas casavam muito cedo. Se chegasse aos vinte anos e estavam solteiras eram consideradas por muitos como “encalhadas”. Aos 19 anos de idade dona Darci resolve casar-se com o filho de um coronel, um homem muito famoso naquela época. Quando casou achou que tinha acertado na loteria devido a seu marido ser rico. Achava que teria uma vida melhor que a de solteira, só que se enganou, teve que trabalhar dobrado. Seu marido viajava, e ela tinha que ficar sozinha com os filhos e cuidar da própria casa. As mulheres tinham uma vida árdua, trabalhavam em casa e na roça, além de terem uma grande responsabilidade de cuidar e educar seus próprios filhos, muitas das vezes sozinhas. Seu marido trabalhou muitos anos como caminhoneiro. Levava penas de aves e mercadorias para São Paulo e Rio Grande do Sul e trazia sacas de alinhagem para revender para os rizicultores da região. Através de muitas economias seu marido conseguiu abrir uma empresa de sacaria. Nela somente revendiam as sacas em que compravam. Nesta época em Areia Branca muita gente plantava arroz. Pessoas percorriam quilômetros para comprar sacas para armazenar o arroz. Segundo Savi (2005) pouco antes da segunda guerra mundial, os banhados começaram ser utilizados mais racionalmente com a cultura do arroz irrigado, começando por estoque por meio de alavancas manuais. Após a colheita estes cereais eram depositados em sacos de alinhagem e guardados em paióis, onde cada rizicultor tinha seu depósito próprio. Com a chegada da modernização no campo, os agricultores passaram a adquirir implementos agrícolas, como tratores, colheitadeiras, insumos agrícolas entre outros. A forma de plantar e colher arroz já não são a mesma. O arroz passa a ser colhido com uma ceifadeira e depositado em um graneleiro. Depositar arroz em sacas já não se faz mais necessário. Desta forma o marido de Darci percebe que vender sacas de alinhagem não dava mais lucro como dava antigamente, então resolve fechar sua empresa, pois a procura de sacarias vinha diminuindo a cada ano. Esta atividade não estava sendo mais rendável para a família. Santos (1997, p.71) argumenta que o “espaço é construído e resultado de múltiplas determinações naturais, sociais e culturais”. Nas palavras de Claval (1999, p. 207) “o espaço, suporte da sociedade, é físico, social e simbólico, onde o sujeito significa”. Ao ser questionado sobre o entendimento de espaço, ela diz; “Espaço é amplo. Minha comunidade foi construída em um espaço. Minha casa esta localizada dentro desse espaço. Neste espaço criei meus filhos e enterrei o umbigo deles. Foi 55 neste espaço que construí minha história de vida. Foi aqui onde construi meu pomar, meu quintal e minha casa” (Darci Biz, 2010, entrevistada 2). A arquitetura da casa de dona Darci é antiga, escolheu cores como cor-de-rosa e verde para pintá-la. Sua casa e bem preservada, colocou mobílias antigas de aspecto luxuoso compondo uma atmosfera de muito conforto. No entorno da casa há um quintal, um jardim com várias espécies de flores e um pomar, com grande variedade de árvores frutíferas. Ela fica maravilhada ao falar deste espaço. Na sua concepção não há como ficar triste nele, pois ao olhar o jardim e ver as flores abertas, “percebemos que Deus é generoso”. A casa é vista como abrigo, como protetora, também é um lugar de nossos sonhos. É nela que o sujeito cria seus lugares mais íntimos (GONÇALVES, 2007). De todos os cômodos da casa, o de maior apego para Darci é o quarto. É neste lugar na qual há utiliza para fazer as orações, descansar, ler os livros e a bíblia. A bíblia é seu objeto poético, sendo encontrado nele, força e consolo para seguir a vida. A história social não somente de Dona Darci, mas de muitas pessoas caminha, deixando fraturas na subjetividade, reprimindo vontade, desejo, humanidade. As consequências são rupturas de laços afetivos e abandono. Ao ser questionada sobre as mudanças na sua vida referente à barragem, ela argumenta: “Sei que vou ficar pouco tempo aqui, pois com a construção da barragem eu e meu marido vamos ser obrigados a ir embora para outro lugar. Hoje o que me entristece é que estou morando em uma casa onde não sou mais dona dela. Tudo isso daqui já não é mais meu. O processo da indenização da minha propriedade já está pronto. Meu marido está procurando um novo lugar para nós ir morar, só que está muito difícil de achar uma casa para comprarmos, pois as pessoas acham que os moradores do Rio do Salto irão receber muito dinheiro na indenização. Só que eles estão enganados, o valor da indenização das propriedades está sendo pago a um valor muito baixo, não vai dar para comprar as mesmas coisas que iremos deixar aqui” (Darci Biz, 2010, entrevistada 2). Segundo Gonçalves (2007) o sujeito efetiva nos lugares o processo de significação, ele mora, trabalha, relaciona-se. Darci ao falar dos vizinhos mostra a grande afetividade que tem com cada um. Recebe-os todos com amor, educação e respeito em sua casa. Eles fazem 56 parte de sua história de vida, na qual foram seus empregados no passado. Ela fala que no campo as pessoas têm costume de pedir algo emprestado como café, açúcar, arroz entre outros, devolvendo após a compra. Desta forma nas palavras de Tuan (1983), nos bairros (comunidades) os laços de parentesco e de vizinhança são fortes, não se expressam pedindo emprestado xícaras de açúcar, mas através de visitas e de jantares. Os moradores sentem-se orgulhosos das tradições do lugar. Na visão de Dona Darci os vizinhos são solidários, um ajuda o outro conforme pode. Em épocas de Natal e quaresma se reúnem nas casas para fazerem as novenas. Este ato é praticado desde a sua infância. Darci revela o grande orgulho que tem em morar em Rio do Salto. Identifica-se com todos os lugares dentro do espaço no qual está inserida hoje. Todos eles têm um grande valor simbólico e afetivo. Gonçalves (2007) afirma que com o passar do tempo o sujeito transforma espaços vazios em significativos. Estes espaços podem passar por mudanças. Mudanças estas que os obrigam a mudar de local ou região. Ao ser questionada sobre a barragem, Darci fala da tristeza que sente, pois terá que deixar seu espaço (comunidade, casa, jardim,pomar) migrando para outra região, onde não contribuiu com nada para sua formação. Gonçalves (2007) coloca que quando um indivíduo é alienado de seu projeto de vida para viver de outros, ela anula seus sonhos. Ela comenta sobre a participação de sua família no desenvolvimento da comunidade de Rio do Salto. Quando tinham a empresa de sacaria davam empregos para várias pessoas da região, ajudavam os carentes da comunidade, faziam parte da diretoria da igreja entre outros. Ele afirma que haverá uma grande mudança em sua vida em outro ambiente. Darci argumenta que terá que se acostumar com os novos vizinhos e com o lugar. Em sua opinião não será nada fácil de adaptar em um meio, no qual não há conhece. As pessoas de idade avançada levam muito tempo para se habituar em um novo espaço, depois de certa idade tudo fica mais difícil, assim fala Darci. Com a construção da barragem, muitos moradores de Areia Branca e Rio do Salto vêem seus sonhos sendo levados por interesses que irão beneficiar um pequeno grupo de pessoas que não residem no próprio município. Dona Darci vê que a barragem com o acúmulo de água irá afogar sua história de vida e seus sonhos, pois foi nesta comunidade que formou sua família. Faz 55 anos que reside na comunidade de Rio do Salto e não se acostuma com a ideia de sair de seu espaço, para favorecer um grupo de pessoas que não conhece. 57 4.3 Memórias de um agricultor Seu Ademilsom trabalha na agricultura, como ele mesmo diz: “sou agricultor”. Tem 49 anos. Nascido na comunidade de Areia Branca. Pai de sete filhos, cinco mulheres e dois homens. Ele dá gargalhado ao falar do grande número de filhos que tem, “bastante né, faltou assistir mais televisão”. Ele dá início a sua história falando do tempo de criança. “Tempo difícil né”. Quando pequeno, com pouco mais de nove anos trabalhava por dia em uma olaria. Na época da safra do fumo, deixava o trabalho na olaria e exercia atividades relacionadas ao plantio e colheita, como ele diz “é bom trabalhar e ganhar o próprio dinheiro”. Estudou até a quarta série na Escola Isolada Amola Faca. Para Gonçalves (2007, p. 80): [...] os lugares são associados de imagens e sensações, estando condicionada a memória pessoal e ao repertório de cada indivíduo resultando na inter-relação entre ambiente, homem e sociedade. Nos lugares são desenvolvidos histórias, relembradas no passar do tempo. Ademilson se lembra de fatos que vivenciou em sua infância na comunidade de Areia Branca, local onde constituiu família. Segundo ele, a comunidade de Areia Branca era considerada muita violenta. Havia muitas brigas, onde as pessoas usavam arma de fogo. Muitas destas morreram assassinadas, no lugar onde acontecia o incidente era comum colocar uma cruz. Seu Ademilsom lembra de um acontecimento na época que recorda ainda hoje. “Um desses dias ao sair da escola vi um homem morto na beira da estrada e o que mais chamou a minha atenção é que no local do furo colocaram um lápis para estancar o sangue,” (Ademilsom Luiz, 2010, entrevistado 3). De sua infância guarda a imagem daquela cena, pois nunca imaginara que poderia presenciar uma cena que muitas vezes fora contada por seu pai. Tuan (1983, p.110) fala: [...] viver muitos anos em um lugar pode deixar na memória poucas marcas que podemos ou desejaríamos lembrar; por outro lado, uma experiência intensa de curta duração pode modificar nossas vidas, com as experiências vividas e a mudança na história e no mundo. Cenas como aquela vivenciada por ele, com o passar do tempo não se repetiram, pois 58 a penalidade aos poucos se desenvolvia causando medo nas pessoas violentas e consequentemente diminuindo a criminalidade no local. Durante a semana seu Ademilsom trabalhava na roça. Nos finais de semana, como de costume, tirava o dia para descansar e se divertir, junto com seus amigos, tomavam banho nos rios e sangas. Gostavam de subir em cima das árvores próximas às margens dos rios para se jogar na água, segundo ele: “só para ver ela saltar”. Um dos lugares que tinha admiração e gostava de ir era o meio da mata para coletar frutos como: quaresma, bacupari, tucum, etc. Aqui, Tuan (1983, p. 37) lembra que “a experiência de tempo de uma criança pequena difere da de um adulto, onde as lembranças e as experiências de ambas formam a personalidade social e ambiental desta”. Em dias de chuva brincava nos morros onde deslizava morro abaixo com as canoas retiradas dos coqueiros. Quando o tempo era curto brincava próxima a sua casa, na qual havia uma figueira onde balançava-se em um cipó. A natureza desenvolveu um papel muito grande em sua vida, pois como seu pai não tinha condições de comprar brinquedos sofisticados, ela os oferecia muitos, sem cobrar nada. Ao falar de natureza, Ademilsom salienta sobre a perfeição dos seus elementos, como água, solo, árvores e os pássaros. “Dela eu tiro meu sustento”. Natureza para ele é composta de verde, de sons, de paz. Na sua visão Deus criou a natureza com a infinita perfeição. Quando criança fazia muitas travessuras, caçava, derrubava árvores para coletar frutos. Para caçar utilizava fundas ou bodoques. Hoje não gosta de lembrar sobre as atitudes praticadas, mostrando um grande arrependimento. Segundo ele: “Se fosse voltar ao passado tenho certeza que não fazia mais isto, pois a natureza nos dá tantas coisas. A roupa que utilizo, a matéria prima vem dela. Os alimentos que consumo vem dela. Realmente, o que eu fazia era travessura de moleque. Não tinha nenhuma consideração por ela” (Ademilsom Luiz, 2010, entrevistado 3). Seu Ademilsom na infância obrigava-se a trabalhar com o pai na roça. Como tinham pouca terra e a família grande, seu pai ás vezes acabava degradando algumas áreas com vegetação, para plantar feijão, milho, batata entre outros. Na concepção de Savi (2005, p. 140): [...] uma técnica muito empregada nas décadas de 40 e 50 era a prática de corte, 59 desmatamento e queima que consiste no desmonte de floresta mediante a eliminação de ervas daninha (desmatamento), eliminação de pastos e outras vegetações (corte) e a destruição de todo material vegetal eliminado com a queima, para que as cinzas preparem o solo para a plantação. Após um mês de preparação da terra, era plantado feijão, milho e aipim. Seu Ademilsom comenta que naquela época o agricultor não tinha informação sobre a degradação que as queimadas podiam exercer no meio ambiente além do empobrecimento do solo. Savi (2009) salienta que por volta de 1969, os colonos não tinham orientações técnicas para resolver seus problemas nos diversos níveis de dificuldades. O aprendizado era baseado na experiência dos que acertavam ou através do sofrimento dos que arriscavam sujeitos a perder a produção de uma safra. Quando completou 20 anos, Ademilsom resolve formar uma família, casando-se com uma mulher da própria comunidade. Fez a própria casa no local onde está atualmente e teve seus filhos. No entorno da casa, construiu sua área de trabalho “a estufa”, na qual trabalha ainda com a família. Aos 40 anos de idade, ele resolve ser candidato a vereador, representando a comunidade de Areia Branca. Foi eleito, ficando durante quatro anos neste cargo. Durante seu mandato, conseguiu com a ajuda da prefeitura construir uma creche, implantar rede de água e a reforma do barraco (salão da Igreja Católica da comunidade). Na sua concepção fez todas essas benfeitorias, pois quando a pessoa se identifica com o lugar faz de tudo para vê-lo bonito. O enraizamento de sentimentos, a assimilação e consequente incorporação da cultura local segundo Foetsch (2005), contribuem para a formação da identidade de lugar; e, este sentido de identidade envolve percepção, se apresenta carregado de satisfação, reminiscência e felicidade, como um somatório das dimensões simbólicas ao encarar as experiências banais e aspirações humanas. Neste contexto, acredita-se que as ideias a respeito do espaço brotam dos seres humanos, não somente com relação aos laços de afetividade que os unem ao lugar, mas também desde os aspectos mais banais do dia a dia, e, por ser uma referência de valores e sentimentos, o lugar lembra as experiências e aspirações dos seres humanos, sendo assim fundamental para a sua identidade. “Nasci neste lugar, pertenço a este lugar. Tenho orgulho de dizer que ajudei a construir algo de novo na minha comunidade. Quando a gente gosta do lugar que mora, luta com as pessoas da comunidade para trazer algum tipo de benefício. Foi neste lugar que 60 escolhi para fazer minha casa. Aqui construí minha história de vida” (Ademilsom Luiz, 2010, entrevistado 3). A respeito disso, Gonçalves (2007) afirma que ao apropriar-se do espaço o sujeito deixa sua marca ao transformá-lo, iniciando assim, um processo de reapropriação constante, que vai desde a casa aos objetos em seu interior. “Os lugares íntimos são lugares onde encontramos carinho, onde nossas necessidades fundamentais são consideradas e merecem atenção”, conforme salienta Tuan (1983). Desta forma Ademilsom relata que o lugar da casa onde mais se identifica, ou seja, de maior apego, é na cozinha perto do seu fogão a lenha. Ali sacia sua fome e em épocas de frio recorre para se esquentar. É neste lugar que sua família se reúne para conversar. O fogão à lenha é um objeto poético para ele.Ele evoca lembranças que trazem à sua memória recordações de sua família. Recorda de sua mãe com muito carinho. Para Damergian (2001) “o pensar social ou o meio representado pela mãe é pensar que é nele que estão os modelos de identificação. São esses modelos que ao serem internalizados pela criança, vão orientar a estrutura de sua personalidade”. “Minha mãe para mim foi uma pessoa muito importante. Trabalhava em casa e também em uma indústria de sacaria, para ganhar um dinheiro extra para ajudar dentro de casa. Graças a ela tenho alguma coisa hoje. Tenho uma terrinha onde planto fumo, milho. Tenho uma casa e um carro. Neste lugar aqui crio os meus próprios bichinhos como porcos, vacas e galinhas” (Ademilsom Luiz, 2010, entrevistado 3). Em Psicologia Ambiental, quando o tema é espaço, entorno e lugar, é uma forma de se referir ao meio ambiente da vida cotidiana. Essa interação pessoa/ambiente é inevitável, por ser no meio físico circundante que se assentam os espaços culturais, onde o sujeito vive e constrói a sua subjetividade (GONÇALVES, 2007). Ao lembrar do lugar onde nasceu (Areia Branca) seu Ademilsom comenta que os moradores de Areia Branca eram antigamente mais felizes e a comunidade era mais bonita. Desde que surgiu a idéia da construção da barragem Rio do Salto os moradores deixaram de fazer investimento na comunidade. Na sua concepção a barragem acabou provocando muita pobreza na região. Hoje prefere que construam logo este empreendimento. Ademilsom salienta o desprezo que vem ocorrendo com os moradores de Areia Branca, pois esta é uma área de utilidade pública, assim sendo, não conseguiram mais 61 financiamentos perante os Bancos. Ele só descobriu quando recorreu ao banco para tirar um empréstimo em um programa Banco da Terra, sendo informado que ele não podia ser beneficiado. Foi a partir daí que não teve mais vontade de investir em sua propriedade e também na casa. Santos (2006,) lembra que “o espaço vivido consagra desigualdades e injustiças e termina por ser, em sua maior parte um espaço sem cidadão”. A partir da construção da barragem o local onde tantas histórias foram escritas e projetadas passará a ser um espaço somente de lembranças. Muitas pessoas da comunidade foram embora, venderam suas terras a um valor muito baixo. Ele está consciente que terá que migrar também da mesma forma como migraram seus amigos. Ele diz: “(...) Não fui indenizado ainda. Minha história construída há 40 anos neste local ficará submersa pela água. Não posso fazer nada para modificar esta situação. Terei que me conformar com isto.” As consequências na construção da barragem geram ruptura de laços afetivos, abandono, pois muitos bens e benfeitorias existentes não possuem apenas um valor de mercado, que geralmente é fácil de ser qualificado, mas principalmente o valor sentimental, o qual não tem como ser mensurado. Referindo-se à mudança causada pela barragem, no início comenta que terá muita dificuldade em adaptar-se no novo local, principalmente se for cidade, sendo que sempre morou no campo. A concepção de cidade para Ademilsom é o lugar de correria, barulho, ninguém olha para ninguém. Jacob (2000) argumenta que nas cidades as pessoas se veem diante da opção de compartilhar muito ou quase nada. Em lugares da cidade que carecem de uma vida pública natural e informal, é comum os moradores manterem-se afastados em relação aos outros, num isolamento. Se o mero contato com os vizinhos implica que você se envolva na vida deles, ou eles na sua, e se você não puder selecionar seus vizinhos como a classe média alta costuma fazer, a única solução lógica que resta é evitar a amizade ou o oferecimento de ajuda eventual. As pessoas ficam sós, sem amizades e companheirismos compartilhados quando vivem comunidades rurais. O campo para seu Ademilsom é visto como um lugar sossegado, um lugar que transmite paz. Na sua visão as pessoas que moram no campo são mais simples, cumprimentam-se na rua, podem andar a vontade, como lidam com a terra não precisam andar sempre limpo, um ajuda o outro, há uma troca maior, todos são amigos. No novo lugar 62 comenta que vai levar tempo para se adaptar, pois tudo é diferente, os vizinhos não serão os mesmos, a casa não será a mesma, o lugar também não é o mesmo. É comum moradores migrarem do campo para a cidade não conseguindo adaptar-se ao novo espaço. Espaço esse que não tem um sentido de pertencimento, pois ali não ajudaram a construir o meio. É no espaço que o sujeito vive, constrói a sua existência. É nele que a humanidade constrói a cultura e a sua história. Santos (2006) afirma que quando o homem se defronta com o espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece e a memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma alienação. Não existindo, portanto, nesse novo espaço a ser ocupado o sentimento de pertença que ficou sob as águas. 4.4 O saudosismo feminino Dona Amable é casada há 36 anos. Mãe de cinco filhos homens. Reside na comunidade de Areia Branca há 57 anos, vivendo há 15 no lugar atual. Durante sua vida morou em vários lugares, todos eles localizados na mesma comunidade. A descendência italiana é relatada por Amable através dos hábitos culinários da etnia. Os primeiros migrantes que povoaram Timbé do Sul vieram das colônias oficiais mais antigas da região de Urussanga e dos vários núcleos de Nova Veneza, sempre organizados em pequenos grupos de famílias, orientados por um líder compatriota (SAVI, 2009). Porém, as lideranças nem sempre podiam amparar todas as famílias que migravam para estas comunidades distantes que contavam também com a chegada de novos moradores, os quais passavam a comprar pedaços de terra para o desenvolvimento do local. Os trabalhos na maioria das vezes eram sob a forma de arrendamento, facilitando mais tarde a compra das terras antigamente arrendadas. Dona Amable, através de economias conseguiu juntar um dinheiro e comprar sua própria terra. Em suas terras eram plantados fumo e milho que eram comercializados. Os demais produtos como feijão, batata, aipim eram para a própria subsistência. Periodicamente carneavam porcos e bois. Além da carne consumida no dia a dia, do porco eram feitos a banha, o torresmo, o salame, a morcília. Era comum os vizinhos carnearem porco ou boi e dar um pequeno pedaço para cada um, como forma de gratidão. A intimidade entre pessoas afirma Tuan (1980), não requer o reconhecimento de 63 detalhes da vida de cada um; brilha nos momentos de verdadeira consciência e troca. Cada troca íntima acontece em um local, o qual participa da qualidade do encontro. Os lugares íntimos são tantos quanto às ocasiões em que as pessoas verdadeiras estabelecem contatos. Geralmente nas pequenas comunidades familiares como no casa de Areia Branca esta troca de ‘presentes’ ainda acontece. Hoje, como forma de subsistência a família de Dona Amable também criam galinhas soltas, frequentemente algumas delas põem seus ovos debaixo do assoalho, algumas vezes até chocam sua ninhada ali mesmo. De vez em quando aparece uma choca da capoeira com seus pintinhos piando em volta. Os ovos frescos são colhidos e os que estão debaixo do assoalho do paiol são retirados com o auxílio de uma vara. Desde pequena acompanhava seu pai na aração dos terrenos, na plantação, nas sucessivas capinas e também na colheita. Muitas vezes dona ela acompanhava por prazer os serviços, outras por obrigação mesmo. Para relembrar a lavração da roça segundo Savi (2005), necessitava-se acompanhar o arado manobrado sempre por uma pessoa mais velha e puxado pela junta de bois. A finalidade do auxiliar, além da companhia, era seguir rente com uma varinha e manter a junta de bois sempre esperta. Imaginem-se quantas idas e voltas durante o dia um agricultor fazia para revolver a terra. Quando pequena em sua casa não havia energia. À noite eles utilizavam velas ou liquinho para iluminar a casa. Para tomar banho utilizava uma bacia com água aquecida em uma chaleira. Colocava-se a água aquecida com um pouco de água fria na bacia e cada um tomava seu banho. Quando não tinha paciência em esperar esquentar a água, tomavam banho no rio próximo à sua casa, segundo dona Amable, esta era uma solução mais rápida. Tuan (1980) relata que a consciência do passado é um elemento importante no amor pelo lugar. Assim, quando gostamos de algum lugar, lembramos de fatos ocorridos neste com um saudosismo latente por ser este, palco de acontecimentos marcantes. A rede de transmissão de energia só chegou a Timbé do Sul por volta de 1966, após muitos esforços de políticos. Como naquela época não havia televisão, Amable e suas amigas nos finais de semana brincavam no meio das matas de boneca. Faziam casinhas de folhas de árvores ou então de madeira. Tuan (1983) fala que o próprio meio natural pode produzir uma sensação de abrigo. Durante a semana quando seu pai não precisava da sua ajuda na roça, ia às matas à procura de frutos. Gostava de ficar no meio das matas só para sentir aquele cheirinho de ar puro e ouvir o canto dos pássaros. Antigamente as crianças não tinham tantos brinquedos como às de hoje e, por isso, tinham que usar mais a criatividade para criá-los. Usavam tocos 64 de madeira, pedrinhas, legumes e palitos para fazer animais, além das brincadeiras como amarelinha, cantigas de roda, pula corda, passa anel, entre outras. As bonecas de panos eram feitas muitas vezes pelas mães e avós, usadas em brincadeira pelas meninas simbolizando uma família imaginária. Culturalmente várias das brincadeiras citadas fazem parte do imaginário e das lembranças dos adultos, ou seja, as crianças atuais brincam com a tecnologia e possuem uma visão diferente do que é diversão. Aos dezesseis anos de idade dona Amable começa a frequentar as chamadas domingueiras. Seu pai a levava até o salão, estes ficavam sentados em um banco, esperando por sua filha. Claval (2001), diz que uma cultura deixa marcas no espaço, somente os portadores podem testemunhá-lo. “Eu admirava vendo os gaiteiros tocarem aquelas músicas. Dançava muito. Era bonito ver o salão arrodeado de gente. O refrigerante que eu tomava nas domingueiras era a tal da gasosa cor-de-rosa. Tinha esse nome devido a sua cor”. (Amable Maria Dassi Oliveira, 2010, entrevistada 4). O salão de festas para dona Amable era visto como o lugar da diversão. O lugar onde as pessoas dançavam e se divertiam. Esse lugar hoje desperta, para dona Amable, sentimentos ligados ao passado, pelo fato destes hábitos proporcionarem a formação de um vínculo afetivo. Sobre esse assunto, Damergian (2001) traz que a subjetividade se constitui na interação da pessoa com o seu meio. Por sua vez Claval (1999) diz que não é possível desprezar a qualidade que ela assume, os modelos nos quais está calcada, que se enraízam em nosso inconsciente e atravessa nossa história, aprisionando-nos no passado. A cultura das pessoas na sua concepção era diferente. Havia mais educação e respeito entre elas. A cultura é a primeira herança segundo Claval (1999) que se transmite de uma geração a outra, se constituindo da soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas. Todos os anos são feitos na comunidade de Areia Branca festas em comemoração ao Santo Padroeiro. A comunidade é um lugar de moradia e convivência afetiva entre os moradores, que estabelecem laços afetivos e um sentimento de pertencimento (GÓIS, 2005). Para dona Amable, a espera pelo dia festivo era assunto da comunidade durante toda a semana que antecedia o mesmo, onde observa-se a preocupação e a expectativa pela compra de roupas e calçados novos, “era muito bonito o dia da festa na comunidade, as crianças 65 correndo ao redor da igreja, as pessoas chegando à festa contentes para reverem seus amigos e familiares”, assim fala Amable. As comunidades tradicionais para Giddens (1990) se compreendem os grupos humanos que veneram o passado e valorizam os símbolos e significados construídos ao longo do tempo, perpetuando a experiência das gerações por meio das tradições. Em Areia Branca é comum ainda os moradores realizarem durante o ano novenas antecipando as festas, encontro de famílias sendo rezado o terço, caminhadas na sexta-feira santa entre outras. Amable tem orgulho de ser uma das moradoras de Areia Branca. Gosta de morar nesta comunidade, onde nasceu, cresceu, criou seus filhos e fez muitas amizades, enfim, construiu sua vida. Este elo afetivo que ela tem com a comunidade pode ser visto através de sentimentos que tem pelo lugar, através das imagens percebidas por meio do estímulo sensorial que o meio ambiente fornece (TUAN, 1980). Areia Branca foi à comunidade que Amable escolheu para ser seu lar. Sua casa tem seis cômodos; três quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro. De todos os cômodos da casa, o lugar que mais gosta e tem prazer em ficar é na cozinha. É neste lugar onde faz o almoço para sua família e para as visitas. É na cozinha que sua família se reúne para conversar e assistir televisão. Neste cômodo estão os objetos poéticos com os quais se relaciona como: o fogão, a televisão e o rádio. Gosta de acordar de manhã e ligar seu rádio para escutar as notícias locais. A noite gosta de assistir as novelas e os jornais, onde fica atualizada sobre as notícias locais, regionais e do mundo. Através de muitas economias, Amable junto com seu marido, conseguiu fazer uma casa de material onde mora o casal e o filho caçula. Escolheram o lugar mais alto de sua propriedade para a construção, “a pintura da casa ficou do meu gosto, verde, sendo uma das cores que eu mais gosto” afirmando desta forma dona Amable. Não conseguiu ainda fazer no entorno da casa o jardim. Próximo a esta há um morro, na qual seu marido e o filho plantam fumo e em frente há um viveiro de peixe, com o qual são criadas algumas espécies como tilápia e carpa. Na sua concepção demoraram muito tempo para arrumar a propriedade, pois tudo exige tempo e serviço. Em seu relato percebe-se certa tristeza ao deixar sua casa devido ao projeto existente da construção da barragem, visto que o local da residência será alagado. Todo o esforço, economia e amor que juntos depositaram para os beneficiados com a barragem não têm valor nenhum. Os pequenos poderes que o indivíduo exerce em sua casa mostram o quanto ele sedimentou subjetivamente o universo de significações construído socialmente e que reforçam 66 o poder social. O sujeito sente-se desamparado frente ao mundo, mas em sua casa é poderoso. Sente-se com poder de decidir, de planejar, de construir, de desejar ou de sonhar e isso o torna cúmplice das instâncias superiores que permitiram a instauração dos pequenos poderes, dos pequenos sonhos e das pequenas superações do desamparo (GONÇALVES, 2007). A troca afetiva e a interação social, dona Amable as faz no espaço de sua casa e no seu entorno. É no entorno de sua casa que ela interage com os vizinhos e com a própria natureza. “Identidade e pertença, privacidade e intimidade são sentimentos que constituem a chave da criação de um universo de significados que constituem a cultura do entorno do sujeito” (GONÇALVES, 2007). Dona Amable sente-se pertencente à comunidade, referindose ao lugar onde mora da seguinte forma: “[...] na minha cabeça só consigo visualizar minha propriedade debaixo d’água. Sentirei muita saudade desse lugar. Sentirei saudades dos meus vizinhos, pois eles fizeram parte da minha história de vida. Sentirei saudades da água que corre solta neste lugar. As águas que nóis tomamos aqui não pagamos nada por ela. Sentirei saudades da minha morada, pois cada coisa construída aqui foi feita com muito carinho e tem um significado pra mim” (Amable Maria Dassi Oliveira, 2010, entrevistada 4). Em 2004 o tema da Campanha da Fraternidade da igreja católica teve como lema “Água, fonte de vida- Fraternidade é água. O objetivo da campanha foi Conscientizar a sociedade que a água é fonte da vida, uma necessidade de todos os seres vivos e um direito da pessoa humana, e mobilizá-la para que este direito à água com qualidade seja efetivado para as gerações presentes e futuras (KALUNGA, 2011). As pessoas desenvolvem relações de atração e afeto ou de repulsa por um lugar. Este sentimento segundo Tuan (1980) está relacionado á memória e a imaginação. O lugar significativo ou o lugar psicológico adquire definições pela experiência vivida, e significado com seus símbolos, memórias e histórias vividas. Para dona Amable o melhor lugar do mundo é onde o habita hoje. Foi neste lugar onde passou momentos bons e ruins construindo uma linda história de vida. Referindo-se a nova morada (devido à construção da barragem em Rio do Salto), ela menciona que sua família vai migrar para a serra. Em seus relatos deixa escapar a preocupação, o medo que tem em não conseguir se apropriar do novo espaço. Segundo ela neste espaço, os vizinhos e o modo de vida não serão os mesmo. Santos (2006), afirma que ao ir para um novo local, certamente a pessoa deixa para 67 trás uma cultura herdada, para se defrontar com uma outra. Sua relação com o novo morador se manifesta dialeticamente como territorialidade nova e cultura nova, que interferem reciprocamente, mudando-se paralelamente territorialidade e cultura e mudando o homem. “Não sei como os vizinhos são. A casa não será a mesma. O lugar não será o mesmo. Não sei se a vizinhança é boa se podemos confiar neles. Aqui onde eu moro a gente se apega aos animais, no quintal, tudo é muito bom. Se quiser uma fruta tem por todo lado, na beira das estradas, se não tem os vizinhos dão,” (Amable Maria Dassi Oliveira, 2010, entrevistada 4 ). O descontentamento, a insatisfação que na visão de Sen (2000) são elementos de resistência e fatores altamente positivos, não é experimentada por Amable, uma vez que não a leve a reagir positivamente, com ações concretas numa luta de resistência contra a situação atual. O descontentamento pode se dar pela via de organização e constituir diferentes formas de resistência. A insatisfação e o inconformismo diante da injustiça através da construção da barragem fazem com que ela, e os demais moradores da região sejam obrigados a deixar suas terras. Todo o elo afetivo que estes moradores desenvolveram no lugar em que estão inseridos, será cortado, havendo a ruptura de identidade de lugar. 4.5 Uma liderança feminina Dona Marlene tem 60 anos. É casada há 42 anos. Tem três filhos, um homem e duas mulheres. Faz 32 anos que reside em Areia Branca. Nasceu em Volta Curta pertencente ao município de Araranguá. Casou-se e foi morar em Vila Manhosa localizada no mesmo município. Em ambas as comunidades trabalhava na roça. Santos (2000), ao falar da terra natal salienta que “este é o lugar onde temos as nossas raízes, onde possuímos nossa primeira casa, pulsamos os nossos sentimentos mesmo quando ficamos em silêncio. É o lugar onde sempre somos reconhecidos”. Na infância Marlene apreciava muito a natureza. Nos dias que não trabalhava na roça, ela e suas amigas brincavam nas matas, pois gostavam de sentir o perfume das flores. Brincavam com as folhas de coqueiro, pegando estes para escorregar. Era uma grande alegria. Gostava muito de fazer balanço em árvores, e principalmente subir nelas para 68 pegar os ovos de pássaros. O saudoso tempo infantil de Dona Marlene já passou, mas ainda compensa a doce saudade do tempo de criança. Para Marlene a natureza é o lugar composto de água, terra, animais, pássaros. O lugar do refresco, do cheiro, enfim, um lugar de paz. Na sua concepção o verde representa a natureza. No entorno da sua casa há várias espécies de vegetais plantados, segundo ela, as árvores atraem pássaros, podendo assim ficar mais próxima deles. Referindo-se a cultura, Marlene deixa escapar os costumes que adquiriu de seus pais, como ir aos cultos nos domingos de manhã, fazer comidas de origem italiana, “guardar os dias santos”, entre outros. Claval (2001) afirma que a comunicação entre pessoas há a transmissão de saberes. Desta forma a cultura só existe através dos indivíduos aos quais é transmitida. Ao falar de festa Marlene dá gargalhadas ao lembrar do trabalho que passava para ir em uma domingueira, como era conhecido na época. Tinha que pedir permissão ao seu pai, sendo que às vezes ele a levava, outras vezes só deixava através de muita insistência. Muitas festas eram realizadas nas casas das pessoas da comunidade. Era comum quando alguém fazia uma casa inaugurava-se com uma domingueira e para animar a festa era contratado um gaiteiro. No entorno, havia um lugar próprio para amarrar os cavalos ou para guardar as bicicletas. Só tinham carro apenas as pessoas que possuíam um alto poder aquisitivo. “Tempo bom que não volta mais” diz Marlene. Desta forma os horizontes de vida, os meios frequentados, os contatos possíveis mudam com a idade segundo aponta Claval, (2001). Em uma dessas domingueiras Marlene conheceu um rapaz que morava em Vila Manhosa. Namorou com ele durante tempo e aos 17 anos casou-se. Quando fazia três anos que estavam casados, ela e seu esposo decidiram fazer a vida em outro lugar. Escolheram Areia Branca. Assim sendo, deixaria de ser agricultora para ocupar uma nova profissão, desta vez empresária, tornando-se proprietária de uma cerâmica. Os tijolos produzidos em sua cerâmica eram comercializados para as cidades de Araranguá, Porto Alegre, Passo de Torres entre outros. Dona Marlene considera a cerâmica um lugar de convívio social, na qual gosta de ficar. Neste ambiente ela estabelece vínculos afetivos com as pessoas da comunidade e das regiões vizinhas; ali ela sente-se livre, “passa muito rápido as horas, pois sempre tem alguém diferente para conversar”, assim relata Marlene. O lugar para Santos (2000) impõem a cada coisa um determinado feixe de relações, porque cada coisa ocupa um lugar dado. Além de trabalhar na cerâmica, exerce outras funções como cuidar da casa, do jardim e dos animais. É membro da diretoria da CAEP (Coordenação de Administração Pastoral), da 69 comunidade de Areia Branca e é missionária da Mãe Peregrina. É a única mulher de Areia Branca na liderança da diretoria da comunidade, participa das reuniões e audiência da barragem. Góis (2005) coloca que um morador sente-se vinculado afetivamente a um lugar quando este lhe proporciona segurança. Para Cunha (2008, p. 56), “quando nossa subjetividade atribui sentido ao lugar, eles se tornam parte de nós mesmos. Neles construímos nossa história e deixamos parte de nós”. Apesar de tudo, todas as rupturas dos laços afetivos com os lugares onde morou, das pessoas entre as quais conviveu e do esforço de reconstruir tudo de novo, a cada recomeço, dona Marlene teve uma família que não desagregou, mantém laços fortes com seus familiares e fortes lembranças dos lugares onde morou. O mundo dela é a natureza, pois veio da área rural. Tuan (1980) relata que o agricultor está atrelado aos grandes ciclos da natureza; está enraizado desde o plantio até a colheita. Por estar constantemente em contato com a terra, é profundo a afeição a ela. Desta forma, Marlene fala que o sustento da sua família vem da terra. A argila que utilizam para fazer os tijolos é retirada de sua propriedade. Um dos lugares de grande apego de Marlene além da Cerâmica é a cozinha. Este é o lugar onde faz suas refeições e reúne sua família. Neste ambiente encontra-se instalado seu rádio e a televisão, mantendo-se informada sobre as notícias que passam a nível mundial. Dona Marlene diz que não há como não gostar deste cômodo, pois dá acesso aos demais cômodos da casa. Na sala tem um quadro com a foto de sua propriedade. O quadro é seu objeto poético, com o qual ela mostra com orgulho para as pessoas que frequentam sua casa. Ali está todo o empenho de sua família. Segundo Gonçalves (2007, p. 75), “a apropriação é um processo interno que se dá por meio da identificação, da introjeção e da recriação do espaço e dos lugares. Os lugares apropriados trazem ao sujeito um sentimento de intimidade e privacidade”. Em épocas de festas na comunidade de Areia Branca, Dona Marlene comenta o motivo de muita felicidade para as pessoas do local, pois os festejos a tornam mais movimentada. No mês de julho é realizada a festa do Santo padroeiro da comunidade (São Cristóvão), reunindo grande número de fiéis. Esta festa na sua concepção é parecida com as festas de antigamente. Savi (2009) fala sobre o envolvimento das pessoas na atividade da limpeza da estrada e das áreas no entorno da igreja. Era comum os festeiros responsáveis pela organização da festa passarem nas casas para arrecadarem prendas, o mais comum era ganhar galinhas. As galinhas arrecadadas na comunidade já eram preparadas pelas mulheres, em conjunto, 70 recheadas e acondicionadas em grandes vasilhas. O anúncio da festa começava dias antes, onde os festeiros soltavam foguetões para chamar a atenção do povo. No dia da festa iniciavam-se cedo as festividades, o ponto forte da festa seria a missa que era assistida com muita fé pelas pessoas da comunidade, cativando a atenção de todos. Muitos anos se passaram, mas os costumes apontados acima por Savi, ainda acontecem na comunidade de Areia Branca e muitas por aí a fora. Para Marlene as festas são motivos de integração da comunidade, na qual muitos que não residem mais na mesma, retornam para ver seus amigos e familiares. Moser (2001) relata que os modos como às pessoas se relacionam com o ambiente contribuem para o bem estar de cada um. O simbolismo do espaço aparece ligado ao sentimento de pertença. Para Gonçalves (2004), a apropriação do espaço e a dos lugares carregados de significados, um processo que o sujeito faz a si mediante suas ações. A apropriação não é meramente domínio legal, mas sim das significações de objetos. Marlene é mais uma vítima atingida por barragem, pois terá que sair de seu território e migrar para outro. Barragem esta, que desalojará não só a dona Marlene, mas milhares de sujeitos de suas terras, na sua maioria camponeses, trabalhadores que perderão tudo, suas casas, terra, trabalho, valores sentimentais, anulando o sonho de muitos para favorecer uma elite. Leff (2001, p. 350) diz que. a degradação ambiental e a destruição de seus recursos, causados pelo processo de crescimento da globalização econômica é mascarada hoje em dia pelo propósito de um “desenvolvimento sustentável”, estiveram associadas à desintegração de valores culturais, identidades e práticas produtivas das sociedades tradicionais. Diante desses processos dominantes, as estratégias alternativas para o desenvolvimento sustentável, baseadas na diversidade cultural, estão legitimando os direitos das comunidades sobre seus territórios e espaços étnicos, sobre seus costumes e instituições sociais e pela autogestão de seus recursos produtivos. Desta forma como salienta dona Marlene, muitos moradores vêem suas histórias construídas ao longo de suas trajetórias serem desfeitas, fazendo o seguinte relato: “Depositei muito suor, muitas economias nesta propriedade. Querem minha terra a um valor muito baixo. Achei que aqui fosse minha última morada. Mas me enganei. No outro lugar vai ser diferente. Os vizinhos serão outros, não terei a mesma água que tenho aqui, o ambiente será diferente, não terei minha cerâmica, minha casa, meu jardim (Marlene Correa Pláscido, 2010, entrevistada 5 ). 71 Estas são as palavras de mais uma vítima, na qual não tem direito de ficar em um local com um registro próprio, neste caso, a escritura de sua terra. Tuan (1980, p. 98) relata que “os pertences de uma pessoa são uma extensão de sua personalidade; ser privados deles é diminuir seu valor como ser humano”. Na sua visão se não fosse o projeto da barragem com certeza, Areia Branca não estaria da forma em que se encontra hoje. Casas mal conservadas, pessoas da comunidade desmotivadas, não investindo em suas propriedades. Os moradores que residem em Areia Branca são os povos mais antigos, os mais novos já migraram. Quando chegou à comunidade de Areia Branca para morar, há 32 anos atrás, havia 14 olarias, empregando muitas pessoas. A comunidade era bem desenvolvida. Tratando-se da desapropriação do local na qual esta inserida ela comenta: “Não gosto nem de lembrar que terei que sair daqui. Como será a convivência no outro lugar? Ainda nem quero pensar... Sei que tudo vai ser muito diferente, difícil. Aqui construí minha casa, meu jardim. Aqui onde moro gosto dos açudes de peixe, onde posso vêlos por cima da água, gosto dos meus animais, dos vizinhos e também dos fregueses que vêm comprar tijolo aqui em casa. Somente o tempo irá mostrar se irei me acostumar no novo lugar ou não” (Marlene Correa Pláscido, 2010, entrevistada 5). Nada é pior do que se encontrar só, perdido num lugar desconhecido, sem saber como retornar a um ambiente familiar diz Claval (2001). Ambiente este na qual não tem um sentimento de pertencimento. 4.6 Um cidadão ecológico Seu Adão mora a 36 anos, na comunidade de Areia Branca. Antes residiu em Sapiranga (15 anos) e Morro Azul (5 anos). É agricultor, pai de 3 filhos. Tem 56 anos. Dos lugares que já morou tem lembranças da terra onde nasceu, Sapiranga. Este lugar é um dos locais que está na memória de Adão e guarda sentimentos agradáveis. A base de sua vida foi desenvolvida neste lugar, infância, adolescência e juventude. É visto que Adão está profundamente afeiçoado ao lugar de origem confirmando nas palavras de Tuan (1980). 72 Através de informações de amigos soube que a casa que morava quando criança foi demolida. Tinha vontade de revê-la novamente. Nos lugares onde morou, exercia atividades ligadas à agricultura. Sempre trabalhou na própria terra, conforme diz Sen (2000, p.23) “é um indivíduo intitulado”, ou seja, tinha acesso aos bens mínimos para levar uma existência digna. Criou alguns animais para o consumo. Plantou cereais, cuidou, colheu, comercializou. Ao lembrar-se da infância, Adão fala dos fazeres da mãe que foi sua grande referência. Na perspectiva de Damergian (2001), “a mãe é um ser psicológico, desejante, tem as especificidades características de sua personalidade e é também representante do social, transmitido aquilo que incorporou em sua história pessoal”. Segundo seu Adão, todos os dias sua mãe acordava cedo, para tratar as galinhas, umas eram criadas soltas e outras presas. Tirava leite das vacas, fazia queijo, manteiga e até puína (conhecida como ricota). Do térmico do queijo sobrava o soro, este era utilizado para engordar os porcos. Passaram-se muitos anos, as atividades praticadas antigamente pela mãe são as mesmas que a pratica atualmente. A cultura é primeiramente uma herança, a transmissão é feita em diversas etapas no decorrer da infância e da adolescência, confirma Claval (2001). Assim, diz Adão “herdei os costumes dela”. Uma das brincadeiras que brincava na infância era de bolinha de gude. De tanto jogar, as unhas da mão não paravam de doer. Além desta brincadeira, gostava de tomar banho nos valos e rios. Caçava no meio dos banhados e das matas, coletava frutos (gabiroba, bacupari, tucum, cortiça, ingá). Nos dias de folga ficava horas e horas a apreciar o canto dos pássaros, o barulho das árvores. Sempre se encantou com a natureza. No entorno de sua casa plantou algumas espécies de árvores frutíferas, atraindo muitas espécies de pássaros de cores diferentes, azul, amarelo, verde, no seu modo de ver, parece um arco-íris. Freire e Vieira (2006) ressaltam que o cuidado é uma forma de preservar um ambiente, ambiente este que o indivíduo se identifica e mantém a própria identidade. Adão fica maravilhado ao escutar o canto dos pássaros; sabe identificar as espécies existentes através do canto. A poética de seu Adão é pela natureza. Isso pode ser percebido através de seu olhar, que transmite seu encantamento ao ver os pássaros voando, as árvores repletas de frutos e as águas deslizando pelas encostas do morro. “Olhá só, aquele açude de peixe, têm muitas marrequinhas. Eu não as mato e não deixo os outros matarem. A água que utilizo em minha casa vem direto da vertente. Olhá só, ela escorrendo pela verada do morro, é muito boa, branquinha, escorre dia e noite” (Adão 73 krigüer, 2010, entrevistado 6). Adão não teve oportunidade de estudar, mas é um homem consciente, “cuida da natureza”, pois quer que seus netos conheçam no futuro uma água limpa, pássaros e árvores. Ele fala, “se não cuidar da natureza o que as crianças no futuro irão ter”. De acordo com Leff (2001), a formação do pensamento crítico, criativo orienta a construção da autonomia, que necessita de respeito, diálogo, liberdade e comprometimento enquanto pessoa e enquanto coletividade, bom senso, solidariedade, conhecimento. Atualmente Adão não trabalha mais na agricultura, arrendou as terras para os filhos. Na sua concepção para plantar arroz, fumo tem que ter tecnologias (trator) e como o valor dos implementos agrícolas é alto, não tem condições de comprá-los. Terceirizar o plantio e a colheita no seu entendimento não dá mais, a margem de lucro será muito pequena. Adão lembra as épocas certas de plantar e colher determinados produtos: “o arroz é plantado entre setembro e novembro; colhido entre fevereiro até o entardar de maio”. O fumo entre junho e agosto; colhe entre outubro á dezembro; o feijão e o milho nos meses de dezembro após a colheita do fumo’’. Mesmo não “lidando” mais com a terra, ficam guardadas na sua mente as épocas certas da plantação dos produtos. Ele tem orgulho em dizer, “moro a 31 anos em Areia Branca, escolhi esta comunidade para formar uma família”. Sua casa está localizada próxima a um morro, no entorno há uma estrada principal, dando acesso ao centro de Timbé do Sul. Segundo Norberg-Shuz (1987), a identificação do homem com o ambiente e sua conotação simbólica confere caráter ao lugar, não pelo simples abrigo, mas como base existencial. Adão diz que o lugar da casa na qual tem prazer em ficar é a varanda. Pintou-a de cor-de-rosa. Colocou mesa e cadeiras. Neste ambiente recebe seus parentes e amigos. Na sua concepção é muito arejada. Na varanda observa as pessoas e carros passarem pela estrada, principalmente seus amigos; visualiza o morro, o açude de peixes e os pássaros. Próximo à varanda há um jardim na qual plantou algumas espécies de roseiras. Ao passar um colega pela estrada Adão disse: “Olha moça... não preciso sair daqui para falar com eles. É muito perto. Sei quem passa por aí direto. Não troco minha varanda por nada”. De acordo com Tuan (1980), quando gostamos de um lugar em específico, 74 procuramos ficar a maior parte do tempo nele. Desta forma observara que Adão procura estar nas horas de folga na varanda de sua casa. É neste ambiente na qual ele utiliza para pensar, admirar, refletir e trocar informações com os amigos. Ele participa da vida social da comunidade. Frequenta todos os espaços de sociabilidade, como a igreja, na qual foi membro da diretoria e a bodega, ou seja, o bar. Compartilha das novenas realizadas nas casas de seus vizinhos. Possui um bom relacionamento com as pessoas de Areia Branca. Gosta de ajudar os outro. Segundo Damergian (2001), os vínculos e as relações que o ser humano estabelece têm, então, como motor, a necessidade e o desejo, especificidades do sujeito que movem a dialética de sua interação com o meio. De acordo com Savi (2009), a religiosidade é uma das tradições que conserva unidos grupos familiares, e as pessoas da comunidade, rezando ou entoando cânticos. Essa religiosidade louvável praticada nas localidades ainda meio distantes, nem tanto pelas distâncias, mas pelas péssimas estradas, conseguiram manter vivo estes vínculos de solidariedade, reunindo-se todos numa das comunidades, em rezas, novenas ou procissões. Adão é um dos sujeitos de Areia Branca que se apropriou do espaço. Toda pessoa quando gosta do lugar no qual vive, preserva e cuida. Pol (1996) salienta que apropriar-se de um lugar é integrá-lo nas próprias vivências, deixar marcas, organizá-lo e tornar ator de sua transformação. Todos os lugares em que morou, permaneceu por mais tempo foi em Areia Branca. Na sua visão o lugar é tranquilo, dá para dormir com as portas encostadas, segundo ele: “os vizinhos são camaradas”. Um dos motivos que o entristece é a mudança que terá que fazer de local e ambiente por causa da construção da barragem. Não foi definido pela CASAN a data de saída de todos os moradores da área da construção da barragem. Seu Adão não foi indenizado ainda. Percebe-se na sua fala a angústia ao ter que sair de um lugar contra vontade. A perspectiva em relação ao novo ambiente é de estranheza, não sabe se o ambiente receptor será igual ao que está habituado a frequentar. Ele comenta: “No novo lugar os vizinhos serão outros, a casa será outra, a água não será a mesma. A paisagem será diferente. O difícil será recomeçar tudo de novo. Arrumar novamente a nova casa, conforme o gosto. Talvez fazer um novo jardim. Não quero lembrar. Quem foi criado na terra apega-se a natureza ,não querendo mais largar,”(Adão Krigüer,2010, entrevistado 6). 75 Todos os laços criados por Adão na comunidade inserida serão interrompidos, havendo rompimento de relações sociais, ambientais entre outros. Após a indenização das terras, ele pretende ficar morando no próprio município, no qual formou um grande ramo de sociabilidade. 4.7 Lembranças da terra natal Dona Bernadete 48 anos, moradora da comunidade de Rio do Salto, Timbé do Sul. Esposa de um caminhoneiro tem um casal de filhos. É uma mulher de aparência jovial, sorridente e muito simpática. Começou o relato falando do lugar de seu sonho, da terra natal, “Meleiro”. “Lá sim, tenho lembranças”, diz Bernadete. Meleiro está localizado no extremo sul de Santa Catarina, com uma agricultura pujante no cenário brasileiro, com a mecanização no cultivo do arroz. É um dos municípios do vale do Araranguá “beneficiados” pela barragem, devido alta produção de arroz na forma irrigado. Cidade de colonização italiana, mantendo as tradições de seus descendentes. Meleiro é a cidade na qual dona Bernadete passou durante a infância e adolescência. Nesta cidade criou raízes, havendo apego ainda a ela. Familiares, parentes e amigos, todos residem ainda lá. Na sua visão: “Meleiro fica próximo de tudo; as estradas são asfaltadas; se quiser ir ao hospital ou ao mercado, tudo fica muito perto. Ao contrário do Rio do Salto, aqui se precisar ir ao mercado ou ao hospital tem que andar quilômetros, isto é, se não chover, pois se der um temporal a distância multiplica” (Bernadete Zilli Polli, 2010, entrevistada 7 ). A cidade ou terra natal conforme argumenta Tuan (1983), é vista como terra mãe. É um lugar íntimo. Pode ser simples, carecer de elegância arquitetônica e de encanto histórico, no entanto nos ofendemos se um estranho a critica. “É uma cidade de poucos habitantes, mas muito aconchegante” relata Bernadete. Pretende novamente morar na terra natal (Meleiro), após receber a indenização das terras. A infância de Bernadete foi semelhante a infância das demais entrevistadas. Sempre morou no campo. Ajudava sua mãe nos afazeres da casa, lavar, secar, limpar, varrer o terreiro, 76 entre outros. Aprendeu desde cedo a cuidar de uma casa. Claval (1999) menciona que antigamente as meninas aprendiam com as mulheres mais velhas da família a arte de plantar, de semear, a maneira de cozinhar os alimentos e tecer. Visto hoje que as meninas não são preparadas da mesma maneira como as de antigamente. A educação ganha novos horizontes. Os costumes mudaram e a educação também. Muitas vezes ela era obrigada a ir para a roça. Capinava, colhia cereais, enfim ajudava seu pai nas diversas atividades. No caminho da roça encontrava próximo a uma mata, frutos como bacupari, tucum, amora e goiaba na qual parava para coletar. Na sua visão esses frutos são mais difíceis de ser encontrados, onde antigamente era mato, hoje acabou virando roça. Brinquedos modernos poucas crianças tinham na época. As bonecas eram feitas de sabugo ou de pano. Tinha contato direto com os animais, como vacas, porcos e galinhas. Nas horas de folga brincava de casinha, amarelinha, cosinhadinha. Quando o tempo era maior procurava lugares mais arejados, neste caso, as florestas. Subia em árvores; balançava com o cipó ao redor delas; fazia balanços. De sua infância o que restou foram pequenas recordações, onde dona Bernadete os lembra dando muitas gargalhadas. Em seu relato Tuan diz que o lugar, é um arquivo de lembranças afetivas e realizações esplêndidas que inspiram o presente (1983). Bernadete foi umas das mulheres que não se divertiu na juventude. Seu pai era um homem muito rigoroso, não a deixava sair de casa. Às vezes com muita imploração de sua mãe ou sua mesmo seu pai “cedia”, deixando-a á ir a um camping conhecido como Gruta do Rio Jundiá, localizado no município de Turvo. Neste Camping havia balanços, uma gruta com imagens de santos e um salão de festa. Este local era considerado o “ponto de encontro” dos jovens. Antes do entardecer dona Bernadete tinha que estar dentro de casa. Ao contrário de hoje diz Bernadete, na qual as moças vão tarde da noite para as festas voltando somente no outro dia. Ela afirma “este mundo está perdido, os jovens não têm mais hora para sair ou voltar”. Os modelos culturais difundidos pelos meios de comunicação concorrem com os transmitidos pela família e pela escola relata Claval (2001). Blue jeans e coca-cola, rock e impudor, tal é a caricatura da cultura difundida nas telas de televisão, havendo uma disputa entre o ensino familiar X ensino tecnológico. Quando completou 22 anos dona Bernadete casou-se, migrando para o Rio do Salto. Atualmente trabalha com seu filho em um aviário. Na sua concepção fica mais tempo no aviário do que em casa, pois esta atividade exige muita atenção, se der muito calor e não ficar 77 atenta, os frangos morrem, eles são muito sensíveis. Semanalmente os afazeres são os mesmos. Acordando cedo para fazer o café ao seu filho no qual vai á escola, arrumando a casa, indo novamente para o aviário. Durante o dia não tem muito tempo para sair de casa, devido a função exercida. A noite tem um tempo livre, para visitar os pais e amigos. No lugar desenvolvemos a existência real. Terra (2005) diz que é nele que ocorre o nosso cotidiano, que vivenciamos nossas experiências. Nele formamos nossa personalidade e tornamos sujeitos. Bernadete faz 25 anos que mora em Rio do Salto. Foi na referida comunidade que formou uma nova família, novos amigos e parentes. [...] “os meus parentes materno e paterno moram no Meleiro; os parentes por parte de meu marido moram aqui; tenho uma grande família agora” (Bernadete Zill Pollii, 2010, entrevistada 7). Mesmo morando muito tempo em Rio do Salto, não conseguiu adaptar-se ainda com o local. Uma pessoa, afirma Leite (1998), pode ter vivido durante toda sua vida em determinado local e sua relação com ele ser completamente irreal, sem nenhum enraizamento. Na sua visão: [...] “a terra é muito ruim, a terra é fraca, tem muito morro. Há muita sombra, no inverno é muito frio. Demora para aparecer o sol . O acesso ao centro da cidade é longe. As estradas são ruins. Se chover ficamos eliados, os valos transbordam invadindo as estradas” (Bernadete Zilli Polli, 2010 entrevistada 07), O descontentamento em relação ao lugar vai ao encontro no que salienta Tuan (1983, p. 132), leva-se tempo para conhecer um lugar, a passagem do tempo não garante um sentido de lugar. Se a experiência leva tempo, a própria passagem do tempo não garante a experiência. Quando chegou nesta comunidade havia mais mato do que hoje. Chovia menos, havia menos temporal. Hoje em Rio do Salto há menos vegetação nativa e muita plantação de eucalipto. Dona Bernadete junto com a família compartilha da vida social da comunidade. É comum próximo ao natal fazerem novenas nas casas. Na quaresma fazem as procissões, sendo escolhido um trajeto, onde são colocadas várias cruzes até a igreja , rezando a via sacra, para lembrar a paixão e morte de Jesus Cristo. Estes costumes vêm sendo praticados por ela desde 78 a infância. Claval (1999) comenta que os valores estruturam em conjuntos de crenças e de normas abstratas de comportamentos, comum serem ainda encontradas em comunidades tradicionais. Observara que em Rio do Salto e Areia Branca são cultivados pelos moradores, culturas e costumes do passado, como forma de gratidão aos seus descendentes. Mesmo não gostando em morar na comunidade, participa das comemorações festivas. Ela afirma de ter um bom relacionamento social com as pessoas do referido local. Faz pouco tempo que Bernadete mora na casa nova. Antes moravam em um paiol. Esperou um tempo para ver se sairia à barragem, como estava demorando, resolveu construir a casa. Os vizinhos falavam que iria vir a barragem e tampar tudo. Hoje mora na casa nova e a barragem não saiu. Fez uma casa a seu gosto, “de tijolo a vista”, com uma boa varanda. Sua poética é voltada para a sala, o local de maior afinidade. Nela colocou algumas mobílias, mesa, televisão e uma estante rústica. Neste ambiente reúne-se com a família e assiste às suas novelas preferidas. “Se pudesse, ficava o tempo todo assistindo as novelas da Globo, mas devido ter muito serviço não dá”, comenta Bernadete. É visível o apego de Bernadete pela televisão, na qual observara a admiração ao assistir a novela, onde participa ativamente dando “palpites” e rindo. A identificação com o lugar promove a capacidade de se vincular afetivamente a este, promovendo o apego a este lugar, segundo Lima e Bomfim, (2009). No entorno da casa há uma estrada e um pequeno cercado, na qual não plantou flores ainda. A estrada dá acesso aos municípios de Turvo e Meleiro. Não precisa sair de dentro de casa para ver a estrada devido estarem muito próximos. Dona Bernadete mostra não tanto preocupada com a referida construção da barragem. Segundo ela faz muito tempo que se fala de barragem, ainda não saiu do papel. Caso tenhas que migrar do local, sentirá saudades da água que vem direto do morro, do sossego do lugar, dos vizinhos. Acredita que no novo lugar em que irá morar, terá dificuldade em fazer novas amizades com os novos vizinhos, pois acredita ser uma mulher tímida. Através da história relatada por dona Bernadete, observara que ela tem um grande apego pela sua terra natal “Meleiro”, visto que ao apropriar de um espaço a pessoa deixa de alguma forma suas marcas, sentindo integrante daquele lugar. 79 4.8 Mulher, mãe, doméstica, pedagoga; todas em uma só mulher Dona Rosimere é pedagoga, atualmente trabalha na educação, leciona para os alunos do ensino primário, na escola Municipal de Amola Faca, localizada no município de Timbé do Sul, S.C. Tem 43 anos, mãe de dois filhos, é esposa de um caminhoneiro. Mora em Rio do Salto há 19 anos. Nasceu na comunidade de Morro Chato, pertencente ao município de Turvo, Santa Catarina. Rosimere preferiu começar o relato falando do tempo de criança, na qual a considera símbolo de alegria e vida. Na infância passou por muitas dificuldades. Trabalhava meio período e estudava o outro. Para chegar à escola andava 4 km a pé, nesta época não havia ônibus para transportar os alunos até o núcleo de ensino. Ela tinha admiração pela disciplina Educação Artística, atualmente “Artes”. Com a disciplina aprendia a pregar botões em roupas, fazer bolsas, crochê e até tapetes. Eram confeccionados objetos muito lindos segundo Rosimere. Os principais lanches consumidos na sua época de escola eram batata cozida, pão com chimia ou ovos cozidos. As escolas não forneciam alimentação para os educandos. Rosimere se lembra de um piquenique que fez com sua professora, na quarta-série. Cada aluno tinha que levar seu próprio lanche. Sua mãe comprou bolacha Maria e um “quisuco” para levar. Como não havia garrafinhas térmicas para pôr o “quisuco”, refresco, sua mãe a colocou em um vidro de remédio. Foi para o piquenique fazendo a maior festa, naquela época quisuco só era servido em ocasiões especiais. Os laços com os lugares, as lembranças são características que surgem com a permanência por muito tempo. A pessoa geralmente se apega ao local de moradia diz Giuliani (2004) reiterando no entendimento de Lima e Bomfim, (2009). Neste caso o lugar de maior apego e afinidade revelados por Bernadete no tempo de criança, foi na escola. A escola forneceu conhecimentos para a formação de sua personalidade. No período que ficava em casa, tinha que trabalhar na roça, como costume na época cada filho tinha sua própria enxada. Sua mãe ficava em casa fazendo as atividades do lar, onde criava galinhas, porcos e gado. Quando matavam um porco era comum sua família dar um pedaço de carne para os vizinhos mais próximos, conhecido como “presente”. Segundo ela tinha admiração em fazer as entregas, pois sabia que ganhava balas ou até um “dinheirinho”, como forma de gratidão. Claval (2001) diz que os hábitos só existem porque há indivíduos aos quais a 80 transmitem, a utilizam. As trocas de presentes como conta dona Rosimere, é visto ainda em comunidades tradicionais como Rio do Salto, devido o ambiente ser familiar, ou seja, as pessoas serem “criadas” e educadas juntas. Ao concluir o ensino médio, foi obrigada a parar de estudar, porque seu pai não tinha condições de pagar um curso superior. Assim, começou a dedicar-se ainda mais no trabalho da roça devido já ter se formado. Uma das características da época praticada na agricultura lembrada por Rosimere seria a troca de mão-de-obra entre os vizinhos, os quais trabalhavam tempos em casa, tempos em outra propriedade. Os serviços da casa geralmente eram realizados á noite com propósito de adiantar o trabalho para o dia seguinte. Compravam-se poucas roupas por ano, uma calça,uma blusa e um calçado, este com o número maior. As melhores roupas seriam utilizadas em dias de missas e festas. Claval (1999) pontua que a cultura transforma-se sob o efeito das inovações desenvolvidas no meio, afirmando desta forma Rosimere “hoje uma pessoa compra várias roupas e calçados durante o ano, à cultura não é a mesma do meu tempo”. É percebível o encanto de Rosimere ao lembrar das histórias passadas, ela conta tudo nos mínimos detalhes, não podendo ficar nada de fora, comenta ela. Aos 24 anos casou-se com um rapaz de Rio do Salto, migrando para uma nova comunidade de “mala e cuia”. No início teve dificuldade de adaptação, pois o ambiente, a casa, entre outros eram diferentes na qual estava habituada todos os dias. Cada parada é tempo suficiente para criar uma nova imagem de lugar relata Tuan (1983). No novo espaço ela dá a continuação de uma história, desta vez com outras responsabilidades, passa a ser mãe e chefe de família. Criou e educou seus filhos sozinha, sendo que o marido por ser caminhoneiro não tinha parada fixa. Durante o dia exerce várias funções como doméstica, conselheira, dona de casa, médica, professora, além de ser mãe. Esteves (2010) afirma que um indivíduo não desenvolve todas as funções no decorrer de sua vida, mas pode desenvolver múltiplos papéis, como as faz Rosimere. É professora, acredita ter muitos amigos devido à profissão. Ao falar do seu trabalho como professora observa-se o brilho nos seus olhos e o entusiasmo: “Tenho muitos filhos na escola, tenho que tirar tempo para todos, muitos querem atenção, outros vão doentes, outros não aprendem. Afinal com todos estes problemas, acabo me apegando a eles,” (Rosimere Pasine, 2010, entrevistada 8). Freire (2002) salienta que enquanto educador vemos os alunos como seres capazes 81 de aprender, também o somos para ensinar, conhecer e intervir; além das dificuldades enfrentadas na educação dona Rosimere relata que “ sempre aprendemos algo novo com os alunos”. Ela fica pouco tempo em casa. Seu lar é a escola as quais passa a maior parte do tempo. Na comunidade no qual vive construiu laços afetivos com o lugar “morada”, e com os vizinhos. Dona Rosimere menciona que a comunidade é pequena, todas as pessoas se conhecem, um ajuda o outro da forma que pode. É comum os moradores da comunidade trocarem elementos como: feijão,ovos e banana. Carlos (2004, p. 51) fala que o lugar é constituído como identidade, produzido na relação uso e indivíduo através da sensação do pertencer. Ela vê a comunidade de Rio do Salto como um lugar tranquilo, um lugar hospitaleiro. Rosimere exerce algumas funções na comunidade, é presidenta do Apostolado da Oração e ajuda a cuidar da limpeza da igreja. Como está sempre no meio do povo, conhece um pouco da história de cada morador que reside na comunidade. Carlos (2004) salienta que a identidade se constrói a partir do sujeito no plano da vida imediata, aquela do bairro, no lugar na qual esta se desenvolve por meio dos modos de habitar, nas relações de vizinhança, pelo uso do espaço que marca as formas de sociabilidade de reconhecimento (p. 279). Um dos lugares de grande apego de dona Rosimere é o pomar. Este lugar transmite muita paz, harmonia e prazer. Ao chegar do trabalho primeiramente vai até o pomar, fica maravilhada ao ver o canto dos pássaros e o cheiro das flores. O pomar é o lugar onde descarrega todas as energias negativas, tudo de ruim é deixado ali, afirma ela. Nele foram plantadas algumas espécies de árvores frutíferas como pitanga, ameixa e um pé de bacupari. Terra (2005 p. 5) comenta: “(...) quando criamos uma identidade com o lugar em que vivemos; ele é algo para nós, nossa memória guarda sobre ele percepções e vivências com as quais nos identificamos. Portanto, estabelecemos com o lugar uma relação de afetividade”. É visto o encantamento de Rosimere ao falar do pé de bacupari que plantou no seu pomar. Plantou um pé macho e um pé fêmea. Nas épocas da colheita, geralmente entre os meses de janeiro e fevereiro várias pessoas vêm em sua casa buscá-los, pois é difícil de serem encontrados. Seu pomar é bem conservado, mantendo sempre limpo. Observa-se a admiração de Rosimere pela natureza, visto que no entorno da casa há plantações de várias árvores de 82 diferentes espécies. Freire e Vieira (2006) salientam que preservar um ambiente com o qual se identifica é manter a própria identidade. A natureza para ela é tudo. (...) “gosto de cuidar do jardim, gosto de apreciar as águas dos rios, gosto de sentir o cheiro da vegetação, fui criada dentro dela. Vivo da natureza” (Rosimere Pasine,2010,entrevistada 8). Rosimere sempre que esta em contado com algum elemento da natureza, acaba relembrando o tempo de criança. Brincava nos rios, nas matas e morros. Soube pela família, que o rio que costumava tomar banho na infância está muito poluído, devido uma indústria se instalar próximo a ele, lançando dejetos. “Este rio era maravilhoso, tomava banho todos os domingos, meus pais e meus vizinhos tinham o costume de levar os filhos para tomar banho nele, nós divertíamos muito” (Rosimere Pasine, 2010, entrevistada 8).. Segundo Tuan (1983) o espaço se compõe de experiências além de permitir a vida, lugar onde gerações sucessivas deixaram marcas, projetaram suas utopias, seu imaginário. Ela acredita que as crianças de antigamente divertiam-se mais, pois usavam imaginações e criatividades para fazê-los os próprios brinquedos. Havia maior interação criança e meio ambiente. Atualmente a maior parte dos brinquedos utilizados por elas são tecnológicos, não desenvolvendo da mesma forma sua racionalidade. Ao ser questionada sobre a desapropriação do lugar devido o desenvolvimento da barragem, Rosimere fala que ainda não acostumou com a ideia. Não parou ainda para pensar que a casa, o jardim, o pomar que tanto estima ficarão submersos. Tudo que levara anos para construir, dentro de pouco tempo será desfeito. Sua propriedade já foi indenizada, já recebeu 80% do dinheiro. Em sua opinião, não recebeu uma indenização justa, pois como foram atinigidas por barragem as terras não têm nenhum valor. Dona Rosimere relata: (...) “ter que sair de um lugar contra vontade é muito doloroso, não quero nem pensar como será o processo de apropriação no novo ambiente”. Sei que irei sofrer novamente para me acostumar em um lugar novo”. 83 É percebível na fala e no olhar de dona Rosimere a grande mágoa em deixar o lugar, onde criou raízes. Adaptar-se em um novo lugar não será fácil, sendo que quando migrou da terra natal para Rio do Salto levou tempo para acostumar, “fazer uma nova adaptação será crucial”. As experiências pessoais e coletivas, ambas sempre estiveram presentes na vida dos moradores entrevistados de Areia Branca e Rio do Salto. No processo de desapropriação de seus locais, demonstram que este empreendimento irá marcar profundamente a história de vida de suas famílias, em seus depoimentos relatam relações que mantém no espaço social atual. Acredita-se que essas alterações significativas, que ocorrem no modo de vida, dos entrevistados irão promover alterações na subjetividade e, consequentemente, na qualidade de vida dos moradores. Desta forma, a ruptura de uma percepção de mundo que se altera, e que terá consequências diretas na subjetividade desses moradores e na história de vida posterior, muito em função não só dos aspectos simbólicos que imprimiu a esses moradores, mas também pela concretude das transformações que se evidenciam em seu cotidiano: nas relações de trabalho, nas formas de sobrevivência, nas relações com a natureza e também com implicações em suas saúdes. Nesse sentido, a transformação ocasionada pelos impactos socioculturais no meio rural de Areia de Branca e Rio do Salto pode ser comparada com fatos reais observadas na realidade dos municípios de Nazaré Paulista e Vargem, vale o resgate a Mello e Souza (1975) quando destaca a consciência da importância dos meios de vida como fator dinâmico, tanto da sociabilidade, quanto da solidariedade e que em decorrência das necessidades humanas, se estabelece entre o homem e a natureza, unificados pelo trabalho consciente. Homem e natureza surgem como aspectos indissoluvelmente ligados de um mesmo processo, que se desenrola como história da sociedade (MELLO E SOUZA, 1975, apud BARBOSA, 2008). 84 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento desta dissertação proporcionou a construção de um novo conhecimento, que buscou verificar o processo de ruptura da identidade de lugar, frente ao fenômeno da desapropriação e mudança de moradia dos moradores das comunidades de Areia Branca e Rio do Salto na construção da barragem. Procurou-se compreender o que têm de mais simples e significativo na vida de oito pessoas entrevistadas, e o que trazem de mais complexo tratando-se do processo de apropriação em um espaço físico, cultural, histórico, simbólico e afetivo. A compreensão deste novo conhecimento deu-se através de um estudo de abordagem qualitativa e de visão científica interdisciplinar. Por meio das falas dos sujeitos foi possível entrar em sintonia com a realidade espacial vivenciada pelos mesmos. O estudo procurou valorizar a opinião e o sentimento dos sujeitos entrevistados. A metodologia adotada e a técnica de entrevista narrativa possibilitaram uma maior aproximação da pesquisadora com os sujeitos da pesquisa. Isso facilitou a identificação das percepções destes com o espaço social, físico, cultural, simbólico, afetivo e familiar dos moradores. Neste mesmo momento, pode-se vivenciar as dificuldades enfrentadas, os desejos ainda não cumpridos, e suas expectativas de vida com relação ao espaço já apropriado. Buscou-se entrevistar moradores que estão nestas localidades há mais de 15 anos, visando dar um suporte significativo ao que se buscava neste estudo. Verificou-se que dos oito entrevistados, seis vieram de outras regiões e dois são nativos. Dos oito moradores, somente um não se apropriou do espaço. Percebeu-se que todos os entrevistados apresentaram um grau de instrução inferior às séries iniciais, com exceção de um que possuía curso superior. A maioria dos entrevistados brincava nos campos e rios enquanto crianças, já na adolescência divertiam-se nas domingueiras e trabalhavam na roça com seus pais. Quando falavam de sua infância e adolescência, o sentimento de alegria era visível, o contrário de quando se questionava o presente. Percebeu-se também nas entrevistas que ao referir-se à atualidade o descontentamento aparecia no olhar e na fala, não houve o mesmo entusiasmo quando foi mencionado o passado. Conhecendo a história de vida dos sujeitos da pesquisa foi possível entrar no mundo vivido de cada um e, através das imagens fotográficas coletadas, pôde-se registrar lugares singulares que mais se identificam. Percebeu-se que dos oito moradores entrevistados, sete escolheram que o lugar de grande apego são os cômodos da casa, como: a 85 cozinha, quarto, sala e varanda. Somente uma entrevistada se identificou com o entorno da casa, ou seja, o pomar. Houve também por parte de uma das entrevistadas um compartilhamento com o local de trabalho, neste caso, a “cerâmica”. Nos aspectos cognitivos verificou-se uma ampla capacidade dos moradores em orientar-se no espaço físico, enfatizando a água, o solo, a vegetação e os animais, isto é, todos de uma forma ou de outra relacionaram-se com estes aspectos, seja através do trabalho ou do lazer. Nos aspectos simbólicos encontrou-se uma linguagem muito rica que envolve todos os espaços físicos, sociais, psíquicos e culturais. Por serem parte de uma comunidade tradicional, a cultura é o grande unificador desta população. O simbolismo está diretamente relacionado às crenças, aos valores as tradições que procuram manter vivas, apesar de suas transformações. Relembram, significam suas experiências e seus trabalhos. Percebeu-se que alguns moradores davam maior atenção aos cuidados da casa, do jardim, do pomar mantendo sempre bem organizados e limpos. Outros se preocupavam no cuidado da comunidade e da área de trabalho, neste caso a roça, o que denota um forte sentimento de pertencimento ao lugar, pois o conceito de cultivação da Psicologia Ambiental aí se faz presente. Os entornos das moradias apresentam um simples jardim porém, havia árvores de diferentes espécies e flores. No vínculo afetivo evidenciou-se um forte sentimento de pertencer à comunidade. O amor é significativo no cuidado com a sua cultura, na crítica contra a formação da barragem. O relacional destas comunidades demonstrou fortes vínculos com a vizinhança e principalmente com a água. Pode-se identificar que a apropriação dos espaços pelos entrevistados das comunidades de Areia Branca e Rio do Salto, se dá pela singularidade dos sujeitos e pela coletividade, pois deixam marcas no espaço por meio do afeto, do simbolismo e da cultura que ainda possui fortes elementos de solidariedade e de espírito de vizinhança. Todos os entrevistados ao fazer referência à desapropriação de suas terras devido à construção da barragem demonstraram desilusões, e pode-se perceber em seus olhos a anulação de seus sonhos, pois desde o início do projeto do empreendimento, alguns moradores, não obtiveram ânimo em investir nas próprias propriedades. Observou-se uma grande insegurança referente ao novo espaço que ainda será ocupado. Os maiores motivos são as dificuldades que terão com a nova socialização, com os novos moradores, adaptação ao novo lugar e ambiente. 86 Por fim, este estudo mostrou-se relevante para os próprios moradores, pois relata suas grandes dificuldades e principalmente o descaso por parte das políticas públicas com a história de vidas destas pessoas. Considera-se este estudo como mais uma ferramenta de aprendizagem através da experiência vivenciada por uma pesquisadora da Psicologia Ambiental em uma comunidade tradicional e sem expectativa de crescimento socioeconômico. Toda a história construída pelos moradores ficará apenas nos registros e nas lembranças de alguns, e todos estão à mercê da ruptura de identidade, podendo ocasionar problemas emocionais e desprezo pelo novo lugar. Nesta trajetória algumas considerações foram realizadas ao tempo de realização da pesquisa e ao conhecimento produzido, pôde-se encontrar um conjunto de reflexões, tendo como base os objetivos da pesquisa nos aspectos psicossociais da apropriação do espaço destes habitantes, envolvendo a cognição, o simbolismo, a estética e o afeto. Partindo da pesquisa cientificamente e de forma interdisciplinar constatado nas comunidades, pode-se concluir que a revalorização dos saberes culturais constitui-se de uma maneira de resgatar a memória das sociedades humanas e ao mesmo tempo, mobilizar as políticas públicas em elaborarem projetos de reassentamento aos atingidos por barragens, em comunidades semelhantes com a que eles viveram até então. Não há interesse por parte da CASAN em recolocar os atingidos da barragem em uma nova área produtiva. Este órgão não tem nenhum plano de reassentamento para os atingidos, os moradores serão indenizados, no qual cada um terá o direito de escolher o lugar que deseja morar. Seria de grande importância o órgão responsável pelo empreendimento buscar alternativas cabíveis, para que minimizassem os problemas que atingem diretamente a vida dos moradores localizados na área da barragem. 87 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, José. Cor e Cidade Histórica. Estudos Cromáticos e Conservação do Património. Porto: FAUP, 1998. ALENCAR, Helerina Fonseca. O lugar da alteridade na psicologia ambiental. 2007, 328p. (Graduação em Psicologia Ambiental) – Universidade do Ceará (UFC), 2007. ALENCAR Helenira Fonsêca de; FREIRE José Célio. O lugar da alteridade na psicologia ambiental. Rev. Mal-Estar. Subj. Fortaleza , v.7, n.2, set. 2007. ALMEIDA, Lucia Marina Alves de; RIGOLIN, Tércio Barbosa. 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FONTE: CASAN-2007 98 APÊNDICE B FONTE: CASAN-2007 99 APÊNDICE C - Atualidades da comunidade de Areia Branca Fotos: Rosivane Arcaro-2010 100 APÊNDICE D - Atualidades da comunidade de Rio do Salto Fotos: Rosivane Arcaro-2010 101 APÊNDICE E -Termo de Consentimento TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DO PARTICIPANTE Estamos realizando uma pesquisa de Dissertação de Mestrado intitulada “IDENTIDADE DE LUGAR. UM ESTUDO SOBRE UM GRUPO DE MORADORES ATINGIDOS POR BARRAGEM NO MUNICÍPIO DE TIMBÉ DO SUL-SC”. O (a) sr (a). foi plenamente esclarecido de que participando desta pesquisa, estará participando de um estudo de cunho acadêmico, que tem como um dos objetivos verificar o processo de ruptura da identidade de lugar dos moradores atingidos pelo projeto da barragem Rio do Salto. Embora o (a) sr(a) venha a aceitar a participar nesta pesquisa, estará garantido que o (a) sr (a) poderá desistir a qualquer momento bastando para isso informar sua decisão. Foi esclarecido ainda que, por ser uma participação voluntária e sem interesse financeiro o (a) sr (a) não terá direito a nenhuma remuneração. Desconhecemos qualquer risco ou prejuízos por participar dela. Os dados referentes ao sr (a) serão sigilosos e privados, preceitos estes assegurados pela Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sendo que o (a) sr (a) poderá solicitar informações durante todas as fases da pesquisa, inclusive após a publicação dos dados obtidos a partir desta. Autoriza ainda a gravação da voz na oportunidade da entrevista. A coleta de dados será realizada por Rosivane Arcaro (fone:35259112)do Mestrado em Ciências Ambientais da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC e orientado pela Professora Teresinha Maria Gonçalves (3431-2588).O telefone do Comitê de Ética é (34312723) Criciúma (SC) 10 de maio de 2010. Assinatura do Participante 102 APÊNDICE F - Digitalização dos cadernos, transcrições das entrevistas e fotos relacionados aos lugares de maior apego de cada participante. Entrevistado 1 - Ascendino Machado Monteiro, morador da comunidade de Areia Branca. Na sala de sua casa, lugar onde as faz suas poesias. Foto: Rosivane Arcaro-2010 Meu nome é Ascendino Machado Monteiro, tenho 70 anos de idade, moro há 48 anos em Areia Branca. Nasci em Rio Jundiá comunidade que pertence a cidade de Turvo. Trabalhava na produção de tijolos. Após fui morar em Sapiranga pertence ao município de Meleiro, com o tempo saí dali e fui morar em Ermo. Naquela época esta comunidade era distrito de Turvo. Também nesta comunidade trabalhei como gerente de uma cerâmica. Vim morar em Areia Branca quando tinha 22 anos de idade. Sou proprietário de uma cerâmica onde eu e meu filho caçula fazemos tijolos. Sou casado e tenho 4 filhos.Quando criança gostava de pescar, caçar e também brincava de futebol com meus amigos aos domingos. Aos 15 anos eu com uns amigos montamos um conjunto onde íamos nos aniversários e festas para animar os bailes. O nome do nosso conjunto era Trio Luar do Sertão. Participei deste trio até os 25 anos de idade. Na mesma época em que 103 cantava no conjunto também trabalhava na rádio de Araranguá como locutor. Quando eu era moço gostava muito de cantar e fazer poemas. Os meus poemas são baseadas em fatos reais, e até hoje faço eles com grande prazer e carinho. Ainda na minha mocidade cantava em um conjunto, onde ia tocar em bailes e festas. De todos os lugares por onde passei o que mais gostei de morar foi em Areia Branca, pois foi aqui que construí o que tenho hoje, uma casa, uma cerâmica e foi aqui que formei uma família, onde tenho netos e até bisnetos. Foi neste lugar que adquiri alguma coisa. Natureza para mim é onde tem pássaros, árvores, ar puro, água. Tudo isso faz parte dela, onde ela nos dá de graça. Quando cheguei nessa comunidade não havia estradas grandes, apenas estradas de boiadeiro. Era uma região que tinha muito mato e esta comunidade era muito pobre sem acesso à cidade. Os rios não tinham pontes, quando íamos ao centro da cidade tinha que passar por dentro dos rios. Quando ficava doente ia até o hospital de Turvo por ser o mais próximo. Em 1976 fui candidato a vereador, fui eleito o candidato mais votado. Nesta época comecei a lutar pelo desenvolvimento da minha comunidade, onde consegui com a ajuda do governador Conde Rei uma draga para abrir um rio e também uma patrulha mecanizada para abrir as estradas. Doei um terreno nesta comunidade para construir uma igreja, uma escola, um posto de saúde e o salão de festas. Tenho orgulho de ser um dos moradores a ajudar a desenvolver esta comunidade. Nela fiz muitas amizades, tenho saudades do passado, pois eu e meus amigos nos finais de semana nos reuniá-mos para jogar baralho, moura entre outras brincadeiras. Hoje me lembro também que eu e meus amigos participavámos do terno de reis, passavámos nas casas fazendo as apresentações, sendo que toda a comunidade participava e se divertia. No mês de junho fazíamos as festas juninas no salão de festas, tomávamos quentão e fazíamos muitas brincadeiras. Aos 22 anos me casei e vim morar em Areia Branca. Gosto muito de morar nesse lugar, pois aqui é muito calmo, e aqui criei as minhas coisinhas como a olaria, minha casa, meu quintal entre outros. O lugar da minha casa que mais me identifico é a minha sala, pois ali eu descanso e faço os meus poemas. Infelizmente devido à barragem que vai sair aqui, terei que ir embora para outro lugar, estou esperando somente ser indenizado. Fico muito triste, pois desde que saiu o boato que iria sair à barragem, muitas pessoas da comunidade deixaram de investir nas suas casas e na própria comunidade. As pessoas desta comunidade começaram a ter dificuldades em tirar investimento do Banco da terra e dos próprios bancos, pois quando sabiam que os moradores eram de Areia Branca, diziam que não podiam fazer empréstimos, pois aquela região era uma área de utilidade 104 pública. Hoje a nossa comunidade está virada em buracos e em pobreza. Da para olhar as casas das pessoas, estão mal conservadas, as varandas do paiol caindo e as pessoas não sabem o que fazer.A indenização está demorando para sair. O pior que com o passar do tempo tudo aumenta e o valor da nossa terra fica o mesmo. Sei que ao ir embora daqui terei muitas saudades da água que tomamos, pois ela é cristalina, nasce no meu terreno, onde tem 4 quedas de água , eu forneço essa água para a comunidade . Sei que ao ir morar para uma cidade a água não vai ser igual a esta, pois as pessoas da cidade se querem tomar água boa têm que comprar, eu aqui não pago nada por ela. Este lugar é muito importante para mim, pois aqui criei uma linda história, tive meus filhos, fiz a minha vida. Ao novo lugar sei que terei no começo algumas dificuldades, pois os vizinhos não serão os mesmos, terei que me adaptar não somente com a vizinhança, mas também com o lugar. Após receber a indenização da minha propriedade vou morar em Morro dos Conventos, sei que no começo vai ser muito difícil, mas sei que terei que me acostumar neste lugar, pois já estou com idade avançada e não para ficar trocando sempre de lugar. Poema: Ciclone Catarina Em 28 de março foi no clarear do dia Ciclone soprava forte, vários gritos se ouvia Destruindo muitas casas, postes e árvores que caíam Um rezava e outro chorava, outro de susto corria Parecia o fim do mundo, credo em cruz, virgem Maria Amanheceu um dia triste vendo a mata destruída E as flores sem perfume, as folhas murcha caídas Ficaram mudos os passarinhos, de ver o sertão sem vida O caboclo olhava triste a sua roça perdida O ciclone Catarina deixou o povo assustado Aos prefeitos e vereadores, governadores e deputados Abrace nossos colonos, que são trabalhadores honrados Que dirige o seu trator, dando murro no pesado Não tem chuva não tem sol, de suor fica molhado É a bandeira do Brasil orgulho do nosso estado Conheço muitos colonos no vale dessas colinas Aonde tem matas verdes, rio de água cristalina Tem o santo protetor, São Cristóvão nos ilumina Aonde o céu é mais azul, é Rio Grande, Timbé do Sul Nossa Santa Catarina Senhor Presidente, eu queria um minuto de atenção 105 Ajudai os pobrezinhos e o povo humilde do sertão Não tem terra e não tem casa, não pode comprar o pão É um amigo que implora por Deus e Nossa Senhora Ajudai nossos irmãos Aqui fica o meu abraço, e um aperto de mão Não falei mais porque não coube nesta singela canção Se eu tombar em outras terras eu peço de coração Aqui meu pedido encerra, deixo um abraço aos Colonos que é o alicerce da nação. Autor: Ascendino Monteiro Machado 106 Entrevistada 2 - Darci Biz Souza, moradora da comunidade de Rio do Salto. O quarto da casa é o seu lugar de grande afetividade. Foto: Rosivane Arcaro-2010 Meu nome é Darci Biz Souza, tenho 74 anos. Sou mãe de seis filhos, morava antigamente em Morro Chato pertencente ao município de Turvo. Me casei aos 19 anos de idade. Moro em Rio do Salto há 54 anos. Hoje sou aposentada. Aos 19 anos me casei com o filho de um Coronel, um homem muito famoso naquela época. Meu marido trabalhou muitos anos como caminhoneiro, levava penas de aves e outras mercadorias para São Paulo e Rio Grande do Sul e trazia sacas de alinhagem para revender para os rizicultores. Estas sacas eram trazidas de São Paulo. Através de muitas economias meu marido conseguiu abrir uma empresa de sacaria onde nela só revendia sacas. Quando eu era pequena trabalha na roça com meu pai, a minha atividade era puxar com o carro de boi aipim para fazer farinha de mandioca e polvilho e meu pai ficava cuidando do moinho. A farinha de mandioca e o polvilho meu pai vendia para as mercearias de Araranguá, Turvo e Meleiro. Na minha infâcia, brincava com minhas amigas no meio da floresta, que ficava próxima a minha casa. Eu subia em cima das árvores , onde eu pegava alguns frutos como bacubari, cortiça, e também me escondia das minhas amigas. Gostava de me balancear nos cipós das árvores, até fazia balanço nelas.Ficava durante tempo quietinha para observar o 107 canto dos pássaros,o ar puro só era encontrado naquele lugar. A natureza para mim é perfeita, ela nos dá o sustento, nos dá a matéria prima. Espaço para mim é amplo. Minha comunidade foi construída dentro de um espaço. Nele criei meus filhos e enterrei o umbigo deles.No espaço construí minha história de vida. Nele construí meu pomar, meu quintal e minha casa.Quando eu era moça ia nas festas nas comunidades vizinhas com minhas colegas e o engraçado que minhas 6 amigas casaram com seis homens vizinhos de meu esposo. Íamos nos bailes a pé,levávamos uma toalha na mão para quando chegássemos próximo do salão lavarmos e secávamos com a toalha e só depois colocávamos o calçado,em seguida entrávamos no salão.Quando me casei, achei que tinha acertado na loteria devido ao meu marido ser rico. Eu achava que teria uma vida melhor que a de solteira,mas me enganei, tive que trabalhar o dobrado, meu marido viajava e eu tinha que ficar sozinha com os filhos e cuidar da casa. Quando cheguei nesta comunidade havia muita pobreza, existiam algumas olarias e alguns agricultores plantavam fumo e aos poucos a comunidade foi se desenvolvendo. O lugar da minha casa que mais gosto de ficar é no meu quarto, pois é nesse lugar onde eu faço as minhas orações, leio meus livros e principalmente a minha bíblia. É aqui onde eu também descanso. Quando eu tinha 36 anos de idade eu estava dormindo e tive um grande sonho. Deus me disse que eu iria ter uma filha e que ela iria me cuidar na velhice, em seguida descobri que estava grávida, não estava esperando por isso. Hoje tenho grande orgulho dela, ela é formada e até fez doutorado. Ela trabalha no Palácio do Planalto. Gosto muito de morar no Rio do Salto,pois foi neste lugar que criei meus filhos e construí minha história de vida. Foi aqui que enterrei o umbigo dos meus filhos. O que acho de ruim é que a estrada do Rio do Salto que liga ao centro da cidade de Timbé do Sul desde que começaram a retirar argila ficou muito ruim, os caminhões passam, deixam bolas grandes de barro e muitos buracos nas estradas. Sei que vou ficar pouco tempo aqui, pois com a construção da barragem eu e meu marido temos que ir embora para outra cidade. O processo da indenização da minha propriedade já está pronto, meu marido está procurando um novo lugar para nós irmos morar, mas está muito difícil de achar uma casa para comprarmos, pois as pessoas acham que os moradores de Areia Branca e uma pequena parte do Rio do Salto irão receber muito dinheiro na indenização. Eles estão enganados, o valor da indenização das propriedades está sendo pago a um valor muito baixo, não vai dar para comprar as mesmas coisas que iremos deixar aqui. Só de pensar que irei embora deste lugar me dói até o coração, pois aqui ficará minha casa que adoro ,meu jardim e meu pomar. Meu marido está procurando uma casa para comprar na cidade, sei que terei que me acostumar com os novos vizinhos e com o novo 108 ambiente. Não será nada fácil de me acostumar de novo, pois a gente leva muito tempo para se adaptar em um novo lugar, as coisas são muito diferente, depois de certa idade, tudo fica mais difícil. Hoje o que me entristece é que estou morando em uma casa onde não sou mais dona, tudo isso daqui já não é mais meu. Sei que tudo vai ficar debaixo da água, somente para favorecer um grupo de pessoas que não são nem da minha cidade.Os meus vizinhos são bons, um ajuda o outro da forma que pode.Nas épocas de natal e quaresma as pessoas se reúnem nas casas para fazer as novenas. 109 Entrevista 3 - Ademilsom Luiz, morador da comunidade de Areia Branca.Na cozinha colocou um fogão. Este é seu objeto poético. Foto: Rosivane Arcaro-2010 Meu nome é Ademilsom Luiz, tenho 49 anos de idade, nasci nesta comunidade. Tenho sete filhos, cinco mulheres e dois homens. Tenho bastante filhos né, faltou assistir mais televisão.Trabalho na agricultura. Areia Branca antigamente era uma comunidade muito rica, tinha 12 olarias, sacaria de arroz. Minha mãe trabalhou nesta sacaria 20 anos. Quando eu tinha 9 anos comecei a trabalhar por dia na olaria e na época da safra do fumo, trabalhava nesta atividade, pois gostava de ter meu próprio dinheirinho. Quando eu era criança gostava de brincar nos morros, brincava com as carretinhas e também com as canoas, que deslizavam morro abaixo. Estudei até a quarta série na Escola do Amola Faca. Repeti duas vezes a quarta série, e devido o colégio da cidade ser muito longe e não ter transporte parei de estudar. Lembro-me que antigamente meu pai contava muitas histórias desse lugar. Ele comentava que em Areia Branca havia muita violência, as pessoas se brigavam, usavam até arma de fogo. Muitas pessoas morreram assassinadas neste lugar. Na beira das estradas eram colocadas cruzes nos lugares onde morriam alguém. Me lembro de um dia ao vir da escola, vi um senhor que tinha sido assassinado,tinha muitos policiais, o que me chamou atenção ao ver aquele 110 homem morto é que naquela época colocava-se um lápis no local do furo da bala.Quando cresci, me casei e tive meus sete filhos. Sempre trabalhei na agricultura. Fui vereador nesta comunidade durante quatro anos, consegui com a ajuda da prefeitura a construir uma creche, uma rede de água e uma verba para ajudar a reformar o barraco. O lugar da minha casa que mais gosto de ficar é na cozinha perto do meu fogão a lenha, pois ali é onde eu sacio a minha fome e é perto do fogão a lenha em épocas de frio fico para me esquentar. Tenho saudades do passado desse lugar, pois as pessoas eram mais felizes e a comunidade era mais bonita. A partir da notícia da construção da barragem as pessoas deixaram de investir nela. Da para perceber que a barragem acabou provocando muita pobreza nesta região, pois as pessoas não reformaram mais as suas casas, só vemos buracos nesta comunidade. Hoje prefiro que saia logo esta barragem para acabar com esta situação, pois os moradores de Areia Branca desde que surgiu a idéia da barragem não conseguiram mais financiamentos perante o Banco da terra e também dos outros Bancos.Só descobri mesmo que os Bancos não emprestavam dinheiro para nós, quando fui tentar fazer um empréstimo no Banco da Terra, e eles falaram se fosse morador de Areia Branca não dava, pois aquela área já tinha sido considerado área de utilidade pública. Foi a partir daí que eu não tive mais vontade de investir em minha propriedade e também na casa. Muitas pessoas dessa comunidade já foram embora, venderam suas terras a um valor muito baixo. Sei que daqui a algum tempo terei que ir embora, minha história irá ficar soterrada embaixo da água No novo lugar no começo terei dificuldades em me adaptar, pois os vizinhos não sei como são, e até o lugar pois é difícil para a gente se acostumar no começo.Minha relação com a natureza foi muita restrita pois desde pequeno ajudei meu pai a destocar as coivaras, onde colocávamos fogo para matar as ervas e em seguida plantávamos feijão,milho, aipim.Lembro também que na minha infância gostava muito de ir tomar banho nos rios e sangas, ia junto com meus irmãos e amigos em dias de muito calor, fazíamos a maior festa.Também me lembro que no meio da floresta gostava de ir para matar passarinhos , usava uma funda ou bodoque. Tinha épocas que as árvores davam frutos como quaresma, baquari, sendo que eu e meus primos levávamos um machado para cortar a árvore para não precisar subir em cima dela. Se fosse voltar ao passado tenho certeza que não faria mais isto, pois a natureza nos dá tantas coisas e não nos cobra nada, o que eu fazia era travessura de moleque .Gostava muito de brincar em uma figueira perto da minha casa, nela tinha um cipó onde eu me balançava, infelizmente essa figueira não existe mais.Para mim a natureza desenvolveu um papel muito importante em minha vida, pois meu pai não tinha condições de comprar brinquedos modernos e a natureza oferecia muitos de graça. 111 Entrevista 4 - Amable Maria Dassi, moradora da comunidade de Areia Branca. Ela escolheu um dos cômodos da casa na qual tem grande apego, a cozinha. Este ambiente ela se reúne com a família e amigos. Foto: Rosivane Arcaro-2010 Meu nome é Amable Maria Dassi Oliveira, tenho 57 anos de idade, sou casada há 36 anos. Tenho cinco filhos homens. Moro neste lugar há 15 anos. Antes morei em outros lugares, mas tudo dentro de Areia Branca. Hoje sou do lar, trabalho em casa. Me lembro que quando era criança em minha casa não havia energia muito menos chuveiro, eu e meus irmãos tomávamos banho nos rios para não esquentar a água em uma panela, pois tomávamos banho de bacia. Achava mais rápido tomar banho nos rios. Nos finais de semana quando era muito calor eu e minhas amigas ficávamos horas dentro dos rios apreciando aquela linda água e brincando, não tinha coisas diferentes para fazer, era nos rios que nóis nos reunia. Gostava muito de brincar no meio das matas de boneca, onde eu e minhas amigas fazíamos casinhas para brincar. Brinquei de boneca até os 15 anos de idade. Hoje muitas meninas com 15 anos de idade já estão casadas. Quando tinha folga em casa eu e meus amigos ia nas matas para procurar brutos como baquari, tucum, cortiça e respirar aquele ar muito gostoso.Fazia balanço em árvores onde meus amigos empurravam o balanço bem alto e eu gostava daquela emoção lá nas alturas.Foi um tempo muito bom onde jamais irei me esquecer. De pequena junto com meu pai trabalhava na roça plantando mandioca, milho, 112 feijão. Esses produtos após ser colhido meu pai vendia para comprar comida para casa. Também me lembro quando era moça ia às domingueiras. As domingueiras eram realizadas nos domingos à tarde começava ás 2 horas e terminava ás 6 horas da tarde. Meu pai era muito rigoroso antes das 6 horas da tarde tinha que estar dentro de casa, se não ele brigava. Meu pai não deixava ir todos os domingos nas domingueiras, só em vez em quanto. Quando deixava fazia a maior festa, me arrumava, colocava o vestido mais bonito, ficava feliz a semana toda, tinha novidades para contar para as amigas durante a semana. Na minha época de mocidade o namoro não era como hoje, nas domingueiras quando um homem convidava uma mulher para dançar ela colocava a mão no ombro do homem e ele não podia tirar aproveito dela, havia o maior respeito entre os dois. Quando um casal resolvia namorar na domingueira, o namorado só podia pegar na mão da namorada ou pôr a mão no ombro dela. Muitas das vezes os pais das moças ficavam cuidando das filhas para que não ocorresse nada de errado ,senão a moça ficava mal falada. Eu admirava vendo os gaiteiros tocarem as músicas, dançava muito. O refrigerante que tomávamos nas domingueiras era a tal da gasosa cor-de-rosa, tinha esse nome devido a sua cor. Os namoros no passado eram muito diferente, os pais das moças faziam serão para cuidar das filhas quando os namorados iam nas suas casas.No passado não havia o gruda-gruda como existe hoje, havia mais educação entre as pessoas. Me casei com 20 anos com um moço de Areia Branca e continuei a morar aqui. Meu marido não tinha terras por isso ele arrendava terras de outras pessoas, e através de economias juntamos um dinheiro e conseguimos comprar a nossa terra, onde começamos a plantar fumo. Os produtos como batata, feijão ,milho, eram para o gasto.A carne que nóis comemos é criado em casa, como porco, boi. Do porco é feito a banha, o torresmo, o salame, a morcilha. As galinhas são criadas soltas no potreiro, algumas delas põe ovos debaixo do assoalho. Vez por outra aparece uma choca com pintinhos da capoeira. Com o tempo os filhos foram crescendo cada um foi para um lugar e hoje moro com o meu marido e o meu filho. Gosto de morar nesse lugar, pois foi aqui que nasci , cresci,criei meus filhos, fiz muitas amizades e foi onde construí uma história de vida, mesmo sendo simples, mas é minha história de vida. O lugar da casa que me identifico e gosto muito de ficar é na cozinha, pois é nesse lugar onde eu faço o almoço para minha família e também para as minhas visitas, é neste lugar onde a minha família se reúne para almoçar e também para conversar e é aqui que fico por dentro das notícias que passa no rádio e na televisão. A noite neste lugar, gosto de assistir os jornais e novelas.Minha casa foi construída próxima a um morro. Foi pintada de 113 verde. Gosto desta cor. Não consegui arrumar bem minha casa , pois tudo exige tempo. É muito bonito nos dias de festa nesta comunidade, pois a gente vê as crianças brincando, as pessoas chegando contentes onde um conhece o outro e se cumprimentam. É o dia em que as pessoas que já não moram mais nesta comunidade vêm para ver seus amigos e familiares. Na semana da festa, a gente vê a comunidade movimentada, as pessoas à procura de comprar roupas novas, também os festeiros arrecadam prendas como galinhas, para fazer os sorteios na festa. Sei que daqui um tempo terei que ir embora daqui, acho que vou morar lá em cima da serra, sentirei muitas saudades desse lugar. Sentirei saudades dos meus vizinhos, pois cada um vai para um lugar diferente, sentirei saudades da água que corre solta neste lugar, pois está água que nóis usamos não pagamos nada por ela. Sentirei saudades da minha morada, pois cada coisa feita aqui foi feita com muito carinho e tem um grande significado para mim. Quando eu chegar no meu novo lar,sei que os meus vizinhos não serão os mesmos, a casa não será a mesma,o lugar não será o mesmo.Não sei se a vizinhança é boa se podemos confiar neles. Aqui onde eu moro a gente se apega nos animais, no quintal, tudo é muito bom, se quiser uma fruta tem por todo lado, na beira das estradas se não tem, os vizinhos dão. 114 Entrevista 5 - Marlene Correa Pláscido, moradora da comunidade de Areia Branca. A cozinha é o lar na qual passa grande parte seu tempo. Este ambiente é um dos lugares que tem grande afinidade. Foto: Rosivane Arcaro-2010 Eu me chamo Marlene Correa Pláscido, tenho 60 anos de idade, sou casada há 42 anos e tenho 3 filhos. Faz 32 anos que moro nessa comunidade. Quando era solteira morava em Volta Curta pertencente ao município de Araranguá, quando me casei fui morar em Vila Manhosa também pertencente a esse mesmo município. Quando era pequena me lembro que tomava muito banho no rio, pois naquela época não havia eletricidade e muito menos chuveiro. Me lembro que nos dias de folga eu e meus amigos íamos apreciar as matas,sentir o cheiro das flores, brincava com as folhas de coqueiro, pegava está folha e ia nos barrancos para escorregar da parte mais alta para a mais baixa, era uma grande alegria.Gostava muito de fazer balanço em árvores para brincar, eu também subia em cima dos pés de árvores para pegar os ovos de passarinho.A natureza é o lugar onde tem água, terra , animais, pássaros.O verde representa a natureza. Quando eu era moça trabalhava na roça com meu pai, plantava mandioca para fazer farinha de mandioca para vender. Meu pai também fazia açúcar, plantava milho. Minha mãe também ajudava meu pai no engenho a fazer o açúcar. Me lembro quando meu pai fazia o melado e o carolo (bolas de farinha após peneirado), minha mãe dava para as galinhas o melado misturado com o carolo, era a época que as galinhas botavam muitos ovos, sendo que 115 eu me alegrava em juntá-los.Meu pai também tinha costume de dar melado para os porcos ,segundo ele os porcos engordavam muito ligeiro. Me lembro também que antigamente quando eu e minha irmã queríamos ir a um baile tínhamos que pedir permissão para meu pai, às vezes ele nos levava e as vezes nos deixava ir sozinhas.Íamos nos bailes de charrete, quando meu pai nos deixava ir sozinhas, íamos fazendo muita festa, tínhamos notícias para contar a semana toda.Me lembro quando as pessoas faziam casas novas ,essas casas eram inauguradas com uma domingueira,era muito bom. Eu e minha irmã em vez em quanto nos reuníamos para nos lembrar de coisas engraçadas que aconteceram no passado. Até hoje não consigo esquecer e acho muito engraçado que um dia eu e minha irmã queríamos ir a uma domingueira, pedimos para minha mãe pedir para meu pai nos deixar ir. Minha mãe pediu para meu pai, só que tinha um grande problema, ele demorava muito para decidir se iria nos deixar ou não. Após algumas horas ele manda nos avisar que poderíamos ir à domingueira, mas tínhamos que estar antes da noite em casa. Eu e minha irmã nos arrumamos, pegamos a charrete e fomos até a nossa tia,porque a domingueira ficava perto da casa dela. Quando chegamos na casa dela, ela nos informou que a domingueira seria no próximo final de semana. Eu e minha irmã ficamos muito bravas, pois sabíamos que o nosso pai não nos deixaria voltar de novo. Minha tia deu um grande conselho, vocêis vão embora rápido e chegam em casa muito bravas,dizendo que o pai de vocêis mentiu o dia da data da domingueira, desta forma ele irá deixar vocêis voltar no próximo domingo. Acabamos seguindo o conselho de minha tia. Quando meu pai viu eu e minha irmã chegando em casa, veio na porta preocupado, nos perguntou o que aconteceu, por que chegamos em casa cedo. Eu falei que ele tinha nos mentido, que a domingueira seria no próximo final de semana, que tínhamos perdido a viagem. Com dó ele acabou nos deixando ir na domingueira de novo.O plano de minha tia deu certo, eu e minha irmã rimos bastante. Em umas das domingueiras em que fui conheci um rapaz que morava em Vila Manhosa, namorei com ele e aos 17 anos casei. Vim morar em Areia Branca aos 28 anos de idade, sendo que eu e meu marido compramos uma propriedade que já tinha uma cerâmica em cima, onde começamos a produzir tijolos e vender para as cidades de Araranguá, Porto Alegre, Passo de Torres entre outros. A argila que utilizamos para fazer os tijolos é retirada da nossa própria propriedade. Desde que cheguei aqui me lembro que aconteceram coisas boas e ruins. As coisas ruins é que meu filho e meu marido sofreram acidentes na própria cerâmica, quase os perdi. As coisas boas é que fiz muitas amizades neste lugar, aqui tive meus filhos e netos. 116 O que me entristece um pouco é que terei que sair deste lugar, pois aqui vai sair uma barragem. Esta barragem faz 28 anos que está em projeto, sendo que ainda não saiu. Algumas pessoas já foram indenizadas e foram embora, outras ainda estão esperando um acordo para a indenização. Há 28 anos muitos moradores deixaram de investir em suas propriedades, venderam suas terras indo para outra região, e tem os que estão aqui ainda hoje. Desde que surgiu a ideia de construir uma barragem nesta comunidade, o Banco da Terra (programa de empréstimo para as pessoas que não têm terra, onde elas recebem um valor em dinheiro, tendo um prazo de 20 anos para pagá-los, foi cortado perante as casas bancárias, devido o motivo da região ser uma área de utilidade pública.Deste modo,muitas pessoas de fora não puderam entrar na comunidade para comprar terras, e a comunidade deixou de crescer.Quando vim morar nessa comunidade há 32 anos atrás havia 14 olarias que empregavam muitas pessoas,havia também uma sacaria que empregava pessoas das comunidades vizinhas.Está comunidade era bem desenvolvida,se não fosse este projeto da barragem com certeza, Areia Branca não estava desta forma,casas mal conservadas, as pessoas que moram aqui estão desmotivadas não investindo mais em suas propriedades e também a pobreza aumentou. As pessoas que moram aqui ainda são os mais antigas, pois os mais novas muitos já foram embora.Dá dó de pensar que muitas histórias construídas neste lugar, a união das pessoas em construir esta comunidade ficará soterrada debaixo da água, tudo isso para favorecer um grupo de pessoas que não moram nesta comunidade. Com a construção desta barragem 85 famílias serão atingidas, sendo que 51 moram em Areia Branca e 34 famílias moram em Rio do Salto. Nos dias de festas a comunidade de Areia Branca se reúne para celebrar o dia do santo padroeiro, a festa que reúne o maior número de pessoas é a festa de São Cristóvão realizada sempre no mês de julho. Eu faço parte da diretoria da igreja e também sou missionária da mãe Peregrina. Não gosto nem de me lembrar que terei que sair daqui, como será a convivência no outro lugar ainda nem quero pensar, pois sei que tudo vai ser muito diferente, difícil. Aqui onde moro gosto dos açudes de peixe, onde posso vê-los por cima da água, gosto dos meus animais, dos vizinhos e também dos fregueses que vêm comprar tijolos aqui em minha casa. Na minha casa me identifico muito com a cozinha, pois é lá que fico a maior parte do meu tempo, é onde a minha família se reúne para fazer as refeições, conversar e ficar por dentro das notícias que passam na televisão. Esse cantinho é carregado de emoções, porque muitas coisas boas aconteceram neste lugar. 117 Entrevista 6 - Adão Crigüer, morador da comunidade de Areia Branca. A varanda da casa é o lugar que aprecia a natureza. A varanda é o ambiente de socialização. Foto: Rosivane Arcaro-2010 Eu sou o Adão Crigüer, tenho 56 anos de idade, sou pai de 3 filhos, moro neste lugar há 31 anos. Nasci na comunidade de Sapiranga, pertencente ao município de Meleiro. Morei nesta comunidade 15 anos, trabalhando na agricultura, plantando milho, arroz, feijão. Gostei muito de morar naquele lugar, tenho saudades ainda, só saí de lá porque meu pai tinha terra em Morro Azul. Sube que a casa onde morava quando criança foi desmanchada este ano. Tinha vontade de ver ela de novo, pois foi lá onde iniciei a minha história. Após sair de Sapiranga meu pai foi morar na comunidade de Morro Azul pertencente ao município de Morro Grande. Nesta comunidade trabalhava também na agricultura. Quando era criança gostava de brincar de bolinha de gude. O engraçado é que de tanto brincar com as bolinhas, as minhas unhas não paravam de doer de tanto jogar. Gostava de tomar banho nos valos e rios. Gostava também de caçar no meio dos banhados e nas matas. Nos dias de folga eu e meus amigos íamos ao meio dos matos para catar baquari,gabiroba, goiaba, tucum. Aos 17 anos me lembro que eu e meus amigos ia nos bailes de bicicleta , a pé e até de bicicleta. Os bailes eram realizados nos paiol ou em sala das casas, as duplas tocavam e nóis dançavam. Esta fase foi muito boa. Hoje eu preservo a natureza, eu gosto de plantar árvores frutíferas, pois sei quando essas árvores crescerem e darem frutos acabam atraindo os 118 pássaros. Eu gosto de ver o canto deles. Ali tem o meu açude, sempre tem marrequinhas e outros pássaros, não mato eles e não deixo os outros matarem. A água que tomo aqui vem direto da vertente, é muito boa, branquinha, não pago nada por ela, ela corre dia e noite.Não tive oportunidade de estudar, mesmo assim cuido da natureza, pois quero que meus netos presenciam o que tive oportunidade em ver quando criança.Minha mãe todos os dias acordava cedo para tratar as galinhas, umas eram criadas a soltas e outras presas.Do leite era feito a manteiga, o queijo, a puína.Do termino do queijo, sobrava o soro, utilizado para engordar os animais, como o porco. Esta comunidade para mim é muito importante, pois aqui tenho muitos amigos, é um lugar muito sossegado. O lugar que mais gosto de ficar em minha casa é na varanda, pois aqui é muito fresquinho, aqui eu vejo as pessoas passarem nas estradas, e também quando vejo meus amigos passarem acabo enticando eles. Quando cheguei em Areia Branca eu tinha 20 anos, começamos a plantar fumo e após a colheita plantava também feijão, milho e até arroz. Só parei de plantar arroz porque não tinha máquinas para plantar e colher o arroz. Tinha que pagar os outros para cortar o arroz Sei as épocas certas da colheita dos produtos, o arroz é plantado entre setembro e novembro, colhido entre fevereiro até em maio. O fumo entre junho e agosto, colhido entre outubro e dezembro, feijão e milho entre os meses de dezembro, após a colheita do fumo. Me lembro também que nesta comunidade em áreas mais baixas havia muito banhado e devido isso também tinha muitos peixes ,onde as pessoas pegavam para levar para suas casas. Sei que terei que sair daqui, não sei quando , sentirei muita saudade deste lugar, a água é muito boa, não tem outra boa assim em outro lugar.Quando sair esta indenização pretendo ficar morando no próprio município, pois aqui tenho amigos por todo canto.De todos os lugares onde morei o que mais gostei foi aqui, pois aqui é tranquilo,os vizinhos são bons,aqui tenho meus animais e também todos os dias vejo os pássaros cantarem e o ar é puro. 119 Entrevista 7 - Bernadete Zilli Poli, moradora da comunidade de Rio do Salto. A sala é o local na qual se identifica. Seu objeto poético é a televisão. Foto: Rosivane Arcaro-2010 Me chamo Bernadete Zilli Polli, tenho 48 anos, sou casada e tenho 2 filhos.Um menino e uma menina. Minha filha esta estudando em Criciúma, já terminou o segundo grau. Meu filho está na sexta-série. Estuda no colégio de Timbé do Sul. Moro em Rio do Salto há 25 anos. Antigamente morava na cidade de Meleiro, trabalhava na agricultura. Meus pais plantavam arroz, fumo entre outros produtos. Quando era criança gostava de brincar de casinha, cozinhadinha, amarelinha entre outras brincadeiras.Durante a semana fazia tudo o que minha mãe pedia, pois desta forma ela deixava eu ir tomar banho com minhas amigas nos rios aos domingos. Ainda em criança gostava de brincar em árvores, pegava os cipós das árvores e rodeava ao redor. Gostava de fazer balanços em árvores para me balançar. As brincadeiras eram muito diferentes das de hoje, não tinha atividades diferentes para fazer, eram sempre as mesmas brincadeiras. Era comum quando íamos para a roça acharmos frutos próximos às matas, como baquari, cortiça, tucum. Hoje esses frutos são mais difíceis de achar, pois onde antigamente era mato hoje acabou virando roça. Antes de me casar meu pai não era de deixar eu ir muito em domingueiras, 120 quando deixava tinha que sair às 13 horas e voltar antes da noite. Às vezes aos domingos a tarde ia na gruta do Rio Jundiá para passar a tarde , mas antes da noite tinha que estar dentro de casa. Ao contrário das moças de hoje, onde vão tarde da noite aos bailes, voltando somente no outro dia.Os jovens não têm mais hora para voltar para a casa. Quando tinha 22 anos de idade acabei me casando e vim morar no Rio do Salto. Hoje meu marido é caminhoneiro, eu com meu filho trabalhamos em um aviário. Fico mais tempo no aviário do que em casa. Este serviço exige muita atenção, pois se der muito calor e não ficar atenta os frangos morrem tudo.Todos os dias acordo cedo, os serviços são os mesmos. Acorda, faço o café, organizo a casa e vou novamente para o aviário. Durante o dia não tenho muito tempo em sair de casa, devido minha função. A noite tenho o tempo livre para visitar os parentes e amigos. Não gosto muito de morar neste lugar, aqui a terra é muito ruim, a terra é fraca, tem muito morro e o acesso a cidade é muito ruim e longe. Quando cheguei aqui havia mais mato do que hoje, chovia menos, havia menos temporal. Se comparar Rio do Salto do passado com hoje da para perceber que tem menos vegetação nativa, a muita plantação de eucalípto. Meus parentes maternos e paterno moram no Meleiro, os parentes por parte de meu marido moram perto de nós. Participo das festividades da comunidade. Participo das novenas em épocas de natal de quaresma. Tenho muitos amigos nesta comunidade. As pessoas são simples. Antes de morar nesta casa morava em um paiol.As pessoas diziam que ia sair a barragem e eu iria perder o dinheiro. Fiz a casa e a barragem não saiu. O lugar da minha casa que mais gosto de ficar é na cozinha, pois é ali que fico com minha família e é ali que assisto às minhas novelas. Se pudesse ficava o tempo todo assistindo as novelas da Globo, mas devido eu ter muito serviço não dá.Dou muitas risadas vendo as novelas. Caso tenha que sair desse lugar sentirei saudades da água que vem direto do morro, do sossego, pois este lugar é muito calmo. Acredito que no novo lugar em que irei morar o que será de difícil é fazer amizades com os novos vizinhos, mas com o tempo a gente se costuma. Se pudesse voltaria morar em minha cidade natal. Em Meleiro tenho muitas lembranças boas, lá moram meus familiares, parentes e amigos. Aquela cidade fica próxima de tudo, as estradas são asfaltadas, se quiser ir ao hospital ou ao mercado tudo fica muito perto. Aqui se precisarmos ir ao mercado ou ao hospital temos que andar quilômetros, isto é se não chover, pois se der um temporal a distância multiplica. 121 Entrevista 8 - Rosimere Pasine, moradora da comunidade de Rio do Salto. O pomar no entorno da casa é o local de grande admiração. Foto: Rosivane Arcaro-2010 Meu nome é Rosimere Pasine de Souza, tenho 43 anos de idade, sou casada há 19 anos. Tenho 2 filhos, um menino e uma menina. Moro em Rio do Salto há 19 anos.Nasci em uma comunidade chamada Morro Chato localizado no município de Turvo, Santa Catarina.Meus pais sempre trabalharam na agricultura, plantando arroz, fumo, mandioca e também tinham um aviário. Meu pai tem 3 filhos, sendo que 2 são homens e 1 é mulher. Dos 3 filhos 2 estudaram até a 8 série e uma terminou o ensino superior. Meu pai Ressol Pasine estudou até a quarta série, foi alfabetizado com 12 anos. Minha mãe Laíde Borges Pasini também estudou até está série. Na minha infância passei por muitas dificuldades, trabalhava meio período e estudava o outro. Para chegar a escola caminhava 4 km a pé e mais 4 km para voltar até a minha casa. Nesta época não havia ônibus e as crianças passavam muita dificuldade para estudar.No período em que ficava em casa tinha que ir para a roça com meu pai, sendo comum na época cada filho ter sua própria enxada. Meu pai plantava mandioca, devido surgir muitas ervas daninha era obrigado fazer a limpeza. A mandioca após ser colhida era vendida para Araranguá sendo que esta era transformada em farinha de mandioca. Minha mãe ficava 122 em casa fazendo as atividades de casa onde ela criava galinha, porco, gado.Quando matava porco era comum minha família dar o chamado presente que seria um pedaço de carne para os vizinhos mais próximos. Eu gostava de entregar este presente para os vizinhos pois sabia que ganharia balas ou até um dinheirinho dos vizinhos. Estudei até a quarta série em Morro Chato, após tive que parar durante alguns anos, pois não havia transporte para levar até o centro da cidade, no qual o mais próximo seria o colégio de Turvo.Na quarta série, me lembro que a matéria que mais gostava era a Educação Artística, pois minha professora nos ensinava a pregar botão, fazer bolsas, crochê e até tapetes.Saía objetos feito muito lindos , no qual me lembro até hoje. Me lembro também que quando ia para a escola levava como lanche batata cosida, pão com chimia ou ovo cosido.Uma das grandes lembranças é que um dia minha professora fez um piquinique na quarta série e cada aluno tinha que levar um lanche. Minha mãe comprou bolacha Maria e um quisuco, para eu levar. Este quisuco ela fez e colocou em um vidro de remédio seco, pois em minha casa não tinha nenhuma garrafinha para colocá-lo.Fui neste piquinique fazendo a maior festa, pois naquela época quisuco só era tomado em ocasiões especiais. Devido na comunidade de Morro Chato ter muitos alunos com idade avançada e sem concluir o ginásio conhecido assim na época, algumas professoras da própria comunidade fizeram uma reivindicação para ter no próprio colégio o estudo até a oitava série. Devido lutas conseguiram implantar no colégio o chamado ginásio.Nesta época devido ter muitos alunos com idades de 15 à 22 anos sem concluir a quinta até à oitava série ,foi feito no colégio de Morro Chato duas quintas séries. Uma fazendo parte os alunos com idade de 15 a 18 anos e a outra com idade de 19 à 22 anos. Quando terminei a oitava série, eu e algumas amigas fomos estudar no colégio de Turvo, onde terminamos o segundo grau. Quando concluí o segundo grau parei de estudar, pois meu pai não tinha condições de pagar um curso superior. Assim comecei a me dedicar ainda mais no trabalho da roça, devido já ter me formado. Devido o preço da mandioca ter abaixado, meu pai resolveu plantar fumo. Para não pagar empregado na época da colheita, meu pai trocava dias com os vizinhos. O fumo era tecido em uma fara e após era colocado dentro de uma estufa, em seguida colocava -se fogo.Durante 4 noites era preciso cuidar da estufa dia e noite. A noite eu e minha mãe tínhamos que cuidar do fogo da estufa, era hora de nós fazer esta atividade e ainda limpávamos a casa, fazíamos pão, para deixar o serviço adiantado para o outro dia. Me lembro que ganhava durante o ano de meu pai poucas roupas: um calçado com o número maior do que meu pé, uma calça e uma blusa. As melhores roupas eram utilizadas 123 em dias de missa ou festas. A natureza para mim é tudo. Gosto de ver as águas dos rios. Gosto de sentir o cheiro da vegetação. Me criei dentro da natureza. Gosta de cuidar do jardim da minha casa, do pomar. Gosta de parar e sentir o canto dos pássaros, eles nos trazem muita paz. Quando era criança gostava de tomar banho nos rios. Hoje fico muito triste, pois o rio que costumava tomar banho de pequena está muito poluído, devido uma indústria se instalar próximo dele, sendo que esta lança esgoto dentro dele. Este rio era maravilhoso. Tomava banho todos os domingos, onde meus pais e meus vizinhos tinham o costume de levar os filhos para tomar banho nele. Na minha infância não havia muitas brincadeiras, onde eu e seus amigos íamos brincar nos morros de carretilha, na qual escorregavá-mos morro a baixo. Brincava com as folhas de coqueiro, sendo que me balançava neles. Gostava de coletar frutos nos matos, os mais comuns eram goiaba, mexerico, amora entre outros. Gostava de subir encima dos pés de vergamota para apanhar as maiores vergamotas que havia no pé . Fazia balanços em árvores com cordas velhas que meu pai me dava. Brincava com os cipós que haviam em árvores. Todos os domingos eram feitas as mesmas atividades, no final da tarde de domingo eu voltava para a casa para fazer as tarefas da escola ou adiantar os serviços para o dia seguinte ter menos. Meu pai não tinha carro para sair com a família e apenas, tinha uma bicicleta só onde não dava para levar toda a família, eram obrigados a procurar brincadeiras simples para se divertir. Na minha época as crianças se divertiam mais que hoje onde cada um faziam seus brinquedos, usavam suas imaginações e criatividades. Havia uma maior interação criança e meio ambiente. Gosto muito de morar em Rio do Salto, pois foi nesta comunidade onde tive meus filhos e formei minha família. Nesta comunidade construí laços afetivos com os vizinhos e com o próprio lugar. Quando cheguei para morar em Rio do Salto há 19 anos atrás já se falava em barragem. No início como não gostava da comunidade não via a hora de ser construída a barragem, pois queria sair daquele buraco. Hoje penso ao contrário, como já me apropriei do espaço onde moro, não consigo imaginar morando em outro lugar. No lugar em que estou inserida é um lugar calmo, o ar é limpo, a água vem direto do morro, é pura e cristalina. Vim morar em Rio do Salto aos 23 anos de idade, desde que cheguei nesta comunidade, comecei a fazer parte da associação de bairro, ajudo hoje a cuidar da igreja e sou presidente do apostolado da oração. Hoje trabalho na área da educação, leciono para os alunos de 1ª série, sinto grande prazer em ensiná-los a ler 124 e escrever . Meu marido antigamente tinha um mercado e um bar sendo que os moradores desta comunidade faziam suas compras neste estabelecimento, desta forma passei a conhecer um pouquinho da história de cada morador. Como a comunidade de Rio do Salto é pequena todas as pessoas se conhecem, um ajuda o outro. Observa-se a grande afetividade que há entre os moradores onde cada um ajuda o outro da forma que pode.É comum os moradores da comunidade doarem alguns alimentos como feijão,ovos banana e até quando matam um porco ou gado dão o chamado presente (pedaço de carne, salame torresmo ou a tal morcília) como forma de gratidão e carinho . O lugar que mais gosto de ficar e mais me identifico é no jardim de minha casa. Quando chego do trabalho a primeira coisa que faço é ir até o jardim e sentir o cheiro das flores, o cantar dos pássaros. Neste lugar acabo me desestressando do trabalho,parece que aquela energia negativa acaba sendo deixada ali. No jardim há também alguns pés de árvores frutíferas como pitanga, ameixa e um pé de bacubari. Uma das grandes tristezas é que terei que deixar o pé de bacubari que plantei no meu jardim, sendo que acabou nascendo um pé macho e um pé fêmea , em épocas da colheita várias pessoas vêm em minha casa buscar frutas, pois é difícil de encontrar este fruto.Com a construção da barragem terei que deixar não somente o lugar que mais me e identifico como também a minha história de vida que formei com meu marido e filhos. Acredito que vai ser um grande baque quando terei que ir embora deste local, pois nesta área acabei criando raízes. Demorou muito tempo para me adaptar em um novo lugar, quando saí do Morro Chato para Rio do Salto no início não foi nada fácil, agora que me acostumei com a comunidade terei que sair novamente. Não me acostumei com a ideia de sair do local de origem devido a construção de uma barragem. Ainda não parei para pensar que minha casa ainda nova, ficará debaixo da água e meu jardim que tanto estimo também. Tudo que levei anos para construir dentro de pouco tempo será destruído.A casa, a propriedade em que moro já não é mais minha.Já fomos indenizados recebemos 80% do dinheiro ,ainda falta receber 20%. Não fomos bem indenizados, sabemos muito bem que a terra da região não é bem produtiva, tem muita argila, campos e matos. Como fomos atingidos por barragem a terra não tem valor nenhum. Ninguém da comunidade de Rio do Salto pediu para sair esta barragem, estamos beneficiando outros municípios que não estão nem aí para nós. Aqui onde estamos hoje dá para nós vivermos muito bem, com dignidade. Será que no novo lugar conseguiremos ter as mesmas coisas que temos aqui hoje? Ter que sair de um lugar contra vontade é muito ruim. A gente vê as pessoas que estão saindo daqui arrancarem suas casas ficando como lembrança somente o 125 banheiro ou até mesmo a cozinha onde não pode ser levada. Quando os técnicos da CASAN chegaram à comunidade antigamente falaram que os moradores da região seriam indenizados não somente pela área territorial mas também pelo valor sentimental ou apego. Infelizmente observou-se que foi valorado somente a área territorial, sendo assim foi mal valorada. Em Rio do Salto mais ou menos 30 famílias terão que ir embora da comunidade sendo que 12 famílias já foram indenizadas, algumas delas já foram embora para outros municípios. Antes da ideia da barragem Rio do Salto era uma comunidade grande, com a ideia da barragem acabou causando estress, transtornos, brigas e tristeza, por isso muitos moradores há muito tempo deixaram de investir em suas propriedades e nas próprias casas. Hoje tanto Rio do Salto quanto Areia Branca se tornou uma área abandonada, casas velhas e mal arrumadas, crateras para todo lado, montes de argila empilhada, olarias mal conservadas, restos de construções abandonados. Em épocas de política, sempre aparece algum político dizendo que irá lutar pelos interesses dos moradores de Areia Branca e Rio do Salto, mas acabam as eleições estes políticos não aparecem mais. Observa-se que até em cima da desgraça de muitos tem gente querendo tirar aproveito disso. 126 ANEXOS 127 ANEXO A - REPORTAGEM 1 Reportagem SDS-Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável: Portaria SDS n10 – 08 – CASAN (Barragem Rio do Salto). Publicado no dia 10 de março de 2008. Disponível em: www.aguas.sc.gov.br O Secretário de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável, no uso de suas atribuições e na forma da Lei Complementar n° 381, de 07 de maio de 2007; Lei Estadual n° 9.748, de 30 de novembro de 1994; Decreto Estadual nº 4.778 de 11 de outubro de 2006 e Portarias n°s 025/2006, 035/2006, da Secretaria de Estado do Desenvolvimento. Econômico Sustentável - SDS, resolve e torna público, e tendo em vista o que consta no Processo SDSP n.º 54/089; RESOLVE: Art. 1º. Emitir outorga preventiva de direito de uso de recursos hídricos à CASAN Companhia Catarinense de Águas e Saneamento, CNPJ 82.508.433/0001-17, para implantação de um barramento no rio Amola Faca e outro no rio do Salto, situadas no Município de Timbé do Sul. As barragens terão a finalidade de garantir a disponibilidade hídrica necessária ao abastecimento urbano às comunidades de Morro Chato, Boa Vista Grande e às cidades de Turvo, Meleiro, Morro Grande, Ermo e Araranguá, assim como irrigação de lavouras nos Municípios de Meleiro, Turvo, Morro Grande e Araranguá, com as seguintes coordenadas geográficas: I- coordenadas geográficas da derivação do Rio Amola Faca: 28,8020351° S, 49,814477° W; II - coordenadas geográficas do eixo do barramento no Rio Do Salto: 28,82694° S, 49,75905° W. Parágrafo Único - As vazões reservadas têm a finalidade de garantir a disponibilidade hídrica necessária ao armazenamento para regularização de vazões, na barragem do Rio do Salto, com a contribuição do canal de derivação do rio Amola Faca. Art. 2o A Outorga Preventiva, objeto desta Portaria, vigorará pelo prazo máximo de três anos, findo o qual será considerado o disposto nos incisos I e II do artigo 24 do Decreto 4.778/2006. §1° A Outorga Preventiva será convertida em Outorga de direito de uso de recursos hídricos por solicitação do responsável pela operação e administração do sistema de adução e distribuição, titular ou concessionário do serviço. § 2° A conversão da Outorga Preventiva em Outorga de direito de uso de recursos hídricos dependerá da aprovação pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável do Projeto Básico do Empreendimento, o qual deverá contemplar, dentre outros, os seguintes elementos já constatados: I – Vazão dos Extravasores; II – Estudos Sedimentológicos; III – Quantificação das Vazões para Usos Múltiplos; IV – Monitoramento do Reservatório; 128 § 3º - A quantificação das vazões outorgáveis, remanescentes e de outros usos, será determinada pelo Órgão Outorgante no momento da análise do Projeto Básico do Empreendimento. Art. 3º A Outorga Preventiva, objeto desta Portaria: I - não confere direito de uso dos recursos hídricos e se destina a reservar a vazão a ser outorgada, possibilitando, ao investidor, o planejamento de seu empreendimento; II - poderá ser revista após a aprovação do Plano Estadual de Recursos Hídricos ou da elaboração do Plano da Bacia, e da realização do Cadastramento de Usuários nas seções a montante do empreendimento, ou ainda por alteração dos critérios de outorga. Art. 4o A presente Outorga Preventiva poderá ser revogada ou suspensa a qualquer tempo, independentemente de indenização, nos casos expressos nos artigos 42 e 43 do Decreto 4.778/2006. Art. 5º Essa Outorga Preventiva não dispensa nem substitui a obtenção, pelo futuro outorgado, de certidões, alvarás ou licenças de qualquer natureza, exigidos pela legislação federal, estadual ou municipal. Art. 6º O direito de uso de recursos hídricos, quando da transformação desta Outorga Preventiva, em Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos, estará sujeito à cobrança, nos termos da legislação pertinente. Art. 7o Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação. 129 ANEXO B - REPORTAGEM 2 Reportagem retirada da Companha Catarinense de Águas e SaneamentoCASAN.Disponível em: www.casan.com.br/index Apresentação da Barragem do Rio do Salto Timbé do Sul-sc 1 - APRESENTAÇÃO O implantação da Barragem de regularização de vazões do Rio do Salto é de fundamental importância para o desenvolvimento humano de uma região que vem sofrendo sistematicamente devido ao conflito de interesses pelo uso da água com os produtores rurais (arroz irrigado). O manancial é um dos poucos disponíveis para suprir a necessidade atual da população, e a garantia futura para atender o crescimento populacional e comercial da região depende da construção da Barragem. O projeto tem como unidades principais uma barragem de derivação em concreto, um canal de derivação, uma barragem de acumulação em CCR e um canal de tomada d`água para a Vila Progresso. 2. - Adutora A adutora de água bruta para abastecimento das cidades de Araranguá, Ermo, Meleiro, Morro Grande e Turvo terá uma tomada de água exclusiva na Barragem do Rio do Salto. A tubulação será em Ferro Fundido com diâmetro de 500 mm junto da barragem e seguirá com diâmetro de 500 mm até a cidade de Turvo e diâmetro de 400 mm de Turvo até Ermo, onde futuramente deverá ser implantado uma Estação Elevatória de Água Bruta (ERAB) para encaminhamento da água bruta até Araranguá. A adutora terá uma derivação para Meleiro e Morro Grande com uma tubulação de diâmetro de 200 mm e outra para Turvo com uma tubulação de diâmetro de 250 mm. A adutora da derivação para Morro Grande terá uma tubulação com diâmetro de 100 mm. A água bruta será encaminhada para as Estações de Tratamento de Água existente em cada localidade. 3 - BENEFÍCIOS GERADOS DIRETAMENTA PELO PROJETO O complexo de obras proporcionará os seguintes benefícios diretos: -Garantir condições de abastecimento de água aos municípios de Turvo, Meleiro, Morro Grande, Ermo e Araranguá. -Irrigação de lavouras nos municípios de Meleiro, Turvo, Morro Grande e Ermo. -Preservar as condições para num futuro gerar energia elétrica durante os meses de irrigação, aproveitando-se uma queda bruta disponível de 42 m, prevendo-se uma potência instalada em torno de 1.260 kW. 130 -Regularizar o regime de vazões do Rio Amola Faca e Rio do Salto. -Proporcionar, através da preservação das cascatas do rio do Salto e do lago a ser formado, um novo elemento de lazer e turismo para a região. -Proporcionar condições para desenvolvimento de piscicultura numa região muito desfavorável à existência natural de peixes, devido à grande declividade dos rios, que anualmente secam diversas vezes no período de estiagem. A criação de peixes pode constituir-se numa nova fonte de alimento às populações de menor poder aquisitivo. 4 – HISTÓRICO DO PROJETO Década de 80: Através do PRONI – Programa Nacional de Irrigação foi escolhido o local para construção de um barramento, para irrigação de várzea nos municípios de Turvo e Meleiro. Julho de 1990: Contratado, com a empresa MAGNA Engenharia Ltda., o Estudo de Viabilidade, EIA/RIMA e Projeto Básico da Barragem. Julho de 1998: Firmado Convênio entre o Ministério do Meio Ambiente dos Recursos Hídricos e da Amazônia e o Governo do Estado, para Revisão do EIA/RIMA, Levantamento e avaliação das propriedades e revisão do Projeto Básico. Junho de 1999: O Governo do Estado, através da Secretaria de Agricultura, firmou contrato com a EPAGRI para revisão do EIA/RIMA, Cadastro e Projeto Básico. Outubro de 2003: EPAGRI encaminha à FATMA os relatórios ambientas e estudos sócioeconômicos, para concessão da Licença Ambiental. Agosto de 2004: Realizada a 1ª Audiência Pública para apresentação do EIA/RIMA. Dezembro de 2004: A FATMA solicita complementação dos estudos ambientais. Agosto de 2006: Realizada a 2ª Audiência Pública para apresentação do EIA/RIMA reformulado. O MPF e a FATMA questionaram diversos itens a serem respondidos em estudos complementares. Outubro de 2006: A CASAN assume a coordenação dos trabalhos, definindo o abastecimento público como prioridade. Dezembro de 2006: Após reunião com o Ministério da Integração Nacional a CASAN enviou o Plano de Trabalho contemplando a Readequação do Projeto Básico, Elaboração do Projeto Executivo, Complementação do EIA/RIMA e Programas Ambientais, no valor de R$ 3.200.000,00. Abril de 2007: A barragem é incluída no PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, do Governo Federal ( Ministério da Integração Nacional ), no valor estimado de R$ 66.285.714,28, sendo 80% do OGU e 20% de contrapartida do Estado. Julho de 2007: O Ministério da integração solicita que os estudos complementares do EIA/RIMA seja retirado do Plano de Trabalho e contratado com recursos próprios. 131 Dezembro de 2007: a CASAN conclui o Termo de Referência para contratação dos estudos complementares do EIA/RIMA e lança o Edital para contratação. O Governo do Estado assinou o Termo de Compromisso comprometendo-se a executar as ações relativas à conclusão da Barragem do Rio do Salto. O Ministro da Integração Nacional assina a Portaria Nº 0091, de 31 de dezembro de 2007, aprovando Termo de Compromisso e o repasse de recursos, no total de R$ 53.028.571,43. Dezembro de 2007 à Dezembro de 2008: A CASAN concluiu o levantamento topográfico e cadastral das propriedades, avaliação dos imóveis e benfeitorias, complementação dos estudos complementares do EIA/RIMA e aquisição de 3 terrenos no local onde será construída a barragem principal. Dezembro de 2008: a CASAN protocola junto a FATMA os estudos complementares para concessão da Licença Ambiental. Maio de 2009: Após análise prévia dos documentos apresentados pelos técnicos da FATMA, foi realizada a 3ª Audiência Pública no município de Timbé do Sul. A FATMA está finalizando a análise dos estudos complementares para concessão da Licença Ambiental. 132 ANEXO C - REPORTAGEM 3 Reportagem retirada da Revista ECO-DEBATE-Cidadania e Meio Ambiente, publicado no dia 26 de outubro de 2009. Disponível em: www.ecodebate.com.br Santa Catarina: Estudos sobre impactos ambientais da barragem do Rio Salto são insuficientes Para o Ministério Público Federal em Santa Catarina, é imprescindível que o estudo de impacto ambiental (EIA/Rima) da construção da barragem do Rio Salto, localizada no município de Timbé do Sul, detalhe os impactos que o incremento da rizicultura causarão ao meio ambiente, prevendo medidas mitigadoras. Apesar da construção da barragem beneficiar diretamente os plantadores de arroz, a obra será custeada por toda a sociedade, “o que justifica a exigência de que todos os impactos causados pelo fomento a essa atividade econômica sejam minuciosamente previstos e mitigados”, esclarece a procuradora Patrícia Muxfeldt, autora da Recomendação encaminhada à Fatma, em julho deste ano. Outro ponto a ser esclarecido é se há escassez de água para o consumo humano na área de influência do empreendimento. Em caso positivo, a barragem deverá atender prioritariamente o abastecimento público e não a atividade agrícola. O questionamento, segundo a procuradora, deve-se ao fato de que, conforme legislação federal, a água, em situações de escassez, deve ser utilizada prioritariamente para o consumo humano e a dessedentação de animais. O processo de licenciamento de construção da barragem do rio Salto vem sendo acompanhado pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual há mais de três anos. Em 2006, o MPF apontou as deficiências do estudo apresentado pela Epagri, que foi considerado insuficiente, pois não trazia elementos para esse tipo de empreendimento, tais como levantamentos de flora e fauna, definição clara do uso da água da barragem, definição de medidas mitigadoras, dentre outras falhas apontadas. Porém, sem que as deficiências apontadas em 2006 fossem sanadas, em abril do ano passado, foi expedida Licença Ambiental Prévia (LAP) pela Fundação do Meio Ambiente (Fatma). Os MP’s consideraram a LAP ilegal, pois os estudos não haviam sido apresentados. A Fatma acatou o pedido e cancelou a LAP. Em dezembro de 2008, a Casan apresentou alguns documentos complementares ao EIA/Rima, mas que, para o MPF, continuaram incompletos. Segundo informação técnica do MPF, “a avaliação do impacto da obra e as recomendações são incipientes ou ausentes” e que “para cada um dos impactos negativos identificados fica meramente recomendado um 133 programa de monitoramento”. Outra conclusão da perícia foi de que a principal finalidade do empreendimento é a irrigação das lavouras de arroz, atividade essa que consumirá 97,5% da água acumulada pela barragem, ao passo que apenas o restante – 2,5%- será destinado ao consumo humano. 134 ANEXO D - REPORTAGEM 4 Reportagem retirada do jornal A Tribuna. Publicado no dia 11 de novembro de 2009. disponível em: www.atribunanet.com BARRAGEM DO RIO DO SALTO: SERÁ QUE SAI OU NÃO SAI Moradores do extremo Sul querem uma definição imediata sobre o encaminhamento a respeito da construção da barragem do Rio do Salto, na comunidade de Areia Branca, em Timbé do Sul. Para tratarem do assunto, convocaram uma Audiência Pública para amanhã, às 15h, no salão paroquial, ao lado da igreja, no Centro de Turvo. Neste dia, os técnicos do Ministério da Integração Nacional e Recursos Hídricos estarão esclarecendo as principais dúvidas dos moradores. "Queremos saber se vai ou não sair do papel. A comunidade tem sofrido com essa indefinição e a nossa intenção é que um parecer seja dado em breve", adianta o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Turvo e Ermo, David Tomazi Tomaz. No local vivem 85 famílias e 313 pessoas que passaram a ter dificuldades no dia a dia com a esperança do projeto ser concretizado. "A área é de utilidade pública, então os moradores não conseguem realizar um financiamento de máquinas e coisas do gênero. Por isso a importância de uma decisão logo. Eles estão no gargalo", afirma Tomaz. O evento está sendo realizado por diversas entidades da região, entre elas os sindicatos rurais, a CDL, Associação Comercial e Industrial, Associação de Moradores de Areia Branca e Rio do Salto, além da comissão que vem tratando dos assuntos relacionados à barragem. Processo de licenciamento atrasado O maior entrave para o início das obras da barragem tem sido a questão ambiental. A demora na liberação da licença está acontecendo porque o Ministério Público Federal de Santa Catarina questionou alguns pontos do projeto. As pendências estão sendo analisadas pela empresa responsável pelo projeto, a Prosul, e deverão ser encaminhadas na segunda quinzena deste mês para nova análise do MPF/SC. O diretor de Projetos Especiais da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), Adelor Vieira, está em viagem oficial ao Japão e a estatal não terá representantes no evento, segundo sua assessoria. 135 Recursos garantidos podem desaparecer A construção da barragem do Rio do Salto tem recursos garantidos através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. Atualmente, estão inclusos no orçamento deste ano R$ 10 milhões dos R$ 30 milhões já incluídos no projeto. No entanto, a demora no processo poderá acarretar na perda do dinheiro. "O mais difícil era conseguir os recursos e isso está garantido. Só o que faltava perder esse montante por uma completa falta de posicionamento do governo, que cisma em culpar a Fatma e o Ministério Público. É preciso vontade para capitanear o projeto e resolver as pendências", alerta o deputado estadual Valmir Comin (PP). Benefícios para o extremo Sul A construção da barragem do Rio do Salto trará inúmeros benefícios para a região. Ela eliminará o conflito existente entre o abastecimento humano e o uso para lavouras irrigadas, onde se destacam as cidades de Meleiro e Turvo. Nesse caminho serão proporcionadas condições para o desenvolvimento da piscicultura numa região desfavorável à existência de peixes, devido à grande declividade dos rios. Além disso, a obra levará água tratada num primeiro momento a oito municípios, beneficiando diretamente cerca de 110 mil pessoas. 136 ANEXO E - REPORTAGEM 5 Reportagem retirada do PORTALSATC.COM. Timbé do Sul – comunidade – Rio do Salto. Publicado no dia 29 de março de 2011. Disponível em: www.portalsatc.com Estado quer finalizar pagamentos para famílias da barragem de Timbé A confirmação de pagamento, que estabelece as indenizações para famílias da localidade de Areia Branca, no interior do município, veio do presidente da Casan, Dalírio Beber. Audiência com líderes políticas hoje, 29, em Florianópolis, assinalou para a liberação dos recursos. “Estamos aguardando um parecer das secretarias para providenciar a quitação das últimas indenizações. O trabalho é para agilizar, ao máximo, o repasse destes recursos às famílias que ainda estão na comunidade”, destacou Beber. O valor destinado, de R$ 13 milhões, está inserido no Orçamento do governo do Estado para o exercício de 2011. A obra total custará R$ 50 milhões. Os recursos estão previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) do Governo Federal. Com informações de Nikolas Stefanovich/Assessoria de Imprensa do deputado Manoel Mota. 137 ANEXO F - REPORTAGEM 6 Reportagem retirada do jornal Correio do Sul. Publicado no dia 6 de abril de 2011. Disponível em: www.grupocorreiodosul.com.br Vice-governador garante indenizações da Barragem para junho O prefeito de Timbé do Sul, Eclair Alves Coelho, recebeu a garantia do vice-governador, Eduardo Moreira, esta tarde de que as desapropriações das terras a serem inundadas pela Barragem do Rio do Salto, em Areia Branca, começarão a ser pagas em junho. Da audiência com Moreira e com integrantes da Casan na Capital, o prefeito diz que saiu com saldo positivo. “Estou otimista, pois o vice-governador abraçou nossa causa e está totalmente engajado conosco”, revela. Segundo Eclair, o encontro serviu ainda para cobrar da Secretaria da Fazenda e do Planejamento a análise prometida há algumas semanas. “Como as finanças do Estado estão trancadas até dia 30 de abril, por decreto do governador Raimundo Colombo, a avaliação de como e quando pagar as 54 famílias será feita até dia 2 de maio”. Para o secretário regional de Araranguá, a obra da Barragem do Rio do Salto é considerada prioridade para 2011. Depois de indenizadas as famílias, conforme combinado entre Casan e Governo do Estado de indenizar todas as famílias antes de começar a obra, a próxima etapa será licitar a empreiteira, já que não há mais pendências ambientais. Cerca de 30 famílias já receberam as indenizações, em R$ 5,8 milhões, restando outros R$ 13 milhões a serem pagos. Outros prefeitos também irão cobrar a obra A obra do barramento está orçada em R$ 72 milhões. Mais da metade, R$ 48 milhões, já estão garantidos no orçamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC2), do Governo Federal. Até o dia 20 de abril, os prefeitos beneficiados diretamente pela construção da Barragem, de Turvo, Ermo, Morro Grande, Meleiro e Timbé do Sul deverão se reunir em audiência com o governador Raimundo Colombo. Será no sul do Estado, provavelmente, na sede da SDR. A pauta do encontro será sanar a situação precária em que vivem as famílias agricultoras da localidade de Areia Branca, sem expectativa de futuro, mas também a importância de começar imediatamente a obra. 138 ANEXO G - REPORTAGEM 7 Reportagem do Jornal Santa Catarina Hoje:Barragem Rio do Salto é tema de discussão na SDR de Araranguá. Disponível em: www.santacatarinahoje.com.br O secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Araranguá, Heriberto Afonso Schmidt, recebeu na tarde desta terça-feira (23) em seu gabinete uma comissão formada pelos prefeitos de Timbé do Sul, Eclair Alves Coelho, e de Meleiro, Jonnei Zanette, além dos presidentes de sindicatos rurais e dosTrabalhadores Rurais, e Cooperativas de Timbé do Sul, Meleiro, Ermo e Turvo, que buscaram informações sobre o processo de indenização de imóveis e construção da Barragem de Areia Branca – Rio do Salto. O secretário regional de Araranguá destacou que nos últimos dois anos houve um grande avanço no que diz respeito à Barragem de Areia Branca, com a obtenção da Licença Ambiental, a garantia no orçamento do Governo Federal (PAC 2) dos recursos para a construção da Barragem e o início do pagamento das indenizações às famílias pelo Governo do Estado. Dos 129 imóveis cadastrados, que serão inundados, 31 foram indenizados em 2010, um investimento de R$ 5 milhões e 600 mil. Falta ainda o pagamento de 98 propriedades, o equivalente a R$ 13 milhões 284 mil. O passo seguinte, de acordo com Schmidt, é buscar recursos ainda este ano para o pagamento das indenizações às propriedades restantes, para que no início de 2011 seja dada continuidade a este processo. “Fizemos um relatório, com informações e fotos, demonstrando ao governador eleito Raimundo Colombo e ao vice Eduardo Moreira a importância da obra que já está em andamento e apresentamos em audiência na última semana. Esperamos que o restante das indenizações sejam pagas em breve, pois sabemos da angústia vivenciada pelos moradores, que aguardam a barragem há mais de 20 anos”. O presidente da Cooperativa Turvense de Irrigação (COOTIL), Rogério Bardini, reiterou que as famílias que já receberam as indenizações estão satisfeitas e que as que ainda não receberam aguardam pelo pagamento, já que no momento não podem investir nas áreas, que serão inundadas. Além disso, segundo ele, há o compromisso em garantir condições de abastecimento de água e de irrigação das lavouras. 139 ANEXO H - REPORTAGEM 8 Audiência Pública sobre Barragem do Rio do Salto aponta responsabilidades para garantir verba - 12/11/2009 Colocar os pontos nos “I” e cobrar agilidade no processo antes que se perca a verba para a obra da Barragem do Rio do Salto. Esse foi resultado da audiência público organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Turvo, ACIVA, Cootil, CDL Turvo, Timbé do Sul e associações de moradores de Areia Branca e Rio do Salto e que trouxe para região dois técnicos do Ministério da Integração Nacional para participar do evento. A audiência pública contou com a participação maciça da comunidade e representantes da Casan e da Secretaria Regional De Desenvolvimento de Araranguá que foram muito cobrados pelas pessoas presentes. O deputado federal, Jorge Boeira(PT), disse que vai trabalhar, em Brasília, para tentar prorrogar o prazo da assinatura do convênio, pois em já em dezembro vence o prazo e a região vai perder os R$ 30 milhões, empenhados para a obra. “Se isso acontecer nós vamos voltar à estaca zero. Todos nós aqui sabemos a importância desta obra”, disse Boeira. Presentes na audiência, Sebastião Jander de Siqueira e Ricardo Martins da Silva, Técnicos do Ministério da Integração Nacional e Recursos Hídricos explicaram os tramites e a importância que o Governo Federal está dando as obras que proporcionem reserva de água para a população e atividades produtivas. “Mas não podemos investir em uma área que não seja pública. Por isso, para assinar o convênio, é necessário primeiro desapropriar a área onde será a obra. Além disso, tem as questões ambientais que o Estado precisa finalizar”, explica. A mesa foi intermediada pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Davide Tomazi Tomaz que considerou a audiência produtiva. O representante da Casan, Cláudio Ramos Floriani Junior, buscou explicar em que estágio encontra-se o processo, que agora depende apenas do Governo do Estado. “Nós estamos tentando fazer a desapropriação, mas o processo já foi parar na justiça. A Casan avaliou um preço, mas os moradores estão reivindicando outro. Vamos aguardar a decisão do Juiz. Da mesma forma a Licença Ambiental. A primeira foi muito mal feita. Quando assumimos o processo refizemos, mas o fato novo é que o Ministério Público pediu outras questões não previstas e estamos trabalhando em cima. Ainda na semana que vem queremos colocar fim e tentar garantir a licença ambiental da obra”, enfatizou. A audiência destacou a responsabilidade de cada um no processo. O Governo do Estado precisa garantir a verba para indenização dos terrenos e viabilizar a licença ambiental. Sem essas duas questões resolvidas o convênio não será assinado. Paralelamente a isso, o deputado Boeira vai trabalhar para tentar prorrogar mais uma vez a data de assinatura que vence agora em dezembro para não perder os R$ 30 milhões já garantidos pelo Governo Lula. Participaram da audiência Pública os prefeitos Ronaldo Carlesse (Turvo), Nei Zanette (Meleiro), Valdir Savi Sobrinho (Timbé do Sul), presidente da Câmara de Vereadpres de Turco Jair Toretti, Presidente da Comissão de Moradores da Comunidade de Areia Branca, Ezidio Da Rosa, deputado estadual, Manoel Motta, Secretário Regional, Heriberto Schimidt, Aciva Turvo, Venânci Menegaro e o Presidente do Comitê da Bacia do Rio Araranguá, Ernani Palma Ribeiro Filho. 140 ANEXO I - REPORTAGEM 9 Sócios da Natureza – ONG Fundada em 1980. (PRÊMIO FRITZ MULLER 1985) MAIS QUESTIONAMENTOS PREOCUPANTES SOBRE A BARRAGEM DO RIO DO SALTO, EM TIMBÉ DO SUL, NO SUL DE SC. 2 5 NOVEMBRO, 2000 Continuam a fazer propaganda enganosa e eleitoreira na mídia regional sobre a proposta da barragem do Rio do Salto, projetada para Timbé do Sul, sul de Santa Catarina. Seus defensores, mais interessados na execução ‘’em si’’ do empreendimento de 60 milhões, alegam que o reservatório irá garantir o abastecimento de 100 mil pessoas de vários municípios, incluindo Araranguá e Balneário Gaivota, o que contestamos não ser verdade. Que irá garantir a irrigação de quase 20 mil hectares beneficiando 1.500 propriedades rurais, que poderá produzir energia, entre outras impossibilidades, comprometendo a veracidade das informações. Alertamos ao empreendedor mais seriedade na proposta. Conclamamos as autoridades mais rigor com o descaso do empreendedor demonstrado até agora. Depois disso como confiar no EIA-RIMA! Nossa região comprovadamente não suporta mais impactos ambientais, principalmente se desnecessários ‘’Não nos iludamos: se o modelo de desenvolvimento global não for repensado, crescem os riscos de uma catástrofe ambiental e humana sem precedentes’’ Extraído do discurso do Presidente Lula na ONU, no dia 24/09/2007. Por outro lado, consta nas diretrizes do Banco Mundial, da ANA e do Ministério da Integração, que a finalidade deste referido recurso é especificadamente para o abastecimento humano. Ora, então está havendo desvio de finalidade na aplicação do recurso! Como também está em desacordo com a Lei Nº. 9.433/97 de Recursos Hídricos que determina o uso da água, em situações de escassez, a prioridade para o abastecimento humano, ficando em segunda opção a dessedentação de animais e em terceiro a agricultura. Todo mundo sabe que o reservatório é para atender quase que exclusivamente a rizicultura. Empreendimentos como estes, deveriam antes do EIA-RIMA, passar pela leitura técnica de uma espécie de “Estudo de Avaliação Ambiental e Econômica” para determinar a viabilidade do mesmo. Torcemos pelo desenvolvimento da região sul de SC, mas com obras realmente necessárias de interesse do coletivo. O setor agrícola regional precisa de atenção, apoio e investimentos, mas não deste tipo que atenderá uma faixa de agricultores diretamente responsáveis pela escassez e comprometimento dos recursos hídricos, com o intensivo e desordenado sistema de irrigação adotado pelos mesmos. A rizicultura pode até ser um dos principais fatores que incrementam o setor agrícola da região, mas comprovadamente é degradante como é a mineração do 141 carvão, além de gerar poucas frentes de trabalho, já que toda a operação é mecanizada... ‘’É preciso reverter essa lógica aparentemente realista e sofisticada, mas na verdade anacrônica, predatória e insensata, da multiplicação do lucro e da riqueza a qualquer preço’’. Extraído do discurso do Presidente Lula na ONU, no dia 24/09/2007. O satélite do Google Earth nos mostra uma assustadora visão entre o Oceano Atlântico e os Aparados da Serra numa faixa de quase 80 KM, uma planície totalmente sem verde e sem nascentes, uma área propensa a desertificação (Lado norte/catarinense da Bacia do Mampituba e lado sul do Araranguá (América do Sul pode perder, com a desertificação, até um quinto de suas terras produtivas até 2025, alerta a Convenção das Nações Unidas (ONU) para o Combate à Desertificação (UNCCD, sigla em inglês). O lado norte da bacia do rio Araranguá é reconhecida nacionalmente como uma das 14 áreas mais poluídas do Brasil de acordo com o decreto Federal Nº. 85.206 desde 1980. Ou seja, não é mais apenas conversa de ambientalista ou de ONG, são informações e dados públicos, portanto disponíveis para quem duvidar ou não acreditar. “Há um ciclo em que um fenômeno alimenta o outro. Se o meio ambiente édegradado com desmatamento e erosão, os reservatórios de água diminuem,aumentando as áreas desertas", afirma o conceituado técnico Heitor Matallo, da UNCCD/ONU Segundo informações repassadas na audiência pública em 08/08/06 existe na localidade rural de Areia Branca 84 famílias de agricultores que plantam feijão, batata, milho, mandioca, que criam gado, porcos, galinha, que possuem horta com cebola, alface, perto de arvoredo com pés de laranjeira e bergamoteiras e ainda tem jardim em frente à residência. Estes agricultores serão indenizados e ‘’expulsos’’ de suas terras, isto mesmo, expulsos! Vivem uma vida inteira em suas terras como seus antepassados e de repente tem que sair porque um técnico disse que precisaria construir uma barragem para resolver o problema dos rizicultores, ora, esta proposta contraria totalmente o. Artigo 225 da Constituição Brasileira. Na audiência pública, onde o incompleto e insatisfatório EIA-RIMA foi apresentado pelo empreendedor, um agricultor desabafou chorando ‘’que não entendia porque que tinha que sair das suas terras se nunca havia prejudicado a natureza’’. São inaceitáveis os exorbitantes subsídios agrícolas, que enriquecem os ricos e empobrecem os mais pobres. Extraído do discurso do Presidente Lula na ONU no dia 24/09/2007. Dentre as solicitações encaminhadas na audiência pública promovida pela FATMA, em Areia Branca, solicitamos um relatório sobre os atingidos pela barragem do rio São Bento, onde moram e que fazem atualmente? Até o presente momento em nada fomos comunicados e muito menos recebemos algo como resposta. A única solicitação por nós formulada na AP que está sendo desenvolvida é a avaliação com um parecer do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá. 142 Tem nos preocupado imensamente artifícios oportunistas, muito utilizados por políticos e governantes para justificar que atenderam tal situação ou problema com a aplicação de recursos financeiros, primeiro para facilitar os urubus famintos por verbas públicas e segundo para usar eleitoralmente que ajudou tal região, mesmo sabendo que solucionou realmente o problema / conflito. O caso em questão é exemplar, pois não resolverá o gravíssimo problema / conflito rural da região, muito pelo contrário poderá complicar ainda mais. O empreendedor governamental / privado (CASAN) não quer discutir abertamente/democraticamente com a sociedade civil organizada, além de ficar culpando as deficiências da administração as ONGs ou sindicatos, por exemplo. OBS. ESTAMOS TORCENDO PARA QUE A CPI DA CASAN AVANCE NAS INVESTIGAÇÕES E EXPONHA AS IRREGULARIDADES COMETIDAS PROCESSO E CONTRUÇÃO DA BARRAGEM DO RIO SÃO BENTO. NO Concluindo: Esperamos que as irregularidades apontadas pelos técnicos da FATMA sejam solucionadas no EIA-RIMA. Depois do EIA-RIMA da Barra Grande tudo é possível nos licenciamentos, por isso o cuidado deve ser redobrado. Esperamos que, caso venha a ser construída a Barragem do Rio do Salto, o Governo Estadual amplie a Reserva Biológica do Aguaí como medida compensatória para garantir a preservação das nascentes que abastecerão o reservatório. Esperamos que, caso venha a ser construída a Barragem do Rio do Salto, o governo estadual promova a transferência dos agricultores através de programas de acompanhamento via ajuste de condutas, como forma de garantir qualidade de vida não menos inferior a que atualmente levam na comunidade rural de Areia Branca. Esperamos que o MPF avalie nossas preocupações observadas verbalmente na Audiência Pública e/ou registradas em documentos da ONGSN. Esperamos que as denúncias enviadas ao TCU, Banco Mundial, ANA e Ministério da Integração promovam um ‘’redirecionamento’’ deste importante recurso em benefício da sofrida agricultura familiar e dos escassos e poluídos recursos hídricos da bacia. OBS. Algum tempo atrás, os opositores da preservação ambiental rebatiam que os alertas sobre mudanças climáticas não passavam de alardes exagerados dos ambientalistas e das ONGs, ao passo que agora são cientistas do mundo inteiro e da ONU, na verdade estão reafirmando o que a comunidade ambientalista tanto pregava (...e continua!). INFORMAÇÃO - No Brasil, um (1) milhão de pessoas já foram atingidas diretamente pela construção de barragens e 3,4 milhões de hectares de terra estão alagadas pelos reservatórios. Após a formação dos lagos, a cada 10 mil famílias atingidas, apenas três receberam algum tipo de indenização. Entre as famílias que conseguiram nova moradia, o índice de empobrecimento é muito alto, já que elas perderam seus meios de produção - a terra para o cultivo e os rios para a pesca’’.