UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO RAFAEL PEREIRA DE ARAÚJO PEDROSA Desafios do crescimento de empresas diversificadas: Os casos Matarazzo e Votorantim Rio de Janeiro 2015 Rafael Pereira de Araújo Pedrosa DESAFIOS DO CRESCIMENTO DE EMPRESAS DIVERSIFICADAS: OS CASOS MATARAZZO E VOTORANTIM Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.) Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D. Rio de Janeiro 2015 FICHA CATALOGRÁFICA PEDROSA, Rafael Pereira de Araújo Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim / Pedrosa, R. P. A. - 2015. 325f Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto Coppead de Administração, 2015. Orientadora: Denise Lima Fleck 1. Crescimento da Firma. 2. Declínio Organizacional. 3. Administração - Teses. I. Fleck, Denise Lima. (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto Coppead de Administração. Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim ii DESAFIOS DO CRESCIMENTO DE EMPRESAS DIVERSIFICADAS: OS CASOS MATARAZZO E VOTORANTIM Rafael Pereira de Araújo Pedrosa Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.) Aprovado por: ________________________________________ Profa. Denise Lima Fleck, Ph.D. (COPPEAD, UFRJ) - Orientadora ________________________________________ Prof. José Vitor Bomtempo Martins, D.Sc. (Escola de Química, UFRJ) ________________________________________ Profa Maribel Carvalho Suarez, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ) Rio de Janeiro 2015 iii AGRADECIMENTOS À minha amada esposa Amanda Xavier, não só por todo o seu companheirismo e paciência durante esses longos meses, mas por ter sido a principal incentivadora para que eu seguisse essa fantástica jornada. A minha família, em especial aos meus pais, Lívia e Manoel, que não mediram esforços para que eu tivesse uma educação de qualidade. Ao meu irmão Luiz Felipe, desde sempre uma referência para mim e que sempre me deu suporte nas minhas decisões. E também aos meus sogros Márcia e Emílio, por todo o apoio que têm me dado. Sem a contribuição dos meus familiares, eu não teria chegado até aqui. À professora Denise Fleck, por todos os ensinamentos durante o Mestrado, e por ter me aceito como orientado, sendo extremamente dedicada e buscando sempre o melhor para o meu trabalho, incentivando e cobrando quando necessário. Aos professores Maribel Suarez e José Vitor Bomtempo por terem aceitado participar da banca de avaliação e por se dedicarem para avaliar e contribuir com a minha dissertação. A todos os entrevistados que cederem parte dos seus tempos para me contar grandes histórias, sem as quais eu não poderia ter concluído o presente estudo. Um agradecimento especial a toda a equipe do Centro de Memória da Votorantim, por fazerem um trabalho fantástico e por me receberem tão bem e estarem sempre abertos para contribuir para a pesquisa. Aos meus colegas de Mestrado, em especial aos parceiros de seminários, pelo companheirismo e contribuições oferecidas ao longo desses últimos meses. Vocês todos foram uma grande fonte de aprendizado. Aos professores do Coppead pelos valiosos ensinamentos, e a toda equipe de colaboradores do Coppead, exemplos de funcionários públicos, corretos, eficientes e sempre dispostos a ajudar. Aos meus grandes amigos de Itajubá e do Rio, que me propiciaram importantes momentos de refúgio e diversão. Ao Thor, que embora não possa ler nenhuma linha do que está escrito aqui, é um amigo fiel e leal. Ao CNPq pela concessão da bolsa a que tive acesso durante o meu segundo ano de curso. E, finalmente, agradeço ao meu país, que apesar de todas as suas dificuldades, me proporcionou a oportunidade de cursar de forma gratuita um programa de Mestrado de excelência em nível mundial. Compreendo que junto com o título de Mestre em Administração, carrego o dever de contribuir diretamente para o desenvolvimento do Brasil. iv RESUMO Pedrosa, Rafael Pereira de Araújo. Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim. Orientadora: Denise Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2014. Dissertação (Mestrado em Administração). Os grupos Matarazzo e Votorantim, possivelmente os dois principais grupos industriais da história do país, guardam certas similaridades em suas trajetórias. Protagonistas do processo de industrialização pelo qual o Brasil passou no início do século vinte, as organizações foram formadas por imigrantes europeus que se estabeleceram na cidade de Sorocaba e tiveram na indústria têxtil a base para a expansão e diversificação dos negócios. As semelhanças, no entanto, param por aí. Enquanto que a organização do Conde Matarazzo ampliou drasticamente o seu escopo de atividades, chegando a reunir mais de duas centenas de empresas que atuavam em diversos segmentos da economia, a Votorantim liderada por José Ermírio de Moraes foi uma das pioneiras na formação da indústria de base nacional, concentrando suas atividades principalmente nos setores de cimentos e metais. Assim, elas tiveram destinos distintos. As principais empresas que formavam a Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM) declinaram e pediram concordata em 1983. A Votorantim, por sua vez, ainda se mantém como um dos principais conglomerados do país. Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi compreender como essas organizações responderam aos desafios do crescimento propostos por Fleck (2009), buscando analisar se essas respostas contribuíram para o desenvolvimento de uma propensão à longevidade saudável ou à autodestruição em cada um dos casos. A análise sugere que a Matarazzo desenvolveu capacitações empreendedoras que contribuíram para o seu crescimento, mas não conseguiu gerir a complexidade e evitar a fragmentação em decorrência do intenso processo de expansão e diversificação. Além disso, dificuldades em se adaptar às mudanças do ambiente também contribuíram para a sua extinção. Respostas consistentes foram identificadas ao longo da trajetória da Votorantim, permitindo, ao mesmo tempo, o crescimento e a sustentação da integridade organizacional. Evidências apontam, no entanto, para respostas menos efetivas nos anos recentes, indicando que pode haver um risco para o futuro da organização. Palavras-chave: Crescimento da Firma; Declínio Organizacional; Longevidade Saudável; Diversificação v ABSTRACT Pedrosa, Rafael Pereira de Araújo. Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim. Orientadora: Denise Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2014. Dissertação (Mestrado em Administração). The Matarazzo and Votorantim groups, possibly the two major industrial groups in the country's history, hold certain similarities in their trajectories. First, they were both protagonists of the industrialization process by which Brazil went through in the early twentieth century. Second, the organizations were formed by European immigrants who settled in the city of Sorocaba and had in the textile industry the basis for the expansion and diversification of their business. The connections, however, end there. While the organization formed by Francesco Matarazzo dramatically expanded its scope of activities, encompassing more than two hundred companies in various segments of the economy, Votorantim, led by José Ermírio de Moraes, was a pioneer in Brazilian basic industry, focusing its activities mainly on cement and metals sectors. Thus, they had different destinations. The main companies that formed the Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM) declined and filed for bankruptcy in 1983. Votorantim, in turn, still stands as one of the leading conglomerates in the country. Therefore, this study aims to understand how these organizations responded to the growth-related challenges proposed by Fleck (2009), seeking to analyze whether these responses contributed to the development of a propensity for self-destruction or healthy longevity in each case. The analysis suggests that Matarazzo developed entrepreneurial capabilities which contributed to its growth, but was not able to deal with complexity and avoid the fragmentation due to the intense process of growth and diversification. Furthermore, difficulties in adapting to environmental changes also contributed to its extinction. Consistent responses were identified along Votorantim´s trajectory, allowing, at the same time, the growth and the preservation of the organizational integrity. Evidence points, however, to less effective responses in recent years, indicating that there may be risk to the future of the organization. Keywords: Growth of the Firm; Organizational Decline; Healthy Longevity; Diversification. vi LISTA DE ABREVIATURAS BB Banco do Brasil BNDE Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (depois BNDES) BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CBA Companhia Brasileira de Alumínio CMM Companhia Mineira de Metais CIESP Centro das Indústrias do Estado de São Paulo CIFTSP Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão de São Paulo CIP Conselho Interministerial de Preços CSN Companhia Siderúrgica Nacional EBITDA Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation And Amortization EUA Estados Unidos da América FAAP Fundação Armando Alvares Penteado FGV Fundação Getúlio Vargas FHC Fernando Henrique Cardoso FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo IBAR Indústria Brasileira de Artigos Refratários IME Indústria Matarazzo de Energia IRFM Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo JK Juscelino Kubitschek PIB Produto Interno Bruto PNDII Plano Nacional de Desenvolvimento SDV Sistema de Desenvolvimento Votorantim SGV Sistema de Gestão Votorantim VC Votorantim Cimentos VCP Votorantim Celulose e Papel VCPS Votorantim Cimentos Production System VID Votorantim Industrial VM Votorantim Metais VPAR Votorantim Participações vii LISTA DE TABELAS Tabela 2-1 - Cinco Desafios do Crescimento ...................................................................... 10 Tabela 3-1 - Comparativo Cronológico Entre Matarazzo e Votorantim ........................... 20 Tabela 3-2 – Relação dos Entrevistados .............................................................................. 24 Tabela 3-3 – Relação dos relatos obtidos no Centro de Memória Votorantim ............... 24 Tabela 3-4– Dimensões Utilizadas para a Análise ............................................................. 26 Tabela 4-1 - Crescimento da Produção de Café e da População nas Zonas Cafeeiras ..................................................................................................................................................... 29 Tabela 4-2 - Evolução da Produção Industrial de São Paulo ............................................ 32 Tabela 4-3 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de toneladas métricas) .................................................................................................................. 33 Tabela 4-4 - Balança Comercial do Brasil, 1904 – 1918.................................................... 33 Tabela 4-5 - Distribuição por Idade das Máquinas da Indústria Têxtil em 1939 ............ 44 Tabela 4-6- Aspectos Gerais da Indústria: 1928 – 1939 .................................................... 45 Tabela 4-7 - Participação dos Itens Importados em Diversos Setores ............................ 51 Tabela 4-8 - Mudanças na Estrutura Industrial Brasileira: 1939 - 1963 .......................... 52 Tabela 4-9 - Crescimento da Indústria entre 1957 e 1977 ................................................ 54 Tabela 4-10 - Taxas de Crescimento de Subsetores (1971-1989) .................................. 59 Tabela 4-11 – Principais Privatizações Realizadas Durante a Década de 1990 ........... 60 Tabela 4-12 -- Participação dos Setores da Atividade Econômica no PIB em Anos Selecionados ............................................................................................................................. 66 Tabela 5-1- Patrimônio da IRFM em 1911 ........................................................................... 72 Tabela 5-2 – Grupo Matarazzo em 1934 .............................................................................. 88 Tabela 5-3 - Evolução do capital social da Matarazzo (em milhões de cruzeiros) ........ 91 Tabela 5-4 - Divisão da Matarazzo em Empresas ............................................................ 103 Tabela 5-5 Composição do Faturamento da IRFM por Setor (%) .................................. 105 Tabela 5-6 – Perfil do Grupo Matarazzo em 1993 ............................................................ 108 Tabela 6-1 - Evolução da Produção anual de Cimento em Toneladas ......................... 126 Tabela 6-2 – Quarta Geração da Família Ermírio de Moraes ......................................... 139 Tabela 6-3 – Unidades de Negócio da Votorantim em 2001........................................... 140 Tabela 6-4 – Participação da Votorantim no Mercado Brasileiro, por Negócio ............ 140 Tabela 7-1 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de toneladas métricas) ................................................................................................................ 160 Tabela 7-2 – Avanço das Unidades Têxteis do Grupo Matarazzo entre 1939 e 1952 162 Tabela 7-3 – Relação de Unidades Descontinuadas ou Vendidas Entre as Décadas de 1950 e 1970............................................................................................................................. 185 Tabela 7-4 – Lucro Médio da Matarazzo Entre 1912 e 1929 .......................................... 188 Tabela 7-5 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911 ...................... 194 Tabela 7-6 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 ...................... 196 Tabela 7-7 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955 ...................... 198 Tabela 7-8 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983 ...................... 200 Tabela 7-9 – Evolução da produção brasileira de alumínio primário segundo entre 2000 e 2009 (em mil t) ........................................................................................................... 223 viii Tabela 7-10 – Divisão das operações da Votorantim entre os membros da terceira geração .................................................................................................................................... 232 Tabela 7-11 – Resumo da capacidade e vendas da VM ................................................. 260 Tabela 7-12 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 ................... 267 Tabela 7-13 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973 ................... 270 Tabela 7-14 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 ................... 273 Tabela 7-15 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 ................... 275 ix LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 4-1 - Movimento Migratório no Estado de São Paulo (1871 – 1900) ................. 30 Gráfico 4-2– Evolução da População Brasileira .................................................................. 46 Gráfico 4-3 – Evolução das Populações Urbana e Rural no Brasil .................................. 47 Gráfico 4-4 - Distribuição Setorial do PIB (1950 – 89) ....................................................... 48 Gráfico 4-5 - Relação de Produção e Consumo de Energia Elétrica ............................... 54 Gráfico 4-6 - Cotação Internacional do Petróleo (US$) ...................................................... 55 Gráfico 4-7 - Saldo da Balança Comercial entre 1970 a 1989 (US$ milhões) ............... 56 Gráfico 4-8 - Inflação - IPCA (% a.a.).................................................................................... 61 Gráfico 4-9 - Taxa de juros - Over / Selic - (% a.a.) ............................................................ 62 Gráfico 4-10 - Saldo da Balança Comercial entre 1990 e 2013 (US$ milhões) ............. 63 Gráfico 4-11 - Taxa de Câmbio (Real x Dólar) .................................................................... 64 Gráfico 4-12 - PIB da China em US$ - 1960 – 2013........................................................... 65 Gráfico 4-13 – Participação das vendas para a China no total das exportações do Brasil ........................................................................................................................................... 66 Gráfico 5-1 - Distribuição do Capital da IRFM ..................................................................... 73 Gráfico 5-2 - Distribuição do Capital da Indústrias Matarazzo do Paraná ...................... 78 Gráfico 6-1 - Evolução Financeira do Grupo entre 1942 e 1951 (em milhões de cruzeiros) ................................................................................................................................. 122 Gráfico 7-1 – Evolução do Tamanho da Matarazzo entre 1941 e 1980 ........................ 149 Gráfico 7-2 - Composição de Faturamento da Matarazzo em 1980 .............................. 186 Gráfico 7-3 – Margem líquida da IRFM entre 1943 e 1979 ............................................. 189 Gráfico 7-4 – Capital Social em relação ao PIB brasileiro ............................................... 190 Gráfico 7-5 – Percentual das Dívidas Sobre o Ativo Total............................................... 190 Gráfico 7-6 – Evolução do Tamanho da Votorantim entre 1952 e 2013 ....................... 201 Gráfico 7-7 – Composição do EBITDA da VID em 2012 ................................................. 224 Gráfico 7-8 – Evolução do endividamento da VID (em milhares de Reais) .................. 264 Gráfico 7-9 – Evolução da Margem Líquida da Votorantim ............................................. 264 Gráfico 7-10 – Evolução dos investimentos da Votorantim (em bilhões de Reais) ..... 265 x LISTA DE FIGURAS Figura 2-1 – Motor do Crescimento Contínuo........................................................................ 7 Figura 2-2 - Modelo dos Requisitos para o Desenvolvimento de Propensão à Autoperpetuação ...................................................................................................................... 17 Figura 5-1 - Composição da Diretoria da IRFM ................................................................... 74 Figura 5-2 – Estrutura da Diretoria Executiva em 1976 ................................................... 100 Figura - 6-1 – Mapa da Localização das Empresas da Votorantim, por Setor em 1984 ................................................................................................................................................... 128 Figura 7-1 – Processo de Diversificação da Matarazzo entre 1900 e 1903 ................. 152 Figura 7-2 – Composição da IRFM em 1925 ..................................................................... 170 Figura 7-3 – Legenda do resumo das respostas aos desafios do crescimento ........... 192 Figura 7-4 – Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911............................................... 193 Figura 7-5 - Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 ............................................... 194 Figura 7-6 – Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955............................................... 197 Figura 7-7 – Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983............................................... 199 Figura 7-8 – Estrutura industrial do grupo Votorantim na década de 1950 .................. 229 Figura 7-9 – Estrutura Organizacional da Votorantim em 2010 ...................................... 255 Figura 7-10 - Estrutura Organizacional da Votorantim em 2014 .................................... 256 Figura 7-11 – Expansão da Votorantim através de mecanismos de auto reforço ....... 259 Figura 7-12 – Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 ............................................ 266 Figura 7-13 – Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973............................................ 268 Figura 7-14 – Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 ............................................ 271 Figura 7-15 – Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 ............................................ 273 xi SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1 2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................ 4 3 2.1 Empresas Familiares ................................................................................................. 4 2.2 Gestão de Empresas Diversificadas ....................................................................... 5 2.3 Crescimento e Declínio Organizacional .................................................................. 7 2.4 Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional ............................................. 9 2.4.1 Desafio do Empreendedorismo ...................................................................... 11 2.4.2 Desafio da Navegação no Ambiente ............................................................. 12 2.4.3 Desafio da Gestão da Diversidade ................................................................ 13 2.4.4 Desafio da Gestão de Recursos Humanos .................................................. 14 2.4.5 Desafio da Gestão da Complexidade ............................................................ 15 2.4.6 Desafio da Folga Organizacional ................................................................... 15 2.4.7 Interação Entre os Desafios............................................................................ 16 MÉTODO DE PESQUISA ............................................................................................... 18 3.1 Definição do Tema e dos Objetos de Estudo....................................................... 18 3.2 Estratégia de Pesquisa ............................................................................................ 20 3.3 Coleta de Dados ....................................................................................................... 21 3.4 Processamento e Análise dos Dados ................................................................... 25 4 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E INDUSTRIAL DO BRASIL ........................ 28 5 HISTÓRICO MATARAZZO ............................................................................................. 68 6 HISTÓRICO VOTORANTIM ......................................................................................... 109 7 ANÁLISE .......................................................................................................................... 148 7.1 Análise das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento ............ 148 7.1.1 Desafio do Empreendedorismo .................................................................... 149 7.1.2 Desafio da Navegação no Ambiente ........................................................... 159 7.1.3 Desafio da Gestão da Diversidade .............................................................. 168 7.1.4 Desafio da Provisão de Recursos Humanos ............................................. 177 7.1.5 Desafio da Gestão da Complexidade .......................................................... 182 7.1.6 Gestão da Folga Organizacional .................................................................. 187 7.1.7 Resumo das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento .. 191 7.2 Análise das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento ........... 201 7.2.1 Desafio do Empreendedorismo .................................................................... 202 7.2.2 Desafio da Navegação no Ambiente ........................................................... 218 xii 8 7.2.3 Desafio da Gestão da Diversidade .............................................................. 228 7.2.4 Desafio da Provisão de Recursos Humanos ............................................. 241 7.2.5 Desafio da Gestão da Complexidade .......................................................... 250 7.2.6 Gestão da Folga Organizacional .................................................................. 257 7.2.7 Resumo das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento . 265 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 276 8.1 Considerações Finais Sobre a Matarazzo .......................................................... 276 8.2 Considerações Finais Sobre a Votorantim ......................................................... 278 8.3 Principais Diferenças Identificadas ...................................................................... 279 8.4 Contribuições do Estudo ....................................................................................... 280 8.5 Propostas Para Pesquisas Futuras ..................................................................... 282 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 283 ANEXOS .................................................................................................................................. 300 xiii 1 1 INTRODUÇÃO O sucesso e fracasso organizacional é um tema que atrai grande interesse por parte dos gestores e pesquisadores (Chandler, 1977; Wheten, 1980, 1987; Fleck, 2009). Entretanto, diante do vasto leque de teorias e ferramentas gerenciais desenvolvidas nas últimas décadas, pouca congruência tem sido encontrada sobre o que leva uma empresa a crescer e se perpetuar, enquanto outras declinam e fracassam. Segundo Fleck (2009), com certa frequência, os casos de sucesso empresariais atuais se transformam mais tarde em grandes pesadelos corporativos. Fleck (2009) destaca ainda que o sucesso organizacional não está relacionado a um estado final que possa ser alcançado, mas sim com a propensão à autoperpetuação que pode ser desenvolvida por uma empresa à medida que ela desenvolve respostas saudáveis aos desafios do crescimento. Por outro lado, o fracasso organizacional é definido como o estágio final de um processo de declínio. Assim, os gestores devem atuar constantemente com o objetivo de aproximar as organizações do polo da autoperpetuação, evitando que a organização seja lançada em um processo de declínio. Portanto, estudar e compreender as condições necessárias para que uma empresa desenvolva essa propensão à longevidade saudável torna-se um tema relevante para o estudo de gestão de organizações. No Brasil, verifica-se uma grande carência sobre dados econômicos e empresariais, assim como estudos corporativos de qualidade (BETHLEM, 1999). Sabe-se, no entanto, que há no país um alto nível de mortalidade empresarial, aliado a um ambiente econômico instável para a condução dos negócios. Entretanto, casos de empresas longevas como Souza Cruz (GRIGOROVSKI, 2004), Gerdau (VIEIRA, 2007) e Klabin (BARBOSA, 2008) indicam que a capacidade de atuações dos gestores pode evitar o fracasso mesmo em situações adversas. Por outro lado, ser reconhecida como uma organização vencedora em seu mercado não garante a longevidade saudável e a autoperpetuação. Mesbla (RODRIGUES, 2005) e Varig (OLIVEIRA, 2011) são exemplos notáveis de empresas que foram líderes de seus setores, mas não conseguiram sustentar a sua posição e sucumbiram. Ao lançarmos um olhar sobre o processo de industrialização do Brasil, é possível encontrar duas características importantes. A primeira está relacionada ao protagonismo das empresas familiares na formação e desenvolvimento dos primeiros negócios de base industrial. A segunda aponta para uma tendência em se buscar a diversificação dos negócios como forma de proteção à instabilidade do ambiente. É possível apontar duas organizações com esse perfil que se destacaram e figuraram entre as maiores do país: Matarazzo e Votorantim. 2 Constituídas por imigrantes europeus que chegaram ao Brasil no fim do século XIX, foram pioneiras na formação das primeiras unidades fabris, no interior do Estado de São Paulo, além de terem sido fundadores das principais associações industriais do país. As semelhanças, no entanto, não se estendem por muito mais do que estes pontos. O complexo industrial formado por Francesco Matarazzo cresceu através de um intenso processo de diversificação e se transformou em uma das maiores corporações industriais do mundo em sua época, reunindo mais de duas centenas de empresas diferentes que atuavam em diversos setores da economia. Assim, se manteve por décadas como maior organização empresarial nacional até iniciar um processo de declínio, após a Segunda Guerra Mundial, que culminou com um pedido de concordata em 1983. Atualmente, pouco resta do império fundado há mais de um século. Com uma história também centenária, a Votorantim iniciou sua trajetória industrial no início do século XX atuando no setor têxtil. Embora com menos intensidade, passou a diversificar os seus negócios sob o comando de José Ermírio de Moraes entre os anos 30 e 50, tornando-se o maior grupo industrial do Brasil no início da década de 1980. Atualmente, a Votorantim se mantém como uma das principais empresas brasileiras com atuação principalmente orientada para commodities e presença em vários países do mundo. Sendo assim, constata-se que os grupos tiveram um histórico inicial similar, vivenciando os mesmos acontecimentos do ambiente econômico nacional, mas passaram a percorrer caminhos diferentes. Geralmente atribui-se a queda da Matarazzo à questão de sucessão familiar e destaca-se a Votorantim pela maneira como tratou essa questão. O processo sucessório é, naturalmente, uma questão crucial das empresas familiares. Segundo Bethlem (1990), menos de 15% dos negócios de família sobrevivem após a terceira geração. Entretanto, não é possível apontar esta questão como única. Por isso, a intenção desse trabalho foi reunir as principais informações desses “dois gigantes” com o intuito de compreender o que levou as organizações a desenvolverem trajetórias distintas ao longo dos anos. É importante destacar que a Matarazzo e a Votorantim foram organizações contemporâneas, vivenciaram e contribuíram para o desenvolvimento da indústria, permitindo que o estudo ofereça pontos de comparação entre as duas organizações. “Votorantim, maior do Brasil, cuja história tem pontos de contato com a da Matarazzo. Na origem, na época de início, na cor verde-amarela, no papel essencial do imigrante-empresário fundador, na 3 concorrência em mercado, na disputa de atividades e projetos” 2 (COUTO , 2004, p. 341). Portanto, utilizando os Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional propostos por Fleck (2009), a presente pesquisa buscou responder a seguinte pergunta: Como dois dos principais grupos industriais brasileiros responderam aos desafios do crescimento? Para atingir esse objetivo, o trabalho foi estruturado em oito capítulos. O presente capítulo introduz as considerações e proposta da pesquisa. O capítulo 2 discorre sobre o arcabouço teórico empregado no processo de análise, apresentando principalmente as teorias propostas por Fleck (2009), Penrose (1980), Chandler (1962 e 1977) e Selznick (1957). O capítulo 3 apresenta o método utilizado para a abordagem da pesquisa e para a coleta, classificação e análise dos dados. A descrição do ambiente o qual as empresas deste estudo fazem parte é exposta no capítulo 4. Nele apresenta-se uma narrativa do desenvolvimento econômico e industrial brasileiros desde o fim do século XIX até 2013. O histórico das empresas Matarazzo e Votorantim são apresentados nos capítulos 5 e 6, respectivamente, com um resumo dos fatos e eventos relevantes das suas trajetórias. O resultado da análise é discutido no capítulo 7, com a apresentação das respostas aos desafios do crescimento de cada uma das empresas. Finalmente, as considerações finais são desenvolvidas no capítulo 8, no qual são comentadas também as contribuições da pesquisa e as recomendações para trabalhos futuros. 4 2 REVISÃO DE LITERATURA O presente capítulo apresentará o arcabouço teórico que auxiliou a análise das trajetórias da Matarazzo e da Votorantim. Primeiro, serão discutidos aspectos referentes à gestão de empresas familiares e de empresas diversificadas. Em seguida, será realizada uma contextualização sobre as teorias do crescimento e de declínio organizacional. Finalmente, serão apresentados os Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional de Fleck, que serviram de base para o diagnóstico das organizações. 2.1 Empresas Familiares De acordo com Gonçalves (2000), a caracterização de uma empresa como familiar está relacionada à existência de três condições: a) a empresa é propriedade de uma família, detentora da totalidade ou da maioria das ações ou cotas, de forma a ter o seu controle econômico; b) a família tem a gestão da empresa, cabendo a ela a definição dos objetivos, das diretrizes e das grandes políticas; c) a família é responsável pela administração do empreendimento, com a participação de um ou mais membros no nível executivo mais alto. Até a década de 1950, a empresa familiar brasileira esteve presente em quase todos os segmentos da economia nacional, desde a agricultura, passando pela indústria têxtil, de alimentação e de serviços (GONÇALVES, 2000). De acordo com Bethlem (2000), essa atuação diversificada sobrecarregou os recursos gerenciais e de capital das organizações familiares. Entretanto, o autor afirma que práticas protecionistas, assim como restrições a investimentos e, algumas vezes, também cambiais, tornaram a diversificação local a única maneira possível de crescer. As características de um negócio familiar foram responsáveis pelo seu sucesso relativo nesse processo de industrialização. Sua estrutura informal, por exemplo, facilitava decisões rápidas, o que era uma vantagem numa região sujeita a instabilidades políticas e econômicas. Além disso, essas empresas costumam ter valores fortes compartilhados, frequentemente originados a partir da visão do fundador, e tradições que ajudam a trazer a lealdade dos funcionários (BETHLEM, 2000). Entretanto, com a abertura dos mercados da América Latina para concorrentes multinacionais, o cenário se alterou. Competidores locais, com negócios diversificados, passaram a ter dificuldades de competir com as empresas estrangeiras que entravam no mercado, pois elas traziam mais habilidades gerenciais, maior acesso ao capital e possibilidade de oferecer produtos e serviços melhores e a preços mais baixos. Como 5 consequência, as empresas familiares da América Latina passaram a correr o risco de saírem do mercado ou tornarem-se alvo de aquisições (BETHLEM, 2000). Vale ressaltar, ainda, a dificuldade das empresas familiares conseguirem se autoperpetuar ao longo das gerações. Segundo Bethlem (1999), evidências empíricas sugerem que a primeira geração geralmente constrói a empresa e a segunda a mantém, enquanto a terceira esbanja seus recursos. De acordo com o autor, menos de 15% dos negócios de família sobrevivem após a terceira geração. A Matarazzo contribuiu para as estatísticas ao pedir concordata sob o comando de Maria Pia, da terceira geração. A Votorantim, por sua vez, realizou três processos sucessórios e, após um processo de profissionalização, prepara a quinta geração para atuar no Conselho. 2.2 Gestão de Empresas Diversificadas De acordo com Chandler (1990), os CEOs se tornaram aficionados por diversificações a partir da década de 1960. O número de aquisições e fusões triplicou em um período de quatro anos, chegando a seis mil em 1969. Segundo o autor, entre 1963 e 1972, aproximadamente três quartos dos ativos adquiridos foram para a diversificação de produtos. Entretanto, Porter (1987) propõe que as organizações falharam em desenvolver estratégias corporativas eficazes em tornar os conglomerados em mais do que a simples soma das partes. Chandler (1990) afirma que isso levou à separação entre a gestão de topo das corporações e a gerência média responsável pelas unidades de negócio. Isso ocorreu devido a dois motivos principais. Primeiro, os executivos frequentemente não dispõem do conhecimento específico dos negócios que eles adquirem. Segundo, a diversificação gerou sobrecarregou a tomada de decisão na medida em que os grupos passaram a ter dezenas de negócios para gerenciar. Ghoshal e Mintzberg (1994) afirmam que não existem métodos formais para gerenciar empresas com negócios diversificados. Por isso, destacam a dificuldade de esses grupos desenvolverem uma estrutura adequada. Segundo os autores, é comum enxergar movimentos de pêndulos nos quais as organizações vão da centralização para a descentralização e depois acabam retornando para a condição inicial, sem conseguir encontrar a fórmula correta. Assim, Ghoshal e Mintzberg (1994) afirmam que a estruturação de uma organização diversificada envolve mais do que as tradicionais modelos de divisões (por produtos, regiões, etc) e tipos de controle (financeiro, estratégico, etc). Para eles, 6 uma questão central na gestão de empresas diversificadas está no trade off entre autonomia e sinergia. Para isso, propõem que as organizações devem desenvolver métodos que sustentem o planejamento de sistemas e recursos visando a formalização e geração de controles. Ao mesmo tempo, devem manter a capacidade adaptativa, fomentando a renovação e o aprendizado dos diversos negócios. Para tudo isso funcionar, os negócios devem ser sólidos e a gerência de topo deve fornecer o impulso necessário para a criação dos empreendimentos e continuar fornecendo a energia para sustentar a viabilidade e evitar o colapso das unidades. Além disso, a cultura passa a ser o fator necessário para unir todos os elementos e manter a solidez entre as partes. Organizações diversificadas podem ser formados através de expansões orgânicas e, principalmente como resultados de processos de fusões e aquisições. Segundo Penrose (1980), as aquisições podem ser consideradas o caminho mais curto para o crescimento quando criam novas organizações maiores e que forneçam as condições necessárias para permitir a continuidade do crescimento. Porter (1987), por sua vez, afirma que a iniciativa de uma organização de se lançar em novos negócios pode ser freada pelas barreiras de entrada de uma indústria, fazendo com que a aquisição passe a ser uma opção para a expansão. Dessa forma, Penrose (1980) afirma que sempre que as aquisições forem visualizadas como uma possibilidade mais rentável para a expansão haverá uma tendência dos gestores seguirem este caminho. Entretanto, processos de aquisição são complexos e exigem um conjunto de condições necessárias para o seu sucesso. De acordo com Ashkenas et al (1998), as aquisições são experiências dolorosas e que geram grande ansiedade nas pessoas, pois envolvem demissões, reestruturação de responsabilidades e mudança de poder. Além disso, de acordo com Penrose (1980), se por um lado as aquisições podem ser a maneira mais rápida e eficiente para uma firma se expandir, também é um caminho pelo qual empreendedores ambiciosos conseguem atingir resultados notáveis e criar um grande império. Nesse sentido, muitas vezes não geram resultados satisfatórios de longo prazo. Os estudos de Porter (1987) indicaram, por exemplo, que trinta e três grandes corporações norte americanas mantiveram menos da metade dos negócios adquiridos entre 1950 e 1986. Segundo o autor, as organizações que foram consideradas bem sucedidas nos processos de aquisição demonstraram que o reconhecimento da interrelação entre as partes e da manutenção de uma identidade corporativa forte foram fatores tão importantes quanto os resultados financeiros esperados após as operações. 7 2.3 Crescimento e Declínio Organizacional Segundo Fleck (2009), o sucesso da firma está atrelado à sua capacidade de criar e estimular capacitações que garantam a sua existência. Por outro lado, o declínio ocorre quando há o enfraquecimento ou a falta de habilidade de adaptar essas capacitações diante dos desafios do crescimento. Chandler (1977) destaca duas motivações principais para a expansão de uma organização: a defensiva e a produtiva. A primeira é um movimento de segurança, com o objetivo de limitar o potencial de entrada de novos competidores e de perda de participação no mercado. A segunda é mais positiva e visa a utilização mais intensiva e eficiente dos recursos disponíveis, gerando aumento de produção e ganhos de escala e escopo. Penrose (1980) complementa essa visão e propõe que mais do que as oportunidades oferecidas pelo ambiente, os recursos internos de uma organização fornecem o principal impulso para direcionar os esforços para o crescimento. Vale destacar que, segundo a autora, uma organização não consegue atingir uma posição de equilíbrio que não gere incentivos para o crescimento devido a três motivos principais: a indivisibilidade dos recursos, o uso especializado dos recursos e a heterogeneidade dos recursos. Fleck (2003) corroborou as visões de Chandler e Penrose e apresentou o motor do crescimento (figura 2.1) contínuo o qual é constituído de três blocos principais: desequilíbrio – algum tipo de desequilíbrio ocorrendo dentro ou ao redor da firma; expansão – algum tipo de expansão resultante da percepção de oportunidades de crescimento associadas ao desequilíbrio; e mecanismo de reforço – algum tipo de mudança produzido durante o processo de expansão, podendo intensificar o desequilíbrio. Figura 2-1 – Motor do Crescimento Contínuo Fleck (2003) 8 Dessa forma, os recursos são fundamentais tanto por permitir, quanto por direcionar o crescimento saudável das organizações. Entretanto, mesmo empresas que atuam em uma mesma indústria e detém recursos similares poderão não aplicalos da mesma forma. March (1991) destaca a importância de se manter um equilíbrio dinâmico entre o esforço da empresa na exploração de novas competências centrais e o aperfeiçoamento das competências centrais já estabelecidas dentro da empresa. Dessa forma, o autor afirma que a exploração de novas alternativas (exploration) normalmente implica em retornos incertos. Por outro lado, o desenvolvimento das competências existentes (exploitation) normalmente resulta em retornos rápidos que reforçam o desempenho da organização no curto prazo, trazendo ainda menos incerteza em comparação à experimentação de novas iniciativas. Outra questão que envolve o crescimento está relacionada à estrutura organizacional. Chandler (1962) concluiu a partir de seus estudos sobre o crescimento de grandes corporações norte-americanas que na medida em que as empresas crescem, a estrutura organizacional tende a migrar para um modelo multifuncional dividido em departamentos especializados. O autor ainda destaca que o crescimento da firma envolve, inicialmente, a concepção de uma estratégia que, por sua vez, exige a adaptação da estrutura organizacional para uma forma mais adequada para o gerenciamento dos recursos da empresa. Dessa forma, o autor afirma que o crescimento sem os ajustes necessários na estrutura leva somente à ineficiência econômica. A adaptação da estrutura apresentada por Chandler é, portanto, o primeiro grande desafio decorrente do processo de crescimento. Greiner (1998) oferece uma visão complementar à de Chandler e discute que o processo de crescimento das empresas apresenta períodos de evolução e revolução. O primeiro se caracteriza por uma fase tranquila de crescimento, enquanto o segundo envolve crise. Assim, na visão do autor, a adaptação da estrutura não é apenas um processo reativo à estratégia, mas um gatilho que direciona novas estratégias e, por consequência, o processo de crescimento. De forma geral, o crescimento organizacional se tornou uma suposição implícita nos estudos organizacionais, uma vez que empresas grandes passaram a ser vistas como eficientes, além de haver um aspecto cultural relacionado ao “quanto maior, melhor” e pela correlação entre a longevidade e o tamanho das organizações (WHETTEN, 1980). De acordo com Penrose (1980), as grandes firmas detém uma série de vantagens competitivas em relação às pequenas empresas. Entre elas é possível destacar o acesso a montantes maiores de crédito com juros mais baixos, que aumentam o leque de oportunidades para a expansão. 9 Por outro lado, as ideias de autoperpetuação de uma organização também são confrontadas com as teorias que propõem que as empresas naturalmente passam por um processo de declínio, uma vez que grandes organizações se tornam muito complexas, rígidas, ineficientes e impessoais para se administrar (WHETTEN, 1987). Whetten (1980) apontou duas formas de declínio. O primeiro é o declínio pela estagnação relacionado a empresas com gestão ineficiente que sofrem com perda de participação no mercado. O segundo é o declínio pelo encolhimento quando todo o mercado é reduzido. Sull (1999) afirma que o maior problema das organizações quando enfrentam desafios e mudanças no ambiente é a inércia ativa. Segundo o autor, depois de encontrarem as fórmulas do sucesso, os gestores direcionam os seus esforços para melhorar e estender o seu sistema vencedor. Isto faz com que eles parem de analisar outras questões importantes e encontrar alternativas e soluções mais adequadas para os novos desafios organizacionais. Dessa forma, sem as capacitações necessárias para atuar diante de competidores armados com novos produtos e tecnologias, essas empresas veem suas receitas e lucros declinarem. Sull ainda discute que quando as condições do ambiente mudam, as empresas de maior sucesso são geralmente as mais lentas a se adaptar. Por isso, Chandler (1962) propõe que os desafios de uma grande empresa exigem do gestor a capacidade de equilibrar os objetivos de longo prazo com uma operação rotineira eficiente. Segundo o autor, isto leva a uma mudança no papel dos gestores que evolui da execução de atividades operacionais para o planejamento, coordenação e alocação de recursos. Este delicado desafio torna-se mais complexo de acordo com o porte da organização, uma vez que esta se torna mais suscetível à existência de conflitos políticos por recursos e poder. 2.4 Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional Para Fleck (2003), a teoria do crescimento das organizações deveria buscar sistematicamente identificar e se basear nas condições necessárias, porém, insuficientes em detrimento das relações causais. Para a autora, embora tenham menor poder de realizar previsões se comparadas às relações causais, as relações de condições necessárias descrevem e explicam mais adequadamente os complexos processos associados ao crescimento da empresa. A melhor compreensão dos processos de crescimento permite um melhor gerenciamento do mesmo. Assim, o presente tópico apresenta o modelo de arquétipos utilizado como eixo central deste estudo e que busca identificar a propensão das empresas à 10 autoperpetuação ou à autodestruição. Entretanto, destaca-se que a organização não está necessariamente localizada em um polo ou outro e sim em algum ponto entre eles. A tabela 2.1 apresenta um resumo dos cinco desafios que compõem o modelo. Tabela 2-1 - Cinco Desafios do Crescimento Desafio Descrição Empreendedorismo Promoção de contínuo empreendedorismo a partir da disposição da empresa de realizar expansões com mecanismos de reforço e criação de valor sem expô-los a riscos desnecessários Navegação no Ambiente Tratar com múltiplas partes interessadas para assegurar captura de valor e legitimidade Autodestruição Baixo Baixos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, capacidade de levantar recursos financeiros e realização de expansões nulas ou defensivas Passivo Monitoramento ruim, mau uso de estratégias de navegação Fragmentação Gestão da Diversidade Manter integridade da firma diante do aumento de conflitos e rivalidades Gestão de Recursos Humanos Prover a firma com recursos humanos qualificados de forma estável Fracasso no estabelecimento de relacionamentos de integração e de capacitações em coordenação Tardia Ações no momento que existe necessidade ou depois dela Ad hoc Gestão da Complexidade Gerenciar problemas complexos e solucionálos diante de aumento de complexidade Baixa capacitação para solução de problemas, utilizando rápida análise e sem aprendizado Fonte: Adaptado de Fleck (2009) Autoperpetuação Alto Altos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, capacidade de levantar recursos financeiros e realização de expansões produtivas ou híbridas Ativo Monitoramento regular, uso correto de estratégias de navegação Integração Estabelecimento bem sucedido de relacionamentos de integração e capacitações em coordenação Planejado Ações planejadas com antecedência Sistemático Capacitação para solução de problemas promovendo a busca correta por soluções e aprendizado 11 2.4.1 Desafio do Empreendedorismo Penrose (1980) afirma que a busca por novas oportunidades de negócios que propiciem o crescimento exigem uma postura empreendedora dos gestores e uma propensão para assumir novos riscos e gerar inovação. Dessa forma, propõe quatro dimensões que compõem os serviços empreendedores: ambição, versatilidade, capacidade para levantar recursos e julgamento. a) Ambição Está relacionada com a recorrente insatisfação com o status quo e, portanto, é a mola propulsora para o crescimento. Penrose (1980) classifica a ambição empreendedora em dois tipos: product-minded e empirebuilder. Os primeiros são empreendedores que orientam o crescimento organizacional através da melhoria da qualidade de seus produtos, mediante redução de custos, desenvolvimento de novas tecnologias, ampliação de mercados através da introdução de novos serviços para os clientes, ou pela introdução de novos produtos nos quais a firma tenha vantagens de produção ou distribuição. Esses empreendedores, portanto, buscam obter lucros através da melhoria e ampliação das atividades da organização. Para Penrose, contudo, existe outro grupo de empreendedores que é motivado por uma visão de formar uma grande e poderosa organização, se preocupando em obter lucros através da ampliação do escopo da organização. O empreendedor neste caso pode manter uma posição dominante em um ou mais mercados, ou, então, ampliar os seus negócios em quaisquer oportunidades que se mostrarem lucrativas. b) Versatilidade De acordo com Penrose (1980), a versatilidade empreendedora está relacionada com a capacidade de imaginação e visão de novas oportunidades que têm o potencial de impulsionar o crescimento da firma. Para isso, não podem ser impraticáveis e nem míopes. A autora ainda completa que um empreendedor que se mantém em sua zona de conforto, pode não ter as condições necessárias para considerar possibilidades mais amplas em relação à sua própria área de atuação. Dessa forma, a versatilidade está diretamente relacionada com a criação de valor. Segundo Lepak et al. (2007), a criação de valor é a diferença entre o valor do uso e o valor monetário de um bem. No nível organizacional, a criação de valor se dá a partir de inovação, com a introdução de novos produtos, serviços, métodos e tecnologias. 12 Penrose (1980) ainda propõe que expansões que envolvem a incursão em novos mercados exigem versatilidade para identificar o timing correto de entrada e uma capacidade de imaginação sobre o comportamento do ambiente. c) Capacidade de Levantar Recursos Segundo Penrose (1980), apesar de as pequenas firmas terem maior dificuldade de conseguir recursos financeiros em relação às grandes, algumas apresentam maior facilidade em levantar o capital necessário para o seu crescimento. Essa capacidade está relacionada a uma habilidade empreendedora específica capaz de gerar confiança e garantir os recursos para manter o nível de investimento exigido para o estabelecimento e crescimento da organização. d) Julgamento Penrose (1980) destaca que ao contrário das capacidades citadas anteriormente, o julgamento está apenas em parte relacionado às características do indivíduo. Para a autora, o problema do julgamento empreendedor envolve mais do que uma capacidade de imaginação, bom senso, autoconfiança e outras qualidades pessoais. Está, na verdade, intimamente relacionado com a coleta e a consulta de informações para avaliação dos riscos e das incertezas do ambiente, em face da expectativa de crescimento da organização, buscando evitar a superexposição ao risco. 2.4.2 Desafio da Navegação no Ambiente A navegação em um ambiente dinâmico está relacionada à capacidade de lidar, com sucesso, com os diversos stakeholders de uma organização com o objetivo de se garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. Dessa forma, enquanto o empreendedorismo está relacionado com a criação de valor, a navegação no ambiente, busca a captura de valor (FLECK, 2009). Para Lepak et al. (2007), a criação de valor não garante necessariamente a captura de valor. Isto ocorre, principalmente, devido à força dos competidores. Sendo assim, os autores afirmam que é possível apontar dois conceitos chave através dos quais se busca determinar qual parte consegue capturar o valor que é criado: competição e mecanismos de isolamento. A competição demonstra como o valor criado pode ser compartilhado com outros participantes do mercado, não ficando limitado com aquele que o crie. Já os mecanismos de isolamento, atuam como forma de limitar a perda deste potencial valor. Isso pode ocorrer através de qualquer barreira 13 intelectual, física ou legal que restrinja a capacidade dos competidores de replicar o valor criado. As condições de captura de valor podem, portanto, variar entre as indústrias. Chandler (1990), por exemplo, apresenta a lógica do first mover em indústrias intensivas em capital nas quais as pioneiras em investir em produção e distribuição, conseguindo obter economias de escopo e escala, se tornam as empresas líderes em seus setores. Segundo Barney (1986), as empresas que buscam altos retornos dos seus investimentos estratégicos devem se esforçar para criar ou modificar as características estruturais da indústria para favorecer os seus altos retornos. Nesse sentido, Porter (1979) aponta para a importância em se pensar na estratégia da empresa considerando o ambiente competitivo de toda a indústria, que englobam fornecedores, compradores, concorrentes diretos, produtos substitutos e novos entrantes da indústria, o qual pode ser caracterizado como o ambiente organizacional. Barney (1991) propõe que as firmas devem desenvolver vantagens competitivas sustentáveis desenvolvendo e implementando estratégias que exploram as suas forças através das oportunidades do ambiente, enquanto neutralizam as ameaças externas e minimizam as suas fraquezas. O autor destaca que para uma vantagem competitiva ser sustentável, os recursos utilizados pela empresa devem ser valiosos, raros, insubstituíveis e impossíveis de serem imitados perfeitamente. Vale destacar que a empresa não sofre pressões apenas dos atuantes diretos do mercado em que atuam, mas de todo o ambiente institucional que engloba questões políticas e sociais. Dessa maneira, para manter a legitimidade no ambiente, as organizações não devem se manter passivas às circunstâncias a que são submetidas. Pelo contrário, a empresa deve buscar responder às pressões externas de forma participativa, concebendo estratégias que tragam maior equilíbrio com os interesses da empresa (OLIVER, 1991). 2.4.3 Desafio da Gestão da Diversidade A heterogeneidade entre as diferentes partes de uma organização fomentam a formação de rivalidade e conflitos, ameaçando a integridade organizacional. Dessa forma, a gestão da diversidade envolve a sustentação da integridade organizacional em face do crescimento da diversidade de negócios, produtos, pessoas e tecnologias. Vale destacar que o uso de mecanismos de coordenação não extingue a heterogeneidade da organização. Pelo contrário, propicia a manipulação construtiva desses elementos estimulando a integridade organizacional (FLECK, 2009). 14 Selznick (1957) alerta que a rivalidade organizacional pode ser um dos principais desafios enfrentados por uma empresa. Na visão do autor a disputa de egos pode ir de encontro aos objetivos do grupo e trazer uma poderosa força que compromete a integridade do grupo. Mintzberg (1985) descreve essas arenas políticas e afirmar que podem repercutir em conflitos duradouros ou passageiros que, de acordo com a sua intensidade, têm o potencial de reforçar o processo de declínio organizacional, uma vez que a união dos esforços em busca de um propósito único torna-se praticamente impossível de se atingir. Por outro lado, Mintzberg destaca que essas forças opostas são naturais e, também, importantes para as organizações. Portanto, os gestores não tem opção senão abrigar as forças divergentes utilizá-las com o intuito de transformá-las em funcionais no cumprimento dos objetivos. O líder, portanto, tem um papel fundamental na proteção da integridade organizacional. Selznick (1957) afirma a liderança deve ter a capacidade de realizar a infusão de valores, objetivos e práticas na organização para que se tornem institucionalizados e tragam um caráter para a organização. Esses compromissos não podem ser feitos verbalmente, nem conscientemente. Eles são construídos dentro da estrutura social da organização. O autor ainda preconiza que a institucionalização de uma empresa é um processo formado pela sua história, as pessoas que fazem de sua estrutura e o modo no qual ela se adapta ao ambiente. Conforme já discutido anteriormente, as empresas diversificadas enfrentam uma forte tendência de fragmentação devido à diversidade dos negócios, pessoas e tecnologias. Portanto, o desafio para a coordenação e integração se fazem ainda mais presentes na gestão dessas organizações. 2.4.4 Desafio da Gestão de Recursos Humanos Para Penrose (1980), a principal restrição ao crescimento da empresa está relacionada à limitação do seu corpo gerencial. A autora aponta que a expansão no quadro de gestores através do recrutamento de pessoas externas não soluciona a carência de serviços gerenciais necessários ao crescimento. Isso ocorre porque esses serviços também decorrem da experiência construída ao longo do tempo pela equipe. Dessa forma, a formação, retenção e renovação de recursos humanos são condições necessárias para o crescimento contínuo das empresas. Se uma organização expande mais rapidamente do que a capacidade dos indivíduos de obter conhecimento e a experiência necessária para uma operação eficiente, o crescimento não será completo, podendo resultar, ainda, em estagnação (PENROSE, 1980). 15 Esse desafio, portanto, lida com a capacidade de antecipar necessidades e equipar a organização com recursos humanos qualificados de forma consistente. A dificuldade em prover a firma de profissionais capacitados no tempo adequado pode não só impedir o crescimento como também enfraquecer a integridade organizacional, como nos casos de recrutamento em massa de serviços gerenciais (FLECK, 2009). 2.4.5 Desafio da Gestão da Complexidade Segundo Fleck (2009), quanto maior uma organização, mais complexa ela tende a se tornar. Sendo assim, de acordo com a autora, o desafio da gestão da complexidade lida com o gerenciamento de questões complexas e a resolução de problemas que envolvem uma grande quantidade de variáveis com o intuito de evitar que a existência da organização seja colocada em risco em decorrência de avaliações insatisfatórias da situação. A solução de problemas complexos requer processos sistemáticos de coleta de dados, análise, tomada de decisão e implementação. Esse desafio, portanto, afeta a qualidade das respostas dos demais desafios. Segundo a autora, é possível classificar as respostas organizacionais a esse desafio como sistemáticas ou ad hoc. Lidar com problemas de forma sistemática envolve a busca contínua por soluções e o aprendizado organizacional. Soluções ad hoc, por sua vez, favorecem buscas rápidas por soluções, gerando práticas de “apagar incêndio” e inibindo o aprendizado. 2.4.6 Desafio da Folga Organizacional De acordo com Penrose (1980), a expansão exige que a empresa tenha recursos suficientes para cobrir os serviços distintos que irão surgir com o movimento de crescimento. Assim, para não fracassar, a organização deve garantir que os recursos sejam suficientes para sustentar o nível de investimento necessário para sobrepor as inovações e expansões dos concorrentes. Fleck (2009) propõe que a capacidade de auto renovação da organização é originada da folga da folga de recursos, isto é, de recursos gerados pelo processo de expansão. Essa folga pode ser gerada a partir de todos os tipos de recursos que excedam a necessidade operacional da organização em determinado nível de desempenho. Esses recursos incluem, portanto: pessoas, equipamentos, capital, reputação, etc. Segundo a autora, enquanto a expansão gerar folga, o crescimento continua a estimular mais crescimento, fomentando a expansão relacionada que aumenta a eficiência operacional. 16 Dessa maneira, a folga gera não só o impulso necessário para os movimentos de expansão, como também atua como um pulmão de recursos, oferecendo segurança para a empresa diante da imprevisibilidade do ambiente. 2.4.7 Interação Entre os Desafios Esses desafios estão interconectados entre si e operam como engrenagens, movimentando a empresa no sentido da autoperpetuação ou da autodestruição. A figura 2-2 apresenta essas inter-relações na forma de condições necessárias à condução da empresa ao sucesso de longo prazo. As respostas aos desafios do empreendedorismo e da navegação determinarão a capacidade da empresa de crescer e se renovar. Os desafios da diversidade e da gestão de recursos humanos estão relacionados com a manutenção da integridade organizacional. A folga de recursos contribui para o crescimento, como também para a integridade através dos mecanismos de integração e coordenação. O desafio da complexidade, por sua vez, influencia os demais. 17 Figura 2-2 - Modelo dos Requisitos para o Desenvolvimento de Propensão à Autoperpetuação 18 3 MÉTODO DE PESQUISA Segundo Fleck (2013), o processo de pesquisa é formado por quatro pilares: pergunta de pesquisa, referencial teórico, objeto de pesquisa e método. Assim, o primeiro passo para a elaboração deste trabalho foi a escolha do objeto a ser pesquisado. Em seguida, definiu-se a pergunta da pesquisa que levou ao arcabouço teórico e ao método utilizado para o desenvolvimento do estudo. Os tópicos a seguir apresentam o processo metodológico utilizado no trabalho. 3.1 Definição do Tema e dos Objetos de Estudo A motivação pelo tema foi despertada durante o Mestrado, especificamente na disciplina de Crescimento e Estratégia da Firma, quando o autor foi apresentado às teorias de crescimento e declínio das organizações, além de estudos de caso relacionados ao tema. Durante o curso, foi despertada no pesquisador uma curiosidade sobre o porquê algumas empresas declinam e morrem, enquanto que outras conseguem crescer e se manter perenes. Ao longo dos últimos anos, o Coppead vem concebendo a realização de diversos estudos sobre empresas brasileiras com o intuito de compreender esta questão. Assim, foram feitas pesquisas sobre empresas longevas como Gerdau, Klabin, Lojas Americanas, WEG, Souza Cruz, Marcopolo, Embraer, entre outras. Dissertações foram desenvolvidas, ainda, incluindo empresas que fracassaram. Entre elas, pode-se destacar a Mesbla, a Varig e a Engesa. Dessa forma, o interesse do pesquisador foi em contribuir para esse campo de pesquisa e estudar duas empresas longevas que exibissem certas similaridades, mas que tivessem apresentados destinos diferentes. Portanto, buscou-se escolher uma empresa que tenha declinado e fracassado e outra ainda ativa, para que fosse possível compreender como as respostas de cada uma das organizações, dentro de um contexto semelhante, podem ter contribuído para esses caminhos distintos. Sendo assim, foi realizada uma pesquisa prévia para elencar potenciais objetos de estudo. De acordo com Bethlem (1999), há uma grande carência sobre dados econômicos e empresariais no Brasil, o que gera dificuldade no desenvolvimento de estudos de qualidade. Por isso, havia uma preocupação de encontrar indústrias e empresas que poderiam oferecer informações em quantidade e qualidade o suficiente para o desenvolvimento da pesquisa. Inicialmente, o setor têxtil foi identificado como uma possibilidade de estudo por reunir algumas das empresas brasileiras mais longevas: Cedro e Cachoeira (1872), 19 Hering (1880), Karsten (1882) e Santanense (1891). Ao aprofundar o estudo sobre essa indústria, no entanto, surgiram informações sobre os grupos Matarazzo e Votorantim, que estiveram entre os principais produtores têxteis no início do século XX e, nas décadas seguintes, se diversificaram e se transformaram em dois dos maiores grupos industriais do Brasil. Apesar da longevidade e importância desses dois grupos, uma pesquisa inicial mostrou que ainda assim se tratavam de empresas pouco estudadas de forma longitudinal. Isso contribuiu para que o pesquisador considerasse a escolha preliminar dessas organizações como objetos de estudo. Nesse caso, o trabalho poderia trazer também uma nova contribuição à linha de pesquisa proposta por Fleck (2009) ao apresentar uma análise de empresas diversificadas brasileiras. Para que fosse possível prosseguir o estudo era importante responder duas questões. Primeiro, buscou-se verificar se eram empresas de certa forma comparáveis. Em segundo, por serem empresas familiares e de capital fechado, havia um receio quanto à disponibilidade de informações, principalmente em relação à Matarazzo, pois havia se completado trinta anos desde o pedido de concordata do grupo. Apesar disso, foi possível encontrar livros e reportagens sobre ambas as organizações. Verificou-se, ainda, que apesar de ser uma empresa de capital fechado, a Votorantim vinha divulgando os seus relatórios anuais há algumas décadas. Por isso, julgou-se que seria plausível coletar e organizar informações que permitissem uma análise robusta. Além disso, foi possível constatar que diferentemente do que se imaginava, as organizações foram de certa maneira contemporâneas. Apesar de a data de fundação da Votorantim ser oficialmente em 1918, constatou-se que antes disso já havia unidades industriais importantes na composição do grupo, além do desenvolvimento de traços organizacionais que tiveram um papel crucial na trajetória de crescimento da organização. A tabela 3-1 apresenta o ano de acontecimentos decisivos na história dos grupos. Assim, é possível verificar que a formação e o desenvolvimento das organizações Matarazzo e Votorantim ocorreram em períodos muito próximos e que, dessa maneira, ambas vivenciaram momentos históricos do país, como o processo de industrialização nacional. Portanto, julgou-se que seria pertinente compreender como as duas organizações responderam aos desafios do crescimento. 20 Tabela 3-1 - Comparativo Cronológico Entre Matarazzo e Votorantim Marco Dif. Matarazzo Votorantim Nascimento do fundador 1854 1874 20 Chegada ao Brasil 1881 1884 3 Abertura do primeiro negócio 1882 1892 10 Migração para a indústria 1900 1 1905 3 5 Formalização do grupo principal 1911 2 1918 4 7 (anos) 1 Fundação da Moinho Matarazzo Fundação das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo 3 Fundação da Fábrica de Óleos Santa Helena 4 Aquisição da fábrica têxtil Votorantim 2 A partir da escolha dos objetos de estudo, estabeleceu-se para a pesquisa a seguinte questão: Como dois dos principais grupos industriais brasileiros responderam aos desafios do crescimento? Para responder a essa pergunta, utilizou o arcabouço teórico de Fleck (2009), já discutido anteriormente. 3.2 Estratégia de Pesquisa A presente pesquisa compreende o estudo de caso de duas organizações industriais brasileiras. De acordo com Yin (2001), a investigação de estudo de caso baseia-se em várias fontes de evidências, beneficiando-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados. Segundo o autor, o método é apropriado para casos onde a questão da pesquisa é do tipo “como e porque”. Vale destacar que a utilização de mais casos acrescenta robustez ao estudo. Para isso, utilizou-se uma abordagem qualitativa na qual o pesquisador deve fazer observações e, sempre que possível, coletar evidências sobre os objetos de estudo (MARTINS, 2010). A abordagem longitudinal de análise deu-se a partir da decomposição histórica das organizações em eventos cronológicos. Assim, foram levantados e analisados eventos referentes aos diversos negócios de cada uma das corporações, desde os primeiros movimentos profissionais dos empreendedores até os dias atuais. Ao mesmo tempo, foi necessário levantar as informações do ambiente relevante, referente ao mesmo período, para que fosse possível contextualizar os movimentos de cada organização de acordo com as condições externas. 21 3.3 Coleta de Dados A busca de dados secundários foi iniciada através de sebos, onde se esperava encontrar livros e revistas sobre as empresas e a industrialização brasileira a preços acessíveis. Primeiramente, foi utilizado o sistema de buscas integrado Estante Virtual (http://www.estantevirtual.com.br) que oferece acesso a um grande acervo de títulos em estabelecimentos por todo o país. A partir dessa busca, identificou-se uma grande concentração de sebos na região da Praça da Sé em São Paulo. Dessa forma, foi realizada uma visita ao local onde foram encontrados novos títulos que poderiam contribuir com a pesquisa. Assim, foram adquiridos os seguintes livros que serviram como base para o levantamento de dados e organização das informações sobre as empresas e o ambiente: a) A Industrialização de São Paulo de Warren Dean; b) A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico do Brasil de Werner Baer; c) A Economia Brasileira de Werner Baer; d) Matarazzo: Travessia e Colosso Brasileiro de Ronaldo Costa Couto; e) Matarazzo: 100 anos, livro comemorativo da empresa; f) Conde Matarazzo: O Empresário e a Empresa de José de Souza Martins; g) José Ermírio de Moraes: O Homem, a Obra de João de Scantimburgo; h) Votorantim 90 Anos: Uma História de Trabalho e Superação de Jorge Caldeira; Paralelamente a esta atividade, realizou-se buscas em bancos de dados acadêmicos. Foram identificadas três dissertações, artigos, além de uma tese de doutorado que complementaram as informações anteriores. Durante a pesquisa preliminar, verificou-se também que a Votorantim mantém um Centro de Memória no bairro de Jaguaré, em São Paulo. Assim, em outubro de 2013 foi realizada uma visita ao local, onde foram levantados relatórios anuais, vídeos e outros documentos sobre a empresa. Mais uma visita seria realizada em janeiro de 2014 para que todo o material considerado pertinente pudesse ser coletado. Outra importante fonte de informação foi o Acervo Digital mantido pelo jornal O Estado de São Paulo (http://acervo.estadao.com.br), reunindo edições digitalizadas desde 1880. Foi realizada uma grande varredura por todo o período para as duas empresas. A pesquisa do termo Matarazzo no acervo do Estadão gerou cerca de 45 mil registros, muitos deles relacionados a pessoas que não remetiam às atividades do grupo. Apesar do número alto, decidiu-se prosseguir com esse termo, pois aumentaria as chances de encontrar informações sobre qualquer empresa do grupo ou sobre os Condes Francesco e Chiquinho. No acervo, foram encontrados relatórios anuais da 22 Matarazzo entre 1942 e 1983 que permitiram o desenvolvimento da curva de crescimento do grupo para este período. Além disso, foram identificadas reportagens sobre o grupo, embora grande parte do material, principalmente do começo do século XX, fosse referente a propaganda. O termo Votorantim gerou bem menos registros, cerca de doze mil. Alguns deles, no entanto, remetiam à cidade paulista homônima. Foram encontradas reportagens sobre a organização, entrevistas com os líderes do grupo, além de alguns relatórios anuais que complementaram aqueles já coletados no Centro de Memória. Assim, foi possível traçar a curva de crescimento entre 1952 e 2013. Finalmente, buscou-se realizar entrevistas com funcionários e ex-funcionários das organizações com o intuito de coletar informações não encontradas nas fontes secundárias, além de esclarecer e detalhar questões críticas identificadas ao longo da pesquisa. O critério para a escolha dos entrevistados foi a disponibilidade, uma vez que esperava-se uma dificuldade em conseguir contatos principalmente da Matarazzo, já que as principais empresas do grupo decretaram falência ainda na década de 1980. No caso desta empresa, foram feitas pesquisas na internet, principalmente através das mídias sociais para a identificação de antigos trabalhadores. Foram realizados diversos contatos, mas houve apenas um retorno que acabou gerando a única entrevista sobre a empresa. Essa dificuldade foi percebida não só na busca por possível entrevistados, mas pelo possível receio das pessoas contatadas em falar sobre o assunto. Uma reportagem do Estadão na ocasião do lançamento da biografia do Conde Francesco Matarazzo, escrita por Ronaldo Costa Couto, já destacava a dificuldade em obter informações sobre o grupo Matarazzo: “Fides Honor Labor [...] Na antiga e última sede das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo na Rua Joli, no Brás, uma placa de madeira envelhecida exibe o slogan em latim conhecido no passado e hoje ignorado dos paulistanos. Mas não perca seu tempo por lá: tudo o que ouvirá é um sonoro não dos funcionários que cuidam dos negócios da família e não permitam que o turista incauto conheça o interior do prédio dos famosos tijolos aparentes. [...] Não espere por informações sobre os Matarazzo. A metrópole, moderna e que só pensa no futuro, não tem tempo para relembrar o passado” (O ESTADÃO, 2004). O único depoente da pesquisa permaneceu por trinta e um anos no grupo e atuou diretamente com os membros da alta diretoria, tendo contribuído com informações valiosas para a pesquisa. Cabe uma ressalva, no entanto, ao fato de ter se passado quarenta anos entre sua saída da IRFM e a realização da entrevista. Esse considerável período acarreta em uma limitação à quantidade e qualidade das informações. Um fator atenuante em relação a isso se encontra no fato de o 23 entrevistado ter se utilizado de um acervo próprio de anotações e documentos da época em que trabalhou na IRFM, o que contribuiu para as suas lembranças e relatos. Portanto, a carência de fontes primárias trouxe uma limitação para o estudo da Matarazzo. Apesar disso, julgou-se que o amplo material secundário acessado, permitiu a obtenção de dados em quantidade e qualidade satisfatórias para o trabalho. As entrevistas da Votorantim foram conseguidas através de contatos pessoais que indicaram potenciais depoentes para a dissertação. Realizaram-se doze entrevistas que abrangeram os principais negócios do grupo. Como os entrevistados estavam alocados na região de São Paulo e Curitiba, parte das entrevistas foi feita através de Skype. Ressalta-se também que onze dos entrevistados eram funcionários da Votorantim no momento da entrevista. Foi constatada ao longo dos depoimentos uma grande satisfação e orgulho dos depoentes em trabalhar no grupo. Dessa forma, é possível que isso tenha gerado um filtro sobre o que foi relatado e como as informações foram transmitidas durante as entrevistas. Embora isso acarrete em uma limitação da pesquisa sobre a Votorantim, os relatos foram confrontados entre si e com outras informações secundárias para que se obtivesse uma visão dos fatos em si e não dos pontos de vista dos entrevistados. As entrevistas não seguiram um roteiro rígido, embora houvesse uma preparação prévia para cada contato com o intuito de se identificar questões chave que, de acordo com o perfil do entrevistado, poderiam ser abordadas. No início de cada entrevista, o autor fazia uma breve explanação sobre a pesquisa e depois se solicitava que o depoente relatasse sua trajetória no grupo, os cargos que percorreu e principais experiências. A partir daí, os pontos que se mostrassem interessantes e pertinentes ao estudo poderiam ser explorados com maiores detalhes. Ao final de cada contato, era solicitado que o entrevistado destacasse um ponto extremamente positivo que destacasse a sua empresa das demais e outro que, em sua opinião, poderia ter sido feito de maneira diferente. Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra pelo autor, sendo que trechos identificados como importantes eram separados para posterior análise, conforme será descrito adiante. A tabela 3-2 apresenta a relação dos entrevistados. Para garantir a confidencialidade dos depoentes, não foram listados nomes e nem cargos. Além das entrevistas, foram utilizados relatos de funcionários e ex-funcionários do grupo Votorantim que estão disponíveis na página na internet do Centro de Memória da empresa, na seção “Estórias que fazem histórias”. Essas entrevistas estão transcritas integralmente e forneceram informações valiosas para este estudo. A tabela 3-3 apresenta a relação das estórias que foram utilizadas no trabalho. 24 Tabela 3-2 – Relação dos Entrevistados # Empresa Período Área de Atuação Data Duração Meio 1 Matarazzo 1943-1974 Alta Gerência 21/01/14 02:43:34 Pessoalmente 2 Votorantim Siderurgia 2006-2014 Suprimentos 22/01/14 00:51:56 Pessoalmente 3 Votorantim Siderurgia 2007-2014 Engenharia de Manutenção 08/03/14 00:36:06 Pessoalmente 4 Votorantim Cimentos 1977-2014 Expansão 10/03/14 00:57:20 Skype 5 Votorantim Cimentos 2003-2014 Engenharia de Produção 10/03/14 00:22:58 Skype 6 Votorantim Cimentos 1979-2014 Pesquisa e 11/03/14 Desenvolvimento 00:54:00 Pessoalmente 7 Votorantim Metais (CBA) 1982-1990 Engenharia de Manutenção 12/03/14 01:03:31 Skype 8 Votorantim Cimentos 1993-2014 Engenharia de Mineração 15/03/14 01:07:17 Skype 9 Votorantim Metais (CBA) 2012-2014 Inteligência de Mercado 01/04/14 00:30:00 Skype 10 Votorantim Cimentos 1973-2014 Alta Gerência 02/04/14 00:53:00 Skype 11 Votorantim – Fibria 2003-2014 Controladoria 07/04/14 00:46:01 Pessoalmente 12 Votorantim – Fibria 2000-2014 Governança e Risco 08/04/14 00:42:30 Pessoalmente 13 Votorantim Cimentos 2010-2014 Riscos Estratégicos 08/04/14 00:51:42 Pessoalmente Tabela 3-3 – Relação dos relatos obtidos no Centro de Memória Votorantim Nome Principal Ocupação Entrada no Grupo Data da entrevista Anker Hoffman Chefe do Dep. de Eletricidade 1945 2004 Carlos Conforte Analista Financeiro – Vpar 1981 2003 David Canassa Gerente de Sustentabilidade 1992 2005 Henrique Silveira Diretor Grupo Votorantim Nordeste 1962 2003 João Bosco Silva Presidente Votorantim Metais 2002 2007 Nelson Teixeira Diretor da CBA 1942 2003 Nildo Benedetti Diretor Técnico 1967 2003 Sérgio Picazio Assessor de diretoria 1955 2003 Valdemar Martinez Assessor de diretoria 1957 2003 Walter Schalka Presidente Votorantim Cimentos 2005 2006 25 3.4 Processamento e Análise dos Dados Os dados coletados que eram considerados relevantes foram compilados em uma planilha Excel a qual se denominou Tabela de Fatos e Dados, cujo modelo é apresentado no Anexo 1. Foram lançadas ao todo 1.341 linhas referentes aos principais fatos e eventos sobre as organizações e o ambiente, sendo 630 relacionados à Votorantim e 521 sobre a Matarazzo. Para organizar as informações de forma que elas fizessem sentido e auxiliassem o entendimento longitudinal dos objetos de estudo foram utilizadas as seguintes estratégias propostas por Langley (1999): a) Narrativa: As informações coletadas foram compiladas com o intuito de gerar uma história detalhada sobre o objeto de estudo que neste caso incluíam não só as organizações, como também, o ambiente em que estavam inseridas. Dessa forma, seria possível obter uma compreensão longitudinal e evitar que ocorresse um reducionismo durante a análise. Como se tratam de organizações diversificadas que atuam em diversos setores e em grande parte do país optou-se por descrever o desenvolvimento econômico e industrial do Brasil como o ambiente relevante. A narrativa do ambiente constitui-se como uma etapa fundamental do trabalho, pois gera uma contextualização histórica, permitindo compreender como as forças do ambiente afetaram o desempenho das organizações e como estas reagiram a essas pressões. b) Mapeamento visual das ideias: A manipulação de palavras e números em formas gráficas permite oferecer uma grande quantidade de informações em um espaço relativamente pequeno, auxiliando na compreensão do todo. Sendo assim, como a pesquisa envolvia dois grandes grupos industriais com muitos anos de atuação, foram elaborados mapas com o propósito de ilustrar os movimentos mais relevantes dos principais negócios das empresas. Os mapas visuais da Matarazzo e da Votorantim são apresentados no Anexo 2 e no Anexo 3, respectivamente. Além disso, buscou-se um parâmetro para avaliar a trajetória de crescimento das organizações. Para isso, foram utilizados os indicadores propostos por Fleck (2009) e apresentados a seguir, que indicam o tamanho e o desempenho de cada empresa em relação à economia relevante. Como se tratam de empresas diversificadas com atuação principalmente em território nacional, utilizou-se o Produto Interno Bruto brasileiro como base. Os valores do PIB utilizados para o cálculo são apresentados no Anexo 7. 26 Cabe destacar que o cálculo desses indicadores ficou restrito aos anos em que foi possível ter acesso aos balanços financeiros de cada organização. 𝑇𝑎𝑚𝑎𝑛ℎ𝑜 𝑎𝑛𝑜 𝑖 = 𝑅𝑒𝑐𝑒𝑖𝑡𝑎 𝐵𝑟𝑢𝑡𝑎 𝑎𝑛𝑜 𝑖 x 100 𝑃𝐼𝐵 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙 𝑎𝑛𝑜 𝑖 𝐷𝑒𝑠𝑒𝑚𝑝𝑒𝑛ℎ𝑜 𝑎𝑛𝑜 𝑖 = 𝐿𝑢𝑐𝑟𝑜 𝐿í𝑞𝑢𝑖𝑑𝑜 𝑎𝑛𝑜 𝑖 x 100 𝑃𝐼𝐵 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙 𝑎𝑛𝑜 𝑖 Com o material coletado e organizado partiu-se, então, para a análise das informações. Para isso adicionou-se novas colunas à Tabela de Fatos e Dados de acordo com o Referencial Teórico de Fleck (2009), seguindo as dimensões apresentadas na tabela 3-4. Tabela 3-4– Dimensões Utilizadas para a Análise Desafio Dimensão Ambição Versatilidade Empreendedorismo Recursos Financeiros Julgamento Legitimidade Navegação no Ambiente Captura de Valor Coordenação e Integração Gestão da Diversidade Compartilhamento de Recursos Diversificação Antecipação da necessidade Gestão de Recursos Humanos Formação Retenção Gestão da Complexidade Gestão da Complexidade Recursos Produtivos Gestão da Folga Recursos Humanos Recursos Financeiros Durante a análise, cada um dos fatos e eventos identificados foi reavaliado com o objetivo de descartar linhas que poderiam estar repetidas ou, então, que não eram relevantes para a análise. Os fatos que passavam por esse filtro eram classificados de acordo com o indicativo de propensão a uma resposta saudável ou não saudável. 27 Como não era possível graduar ou quantificar cada um desses fatos, utilizou-se uma classificação binária, indicando uma resposta positiva ou, então, negativa. Para isso, foram utilizados os sinais “+” e “-”. No processo de análise, realizou-se uma checagem dupla. Inicialmente, cada linha era lida de forma individual e classificada de acordo com cada uma das dimensões. O segundo passo consistia em isolar cada um dos dezesseis fatores de análise e verificar cada linha para classificar se aquele fato estava relacionado àquela dimensão ou não. Vale destacar que cada um poderia ser categorizado em mais de uma dimensão de análise. Após esse processo de categorização, cada dimensão era avaliada isoladamente com o objetivo de se identificar tendências de respostas da empresa que poderiam indicar se em cada uma delas havia uma propensão saudável, não saudável ou neutra para o sucesso de longo prazo da organização. 28 4 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E INDUSTRIAL DO BRASIL O período que compreende o final do século XIX e o início do século XX foi marcado por mudanças políticas, sociais e econômicas que mudaram a história do Brasil e, principalmente, de São Paulo. No Estado, a população, impulsionada pela leva de imigrantes (foram cerca de 3,3 milhões em todo o Brasil entre 1870 a 1920), subiu de 837 mil pessoas em 1872 para quase quatro milhões no início da Primeira Guerra Mundial. A capital, que era uma pequena vila de apenas 23 mil habitantes em 1872, atingiu 580 mil moradores em 1920. Indústrias se formaram e os paulistas tomaram do Rio de Janeiro o posto de principal centro econômico do país. Essa evolução está diretamente relacionada ao crescente mercado do café (DEAN, 1971, p. 9; REISS, 1980, p. 23) Décadas após os primeiros cultivos realizados no Rio de Janeiro ainda no início do século XIX, os plantadores de café migraram para o lado paulista do Vale do Paraíba, até que essa penetração alcançou o oeste do Estado de São Paulo, onde seriam encontrados os solos mais adequados para os cafeeiros. Nos anos que se seguiram, o mercado de café se expandiu mais depressa e a região experimentou um desenvolvimento eufórico. Cabe citar que certas circunstâncias ajudaram a acelerar este crescimento. Primeiro, a praga que devastou os cafezais do Ceilão (atual Sri Lanka), o então maior rival de São Paulo no mercado internacional. Segundo, a abolição da escravatura (1888), que abriu caminho para uma mão de obra mais eficiente, incentivou a imigração europeia para a região e difundiu o uso do dinheiro pela massa da população. Terceiro, a Proclamação da República (1889) – a relação dos Presidentes da República é apresentada no Anexo 8 -, que gerou uma estrutura econômica e política mais descentralizada, possibilitando aos Estados estimular o comércio e reter os lucros dele gerados (DEAN, 1971, p. 9). Nessa nova divisão, à União caberiam os impostos da importação e os Estados recolheriam as taxações sobre a exportação (MARTINS, 1976, p. 71). O plantio paulista aumentou substancialmente nos últimos anos do século XIX, passando de 16% em 1881 para 40% da produção nacional na virada do século (COUTO1, 2004, p. 134). A tabela 4-1 apresenta a evolução da produção nacional do café em arrobas, no qual é possível verificar essa evolução. 29 Tabela 4-1 - Crescimento da Produção de Café e da População nas Zonas Cafeeiras Ano Produção de Café (em arrobas) População 1836 590.066 231.517 1854 3.534.2556 321.918 1886 10.374.350 1.036.639 1920 22.098.861 3.652.774 Fonte: Martins, 1976, p.77 Uma característica importante das fazendas de café também colaborou para criar esse ciclo de desenvolvimento. Como é menos autossuficiente que a fazenda canavieira, que também teve um ciclo econômico muito relevante para o país, ela exige a aquisição de bens e serviços, transferindo rendimentos para outros setores e induzindo o desenvolvimento econômico (COUTO1, 2004, p. 131). Nesse contexto, surgiu um grupo de novos consumidores que estimularam a atividade dos produtores e dos comerciantes, incentivando o consumo de bens e novos investimentos. Portanto, o comércio se fortaleceu e impulsionou o fluxo de importações, criando a oportunidade para o surgimento das primeiras fábricas. Vale destacar que o comércio do café custeou, também, o desenvolvimento de uma infraestrutura que mais tarde seria necessária para a evolução da indústria paulista. A partir dos dividendos das plantações, os próprios plantadores construíram as primeiras estradas de ferro. De acordo com Bardese (2011), a ferrovia teve um papel importante na orientação e organização dos conjuntos industriais, atraindo a ocupação dos terrenos aos seus arredores e contribuindo para o povoamento e valorização dessas regiões. Além disso, empresas europeias e norte americanas, atraídas pelo lucro das plantações, instalaram usinas elétricas nas cidades de São Paulo e Sorocaba. Ainda, o movimento das plantações induziu a vinda de técnicos e contramestres europeus que atuaram na superintendência das plantações e na construção das estradas de ferro, sendo mais tarde, absorvidos pelas fábricas (DEAN, 1971, p. 14). Somente nos últimos vinte anos do século XIX, mais de novecentos mil imigrantes entraram em São Paulo, conforme é apresentado no gráfico 4-1. 30 Gráfico 4-1 - Movimento Migratório no Estado de São Paulo (1871 – 1900) 450.000 400.000 350.000 300.000 250.000 200.000 150.000 100.000 50.000 0 1871-75 1876-80 1881-85 1886-90 1891-95 1896-00 Fonte: Martins, 1976, p. 76 Além disso, iniciativas econômicas do primeiro governo da República fomentaram a criação de novos negócios. O ministro Rui Barbosa, com o intuito de aumentar a circulação de capital e estimular a economia do país, lançou mão da política de concessão de crédito que ficou conhecida como Encilhamento. Couto (20041, p. 216) afirma que essa política fomentou a circulação de capital e contribuiu para o desenvolvimento da indústria, embora também tenha gerado muita especulação financeira e índices de inflação elevados (COUTO1, 2004, p.216). Por outro lado, Reiss (1980, p.55) propõe que grande parte das empresas formalmente constituídas durante o período de encilhamento não eram de novos negócios, e sim de negócios já existentes que se reorganizaram para se lançarem no mercado de ações e vender os seus negócios a um preço alto. Dean (1971, p. 92 e 93) também destaca o papel dos impostos na criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento industrial paulista. Para o historiador, os tributos aduaneiros, que representaram 70% da arrecadação do governo federal entre 1900 e 1920, ajudaram a criar uma base protecionista para as fábricas nacionais, pois a alta carga tributária sobre as importações reduziam a competitividade dos produtos de fora. Por outro lado, os industriais não enfrentavam muitas dificuldades para conseguir adquirir máquinas importadas por um preço reduzido. Além disso, Dean afirma que como se beneficiou das taxas sobre a exportação do café, São Paulo, ao contrário dos demais Estados, não lançou mão de nenhum outro imposto estadual entre 1893 e 1904. Finalmente, a reformulação da Lei de Similares em 1911 proibiu a isenção de impostos para os produtos que poderiam 31 competir com itens fabricados no Brasil, trazendo ainda mais proteção para os produtos nacionais. Assim, São Paulo, no início do século XX, já era o principal centro industrial do país, conforme foi destacado em reportagem da época: “Ao se lançar um olhar para outros Estados, com exceção do Rio Grande do Sul, imediatamente se verificará que eles não conquistaram o rápido progresso e o desenvolvimento industrial que colocaram os paulistas num plano superior [...] A capital federal é quase tão fabril quanto São Paulo, mas a sua indústria não se apresenta nos seus ramos, tão variada como a nossa” (ESTADÃO, 1911). A formação dos industriais foi realizada principalmente por dois grupos principais. O primeiro era composto dos importadores que, vislumbrando novas oportunidades de lucro, foram migrando gradativamente para a manufatura ao longo dos anos. Entretanto, é importante notar que nas décadas seguintes eles não abandonariam a atividade de importação, uma vez que boa parte dos insumos utilizados nas fábricas era adquirida de outros países. A segunda parte era constituída justamente pelos fazendeiros que perceberam uma nova oportunidade de reinvestimentos dos lucros do café. De 1906 até o início da Primeira Guerra Mundial, os plantadores tiveram lucros excelentes, mas foram impedidos de formar novas fazendas devido às leis estaduais que procuravam limitar a oferta. Dessa forma, muitos fazendeiros aplicaram parte dos lucros na manufatura (DEAN, 1971, p. 51). Durante essa primeira fase de industrialização os produtos fabricados em São Paulo eram rudimentares. Procurava-se produzir apenas aqueles itens que devido à relação entre peso e custo, tinham a manufatura em solo nacional vantajosa em relação à importação (DEAN, 1971, p. 16). Outra característica que marcou esse período de expansão da indústria foi o movimento dos empresários para a verticalização dos seus negócios, como um método de expansão defensiva, conforme aponta o historiador Warren Dean: “Não se creia que a integração vertical fosse principalmente o resultado do desejo de absorver os lucros dos intermediários. Operando numa economia de fronteira, Matarazzo e os outros industriais ansiavam, sobretudo, por diminuir as incertezas do suprimento de matéria-prima, do transporte e da energia” (DEAN, 1971, p. 72). 32 Reiss (1980, p. 286) corrobora esta visão: “Até mesmo as pequenas firmas tenderiam a diversificar suas atividades industriais, fazendo a integração com comércio, agricultura, etc., além de, especialmente, formar uma reserva financeira que serviria como um seguro pessoal [...] para lidar com as recorrentes crises”. De acordo com Reis (1980, p. 66), a verticalização levou os industriais a fortalecerem seus papéis como importadores. Assim, a comercialização de máquinas e insumos para as suas fábricas os aproximaram de fontes de crédito internacionais. Dessa forma, fomentou-se uma integração entre as atividades comerciais e industriais que criavam um ciclo virtuoso reduzindo o risco e aumentando a lucratividade dos negócios. Reiss (1980, p. 76) ainda afirma que apesar da verticalização e diversificação dos negócios, as estruturas das empresas eram predominantemente “horizontais”, sem integração entre os negócios, embora a gestão estivesse concentrada em apenas um homem, o fundador. Dessa forma, a indústria paulista cresceu substituindo produtos anteriormente importados, enquanto o equilíbrio da balança comercial era mantido com o capital resultante das exportações agrícolas, com destaque para o café. Um comparativo da evolução da indústria paulista entre 1907 e 1920 pode ser verificado na tabela 4-2. Tabela 4-2 - Evolução da Produção Industrial de São Paulo Ano Número de Firmas 1907 326 1920 4.154 Capital (Contos de Réis) Valor da Produção (Contos de Réis) Número de Operários 127.702 118.087 24.186 537.817 986.110 83.998 Fonte: Dean (1971, p. 99) A eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914 trouxe mudanças expressivas para a indústria nacional. O preço dos produtos importados da Europa aumentou significativamente. Além disso, o transporte que representava 14,7% do custo dos produtos adquiridos do exterior passou para 21,3%. Vale destacar que a importação de matéria prima e de bens de capital foi mais drasticamente reduzida do que a importação de bens de consumo, fazendo com que os investimentos e expansão das fábricas ficassem estagnados durante o período de conflito (DEAN, 1971, p. 98). A redução das importações pelo porto de Santos pode ser constatada na tabela 4-3, com destaque na queda de máquinas e produtos de ferro e aço. 33 Tabela 4-3 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de toneladas métricas) Itens 1909-1913 Produtos alimentícios 1914-1918 Variação 1.008 943 - 6% Papel e produtos do papel 48 45 - 6% Substâncias químicas e farmacêuticas 58 33 - 43% Tecidos de algodão 13 5 - 62% Ferro e aço 98 33 - 66% 536 148 - 70% 136 37 - 73% Produtos de ferro e aço Máquinas Fonte: Dean (1971, p. 98) Entretanto, parte da indústria conseguiu encontrar oportunidades para continuar crescendo. À medida que os países europeus reduziram o consumo de itens não essenciais como o café, aumentaram as compras de alimentos industrializados. A indústria têxtil, por sua vez, passou a exportar para a Argentina e África do Sul, suprindo a demanda que até então era atendida pelas fábricas europeias. Finalmente, o crescimento da produção para atender o mercado interno foi obtido através do aumento dos turnos de trabalho (DEAN, 1971, p. 104 e 105). Assim, conforme tabela 4-4, verifica-se que não houve queda do nível de exportações durante o período de guerra. Pelo contrário, o ligeiro aumento das vendas para o exterior, aliado à redução de importações levou a um aumento no saldo da balança comercial. Tabela 4-4 - Balança Comercial do Brasil, 1904 – 1918 Período Exportações (milhões de contos) Importações (milhões de contos) Saldo (milhões de contos) 1904-1908 3.827 2.678 1.149 1909-1913 5.058 4.056 1.002 1914-1918 5.262 3.779 1.583 Fonte: Dean (1971, p. 96) O período do final da Guerra também marcou a Revolução Bolchevique na Rússia que fomentou a sindicalização dos operários e aumentou as suas reinvindicações. Como resultado desse engajamento, a indústria paulista vivenciou duas grandes greves em um período de dois anos. Segundo Dean (1971, p. 174) a greve geral de 1917 envolveu mais de cem fábricas na capital e no interior. Esse número seria ainda maior na segunda greve geral realizada em 1919. Entre as principais reclamações dos trabalhadores estavam o aumento de salários de acordo 34 com o custo de vida, limitação de oito horas de trabalho, abolição do sistema de multas e proibição do trabalho para menores de doze anos. Todavia, como os sindicatos ainda não eram reconhecidos pelo Governo, os acordos não tendiam a durar por longo tempo e dificilmente prejudicavam os empresários. Apesar da evolução da indústria no início do século XX, a manufatura ainda era vista como uma atividade marginal em relação à agricultura. Assim, se por um lado os Governos não lançavam mão, de forma intencional, de políticas que visassem o desenvolvimento e fortalecimento do complexo produtivo, por outro, havia poucas pressões sobre os empresários. Dean (1971, p. 72) apresenta um relato sobre o ambiente industrial da época: “Os empresários paulistas operavam num ambiente de quase perfeito laissez faire. Tirante os impostos sobre importações e exportações, nem o governo estadual nem o federal se preocupavam com as atividades dos homens de negócios particulares até os tumultos das classes operárias de 1917. Organizavam-se monopólios, as condições de trabalho em muitas fábricas eram abomináveis, a qualidade dos produtos alimentícios não obedecia a nenhuma regulamentação. As indústrias locais estavam sujeitas a poucos impostos e estes eram geralmente sonegados”. Baer (19851, p. 262) corrobora a posição de laissez faire do Estado ao destacar que este mantinha uma atuação esporádica em relação à indústria através da concessão de favores especiais a determinados setores por meio de alterações de tarifas alfandegárias e empréstimos. Além disso, a incipiência de escolas técnicas prejudicava o desenvolvimento e adoção de novas tecnologias e implementação de processos eficientes de produção. Scantimburgo (1986, p. 77) destaca alguns poucos centros de ensino que formavam engenheiros na época como a Escola Politécnica do Rio de Janeiro fundada em 1874 e a Escola de Minas de Ouro Preto fundada em 1876. De acordo com Reiss (1980, p. 44), durante esse período também havia pouca competição entre as empresas. Dessa forma, a principal fonte de instabilidade era oriunda da produção e das vendas do café. Para o autor (p. 64), como o empresário praticamente não tinha acesso ao crédito bancário e estava sujeito às oscilações do mercado de café, este preferia se manter em uma posição cômoda no mercado, trabalhando com os preços correntes e sem agir de forma agressiva perante os outros competidores. Assim, um caminho óbvio para o reinvestimento dos lucros seria em direção a produtos relacionados (ou não relacionados) que poderiam, eventualmente, vir a ser uma fonte lucrativa ao mesmo tempo em que poderiam reduzir de algum modo o risco a que estavam expostos. 35 Ainda segundo Reiss (p. 392), a chegada de empresas estrangeiras era esporádica e ocorria em setores muito específicos da economia. O autor destaca as seguintes empresas que se instalaram no Brasil no período: Fiat Lux (fósforos – 1895); Singer Bewing Machines (máquinas de costura – 1905); Cotonniere Belge-Bresilienne (têxtil – 1907); Crown Cork Co. (cortiça – 1907); British American Tobacco (tabaco 1909); Societe de Abatoir de Para (carne – 1910); Bunge y Born (moagem de grãos – 1910); Gasmotoren Fabrik (máquinas e motores – 1913); Otis Elevator (elevadores – 1913); Armour (carne - 1915); Swift (carne – 1917). Reiss (1980, p. 23) ainda aponta que como o crescimento industrial neste período se caracterizou demasiadamente como um reflexo do aquecido mercado cafeeiro, ele ficou carente de uma dinâmica própria de acumulação de capital. Apesar desses problemas, de forma geral, as condições do ambiente favoreceram o surgimento de grandes empresários e indústrias: “Assim não havia concorrência significativa e o país era um terreno aberto e fértil para o crescimento. Era mesmo vez e hora dos grandes empreendedores, dos construtores de impérios. A ambiência favorecia a multiplicação de investimentos, a expansão multinegocial sem preocupação com concentração ou especialização. Diversidade 1 em vez de especialização. Multiplicidade em vez de foco” (COUTO , 2004, p. 248). Dessa forma, de um Estado com pouca participação na economia nacional e dependente do Rio de Janeiro, em um período de trinta anos São Paulo deu um grande salto rumo à industrialização, sendo possível verificar o surgimento dos primeiros grandes grupos industriais. É nesse contexto que desembarcam no país dois dos maiores empreendedores da nossa história do capitalismo nacional: Francesco Matarazzo e Antônio Pereira Ignácio. Curiosamente, os dois imigrantes se estabelecem em Sorocaba, município que tinha apenas 12,9 mil habitantes em 1881, sendo 3 mil escravos. Apesar do pequeno porte, era um local de terras férteis e cidade pioneira na indústria paulista, recebendo as primeiras unidades de preparação e tecelagem de algodão, de seda e de confecção de chapéus. Com esses atributos, chegou a ser apelidada de “Manchester Paulista” (COUTO1, 2004, p. 138). No período que sucedeu a primeira fase da industrialização de São Paulo, o crescimento foi menos vigoroso. Segundo Dean (1971, p. 115), a expansão do parque industrial paulista entre 1920 e 1940 se deu a uma taxa 50% menor do que a realizada nos primeiros anos do século XX, algo em torno de 4% ao ano. Para o historiador, essa evolução mais tímida pode ser atribuída à queda do preço do café, à depressão 36 de 1929, às dificuldades do Governo em saldar as suas dívidas e às próprias deficiências das empresas nacionais. Apesar do menor crescimento da indústria, Reiss (1980, p. 392) afirma que os investimentos de empresas estrangeiras se intensificaram durante a década de 1920 e, além disso, começaram a ter um grau de sofisticação maior. Entre as companhias que se instalaram no Brasil durante este período, destacam-se: Ford (1920); General Motors (1920); Nestle (1921); General Electric (1921); Philips (1924); Pirelli (1930); Lone Star Cement (1931). O início da década de 1920 apresentou um ambiente extremamente conturbado. Scantimburgo (1986, p. 124) apresenta um relato da situação econômica do país na época: “Se o Brasil é pobre ainda hoje, muito mais era na década de 20. Vivia de empréstimos, preso a credores estrangeiros que sugavam nossa magra economia. Submetido à política da valorização, o café sustentava o nosso edifício econômico, graças, porém, a empréstimos externos, um dos quais, em 1925, foi de dez milhões de libras esterlinas. Dependendo dos mercados estrangeiros para a colocação de suas safras de café e de maquinário para o seu desenvolvimento industrial, o Brasil debatia-se em crises periódicas, as crises de desenvolvimento; para vencê-las dependia exclusivamente, de uma reduzida elite de empresários, poucos dotados de diplomas de cursos superiores”. Nesse cenário, a República do Café com Leite, sensível aos anseios dos fazendeiros, adotou uma política forte de concessão de crédito, fazendo com que a emissão de papel moeda aumentasse significativamente, gerando inflação. Entre 1920 e 1923, a quantidade de capital em circulação e o custo de vida duplicaram. Todavia, pressionado pela classe média, em 1926 o presidente Arthur Bernardes retirou papel moeda de circulação queimando 316 mil contos (50 milhões de dólares), o que fez com que o dólar se desvalorizasse em 30%, impactando seriamente as exportações dos fazendeiros. Nesse período, a principal reclamação dos industriais e dos fazendeiros passou a ser justamente a instabilidade do câmbio (DEAN, 1971, p. 147). Essa situação seria contornada apenas com a eleição do paulista Washington Luís ao Governo Federal. Cedendo à pressão desses grupos, o presidente assegurou uma taxa de câmbio firme e aumentou novamente a política de crédito (DEAN, 1971, p. 148). Apesar do índice menor de crescimento, houve uma continuidade na diversificação dos negócios no período, com destaque para as novas fábricas de ferro gusa, cimento, motores elétricos, máquinas têxteis e peças de automóveis. Por outro lado, a construção de estradas de ferro foi muito lenta durante toda a década de 1920, 37 prejudicando o transporte dos produtos e o comércio interestadual. (DEAN, 1971, p. 120). De acordo com Dean (1971, p. 121), parte dos agricultores continuou a direcionar os investimentos para a indústria quando houve uma baixa nos preços do café em 1930, reduzindo substancialmente a plantação de novos cafeeiros nos anos seguintes. Contudo, as recorrentes baixas do preço do café e o reduzido nível de desenvolvimento dos agricultores fizeram com que gradativamente o patamar de investimento e o fluxo de capital para as fábricas minguassem. Segundo Dean (1971, p. 141), houve pouca evolução de produtividade agrícola nas décadas de 1920 e 1930. Apesar do aumento de 35% da área cultivada, os estoques de máquinas agrícolas se mantiveram inalterados durante o período. Outro problema para a indústria que se originou do campo foi o declínio da produção de algodão entre 1926 e 1932, obrigando as indústrias de tecelagem a procurar insumos importados (DEAN, 1971, p. 143). Os importadores, por sua vez, se envolveram menos no crescimento da indústria durante essa fase, o que é explicado pelas divergências que serão constatadas entre estes e os industriais. Vale destacar, no entanto, que a despeito dos conflitos entre esses grupos, a parceria nos negócios correntes continuaria sendo mantida por grande parte dos empresários. “Até os maiores fabricantes continuavam a vender seus produtos no mercado através dos importadores que, em seguida, os vendiam aos atacadistas. Esse arranjo, sem dúvida alguma, aumentava os custos de distribuição, mas era necessário porque os importadores continuavam a oferecer crédito a curto prazo aos manufatores. No ramo dos tecidos, somente umas poucas fábricas haviam conseguido livrar-se dos importadores por volta da década de 1940 [...]. Existem alguns indícios de que Matarazzo não fizera movimento algum nesse sentido até o meado da década de 1930, mas que a Votorantim rompera com Affonso Vizeu, o importador do Rio de Janeiro” (DEAN, 1971, p. 123). Apesar da parceria, conforme já citado anteriormente, gerou-se uma tensão entre esses grupos devido ao desaquecimento da economia e ao movimento protecionista dos industriais. Os fabricantes de tecidos, por exemplo, que haviam vivenciado bons resultados após a Primeira Guerra, viram as vendas declinarem a partir de 1924, enquanto que as importações do produto aumentaram substancialmente. Assim, após pressões políticas dos industriais, o Governo reviu as tarifas sobre o algodão no final da década, protegendo a manufatura nacional. Com isso, o algodão importado quase desapareceu do mercado (DEAN, 1971, p. 153). 38 Nas décadas seguintes, a indústria continuaria a defender tarifas protecionistas, principalmente sob a voz de Roberto Simonsen, industrial casado com uma representante da elite fazendeira que atuaria em favor dos industriais junto ao Governo até o final da década de 1940 (DEAN, 1971, p. 154). Esses desentendimentos acabaram criando uma dissidência dentro da Associação Comercial de São Paulo, que até então representava ambos os grupos, mas era gerida pelos importadores. Assim, os industriais decidiram fundar uma associação separada do comércio em 1928, criando o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). Na primeira eleição, o Conde Francesco Matarazzo foi o primeiro presidente e Roberto Simonsen, o vice (DEAN, 1971, p. 152). Era uma organização aberta e voluntária, com o objetivo de defender as ideias e os interesses dos industriais, dando ênfase ao papel da indústria como um motor para o crescimento econômico do Brasil. Além disso, buscava aumentar o poder de barganha junto ao governo. Tinha entre os seus associados, empresas como IRFM, Votorantim e Klabin (COUTO2, 2004, p. 144). Dessa forma, a grande parte do capital financiador da indústria passou a advir dos reinvestimentos feitos pelos próprios industriais que buscaram fortalecer os seus empreendimentos, acentuando o fenômeno de integração e verticalização dos negócios (DEAN, 1971, p. 123). Entretanto, apesar do salto dado pela indústria durante as duas primeiras décadas do século XX, Dean (1971, p. 126) destaca duas características específicas da indústria paulista que ajudam a explicar o baixo crescimento durante o período: A inexistência de qualquer direcionamento para a concentração dos negócios e a formação de cartéis que controlavam os preços e a produção. Com relação à ausência de concentração, Dean (1971, p. 129) aponta a falta de capacidade das empresas de realizar fusões, possivelmente devido à intenção de perpetuação da propriedade familiar. Poucas empresas recorriam ao mercado de ações - a primeira grande oferta de uma empresa particular ocorreu apenas em 1944 com a Panair do Brasil (DEAN, 1971, p. 191) - e quando o faziam, muitas vezes a venda de títulos assinalava apenas uma transferência de cotas dentro da própria família. Apesar de essa ser uma característica habitual dos primórdios do capitalismo, o historiador destaca que até a década de 1950 a inexistência de um grande mercado de consumo brasileiro colaborou para que não houvesse um alto nível de especialização da indústria, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos ainda no século XIX. Dean explica, ainda, que o transporte oneroso e deficiente, e os impostos interestaduais atrapalharam esse desenvolvimento. 39 Se por um lado não houve um processo relevante de fusões e aquisições durante essas décadas, os grandes industriais frequentemente se uniam para formar novos empreendimentos e costurar acordos para manter a hegemonia nos seus negócios, criando barreiras de entrada significativas: “Havia, em meados da década de 1920, associações comerciais que provavelmente se empenharam na fixação de preços para os produtos de metalurgia, calçados, couro e peles, madeira de construção e drogas. Houve, sem dúvida alguma, cartéis, em diversas ocasiões, da moagem da farinha, do papel, dos chapéus, da sacaria de juta e da cerveja. [...] 80% ou mais da capacidade produtora de fósforos, lâminas de vidro, óleo de caroço de algodão, linha para coser, cerveja, enlatamento de carne, cimento, ferro gusa e rayon pertenciam a três firmas apenas [...]. Só no campo dos tecidos de algodão, dentre todas as principais linhas de produção, não se estabeleceram cartéis [...]. Sugeriu-se aos seus membros (Centro das Indústrias de Fiação e Tecelagem de São Paulo) em 1926, 1928 e 1930 que se limitasse a produção ou se mantivessem artificialmente os preços; em 1926 a moção fracassou, porque a ela se opôs Matarazzo, que, em sinal de protesto, renunciou à presidência do Centro. É possível que no seu entender, sua fábrica fosse mais eficiente do que a maioria das outras; nada indica que ele se opusesse, por princípio, à restrição do comércio” (DEAN, 1971, p. 131). Além disso, segundo Dean (1971, p. 159), a implantação da indústria de bens de consumo talvez tenha retardado o desenvolvimento de indústrias mais básicas, pois o interesse dos empresários para os novos investimentos passou a estar relacionado a tudo que pudesse reduzir os custos dos seus produtos e não com a criação de indústrias de petróleo, siderurgia e química, etc. O autor prossegue com sua afirmação (p. 253): “A indústria nacional antes de 45 sempre pareceu um negócio de carregação ao consumidor. O fabricante de bens de consumo relutava tanto quanto os seus fregueses em comprar localmente suas próprias matérias-primas, dificultando, dessa maneira, a instalação de uma indústria básica.” Outra questão importante sobre o desempenho da indústria nacional está relacionada à carência de uma mão de obra qualificada. Até os meados da Segunda Guerra Mundial, os empresários não demonstraram quase nenhum interesse pelo desenvolvimento e treinamento técnico dos trabalhadores. Para os industriais e também para o Governo, era mais barato importar os técnicos europeus do que capacitá-los no Brasil (DEAN, 1971, p. 189). Esse problema era agravado pela má qualidade e baixa regulação do ambiente de trabalho na época. Em 1920, o operário paulista trabalhava por pelo menos dez horas diárias durante seis dias por semana, para ganhar cerca de quatro mil-réis diários – valor que 40 não era suficiente para comprar meio quilo de arroz. As mulheres representavam cerca de 1/3 da força de trabalho, que ainda incluía muitas crianças. Os acidentes se acumulavam e funcionários poderiam ser multados em caso de desobediência ou até mesmo surrados no caso das crianças (DEAN, 1971, p. 163). Isso não parecia ser um fator de preocupação para os industriais, pois o trabalho braçal não era um recurso escasso. Durante a década de 1920, entraram mais imigrantes em São Paulo do que nos quinze anos anteriores. Nas fábricas da Matarazzo, por exemplo, “chegou-se a encontrar máquinas com metade do tamanho das máquinas normais para uso das crianças operárias” (DEAN, 1971, p. 180). Em 1922, o presidente Arthur Bernardes, receoso com a insatisfação de parte dos militares (em julho deu-se o Levante do Forte de Copacabana), buscou obter o apoio dos grupos trabalhistas e criou o Conselho Nacional do Trabalho, órgão encarregado em assessorar o governo em assuntos trabalhistas. Assim, foi promulgada a Lei das Férias que concedia duas semanas de férias pagas a todos os empregados - todavia, essa lei só viria a ser efetivamente posta em prática durante o regime de Getúlio Vargas (DEAN, 1971, p. 172) Essa época também apresentou muitos escândalos e acusações que prejudicaram a imagem dos industriais perante a sociedade. Os empresários enfrentaram denúncias da imprensa por contrabando, calote no pagamento de dividendos, cópia de produtos patenteados, prática de dumping e até falsificação de rótulos (DEAN, 1971 p. 134). Para o historiador, embora houvesse indícios de verdade nessas alegações, havia dificuldade de os empresários paulistas conseguirem passar uma visão favorável de suas atividades. Para Bethlem (1999, p. 81), ao contrário da cultura norte americana que valoriza a riqueza em virtude de um encargo conferido por Deus, a cultura nacional, influenciada pelas crenças católicas, não enxergava a questão dessa maneira, tornando a riqueza quase que em um pecado. Em 1929, a depressão econômica que se iniciou nos Estados Unidos e se alastrou pelo mundo fez o mercado internacional do café desmoronar – queda de quase 30% (SCANTIMBURGO, 1986, p. 139). Em 1930, o valor dos embarques do produto diminuiu 40% em relação ao ano anterior. Devido à importância do café para a economia paulista, a indústria foi igualmente comprometida. Fábricas de tecido, de papel e metalurgia passaram a operar com menos de 40% da capacidade instalada (DEAN, 1971, p. 194). Segundo Scantimburgo (1986, p. 140), a queda do preço do café reduziu os salários dos trabalhadores do campo em até 50%. Esse baixo poder aquisitivo se refletiu no comércio e, portanto, na indústria. 41 Segundo Suzigan (1971), os gêneros da indústria que mais foram afetados pela depressão foram: Têxtil, calçados, química, metalúrgica, bebidas, mobiliário e minerais não metálicos. Por outro lado, alguns setores pareciam não ter sentido os efeitos da crise. Pelo contrário, viram a sua produção entre 1928 a 1932 aumentar. Este foi o caso das indústrias de produtos alimentares, papel, couros e peles e fumo. Portanto, antes de 1930, as atividades industriais eram praticamente uma extensão das exportações de café. Isto é, o crescimento industrial interno não tinha uma autonomia. Com a crise do café e a grande depressão, o setor exportador teve sua importância enfraquecida no crescimento da renda, ao passo que os investimentos destinados às atividades econômicas e produtivas voltadas para o mercado interno assumiriam a condição de principais determinantes no crescimento da renda no país (SANTOS, 2008). Assim, em 1933, pela primeira vez na história do país, o valor da produção industrial supera o da produção agrícola – embora mais pela queda da última do que pelo crescimento da primeira (CALDEIRA, 2008, p. 64). Além da crise econômica, outro fator do ambiente impactou profundamente a industrialização de São Paulo: A queda da República Velha e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. O novo Governo trouxe mudanças políticas e econômicas significativas, uma vez que o Brasil vivia um momento de dificuldades para saldar suas dívidas após a grave crise global. O presidente gaúcho adotou uma política nacionalista com o intuito de fortalecer as exportações do setor agrícola e reduzir as importações. Além disso, como a indústria do Rio Grande do Sul (Estado de origem do novo presidente) era incipiente, Vargas via o setor manufatureiro como secundário (DEAN, 1971, p. 195): “Vargas poucas vezes mencionou a indústria nos discursos públicos que proferiu durante esse período, e os escritos dos seus consultores revelam escasso interesse pela manufatura nacional” (DEAN, 1971, p. 217). Dessa forma, Vargas aumentou o crédito para os cafeicultores ao comprar estoques do produto, além de lançar mão de políticas para restringir a importação de insumos para as fábricas. Ainda, criou um tributo de 8% sobre os lucros remetidos para o exterior (DEAN, 1971, p. 199). Assim, boa parte da indústria foi penalizada. As importações de ferro e aço caíram de uma média de 59 mil toneladas anuais entre 1927 e 1929 para 9 mil toneladas em 1932 e a aquisição de novas máquinas se tornou extremamente difícil (DEAN, 1971, p. 207). 42 As medidas trabalhistas instituídas pelo Governo Vargas também teriam um impacto direto para os industriais a partir da criação do Ministério do Trabalho em 1930. No mesmo ano, o presidente sancionou uma lei limitando a mão de obra estrangeira em 1/3 dos trabalhadores das fábricas. Em 1931, criou um decreto que passou a reconhecer oficialmente os sindicatos. No ano seguinte, regulamentou o emprego das mulheres na indústria e limitou a jornada de trabalho em oito horas diárias. Todavia, se por um lado estas mudanças não deixaram de afetar a indústria, por outro, também não houve um grande prejuízo para os empresários que chegaram a se beneficiar com a criação da carteira de trabalho, por exemplo, que era fornecida gratuitamente pelo Estado e permitia um maior controle sobre os operários. O problema da limitação da jornada de oito horas também foi contornado pela possibilidade de duas horas extras de trabalho por dia (DEAN, 1971, p. 202). A insatisfação dos paulistas com o governo provisório levou o Estado à guerra na Revolução Constitucionalista de 1932. De acordo com Dean (1971, p. 208) os industriais participaram ativamente do levante, fornecendo materiais para as tropas. Nos anos que se seguiram, Vargas empreendeu ações visando equilibrar a balança comercial. Assim, com o objetivo de persuadir os norte americanos e europeus a reduzir as tarifas aduaneiras sobre o café e outros produtos brasileiros, aumentou as tarifas de importação. Todavia, a medida protecionista do presidente não foi eficiente. Era mais fácil que os países desenvolvidos vivessem sem café do que os brasileiros sem máquinas e combustíveis (DEAN, 1971, p. 210). Alguns industriais aproveitaram essa estratégia de Vargas para proteger os seus negócios. Convenceram o Governo de que havia superprodução nos mercados de papel, tecidos e calçados e fizeram com que fosse proibida a importação de máquinas para esses setores entre 1931 e 1934. Todavia, os esforços do presidente não fizeram com que o Governo conseguisse saldar os problemas das dívidas nem da balança comercial. Assim, em 1934 Vargas anunciou que os juros seriam pagos de forma parcelada. Além disso, houve, no período, um grande aumento no fluxo de importações, principalmente de produtos de gêneros alimentícios e outros bens de consumo. Entre 1932 e 1936, o volume de entrada de mercadorias em Santos quase quadruplicou. Dessa forma, em 1937, pela primeira vez desde 1920, o Brasil apresentava um balanço comercial negativo (DEAN, 1971, p. 214). “A mudança mais notável no ambiente econômico da década de 1930 foi a crescente intervenção do governo. Mas essa intervenção não se propunha acelerar o processo da industrialização; as alternativas da economia e exportação ainda não se haviam se esgotado” (DEAN, 1971, p. 219). 43 Apesar dos problemas econômicos do país, de 1933 em diante a industrialização tomaria um novo impulso, com destaque para os setores não tradicionais, com o estabelecimento de novas indústrias destinadas à produção de matérias-primas básicas (cimento e aço, principalmente), e indústria de máquinas e equipamentos (SUZIGAN, 1971). Um dos motores dessa evolução foi o desenvolvimento da base energética do Estado que duplicou entre 1930 e 1945, sendo que em 1940 a potência instalada de energia elétrica de origem hidráulica em São Paulo representava 55,4% do total do país. Assim, de 1932 a 1937, o capital aplicado nas principais indústrias paulistas cresceu 118%, enquanto o número de operários empregados aumentou 63% (SUZIGAN, 1971). De acordo com Suzigan (1971), as indústrias tradicionais foram as que tiveram menor crescimento no período: Produtos alimentares (2,9%), têxtil (6,5%) e vestuário e calçados (8,0%). Num grupo intermediário, outras indústrias tradicionais, mas de menor produção no total da indústria, registraram crescimento da produção a taxas mais elevadas como: Bebidas (17,9%), fumo (18,2%), mobiliário (13,1%), madeira (10,5), papel (7,3%), couros e peles (18,4%). Enquanto isso, as indústrias básicas cresceram a taxas anuais muito elevadas: indústria metalúrgica (24%), química e farmacêutica (29,9%), automotivo (39%) ao ano e minerais não metálicos (16%). Todavia, enquanto alguns setores puderam se desenvolver modernizando e aumentando sua capacidade produtiva, como foi o caso das indústrias do cimento e de produtos metalúrgicos, outros setores, principalmente o têxtil, aumentavam a sua produção através da utilização intensiva do equipamento existente, sem preocupação quanto à necessidade de renovação e modernização que a intensa utilização tornava ainda mais necessária (SUZIGAN, 1971). Reiss (1980, p. 135) reforça essa hipótese em seu relato: “Na ausência de uma competição intensa com outras firmas na produção de produtos similares, a vida econômica das instalações industriais se estendia através de longos períodos de tempo, especialmente no caso dos segmentos tradicionais da indústria [...]. Isto era uma consequência da própria competição industrial, principalmente com a reduzida competição de preços e pelo fato das firmas estarem diante de oportunidades abundantes de investimento para expansão, integração vertical e diversificação.” Portanto, verifica-se na época a necessidade primordial da indústria paulista pela renovação do parque fabril. No entanto, a eclosão da 2a Guerra Mundial e suas consequências sobre a economia brasileira fariam esquecer, por algum tempo, os problemas de eficiência das fábricas, principalmente as têxteis, que passaria à sua fase áurea conquistando mercados externos perdidos pelos países em guerra 44 (SUZIGAN, 1971). A tabela 4-5 traz uma luz a esse problema, ao indicar que pelo menos 42% das máquinas da indústria têxtil em 1939 tinha no mínimo dez anos de uso. Tabela 4-5 - Distribuição por Idade das Máquinas da Indústria Têxtil em 1939 Número de máquinas segundo a idade Subgrupos da indústria Fiação de algodão Menos de 5 anos 5 a 10 anos Mais de 10 anos Idade descon hecida Total 199 1.037 873 573 2.682 Tecelagem de algodão 2.348 1.447 59.039 66.969 129.803 Fiação de seda natural 50 - - 67 117 Fiação de seda artificial 15 12 3 - 30 3.797 2.262 1.346 1.600 9.005 Fiação de lã 151 76 331 5 563 Tecelagem de lã 580 326 814 5.277 6.997 - - - 80 80 267 40 1.809 1.153 3.269 7.407 5.200 64.215 75.724 152.546 4,9 3,4 42,1 49,6 100,0 Tecelagem de seda natural e artificial Fiação de juta Tecelagem de juta Totais (%) Fonte: Suzigan (1971) Reiss (1980, p. 85) também afirma que o crescimento da indústria também ocorreu de maneira muito mais diversificada e integrada durante as décadas de 1930 e 1940, sendo que grande parte da diversificação se deu em face da substituição das importações. Além disso, de acordo com o autor, o crescimento industrial nesta fase se tornou mais independente do café, tendo uma dinâmica própria de acumulação de capital, quando a principal fonte de crescimento das empresas se deu através do reinvestimento dos lucros. O autor ainda afirma que ao contrário do período pré-crise de 29, quando o principal fator de risco para a indústria era o mercado de café, a partir da década de 30 a competição entre as fábricas se tornou mais intensa, se tornando uma fonte de instabilidade relevante para os negócios. Constata-se, portanto, que essa diversificação da estrutura de produção da indústria paulista teve grande participação no desenvolvimento econômico e industrial durante o período pré-Guerra. A tabela 4-6 apresenta alguns números da indústria paulista desde o período da crise de 1929 até 1937. É possível constatar uma evolução substancial durante os anos do Governo Vargas. 45 Tabela 4-6- Aspectos Gerais da Indústria: 1928 – 1939 1928 Número de fábricas 1930 1932 1933 1937 1939 6.923 5.388 6.070 6.555 9.051 12.850 1.101.824 1.477.490 1.589.750 1.906.482 3.460.452 4.679.371 Operários 148.376 119.296 130.808 171.667 245.715 254.721 Força Motriz Instalada (HP) 171.076 189.499 192.159 212.108 279.573 432.650 2.216.732 1.834.293 1.944.988 2.060.363 3.851.878 7.107.547 Capital aplicado (contos de réis) Valor da Produção (contos de réis) Fonte: Suzigan (1971) Em 1937, o golpe de Vargas que originou o Estado Novo trouxe uma nova dinâmica para a indústria paulista. Diante do decréscimo das exportações e de uma economia problemática, o presidente deu uma guinada na política de desenvolvimento do país e decidiu fortalecer a indústria nacional com o intuito de substituir as importações por produtos nacionais. Dessa forma, abriu novas fontes de financiamento para a indústria. (DEAN, 1971, p. 222). Em 1939, as indústrias leves que correspondiam a cerca de 70% da produção vinte anos antes, viram este percentual declinar para 58%, perdendo espaço para setores como metalurgia, mecânica e material elétrico. Sendo assim, com o maior balanceamento dos setores industriais a partir dos anos de 1930, a indústria se tornou o setor líder de crescimento da economia (BAER1, 1985, p. 298). Logo após o início da Segunda Guerra Mundial, o Brasil passou a ser procurado como fonte de matérias primas estratégicas e de produtos manufaturados, em particular os têxteis e vestuários, o que evidentemente representou um novo impulso à industrialização paulista (SUZIGAN, 1971). Mais importante, ainda, foram os acordos com os Estados Unidos para a implantação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda e o envio de máquinas para as fábricas nacionais durante a guerra (DEAN, 1971, p. 236). Todavia, para Dean (1971, p. 238), os industriais confiaram em demasiado nesse período de forte demanda que era tão manifestamente temporária. Os compradores queixavam-se constantemente que os preços dos produtos eram o dobro dos que anteriormente eram fornecidos por Europa e Estados Unidos. Já o Estado Novo, por sua vez, ia perdendo força com o fim da guerra. A aproximação fascista de Getúlio e a perda de apoio político acabaram levando à deposição do presidente. De acordo com Dean (1971, p. 248), com a queda de Vargas caíram também os industriais. 46 O período que se inicia após no pós-guerra carrega mudanças demográficas significativas que afetaram a dinâmica do desenvolvimento econômico e industrial do país. Entre elas, destaca-se o aumento da população que se expandiu em mais de 200% no período, ultrapassando a marca de 144 milhões de habitantes. O gráfico 4-2 apresenta a evolução da população brasileira, no qual é possível verificar uma acentuação da taxa de crescimento a partir da década de 1950. Gráfico 4-2– Evolução da População Brasileira 200.000.000 160.000.000 120.000.000 80.000.000 40.000.000 1880 1885 1890 1895 1900 1905 1910 1915 1920 1925 1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 0 Fonte: Ipeadata (2014) Aliado a isso, houve um forte processo de urbanização que contribuiu para o surgimento de um novo mercado consumidor, além do aumento da oferta de mão de obra. Enquanto que em 1940 pouco mais de 30% da população brasileira vivia nas cidades, em 1970 essa taxa chegou a 55,9%. No Estado de São Paulo, os percentuais eram de 44,1% e 80,3%, respectivamente (REISS, 1980, p. 159). O gráfico 4-3 apresenta a evolução das populações urbana e rural do Brasil. Nos primeiros anos pós-guerra, o governo Dutra procurou combater os altos índices de inflação através de uma forte política de importação e de uma taxa fixa de câmbio. Entretanto, essas medidas além de não conseguirem segurar o aumento dos preços, acabaram consumindo as divisas cambiais acumuladas durante o período da Guerra (MATARAZZO, 1982, p. 115). 47 Gráfico 4-3 – Evolução das Populações Urbana e Rural no Brasil 180.000.000 160.000.000 140.000.000 120.000.000 100.000.000 80.000.000 60.000.000 40.000.000 20.000.000 0 1940 1950 1960 População Rural 1970 1980 1990 2000 2010 População Urbana Fonte: Ipeadata (2014) De acordo com Baer (1985, p. 39), a redução das importações aliada ao crescimento das exportações durante os conflitos haviam elevado as reservas de divisas do país de US$ 71 milhões em 1939 para US$ 708 milhões em 1945. Todavia, em 1947 essas reservas já tinham sido consumidas em decorrência de um forte movimento de importações que ficaram restritas durante a Guerra (BAER, 2002, p. 71). Baer (1985, p. 38) ainda destaca que os anos pós Guerra marcaram uma fase na qual a participação dos principais produtos agrícolas nacionais nas exportações mundiais declinou. Dessa forma, o país passaria a ter ainda mais dificuldades de gerar renda para sustentar um rápido crescimento demográfico. Por outro lado, ao longo de toda a década de 1940, a indústria continuou o movimento de crescimento iniciado no Estado Novo de Vargas. Scantimburgo (1986, p. 197) apresenta alguns dados sobre a evolução industrial na década de 1940. De acordo com o autor, em 1940 havia no país 49.784 estabelecimentos industriais. Dez anos depois, eles passaram a 89.086. O número de operários ocupados na indústria também aumentou significativamente – de 787.185 para 1.286.807. Assim, o governo brasileiro buscou medidas com o intuito de equalizar o balanço de pagamentos e fomentar a indústria nacional que poderia surgir como uma nova fonte de crescimento econômico. Para isso, em 1953, o governo lançou um sistema de taxas múltiplas de câmbio. Assim, poderia incentivar as exportações dos 48 mercados que considerava estratégicos e proteger indústrias nacionais com base em elevação do câmbio para importações (BAER, 1985, p. 44). Além disso, assim como havia feito na primeira fase de industrialização no início do século, o país lançou mão da Lei de Similares, incentivando a substituição de importações e a integração vertical das indústrias (BAER, 2002, p. 78). Assim, a partir deste momento, começa a haver uma transição do motor econômico brasileiro. A agricultura, que chegou a representar 27% do PIB nacional após a Guerra, verá sua participação declinar gradativamente nas próximas duas décadas, enquanto a indústria ganha fôlego, alcançando em 1966, o patamar que a agricultura tinha vinte anos antes. Enquanto que o produto real da agricultura cresceu 87% entre 1947 e 1961, o da indústria ampliou-se em 262%. O gráfico 4-4 apresenta esta variação da composição do PIB nacional entre as décadas de 1950 e 1980. Gráfico 4-4 - Distribuição Setorial do PIB (1950 – 89) 90,0% 70,0% 50,0% 30,0% 10,0% -10,0% Agricultura Indústria Serviços Taxa de Crescimento Anual do PIB Fonte: Adaptado de Baer, 2002, p. 481 Ainda, esse movimento acompanhou uma maior proporção da indústria pesada, principalmente com o crescimento de setores como metalurgia, material elétrico, material de transporte e indústria química (BAER, 1985, p. 60). Entretanto, é importante destacar que no final da década de 1950, a economia brasileira não era totalmente imune às oscilações do café que teve uma desvalorização de 31% em 1959 e obrigou o governo a lançar mão de incentivos aos exportadores. Essa persistente importância do produto agrícola foi destacado no Relatório Anual da Matarazzo de 1959: 49 “No entanto, a nossa economia continua dependendo do café em medida considerável e é, portanto, nesse setor, especialmente nesse setor, que nós temos a obrigação de atuar com imaginação e tenacidade visando reunir agricultura e indústria sob um denominador comum.” No ano de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek (JK) lançou o Plano de Metas e o famoso “cinquenta anos em cinco”, que articulou uma série de investimentos públicos e privados visando o desenvolvimento do país e o aprimoramento da infraestrutura brasileira. Em especial, buscou-se desenvolver a indústria de bens de consumo durável, na qual destaca-se o setor automotivo. Vale destacar, no entanto, que diferentemente de Vargas, que direcionou o crescimento, principalmente, com fontes de capital nacional e estatal, o novo governo utilizou-se de diversos instrumentos visando atrair investimentos estrangeiros (SANTOS, 2008). Dessa forma, o governo lançou mão de uma série de incentivos para empresas nacionais e estrangeiras, sendo que estas últimas passaram a ter uma participação mais relevante na economia (REISS, 1980, p. 161). Segundo Baer (1985, p. 56), em relação à indústria, os objetivos do governo eram estimular os seguintes setores: siderúrgico, alumínio, cimento, celulose, automobilístico, químico e de mecânica pesada. Sendo assim, as empresas nacionais que surgiram durante o primeiro ciclo de industrialização nas décadas anteriores, ganharam a concorrência de grandes empresas estrangeiras. De acordo com Dean (1971, p. 252), em 1960, metade do capital industrial do setor privado de São Paulo se achava sob o domínio ou controle de estrangeiro. O autor completa: “Nesse ínterim, a industrialização no setor privado tomara uma direção inteiramente nova. Atraídas pelo tamanho do mercado brasileiro, companhias estrangeiras começaram a transformar suas agências de vendas em filiais de operações manufatureiras. Em muitos casos, estavam respondendo a decretos governamentais, que pretendiam solucionar o problema do balanço dos pagamentos aumentando o fluxo de capital estrangeiro”. Sobre o aumento da competição na indústria, Reiss (1980, p. 181) afirma que a partir da década de 1950, com a entrada de grandes firmas estrangeiras, a competição na indústria se tornou bem mais acirrada. Grandes organizações introduziram novas tecnologias, modernizaram as instalações e equipamentos, criando barreiras de entrada em diversos segmentos. Junto a isso, houve uma pressão nos custos, com aumento de salários e dos insumos. Durante esse processo, as empresas dos ramos tradicionais foram as que mais sofreram com a redução das margens de lucro. Essas 50 companhias, como não faziam parte do grupo prioritário do plano de metas, tiveram mais problemas para captar recursos, tendo que obter créditos mais caros no mercado. Entre esses setores estava o têxtil, que tinha na Matarazzo e na Votorantim, dois dos seus principais players. As dificuldades enfrentadas pelo setor diante de um novo movimento de industrialização do país e da chegada de novos competidores foram destacadas Relatório Anual da Votorantim de 1958: “Está se tornando cada vez mais difícil para o industrial brasileiro em lidar com a situação desigual – talvez única no mundo – enfrentada por investimentos nacionais e estrangeiros [...]. Existem algumas indústrias como a automotiva que parece que estão se desenvolvendo mais que o necessário, criando problemas de salário para outras indústrias que não podem lidar com isso. E por que isso? Porque elas nasceram debaixo de uma generosa proteção do governo [...] enquanto outras indústrias tradicionais como a têxtil continuam sem ajuda, sem direitos e sem nenhuma cooperação do governo” Reiss (1980, p. 242). Baer (1985, p. 453), por outro lado, afirma que embora as multinacionais tenham trazido novas tecnologias e métodos de produção que ajudaram a acelerar o desenvolvimento industrial do Brasil, grande parte da produção era de semiacabados, voltado para atender o comércio internacional entre subsidiárias das mesmas multinacionais. Um trecho do Relatório Anual de 1977 da Votorantim corrobora esta visão: “Já é tempo do Brasil, através do seu órgão capacitado, não mais dar isenções de impostos aduaneiros de toda a espécie para a implantação de pseudo-indústrias, que nada mais são do que verdadeiros corredores de importação a serviço de algumas multinacionais. [...] Todos sabemos que muitas empresas que se instalaram no Brasil com a finalidade precípua de montar componentes, estes vindos do estrangeiro, geralmente da própria matriz”. Portanto, é possível constatar que não havia no país uma presença maciça de multinacionais com tecnologias de última geração e com ações de pesquisa e desenvolvimento local. Ou seja, houve um movimento claro de substituição de importações, no qual firmas estrangeiras passaram a produzir em terras nacionais, os produtos que já eram revendidos aqui. Esse processo pode ser evidenciado a partir da visualização da tabela 4-7. Destaca-se a variação ocorrida no setor de cimento e de metais não ferrosos, no qual a Votorantim viria a ter papel de destaque. Já nos produtos têxteis e alimentícios, nos quais a Matarazzo continuaria a manter sua base industrial, percebe-se que já não havia concorrência significativa de produtos importados. 51 Tabela 4-7 - Participação dos Itens Importados em Diversos Setores Itens 1949 1959 Minerais não metálicos 8,6 2,1 Cimento 23,7 0,9 Siderurgia e metalurgia 22,5 11,6 Ferro e aço 24,9 15,3 Metais não ferrosos 80,1 37,0 Máquinas 63,0 41,4 Máquinas para trabalhar metais 68,9 56,9 Outras máquinas 58,3 23,0 Máquinas e equipamentos elétricos 47,6 13,3 Equipamento de transportes 56,1 18,6 Veículos automotores 54,2 13,7 Papel e artefatos de papel 18,6 12,1 Produtos químicos e semelhantes 39,3 18,2 Produtos têxteis 4,4 0,1 Gêneros alimentícios elaborados 1,2 1,0 Bebidas 2,3 0,8 2,3 2,6 Obras impressas Fonte: Baer, 1985, p. 6 4 Reiss (1980, p. 269) afirma que poucas empresas não enfrentaram uma competição mais acirrada nos seus respectivos mercados. Por isso, houve um movimento comum, entre as organizações, de declínio de capital e uma nova estratégia orientada à redução da diversificação construída nas décadas anteriores que culminou com a realização de desinvestimentos. O Brasil passou por um crescimento econômico substancial na segunda metade da década de 1950. Durante o Governo de JK, o Produto Nacional Bruto subiu de 15 bilhões de dólares, para 20,8 bilhões. Um crescimento de quase 40% (SCANTIMBURGO, 1986, p. 232). Entre as indústrias que se desenvolveram neste período, Reiss (1980, p. 162) aponta a de autopeças. O setor que em 1955 contava com 600 fábricas, viu esse número dobrar em cinco anos. Na tabela 4-8 é possível verificar o resultado dessas variações, no qual o setor têxtil viu sua participação na indústria cair pela metade, enquanto outros setores mais pesados ganharam relevância. 52 Tabela 4-8 - Mudanças na Estrutura Industrial Brasileira: 1939 - 1963 Setor 1939 1949 1953 1963 Minerais não metálicos 5,2 7,4 7,4 5,2 Produtos de metal 7,6 9,4 9,6 12,0 Maquinário 3,8 2,2 2,4 3,2 Equipamento elétrico 1,2 1,7 3,0 6,1 Equipamento de transportes 0,6 2,3 2,0 10,5 Produtos de madeira 5,3 6,1 6,6 4,0 Produtos de papel 1,5 2,1 2,7 2,9 Produtos de borracha 0,7 2,0 2,2 1,9 Produtos de couro 1,7 1,3 1,3 0,7 Produtos químicos, farmacêuticos 9,8 9,4 11,0 15,5 Têxteis 22,2 20,1 17,6 11,6 Roupas e calçados 4,9 4,3 4,9 3,6 Produtos alimentícios 24,2 19,7 17,6 14,1 Bebidas 4,4 4,3 3,5 3,2 Fumo 2,3 1,6 2,3 1,6 Impressão e produtos gráficos 3,6 4,2 3,5 2,5 Diversos 1,0 1,9 2,4 1,4 Total 100 100 100 100 Fonte: Baer, 2002, p. 87 Após seis anos de forte expansão econômica e desenvolvimento da indústria, o país começou a perder fôlego no início da década de 1960. Essa desaceleração ocorreu em um ambiente politicamente conturbado que envolveu a eleição e renúncia de Jânio Quadros, em 1961,e a ausência de liderança do governo de João Goulart que foi deposto pelos militares três anos depois (BAER, 2002, p. 92). Assim, após o golpe de 1964, os militares assumem o poder, elegendo como Presidente o Marechal Castelo Branco (SCANTIMBURGO, 196, p. 271). Neste momento, a economia nacional já havia perdido todo impulso de crescimento do governo JK, tendo ficado estagnada em 1963. Com o intuito de desenvolver a economia, o novo governou realizou grandes investimentos em infraestrutura, com grandes obras em geração de energia, telecomunicações e transportes. Além disso, ampliou o papel do Estado na economia através da criação e fortalecimento de empresas públicas nos mais diversos setores (nos dez anos seguintes à instalação do regime militar foram criadas 121 estatais). Em 1964, o Estado respondia por 28% dos recursos de investimento do Brasil. Cinco anos depois, essa fatia havia aumentado para 51% do total (CALDEIRA 2008, p. 175). 53 Santos (2008) destaca que a criação das estatais teve um papel importante no processo de industrialização e desenvolvimento econômico do Brasil, uma vez que envolveu grandes projetos, nos quais os empresários não tinham interesses, devido aos elevados investimentos, à falta de demanda inicial, aos prazos longos de maturação, aos riscos e à complexidade tecnológica. Finalmente, através do BNDE, o governo ampliou a sua participação bancária e se tornou a principal fonte de crédito para a indústria no país (REISS, 1980, p. 172). Em 1968, o Estado ampliaria ainda mais a sua participação na economia através da criação do Conselho Interministerial de Preços (CIP) que aumentou o controle estatal na definição dos preços a na alocação de recursos na economia. Legalmente, o Conselho não podia fixar preços, mas tinha poderes indiretos em questionar o reajuste de preços de empresas privadas, influenciando a dinâmica de competição dos mercados (BAER, 1985, p. 242). Dessa forma, as indústrias brasileiras passaram a ter concorrência tanto de empresas estrangeiras, como também, de companhias estatais. Na lista das maiores empresas do Brasil em 1980, por exemplo, estavam treze estatais, contra apenas quatro multinacionais e três grupos brasileiros (CALDEIRA, 2008, p. 210). Após um período de altas taxas de inflação no final da década de 1950 e no início da década de 1960, o governo militar também procurou combater a elevação de preços. Apesar disso, o país ainda conviveria com altas taxas de inflação durante toda a década (BAER, 1985, p. 180). Os resultados no campo do crescimento econômico também levariam alguns anos para aparecer. Entre 1962 e 1967, a economia cresceu em um ritmo médio de 3,7% ao ano, bem inferior aos 6,7% obtidos no período entre 1956 e 1962. Somente a partir do final da década o país volta a ter um ritmo forte de crescimento e com maior estabilidade da inflação. Entre 1968 e 1974, o país viveu um boom econômico, alcançando uma média anual de crescimento de 11,3%. Esse período ficaria conhecido como “milagre econômico”. O índice de preços que beirou os 100% em 1964, despencou para 20% no final dos anos de 1960 (BAER, 1985, p. 227). Neste período, as indústrias mais pesadas continuavam a ganhar mais espaço, enquanto setores tradicionais como o têxtil apresentavam resultados muito mais modestos. Destaca-se, ainda, a evolução da infraestrutura do país: a capacidade instalada de energia elétrica subiu de 6,8 milhões megawatts para 21,7 milhões no mesmo período; a taxa média anual de construção de estradas foi de 25% (BAER, 2002, p. 95). O gráfico 4-5 mostra a evolução da produção e consumo de energia elétrica no Brasil. É possível verificar, ao final da década de 1960, o aumento significativo da 54 demanda que também é acompanhado da expansão da oferta. Vale destacar que durante a década de 1970 há uma redução do excedente de energia disponível para consumo, justamente no período no qual ocorrem os choques do petróleo. Gráfico 4-5 - Relação de Produção e Consumo de Energia Elétrica 500.000 25% 450.000 400.000 20% 350.000 300.000 15% 250.000 200.000 10% 150.000 100.000 5% 50.000 0% 1952 1954 1956 1958 1960 1962 1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 0 Produção (GWh) Consumo (GWh) % Disponível para Consumo Fonte: Ipeadata Durante o milagre econômico, a indústria teve um crescimento ainda mais notável do que no período de JK (ver tabela 4-9). Isso foi possível graças a um excesso de capacidade alcançado no período de baixo crescimento entre 1962 e 1967, quando a capacidade ociosa da indústria beirou 25%. Por outro lado, em 1972, a utilização da capacidade instalada já havia alcançado 100% (BAER, 2002, p. 96). Tabela 4-9 - Crescimento da Indústria entre 1957 e 1977 Período Taxa Anual de Crescimento 1957 – 1962 11,2% 1963 – 1967 2,9% 1968 – 1974 13,6% 1975 - 1977 7,6% Fonte: Reiss (1980, p. 163) Outro fator apontado por Baer (2002, p. 102) como fundamental para o crescimento econômico foi o aumento do nível de poupança do país que subiu de 55 17,5% do PIB em 1959 para 21% em 1973. No nível governamental, a variação deste percentual foi de 5,1% em 1959 para 8,4% em 1973. Esse crescimento ainda foi acompanhado de um aumento substancial dos investimentos diretos estrangeiros que subiram de uma média anual de US$ 84 milhões entre 1965-69 para US$ 1 bilhão no período de 1973-76 (BAER, 2002, p. 97). Em 1973, no entanto, com o primeiro choque do petróleo, o Brasil viu sua dinâmica de crescimento se alterar. O preço do produto quadriplicou e como o país importava 80% do petróleo que consumia, a manutenção do mesmo patamar de crescimento econômico exigiria o sacrifício das reservas cambiais e o aumento do endividamento do país (BAER, 2002, p. 109). O gráfico 4-6 apresenta o histórico da cotação internacional do Petróleo, no qual é possível identificar o grande aumento do preço da commotity durante os dois choques do petróleo da década de 1970. Gráfico 4-6 - Cotação Internacional do Petróleo (US$) 120,00 100,00 80,00 60,00 40,00 20,00 2012 2009 2006 2003 2000 1997 1994 1991 1988 1985 1982 1979 1976 1973 1970 1967 1964 1961 1958 1955 1952 0,00 Fonte: Ipeadata Com o objetivo de retomar a dinâmica de crescimento, o governo instituiu, em 1975, o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND II, 1975-79), cujos objetivos relativos à indústria eram a substituição das importações de produtos industriais básicos e de bens de capital (BAER, 2002, p. 110). Mesmo com a criação do PND II, o Brasil começou a enfrentar uma situação de crise a partir do final da década de 1970. Em 1979, o segundo choque do petróleo prejudicou novamente a balança de pagamentos brasileira. Além disso, o crédito internacional se tornou mais restrito, o que aumentou ainda mais o já crescente nível 56 de endividamento do país, levando a novas pressões por austeridade econômica (BAER, 2002, p. 114). A deterioração da economia brasileira acarretou na mudança do ministro da fazenda, com o retorno de Delfim Neto, que havia comandado a pasta na época do milagre econômico. Quando assume o ministério, Delfim institui algumas medidas de grande impacto na indústria, entre elas: Desvalorização do Cruzeiro em 30%; eliminação dos subsídios à exportação; e extinção da Lei dos Similares (BAER, 2002, p. 117). Se as duas últimas medidas tinham impactos aparentemente negativos para a indústria, por outro, o Cruzeiro mais fraco tornava o produto nacional mais competitivo no mercado internacional. O reflexo dessa política de câmbio pode ser visualizado no gráfico 4-7 que apresenta a evolução da balança comercial brasileira, no qual se verifica o aumento do saldo a partir da década de 1980. Gráfico 4-7 - Saldo da Balança Comercial entre 1970 a 1989 (US$ milhões) 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 -5.000 -10.000 Fonte: Ipeadata Entretanto, as ações não foram suficientes para melhorar o cenário nacional. Após anos de forte atividade econômica, o Brasil teve crescimento negativo em 1981. Em 1983, o país já se encontrava oficialmente em recessão, com queda de 5,1% no PIB e de 11,7% no PIB per capita em relação ao início da década (BAER, 2002, p. 125). A inflação que havia estado em patamares historicamente baixos para o padrão brasileiro sofreu uma disparada, superando a barreira dos 100% ao ano em 1980 e atingindo 224% em 1984 (BAER, 2002, p. 139). 57 Em 1984, após vinte anos de ditadura militar, o Brasil passava por um processo de democratização com a saída do último presidente militar, João Figueiredo. Todavia, com a morte de Tancredo Neves, o país seria governado pelo vice, José Sarney. Em relação ao aumento geral dos preços iniciado no final da década de 1970, Baer (2002, p. 150) afirma que houve dois mecanismos propagadores deste processo inflacionário. O primeiro era a existência de instrumentos financeiros (principalmente de obrigações do governo) que permitiam a indexação de preços e, assim, geravam um sistema de retroalimentação do processo inflacionário. O segundo decorria da capacidade de indústrias oligopolistas de repassar os preços para os seus consumidores. O autor destaca que na indústria têxtil, que era uma das mais pulverizadas, o reajuste de preços se deu com menor intensidade. Dessa forma, o autor propõe que nestes setores as empresas não sofreram com a alta dos custos. Pelo contrário, poderiam melhorar a sua lucratividade sem aumentar a produtividade. A ideia de uma inflação com um crescimento inercial levou à criação de um novo plano econômico e de uma nova moeda pelo governo Sarney em 1986, o Plano Cruzado, que previa um controle rígido sobre os preços. Nos primeiros meses houve reduções significativas na inflação que fechou o ano em 65% ao ano. Ao mesmo tempo, a indústria voltou a crescer acima de 10% (BAER, 2002, p. 171). Entretanto, o congelamento de preços gerou um desequilíbrio entre setores e, em pouco tempo, começou a haver uma escassez de oferta, devido à falta de investimentos e ao reajuste automático de salários que continuavam a ocorrer. Assim, a utilização da capacidade industrial que era de apenas 72% em 1984, subiu para 82% no segundo semestre de 1986 (BAER, 2002, p. 1978). Já no ano seguinte ao seu lançamento, houve uma derrocada geral do plano, com a inflação atingindo mais de 1.000% ao ano e com o governo declarando moratória após as reservas internacionais do Banco Central minguarem (BAER, 2002, p. 189). Após o fracasso do Plano Cruzado, o Governo Sarney ainda teria outros dois ministros da fazenda que realizaram novas tentativas de redução da inflação (Plano Bresser de 1987 e Plano Verão em 1989) e que incluíram novamente o lançamento de uma nova moeda, o Cruzado Novo. Contudo, as ações do governo tornaram a falhar e o país entraria em um período de hiperinflação e estagnação econômica que durou de 1987 a 1992, com a economia crescendo a uma taxa anual média de 0,6% e a inflação alternando números de três a quatro dígitos (BAER, 2002, p. 195). Diante desse novo cenário, a retração da indústria foi evidente. O cenário só não foi pior, pois algumas empresas viram na desvalorização do Cruzeiro uma oportunidade para exportar os seus produtos. Houve um forte aumento na alocação de recursos em instrumentos financeiros em detrimento do setor produtivo durante a 58 década de 1980. Isto contribuiu para o declínio na atividade econômica e elevou a participação do setor financeiro no PIB de 8,5% para 19% (BAER, 2002, p. 198). Santos (2008) corrobora as constatações de Baer ao destacar que o investimento em bancos e em instituições financeiras foi uma estratégia empregada por grupos industriais como forma de proteção do patrimônio em meio à crise econômica. Surgiram nessa época bancos dos grupos Vicunha, Votorantim, Globo, Volks, Fiat, entre outros. A tabela 4-10 apresenta o crescimento industrial entre 1971 e 1989. É possível constatar que a indústria como um todo cresceu a altas taxas durante o início da década, atingindo o pico de crescimento em 1973. Nos anos seguintes, entretanto, verifica-se uma desaceleração substancial, apesar da recuperação pontual de 1976. Entre 1981 e 1983, o nível de atividade industrial declinou significativamente. Destacase, entre os subsetores, o fraco desempenho das indústrias pesadas, que representavam o cerne dos negócios da Votorantim. Esse cenário negativo se estenderia por toda a década de 1980, com um longo período de estagnação econômica e altos índices de inflação. 59 Tabela 4-10 - Taxas de Crescimento de Subsetores (1971-1989) Subsetor 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 Agricultura 10,2 4,0 0,1 1,3 6,6 2,4 12,1 -2,7 4,7 9,5 8,0 -0,2 -0,5 2,6 9,6 -8,2 15,2 1,5 2,9 Indústria 11,8 14,2 17,0 8,5 4,9 11,7 3,1 6,4 6,8 9,3 -8,8 0,2 -5,9 6,4 9,0 11,7 1,1 -2,6 2,9 Extrativa 3,6 2,4 - 23,2 3,0 2,8 -3,5 7,5 12,1 12,8 -2,5 6,9 15,5 30,5 11,6 3,7 -0,3 0,4 4,0 Manufatureira 11,9 14,0 16,6 7,8 3,8 12,1 2,3 6,1 6,9 9,1 -10,4 -0,2 -5,9 6,2 8,3 11,3 1,0 -3,4 2,9 Minerais não metálicos 4,4 13,8 16,3 14,8 9,0 12,4 7,1 5,6 5,9 7,7 -5,2 -2,8 -16,3 -0,2 8,0 17,2 2,3 -4,1 3,8 Produtos de metal 12,8 12,3 9,4 5,2 9,2 9,6 6,6 5,4 8,2 12,5 -17,0 -3,7 -2,6 13,8 7,3 12,0 0,4 -3,3 5,0 Maquinário 20,7 19,9 28,5 11,7 15,1 9,2 -6,7 1,7 7,7 14,5 -19,7 -17,3 -13,4 18,8 10,4 22,0 4,0 -8,6 5,0 Equipamento elétrico 12,9 22,1 27,9 10,2 0,5 17,7 0,3 17,0 7,7 12,3 -15,4 2,8 -11,2 2,0 19,0 22,6 -2,2 -4,4 5,7 Equipamento de transportes 24,8 22,5 27,6 18,9 0,5 8,7 -0,3 10,4 6,7 4,5 -22,9 -3,0 -6,7 4,6 11,7 12,5 -10,2 9,1 -2,8 Produtos de papel 7,0 7,5 9,4 4,3 -14,8 21,0 2,4 11,2 13,2 11,2 -6,9 7,2 1,7 6,8 6,5 10,5 3,6 -1,6 5,6 Produtos de borracha 12,9 13,0 22,3 18,2 4,7 11,1 -2,0 7,6 7,2 9,4 -14,6 -5,9 3,8 7,8 8,5 13,6 3,6 2,1 -1,9 Produtos químico 12,1 17,0 23,4 5,4 2,5 16,2 5,3 7,5 9,4 5,0 -1,2 8,1 -1,5 9,6 6,2 1,5 5,5 -3,0 -0,3 Perfumes, sabonetes e velas 19,8 9,1 6,6 11,5 3,7 15,2 -3,3 11,4 15,1 9,1 1,4 3,6 1,3 -1,1 15,9 20,0 12,3 -7,9 11,5 Produtos plásticos 10,1 18,3 28,2 23,2 5,1 20,7 0,3 9,3 6,5 14,5 -20,9 9,1 -10,2 4,3 11,5 21,6 -4,2 -7,2 12,4 Têxteis 16,6 3,8 6,9 -3,5 2,3 4,9 2,1 6,5 8,5 6,5 -13,7 5,0 -10,6 -3,6 13,5 13,5 -0,6 -6,1 0,5 Vesturário e calçados -7,7 5,0 14,1 2,1 7,2 10,5 -0,6 7,7 5,1 10,7 -0,7 3,0 -15,1 2,2 6,4 7,3 -9,6 -6,9 1,9 Produtos alimentícios 2,5 16,2 9,6 5,5 -0,1 12,8 6,6 -1,1 -0,4 8,4 2,7 1,3 3,3 -0,7 0,2 0,4 6,8 -2,4 1,3 Bebidas 11,3 4,8 17,8 8,3 5,5 13,2 13,0 7,1 4,6 2,0 -7,6 -2,4 -5,1 -0,5 11,0 23,2 -3,4 2,2 14,7 Fumo 4,9 6,0 6,4 12,8 7,9 9,2 8,2 5,8 7,5 -3,3 4,1 4,2 -1,7 3,3 11,7 7,5 2,1 1,0 5,1 Construção 11,2 17,9 20,9 9,1 8,1 10,2 5,2 6,2 3,7 9,0 -6,0 -1,3 -14,2 0,6 10,9 17,5 1,1 -2,9 3,3 Serviços 11,2 12,4 15,6 10,6 5,0 11,6 5,0 6,2 7,8 9,0 -2,2 2,0 -0,8 4,1 6,5 8,2 3,3 2,4 3,8 Fonte: Baer, 2002, 482 60 Em 1990, Fernando Collor de Mello assumiu a presidência enfrentando uma inflação com taxas mensais de 81%. Para contornar a “estagflação” que já durava desde 1987, o novo governo instituiu o Plano Collor I que tinha entre suas principais medidas: 80% de todos os depósitos de conta corrente, poupança e overnight que excedessem US$ 1.300,00 foram congelados por 18 meses, recebendo uma correção de 6% ao ano; introdução de uma nova moeda, o Cruzeiro; eliminação de incentivos fiscais para importação e exportação; liberação do câmbio e adoção de medidas para promover a abertura da economia brasileira; e criação de medidas para iniciar um processo de privatização. Como consequência, houve uma redução drástica da liquidez do país e a inflação baixou para uma taxa mensal de um dígito (BAER, 2002, p. 201). Entretanto, a brusca diminuição da liquidez reduziu ainda mais o já fraco desempenho econômico. Em decorrência disso, o governo começou a liberar muitos ativos financeiros bloqueados, sem, no entanto, ter uma norma estabelecida para isso. Assim, em pouco tempo a inflação começou a subir novamente (BAER, 2002, p. 203). Foi no governo do presidente Fernando Collor que foi concebido e executado o primeiro programa de privatizações, através do Programa Nacional de Desestatização. Esse plano foi replicado durante a década de 1990, quando várias estatais de diversos foram à leilão. A tabela 4-11 apresenta a relação das principais empresas privatizadas durante os anos 90. Tabela 4-11 – Principais Privatizações Realizadas Durante a Década de 1990 Empresa Indústria Ano Usiminas Siderurgia 1991 Acesita Siderurgia 1992 Companhia Siderúrgica Nacional Siderurgia 1993 Cosipa Siderurgia 1993 Açominas Siderurgia 1993 Embraer Aviação 1994 Light Energia 1996 Vale do Rio Doce Mineração 1997 Embratel Telefonia 1998 Governo Collor Itamar Franco Fernando Henrique Fonte: Russo (2013) Outros dois planos econômicos foram empreendidos durante o governo Collor, sem sucesso. Em 1992, envolvido em escândalos de corrupção e em crise política, o 61 congresso aprovou o impeachment do presidente, quando assumiu o vice-presidente Itamar Franco, que trocou de ministro da fazenda três vezes nos seus seis primeiros meses de mandato. O quarto ocupante do cargo foi Fernando Henrique Cardoso (FHC) que lançou um plano de austeridade chamado de “Plano de Ação Imediata”, cujo ponto básico era um corte nos gastos em todas as esferas do governo. Foi o primeiro movimento rumo a um novo plano de estabilização da moeda (BAER, 2002, p. 209). Nesta época, o Brasil completava seis anos de estagnação econômica (entre 1987 e 1993 a taxa de crescimento média do PIB foi de 0,5%) com hiperinflação. Em 1992, o PIB per capita real era 8% menor do que em 1980. Durante o período, o setor manufatureiro foi o q ue mais sofreu. A indústria de bens de capital teve a maior retração com média de -8,4% ao ano, seguido pelo setor de bens não duráveis (5,1%). O setor de construção civil, por sua vez, apresentou um desempenho médio anual de -1,1%. Já os investimentos fixos brutos que somaram 25% durante a década de 1970 declinaram para 14,5% em 1992. Por outro lado, com a política cambial favorável para as exportações, as vendas para o exterior cresceram a uma taxa média anual de 7,6% entre 1987 e 1992 (BAER, 2002, p. 211). No final de 1993, o ministro Fernando Henrique Cardoso propôs um novo programa de estabilização que consistia em dois pontos fundamentais: um ajuste fiscal e um novo sistema de indexação que levaria progressivamente a uma nova moeda. Assim, em julho de 1994, o governo introduziu oficialmente o Real. Vale destacar que, diferentemente dos planos econômicos lançados nos últimos anos, não houve no Plano Real um congelamento geral de preços. Os impactos iniciais da nova moeda foram positivos. A inflação caiu de 50,7% ao mês em junho, para 0,96% em setembro. Em 1996, a taxa anualizada chegou ao patamar de um dígito (BAER, 2002, p. 222). O gráfico 4-8 apresenta as taxas de inflação após o lançamento do Plano Real. Gráfico 4-8 - Inflação - IPCA (% a.a.) 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 0,00 Fonte: Ipeadata, 2014 62 O controle da inflação foi acompanhado por uma recuperação da economia que cresceu mais de 5% no ano de lançamento da nova moeda. A indústria que vinha sofrendo desde a década de 1980 com um baixo ritmo de crescimento, também teve um aumento anualizado, crescendo mais de 9% em 1994. Assim, a utilização da capacidade industrial pulou de 80% em julho de 1994 para 86% em abril do ano seguinte (BAER, 2002, p. 223). Os primeiros anos do Plano Real ainda foram marcados por elevadas taxas de juro que tinham o intuito de atrair fluxos externos de capital para o Brasil. Essas altas taxas passaram a comprometer diretamente o desempenho industrial, na medida em que encareceram o crédito e reduziram o consumo e o investimento (SIQUEIRA, 2000). Para Cano (2012), os elevados valores da taxa de juros oficial brasileira (Selic) fizeram com que os ganhos financeiros fossem mais atrativos do que os obtidos através da indústria, fazendo minguar o investimento produtivo, deixando, assim, a indústria brasileira vulnerável. O gráfico 4-9 apresenta a evolução das taxas Selic desde a implantação do Plano Real, no qual fica evidenciado que durante os cinco primeiros anos da nova moeda, o juro esteve recorrentemente a taxas superiores de 20%, passando de 50% nos primeiros anos do Real. Gráfico 4-9 - Taxa de juros - Over / Selic - (% a.a.) 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% dez-13 dez-12 dez-11 dez-10 dez-09 dez-08 dez-07 dez-06 dez-05 dez-04 dez-03 dez-02 dez-01 dez-00 dez-99 dez-98 dez-97 dez-96 dez-95 dez-94 0% Fonte: Ipeadata, 2014 Além disso, as empresas exportadoras foram prejudicadas durante o período de câmbio fixo que vigorou de 1994 a 1999. A valorização artificial do Real reduziu a competitividade dos produtos brasileiros. Como resultado, a participação do Brasil nas 63 exportações mundiais caiu de cerca de 1,5% no início da década de 1980 para 0,8% no final da década de 1990 (BAER, 2002, p. 226). O gráfico 4-10 apresenta o saldo da balança comercial entre 1990 e 2013, indicando a deterioração das exportações com o início do Plano Real. Gráfico 4-10 - Saldo da Balança Comercial entre 1990 e 2013 (US$ milhões) 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 -10.000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 0 Fonte: Ipeadata No final da década, o país sofreu seriamente com as crises da Ásia (1997) e da Rússia (1998). Houve uma intensa fuga de capitais do Brasil e as reservas cambiais brasileiras minguaram em poucos meses. Em consequência desses problemas, a economia voltou a ficar estacionada, tendo crescimento nulo em 1998. (BAER, 2002, p. 237). Para evitar uma nova derrocada de um plano de estabilização, o Brasil recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que lançou um pacote de auxílio econômico ao país. O Real, por sua vez, foi descolado do dólar, o que gerou uma desvalorização imediata de 40% da moeda nacional (BAER, 2002, p. 231). Os setores importadores tiveram perdas significativas, pois passaram a ter que lidar com preços bem mais elevados. Além disso, a inflação que vinha em uma trajetória decrescente voltou a subir em 1999. Baer (2002, p. 471) afirma, porém, que a desvalorização do Real em janeiro de 1999 trouxe mais consequências positivas do que negativas para o Brasil. Os produtos brasileiros voltaram a ser mais competitivos, principalmente no Mercosul ,e a balança comercial que havia sido negativa em US$ 8,4 bilhões em 1997 teve um déficit de apenas US$ 0,7 bilhões em 2000. O autor ainda destaca o reaquecimento da economia que voltou a crescer (4,4% em 2000). 64 A partir de 1999, a política econômica brasileira passou a ser direcionada através de três pilares básicos: Regime de flutuação cambial; metas de inflação; e compromisso de manutenção de superávits primários (NASSIF & PUGA, 2004). Durante o ano de 2001, quando o país já apresentava sinais de melhora das turbulências enfrentadas no final do século, o Brasil se viu diante de uma crise de escassez energética. Para evitar um apagão geral, o governo lançou mão de um plano de racionamento de energia elétrica que, por sua vez, exerceu uma pressão negativa sobre o crescimento econômico e da indústria. Ao mesmo tempo, a Argentina, um dos principais destinos das exportações brasileiras, enfrentou uma grave depressão econômica. Além disso, houve os ataques terroristas de 11 de setembro que geraram impactos no cenário global como um todo. Como resultado, o país voltou a ter um crescimento modesto, de apenas 1,5% (BAER, 2002, p. 475). Em 2002, após oito anos de governo FHC, o Brasil passa por nova campanha presidencial. Durante as eleições, a tendência de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, pudesse sair vitorioso ainda no primeiro turno gerou um temor no mercado que ficou conhecido como “risco Lula”. Havia um grande receio de que o candidato não honrasse os compromissos assumidos com o FMI e desse um calote na dívida (BENEVIDES, 2002). O reflexo disso foi uma disparada na taxa do dólar, conforme é observado no gráfico 4-11. Em 2001, a cotação que era de 1,97 em janeiro de 2001, chegou a 3,89 às vésperas das eleições em setembro de 2002. Além disso, o risco-país, medido pelos C-Bonds, atingiu mais de 2.000 pontos-base em outubro de 2002, depois de estar em pouco mais de 700 pontos em março daquele ano (GIAMBIAGI et al, 2011). Gráfico 4-11 - Taxa de Câmbio (Real x Dólar) 4,0000 3,5000 3,0000 2,5000 2,0000 1,5000 1,0000 0,5000 Fonte: Ipeadata set/13 out/12 nov/11 dez/10 jan/10 fev/09 mar/08 abr/07 mai/06 jun/05 jul/04 ago/03 set/02 out/01 nov/00 dez/99 jan/99 fev/98 mar/97 abr/96 mai/95 jun/94 0,0000 65 Apesar dos temores do mercado, Lula nomeou Henrique Meirelles, um banqueiro de carreira com prestígio internacional, para ocupar o cargo do Banco Central. Além disso, honrou os acordos realizados pelo governo anterior e tomou medidas de austeridade, acalmando o mercado financeiro (GIAMBIAGI et al, 2011). Os cinco primeiros anos do Governo petista, entre 2003 e 2008 foram marcados pelo crescimento econômico. Nesse período, a taxa média de expansão do PIB foi de 4,2%. Outro avanço se deu na relação investimentos/PIB que saltou de 16,23% no primeiro trimestre de 2003, para 20,1% no terceiro trimestre de 2008 (CURADO, 2011). Essa recuperação da economia brasileira ocorria na mesma época em que o mundo vivia o seu maior pico de crescimento desde a década de 1970, crescendo a uma taxa média de 4,9% entre 2003 e 2006. O forte movimento econômico levou a uma alta do preço das commodities. Entre as médias anuais de 2002 e 2008, os preços em dólar dos produtos básicos e semimanufaturados exportados pelo país crescerem 164% e 134%, respectivamente (GIAMBIAGI et al, 2011). À frente desse bom momento global estava a China que vinha apresentando uma taxa de expansão em torno de 10% ao ano (UOL, 2006), conforme apresentado no gráfico 4-12. Gráfico 4-12 - PIB da China em US$ - 1960 – 2013 9.000,00 8.000,00 7.000,00 6.000,00 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00 1960 1962 1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 - Fonte: Banco Mundial Com um grande apetite por commodities, a China viria a se tornar o maior parceiro comercial do Brasil em 2009, posição que era ocupada pelos EUA desde a década de 1930, atingindo 15,2% da pauta de exportações brasileiras em 2010, 66 conforme gráfico 4-13. As exportações cresceram a uma taxa média anual de 30% entre 2003 e 2008, saltando de R$ 48 para R$ 173 bilhões (RIBEIRO, 2009). Gráfico 4-13 – Participação das vendas para a China no total das exportações do Brasil 16 14 12 10 8 6 4 2 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Fonte: Giambiagi et al, 2011 Com o reaquecimento da economia nacional, junto com um cenário mais positivo para as exportações, a composição do PIB brasileiro sofre algumas alterações, conforme pode ser observado na tabela 4-12. A agropecuária que vinha perdendo participação nas últimas décadas volta a ganhar fôlego. Destaca-se, também, o aumento do setor de extração mineral. Tabela 4-12 -- Participação dos Setores da Atividade Econômica no PIB em Anos Selecionados Setor 1980 1990 2000 2004 Agropecuária 10,1 6,9 7,7 9,7 Extrativa mineral 1,0 1,5 2,5 4,0 Indústria de transformação 31,3 22,7 21,6 23,0 Serviços Ind. de Util. Públ. 1,8 2,3 3,3 3,3 Construção Civil 6,8 6,6 8,7 7,0 Serviços 49,0 60,1 56,3 53,1 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Nassif, 2006 Os anos de forte crescimento da economia mundial foram interrompidos pela crise econômica que se iniciou no mercado imobiliário dos Estados Unidos e foi deflagrada para o mundo na quebra do Banco Lehman Brothers, em setembro de 2008. 67 Como reflexo da crise, houve congelamento dos mercados interbancários e financeiros internacionais, fuga dos investidores estrangeiros e, ainda, desmontagem das operações com derivativos cambiais realizadas pelas empresas que conduziram à rápida deterioração das expectativas dos bancos (FREITAS, 2009). Assim, em 2009, a economia brasileira teve retração de 0,33%. Freitas (2009) destaca, ainda, que como a crise atingiu a economia brasileira num momento de auge, no qual o país vinha passando por seis trimestres de contínuo crescimento, as empresas, em geral, planejavam investimentos para aumentar a capacidade produtiva. A escassez de crédito causada pela reversão das expectativas dos bancos gerou uma rápida desaceleração econômica e o aumento dos custos do crédito. Além disso, houve diminuição do comércio e das demanda mundiais, afetando significativamente as exportações das empresas brasileiras. Portanto, o colapso financeiro de 2008 impactou as empresas brasileiras em diversas frentes. Por um lado, reduziu a demanda interna, gerando excesso de capacidade e derrubando o nível de produção industrial. Por outro, a desvalorização do Real afetou as dívidas atreladas ao dólar, aumentando as despesas financeiras (FUNDAP, 2009). Apesar de apenas 20% dos produtos industrializados brasileiros serem direcionados para o mercado externo, a retração do comércio internacional respondeu pela metade dessa redução. Na indústria de transformação, esse valor chegou a 55% de retração. Em março de 2009, as exportações de produtos industrializados eram 22% menor do que o patamar de setembro do ano anterior (BNDES, 2009). Já o preço das principais commodities, que representam cerca de 60% na pauta de exportação nacional, chegaram a ter uma queda de 20% durante o principal período de turbulência (BNDES, 2008). Nos últimos meses de 2008, a produção da indústria despencou e, em dezembro, registrou a maior queda histórica da série desde 1991: A produção caiu 12,4 % em relação ao mês anterior e 14,5% em relação a Dezembro de 2007. Apesar de enfrentar a maior crise mundial desde 1929, o Brasil conseguiu superar rapidamente a recessão. Com uma política de estímulo à demanda e de expansão de crédito por parte dos bancos públicos, o país cresceu 7,5% em 2010 (PASTORE et al, 2012). Entretanto, o país não conseguiu manter esse ritmo, crescendo a uma média de 2% nos anos seguintes. Já a indústria, também patinou nos últimos anos. Em 2011, a produção do setor teve um ligeiro avanço de apenas 0,3%. Em 2012, recuou 2,5% e, em 2013, não conseguiu recuperar as perdas do ano anterior, crescendo 1,2% (TERRA, 2014). 68 5 HISTÓRICO MATARAZZO Francesco Matarazzo nasceu em 1854 na cidade de Castellabate, na Sicília. Descendente de uma ilustre família italiana, o jovem Francesco teve que abandonar os estudos em Letras e Ciências no Liceu de Salerno para se dedicar ao trabalho, após a morte de seu pai (RUST, 1934, p. 1934). Na época, a Itália passava por uma série de problemas sociais e econômicos e, por isso, o italiano resolveu procurar por oportunidades no Brasil, onde compatriotas já haviam se estabelecido e começavam a fazer fortunas (ESTADÃO, 1937). Assim, aportou no Brasil em 1882 carregando uma experiência comercial na Itália, a instrução secundária completa, além de habilidade com números e na escrita. (COUTO1, 2004, p. 157). Ainda, trouxe consigo uma quantia em dinheiro e uma carga de banha de porco que seria vendida em terras nacionais. Entretanto, a mercadoria afundou quando a embarcação fazia uma parada na Baia de Guanabara, causando o primeiro grande prejuízo para o italiano. Após o incidente, Francesco se fixa em Sorocaba (que já vinha recebendo muitos imigrantes italianos) e estabelece um pequeno comércio. Em pouco tempo, o empresário percebe que o país importava uma grande quantidade de banha de porco. Assim, utilizando-se de sua experiência anterior no ramo, abre uma fabriqueta para produzir o produto e, logo depois, outras duas. Além disso, Matarazzo passa a percorrer toda a região comprando e vendendo os mais variados produtos (MARTINS, 1976, p. 18). Para Francesco, o sucesso do negócio estava em comprar os produtos o mais barato possível para poder revendê-los a um bom preço depois, sempre com uma margem superior à de seus concorrentes (MATARAZZO, 1982, p. 24). Outro motivo que contribuiu para o rápido sucesso do seu empreendimento nesse período está relacionado à introdução do sistema de compra e venda a prazo, até então uma inovação na região de Sorocaba (COUTO1, 2004, p. 161). Assim, obtendo escala cada vez maior, o empreendedor conseguia adquirir animais a preços mais baixos, revendendo, inclusive, para os seus concorrentes. Matarazzo também aprimorou o seu processo produtivo, ao desenvolver ele mesmo uma prensa para a fabricação da banha. Além disso, decidiu vender o produto enlatado (até aquele momento a comercialização era feita em caixas de madeira importada e, invariavelmente, se tornavam escassas). Com isso, deu mais um passo para se sobressair em relação à concorrência. A lata, além de conservar e proteger melhor o produto, possibilitava a comercialização a preços menores e de acordo com uma quantidade compatível ao consumo familiar (COUTO1, 2004, p. 181 e 183). 69 Nessa época, o empresário já dá os primeiros sinais do que viria a ser duas características marcantes dos seus negócios: A verticalização e o investimento em produtos de consumo. Assim, comprava os suínos, fabricava a banha e fazia a comercialização em seu armazém. Dessa maneira, se mantinha à frente de todas as etapas do negócio, reduzindo a dependência de fornecedores (COUTO1, 2004, p. 194). Em 1890, após a abolição da escravatura e já sob o regime da República, Francesco Matarazzo parte para São Paulo, que começava a se tornar uma cidade mais importante e que poderia lhe proporcionar mais possiblidades de crescimento. Indo na contramão da tendência dos investidores da capital que, incentivados pela política do Encilhamento, aplicavam o dinheiro em estabelecimentos industriais e bancários, Francesco decide migrar novamente para a importação e o comércio (COUTO1, 2014, p. 225). Vende, portanto, parte das unidades fabris de banha à nova Companhia Matarazzo, uma sociedade anônima composta por 43 acionistas, incluindo o próprio Francesco e seu irmão José. Francesco recebeu cerca de 70 contos de réis pelos seus ativos, precisando, assim, empatar apenas 28 contos pela participação de 10% na nova sociedade. Com o lucro obtido na operação, fundou com seu irmão André a F. Matarazzo & Cia Ltda., com sede na Rua 25 de Março, se destacando na importação de bens de consumo (MARTINS, 1976, p. 25). Quando Francesco Matarazzo chegou a São Paulo, a cidade era apenas a quinta capital brasileira em população (atrás do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém). Todavia, o momento para a migração não poderia ser mais propício. Nos dez anos seguintes a população iria quadruplicar, atingindo cerca de 240 mil habitantes (COUTO1, 2004, p. 243). Nesse período, ele se destaca no comércio paulistano, importando trigo e algodão dos Estados Unidos, além de comercializar arroz, massas, banhas, óleos, bacalhau e outros alimentos. Assim, ganha porte e reputação, e constrói o famoso palacete da família na recém-inaugurada Avenida Paulista (COUTO1, 2004, p. 263). Mas, é em 1900, quando funda a Moinho Matarazzo, que ele dá o importante salto de comerciante e importador para grande industrial. Na época, sua empresa importava farinha de trigo americana com a ajuda de crédito do banco British Bank of South America (VICHNEWSKI, 2004). Entretanto, a grande distância da viagem fazia com que muitas vezes o produto chegasse ao Brasil em más condições de consumo, o que fez o empresário cogitar a possibilidade de produzir a farinha em terras nacionais (ESTADÂO, 1937). Assim, seu objetivo era importar o trigo e moê-lo, substituindo a importação da farinha pela do cereal. Esse foi o pontapé inicial para expansão do grupo. Para isso, 70 Francesco Matarazzo conseguiu um crédito junto aos banqueiros ingleses que era alto até mesmo para os seus padrões. (COUTO1, 2004, p. 268). Com maquinários adquiridos na Inglaterra e ajuda de técnicos ingleses, rapidamente o Moinho Matarazzo passou a ser o líder no mercado de São Paulo, superando os moinhos Gamba e Santista (BARDESE, 2011). A escolha do local para a construção da primeira unidade industrial da Matarazzo levou em conta a proximidade com a ferrovia Santos–Jundiaí, que facilitaria o transporte do trigo entre o porto de Santos e seus depósitos. Além disso, havia energia abundante provida pelo rio Tamanduateí. Finalmente, a região era um reduto da imigração italiana, o que garantiria uma grande oferta de mão de obra (BARDESE, 2011). Rodrigues e Vilela (2013) destacam que no início do século XX os estrangeiros chegaram a compor 80% de toda a mão de obra das fábricas Matarazzo. Foi a partir do moinho que se deu o desdobramento das atividades industriais da organização. Inicialmente, a partir dos negócios já existentes, através da integração vertical. O moinho dispunha de uma unidade de fabricação de sacaria para acondicionamento da farinha. Em 1901, o excesso de capacidade de produção de sacos fez com que a Matarazzo transformasse a seção na Tecelagem de Algodão Mariângela para produzir, inicialmente, produtos mais toscos como sacos de aniagem para revenda. Porém, logo a unidade começaria a fabricar tecidos para vestuário (COUTO1, p. 286). Esse desdobramento das atividades produtivas e a consequente abertura de novas fábricas denotaria uma característica muito forte do modelo de crescimento da Matarazzo. Anos mais tarde, ele destacaria para o seu biógrafo sobre a importância da produção para a sua organização: “Capital grande só serve para enganar a humanidade. O que é preciso é crédito e trabalho. Não se deve preocupar com o dinheiro: a produção é que importa. Produzir para as necessidades do país. No Brasil toda a indústria tem que ser produtiva e será, por isso, rendosa” (RUST, 1934). No final da década, Francesco Matarazzo iria aprimorar a fábrica de tecelagem e instalar um equipamento de fiação, além de uma seção de tinturaria e outra de estamparia. De acordo com Dean (1971, p. 70) a estamparia da Matarazzo foi a única paulista que operou lucrativamente antes da Primeira Guerra Mundial. Dessa forma, apesar do desenvolvimento do grupo industrial ter se iniciado com o moinho de trigo, a tecelagem se tornaria o seu principal negócio (REISS, 1980, p. 28). Uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo (1909) demonstra a dimensão da fábrica Mariângela: 71 “Às 11 horas da noite, mais ou menos, estava funcionando com toda a regularidade uma seção da fiação dirigida pelo sr. Maffei, com cerca de 400 operários, entre homens mulheres e crianças [...] A fábrica de tecidos funciona com 1.300 teares, movidos por um motor de 150 cavalos, e com cerca de dois mil funcionários, está segurada em várias companhias em elevadíssima quantia”. O texto do Estadão destaca a presença de crianças na fábrica, o que não era incomum para a época. Chegou-se a encontrar máquinas têxteis com a metade do tamanho para que elas pudessem utilizá-las. Vale destacar, ainda, que acidentes eram frequentes na época, o que fez a empresa contratar um seguro contra acidentes para os operários do moinho em 1910 (ESTADÃO, 1910). Além da sacaria, o moinho ainda tinha uma seção para conserto de peças e estoque de sobressalentes da unidade fabril. Em 1902, essa oficina de manutenção é ampliada e transformada em metalúrgica com o objetivo de fabricar latas para as embalagens de seus produtos. Posteriormente, a unidade começaria a produzir brinquedos, artigos de alumínio e utensílios de cozinha (ESTADÃO, 1937). No mesmo ano, para depender menos do algodão, montou a própria descaroçadora para abastecer a fábrica têxtil. As sobras de caroços, por sua vez, levam à produção de óleo de algodão. Assim, em pouco tempo, a Matarazzo consegue o monopólio do processo de desodorização do óleo e começa a produzir óleos vegetais e glicerina. A partir disso, migra para a indústria do sabão. Esse produto, demanda a soda cáustica e, por consequência, Francesco começa a vender este item em pequenas latas (MARTINS, 1976, p. 31). Dessa forma, estão prontos os alicerces dos três primeiros pilares industriais do grupo Matarazzo: Moagem de trigo, tecelagem e fabricação de óleos. Estes seriam o referencial básico da expansão e diversificação do grupo, mediante verticalização das atividades. Para cima e para baixo. Isto é, no sentido dos insumos e, também, dos produtos (COUTO1, 2004, p. 287). O empreendedor enfrentou, por outro lado, um revés durante esse período. Em 1906, Francesco comprou uma fábrica de fósforos. Entretanto, ao contrário dos outros setores, este já contava com uma concorrência mais acentuada, com vinte e oito empresas, entre elas uma estrangeira, a Fiat Lux, que se recusou a participar de várias tentativas de cartelização do setor. Assim, a empresa sueca acabou comprando diversas empresas, entre elas, a de Matarazzo. (REISS, 1980, p. 28). Ainda no início do século, Francesco Matarazzo participou da sociedade de instituições financeiras que lhe adicionaram fontes de capital expressivas para sua expansão. Primeiro, entrou como sócio do Banco Commerciale Italiano di São Paulo, 72 fundado em 1900, e encerrado dois anos mais tarde. Depois, abriu o Banco Italiano del Brasile, fundado em 1905, e que teve seus ativos incorporados pelo Banco Commerciali Italo-Brasiliano, fundado por Francesco Matarazzo em 1907 (MARTINS, 1976, p. 32). Através do banco, o empresário conseguiu se tornar o responsável pelas remessas de dinheiro dos italianos para o seu país. Assim, passou a controlar uma grande quantia de dinheiro que se tornou uma importante fonte de financiamento para a expansão dos seus negócios (REISS, 1980, p. 30). Em 1911, a F. Matarazzo & Cia é transformada em sociedade anônima, criando oficialmente a Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM). A criação da IRFM também instituiu oficialmente o lema da empresa: Fides, Honor, Labor - Fé, Honra e Trabalho (MATARAZZO, 1982, p. 33). É possível verificar pelos dados patrimoniais do Grupo, apresentados na tabela 5-1, a importância das unidades de trigo e de tecelagem que juntas representavam mais de 80% do patrimônio da IRFM na época. Tabela 5-1- Patrimônio da IRFM em 1911 Patrimônio (em Réis) Fábrica % do Total Fábrica de fiação, tecelagem, malharia e tinturaria 4.900:000$ 57,6% Moinho de trigo (com depósitos e armazéns) 2.000:000$ 23,6% Fábrica de óleos e sabão 700:000$ 8,2% Prédio da administração central 400:000$ 4,7% Engenho de beneficiar arroz 160:000$ 1,9% Armazéns para inflamáveis 140:000$ 1,6% Estamparia de tecidos (em construção) 100:000$ 1,2% Cocheiras 50:000$ 0,6% Depósitos e armazéns 40:000$ 0,5% Fábrica de banha em Itapetininga 10:000$ 0,1% Total 8.500:000$ Fonte: Martins, 1976, p. 35 Apesar de ser uma sociedade anônima, a IRFM tinha o capital totalmente concentrado entre Francesco e seu irmão Andrea, conforme pode ser observado no gráfico 5-1. 73 Gráfico 5-1 - Distribuição do Capital da IRFM Andrea Matarazzo; 19,94% Outros (familiares e funcionários); 0,30% Francesco Matarazzo; 79,76% Fonte: Vilela e Rodrigues (2013) O estatuto estabelecido para a nova companhia ainda previa a destinação dos lucros da seguinte forma (RODRIGUES & VILELA, 2013): “Dos lucros líquidos apurados nos balanços anuais, seriam deduzidas as seguintes verbas, sendo que o saldo remanescente era distribuído como dividendos aos acionistas:” 5% para a conta do fundo de reserva; 7% calculada sobre o valor dos imóveis, móveis e máquinas para ser levada à conta de depreciação dos mesmos; 5% destinado à conservação e aumento de fábricas; 10% para a diretoria a título de pró-labore, sendo 6% para o presidente e 2% para cada um dos diretores; 0,5% para ser levada a um fundo de auxílios e previdência destinado à beneficiar os empregados da companhia e suas famílias, em caso de enfermidade ou morte.” A Diretoria da IRFM era composta por Francesco, seu irmão e seu filho Ermelino, conforme é mostrado na figura 5-2. O Grupo ainda contava com um Conselho Fiscal composto por três pessoas. 74 Figura 5-1 - Composição da Diretoria da IRFM Francesco Matarazzo Diretor Presidente Ermelino Matarazzo Diretor Gerente Andrea Matarazzo Diretor Secretário Fonte: Vilela e Rodrigues (2013) As atribuições dos diretores estavam assim divididas (VILELA & RODRIGUES, 2013): “Diretor Presidente a) Presidir as sessões da diretoria, executar e fazer executar as suas deliberações e as da assembleia geral; b) Convocar a diretoria e o conselho fiscal, quando julgar conveniente; c) Rubricar, abrir e encerrar os livros das atas da assembleia geral, da diretoria e do conselho fiscal; d) Nomear procuradores, que poderão gerir a sociedade, cada um de por si ou coletivamente, a juízo do mesmo diretor presidente. e) Representar a sociedade em juízo em todas as ações por ela intentadas ou contra ela movidas; f) Celebrar contratos e assumir encargos e obrigações pela sociedade, inclusive títulos de crédito e de comércio, pela forma e condições que as operações exigirem e o interesse da sociedade aconselhar; g) Delegar todos estes poderes ao diretor-gerente, quando tiver de se ausentar. Diretor Gerente a) Dirigir e inspecionar os trabalhos de construção do edifício e montagem dos necessários equipamentos, até sua completa instalação e funcionamento (assim como os aumentos e melhoramentos que a diretoria resolver fazer), estando sempre à testa das obras; e, depois delas concluídas, transferir para lá a sua residência efetiva, e assumir a gerência da empresa, dirigindo-a conforme for deliberado pela diretoria; b) Nomear e demitir empregados auxiliares, de acordo com os outros diretores; 75 c) Dirigir o escritório e todas as operações comerciais e industriais de interesse da sociedade, deliberadas pela diretoria; d) Intervir nas questões de administração na ausência do presidente, ou por determinação deste; e) Mandar, quinzenalmente, à sede administrativa em S. Paulo, relatório do movimento da empresa, conforme a diretoria determinar; não podendo ocuparse em negócios estranhos ao interesse da sociedade.” Vale ressaltar que a criação de um grupo unificado demarcou mais uma vez o perfil de verticalização e centralização da Matarazzo, conforme foi destacado por MARTINS (1976, p. 56): “A constituição das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo, em 1911, denotava a burocratização dos serviços e a centralização do poder num escritório central, o que implicava num estilo de dominação interna marcada pela diluição de poder nos diversos cargos hierárquicos mediante regulamentação. Porém, o poder não só foi centralizado, mas também concentrado na pessoa de Francisco, que, ao invés de especializar-se no exercício da autoridade, procurou manter o mesmo estilo de controle inerente à pequena empresa e à dominação familiar”. Na época da criação da IRFM, Francesco Matarazzo já era o principal industrial brasileiro. Uma matéria do Estadão sobre a evolução da indústria de São Paulo dedicou duas páginas às unidades do seu grupo, na qual destacava a importância dos produtos Matarazzo para o cotidiano das pessoas na época. “O seu feliz sucesso não tem sido talvez devido senão ao fato de todas as indústrias, por ele exploradas, fazerem parte integrante de nossas necessidades imediatas” (Estadão, 1911). No mesmo ano em que criou a IRFM, a Matarazzo instalou a sua primeira grande usina de açúcar. Além disso, o alto consumo de madeira para a construção e instalação de suas unidades levou à criação de serrarias e carpintarias próprias. Em 1912, pelo mesmo motivo, passou a fabricar pregos. Ainda, inaugurou a Tecelagem e a Amideria Belenzinho, que levou às plantações de mandioca e abertura de uma fecularia (COUTO2, 2004, p. 22). A partir daí, o crescimento foi marcado pela ampliação das atividades e expansão geográfica principalmente nos setores onde o grupo já atuava, com exceção de uns poucos negócios como a Sociedade de Navegação Paulista Matarazzo Ltda, que detinha uma frota própria de navios que transportava trigo da Argentina para Santos (COUTO2, 2004, p. 4). Anos depois, a Matarazzo também expandiria sua 76 atuação no transporte a partir da compra de vagões e locomotivas próprias, como pode ser observado no relato de um funcionário para a Revista Síntese (1949, p. 122): “Exportávamos madeiras para a Argentina, de Antonina, e mandávamos boa parte a São Paulo para o uso das próprias Indústrias. O transporte era feito com locomotivas e vagões próprios da firma. Começamos com cerca de 10 vagões, empregando, em seguida, mais de uma centena de vagões (170) e locomotivas próprias. Tínhamos um contrato para circulação nos trilhos da Sorocabana e da São Paulo – Rio Grande. Alcançamos, em média, um movimento de 200 vagões por mês. Os nossos vagões frigoríficos faziam cerca de 260 viagens, anualmente, entre o Sul e São Paulo, somente para o transporte de produtos resfriados”. Segundo Dean (1971, p. 72), apesar do crescimento, o grupo Matarazzo mantinha uma política de revender os seus produtos diretamente para os varejistas. De acordo com o historiador, a organização tinha durante a década de 1930 cerca de 45.000 contas, sendo que ainda havia uma preferência por se trabalhar com as pequenas companhias ao invés das grandes. Para Francesco, além de serem mais leais, as perdas que acarretavam quando falhavam eram insignificantes. Apesar do elevado número de contas e de empresas, a gestão do grupo parecia ocorrer de maneira informal e centralizada, conforme relatos do próprio Francesco Matarazzo: “Eu conservo o hábito de receber a todos os chefes dos diversos departamentos, diariamente neste gabinete, examinando lhes as pastas e emitindo minha opinião sobre diferentes negócios. Tenho uma vantagem sobre eles: minha memória continua a mesma amiga fiel de cinquenta anos atrás. Enquanto os auxiliares fazem cálculos com o auxílio do lápis ou da pena, eu os realizo mentalmente” (MARTINS, 1976, p. 57). Décadas depois, Maria Pia Matarazzo, neta do fundador e quarta pessoa a comandar o grupo endossaria o método de administração estabelecido pelo patriarca. “Controle exige olho! Por exemplo: meu pai dizia que nas unidades se controlava o gasto por intermédio do vapor. Excesso de vapor no ar, perda de dinheiro. A caldeira era a base do controle econômico da 2 unidade” (COUTO , 2004, p. 240). Pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, Francesco já havia começado a transferir gradativamente a gestão do grupo para o seu filho Ermelino. Assim, em 1914, ele foi para a Itália descansar e passou o comando da IRFM para Ermelino, então com 31 anos. Ele não era o filho mais velho, mas foi o primeiro nascido no Brasil e, assim, foi escolhido para prosseguir com os negócios da família o Anexo 4 apresenta a árvore genealógica da família de Francesco Matarazzo. Dessa 77 forma, foi enviado pelo pai para a Suíça onde estudou dos sete aos dezoito anos, além de ter realizado estágios na Alemanha, Inglaterra e França (Martins, 1972). Durante o período da Guerra, a IRFM estava em posição privilegiada. O seu ponto forte, produtos básicos e essenciais ao consumidor, continuaram a ter alta demanda. Além disso, apesar dos conflitos, o grupo conseguiu manter o acesso aos seus principais insumos. Boa parte das matérias primas utilizadas eram de procedência nacional e quando não eram, como era o caso dos moinhos, havia a opção de comprar de outros países que não estavam em guerra, como a Argentina (COUTO2, 2004, p. 38). Vale destacar que foi durante guerra que Francesco Matarazzo recebeu o título de Conde pelos serviços prestados à Itália durante o período de conflito (COUTO2, 2004, p. 34). Em 1916, a Matarazzo compra a Companhia de Fábricas Pamplona que tinha linhas de produção de sal, graxa, óleos e velas. Na mesma época, investe em novos moinhos de trigo, usinas de açúcar e refinarias de sal (REIS, 1980, p. 31). Nesses anos, Ermelino, que estava à frente do Grupo, também realizou um grande investimento no Sul do país, criando as Indústrias Matarazzo do Paraná. Em 1904, seu pai havia adquirido terras na cidade litorânea de Antonina, situada a 90 km de Curitiba. Assim, dez anos depois, Ermelino anunciou a criação da nova empresa e a subscrição de ações com o objetivo de construir um moinho de trigo no local. O moinho foi inaugurado em 1917 com capacidade de produção de mil sacos de farinha por dia e uma estrada de ferro ligando a unidade à cidade (ESTADÃO, 1917). Diferentemente da IRFM na qual havia total concentração de capital, a Indústrias Matarazzo do Paraná tinha diversos sócios, cuja divisão de capital, é apresentada no gráfico 5-2. É importante frisar que durante essas décadas a indústria nacional era incipiente e, com uma população crescente, a Matarazzo se aproveitou de uma demanda crescente por produtos de consumo. “(Cláudio) Bardella lembra que Matarazzo entrou principalmente em consumo de massa: banha, tecidos, farinha de trigo, óleos comestíveis, sabonetes, etc. Isto é, em “non tradeables”. Assim, praticamente não tinha de enfrentar a competição internacional. Geralmente, o próprio custo do frete internacional bastava para 2 proteger a produção interna” (COUTO , 2004, p. 335). 78 Gráfico 5-2 - Distribuição do Capital da Indústrias Matarazzo do Paraná Funcionários; 1,90% Irmãos Nicola e Costabile Matarazzo; 3% Andrea Matarazzo; 4,70% Outros; 9,30% A. Monesi; 13,30% Ermelino Matarazzo; 58,50% Francesco Matarazzo; 9,30% Fonte: Vilela e Rodrigues (2013) Outro ponto importante sobre essa fase da IRFM é destacado por Reiss (1980, p. 41) que afirma que conforme o Conde investia em novas indústrias, ele não abdicava de seus estabelecimentos comerciais. Pelo contrário, o comércio se tornava ainda mais importante, aumentando as redes de negociação do grupo e criando novas oportunidades para produção de novos produtos. Na visão de Francesco Matarazzo, as oportunidades existentes no país eram grandes o bastante para que fosse possível criar uma organização tão extensa: “A fantástica extensão do Brasil é imensamente favorecida pela natureza. Seu destino está ligado à riqueza do seu solo. Os campos estão à espera de serem cultivados e as matérias-primas de serem exploradas e transportadas para as fábricas. O país deve ser agrícola e industrial; deve não apenas emancipar-se do exterior, mas também exportar o excesso de suas necessidades de consumo; nenhum produto deve pesar na balança como débito com os países estrangeiros, porque tudo o Brasil pode produzir” Francesco 1 Matarazzo (COUTO , 2004). De acordo com Reiss (1980, p. 32), apesar de serem imprecisos, os lucros obtidos pela IRFM foram: em média 4.800 contos entre 1912 e 1913 e 7.300 contos entre 1914 e 1919. 79 No início da década de 20, Francesco Matarazzo era o maior industrial brasileiro. Poderoso e reconhecido, comandava um grande conglomerado com mais de uma centena de empresas que atuavam em setores diversos. O empresário também era o presidente do Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão de São Paulo (CIFTSP), posição que assumiu na fundação da instituição em 1919 e iria ocupar até 1926. Nos últimos anos, Ermelino, o primeiro filho brasileiro de Francesco, já vinha comandando o grupo. Porém, um trágico acidente automobilístico ocorrido na Itália em 1920 interrompeu o plano de sucessão e exigiu que o fundador retomasse as rédeas dos negócios. Assim, Francesco começa a preparar o seu filho Francisco Matarazzo Jr (o Chiquinho), então com dezenove anos, para assumir a direção. Quatro anos mais tarde, ele seria eleito diretor-geral da IRFM, se tornando o segundo homem no poder (COUTO2, 2004, p. 195). De acordo com relato de Ferdinando Matarazzo, neto de Francesco e número três na escala de poder da IRFM na época, após a morte de Ermelino o conde não tinha muitas opções para a sucessão: “Meu avô se apoiou muito no Ermelino. A morte do filho foi para ele uma tragédia total. Meu pai (Giuseppe) morava em Nápoles. O Attilio não gostava muito de indústria, era mais de vender, de comércio. O Andrea tinha preparo relativamente modesto. O Luiz Eduardo era muito novo, estudava. O Chiquinho tinha vinte anos. Estava lá e tinha interesse em trabalhar na indústria. Então começou a trabalhar com 2 meu avô e ficou” (COUTO , 2004, p. 194). Nessa época, duas estratégias aparentemente antagônicas passam a ser empreendidas pelo grupo. A primeira é a desconcentração espacial. As fábricas estavam concentradas principalmente na região metropolitana da capital. Dessa forma, Francesco perseguiu uma estratégia de expandir suas operações para o resto do Brasil, intensificando o processo iniciado com a criação das Indústrias Matarazzo do Paraná. Segundo Couto2 (2004, p. 63), um importante passo desta vertente é dado com a instalação, em 1920, de um frigorífico modelo para o abate de suínos na cidade de Jaguariaíva, no Paraná. Esta passou a ser a maior operação desse tipo no Brasil e uma resposta clara à entrada das americanas Swift e Armour no mercado nacional e que há dois anos estavam exportando carne brasileira. A unidade tinha localização estratégica próxima a uma ferrovia a ao principal centro de criação de porcos da região. Todo o maquinário foi importado da Europa e dos Estados Unidos com total isenção de impostos. Além disso, a energia elétrica era produzida em uma usina própria. 80 Além da expansão para o Sul, a Matarazzo também adquire a Fazenda Amália, em Santa Rosa do Viterbo no interior de São Paulo, local que proporcionou a expansão do grupo para a agroindústria (VILELA & RODRIGUES, 2013). De acordo com o entrevistado 1, a propriedade tinha aproximadamente vinte mil alqueires e abrangia cinco municípios. Todavia, ao mesmo tempo em que buscava a expansão geográfica do seu grupo, Francesco Matarazzo reconhecia a importância da integração, além dos ganhos de sinergia e escala originários desse processo. Diante de um sistema de transporte tão precário, a concentração das unidades fabris em um único local aumentaria a eficiência e reduziria os custos logísticos. Dessa forma, o empresário faz uma prospecção de terras e encontra um vasto terreno localizado no bairro da Água Branca, sede da antiga fábrica de cerveja da Companhia Antarctica Paulista e que era servida com estradas de ferro (ESTADÃO, 1937). Assim, adquire todo o terreno e, ainda em 1920, transfere para lá as fábricas de sabão, velas, glicerina, pregos, uma refinadora de açúcar e duas fábricas de óleos. Três anos depois, conclui a construção de um sistema ferroviário interno que interligaria as plantas. O local ficaria conhecido como Parque Industrial da Água Branca e nos anos seguintes reuniria ainda mais negócios da organização em um mesmo espaço. “Por algum tempo, terá espaço de sobra para fabricar fábricas [...] O núcleo industrial da Água Branca marca o auge da concentração 2 pontual e da integração vertical de atividades das IRFM” (COUTO , 2004, p. 62). A partir daí, mais diversificação. Em 1922, é fundada a Fábrica de Licores e uma distribuidora de filmes. No mesmo ano, o grupo participa da Exposição Internacional do Centenário da Independência Nacional, no Rio de Janeiro, onde muitos produtos da IRFM ganham destaque, recebendo diplomas e medalhas. No ano seguinte, começa a produzir rícino e ácido sulfúrico que, por sua vez, passa a ser utilizado na fabricação de inseticidas. Em 1924, instala um curtume, compra uma fábrica de conservas de carne e outra de sabão e também começa a extrair e produzir diversos óleos comerciais (como o de babaçu e amendoim) e outros industriais para utilização em suas fábricas (COUTO2, 2004, p. 65). Em 1924, a Revolta Tenentista, um dos maiores conflitos bélicos da história da cidade de São Paulo afeta as operações da IRFM. Unidades são atingidas e sofrem com incêndios e saques. Por isso, novos investimentos são suspensos nesse ano e somente aqueles já iniciados são levados adiante (MATARAZZO, 1982, p. 49). 81 Um desses investimentos é a SA Industrial Matarazzo de Mato Grosso que foi criada com o objetivo de industrializar e comercializar pele e gordura de jacaré e de capivara. Contudo, o negócio gerou um prejuízo de 800 contos e foi encerrado em pouco tempo (COUTO2, 2004, p. 78). Além deste, duas grandes unidades industriais são concluídas. Uma laminação que é instalada dentro do Parque Industrial da Água Branca e uma metalúrgica que é criada no bairro do Brás, também em São Paulo. Vale ressaltar, no entanto, que essas empresas seriam desmembradas do grupo e entregues à Ciccillo Matarazzo, filho de Andrea, principal sócio e irmão de Francesco, que havia recusado uma oferta de atuar na direção do grupo após a morte de Ermelino. Andrea argumentara que como não poderia indicar seus filhos para lhe sucederem na presidência, não haveria porque assumir o comando da organização. A IRFM passaria, então, a ser cliente destas duas unidades (COUTO2, 2004, p. 81). Em 1925, o grupo já tinha diversas filiais espalhadas pelo Brasil, América do Sul e até nos Estados Unidos. As fábricas abrangiam o setor de alimentos, têxtil, metalurgia, serviços, entre outros. E mais: tinha fazendas, terrenos e prédios urbanos, estradas de ferro, navios a vapor, além de representar o Banco di Napoli e a Fiat (COUTO2, 2004, p. 98). Além disso, a IRFM ocupava uma área de 8.760.000m2 e empregava sete mil funcionários (MATARAZZO, 1982, p. 52). Em 1926, a Matarazzo consolida sua posição na indústria química ao fundar a Viscoseda para produzir seda artificial, mantendo o monopólio na produção do rayon, que tinham como principal objetivo suprir as fábricas têxteis de Água Branca. A IRFM solidifica, assim, o seu tripé alimentos, têxteis e químicos, que seriam a principal fonte de crescimento do grupo nas décadas seguintes. A nova fábrica empregava mais de 1.500 funcionários em uma área de 60 mil metros quadrados (COUTO2, 2004, p. 104). A implantação da Viscoseda exigiu, ainda, avanços tecnológicos nos processos produtivos e laboratórios de maior precisão (ESTADÃO, 1937). Ainda em 1926, instala a Oficina Mecânica e Fundição na mesma rua do complexo da Água Branca com o objetivo de realizar manutenção nas máquinas existentes e construir novos equipamentos (MATARAZZO, 1982, p. 52). No ano seguinte, implanta uma rede de armazéns atacadistas para venda direta dos produtos Matarazzo: um em Juiz de Fora; três em São Paulo; um em Ribeirão Preto; um em Campinas; e um em São José do Rio Preto. Além disso, entra no ramo de minerais não metálicos ao comprar uma fábrica de louças domésticas de pó de pedra (COUTO2, 2004, p. 138). 82 Ainda em 1927, o Conde indica oficialmente Francisco Junior como seu sucessor pelos trinta anos seguintes, através de um testamento oficial lavrado em cartório de São Paulo, cujo trecho é destacado a seguir: “Se dispus de número maior de ações em seu favor, não o fiz para favorecê-lo. Pelo contrário, quis assim impor-lhe o pesado encargo de me suceder na direção daquele vasto e complexo organismo industrial e comercial que custou o esforço constante de mais de quarenta e cinco anos de minha existência e a que estão ligados, além da sorte do patrimônio que vos deixo, interesses de terceiros e os meios de vida de milhares de famílias e empregados. Evitar que as rivalidades, fatais entre os homens, possam um dia criar-lhe embaraços no cumprimento da difícil, foi a minha maior preocupação. Terminada essa tarefa, vosso irmão vos devolverá, sob forma de legado, as ações que tiver recebido a mais” (COUTO2, 2004, p. 200). Verifica-se, então, que mais uma vez o Conde opta pela escolha de apenas um filho no dever de dar continuidade à gestão da IRFM. De acordo com Couto (2004, p. 201), esta nomeação foi conturbada, uma vez que apenas Chiquinho, o décimo segundo dos treze filhos, foi escolhido para ocupar uma posição que, teoricamente, deveria ser igualmente distribuída entre doze irmãos. Além disso, dois dos irmão mais velhos (Giuseppe e Andrea) também haviam trabalhado na IRFM, o que tem certo peso na tradição italiana. Ainda, Attilio, que também era mais velho que Chiquinho tinha formação superior de engenharia na Suíça, diferente de Chiquinho que havia concluído apenas o segundo grau. Por outro lado, o sucessor trabalhava com o pai há vários anos e há três já era o segundo homem na hierarquia. Assim, já havia assumido a presidência em momento de viagens internacionais de Francesco. Para o testamento redigido por Francesco ser considerado válido, todos os filhos tinham de assiná-lo. No entanto, Andrea, Attilio e Luiz Eduardo, este último o irmão mais novo, se recusaram a ratificar o documento e resistiram à decisão do pai até 1931, quando finalmente todas as assinaturas foram colhidas e Chiquinho se tornou oficialmente o sucessor da IRFM. Sendo assim, ele assumiria o comando após a morte de Francesco. Vale destacar que, além do controle acionário da organização, Francesco garantiu a Chiquinho a posse do imóvel da família na Avenida Paulista, além de uma chácara em São Paulo e imóveis na Itália (COUTO, 2004, p. 203). Em 1929, três anos após ter deixado a presidência da CIFTSP, Francesco Matarazzo se torna um dos fundadores e primeiro presidente do Centro das Indústrias 83 do Estado de São Paulo (CIESP), cargo que ocupará até 1931 (COUTO2, 2004, p. 142). Nesse mesmo ano, o mundo entrava em uma forte crise econômica. Segundo Couto (20082, p. 157), as indústrias Matarazzo conseguiram atravessar a crise sem grandes dificuldades, chegando inclusive a realizar investimentos no Brasil e na Argentina durante o período. De acordo com o autor, em 1930, um ano após o início da Grande Depressão, o Conde recebeu a visita de dois funcionários do Banco de Londres que, preocupados com a situação da IRFM diante dos problemas econômicos, oferecem créditos ao empresário. Todavia, Matarazzo recusou a oferta, pois julgava que tinha os recursos necessários para enfrentar a crise, gerando uma grande surpresa para os banqueiros. Entretanto, de acordo com Reiss (1980, p. 32), no ano da crise, em 1929, a IRFM teria sofrido o seu primeiro prejuízo. Portanto, a IRFM conclui a década de 1920 com crescimento e resultados expressivos. De acordo com Reiss (1980, p. 32), apesar de serem imprecisos, os lucros obtidos pela IRFM foram: em média 6.800 contos entre 1922 e 1923 e 16.800 contos entre 1924 e 1929. Segundo o mesmo autor, entre o período da criação da IRFM em 1911 até 1929, a organização distribuiu em média 50% dos lucros em dividendos. Rust (1934) que escreveu uma biografia sobre Francesco Matarazzo apresentou um relato sobre o desempenho financeiro do grupo: “Os negócios da firma são tão variados que, mesmo que uma ou outra fábrica dê resultados negativos, algum ano, o grupo, no total, sempre é infalivelmente lucrativo”. Já no início da década de 1930, a IRFM começa a produzir em seu núcleo de indústria química o Inseticida Kids, marcando presença na agroindústria (MATARAZZO, 1982, p. 54). Além disso, monta em São Paulo uma grande fábrica de massas e biscoitos e adquire a fábrica de tecidos Santa Celina SA, uma empresa tradicional que antes era sediada no Rio de Janeiro e, após uma reformulação, passou a produzir tecidos finos de algodão na capital paulista. Ainda, seguindo uma política de expansão geográfica, instala uma fábrica de óleo de algodão e sabão em João Pessoa, na Paraíba. Para isso, desloca pessoal de confiança para a nova planta. Em 1932, diante a crise de desabastecimento causado pela Revolução Constitucionalista, a Matarazzo desenvolve pesquisas para a mistura de álcool na gasolina. Mas, com o fim da Revolução, o projeto é engavetado (COUTO2, 2004, p. 163). Cabe destacar, no entanto, que o grupo chegou a anunciar a venda de álcool motor para ônibus e que dispensava o uso de gasolina. De acordo com anúncio publicado no jornal o Estado de São Paulo (1932), a empresa havia conduzido com sucesso um teste que envolveu dezoito meses de pesquisa que incluíram o uso em veículos que fizeram percursos entre São Paulo - Santos e São Paulo - Ribeirão Preto. 84 Com o país atravessando dificuldades econômicas e já com Getúlio Vargas no poder, Francesco Matarazzo concede uma entrevista a um jornal de Assis Chateaubriand onde destaca o papel da indústria nacional e da necessidade de substituição das importações (vale lembrar que na época a indústria ainda tinha pouquíssima relevância no cenário nacional em comparação ao café): “A meu ver, portanto, podemos diminuir consideravelmente o volume da nossa importação, não só dos artigos de uso suntuário, mas também necessário, como gasolina, trigo, etc. [...] Libertemos, portanto, o trabalho nacional, eliminando os impostos de exportação, suavizando o regime dos transportes e diminuindo outras despesas que o oprimem, e o Brasil passará a ser exportadores de quase tudo que hoje nós importamos com grave dano para as finanças e a 2 economia do país” (Couto , 2004, p. 176). Em 1933, faz uma expansão para o setor extrativista para abastecer a construção civil (principalmente a construção de suas próprias indústrias). Nesse momento, o grupo é composto de 170 propriedades. No ano seguinte, é pioneiro mais uma vez ao montar uma refinaria de petróleo através da fundação da Indústria Matarazzo de Energia (IME) em São Caetano. A refinaria entraria em operação quatro anos mais tarde. A unidade manteria um elo com as pesquisa e desenvolvimento de fontes alternativas de combustível, realizando estudos para produção de álcool a partir da mandioca na década de 1940. Ainda em 1934, aproveitando a crise da produção de algodão nos Estados Unidos, são instaladas máquinas de descaroçamento e beneficiamento em nove dos principais centros produtores de São Paulo (COUTO2, 2004, p. 236). Nesse ano, Francesco Matarazzo completa oitenta anos. Para celebrar a data, além de uma grande comemoração, decide presentear os funcionários da IRFM com 500 mil contos para os funcionários com mais de trinta anos de casa e 250 mil contos para os com vinte e cinco anos, sendo que as pessoas com mais de sessenta anos receberiam a quantia em dobro (COUTO2, 2004, p. 264). Nessa época, o porte da IRFM já impressionava: a renda bruta anual das empresas do grupo equivalia ao dobro da receita de Minas Gerais e 7% da energia hidráulica produzida em São Paulo era consumida pelas empresas do grupo (VEJA, 1983). Um ano após o octogésimo aniversário do fundador, incomodado com as críticas dos irmãos, Francisco Jr. decide abandonar a empresa. Assim, Francesco busca efetuar mudanças no estatuto. Cria uma nova diretoria para ser ocupada por um profissional externo e convida para o cargo de Chiquinho o filho caçula Luis Eduardo, mas este acaba recusando. Assim, diante da falta de opções, Francesco consulta todos os filhos novamente para ratificar a decisão tomada anos antes e consegue a 85 confirmação de que Chiquinho continuará no comando. Por consequência, os irmãos Luís Eduardo, Attilio e Andrea decidem se retirar da sociedade (COUTO2, 2004, p. 213). Ainda em 1935, a IRFM continua a passar por uma fase de grande expansão: Implanta uma fábrica de papel e papelão em São Paulo, expande as atividades extrativistas adquirindo jazidas de caulim, uma matéria-prima utilizada na fabricação de papel, porcelana e de outros artigos cerâmicos. Ainda, realiza o último investimento sob a gestão do fundador e começa a produzir sucos. Para isso, segue sua estratégia de verticalização instalando uma fábrica de essências cítricas e, posteriormente, produzindo óleo de casca e marmelada de laranja (COUTO, 2004, p. 328). Além disso, adquire uma jazida de gipsita (usada na produção de louças) no Ceará. Entretanto, após o início das atividades, verificou-se a inviabilidade de transporte dos produtos e, assim, o projeto foi abandonado (MATARAZZO, 1982, p. 57). Durante a década de 1930, conforme a indústria ganhava mais destaque junto ao governo, os industriais paulistas pressionavam as autoridades contra a incidência de impostos sobre a exportação. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (1936), o Conde Francesco tratou sobre o assunto: “Precisamos aumentar a exportação. Contudo, a exportação continua a ser tributada cada vez mais. [...] Essa tributação encarece os produtos, diminuindo-lhes a as possibilidades de se manterem nos mercados conquistados ou conquistarem mercados novos, pois, uns e outros acabarão por ser tomados pelos produtos congêneres que saem do país de origem sem a carga de impostos de exportação”. Por consequência dessa pressão, o governo paulista eliminou, de forma pioneira, a incidência de impostos sobre exportação através de uma reforma tributária ocorrida em 1936, aumentando a competitividade das empresas de Matarazzo que começavam a buscar com mais intensidade os mercados externos. Francesco se manteve na liderança do grupo até 1937, quando morreu um mês antes de completar oitenta e três anos. Caracterizou-se por um estilo centralizador, com total controle do capital e da condução dos empreendimentos, conforme é apontado por Martins (1976, p.105): “Daí encontramos no grupo Matarazzo uma organização burocrática, mas de poder centralizado e pouco distribuído pelas escalas intermediárias. Daí, também, o empresário ter reservado para si, no interior da empresa, papéis que se referem às relações com o mercado (comprador, vendedor) e exercer sua autoridade na empresa para testar a viabilidade mercantil das inovações técnicas. Isto é, o empresário apresenta-se como comerciante”. 86 A descrição do ritmo de trabalho feita pelo primeiro biógrafo de Matarazzo corrobora a imagem centralizadora e detalhista do empresário que ainda mantinha a rotina de executar ele mesmo funções operacionais no grupo (prática que foi replicada pelo sucessor): “Outro fato interessante, que aumenta consideravelmente os lucros anuais, é que o Conde Senior ou o Conde Junior, pessoalmente, fazem, praticamente, todas as compras de matéria prima necessárias nas fábricas. As compras que não podem fazer pessoalmente, são, pelo menos, feitas com seu inteiro conhecimento, e diariamente, dos preços e quantidades [...] A política da firma põe grande atenção em comprar bem, talvez mais do que tentar vender por preço maior possível [...] Com todas as suas atividades diárias, usa brevidade em negócios, mas é raro ditar uma carta e, raramente, usa o telefone. Deve se admirar que é difícil achar um estenógrafo em toda a indústria. Homens, ganhando mais de 100 contos de réis por ano, escrevem suas cartas de mão própria, para serem depois copiadas em máquinas de escrever e, muitas vezes, eles mesmo ocupam a máquina. A correspondência interna é reduzia a um mínimo, e tudo é expresso com o menor número de palavras possível, muitas vezes tratando-se de uma dúzia, ou mais tópicos, em uma mesma folha de papel” (RUST, 1934). Segundo Couto (2004, p. 296), outra característica dos negócios que marcou a gestão de Francesco Matarazzo foi a indiferença às propagandas. Apesar de trabalhar com produtos de consumo, ele via a qualidade dos produtos como suficientes para garantir a presença da marca na mente dos consumidores. Entretanto, é possível encontrar diversos anúncios sobre os produtos da organização no jornal O Estado de São Paulo, em especial entre as décadas de 1910 e 1940. De acordo com relato do empresário, a sua criação contemplava um propósito principal: “A preocupação de enriquecer nunca foi o escopo de nenhum ato da minha vida. Sempre considerei a riqueza como meio de atingir um ideal: ampliar, ampliar o máximo o organismo industrial, já vasto, ao qual liguei meu nome; intensificar todos os meus esforços no sentido de tornar mais eficiente a contribuição que a mim mesmo me impus como dever, para a emancipação do Brasil” Francesco Matarazzo 1 (COUTO , 2004, p. 14). Uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, na época da morte de Matarazzo descrevia a estrutura administrativa do grupo: “Esse grande mecanismo, por menos que pareça crível, era pessoalmente dirigido, do alto, por Francesco Matarazzo [...] que organizara de tal forma as engrenagens que com um esforço relativamente pequeno, através de relatórios parciais e pela voz de diretores dos departamentos, conhecia diariamente, as linhas dominantes de seus negócios. As suas fábricas têm 30 diretores, 600 técnicos, e 15.000 operários” (ESTADÃO, 1937). 87 Após a morte de Francesco, Chiquinho Matarazzo assume formalmente o cargo de Diretor Presidente e seu sobrinho Ferdinando passa a ocupar posição de Diretor Gerente. Para o especialista em gestão de empresas familiares João Bosco Lodi, Chiquinho teria muitas dificuldades pela frente quando assumiu a direção do grupo: “Matarazzo teria entregue um grupo complicado demais ao conde Chiquinho. Um complexo com mais de vinte setores quase sem nenhuma sinergia. Por quê? Porque alimentos não têm a ver com 2 metalurgia e assim por diante” (COUTO , 2004, p. 217). O novo presidente do grupo implanta reformas administrativas que havia começado a desenhar quatro anos antes quando contratou um administrador profissional para estudar a viabilidade de reorganização administrativa da empresa. Assim, criou as secretarias da Diretoria Comercial, Técnico-industrial e Administrativa (MATARAZZO, 1982, p. 77). Na época da morte de seu fundador, a IRFM passava por um período de grande crescimento. Um relato de Chateaubriand (1934) oferece maiores contornos sobre o tamanho do grupo: “Enquanto São Paulo tem uma renda bruta de 400 mil contos, Minas de 140 mil, o Rio Grande do Sul, de 130 mil, a Prefeitura carioca, de 270 mil, o parque das IRFM possui de receita bruta uma cifra que atinge ao algarismo de 350 mil contos [...] É fora de dúvida, portanto, que o Conde Matarazzo financeira e economicamente é o segundo Estado do Brasil. Somente o ultrapassam a União Federal, o Departamento Nacional do Café e São Paulo”. A tabela 5-2 apresenta a situação das principais unidades do grupo em 1934, quanto tinha 15 mil operários, 600 supervisores e técnicos e 30 diretores (RUST, 1934, p. 34). A IRFM ainda consumia cerca de 7% de toda a energia hidráulica produzida no Estado de São Paulo (VEJA, 1983). Até o final da década de 1940 a IRFM continuaria crescendo, com Chiquinho mantendo a estratégia de diversificação e redução da dependência de matériasprimas, visão que se acentuou ainda mais com a iminência da guerra. Assim, temendo uma crise de desabastecimento, instala uma fábrica de ácido sulfúrico no ano em que tomou posse. Em 1938, compra a Tecelagem Brasileira de Seda, monta uma fábrica de celulose em São Caetano e instala uma unidade de fabricação de massas alimentícias junto ao moinho de trigo (MATARAZZO, 1982, p. 111). 88 Tabela 5-2 – Grupo Matarazzo em 1934 Estabelecimentos Localidades Produção Anual Moinhos Mariângela (Fiação – Tecelagem – Alvejamento- Tinturaria) Belenzinho (Mercerizarão – Estamparia – Acabamento) Seda Artificial Viscoseda Curtume (Sola- Peles – Correias) Sulfureto de Carbono Destilação de Alcatrão (Naftalina – Asfalto) Amido (Cerealina – Glucose – Dextrina) Féculas de Mandioca Licores Frigoríficos (Carnes suínas) Soda Cáustica Granulada Engenhos de Arroz São Paulo - Antonina 3.600.000 s/ farinha São Paulo 50.000.000 de mts São Paulo - São Caetano São Caetano São Caetano 400 tons. de fio 400 tons. de sola 400 tons. São Caetano 2.000 tons. São Paulo Caçapava São Paulo Jaguariaíva São Paulo São Paulo - Iguape São Paulo – Mauá Moagem de Sal Antonina Refinação de Sal Água Branca Refinação de Açúcar Água Branca Refinação de Banha Água Branca Destilaria de Álcool e Aguardente Água Branca Velas Água Branca Glicerina Água Branca Oleina Água Branca Óleo de Caroço de Algodão (Sol Levante) Óleo de Linhaça (cru e cozido) Água Branca Óleo de Ricino (medicinal e industrial) Água Branca Óleo de Coco (comestível e industrial) Tortas de Sementes Água Branca Sabões Água Branca Sabonetes Água Branca Perfumaria Água Branca K.I.D. (inseticida) Água Branca Serraria Água Branca Pregos Água Branca Fundição Água Branca Oficina Mecânica Água Branca Laboratório Químico Água Branca Almoxarifado Geral Água Branca Fonte: Couto (2004) 2.000 tons. 160.000 caixas 5.000 tons. 50.000 caixas 450.000 sacos 12.000 tons. 12.000 tons. 375.000 sacos 4.800 sacos 8.200.000 litros 300.000 caixas 500 tons. 2.000 tons. 16.000 tons. 42.000 tons. 20.000 tons. 500.000 dúzias 750.000 caixas 1.200 tons. 500 tons. - No entanto, apesar de toda a expansão industrial, talvez o principal ícone desta fase tenha sido a conclusão das obras do novo edifício sede do escritório central, que integrou as atividades administrativas da organização. A ideia havia sido lançada por Chiquinho em 1934, pois a sede de três andares já estava superada. O objetivo era 89 erguer um novo arranha céu na região do Vale do Anhangabaú onde o grupo tinha um prédio. Todavia, o mesmo estava alugado para o magnata da comunicação Assis Chateaubriand que ainda tinha três anos de contrato de aluguel e dificultou a desocupação do imóvel, tornando a negociação extremamente custosa para os Matarazzo. Não bastasse a negociação com o antigo inquilino, o novo edifício que atualmente é sede da Prefeitura de São Paulo, foi erguido com todo o luxo e pompa, conforme descrição de COUTO2 (2004, p. 316): “Monumental e sóbrio, simbolizava e ostentava a opulência da Matarazzo. O mais luxuoso da cidade, localizado na nata do polo comercial, é revestido de 170 mil placas de mármore. [...] Tem jardim suspenso no 14° andar, com rica variedade de plantas. [...] Recebe confortavelmente a administração central das IRFM. Inclusive a casa bancária do grupo, no andar térreo. A diretoria e a sala do trono funcionam no quinto andar”. Mas se as décadas de 1930 e 1940 foram de grande crescimento para a IRFM, de onde provinham os recursos financeiros para a realização desses investimentos? De acordo com Dean (1971, p. 182), o reinvestimento dos lucros parece ter proporcionado todo capital necessário para o desenvolvimento da organização nas décadas de 30 e 40 já que a IRFM não pôde contar com empréstimos do Governo. Segundo Reiss (1980, p. 107), o período da Segunda Guerra Mundial também ficou marcado pela forte expansão do braço têxtil do grupo. A Matarazzo já era a maior indústria têxtil do Brasil e as fábricas relacionadas ao setor correspondiam à metade da produção industrial da IRFM - 51% em 1942, ante uma participação de 39% em 1939. Dessa forma, aproveitando a oportunidade aberta pela redução do nível de produção do mundo, o grupo aumentou sua taxa de exportação consideravelmente, enviando produtos têxteis principalmente para EUA e Argentina. Assim, entre 1943 e 1944, as vendas para o exterior corresponderam a algo entre 15% e 20% do faturamento do grupo, (REISS, 1980, p. 108). Em 1941, inaugura a fábrica de papel celofane Celosul no recém-inaugurado Núcleo Industrial Ermelino Matarazzo, erguido nos arredores da cidade de São Paulo. Para isso, como toda a Europa estava em guerra e o maquinário necessário para a operação era importado, Chiquinho contratou um técnico francês para desenhar as máquinas e fabricá-las aqui (MATARAZZO, 1982, p. 115). Ainda, com o intuito de reduzir a dependência das máquinas produtivas importadas da Europa, a Matarazzo aprimora sua oficina para montar as máquinas internamente (RELATÓRIO ANUAL, 1943). Na Revista Síntese (1949), verifica-se a produção de diversos itens para abastecer as empresas do grupo, principalmente para 90 as fábricas químicas: vaporizador a vácuo para indústrias químicas; mexedor de ferro fundido para produtos químicos, com 2,8 toneladas; retortas de ferro fundido com 4,5 toneladas para fabricação de sulfureto de carbono; e até hélices de bronze e ferro fundido para os navios. A intenção de desenvolver a indústria química também se daria através da formação de pessoal qualificado e em projetos de pesquisa. Em 1944, foi montado um Laboratório Central, conectado aos laboratórios de diversas fábricas para atuar, entre outras frentes, na preparação de químicos-pesquisadores (RELATÓRIO ANUAL, 1944). Apesar do forte crescimento apresentado desde a crise de 1929, o relatório anual de 1944 também destaca a limitação do mercado interno e faz uma relação dessa situação com a diversificação do grupo: “A limitada amplitude do mercado interno, punha, infelizmente, limites estreitos ao desenvolvimento de cada uma das nossas fábricas, impedindo-nos de dar curso a programas de larga produção. Daí o caráter multiforme da nossa atividade que, indubitavelmente, teria dado resultados bem mais amplos na formação do complexo do nosso aparelhamento econômico se o mercado interno tivesse comportado o desenvolvimento de nossa atividade produtiva em um número menor de setores ou em um único setor.” Para Reis (1980, p. 111), apesar da instalação de grandes plantas industriais não é possível identificar na IRFM a existência de uma base tecnológica própria. Assim, o autor propõe que a expansão do grupo se deu através de uma rede comercial robusta, na qual havia oportunidades para expansão, integração vertical e diversificação. Dessa forma, esse processo de integração acabou direcionando o grupo para outros segmentos a partir da utilização de insumos básicos que eram comuns a mais de uma indústria. Vale ressaltar, também, que o intenso processo de crescimento e a transformação do ambiente trouxeram novos desafios à nova gestão, conforme destacado em livro comemorativo do grupo: “O crescimento das empresas Matarazzo estava a exigir uma readaptação dos serviços de apoio administrativo, para que se ajustassem com eficiência às novas dimensões e à grande diversificação que as atividades industriais assumiam a cada dia” (MATARAZZO, 1982, p. 77). A IRFM chegou ao fim da Segunda Guerra Mundial com uma trajetória de grande crescimento, principalmente a partir da década de 1930. Em 1950, o grupo 91 tinha 37.000 funcionários. A evolução do capital social da companhia destacado na tabela 5-3 também evidencia esse crescimento. Tabela 5-3 - Evolução do capital social da Matarazzo (em milhões de cruzeiros) Ano Valor % do PIB 1911 10,5 1942 100 1944 300 1947 600 1951 750 0,19% 0,16% 0,28% 0,34% 0,22% Fonte: O Estado de São Paulo (1954) e Ipea Data (2014) Durante a década de 1940, esse crescimento chegou a ser acompanhado de acusações de crime contra a economia. Ao menos em duas ocasiões, a Matarazzo foi acusada de estar retendo estoque de farinha e rayon, com o objetivo de forçar o aumento dos preços dos produtos. No segundo caso, após uma interpretação de que se tratava de artigo de luxo e não um bem essencial e de que a empresa não tinha mais do que 30% da produção nacional, o grupo foi absolvido (ESTADÃO, 1946). A partir do término do conflito mundial, a IRFM intensificou os investimentos principalmente nas indústrias alimentícias e de vestuário. Em 1945, entraram em funcionamento as unidades de fabricação de fios e tecidos de lã e de juta e de confecção de roupas. Além disso, a lista de gêneros alimentícios foi ampliada com o início da produção de margarina, pasta de amendoim e biscoito (SAES & NOZOE, 2006). Entre os investimentos realizados pela IRFM, destaca-se um plano de expansão e modernização do complexo têxtil iniciado em 1945 e finalizado no início dos anos 50. Muitos dos novos teares automáticos foram montados pela própria Oficina Mecânica e Fundição da Matarazzo (RELATÓRIO ANUAL 1945). Como resultado desse programa, em 1952 a empresa havia realizado os seguintes avanços, utilizando uma base 100 no ano de 1939: I. II. III. Produção de fiações - 615; Produção de tecelagens - 144; e Total de empregados nos dois setores - 95. O Relatório Anual de 1947 destacou a ampliação dos investimentos e aperfeiçoamento das unidades produtivas. “A linha mestra da política econômico-comercial do nosso grupo tem sido e continua sendo a redução dos custos através do aumento das produções e o aperfeiçoamento dos sistemas de fabricação: Máquinas obsoletas são constantemente eliminadas e novos processos mais eficientes são adotados”. 92 Entre os principais investimentos em novas unidades, destaca-se: A inauguração de duas novas tecelagens de algodão em Bauru e Ribeirão Preto (1946), mesmo ano em que criou a Fiação Lydia, instalada em São Paulo e que foi pioneira no trabalho com algodão de fibras longas e fios especiais. Além disso, a IRFM firmou um acordo com firmas inglesas para aplicação exclusiva no Brasil de um novo processo produtivo denominado de "Nelson" para fiação contínua de rayon. Assim, se tornou a primeira empresa brasileira e uma das pioneiras do mundo na instalação deste processo (RELATÓRIO ANUAL 1949). Ao mesmo tempo em que buscava modernizar e expandir a produção do setor mais importante para o grupo, a IRFM enfrentava novos concorrentes que começavam a ampliar a sua presença no país. Respondendo a essa competição, a Matarazzo realizou um movimento de descentralização de algumas atividades ainda na década de 1940. A primeira foi a Tecelagem Brasileira de Seda, desmembrada em três unidades durante o ano de 1946 e que passaram a operar em plantas diferentes nas cidades de Campinas, Rio Claro e Ribeirão Preto (MATARAZZO, 1982, p. 123). Apesar das iniciativas de descentralização, o comando do grupo ficava concentrado entre o Conde Chiquinho e seu primo Ferdinando, o seu braço direito na época. Ambos eram diretores de várias das unidades da IRFM, exigindo uma participação constante em uma grande diversidade de negócios. Anúncios de assembleias com acionistas publicados no jornal Estadão, em 1954, mostram, por exemplo, que no dia 31 de agosto daquele ano, os dois diretores precisaram enfrentar a seguinte sequencia de assembleias: a) b) c) d) 10 hs - IME 11 hs - Santa Celina 14 hs- Salina 16 hs - IRFM Logo após a Guerra, Chiquinho também se lançou no ramo de comunicação, ao adquirir 50% das ações do grupo Folha (MATARAZZO, 1982, p. 130), possivelmente buscando ter um canal para rebater os ataques do magnata da mídia Assis Chateaubriand, que havia se tornado um inimigo pessoal desde o episódio envolvendo a construção da nova sede do grupo. Todavia, o negócio durou apenas um ano, com Chiquinho se retirando da sociedade após desentendimentos na condução dos negócios. No entanto, apesar dos novos investimentos, as décadas seguintes foram para a Matarazzo bem diferente dos anos anteriores. Isto porque já a partir do início da década de 1950, em consequência da internacionalização da economia e a chegada de novos competidores, a IRFM começou a enfrentar um longo período de declínio. 93 De acordo com Reiss, (1980, p. 196), a Matarazzo enfrentou grandes dificuldades em lidar com os novos desafios do ambiente industrial. A organização enfrentou competidores mais bem preparados em vários segmentos que afetaram o grupo como um todo. Ou seja, para o autor, a grande diversificação da Matarazzo não impediu a diluição dos efeitos negativos de uma competição mais intensa. Na indústria de alimentos, por exemplo, firmas estrangeiras introduziram produtos diferenciados e com mais eficiência em custos. Além disso, o surgimento de supermercados alterou toda a dinâmica de distribuição do setor, exigindo a produção em volumes maiores e campanhas publicitárias agressivas para o suporte nas vendas. Na indústria têxtil, por sua vez, o algodão passou a concorrer com tecidos sintéticos fabricados por grandes empresas estrangeiras, além de passar a ter sua cotação atrelada ao mercado internacional, aumentando a complexidade do setor. O livro comemorativo da Matarazzo (1982, p. 151) destaca as dificuldades da empresa durante essa fase, corroborando as ideias de Reis. “Atuando em quase todos os setores do mercado, em função de uma diversificação tornada necessária no passado, devido às limitações de cada um dos mercados, as IRFM não têm condições de acompanhar a grande expansão do consumo. Cada uma de suas unidades passa, em consequência, a ser secundária no mercado em que atua e a segmentação que ocorre na comercialização diminui muito a importância do nome comum.” Segundo Reiss (1980, p. 199), a presença dos novos competidores forçou o fechamento de muitas instalações fabris, a realocação de outras, a absorção de custos de produção mais altos, a introdução de linhas de produto complementares e a integração vertical em uma tentativa anárquica de lidar com a decomposição de sua base de recursos. Conforme já apresentado na descrição do ambiente, os setores tradicionais foram os mais afetados pela chegada de empresas estrangeiras e o acirramento da competição. Na indústria de beneficiamento de algodão, por exemplo, a Matarazzo que em 1933 ficava apenas atrás da Votorantim em volume de produção, viu a americana Anderson, Clayton e Cia e a argentina Bunge y Born mudarem essa configuração já a partir da década de 1930. Assim, em 1951 a empresa tinha 10% do mercado enquanto as multinacionais lideravam com 20% do volume de produção cada uma (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1952). Apesar da tentativa do grupo em fortalecer sua posição competitiva nos setores têxtil e alimentício, os resultados negativos começaram a aparecer. O desempenho 94 financeiro daqueles anos foi citado no livro comemorativo da empresa (MATARAZZO, 1982, p. 148): “Apesar de seus resultados positivos nos balanços, a empresa já operava com baixo nível de lucratividade, cercada por competidores cada vez mais agressivos em setores especializados [...] Promoção de vendas, propaganda e marketing são setores que as empresas estrangeiras trazem ao Brasil num nível de sofisticação e desenvolvimento aqui desconhecidos”. Como consequência do surgimento dos primeiros resultados negativos, o grupo Matarazzo passou por grandes mudanças que envolveram iniciativas de expansão, mas também, de retração da organização. Por um lado, a IRFM realizou uma série de desinvestimentos e fechamento de fábricas. Reiss (1980, p. 200) destaca o encerramento das seguintes operações: usinas de açúcar (1953); fábricas de pregos e de conservas (1957); usina de álcool e fábrica de pães (1959); fábricas de desinfetante e de esponjas (1962); fábrica de manteiga de amendoim (1963); frigorífico (1964); e fábricas de cerâmicas (1964/1968). Com essa redução, o almoxarifado central localizado em São Paulo também foi extinto (RELATÓRIO ANUAL, 1959). Por outro lado, a IRFM continuou buscando o processo de integração vertical, absorvendo novas linhas de produtos em mercados que considerava promissores. A ressalva é que nessa nova fase a IRFM passou a desenvolver parcerias (principalmente com empresas estrangeiras) para a viabilização desses empreendimentos. Entre esses acordos, destaca-se a joint venture realizada com um grupo francês para a adoção de novidades no segmento de tecidos de alta qualidade. Ainda, para se destacar no segmento, a Matarazzo começa a participar, apoiar e divulgar desfiles de moda em São Paulo. Em 1956, por exemplo, organizou o Festival da Moda que ocorreu no Parque do Ibirapuera (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1956). Além disso, com o objetivo de aumentar o uso dos produtos clorados, a IRFM desenvolveu um estudo para instalar uma fábrica de resinas plásticas vinilica (PVC). Assim, entrou como sócio minoritário com a empresa americana BF Goodrich Chemical Company, formando a Geon do Brasil, para a fabricação do composto (RELATÓRIO ANUAL 1955). Outros acordos foram realizados em 1959. Um deles envolveu uma joint venture com a Dow Chemical para criar a Cloroquim SA com a proposta de produzir tetracloreto de carbono – a unidade teria suas atividades encerradas dez anos depois. Além desta, foi realizada outra parceria com a Union Carbide International para formar a Visking do Brasil, que iria realizar acabamentos de invólucros sintéticos para carnes ensacadas (RELATÓRIO ANUAL, 1959). 95 Assim, em virtude das dificuldades enfrentadas e pretendendo manter sua política de crescimento, a Matarazzo enfatizou a necessidade de reter lucros para reinvestir nos seus negócios, conforme é apontado no Relatório Anual de 1955: “Hoje, mais do que no passado, cumpre às empresas capitalizar lucros, formar poupança destinada a incrementar a produção.” No entanto, com a redução da lucratividade, a IRFM decidiu realizar o aumento de capital de 3,2 para 4,8 bilhões de cruzeiros, mediante a emissão de 320 mil ações preferenciais. De acordo com comunicado do grupo publicado no jornal O Estado de São Paulo (1960), as vantagens para os acionistas eram: 1. Dividendo fixo e cumulativo de 12% ao ano pago semestralmente, acrescido da bonificação anual mínima de 5%, que garante às ações preferenciais uma remuneração mínima de 17% ao ano e a qual poderá ser posteriormente beneficiada por deliberação da Assembleia Geral Ordinária tendo em conta, em parte, eventual encarecimento do custo de vida; e 2. Possibilidade de conversão, por sorteio, de até 50% das ações preferenciais em ações ordinárias a partir de 1967. Foi durante a conturbada década de 1950 que o Conde Chiquinho passou a contar com o apoio de dois dos seus cinco filhos na gestão do grupo. Em 1954, Ermelino e Eduardo já eram diretores da Fazenda Amália e, também, da IRFM, estando logo abaixo do presidente na hierarquia. Assim, com a chegada da nova geração, Ferdinando, o antigo braço direito do Conde, deixa suas atividades na direção da IRFM. O entrevistado 1 apresentou maiores detalhes sobre o comando do grupo na época: “Dom Ferdinando foi companheiro dele durante os primeiros anos em que ele dirigiu a empresa. Era primo dele, filho do Andrea Matarazzo, metalúrgico que entrou como parte da divisão da firma. Então, esse Ferdinando ficou só nos primeiros anos, depois se afastou. E ele era o braço direito do Conde. Aí o Conde ficou sozinho. Foi quando ele colocou o Ermelino. O Ermelino substituiu o Ferdinando. Depois veio o Eduardo. Aí ficou Conde Chiquinho, Ermelino e Eduardo como direção geral, só. E por baixo deles, tinha diretores, comerciais, tesoureiros, pessoas. Inclusive, tinha José Matarazzo que era o famoso Dom Pepino, que era um diretor também. Mas já era uma linha mais baixo um pouquinho. No prédio ele ouvia, como ele ouvia a mim. Muitas vezes eu era chamado para opinar sobre uma fábrica, sobre um diretor, sobre uma tomada de decisão de um produto. Muitas vezes eu era ouvido. Como eram ouvidas outras pessoas, naturalmente. Mas isso é quando ele estava lá. Quando ele estava em Amália, ele já vinha munido de uma ideia. E ali ele amadurecia, pensava, refletia e decidia.” 96 Mesmo em meio a uma situação de acentuação da competição, a IRFM decidiu reduzir a carga horária de seus funcionários. Assim, pela primeira vez a direção passou a conceder o sábado livre para todos os funcionários do escritório central. Além disso, introduziu o "sábado inglês" (trabalho até o meio dia) nos escritórios e fábricas, com revezamentos exigidos pelas necessidades técnicas e de produção (RELATÓRIO ANUAL 1954). Outro fator de destaque no período foi o investimento em usinas termoelétricas com o intuito de contornar a escassez de energia no país. Com isso, o grupo conseguiu atingir um nível de geração de 56% de toda a sua energia consumida (RELATÓRIO ANUAL, 1953). Outra estratégia buscada pela IRFM diante das dificuldades da concorrência no mercado interno foi a busca por oportunidades de exportar parte da produção que não era mais consumida no país, conforme explanado no Relatório Anual (1965): “As mesmas potencialidades do nosso mercado interno podem, de qualquer forma, tornar-se uma armadilha, aumentando a nossa dependência da importação de bens industriais ou de outra natureza, devido a níveis altos de produção e despesas de consumo, em prejuízo das buscas de novas saídas para a exportação. Temos que achar mercados no exterior, e mais ativamente, agora que no passado. [...] Isto, por sua vez, exige maior atenção, no desenvolvimento de novos produtos, na qualidade dos mesmos, e eficiência da produção”. Justamente com o objetivo de ampliar sua participação no mercado internacional, a Matarazzo fez uma aquisição em Barranquilla, Colômbia, de uma indústria têxtil completa, inclusive com rede comercial própria distribuída pelo país com filiais em Bogotá, Cali, Medellín, Pereira e Letícia. Era a Companhia Industrial Colombiana Marisol (ENTREVISTADO 1). Apesar das iniciativas, a organização parece não ter conseguido compreender as mudanças no ambiente competitivo e, assim, manteve a mesma dinâmica de crescimento que havia sido bem sucedida décadas antes, conforme é destacado por Reiss (1980, p. 202): “Muitos desses mercados foram de fato promissores quando o grupo entrou neles pela primeira vez, mas dificilmente eles podem continuar a serem considerados dessa forma nos anos de 1970. Principalmente porque em nenhum deles a IRFM comprometeu investimentos grandes o bastante para tomar uma posição de liderança no mercado ou reorientar significativamente o seu crescimento prévio”. Um dos negócios onde é possível destacar esta dinâmica de crescimento é o de alimentos e bens de consumo. Com a chegada dos supermercados no Brasil nos 97 anos de 1950, a Matarazzo decidiu transformar suas unidades de abastecimento exclusivas para funcionários no novo modelo de varejo durante os anos de 1960. Os postos de abastecimento eram montados junto às fábricas para atender os operários que faziam as suas compras e tinham os valores descontados do salário (ENTREVISTADO 1). Assim, a IRFM criou a rede Superbom, abrindo lojas em São Paulo e outras cidades, atingindo, em 1971, a marca de dezoito unidades. Para o grupo, o principal objetivo era continuar mantendo o controle sobre grande parte da cadeia, além de ter um canal de distribuição próprio para os seus produtos. Essa estratégia é evidenciada nas palavras de Ermelino Matarazzo em entrevista realizada em 1971: “Nós planejamos expandir ainda mais, pois este é um negócio muito interessante para o grupo, no qual é possível entrar com uma série de produtos próprios [...]. Daqui em diante, é só uma questão de abrir mais lojas” (REISS, 1980, p. 203). A Matarazzo ainda iria expandir a rede, seguindo os planos de Ermelino. Em 1975, foi inaugurado o Supercenter Superbom na Água Branca, um centro de compras com 48.000 m2 de área total e com estacionamento para 2.150 carros. Além do próprio supermercado, a unidade contava com espaços para aluguéis de lojas. O local vendia de alimentos a roupas e eletrodomésticos e tinha um sistema de crediário próprio, o Credibom. Além disso, oferecia um serviço automotivo completo enquanto os clientes faziam compras: troca de pneus, balanceamento, alinhamento (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1975). No mesmo ano, outro supercenter ainda seria aberto em São José dos Campos. No ano seguinte, o Superbom chegaria a 25 unidades. Entretanto, devido à grande competição e aos conflitos de canais que se tornaram mais relevantes, a IRFM não conseguiu manter as margens e o ritmo de crescimento planejado. Assim, em 1978, as unidades do Superbom foram vendidas para o grupo Pão de Açúcar, com exceção do supercenter de Água Branca (REISS, 1980, p. 203). Como resultado da operação, Abílio Diniz chegou a fazer parte do Conselho de Administração da IRFM na época. No início da década de 1970, a Matarazzo já passava por uma situação delicada, tendo obtido três anos seguidos de prejuízo entre 1967 e 1969. De acordo com a empresa, os resultados negativos eram consequência da adoção, por parte da empresa, da Portaria 71, criada pelo governo com o objetivo de estimular empresas a não reajustar os preços e, assim, contribuir para frear a inflação (RELATÓRIO ANUAL 1969). 98 Foi nesse período, também, que a Matarazzo intensificou os investimentos no Nordeste através dos incentivos SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). A Companhia Paraíba de Cimento Portland - Cimepar, por exemplo, lançou um plano de expansão da produção de 400 para 1.400 toneladas diárias, com o volume excedente produzido sob o método de via seca, mais moderno. Além disso, criou a Polynor para a fabricação de poliéster e fibra sintética com o fornecimento de tecnologia por uma empresa japonesa. Todavia, como não mais dispunha do capital necessário para financiar projetos dessa magnitude, começou a buscar novos sócios para esses empreendimentos. Para obter recursos, além de conseguir um financiamento pela SUDENE, realizou subscrição de ações preferenciais com direito a dividendo fixo de 12% ao ano, além de títulos de dívida com juros de 12% ao ano e reembolso em um prazo de cinco anos. O trecho a seguir destaca a chamada de investimentos feita pelo grupo no jornal O Estado de São Paulo (1971): “Se você soubesse que Matarazzo estava começando a fazer fortuna, você se juntaria a ele? Então, está em tempo. Depois de formar, em quase um século de atividades, o maior grupo de empresas totalmente nacionais, Matarazzo está investindo no Nordeste. A explicação é simples. Por ser a região que mais cresce no Brasil, o Nordeste é o melhor negócio do momento. Essa nova história do Grupo Matarazzo já tem 22 anos. Foi quando ele implantou no Nordeste a Cimepar – Companhia Paraíba de Cimento Portland. E todos os que participaram do projeto, junto com Matarazzo, estão tendo lucros. Vai daí, o Grupo Matarazzo partiu para outro projeto, ainda mais arrojado: Polynor, um gigantesco parque industrial de fios sintéticos que está sendo construído em João Pessoa. Com todas as condições para dominar o mercado, na região que mais precisa de fibra no país. Localização ótima, facilidade de transporte e comunicação. Abundância de energia elétrica. Excelente mão de obra. Para realizar o projeto Polynor, num investimento de 112 milhões de cruzeiros, é que Matarazzo precisa de sócios. Você está convocado. Aplique os incentivos fiscais de sua empresa na área da Sudene. E opte Cimepar ou Polynor. Olhe para o passado da Matarazzo. E veja seu futuro” (ESTADÃO, 1971). Além da obtenção de financiamentos e subscrição de ações, a organização buscou novas fontes de captação de recursos incluindo a venda de empresas, além de equipamentos, sucata, terrenos e prédios. Entretanto, como havia poucas empresas lucrativas, essas vendas não foram suficientes para equilibrar as finanças do grupo, deixando a empresa extremamente endividada (REISS, 1980, p. 208). Entre os desinvestimentos realizados no período, o mais impactante foi a venda do edifício sede do grupo em 1972, pelo valor de 73 milhões de cruzeiros (ESTADÃO, 1972). O Entrevistado 1, que estava no grupo nesse período, apresentou o seu relato: 99 “O prédio Matarazzo só foi vendido porque o Matarazzo estava endividado até a cabeça, na época. E o Estado pressionava. Uma das pressões era que ele vendesse tudo aquilo que não era produtivo ou economicamente favorável. Por isso que eu dei risada quando eu falava em fábrica de pregos, fábrica de velas, gesso, etc. Porque tudo isso era fruto daquela ideia inicial de ser autossuficiente. Mas que não se justificava mais na época. Então, a fábrica de gesso não dava lucro. A fábrica de velas não dava lucro. Mas obrigava a ter um controle, uma despesa. E o prédio Matarazzo era chamado de fantasma. Porque era muita coisa. Era muita despesa, para quem está muito endividado.” Durante esse período de turbulência, o Conde Chiquinho também lançou mão de iniciativas para reestruturar a gestão da organização. Dessa forma, inicialmente buscou centralizar questões técnicas e comerciais criando grupos de controle específicos para as diferentes linhas funcionais do grupo. Para aumentar a centralização das informações, em 1963, foi instalado no prédio do escritório central um sistema de computador IBM 1401 com memória de discos e unidades de fitas magnéticas, destinados à tarefa de executar serviços administrativos contábeis (RELATÓRIO ANUAL 1963). Ainda, com o intuito de alterar a estrutura administrativa da organização, Chiquinho contratou a consultoria Delloite, em 1967, que propôs uma nova estrutura divisional descentralizada que, de acordo com REISS (1980, p. 206), nunca chegou a se enraizar completamente, conforme seu relato apresentado: “Mesmo que todos os novos investimentos realizados pela Matarazzo durante esse período fossem bem sucedidos, o que provavelmente não é o caso, o fato principal é que a organização não modificou substancialmente o seu perfil de acordo com as novas condições dominantes da economia” (REISS 1980, p. 204). Vale ressaltar, no entanto, que a reestruturação não deixou de trazer ganhos para a organização. Um faturamento, por exemplo, demorava em média oito dias para ser realizado antes da descentralização. Após a iniciativa, o tempo para efetuar o processo foi reduzido pela metade (EXAME, 1972). A intenção de implantar um modelo descentralizado já se mostrava aparente no Relatório Anual de 1965, no qual em um trecho destacado a seguir, constata-se uma crítica ao método de gestão da União Soviética: “A tendência de descentralização, cuja execução presentemente se nota na comunidade soviética, e a mesma eliminação de Nikita Krushchev, são indícios eloquentes da incapacidade da agricultura e indústria russa, encalhada devido às programações rígidas e centralizadas.” 100 O projeto de consultoria ainda gerou um novo sistema de remuneração por desempenho, no qual os funcionários tinham que atender metas específicas de produtividade. Esses incentivos poderiam atingir até 45% do salário base (EXAME, 1972). Em 1976, a reforma da estrutura de gestão é finalizada com a criação de um Conselho de Administração e uma Diretoria Executiva que tinha o Conde Chiquinho na presidência e um superintende logo abaixo dele. Este posto foi ocupado por Sérgio Batista Zacarelli que era Diretor da FEA/USP e foi contratado para assumir o cargo. Subordinados a ele, estavam três diretores que já tinham carreira na Matarazzo, sendo que Renato Salles era marido de Maria Pia, filha de Chiquinho. A figura 5-4 apresenta essa configuração. Como é possível perceber, Ermelino e Eduardo não faziam mais parte da direção, pois tinham sido afastados do grupo pelo Conde Chiquinho. Paralelamente à reestruturação do organograma do grupo, também se importou novas tecnologias, além de técnicos e gestores para tentar recuperar as unidades do grupo. Raymond Baxter, químico inglês que chegou à IRFM em 1968 fez o seu relato sobre a situação em uma entrevista para a Exame (1972): “Eu vi o esforço que eles fizeram, comprando tecnologia em todo o mundo e colocando gente jovem em fábricas doentes”. Figura 5-2 – Estrutura da Diretoria Executiva em 1976 Francisco Matarazzo Jr Presidente Sérgio Baptista Zaccarelli Diretor Superintendente Milton Getúlio da Cunha Antônio de Abreu Coutinho Diretor Diretor Financeiro Renato Salles Cruz Diretor Fonte: Vilela e Rodrigues (2013) Em 1969, com a proposta de profissionalizar a gestão, Francisco Jr. contratou um especialista de marketing da Procter & Gamble, para assessorá-lo por um período de três anos, por um salário mensal de US$ 5 mil. Por dois anos, o cubano Rene Picard enfrentou a estrutura conservadora das empresas. Numa luta muito difícil 101 contra a máquina administrativa do grupo (os homens de confiança temiam as suas decisões e retardavam as execuções), pouco pode fazer (REVISTA DE ECONOMIA E NEGÓCIOS, 1972). O entrevistado 1, que foi convidado pelo Conde para ocupar um cargo de chefia nessa mesma época e recusou, relatou o porque de sua decisão, corroborando as dificuldades enfrentadas por Picard: “Porque a podridão era muito grande. E eu sabia que aquele seria o meu túmulo. Que eu ia morrer ali do coração. Que eu ia querer fazer o que eu fiz em todas as unidades. Consertar. E ali seria muito difícil. Atrás da sujeira estavam os filhos, o tio, o genro, os parentes. E eu não ia conseguir. Eu ia morrer. Eu sabia que eu estava assinando a minha carta de demissão. Porque nunca ninguém se atreveu a desobedecer o Conde. Eu passei o meu cargo para o meu substituto.” O entrevistado 1 também relatou a importância dada por Chiquinho à contratação de técnicos estrangeiros: “Ele importava muitos técnicos estrangeiros. Era a preferência dele. Então, o melhor usineiro do Peru, ele trazia para o Brasil. O melhor diretor têxtil, ele trazia da Inglaterra. E assim por diante. Ele nunca ia procurar um dos melhores. O melhor. E pagava. Mas pagava de uma maneira brutal”. A década de 1970 também demarca a segunda transição no comando da IRFM. Chiquinho Matarazzo, assim como o seu pai havia feito quase meio século antes, definiu um único herdeiro para comandar de forma centralizada as atividades da organização. A escolhida foi sua filha mais nova, Maria Pia. (REISS, 1980, p. 214). O primeiro testamento que já apontava Maria Pia como sucessora datava de 1954, quando ela tinha apena doze anos de idade (MATARAZZO, 1982, p. 160). Todavia, mesmo com a escolha sendo feita com grande antecedência, assim como ocorreu no primeiro processo, os outros filhos ficaram insatisfeitos. Ermelino e Eduardo entraram na justiça reivindicando seus direitos, mas perderam em decisão judicial no ano seguinte e acabaram entrando em acordo com a irmã (VEJA, 1983) Nas palavras do entrevistado 1 que trabalhou no grupo até 1974, Maria Pia era a menos preparada para assumir o comando do grupo. A própria herdeira do império afirmaria mais tarde que não foi devidamente preparada para ocupar a posição: “Fui treinada para ser mulher de alguém, não para ser o que sou. O homem tem outro tipo de preocupação. Acho o homem, também, fisicamente mais forte, ele se cansa menos” (O ESTADO DE SÃO PAULO, p. 81). Maria Pia começou a trabalhar no grupo apenas em 1976, primeiro nas divisões têxteis e, depois, nas áreas de propaganda e marketing, sua verdadeira 102 especialidade (ESTADÃO, 1983). A situação enfrentada por ela não seria fácil, como é possível perceber em um relatório redigido pelo BNDES, após uma avaliação técnica realizada na organização: “Quando do falecimento do conde, a situação era caótica. As avaliações de situações e decisões vinham sendo tomadas com base na sensibilidade do Conde, cujos padrões de referência, como é compreensível, revelavam-se absolutamente inadequados às condições econômico-financeiras e sociais do Brasil dos anos 60 e 70, principalmente” (VEJA, 1983). O primeiro direcionamento de Maria Pia foi de que a Matarazzo deveria profissionalizar-se e estruturar-se, deixando de ser uma empresa familiar (ESTADÃO, 1981). Além disso, decidiu direcionar o grupo para as atividades fabris, principalmente para o setor de alimentos. Assim, foram vendidas diversas atividades comerciais e, também o Banco Matarazzo que em 1977 contava com apenas uma sucursal. Em 1978, realizou uma joint venture com a americana Hershey Foods com o objetivo de reorganizar o seu sistema de produção e distribuição de alimentos. Como resultado, a empresa recebeu know how e capital para fortalecer o seu negócio (REISS, 1980, p. 215). Em 1979, uma ideia que acompanhava o Conde Chiquinho desde o início da década finalmente foi colocada em prática: a transformação da IRFM em uma holding, agrupando as unidades do grupo em empresas de acordo com as suas similaridades. A tabela 5-4 apresenta o resultado dessa nova configuração. Mesmo com essas iniciativas, entre 1980 e 1981, o grupo apresentou prejuízo. Em 1982, por sua vez, o faturamento da IRFM foi de 56,5 bilhões de cruzeiros e o lucro líquido atingiu 2,4 bilhões. Por outro lado, algumas unidades começavam a enfrentar atrasos de salários e greve de funcionários. Para recuperar parte das perdas e melhorar a saúde financeira da organização, a Matarazzo continuou vendendo empresas. Entre elas estavam: A fábrica de café solúvel instalada em joint venture com uma empresa americana; a Portland Cimepar, considerada a melhor das empresas do conglomerado; a fabricante de biscoitos Petybon que tinha participação da Hershey Foods; a Companhia de Navegação Matarazzo; e a fabricante de plásticos Plastvil (VEJA, 1983). 103 Tabela 5-4 - Divisão da Matarazzo em Empresas Valor do ativo fixo reavaliado (Cr$ mil) Previsão de vendas em 1980 (Cr$ mil) 501.673 3.229.811 630.311 2.448.708 1.233.971 4.233.402 Fábrica de Cimento – Morretes (RS) 161.778 428.811 Fábrica de Azulejos Cláudia – São Caetano do Sul 171.817 628.667 Diversas Fazendas 722.447 32.739 Fábrica de Soda – São Caetano do Sul (SP) Oficina Mecânica – São Caetano do Sul (SP) 340.965 982.328 Fábrica de Nylon – São José dos Campos (SP) 497.013 1.061.942 63.124 238.394 207.507 2.795.365 Novas empresas Indústrias Matarazzo de Óleos e Derivados SA Indústrias Matarazzo de Papéis AS Indústrias Matarazzo de Embalagens Indústrias Matarazzo de Cimento e Mineração SA Indústrias de Artefatos de Cerâmica SA Florestal Matarazzo AS Indústrias Químicas Matarazzo SA Indústrias Matarazzo de Fibras Sintéticas Indústrias Matarazzo de Óleos do Nordeste Indústrias Matarazzo de Alimentos SA Unidades Descaroçador – Votuporanga (SP) Fábrica de Óleos e Derivados – Rancharia (SP) Descaroçador – Rancharia (SP) Fábrica de Óleos e Derivados – Campinas (SP) Fábrica de Óleos e Derivados – Umuarama (PR) Descaroçador – Presidente Wenceslau (SP) Fábrica de Papéis Belenzinho – São Paulo (SP) Fábrica de Celulose – São Caetano do Sul (SP) Fábrica de Papéis – Santa Luzia (MG) Fábrica de Papéis – Cataguases (MG) Fábrica de Embalagens – Erm. Matarazzo (SP) Fábrica Celosul – Ermelino Matarazzo (SP) Fábrica de Papelão Mariângela – São Paulo (SP) Fábrica de Papel Miolo – Fazenda Amália (SP) Fábrica de Óleos – João Pessoa (PB) Fábrica de Óleos e Derivados – São Paulo (SP) Moinho de Trigo do Brás – São Paulo (SP) Fonte: Relatório Anual 1979 Apesar do forte movimento de venda de ativos e da deterioração nos resultados da IRFM, Maria Pia, respondendo uma matéria na Revista Veja, negou quaisquer dificuldades financeiras no grupo e ainda reafirmou o intuito de continuar crescendo: 104 “Nas atuais e gerais dificuldades do país, o Grupo Matarazzo, um dos mais representativos do capital nacional, inclui-se entre os que melhores condições têm para resistir às investidas desnacionalizantes que se iniciam invariavelmente, na faixa marginal do mercado de escândalo, onde os traficantes da difamação mercantilizam o abuso da liberdade de imprensa. É verdade que o Grupo Matarazzo, um dos maiores complexos industriais do Brasil, está empenhado em crescer com o país, em aumentar a produção, em ampliar o mercado de empregos, em contribuir para a redistribuição de rendas através do mais amplo processamento dos variadíssimos recursos nacionais” (ESTADÃO, 1981). Apesar de todos os desinvestimentos realizados que totalizaram 180 milhões de dólares, a organização não conseguiu contornar o seu grave problema financeiro. Assim, em 18 de julho de 1983, o grupo de onze empresas da IRFM que juntas acumulavam uma dívida de 160 milhões de dólares (94 bilhões de cruzeiros) pede concordata. Com um patrimônio de 80,7 bilhões de cruzeiros, o grupo tinha apenas um quarto do tamanho da Votorantim, o maior conglomerado empresarial brasileiro da época (VEJA, 1983). No pedido, a IRFM propunha pagar os credores em duas parcelas, sendo dois quintos do seu passivo no final do primeiro ano e o restante ao fim do segundo. A concordata ainda permitiu a conversão da dívida estrangeira em moeda nacional com juros de 12% ao ano e sem correção cambial (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1983). O documento oficial da concordata incluiu uma série de acusações contra o governo pela política que privilegiava o capital externo e pela falta de ajuda oficial, embora os três maiores credores das empresas concordatárias fosses bancos estatais: BNDES (32 bilhões de cruzeiros), Badesp (7,5 bilhões) e o Banco do Estado de São Paulo (5,3 bilhões). Para o economista Luciano Coutinho, além da dependência do mercado de produtos tradicionais, cuja demanda estava diretamente ligada ao poder aquisitivo dos salários mais baixos que ficavam cada vez mais achatados devido à situação econômica do país, faltou também agilidade para escapar da recessão. Para Coutinho, se não fossem as elevadas taxas de juro e a retração da demanda, o grupo talvez tivesse tido condições de fazer uma reciclagem de sua estrutura. O pedido de concordata havia sucedido uma maxidesvalorização do cruzeiro em 30%, ocorrida em fevereiro daquele ano, e que teve um impacto muito forte sobre as empresas do grupo, que tinham um volume elevado de dívidas em moeda estrangeira. O economista ainda expôs que a situação que a Matarazzo chegou não difere muito das indústrias tradicionais do setor têxtil do Nordeste, que faliram em massa no início dos anos 80. As que sobreviveram, segundo Coutinho, detinham tecnologia moderna e exportavam grande parcela de sua produção (ESTADÃO, 1983). 105 A tabela 5-5 apresenta como era a composição de receitas da IRFM nos anos que precederam a concordata e logo após o pedido em 1983. Tabela 5-5 Composição do Faturamento da IRFM por Setor (%) Setores 80 81 82 83 Produtos de Consumo 31,5 35,3 29,2 7,7 Químico 10,2 8,2 13,0 17,4 Plásticos 16,4 10,6 9,7 6,8 Mineração 9,8 13,5 6,3 6,2 Papel e Celulose 7,1 6,7 12,1 17,3 Embalagens 10,1 11,5 18,1 27,9 Açúcar e Álcool 4,8 7,7 10,1 15,0 Serviços 1,3 1,2 1,5 1,7 8,8 5,3 0,0 0,0 Têxtil Fonte: Relatório Anual 1983 O período que sucedeu a falência no início dos anos 80 foi extremamente conturbado. Os irmãos de Maria Pia, que eram ex-diretores da IRFM, fizeram uma série de ataques à gestão do grupo, conforme pode ser evidenciado em entrevista de Ermelino à revista Veja (1983): “Os problemas que levaram à concordata derivam da má gestão do grupo [...] Basta conferir o currículo dos diretores do grupo para se concluir sobre a qualidade da gestão”. Em seu relato, Ermelino cita indiretamente o vice-presidente de coordenação geral, o segundo cargo mais importante da organização e que desde 1978 era ocupado pelo quarto marido de Maria Pia, Roberto Calmon de Barros Barreto, que era ex-diretor do Unibanco. Em 1985, tentando se recuperar, a IRFM realiza um grande investimento em pessoal, principalmente na área comercial, "em que o grupo era fraco", de acordo com o vice-presidente Roberto Calmon (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1985). No mesmo ano, anuncia um novo plano de investimento na indústria de papel. A proposta era aproveitar a infraestrutura de uma planta desativada localizada em São Roque, para instalar uma unidade para fabricação de 200 toneladas/dia de CTMP (produto intermediário entre a pasta mecânica e a celulose química). Tratava-se de um investimento relativamente baixo em um projeto de tecnologia moderna (ESTADÃO, 1985). 106 Em 1987, a Matarazzo enfrentava grandes dificuldades para quitar as suas dívidas. Por isso, o BNDES entrou com uma ação judicial contra a empresa para a cobrança de duas prestações atrasadas, referente a um débito de Cz$ 4,7 bilhões. Como resultado, o grupo registrou um prejuízo de Cz$ 7,2 bilhões no ano, sendo que Cz$ 6,4 bilhões foram referentes ao pagamento da dívida (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1987). Cinco anos depois do pedido de falência, em 1988, o grupo Matarazzo anuncia a saída da concordata. De acordo com a direção da IRFM, o último passo foi dado com o fechamento de um acordo para renegociação de uma dívida de aproximadamente US$ 70 milhões com o Banco do Brasil (BB). O pagamento foi prorrogado por um novo prazo de dez anos. No entanto, o jornal Estadão ainda ressaltava a existência de pendências com o BNDES que poderiam impedir a saída definitiva da concordata (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1988). O fechamento do processo de falência era um passo necessário para a IRFM conseguir viabilizar um novo e grandioso empreendimento. Em 1986, o grupo havia se unido à canadense Brascan com o objetivo de construir o maior Shopping Center da América do Sul no complexo da Água Branca. O projeto ainda previa a construção de um hotel e outros dez edifícios comerciais. Para viabilizar o plano, no entanto, a IRFM deveria estar fora do processo de falência para conseguir captar mais recursos. Maria Pia forneceu um panorama sobre as dívidas com o BB e o BNDES, além do novo investimento: “A parte operacional não consegue pagar essa dívida no todo, apenas parte dela. Fizemos, inicialmente, uma desmobilização de US$ 180 milhões. Mas eu aprendi a não vender a qualquer preço. Todos sabiam que a Matarazzo estava endividada e ofereciam valores abaixo do mercado pelas propriedades. Preferi, então, ficar com o patrimônio e procurar outras saídas. Temos um terreno na Água Branca, por exemplo, que poderíamos vender por US$ 30 milhões. Em vez de vendê-lo, contudo, tratamos de procurar uma atividade para ele. [...] O Shopping deve ficar pronto em 1991. Nos primeiros 12 anos, segundo a composição acertada, nós receberemos 75% da receita para pagar a dívida com o Banco do Brasil” (O ESTADO DE S. PAULO, 1989). Vale ressaltar, ainda, que como diversos prédios do complexo eram tombados, houve um grande imbróglio envolvendo a empresa e a prefeitura, que queria evitar a demolição dos edifícios. Devido a esse problema e, também, pela questão da necessidade de captação de recursos, a execução do projeto se arrastaria pelos anos seguintes. 107 Assim, de maior grupo empresarial do país durante várias décadas, a Matarazzo chegaria ao final da década de 1980 em uma situação muito diferente. Em 1989, teve um faturamento pouco superior a US$ 400 milhões, com um pequeno lucro operacional. O patrimônio líquido era de US$ 600 milhões, incluindo a mansão na Avenida Paulista, avaliada em US$ 100 milhões (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1990). Em 1990, Maria Pia deixa a presidência do grupo, mantendo-se como presidente do Conselho. Em seu lugar, assume Paulo Sérgio Portugal Graciano, que havia sido vice-presidente da IRFM entre 1981 e 1986. No mesmo ano, as oito principais empresas das vinte e nove do grupo entraram com um novo pedido de concordata. Entre elas, estava Indústria Matarazzo de Embalagens, a principal empresa, com 1.840 funcionários e um faturamento anual de US$ 100 milhões. Esse novo pedido adiou a construção do shopping em Água Branca (ESTADÃO, 1990). Em 1991, o Shopping West Plaza é inaugurado em frente ao complexo de Água Branca, praticamente eliminando as possibilidades de a IRFM seguir em frente com o seu projeto de construção do Shopping Matarazzo. Assim, passando por um novo processo de falência e com possibilidades limitadas de levantar recursos, o grupo vê a sua situação financeira se deteriorar rapidamente com dois anos seguidos de prejuízo. Em 1991, o déficit atinge Cr$ 67 bilhões e, no ano seguinte, Cr$ 1,1 trilhão (ESTADÃO, 1993). Assim, em 1992, várias unidades da Matarazzo atrasam os pagamentos de salários. Algumas, ainda, ficam paralisadas por falta de energia elétrica, cortadas por atraso no pagamento. Entre elas, estava a Indústria Matarazzo de Papel, em Cataguases (MG) e a Agro Industrial Amália. A situação se tornou tão caótica que, a empresa não tinha dinheiro para realizar a rescisão da unidade de produtos termoplásticos em Campinas, que tinha 165 funcionários e estava sendo desativada. Por isso, entrou em acordo com o sindicato para que parte do pagamento fosse feito com caixas de sabonete Francis que o grupo fabricava em São Paulo (ESTADÃO, 1992). Além disso, a IRFM começou a sofrer processos pelo não recolhimento de FGTS e INSS e, também, pela poluição causada pelas fábricas de São Caetano e Belenzinho. Assim, a Matarazzo chega em 1994 com 5.000 funcionários e atuação em áreas como fibras sintéticas, azulejos, embalagem, papel, comércio, tecido e sabão. A tabela 5-6 apresenta a composição do grupo na época: 108 Tabela 5-6 – Perfil do Grupo Matarazzo em 1993 Empresas Patrimônio Líquido (em bilhões de Cr$) Indústrias Matarazzo de Papéis 142 Indústrias Matarazzo de Embalagens 144 Agro Industrial Amália 663,6 Indústrias Matarazzo de Cerâmica 24 Indústrias Matarazzo de Óleos e Derivados 12,6 Indústrias Matarazzo de Fibras Sintéticas 46,8 Florestal Matarazzo Indústrias Matarazzo de Óleos do Nordeste Indústrias Matarazzo do Paraná 228 56 135,9 Fonte: O Estado de São Paulo (1993) Em 1996, a mansão na Avenida Paulista é demolida e o grupo tenta vender o terreno de cinco mil metros quadrados por cerca de US$ 120 milhões. Entretanto, no local acaba sendo erguido um grande estacionamento. Em 2007, o ativo finalmente seria vendido para a Cyrela e uma empresa do grupo Camargo Corrêa pelo valor de R$ 125 milhões (FOLHA ONLINE, 2007). Em 1997, o Supercenter Matarazzo, na Água Branca, foi levado a leilão pelo Fórum das Execuções Fiscais para o pagamento de impostos atrasados. Avaliado em R$ 41,89 milhões, foi arrematado por apenas R$ 18,5 milhões pela Companhia Zaffari de Supermercados (ESTADÃO, 1997). A partir dessa época, a Matarazzo passa a ter pouquíssimas operações, entre elas, a do sabonete Francis, que seria vendida para o grupo Bertin em 2007 e da Fazenda Amália que foi arrendada no mesmo ano (VILELA & RODRIGUES, 2013). Após se desfazer dos negócios, o grupo industrial da Matarazzo deixa de existir, restando apenas propriedades arrendadas para terceiros. 109 6 HISTÓRICO VOTORANTIM Sorocaba, que chegou a ser chamada de a “Manchester Paulista” pela sua vocação industrial, pode ser considerada um berço de colossos brasileiros. Em 1890, no mesmo ano em que Francesco Matarazzo saiu da cidade e partiu para São Paulo em busca de novas oportunidades, o Banco União de São Paulo comprava as terras, instalações e equipamentos da Votorantim, uma companhia que atuava com serrarias de mármore na cidade do interior paulista. No ano seguinte, seria instalada na unidade uma fábrica de estamparia e, em 1903, uma seção de fiação e tecelagem, marcando definitivamente sua atuação na indústria têxtil (SOUZA1, 2004, p. 225). ‘ Nessa mesma época, Antônio Pereira Ignácio, o empreendedor que daria início ao grupo ao incorporar a Votorantim anos mais tarde, já se destacava no comércio de algodão. Nascido em Baltar, em Portugal, o jovem Pereira Ignácio tinha apenas dez anos quando chegou a Sorocaba acompanhando o seu pai, João Pereira Ignacio, no ano de 1884. Ainda criança, começou auxiliando na sapataria que o pai montou, enquanto estudava à noite, até concluir o currículo ginasial. Entretanto, quatro anos depois de se estabeleceram no Brasil, eles recebem a notícia de que a mãe de Antônio que ficara em Portugal havia adoecido. Por esse motivo, João volta para a terra natal para ficar com a esposa, deixando o filho no Brasil (CALDEIRA, 2008, p. 10). Assim, ainda adolescente, Antônio vai trabalhar em São Paulo e depois no Rio de Janeiro para adquirir experiência e juntar capital para criar o seu primeiro empreendimento. Feito que consegue atingir em poucos anos (SOUZA1, 2004, p. 226). Primeiro, abriu um pequeno comércio. Depois, um grande armazém de secos e molhados em Botucatu, e no início do século vinte, uma fábrica de descaroçamento de algodão em Boituva, marcando o movimento que o levaria do comércio para a indústria (SCANTIMBURGO, 1986, p. 109). Inicialmente, o seu objetivo era produzir óleo de algodão com o intuito de vendê-lo mais barato que o óleo da banha de porco. Entretanto, ele sofre uma retaliação de Matarazzo que já era um grande produtor de banha de porco da região. Por isso, passou a direcionar a sua produção para o setor têxtil (SCANTIMBURGO, 1986, p. 110). Entre 1903 e 1904, ele abriria duas novas unidades de descaroçamento, uma na cidade de Tatuí e outra no recém-criado distrito de Conchas, à beira dos trilhos da ferrovia Sorocabana (CALDEIRA, 2008, p. 13). Nessa mesma época, outro fato importante para a história da Votorantim acontecia muito longe dali. Em 1900, nascia em Nazaré da Mata, Pernambuco, José 110 Ermírio de Moraes. Filho de uma família tradicional do Estado, o pernambucano perdeu o pai com apenas um ano de idade e, por isso, ainda criança começou a ajudar sua mãe nos trabalhos do engenho de açúcar da família (SCANTIMBURGO, 1986, p. 75). Voltando para Pereira Ignácio, em 1905. É neste ano que o empreendedor dá um importante salto nos negócios quando decide montar uma grande fábrica de aproveitamento de algodão, levantando o capital junto a um amigo que tinha negócios no Rio de Janeiro. Para conhecer a fundo as técnicas de produção, vai para os Estados Unidos trabalhar como operário em uma fábrica sem, no entanto, revelar suas intenções para os seus empregadores. Quando, em decorrência de seu desempenho, foi convidado a se tornar gerente industrial da planta, contou os seus planos para os sócios, que ficaram impressionados e se tornaram importantes parceiros, lhe ajudando a comprar as máquinas necessárias para montar a sua própria fábrica no Brasil. Após essa experiência, Pereira Ignácio funda, assim, a Fábrica de Óleos Santa Helena (VOTORANTIM, 2008, p. 15). Scantimburgo (1986, p. 113), o autor da biografia de José Ermírio de Moraes, destaca a importância da viagem de Pereira Ignácio aos EUA: “Sua estada na América fora-lhe proveitosa mais do que se tivesse frequentado várias universidades. Aprendera no dia a dia do trabalho, na observação registrada com extremo cuidado, de todas as fases da produção na qual tinha interesse”. Assim como Matarazzo, Pereira Ignacio lançou mão de novos métodos de comercialização. Antes de inaugurar a fábrica, o empreendedor publicou anúncios nos jornais oferecendo aos plantadores um preço pré-fixado para a compra da próxima safra de algodão. O resultado lhe rendeu frutos e o empreendedor instalou outras quatorze fábricas na região nos dez anos seguintes, expandindo, também, suas atividades para o beneficiamento de arroz. Nessa época, começa um período de diversificação e crescimento. Adquire a fábrica de cimentos Rodovalho, monta uma usina hidrelétrica e compra uma empresa de telecomunicações (DEAN, 1976, p. 112). Em 1913, a fábrica de tecidos Votorantim, agora um importante cliente das empresas de Pereira Ignacio, já contava com 1.200 operários e um grande distrito que incluía casas, escritórios e escolas, além de estar ligada à Sorocaba por uma linha particular de bondes. Nessa época, a empresa começa a ter problemas financeiros e dificuldades para honrar os compromissos com seus fornecedores. Por isso, Pereira Ignacio decide conceder crédito para o seu cliente e, no mesmo ano, torna-se diretor do Banco União. Posteriormente, torna-se arrendatário de toda a divisão de algodão. Para reduzir sua dependência em relação à Votorantim, amplia sua participação no 111 setor, adquirindo, também, as fábricas de tecidos Bom Retiro e Paulistana, além da tecelagem São Bernardo. Em seguida, fundou sua mais importante unidade, a Lusitânia, que era capaz de produzir quatro milhões de metros de tecido por ano (CALDEIRA, 2008, p. 17). Como é possível perceber, o crescimento foi substancial. Em um período de dez anos, o empresário evoluiu de uma pequena unidade de descaroçamento de algodão para um conjunto de fábricas do setor têxtil. Para conseguir essa evolução em um curto espaço de tempo, Pereira Ignacio se beneficiou das dificuldades de importação de algodão durante a guerra: “Exemplos das mudanças provocadas na propriedade industrial pela escassez de certas matérias-primas são as súbitas fortunas de Antônio Pereira Ignácio e Nicolau Scarpa. Os tecidos de algodão só poderiam proporcionar ganhos inesperados aos fabricantes que dispusessem de uma provisão de algodão. Para as pequenas fábricas espalhadas pelo interior, muitas das quais possuíam seus próprios algodoais, isso não constituía problema. Mas as grandes fábricas das cidades eram presas aos descaroçadores de algodão, que, repentinamente, se colocaram em posição sumamente estratégica” (DEAN, 1971, p. 111). Em 1916, com dezesseis anos, José Ermírio de Moraes foi para os Estados Unidos estudar na Colorado School of Mines, em Golden, no Estado de Colorado. Lá permaneceu por cinco anos e para Scantimburgo (1986, p. 85) esse período foi fundamental para o jovem conhecer o dinamismo do empreendedorismo americano, a dedicação ao trabalho, a objetividade e a disposição para conduzir projetos até o fim. “O primeiro traço de americanismo em José Ermírio foi, passados alguns meses de sua estada em Colorado, escrever à mãe para não lhe mandar dinheiro, pois já havia arranjado um emprego fora das horas de estudo. [...] Daí por diante, até 1921, quando se graduou, José Ermírio sustentou-se nos Estados Unidos” (SCANTIMBURGO, 1986, p. 82). Para Scantimburgo (1986, p. 97), José Ermírio de Moraes foi para o que havia de melhor em educação e preparação tecnológica. Numa fase em que predominavam as escolas humanísticas no Brasil, ele voltaria com uma forte capacitação, fonte de vantagem competitiva para os seus negócios. Em 1917, a Votorantim, que era a segunda maior fábrica de São Paulo, estava falindo e com os operários em greve devido ao atraso de três meses no pagamento dos salários. Assim, Pereira Ignacio e seu sócio Nicolau Scarpa compraram a fábrica em leilão público por apenas cinco mil contos, formando, assim, a Sociedade Anônima Fábrica Votorantim (DEAN, 1971, p. 113). 112 Pereira Ignacio tomou a frente da organização que teria três campos de atuação: fabricação de produtos têxteis, exploração de jazidas de minérios e exploração da via férrea Votorantim (CALDEIRA, 2008, p. 25). Dessa forma, em apenas um ano, o empreendedor português passou a deter 17% da capacidade de fabricação de tecidos de algodão em todo o Estado, além de contar com 122 mil contos (30,5 milhões de dólares) de capital circulante (DEAN, 1976, p. 113). Assim, concentrando suas atividades principalmente no setor têxtil, Pereira Ignacio construiu um grupo com duas dezenas de unidades, tendo a Votorantim no centro dos seus negócios, além de um escritório central localizado na Rua São Bento, no Centro de São Paulo. Em 1919, o grupo tinha unidades de descaroçamento nas seguintes localidades: Sorocaba, Tatuí, Porto Feliz, Conchas, Itapetininga, Campo Largo, Boituva, Tietê, Avaré, Piracicaba, Monte Mor, Nova Odessa, Itu, Jundiaí, Inhaiba e Rebouças (ESTADÃO, 1919). Entretanto, ao final do primeiro ano da aquisição da Votorantim, o valor da fábrica havia chegado a 1.650 contos e as dívidas adquiridas para sanar a sangria eram superiores a três mil contos. Para encontrar soluções para o problema, Pereira Ignacio se licencia do cargo de presidente e vai para os EUA. Na sua volta, contrata um auditor para fazer o levantamento dos ativos da empresa e fixar o preço para execução de compra das partes dos demais acionistas. Assim, adquire a parte dos seus sócios, transfere a Rodovalho para o grupo Votorantim, moderniza os equipamentos da fábrica, realiza mudanças nos estatutos visando a estruturação da administração e vende ativos para se capitalizar (CALDEIRA, 2008, p. 29). Entre os desinvestimentos realizados, estavam os terrenos e edifícios onde estava instalada a Companhia Têxtil Paulistana que havia sido comprada anos antes. Além disso, a Votorantim tinha diversos terrenos em São Paulo, como no bairro do Brooklin Paulista, e em São Caetano, que passaram a ser vendidos em prestações para o público em geral (ESTADÃO, 1921). Entre 1920 e 1923, a empresa conseguiu captar 3.400 contos de réis com a venda de terrenos (ESTADÃO, 1923). Além disso, no segundo semestre de 1920 a diretoria toma uma decisão que viria a se tornar uma característica permanente do grupo: reaplicar os resultados obtidos de modo a aumentar as reservas da empresa (CALDEIRA, 2008, p. 29). Com as iniciativas empreendidas, a Votorantim começou a reverter a sua situação financeira já a partir de 1920. Portanto, apesar de não ter atingido um porte similar à Matarazzo, além de ser muito menos diversificada, a Votorantim havia se tornado um concorrente de peso da IRFM no setor têxtil e Pereira Ignacio já figurava entre os grandes industriais paulistas, 113 o que permite uma breve comparação feita por Antônio Ermírio de Moraes sobre as duas organizações: “A Matarazzo seguiu construindo mais e mais fábricas diferentes. Já a Votorantim preferiu fazer um processo muito seletivo” (COUTO, 2005, p. 342). No início da década de 20, Pereira Ignácio já era um grande empresário, conhecido como o “Rei do Algodão” e havia conseguido atenuar os problemas financeiros da fábrica têxtil Votorantim, da qual se tornara o único sócio. Isso lhe permitiu dar passos mais largos. Começou construindo uma ferrovia para escoar a produção e transportar os funcionários da Votorantim para o centro de Sorocaba. A infraestrutura ficou pronta em 1922 e se tornou a primeira ferrovia eletrificada particular do país. No mesmo ano, modernizou a fábrica comprando novos teares (CALDEIRA, 2008, p. 30). Um ano após a conclusão da ferrovia, a Fábrica Votorantim se mantinha como uma das maiores do país, com 3.400 operários (SAES & NOZOE, 2006). Em 1923, Pereira Ignácio se licencia do cargo e vai para a Europa acompanhar a esposa que sofria de asma e iria fazer um tratamento na Suíça. Assim, Numa de Oliveira, diretor e acionista do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, assume a direção da empresa. Numa era um empresário experiente e conhecia bem a empresa, pois fazia investimentos nela. Nesta época, o filho mais velho de Pereira Ignácio, João Pereira Ignácio torna-se diretor tesoureiro da Sociedade Anônima Tecidos Votorantim (CALDEIRA, 2008, p. 31). No mesmo período, José Ermírio de Moraes regressara do seu período de estudos nos Estados Unidos. Em 1921, se empregou como funcionário público do Governo de Minas Gerais, mapeando as riquezas minerais do Estado. No ano seguinte, foi trabalhar na St. John Del Rey Mining Co. onde iria atuar como técnico de mineração. Em 1923, no entanto, José Ermírio recebe uma carta do cunhado que lhe informa que a usina de açúcar da família estava enfrentando problemas financeiros. Assim, com 23 anos, o jovem engenheiro deixa o emprego e vai para o Recife para se tornar gerente-geral da usina. Para salvar a empresa, decide que é necessário modernizá-la e, portanto, parte para a Inglaterra com o objetivo de comprar novos equipamentos (CALDEIRA, 2008, p. 48). José Ermírio aproveita a viagem para levar a sobrinha que estava doente para realizar um tratamento na Europa que, por coincidência, seria realizado na mesma clínica na Suíça onde já estavam Pereira Ignácio, sua mulher e sua filha Helena, pela qual José Ermírio viria a se apaixonar. Com a aproximação dos dois, Pereira Ignácio 114 percebe um grande potencial no pretendente de sua filha e, então, convida o jovem Pernambucano para trabalhar como executivo na Votorantim. Assim, em 1924, José Ermírio vai para Recife para coordenar a instalação dos equipamentos e de lá migra para São Paulo para iniciar uma nova jornada profissional. No ano seguinte, João Pereira Ignácio adoece e precisa se afastar da diretoria comercial da Votorantim, sendo o cargo preenchido por José Ermírio de Moraes (CALDEIRA, 2008, p. 53). A chegada do novo profissional com sua bagagem de conhecimentos técnicos gerava um diferencial ao grupo, conforme relato apresentado por Scantimburgo (1986, p. 123) sobre os industriais na década de 1920: “O industrial era guiado mais pelo instinto do que por segura informação técnica”. Em 1924, Pereira Ignácio chegou à conclusão que o custo das moradias dos seus funcionários já havia sido amortizado e, por isso, decidiu abolir a cobrança dos aluguéis das casas da vila da Votorantim. Além disso, os funcionários que não conseguiriam se alojar nas casas da companhia, recebiam compensações de dez milréis mensais. Isso gerou uma retaliação dos outros donos de fábricas que exigiram através da CIFTSP que a Votorantim restaurasse os aluguéis. Em 1924, a vila operária da Votorantim já contava com 834 casas (ESTADÂO, 1935). Isso, contudo, não indica uma benevolência do empresário em relação aos empregados. Segundo Dean (1971, p. 180), no ano de 1928, Pereira Ignácio chegou a dispensar funcionários em massa devido à indisciplina e tumultos de trabalhadores. Embora a Votorantim tenha recuperado a sua saúde financeira, a Revolução Tenentista de 1924 afetou drasticamente a indústria de São Paulo. Assim, segundo Scantimburgo (1986, p. 125), quando José Ermírio de Moraes assume o seu posto na organização em 1925, a Votorantim ficou novamente em situação financeira crítica, o que viria a exigir novos esforços para tornar a empresa lucrativa novamente. Dessa forma, em 1926, Pereira Ignácio amplia o capital da Votorantim de cinco mil para vinte mil contos, utilizando, para isso, os recursos que havia obtido com a venda de ativos. Assim, reduziu ainda mais a dependência de créditos de terceiros e possibilitou a recuperação financeira da organização. Com o maior controle do capital da empresa, Pereira Ignácio também retoma o cargo de presidente de Numa de Oliveira e elege José Ermírio de Moraes como diretor-gerente. Ainda em 1926, João Pereira Ignácio, o filho mais velho do fundador do grupo, retorna à empresa como diretor tesoureiro e Paulo, o filho mais novo, assume o posto que estava com José Ermírio (CALDEIRA, 2008, p. 56). Nessa mesma época, o grupo 115 adquire a usina hidrelétrica Boa Vista localizada na bacia do rio Paranapanema (SAES & NOZOE, 2006). Em 1928, José Ermírio de Moraes assina, como representante da Votorantim, o manifesto "Votorantim, Matarazzo e Klabin", grupo que daria forma à fundação do CIESP. Matarazzo foi o primeiro presidente e José Ermírio foi um dos quatro diretores (CALDEIRA, 2008, p. 59). Em 1929, durante a grande crise, a Votorantim ainda era demasiadamente dependente da indústria têxtil, o que tornava o desafio de enfrentar a depressão ainda maior, uma vez que conforme já destacado na descrição do desenvolvimento econômico e industrial do Brasil, este setor foi um dos mais afetados no período. De acordo com os relatos de Scantimburgo (1986, p. 147), a indústria têxtil nessa época era pouco lucrativa, operando muito próxima do ponto de equilíbrio. José Ermírio de Moraes relatou as dificuldades da época: “Somente a segurança em mim mesmo, na empresa e no Brasil, e o apoio irrestrito de meu sogro, animavam-me a prosseguir sem desfalecimento. Foram anos sombrios para todos os industriais, como para os agricultores e comerciantes. O Brasil era economicamente muito fraco” (SCANTIMBURGO, 1986, p. 143). Nesse período, a Votorantim contava com uma estrutura relativamente enxuta composta de quarenta funcionários na administração. O comando, por sua vez, era centralizado principalmente na figura de José Ermírio de Moraes, que era o responsável pelas operações do grupo. Isso garantia a agilidade nas tomadas de decisão. Além disso, a política de reinvestimento dos lucros contribuiu para a empresa atravessar o período de turbulência (CALDEIRA, 2008, p. 62). Entretanto, devido às dificuldades enfrentadas pelo setor têxtil, José Ermírio e Pereira Ignacio entendem que era importante encontrar novas oportunidades de negócio que permitissem a empresa se tornar menos dependente de uma única indústria. Em 1933, ainda com uma economia sob o efeito da crise internacional, José Ermírio identifica o potencial das jazidas de calcário da fazenda Santo Antônio, sede da fábrica de cimentos Rodovalho. Assim, decide criar uma nova fábrica com um novo forno importado, mais moderno. São criadas, então, a fábrica Santa Helena e a marca de cimento Votoran, com uma capacidade para produzir 250 toneladas de cimento por dia (CALDEIRA, 2008, p. 72). Esse volume colocava a Votorantim como terceira maior produtora de cimento do país e a primeira com capital nacional (REISS, 1980, p. 117). A formação de uma equipe qualificada também foi uma preocupação dos empresários. Aproveitando a vinda de um técnico dinamarquês para acompanhar a instalação do novo forno importado, José Ermírio o convida para integrar o corpo 116 técnico da empresa. O novo funcionário não só aceitou como acabou trazendo outros colegas (CALDEIRA, 2008, p. 81). Em 1938, o cimento Votoran seria utilizado em uma das principais obras públicas de São Paulo, o Viaduto do Chá. Esse evento ajuda a fortalecer a percepção de qualidade do produto (CALDEIRA, 2008, p. 81). Vale ressaltar que a Votorantim entrou na indústria de cimentos em um momento favorável para o setor. Reiss (1980, p. 120) destaca que a produção nacional evoluiu de apenas 100 mil toneladas em 1930 para 745 mil toneladas em 1940, sendo que a participação dos produtos importados no mercado nacional caiu de 80% para 25% no período. Ainda segundo o mesmo autor (p. 242), uma das explicações para esse processo estava na alta relação peso/custo que tornava o transporte do produto extremamente caro, fazendo com que o item importado perdesse competitividade e abrisse espaço para a produção nacional. Na mesma época em que criava o braço de cimentos, a Votorantim passa por mudanças na sua administração. José Ermírio constrói uma nova sede para o grupo. Pereira Ignácio se afasta cada vez mais do dia a dia das empresas, se encarregando de analisar os resultados, enquanto a gestão da organização é transferida de vez para o seu genro. A administração da Votorantim passa a ser dividida em seções de acordo com a carteira de produtos comercializados (CALDEIRA, 2008, p. 82). É interessante destacar, no entanto, que apesar de a Votorantim ser usualmente destacada pelo seu processo de sucessão eficiente, a organização não passou ilesa por este comum desafio das empresas familiares, conforme destaca Dean (1971, p. 130): “As brigas da família obstavam, às vezes, ao crescimento das firmas industriais. Sentindo-se esbulhados do legítimo controle da firma por José Ermírio de Moraes, genro de Pereira Ignácio, os filhos deste último decidiram, afinal, vender suas ações a um terceiro. A venda, aparentemente, foi maldosa; eles abriram mão de uma oferta mais elevada só para dar a Moraes, como novo sócio, um inimigo pessoal.” Em 1935, a Votorantim dá força ao seu projeto de expansão para a indústria de base. Primeiro, fecha um acordo com a Klabin para a construção da Nitro Química para a produção de fibra têxtil artificial. Essa empresa contava com sócios norte americanos que também trouxeram diretores e técnicos para a implantação no país. Isto foi fundamental para a viabilização do empreendimento uma vez que os empresários brasileiros compraram uma fábrica pronta dos Estados Unidos, que precisou ser desmontada para depois ser instalada no Brasil. Além disso, o processo de transporte foi extremamente delicado, exigindo o empréstimo de guindastes 117 especiais e o transporte por linhas férreas que só foi concluído no ano seguinte (CALDEIRA, 2008, p. 86). O desafio de colocar a empresa em funcionamento não se restringiu ao processo de instalação da fábrica, mas principalmente em relação à operação em si, que era inédita no país: “A formação de mil pessoas sem experiência prévia no setor, a maioria das quais com pouca educação formal, exigiu um cruzamento cultural peculiar. Não havia sido importada apenas uma fábrica: toda a estrutura administrativa veio junto com os equipamentos, desde os organogramas de pessoal até as planilhas de controle de custos, até então desconhecidas do universo empresarial brasileiro. Essa organização técnica era necessária numa planta complexa, que produzia simultaneamente raiom, ácido nítrico, ácido sulfúrico, sulfato de sódio, éter, colódio, e nitrocelulose – este com grande potencial explosivo” (CALDEIRA, 2008, p. 89). A nova unidade, localizada em São Miguel Paulista, na Grande São Paulo, era totalmente verticalizada, englobando desde a fabricação do ácido sulfúrico até a manufatura de derivados. Um relato do jornalista Assis Chateaubriand dá luz ao porte e importância do empreendimento na época: “A Nitro-Química é a maior fábrica do mundo para seda artificial pelo processo de intro-celulose. [...] Este parque não é uma fábrica, mas um complexo de fábricas. Estamos diante de um sistema industrial, e precisamente o mais amplo, o mais interessante que ainda se articulou no Brasil e no continente sul-americano. [...] Dagora em diante é possível pensar no desenvolvimento da indústria química do Brasil” (SCANTIMBURGO, 1986, p. 180). Entretanto, os custos de instalação somados aos prejuízos operacionais dos primeiros meses drenaram todo o capital empregado pelos sócios. Assim, a organização teve que recorrer a empréstimos que totalizavam sessenta mil contos de réis. Além disso, a iniciativa da Votorantim gerou uma disputa com a fábrica de rayon da Matarazzo, a Viscoseda. A Matarazzo havia arrendado uma técnica de produção com patente até 1934. Quando ela expirou, tentou ampliar o prazo sem sucesso. A Viscoseda, então, cortou o preço da seda artificial de quarenta para dez contos por tonelada para penalizar a Nitro Química. Entretanto, o governou ameaçou aplicar uma lei antitruste, obrigando a Viscoseda a retomar os preços originais. Essa fase turbulenta fez com que os sócios estrangeiros vendessem sua parte, tornando a Nitro Química uma empresa totalmente nacional. Porém, em 1939, a sorte mudaria de lado. A eclosão da 2a Guerra Mundial fez com que os insumos importados se tornassem escassos e caros e como os principais competidores não eram verticalizados e importavam toda a matéria-prima, a Nitro Química se tornou competitiva e lucrativa (CALDEIRA, 2008, p. 94). 118 Além desse empreendimento, a Votorantim havia começado a avaliar a viabilidade de construção de uma siderúrgica, tendo recebido autorização para começar a prospectar jazidas de minério de ferro em Ipanema, região de Sorocaba. Todavia, diante das possibilidades limitadas da mina, a Votorantim decide implantar a nova usina na região de Barra Mansa. Profundo conhecedor do potencial do ferro de Minas Gerais, José Ermírio compreendeu que o município fluminense poderia ser abastecido com o minério de Minas e ainda estaria localizado em posição privilegiada para o abastecimento dos grandes centros do país. A nova fábrica foi concebida com a participação de outros sócios e começou a operar em 1938 com capacidade inicial de 3.600 toneladas anuais. A empresa começaria fabricando apenas ferro-gusa, o mais simples produto siderúrgico. Com isso, seria possível montar altos-fornos com a tecnologia existente no Brasil, o que implicava um mínimo de importações (CALDEIRA, 2008, p. 84). Depois de colocar em prática esses dois projetos, José Ermírio começa a expandir as empresas geograficamente, dando um passo mais largo para perseguir sua visão de “industrializar o Brasil”. Assim, decide montar uma nova fábrica de cimentos em Pernambuco, criando uma segunda marca de cimento que teria forte significado local: a Poty. Em 1943, três anos após a inauguração da fábrica, um novo forno importado da Dinamarca possibilitou a unidade a atingir uma produção de 6,8 mil toneladas anuais de cimento. No mesmo ano, acontece a fundação da Companhia Catarinense de Cimento Portland, terceira fábrica de cimento do grupo (CALDEIRA, 2008, p. 99). Em 1943, a Votorantim também adquire a Indústria Brasileira de Artigos Refratários (Ibar) que produziria elementos para os fornos de cimento e dos altosfornos da siderúrgica. Este era um ramo da atividade essencial às outras indústrias, dentre elas as de cimento, vidro, aço, petroquímica e cerâmica, por fornecer produtos resistentes à corrosão, à abrasão e ao choque térmico (SANTOS, 2008). Portanto, em menos de uma década a Votorantim deixava de ser uma empresa têxtil para se tornar um grupo diversificado de empresas. Em 1940, em uma ação simbólica que pode demarcar a ênfase que seria dada à indústria de base, a organização muda o nome de SA Fábrica Votorantim para SA Indústrias Votorantim. (CALDEIRA, 2008, p. 72). Santos (2008) apresenta uma descrição sobre a importância desse novo passo dado pela Votorantim. “A percepção em torno do avanço da urbanização e da necessidade de infraestruturas (estradas, hidrelétricas) conduziu à diversificação para aço, cimento, refratários. A partir de 1930 o foco privilegiado pelo grupo será a expansão na produção de cimento, negócio escolhido como âncora para a alavancagem das receitas. A escolha 119 dos novos ramos esteve ligada indissociavelmente às oportunidades oferecidas pelas substituições das importações e aos desdobramentos da industrialização do país”. Todavia, conforme destacado por Reiss (1980, p. 118), o setor têxtil ainda continuou rendendo bons lucros para a empresa, em especial durante a Segunda Guerra Mundial, quando os excedentes de capital vindos dessa indústria foram imprescindíveis para os investimentos em novos negócios. Em 1941, a escassez de recursos causados pela 2a Guerra Mundial iria levar a um novo grande empreendimento da indústria de base. Com a falta de combustível, uma vez que o Brasil ainda não produzia petróleo, os técnicos da Votorantim conseguiram transformar carvão vegetal em gás, que poderia ser utilizado nos motores a gasolina. Essa invenção seria o gatilho para a criação da Metalúrgica Atlas, que ficaria conhecida como “a fábrica das fábricas” e permitiria à Votorantim montar equipamentos industriais pesados, reduzindo, assim, os gargalos de produção (CALDEIRA, 2008, p. 100). Segundo Reiss (1980, p. 120), nos seus primórdios, a Atlas fabricaria principalmente equipamentos para as fábricas de cimento. Dessa forma, a Votorantim consolidava a sua capacidade de desenvolver soluções técnicas complexas internamente, o que aumentava sua competência de expansão dos empreendimentos. Essa nova capacidade permitiu à empresa modernizar e expandir a Siderúrgica Barra Mansa. Assim, na segunda metade da década de 1940, foram instalados dois novos altos-fornos na usina para a produção de noventa toneladas diárias de ferro-gusa cada um, bem como uma usina completa de sinterização com capacidade para seis mil toneladas mês. Ainda, projetou-se e instalaram-se dois fornos, possibilitando que a empresa começasse a produzir aço. Para garantir o abastecimento, a Votorantim também adquiriu uma jazida de ferro com reservas de quatro milhões de toneladas de minério (CALDEIRA, 2008, p. 101). Na década de 40, a Votorantim também deu início ao planejamento de um dos seus principais empreendimentos, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). Rico em jazidas de bauxita, a matéria-prima do alumínio, o Brasil ainda não tinha uma fábrica para a produção do metal (SCANTIMBURGO, 1986, p. 200). O mercado internacional, por sua vez, era dominado por seis grandes empresas que atuavam como um cartel que controlava as jazidas, a tecnologia, produção e o comércio do alumínio. Dessa forma, as barreiras de entrada eram substanciais. Nessa época, haviam sido descobertas grandes reservas de bauxita em Poços de Caldas. Todavia, carências logísticas e escassez de combustível, energia elétrica e insumos para a construção da fábrica fizeram com que o local escolhido para a 120 construção da CBA fosse a fazenda Rodovalho, onde a empresa tinha sua mais antiga fábrica de cimentos. (CALDEIRA, 2008, p. 102). Contudo, a entrada dos Estados Unidos na 2a Guerra Mundial, em 1941, inviabilizaram a construção da fábrica que exigiria a transferência de tecnologia do país do norte. Assim, mais uma vez, diversos investidores desistiram do negócio, que teve que ser remodelado e só começaria a ser instalado sete anos mais tarde (CALDEIRA, 2008, p. 104). Em 1945, os filhos mais velhos José Ermírio de Moraes Filho e Antônio Ermírio de Moraes seguem o mesmo caminho do pai e vão para os EUA estudar na Colorado School of Mines. Anos mais tarde, Antônio Ermírio de Moraes (1999) destacou uma das importâncias daquela experiência, quando conviveu com veteranos da guerra: “Uma grande lição de humanidade [...] Aprendi a ser responsável. Aprendi a amar o seu país”. Terminada a Segunda Guerra Mundial, a Votorantim buscou formas de viabilizar a instalação da fábrica de alumínio que havia sido interrompida em 1941. Todavia, com o término dos conflitos houve um excesso de oferta mundial que baixou os preços do produto e, também, restringiu as possibilidades de transferência de tecnologia. Após frustradas buscas no mercado americano, a Votorantim conseguiu encontrar um projeto de uma fábrica pronta na Itália, mas que não poderia ser instalada, pois seus donos haviam ficado sem os recursos financeiros necessários para completar o projeto. Assim, iniciaram-se as negociações para a instalação da unidade no Brasil que começaria em 1948 (CALDEIRA, 2008, p. 106). Na mesma época, a terceira geração voltava dos estudos nos EUA e começava a trabalhar no grupo. O primeiro foi José Ermírio de Moraes Filho, que começou a estagiar ainda na fase de construção da CBA. Depois, passou pelas outras fábricas do núcleo industrial principal em Sorocaba, até que, no ano seguinte, se tornou diretor-industrial das unidades têxteis e de cimento. Antônio Ermírio, por sua vez, fez estágio na usina de Barra Mansa e depois foi integrado à Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) em um momento conturbado das obras (CALDEIRA, 2008, p. 107). Nesse período, a Alcan havia decidido se instalar no Brasil para concorrer com a CBA. Além disso, a Votorantim estava tendo problemas com a Light para o suprimento de energia para a fábrica. Após diversas solicitações não atendidas para a ampliação do fornecimento, a Votorantim conclui que não teria energia elétrica necessária para colocar a fábrica em operação e, por isso, começou a construir usinas hidrelétricas próprias, pressionando ainda mais os recursos para investimentos (CALDEIRA, 2008, p. 108). 121 Para piorar, a empresa responsável pela construção da usina hidrelétrica acabou falindo, exigindo que a Votorantim assumisse as obras, sob o risco de não finalizá-las a tempo para colocar a fábrica em operação. Com esta nova responsabilidade e sem recursos suficientes, a empresa teve que recorrer a empréstimos e centralizar a gestão, já sob a responsabilidade do jovem Antônio Ermírio que havia acabado de se casar, em 1953 (CALDEIRA, 2008, p. 124). Antônio, que não era muito de viajar, acabou utilizando quase todo o tempo da sua lua de mel na Europa para conhecer empresas e fábricas. Na Áustria, visitou diversas unidades, pois tinha notícia de que o país inventara um processo revolucionário de fabricação de aço. De lá, visitou unidades na França, enquanto buscava solucionar os problemas da construção e da geração de energia elétrica no Brasil (PASTORE, 2013, p. 41). Durante essa fase de expansão e da chegada de uma nova geração, o grupo sofreu a perda de seu fundador, Antônio Pereira Ignacio, que faleceu em 1951. Assim, José Ermírio de Moraes tornou-se o presidente e seu filho mais velho, o diretor superintendente (CALDEIRA, 2008, p. 110). Enquanto seu irmão enfrentava dificuldades com a implantação da CBA, José Ermírio Filho comandava a unidade de cimentos rumo ao crescimento. Em 1951, adquiriu a Companhia de Cimento Brasileiro no município de Esteio, no Rio Grande do Sul, alterando o nome para Companhia de Cimento Portland Gaúcho. No ano seguinte, instala a Cia de Cimento Portland Rio Branco no Paraná (CALDEIRA, 2008, p. 112). Reiss (1980, p. 243) destaca que apesar de outros grupos industriais também terem transferido recursos financeiros das atividades têxteis para outras indústrias (a Matarazzo, inclusive), a Votorantim conseguiu obter vantagens por ser pioneira e conseguir economias de escala. O autor ainda afirma que já a partir dos anos de 1950, as fábricas de cimento começaram a gerar lucros em excesso que puderam ser utilizados em novos negócios, substituindo a posição que antes era representada pelas atividades têxteis. Assim, Reiss (1980, p. 256) relata como os lucros provenientes desse negócio foram primordiais para que a empresa ampliasse sua participação na indústria de base: “O tamanho do grupo e a concentração dos seus investimentos na produção de cimento tornaram possível para a Votorantim compensar a depreciação do capital na sua produção têxtil através da transição da atividade principal para um mercado industrial de rápido crescimento, no qual rapidamente se tornou a firma dominante [...] Apenas quando sua posição no mercado de cimento estava consolidada, é que o excedente dos lucros necessários para a 122 expansão da produção de cimento foi reorientado pela Votorantim para o investimento em outras indústrias”. Essa expansão produtiva e geográfica do grupo levou a uma descentralização da gestão das empresas de cimentos, diferentemente do que vinha ocorrendo na CBA, conforme é destacado no livro comemorativo da empresa (CALDEIRA, 2008, p. 112): “[...] Valia mais descentralizar as decisões para não se correr o risco de perda de eficiência. Os diretores de cada unidade tinham de se haver com os problemas e limites locais, cultivar uma rede local de fornecedores e cativar clientelas com características próprias”. Assim, a Votorantim Cimentos foi dividida em diretorias regionais que atuavam praticamente como empresas distintas, conforme relato do Entrevistado 6: “Naquela ocasião, a Votorantim era segmentada em quatro diretorias na área de cimento. Tinha a diretoria do Sul, a diretoria do Centrooeste, Sudeste e Nordeste. Então eram quatro diretorias com quatro diretores e uma estrutura grande em cada regional.” Com a transição para a indústria de base, a organização evolui para um novo patamar de tamanho, conforme pode ser verificado no gráfico 6-1. Gráfico 6-1 - Evolução Financeira do Grupo entre 1942 e 1951 (em milhões de cruzeiros) 1.313 1.112 879 794 550 128 94 741 654 282 159 277310 362326 1946 1947 1948 400366 1949 431483 478 1950 1951 24 1942 Capital Mais Reservas Instalações Capital Fixo Investimentos em Companhias Associadas Fonte: Adaptado de Scantimburgo, 1986, p. 199 Embora deixasse de ser o principal negócio do grupo, as fábricas têxteis continuavam a ter relevância para a Votorantim. No final dos anos 40, a empresa ainda era a terceira maior descaroçadora de São Paulo (DEAN, 1971, p. 145). Por isso, ela 123 continuou realizando investimentos no setor, empregando um plano de modernização de suas unidades durante a década de 1950 (VOTORANTIM, 1953). Em 1955, quatorze anos depois dos primeiros movimentos, a CBA finalmente entra em operação. Todavia, o pioneirismo na produção de alumínio foi difícil. Os primeiros lotes produzidos tinham baixa qualidade. Além disso, a capacidade alcançada foi de apenas quatro mil toneladas por ano, ante uma previsão inicial de dez mil. Nesse mesmo ano, o terceiro filho, Ermírio Pereira de Moraes, que havia se formado como Engenheiro de Produção de Petróleo pela Universidade de Tulsa, em Oklahoma, começa a trabalhar no grupo prospectando terras para a produção de carvão vegetal e celulose com o objetivo de reduzir a dependência do petróleo. Entretanto, quatro anos mais tarde foi convocado para atuar na Nitro Química, a fábrica de mais de duas décadas de existência que vinha atravessando um período de divergência de estratégias entre os sócios Votorantim e Klabin (CALDEIRA, 2008, p. 131). O conhecimento adquirido com a implantação da CBA possibilitou, ainda, que a Votorantim direcionasse mais investimentos para a produção de metais não ferrosos. A Companhia Mineira de Metais (CMM) foi criada em 1956 para produzir zinco no Estado de Minas Gerais. Para viabilizar o projeto, o grupo recorreu ao BNDE que recusou o empréstimo alegando dúvidas quanto à capacidade da Votorantim para desenvolver a tecnologia adequada ao processamento do minério oxidado. Assim, a organização teve, mais uma vez, que viabilizar o empreendimento com recursos próprios, estendendo o prazo de início de produção para mais de uma década. Em 1957, foi adquirida a Companhia Níquel Tocantins, que tinha uma mina inativa no Estado de Goiás. Entretanto, a extração do metal só se iniciaria de fato duas décadas depois, após uma fase de estudo e de novas dificuldades em levantar recursos junto ao BNDE. Nesse mesmo ano, a Votorantim, que tinha um crescente nível de endividamento em razão dos novos investimentos, enfrentou um grande embate com Assis Chateaubriand, que teve desavenças com a família. O magnata das comunicações publicou reportagens em seus jornais e usou a TV Tupi para apontar dificuldades financeiras do grupo. Isso gerou uma crise de confiança com os credores que começaram a protestar títulos da empresa. Para contornar a situação, os Ermírio de Moraes se dividiram em duas frentes. A primeira saiu em busca de crédito e a segunda começou a se reunir e convencer os credores sobre a capacidade de pagamento da empresa. Os esforços se mostraram eficazes e a Votorantim passou pela turbulência sem novos percalços (CALDEIRA, 2008, p. 127). 124 Com a instauração do governo militar e o boom de investimentos na construção civil houve um substancial aumento de demanda na indústria cimenteira. Assim, na década de 1960, a Votorantim seguiu investindo na ampliação do seu parque industrial, instalando novos fornos até chegar a um total de sete. O último a ser comprado era o maior do Brasil e tornou a fábrica de Santa Helena na líder em capacidade no país (CALDEIRA, 2008, p. 163). Sob a supervisão de Clóvis Scripilliti, genro de José Ermírio de Moraes, a unidade de cimentos da Votorantim também ampliou sua presença no Nordeste. Em 1967, o grupo inaugura a Cimento Portland Sergipe em Aracaju e constrói depósitos nas cidades de Salvador, Feira de Santana, Itabuna e Vitória da Conquista. No ano seguinte, estabelece a Companhia Cearense de Cimento na cidade de Sobral para abastecer os Estados do Ceará, Piauí e Maranhão. Como a infraestrutura nessas regiões era muito precária, a Votorantim montou uma frota própria de quatrocentos caminhões. Ainda, intensificando um processo de verticalização, montou uma rede de loja de pneus para suprir a necessidade dos veículos. (CALDEIRA, 2008, p. 168). Assim, no final da década de 1960, a rede de produção e distribuição de cimentos montada pela Votorantim conseguia alcançar quase um terço do mercado nacional com uma produção de três milhões de toneladas anuais (VOTORANTIM, 1968). Um ponto de destaque durante esse período foi a entrada de José Ermírio de Moraes na política, quando se candidatou e se elegeu Senador por Pernambuco em 1962. Ele ficaria ausente das atividades da organização até 1971, quando reassumiria o posto de presidente do grupo. Foi durante esse mandato, em 1969, que o Senador escreveu uma carta (anexo 5) para os seus filhos, apresentando uma reflexão sobre os negócios da empresa e dando diretrizes para o futuro da organização. Em 1965, desentendimentos entre os sócios, aliados a uma deterioração do mercado, fizeram com que o faturamento da Nitro Química fosse o menor em vinte anos. Assim, em 1967, a Klabin vende sua participação de 17% à Votorantim. Dessa maneira, novamente com o controle total do negócio e do capital, Ermírio Pereira de Moraes lançou mão de uma série de iniciativas visando a reformulação do negócio. A produção foi reorganizada: algumas seções consideradas supérfluas ou economicamente inviáveis foram desativadas; uma nova política de vendas foi adotada, bem como critérios mais rigorosos para a concessão de crédito para os clientes. Ao longo da década de 1970, os resultados dessas iniciativas começaram a aparecer (CALDEIRA, 2008, p. 171). Se por um lado o setor de cimentos ia bem, no final da década de 1960 a CBA enfrentava muitos problemas. O consumo de energia pelos fornos eletrolíticos era 125 maior do que o dos concorrentes e, embora o problema fosse amenizado pela geração própria de energia, essa deficiência limitava as iniciativas de expansão. Além disso, Antônio Ermírio havia concluído que a fábrica já estava obsoleta. Sendo assim, abriu duas frentes de trabalho. A primeira foi a busca pelo aumento da capacidade energética na bacia hidrográfica onde estavam instaladas as usinas geradoras – com o mapeamento de informações hídricas e cartográficas, foi possível desenvolver um projeto para quintuplicar a capacidade elétrica. A segunda foi o início da modernização dos equipamentos (CALDEIRA, 2008, p. 164). A preocupação da Votorantim com o desenvolvimento tecnológico ficou explícito no Relatório Anual de 1968: “O hiato tecnológico entre o nosso país e os desenvolvidos é tão grande que não sabemos como, nem quando, vamos transpô-lo. É, no entanto, imperioso que cuidemos de nosso desenvolvimento tecnológico. O atraso tecnológico se constitui num dos mais importantes fatores no processo de desnacionalização [...] Somos da opinião que devemos marchar, decididamente, para a superação, no mais breve espaço de tempo possível, do hiato tecnológico, que nos mantém atrasados em relação a outras nações”. Para modernizar a fábrica, Antônio Ermírio não teve dúvida: decidiu desmontála. Foram para o chão quinze mil metros cúbicos de concreto, 128 fornos e toda a infraestrutura da empresa. As obras ocorreram em ritmo acelerado em 1969 e a planta foi reinaugurada atingindo a marca de vinte mil toneladas por ano. Em 1972, já produzia quarenta mil toneladas por ano. Ao mesmo tempo, era construída a hidrelétrica que visava atender uma nova fase de expansão da unidade, conforme se verifica no Relatório Anual de 1970: “Gostaríamos de ressaltar que uma boa parcela dos trabalhos ora necessários para a construção dessa usina hidrelétrica já constitui parte de nossa terceira fase de expansão, na qual, a Cia pretende elevar sua produção ao nível de 60.000 toneladas anuais.” Anos mais tarde, Antônio Ermírio relataria o episódio para o seu biógrafo e grande amigo José Pastore (2013, p. 127): "Não tínhamos escolha. Era mudar ou fechar. Foi uma decisão acertada. Se não tivéssemos feito isso, teríamos hoje um grande museu do alumínio naquele local". A decisão parece ter se mostrado acertada, pois, em 1970, a Alcoa instalou-se no Brasil, trazendo tecnologias avançadas e uma nova fonte de concorrência. Em 1969, a Votorantim finalmente conseguiria iniciar a produção de zinco através da CMM. Já no ano seguinte, a fábrica alcançaria toda a sua capacidade e, assim, iniciaria um processo de expansão (CALDEIRA, 2008, p. 166). 126 Reiss (1980, p. 256) destacou que os investimentos realizados pela Votorantim entre as décadas de 1950 e 1970 eram orientados para a substituição das importações, através de uma forma pela qual a organização conseguisse alcançar a autonomia tecnológica nos seus negócios. Assim, a empresa importou máquinas, equipamentos, tecnologia e técnicos para conseguir ter o controle total sobre a sua tecnologia produtiva. Sob o comando de José Ermírio Filho a unidade têxtil chegou ao início da década de 1970 com 10% do mercado nacional, o que a colocava entre as cinco maiores empresas do setor. Internamente, respondia por 18% do faturamento, mas por apenas 5% da geração de caixa, o que destaca a perda da relevância deste negócio para o conglomerado (CALDEIRA, 2008, p. 162). Em 1973, dois anos após retornar às atividades na Votorantim, José Ermírio morre aos 73 anos de idade, sendo 48 deles dedicados à organização. A presidência passa a ser exercida por José Ermírio Filho. Todavia, é Antônio Ermírio que se torna o principal porta-voz da organização, tanto nos bons como nos maus momentos (CALDEIRA, 2008, p. 174). Nos anos 70, o excesso de capital gerado através de suas operações no setor de cimentos também foi utilizado na aquisição de concorrentes. Em 1977, a Votorantim adquiriu a Cimento Itaú, a segunda maior empresa do setor. Dessa maneira, o grupo consolidou sua liderança com dezenove fábricas, que produziam sete milhões de toneladas anuais e atendiam 40% de participação no mercado, além de exportarem para países da África e da América do Sul. A Cimento Itau havia sido fundada em 1937 e tinha doze unidades fabris, sendo seis de cimentos (ESTADÃO, 1977). A tabela 6-1 mostra a evolução da produção de cimentos do grupo durante os anos de 1970, na qual se pode verificar que o volume produzido pelas fábricas da Votorantim triplicou entre 1970 e 1978. Tabela 6-1 - Evolução da Produção anual de Cimento em Toneladas Ano Produção 1970 2.159.783 1971 2.813.311 1972 3.168.044 1973 3.473.520 1974 3.759.759 1975 3.787.354 1976 4.176.436 1977 5.030.000 1978 6.040.000 Fonte: Votorantim – Relatório Anual 1977 127 O processo de crescimento das fábricas do grupo impulsionou a demanda na Metalúrgica Atlas. Em 1974, foi concluída a construção de um novo prédio com 8.700 metros quadrados, possibilitando que a empresa atendesse pedidos de fora do grupo. Em meados da década de 1970, a fábrica contava com mil funcionários e sua produção era direcionada para atender principalmente as metalúrgicas (50%) e as fábricas de cimento (40%) (CALDEIRA, 2008, p. 191). Entre os seus principais produtos, destacavam-se: fornos rotativos para cimento, moinhos de bolas, britadores de mandíbulas, correias transportadoras, cintas de lâminas, guilhotinas para laminados de metal e fornos eletrolíticos (VOTORANTIM, 1977). Por outro lado, a Siderúrgica Barra Mansa não apresentou o mesmo nível de crescimento, perdendo, portanto, participação no mercado nacional. De 1955 a 1975 a capacidade produtiva dobrou para 160.000 toneladas. Todavia, no final dos anos 70, a produção nacional já havia atingido oito milhões de toneladas (REISS, 1980, p. 250). Essa dificuldade no setor siderúrgico se deve em parte à forte participação do Estado, que atuava como grande concorrente, através, principalmente, da CSN e da Usiminas. Em 1979, após mais dois processos de expansão, a CBA chegou a uma capacidade de oitenta mil toneladas anuais, se tornando a maior produtora de alumínio do país. No mesmo ano, a CMM aumentou a produção de zinco para sessenta mil toneladas ano. Neste momento, a empresa dominava 85% do mercado nacional (REISS, 1980, p. 246). O processo de crescimento da Votorantim não alterou o modelo centralizado de gestão e de controle de capital do grupo. As decisões continuaram a serem tomadas por José Ermírio de Moraes e seus quatro herdeiros, ao passo que a empresa manteve o controle do capital, evitando o mercado de capitais, salvo em algumas poucas exceções, como em uma fábrica de cimentos no Nordeste (REISS, 1980, p. 254). O Relatório Anual de 1970 ressaltava a estratégia do grupo em se manter como uma empresa de capital fechado: “A empresa fechada pode reinvestir a totalidade de seus lucros, contando com a valorização de seu patrimônio e a expansão empresarial”. Em 1979, o faturamento do grupo atingiu a marca de 1,3 bilhões de dólares, tendo 131 unidades industriais que empregavam cinquenta mil funcionários em dezoito estados brasileiros. A Votorantim era, assim, o segundo maior conglomerado do país sob controle de capital brasileiro, com uma presença em todo o território nacional (CALDEIRA, 2008, p. 209). A figura 6-1 apresenta a distribuição das unidades do grupo no início da década de 1980: 128 Figura - 6-1 – Mapa da Localização das Empresas da Votorantim, por Setor em 1984 Fonte: CALDEIRA, 2008, p. 200 A partir do final da década de 1970 a economia nacional começou a perder fôlego e vários setores começaram a apresentar declínio. Em 1980, a usina siderúrgica de Santo Amaro na Bahia, que o grupo havia adquirido em 1960, foi punida pelo CIP por cobrar preços acima da tabela. Com a medida, a Votorantim decidiu fechar a fábrica, deixando mais de duzentos operários desempregados. Na ocasião, a unidade produzia 550 toneladas por mês e dava um prejuízo mensal de Cr$ 500 mil. Após uma semana de impasse, Antônio Ermírio de Moraes foi até a unidade e reabriu a fábrica (ESTADÃO, 1980). A negociação para a reabertura da usina envolveu o governo da Bahia e Delfim Neto, que era Ministro da Fazenda na época. Mais tarde, Delfim falaria sobre o episódio e sua percepção sobre os Ermírio de Moraes: 129 “Os dois (os irmãos José e Antonio Ermírio) demonstravam permanente preocupação com o estado da arte de seus negócios no mundo, e não apenas em se comparar aos concorrentes locais. [...] Eles sabiam defender os interesses da empresa sem particularismos, não buscavam privilégios nem favores, e assim construíam um empreendimento com sólidas bases de futuro” (CALDEIRA, 2008, p. 203). Contudo, apesar dos esforços para manter a fábrica aberta, o prejuízo mensal iria aumentar para Cr$ 5 milhões em 1981. Consequentemente, a Votorantim declara o fechamento oficial da unidade. Na carta de demissão entregue aos funcionários, a empresa ofereceu empregos na unidade de Barra Mansa (ESTADÃO, 1981). Apesar das dificuldades econômicas do país, o grupo seguiu realizando movimentos estratégicos. Em 1980, foram anunciados investimentos de US$ 1 bilhão a serem distribuídos entre as sessenta e oito empresas do conglomerado pelos cinco anos seguintes. No setor de cimento, os investimentos programados objetivavam ampliar a capacidade de produção de oito milhões para onze milhões de toneladas até 1985 (ESTADÃO, 19801). Com os planos de expansão, a produção anual da Siderúrgica Barra Mansa iria superar a marca de duzentas mil toneladas anuais em 1984, quando outro plano para dobrar a capacidade até o final da década ainda estaria em execução. Na CBA, a capacidade chegaria a 136.000 toneladas anuais em 1985 e 170.000 no ano seguinte (VOTORANTIM, 1984). Para contornar a crise, a Votorantim também passou a buscar mercados externos para o seu crescimento. Em 1981, a CBA lançou um programa que reservava 8% da sua produção para exportação. No ano seguinte, as vendas para o exterior atingiram 7,5 milhões de dólares. Já em 1984, saltaram para 61,7 milhões de dólares. Em meados da década, o mercado externo já representava 60% do faturamento da unidade (CALDEIRA, 2008, p. 214). O Relatório Anual de 1983 destaca a situação nacional e uma inclinação para a busca de novos mercados: “Está se tornando cada vez mais difícil depender de um mercado interno drasticamente afetado pela política recessiva implantada pelo Governo”. O setor de cimentos foi um dos mais afetados pela crise. Em 1984, foram absorvidas 19,4 milhões de toneladas, ante um consumo de 27,1 milhões de toneladas quatro anos antes. Com a redução dos projetos de construção civil, as fábricas da Votorantim chegaram a 55% de ociosidade (VOTORANTIM, 1984). O grupo, no entanto, não cessou com os investimentos. Em 1983, uma nova fábrica de cimentos começa a ser instalada, a Cimento Poty da Paraíba. Em 1986, foi adquirida a Cimento Santa Rita que tinha três fábricas no Estado de São Paulo (CALDEIRA, 2008, p. 226). 130 Além disso, para manter a rentabilidade no setor de cimentos, Bonelli (1998) aponta que os preços do produto foram frequentemente reajustados acima da inflação. Posteriormente a empresa enfrentaria acusações de cartelização no setor. Com o enfraquecimento da economia e a elevação dos preços do petróleo, uma estratégia de substituição da matriz energética foi levada adiante por todas as unidades do grupo, uma vez que o custo da energia tinha um peso substancial nos negócios da empresa, em especial na produção do cimento e do alumínio. De acordo com Reiss (1980, p. 249) a autossuficiência de 50% atingida no início da década de 80 possibilitou uma maior independência das políticas do Estado, além de uma vantagem competitiva em face de um país com tantas carências em infraestrutura: “Mesmo depois de estes investimentos terem deixado de ser estritamente necessários devido à deficiência econômica da infraestrutura, a Votorantim continuou mantendo por todo o período com o intuito de manter algum controle sobre um fator crítico dos seus custos de produção, caso contrário, esse preço seria definido através de uma decisão política realizada pelo Estado.” Na unidade siderúrgica, a empresa atingiu a autossuficiência energética do carvão vegetal em 1981, permitindo que a fábrica conseguisse contornar as restrições de combustível e expandir sua capacidade de produção para 400.000 toneladas ao final da década de 1980 (CALDEIRA, 2008, p. 201). Nas unidades de cimento, a empresa também empregou um novo processo de fabricação através de fornos de via seca, conforme já destacado anteriormente. Além disso, a empresa reduziu substancialmente a sua dependência do óleo. Em 1975, a Votorantim consumia 1.566 milhões de quilowatts-hora de energia e 593 mil toneladas de óleo. Sete anos depois, o consumo de energia havia aumentado para 3.789 milhões de quilowatts-hora. O consumo de óleo, entretanto, teve um crescimento bem menor, chegando a 773 mil toneladas (CALDEIRA, 2008, p. 214). As hidrelétricas construídas pela Votorantim também contribuíram para a competitividade dos negócios. No final da década de 1980, o custo do quilowatt-hora produzido pelas suas usinas era de oito centavos de dólar, enquanto que o fornecido pela Eletrobrás era de trinta e dois centavos de dólar (CALDEIRA, 2008, p. 227). Dessa forma, apesar da crise econômica que atingia o país, a Votorantim conseguiu obter resultados satisfatórios na primeira metade da década de 1980. Em 1982, o grupo teve o vigésimo maior lucro do país. Dois anos depois a empresa estava em sétimo lugar, após um crescimento de 25% no resultado líquido entre 1983 e 1984. Além disso, a soma das estratégias permitiu à Votorantim superar o mau momento econômico sem demissões. Pelo contrário, entre 1980 e 1984 foram adicionados 131 5.735 postos de trabalho na organização (CALDEIRA, 2008, p. 216). Cabe destacar, no entanto, que nem todas as empresas passaram ilesas pela conturbado período. Em 1981, as seguintes unidades reportaram prejuízo: Siderúrgica Barra Mansa, Metalúrgica Atlas, Nitro Química, Ibar, Cia de Papel e Papelão Pedras Brancas (VOTORANTIM, 1982). Durante a década de 1980, Antônio Ermírio também ganhava cada vez mais destaque como um importante crítico das políticas econômicas do governo e um dos empresários mais influentes do Brasil. Entre 1979 e 1988, por dez vezes ele foi escolhido como o maior líder empresarial do Brasil no balanço anual da Gazeta Mercantil (ESTADÃO, 1988). Além disso, em 1985, notícias nos veículos de comunicação informaram que o empresário havia sido convidado para presidir a Petrobrás no governo Tancredo Neves. (ESTADÃO, 1985). No ano seguinte, ele se candidatou a Governador do Estado de São Paulo, ficando em segundo lugar nas eleições, atrás de Orestes Quércia (CALDEIRA, 2008, p. 222). Durante as eleições, o grupo Votorantim recebeu diversos ataques de sindicatos que acusavam a empresa de péssimas condições de trabalho (ESTADÃO, 19361). Um sindicato ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores) chegou a pedir a interdição da Nitro Química, alegando que 750 funcionários estariam contaminados por bissulfeto de carbono (ESTADÃO, 1986). Por outro lado, a postura de Antônio Ermírio e do grupo foi enérgica. Uma greve realizada por funcionários da Metalúrgica Atlas terminou com zero de aumento dos salários e 350 demitidos (ESTADÃO, 1991). Além disso, quarenta mil pessoas participaram da “passeata da dignidade”, para defender a empresa e seu líder dos ataques que vinham sofrendo (ESTADÃO, 19862). No final da década de 1980, uma nova geração de herdeiros já trabalhava no grupo. Eles instituíram um encontro periódico para discutir aspectos da gestão da Votorantim que ficou conhecido como “Reunião dos Primos”. Uma reportagem da Revista Exame destaca o perfil dessa nova geração: “Por anos, foram vizinhos no mesmo quadrilátero do Jardim América, bairro paulistano que abriga mansões de milionários. Quase todos cursaram o ginásio e o secundário no Rio Branco, colégio da elite paulistana que o avô [...] comprara em dificuldades doando à Fundação de Rotarioanos de São Paulo. [...] Diplomados, seguiram um percurso padrão: foram treinados em posições gerenciais até se tornarem diretores nas empresas da jurisdição de cada pai. [...] Tiveram cursos e longas conversas com renomados consultores especializados em estratégia e liderança” (BLECHER, 2000). A partir dessas discussões periódicas, a nova geração buscou desenvolver meios para a unificação dos processos de planejamento e gestão de todas as 132 empresas do conglomerado. Para isso, consultorias foram contratadas e objetivos foram fixados para proceder com a união progressiva do planejamento e da gestão de todas as empresas (CALDEIRA, 2008, p. 221). Durante esse processo, oito dos herdeiros se dividiram em dois grupos. Um seguiu para a Europa e outro rumou para os Estados Unidos. Eles eram acompanhados por consultores da McKinsey e foram conhecer corporações familiares que já estavam entre a quinta e a sétima geração no comando. Conversaram com o sueco Marcus Wallenberg, líder da família que, por meio de uma holding financeira, controla a ABB, a Ericsson e a SKF. Na Bélgica, o grupo foi recebido pelos Brenninkmeijer, os holandeses que há cinco gerações administravam a C&A. Entre as empresas americanas, estavam a rede hoteleira Hyatt e a Cargill (BLECHER, 2000). As visitas realizadas também influenciaram a estratégia de sucessão do grupo. Até então, a terceira geração acreditava que o melhor caminho para seus filhos seria construir carreiras fora do grupo. Os que se destacassem poderiam, eventualmente, voltar à Votorantim. O objetivo era evitar que a empresa virasse um cabide de empregos. Esse princípio foi reformulado, pois constataram que se um jovem herdeiro não atuasse na empresa logo cedo, dificilmente ele se envolveria com o negócio no futuro. Assim, foi estabelecido um programa de trainee especial para os familiares, para absorver os que tivessem vocação e talento, após um período de experiência no grupo e, também, no mercado (BLECHER, 2000). O processo de trainee dos familiares foi destacado pelo Entrevistado 2: “É um processo de trainee separado que esses caras são totalmente assessorados. E eles vêm aqui de vez em quando. Já vi um moleque de 17 anos ter uma reunião de uma hora e meia com diretor aqui. Assim, “quero que me explique tudo”. O cara estava no colégio, prestando vestibular. E esse cara fazia umas perguntas boas, entendeu, imagina no almoço “me passa o arroz”, “mas o que você acha da economia no mundo, a influência...”. Mas depois que esses caras rodam, tem uns que só vem nessas reuniões meio highlight e tem uns que ficam como trainee mas ele só pode ficar trainee três meses. E ele não pode se apegar ao negócio. Depois ele roda, vai para outra, roda, vai para outra, depois ele fica acho que um ano rodando, rodando vários negócios, vários departamentos, enxergando várias realidades diferentes e depois tem que sair. Eles não podem ficar. Nenhum, nenhum. E aí se esse cara for bem sucedido no negócio dele, ele pode voltar para o Conselho.” Além da busca pela centralização e formalização da gestão, a nova geração influenciou a busca da Votorantim por novos mercados. Assim, em 1987 teve o início o plantio de laranja em Itapetininga. Esta ação seria o primeiro passo para a criação da Citrovita, dois anos mais tarde (CALDEIRA, 2008, p. 223). Vale destacar, no entanto, 133 que a intenção de investir na agroindústria já era antiga, conforme pode ser observado em um trecho do Relatório Anual de 1977: “Parece-nos muito interessante vir o Brasil a ser um dos celeiros de alimentos para o nosso mundo e, para isto, pouco nos falta, pois temos abundância de terras, sol e água. Talvez seja esta a saída brasileira para as duas últimas décadas deste século.” No mesmo ano, o grupo vence um leilão de venda dos ativos da Celpav, uma empresa que tinha um plantio de vinte e cinco mil hectares de eucalipto, mas ainda não tinha uma fábrica instalada. Esta ação marcaria a entrada da Votorantim no ramo de papel e celulose. Na mesma época, o grupo entra pela primeira vez no setor de serviços. Aproveitando décadas de conhecimento financeiro e de aplicação de recursos, a organização abre uma corretora de títulos e valores mobiliários (CALDEIRA, 2008, p. 225). Apesar da incursão em novos negócios, os investimentos nos setores tradicionais do grupo não foram sacrificados. Ainda em 1987, a empresa investiu 300 milhões de dólares nesses negócios, sendo 40% no setor de cimento (visando o aumento de 20% na produção total), 30% no de alumínio e 30% nos demais (CALDEIRA, 2008, p. 226). Em 1990, com o início do governo Collor, que congelou as poupanças nacionais, a Votorantim viu serem retidos 600 milhões de dólares que tinha em caixa, o que correspondia a 80% de seus ativos financeiros. Além disso, em fevereiro daquele ano, a empresa teve queda de 45% no faturamento. O volume das vendas naquele mês foi de US$ 190 milhões, ou US$ 252 milhões a menos do que em janeiro (ESTADÃO, 19902). Naquele momento, havia projetos em andamento cujo valor era de quase um bilhão de dólares. Entre eles, destacam-se: Uma nova fábrica de papel, a expansão da CBA e da CMM. Assim, a empresa se viu pressionada a recorrer a empréstimos para honrar os seus compromissos e planos, o que exigiu um controle centralizado das despesas. Além disso, com o mercado interno enfraquecido, a estratégia de exportação iniciada na década anterior, seria fortalecida. Dessa forma, rapidamente a empresa alterou um processo que vigorou por décadas. Acabou a descentralização financeira e inverteu-se a prioridade dos mercados (CALDEIRA, 2008, p. 229). Nildo Benedetti, então diretor técnico de cimentos, falou sobre o momento: "O que mais me marcou foi a postura da diretoria naquele dia de crise. Lembro, especialmente, da reação do doutor José Ermírio de Moraes Filho. Ele foi ouvindo o anúncio das medidas em silêncio. Perguntou apenas se seria possível pagar os salários. Quando teve 134 uma resposta positiva, ficou inteiramente tranquilo. Em momentos de crise como este ele crescia – e a gente ficava tranquilo e confiante." Diante das dificuldades em honrar os seus compromissos financeiros, Antônio Ermírio de Moraes busca tranquilizar os seus funcionários. Em março de 1990, faz uma visita à Metalúrgica Atlas, percorre as instalações, conversa com os chefes dos setores e informa: "Tranquilizem o pessoal. Não haverá demissões. A gente trabalha mais ainda e se aguenta, começando tudo de novo" (ESTADÃO, 1990). Todavia, apesar das adaptações no plano e dos esforços da liderança, a Votorantim continuou sofrendo com a deterioração do cenário econômico. Assim, ainda em 1990 o grupo demitiu 5% dos seus sessenta mil funcionários. Esta foi a primeira demissão em massa em decorrência de problemas econômicos desde a fundação do grupo. Além disso, a organização interrompeu a construção da fábrica de papel (CALDEIRA, 2008, p. 231). No ano seguinte, a criação de mais um plano para a estabilização dos preços – o Plano Collor 2 – gerou o aumento de tarifas na produção do cimento, encarecendo os custos em torno de 25%, o que resultou em novas demissões (que somadas aos desligamentos anteriores alcançaram dez mil trabalhadores) e contenção de investimentos. Naquele ano, a empresa já tinha nas exportações uma importante base de sobrevivência. As vendas para o exterior representavam 75% da produção de alumínio, 55% do níquel e 30% do aço. Já a Metalúrgica Atlas, por outro lado, ficou sem nenhuma encomenda, passando a atuar apenas com serviços de manutenção (CALDEIRA, 2008, p. 232). Nessa época, começou-se a especular um novo afastamento de Antônio Ermírio de Moraes da Votorantim para uma candidatura à prefeitura de São Paulo. Todavia, o empresário descartou a possibilidade, alegando não convinha um industrial abandonar sua empresa num momento difícil como o que o país vivia. Segundo ele era o pior dos últimos quarenta anos (ESTADÃO, 1991). A crise enfrentada pelo grupo acelerou as mudanças na gestão da organização. Na cúpula da Votorantim, a nova geração convenceu os mais velhos e houve um entendimento geral de que a descentralização da gestão que havia sido benéfica durante décadas, não se encaixava mais na nova realidade do Brasil. Com as transformações encabeçadas pela nova geração da família, as diferentes unidades de negócio não seriam mais autônomas e passariam a se reportar para um Conselho de 135 Administração que teria José Ermírio Filho como primeiro presidente e Antônio Ermírio como vice. (CALDEIRA, 2008, p. 241). Dessa forma, foi criada uma nova holding, a VPar que controlaria o grupo a partir de então. As superintendências foram substituídas por unidades de negócio através do agrupamento de atividades. Esse processo começou pela Votorantim Cimentos (CALDEIRA, 2008, p. 256). Este setor ainda enfrentava muitas alegações sobre a cartelização. Para tentar provar o contrário, Antônio Ermírio de Moraes foi ao encontro da ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, apresentar os preços do cimento: "Vim mostrar a ela os reais valores cobrados no mercado interno para que possa compará-los ao do exterior [...] A produção de cimento está sendo comercializada a US$ 70 a tonelada, enquanto na Argentina e no Uruguai, o similar custa US$ 110" (ESTADÃO, 1991). Com o novo modelo de tomada de decisão, foram mantidos apenas projetos cuja geração de receitas pudesse ser rápida. Assim, optou-se pela retomada da fábrica de papel e celulose que seria inaugurada ainda em 1991 e pelo fortalecimento da CBA. No setor de alumínio, a meta era aumentar a produção de 165 mil para 212 mil toneladas anuais. Para isso, em 1992 foram concluídas as instalações de beneficiamento de bauxita das jazidas de Cataguases e Itamarati, localizadas em Minas Gerais. No setor de papel e celulose, além da fábrica de Luiz Antônio, que vinha sendo construída na região de Ribeirão Preto, foi adquirida a Papel Simão que tinha cinco unidades produtoras e uma distribuidora. Com isso, foi criada a holding Votorantim Celulose e Papel SA (VCP) de capital aberto, sinalizando mais uma mudança na estratégia da organização que raramente havia recorrido ao mercado de capitais. Dois anos depois, a capacidade instalada da VCP era de 530 mil toneladas de celulose e de 520 mil toneladas de papel (CALDEIRA, 2008, p. 245). Este movimento não estava atrelado somente à unidade de papel e celulose. Envolvia também mudanças na estrutura do grupo com o intuito de criar condições para que toda a organização pudesse ter acesso ao mercado internacional de crédito, uma vez que todo o grupo começava a adotar práticas mais modernas de governança. Além disso, com o objetivo de ampliar a sua presença global e ter uma divisão específica para representar as empresas do grupo junto a clientes estrangeiros, é criada a Votorantim Internacional (CALDEIRA, 2008, p. 246). O plano de reformulação ainda incluiu o encerramento das atividades no setor têxtil, em 1993. Apesar de ter sido o primeiro e principal negócio do grupo durante décadas, a rentabilidade da operação havia minguado, principalmente após a abertura 136 econômica que resultou na entrada de muitos produtos asiáticos que tinham preços mais competitivos (CALDEIRA, 2008, p. 250). As mudanças empreendidas pela organização ainda incluíram um novo processo de redução do quadro de funcionários, através de uma iniciativa de downsizing (CALDEIRA, 2008, p. 251). Por outro lado, outros setores recém-criados ganhavam espaço dentro do grupo. A Citrovita, criada em 1987, entrou em operação em 1991, respondendo por 4% da produção nacional de suco concentrado (ESTADÃO, 19903). A Citrovita tinha uma fábrica localizada em Catanduva e três terminais de exportação: um em Santos, outro nos Estados Unidos e o último na Bélgica. Assim, em pouco tempo a Votorantim conseguiu obter uma presença global neste negócio. Nos dez anos seguintes a empresa iria inaugurar mais uma fábrica no estado de São Paulo e desenvolver contratos de fornecimento com produtores que garantiriam 80% do volume de produção do suco (CALDEIRA, 2008, p. 252). Durante a década de 1990 a Votorantim também ampliou sua participação no mercado financeiro. Com uma história industrial, a organização havia iniciado sua trajetória no setor de serviços ao abrir uma corretora ao final da década de 1980. Em 1991, a unidade passou a operar como um banco, criando oficialmente o Banco Votorantim. A operação inicial era principalmente orientada para serviços para empresas (banco de atacado). Em 1994, expandiu sua atuação ao oferecer financiamentos de bens e serviços através da BV Financeira (CALDEIRA, 2008, p. 253). Para criar e desenvolver o banco, a Votorantim teve que recorrer à captação de capital, elevando o patamar de endividamento histórico do grupo (BONELLI, 1998). A criação de um banco foi o sinal mais claro do poder conquistado pela quarta geração. Durante a história da organização, fica claro o tino industrial de José Ermírio de Moraes e seus filhos, e como eram avessos ao mercado financeiro, principalmente de Antônio Ermírio de Moraes que dizia que “se não acreditasse no Brasil, seria um banqueiro”. No setor de alumínio, iniciou-se um plano para um novo aumento da capacidade instalada de 240 mil para 340 mil toneladas anuais. Para não afetar a autossuficiência energética, o investimento incluiu a construção de duas novas usinas hidrelétricas. Ao contrário do histórico da empresa, esses novos investimentos foram custeados através de financiamentos feitos no mercado internacional (CALDEIRA, 2008, p. 248). Em meados da década de 1990, foi realizada a primeira tentativa de transferência do comando para a nova geração, através da divisão das unidades de 137 negócio entre os herdeiros dos quatro comandantes do grupo. Assim, cada “família” ficaria responsável diretamente por um segmento do grupo. Entretanto, conflitos internos começaram a aparecer e, por isso, deu-se início a um processo de profissionalização da gestão, com a contratação de executivos externos para comandar as unidades de negócio (CAVALVANTI, 2000). Assim, a família deu o primeiro passo para sair do dia a dia dos negócios, direcionando a sua atenção para uma visão estratégica do grupo. Nos anos seguintes, a Votorantim continuaria trabalhando no delicado processo de sucessão da terceira para a quarta geração. Em 1994, a supervalorização do Real frente ao dólar começa a gerar prejuízo para a Votorantim, que vinha exportando uma parte expressiva da sua produção. De acordo com Antônio Ermírio, o prejuízo com a desvalorização do dólar foi de US$ 2,5 milhões somente em julho de 1994 (ESTADÃO, 1994). Em 1996, com a intensificação dos processos de privatização, a Votorantim vislumbrou a oportunidade de formar associações para participar dos leilões. Assim, com o objetivo de formar um colchão de liquidez a fim de evitar surpresas, a Votorantim vai ao exterior para captar US$ 600 milhões (ESTADÃO, 1997). Um dos principais alvos do grupo era o setor energético. Em 1996, foi criada a Votorantim Energia Ltda para participação em parceria com empresas nacionais e estrangeiras, da privatização e expansão do setor elétrico brasileiro (VOTORANTIM, 1996). No ano seguinte, formou a VBC Energia em parceria com o banco Bradesco e a construtora Camargo Côrrea. Em 1998, foi inaugurado o primeiro empreendimento da associação, a usina de Serra da Mesa, construída em parceria com Furnas. A VBC também adquiriu em conjunto com outros sócios o controle da Rio Grande Energia, a Companhia Paulista de Força e Luz e a Empresa Bandeirante de Energia (CALDEIRA, 2008, p. 257). Bonelli (1998) destacou o movimento da Votorantim no setor de energia durante o final da década de 1990: “O interesse na área energética demonstra cautela quanto à política energética, temendo-se elevação de preços que possa comprometer a competitividade dos segmentos de não ferrosos, intensivos em energia. Assim, a estratégia tem sido de verticalização para trás, buscando eficiência e mais autonomia energética, incluindo-se o interesse na participação dos programas de privatização das empresas do setor elétrico”. Além disso, a empresa buscou fortalecer a sua participação na indústria de metais. Assim, em associação com a japonesa Mitsui, a Anglo American e outras dezesseis empresas, formou o consórcio Valecon que participa, mas não vence o leilão de privatização da Vale do Rio Doce. Por quatro meses, Carlos Ermírio de 138 Moraes (filho de Antônio Ermírio) e sua equipe ficaram trancados na sala de dados da empresa estudando a situação e as perspectivas da Vale. Antônio Ermírio disse que o preço pago foi alto demais (a empresa foi avaliada em R$ 12,4 bilhões). Porém, nas conversas particulares, chegou a lamentar a perda do negócio (PASTORE, 2013, p. 152). A Vale acabou sendo adquirido pelo consórcio formado por Benjamin Steinbruch que havia comprado e CSN antes e conseguiu reunir os principais fundos de pensão das estatais do país. Em 1997, foi criada a Votorantim Cimentos, holding que passaria a controlar as empresas que atuam na produção de cimento, cal, argamassa industrializada e concreto. Assim, as quatro diretorias que vigoravam desde os anos de 1960 seriam extintas. De acordo com Blecher (2000), até aquele momento não havia sinergia entre as fabricantes de cimento do grupo que chegavam até a concorrer entre si. Portanto, somente a partir deste ano é que um sistema informatizado passaria a decidir que unidade seria mobilizada para atender uma encomenda. Junto com a criação da Votorantim Cimentos, foi colocado em prática um novo plano para substituição do combustível utilizado na fabricação do cimento. No lugar do carvão que vinha sendo utilizado desde o final da década de 1970, passou-se a usar o coque do petróleo, um resíduo do processo de refino do petróleo. Esse processo de transição foi destacado nos depoimentos obtidos com funcionários do grupo: “Fomos até 1990 e pouco com o carvão mineral. Aí o governo cortou o subsídio do carvão mineral. Aí ele ficou mais caro que o coque. Mais caro do que o óleo. Aí a Petrobrás ofereceu, para a Votorantim, óleo pesado e depois super pesado. Óleo que você precisava de quase 200 graus para amolecer. Só que quanto mais difícil de utilizar – óleo que era sólido, em temperatura ambiente era sólido – mais barato. Então, a Petrobrás foi fornecendo esse óleo, cada vez de pior qualidade, de tal maneira que ele fosse mais barato para incentivar o uso. Bom, esse óleo custava muito caro para nós. Mesmo sendo difícil, ele custava muito caro. O combustível no Brasil é muito caro. Bom, onde está o nosso calcanhar de Aquiles? Energia térmica. O que nós fizemos? A gente verificou que o “petcoke”, de alto teor de enxofre custava 25% do custo do óleo que a gente usava. Como 40% do custo do nosso processo é combustível, eu tinha condições de reduzir esse custo. Veja, ¼ de 40% é 10%. Isso representa muitos milhões de dólares. Só que era um desafio, ninguém tinha feito. Como o estudo teórico estava feito. A gente acreditava que podia fazer” (ENTREVISTADO 6). Em 1998, a VCP lançou suas ações na bolsa de Nova York, ampliando o seu acesso a capitais de risco. As novas práticas de governança e gestão demandadas pela abertura de capital começaram a ser replicadas nas demais unidades (BLECHER, 2000). 139 Em 2000, morre Clóvis Scripilliti. No ano seguinte, em uma coletiva de imprensa realizada na sede da Votorantim, Antônio Ermírio de Moraes passa oficialmente o comando do grupo para a quarta geração da família. O evento foi simbólico e rápido. Após uma breve conversa com os jornalistas, disse: “Agora vocês conversem com eles” apontando para os oito acionistas, todos membros da nova geração. (CALDEIRA, 2008, p. 259). No grupo dos novos comandantes, estavam presentes parte dos herdeiros dos três irmãos e de Clóvis Scripilliti. Essas pessoas tinham atuado em diversas áreas da organização e haviam ganhado o respaldo dos demais herdeiros. A identificação dos novos gestores do grupo é apresentada na tabela 6-2. Como é possível perceber, na nova divisão de, havia dois irmãos de cada um dos quatro “clãs” da família, de forma que houvesse equidade na condução dos negócios. Tabela 6-2 – Quarta Geração da Família Ermírio de Moraes Clã José Ermírio de Moraes Filho Antônio Ermírio de Moraes Herdeiros Formação José Ermírio de Moraes Neto Administrador de Empresas pela FGV José Roberto Ermírio de Moraes Engenheiro Metalúrgico pela FAAP Engenheiro Metalúrgico pela Colorado School of Mines Engenheiro Químico pela Colorado School of Mines Carlos Ermírio de Moraes Luís Ermírio de Moraes Ermírio Pereira de Moraes Fábio Ermírio de Moraes Engenheiro Mecânico pela FAAP Cláudio Ermírio de Moraes Engenheiro Químico pela FAAP Clóvis Scripilliti Clóvis Emírio de Moraes Scripilliti 1 1 Engenheiro Metalúrgico pelo Mackenzie (incompleto) Carlos Eduardo de Moraes Scripilliti passou a ser representado no Conselho pelo seu irmão, Clóvis, não tendo atuação no grupo. Fontes: Pastore (2013); Fibria (2005). Duas semanas após o anúncio da nova estrutura, José Ermírio de Moraes Filho faleceu (CALDEIRA, 2008, p. 260). Para conseguir concluir o processo sucessório sem novos conflitos entre os sucessores, houve novas alterações na estrutura do grupo. Na mudança, foram criados dois conselhos (familiar e executivo) que estariam subordinados a um Conselho de Administração principal formado pelos comandantes da terceira geração. O Conselho Executivo, com participação dos oito primos, seria presidido por Carlos Ermírio de Moraes e teria José Ermírio de Moraes Neto na vice-presidência. Este conselho visava direcionar e monitorar estrategicamente os negócios (CALDEIRA, 2008, p. 263). O Conselho Executivo exerceria suas funções a partir da relação com cinco áreas de negócios conforme é apresentado na tabela 6-3: 140 Tabela 6-3 – Unidades de Negócio da Votorantim em 2001 Área Presidente Vice Presidente Negócios Votorantim Industrial (VID) José Roberto Ermírio de Moraes Fábio Ermírio de Moraes Passou a agrupar os negócios tradicionais do grupo: cimento, metais, papel e celulose, filmes flexíveis através da Votocel e, por último, a Votorantim Internacional. Votorantim Negócios José Ermírio de Moraes Neto Cláudio Ermírio de Moraes Estava relacionada aos negócios que ainda não tinham um desempenho maduro como as unidades dos setores químico e agroindústria. Votorantim Finanças José Ermírio de Moraes Neto - Era relacionada ao Banco Votorantim que já era o segundo maior banco de atacado do país e o décimo-primeiro no ranking de ativos totais. Votorantim Energia Carlos Ermírio de Moraes - Consolidava todas as unidades de geração de energia do grupo. Votorantim Novos Negócios Luís Ermírio de Moraes Seu objetivo era encontrar negócios promissores a médio e longo prazo, principalmente nos segmentos de biotecnologia e tecnologia da informação. Fonte: CALDEIRA, 2008, p. 263 Vale destacar que o Conselho Executivo da Votorantim tinha uma característica mais atuante, visando justamente, a condução compartilhada dos negócios. Esse modelo é destacado em trecho da reportagem da Época (2008): “Diferentemente do que ocorre em outros conselhos, não se reúne uma vez por mês. Trabalha em tempo integral. Seus membros batem ponto todos os dias no escritório e não há decisão de que não tenham conhecimento.” A tabela 6-4 mostra como estavam as participações dos principais negócios da Votorantim em 2000: Tabela 6-4 – Participação da Votorantim no Mercado Brasileiro, por Negócio Unidade % Cimento 42% Alumínio 20% Zinco 56% Níquel 24% Aço 7% Fonte: Votorantim, 2000 141 A transformação da estrutura foi acompanhada de mudanças na gestão da organização. Em 2002, o novo comando do grupo introduziu o Sistema de Gestão Votorantim (SGV). Entre outras práticas, o sistema visava: A disseminação de melhores práticas, compras conjuntas de materiais e serviços, integração de transportes e aumento da disponibilidade de linhas de produção (CALDEIRA, 2008, p. 269). Além disso, o grupo lançou o Sistema de Liderança Votorantim, com o objetivo de desenvolver profissionais de destaque na organização e o projeto Integra que permitiu que doze mil funcionários em todo o mundo utilizassem o mesmo sistema de gestão (CALDEIRA, 2008, p. 273). Essa nova fase também alterou o perfil de funcionários do grupo, conforme foi ressaltado em reportagem da Revista Exame: “Foi-se o tempo em que leais funcionários, com mais de 70 anos, ali permaneciam mesmo após a aposentadoria. Uma leva de sangue novo, em grande parte vinda de multinacionais, chegou ao grupo em anos recentes” (BLECHER, 2000). Além disso, o novo comando adotou novas estratégias de expansão. Com baixas possibilidades de crescimento em seus negócios no país, a Votorantim intensificou o seu processo de internacionalização. O Relatório Anual de 2001 destacava a importância de a Votorantim se tornar uma empresa internacional e iniciar uma nova fase de crescimento: “Uma das maiores conquistas do Grupo Votorantim em 2001 foi a definição clara de sua aspiração de crescimento, para tornar-se uma empresa “world class” em todas as funções que executa, reconhecida e respeitada por seus fortes valores. [...] Sustentada por um sistema de gestão empresarial focado em excelência operacional, organizacional e em pessoas, essa estratégia imprimiu uma dinâmica ao Grupo Votorantim em 2001, dando impulso às nossas decisões de crescimento”. Em 2001, foi dado o primeiro grande passo nesse sentido através da aquisição da St Mary´s Cement Inc, uma empresa que detinha 10% do mercado de cimento no Canadá. Dois anos depois, fortaleceria sua posição na região ao adquirir a Suwannee American Cement, conquistando a liderança do setor de cimento do Canadá e dos Grandes Lagos nos EUA. (CALDEIRA, 2008, p. 264). No segmento de metais, como consequência do projeto de expansão iniciado anos antes, a CBA tornou-se a maior fábrica integrada do mundo, com produção de 340 mil toneladas anuais, sendo metade desse montante direcionado para o exterior. No ano seguinte, a Votorantim realizou a aquisição da Paraibuna Metais, que era a segunda maior produtora de zinco do país e da refinaria Cajamarquilla, no Peru, o que 142 fez a empresa se tornar a quinta maior produtora mundial de zinco. Assim, pela primeira vez na história, a unidade de metais foi a de maior faturamento no grupo (CALDEIRA, 2008, p. 271). Outras aquisições estratégicas foram realizadas, como a compra, ainda em 2001, de 28% do capital votante da Aracruz Celulose, líder na produção de celulose de eucalipto (CALDEIRA, 2008, p. 265). Durante os anos de 1990, a empresa já havia mais que duplicado o seu faturamento, partindo de US$ 1,3 bilhão em 1990 para US$ 2,8 bilhões em 1999. Todavia, esta nova etapa empreendida pela nova geração se mostrava bem mais agressiva. Os investimentos que foram de US$ 0,5 bilhão em 2000, pularam para US$ 1,7 bilhão no ano seguinte. Assim, em 2006, apenas cinco anos após a sucessão, a nova direção alcançou uma receita de US$ 13,3 bilhões, volume quase quatro vezes maior do que os US$ 3,5 obtidos em 2001. (CALDEIRA, 2008, p. 238). Vale ressaltar, no entanto, que a Votorantim também buscou crescer organicamente. Em 1999, foi lançado um projeto de modernização e expansão da fábrica de Barra Mansa para dobrar a capacidade para 800 mil toneladas anuais (VOTORANTIM, 1999). Já a CBA, começou a desenvolver um plano de uma nova elevação da produção para 400 mil t/ano a ser alcançada em 2005, que seria sucedida por uma expansão futura para 530 mil t/ano a partir de 2009 (VOTORANTIM, 2003). Acompanhando o plano de crescimento das unidades de negócio, um novo programa de construção de hidrelétricas visava elevar a capacidade de geração própria de energia de 35% para 60% do seu consumo total (VOTORANTIM, 2001). Em 2005, a organização recebeu o Prêmio IMD destinado a empresas de controle familiar com comprovado nível de desempenho, sustentabilidade, presença internacional e de grande responsabilidade social. Foi a primeira instituição latinoamericana a receber a premiação. Além disso, obteve da agência de classificação de risco Standard & Poors o nível de investment grade, que oferecia novas perspectivas de financiamento para a empresa. Dois anos depois, a organização começou a enfrentar uma grande crise institucional. José Meneguel, ex-coordenador comercial da Votorantim Cimentos acusou seis das principais fabricantes de cimento do país (entre elas a Votorantim) de formar um cartel, com controle de preços e de participação de mercado. A denúncia motivou uma investigação da Secretaria de Direito Econômico. Em 2012, o órgão recomendou a condenação de todos os envolvidos, mas o caso ainda não foi julgado pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). De acordo com o relatório, as empresas teriam atuado de forma orquestrada por seis décadas. Dessa forma, elas teriam inflacionado o faturamento em pelo menos 10% desde 2004 143 (BRONZATTO, 2012). Em 2014, o CADE decidiu de maneira unanime pela condenação da Votorantim e mais cinco empresas do setor. A multa foi de R$ 3,1 bilhões, sendo metade desse valor devido pela empresa da família Ermírio de Moraes. A decisão ainda incluiu a venda de ativos por parte das empresas para forçar a competição. As insinuações de cartelização do setor, no entanto, não são recentes, como é possível verificar no Relatório Anual de 1968: “Devido à escassez do produto, muitas críticas têm sido feitas aos fabricantes de cimento, no que diz respeito ao preço do produto. Sobre o assunto queremos frisar que, sendo o preço do cimento controlado pela CONEP, agimos rigorosamente dentro da conjuntura nacional. Não procede a afirmativa de que o cimento nacional é excessivamente mais caro do que o importado, embora pesem contra nós taxas e impostos, bem como preços de combustíveis, muito mais altos do que na maioria dos países latino-americanos e europeus”. Em 2006, a Votorantim continuou com o seu processo visando criar um Grupo Único. Assim, a Diretoria Geral da VID passou a desempenhar um papel mais direto na gestão dos negócios da empresa, com foco nas estratégias de crescimento, avaliação de desempenho das unidades e preparação de talentos (VOTORANTIM, 2006). Em 2008, a crise financeira global deflagrada nos EUA, gerou grandes transformações no grupo. Primeiro, a redução da atividade econômica mundial resultou em queda dos preços de grande parte do portfólio de produtos da Votorantim durante o ano de 2009: aço (-13%), celulose (-15%), suco de laranja (-40%), níquel (36%), alumínio (-35%) e zinco (-12%). Segundo, o movimento deu início a uma série de grandes transações realizadas pelo grupo. O grupo vendeu, ainda em 2008, 49,99% das ações do Banco Votorantim para o Banco do Brasil. Assim, a administração passou a ser compartilhada, com a formação de um Conselho de Administração composto por três membros de cada parte (VOTORANTIM, 2009). Em 2011, a Votorantim também vendeu por um valor não revelado a Nitro Química, deixando, assim, o setor. O comprador foi um fundo de investimentos. A decisão fez parte da estratégia de vendas de ativos para concentração nos principais negócios do grupo. No mesmo ano, também se desfez de toda a participação que tinha na Siderúrgica Usiminas, em um negócio de R$ 2,4 bilhões (VOTORANTIM, 2011). Por outro lado, foram realizadas importantes aquisições. No auge da crise, em 2008, adquiriu o controle da Aracruz Celulose, assumindo a liderança global do setor. Após o anúncio do negócio, a Aracruz reconheceu R$ 1,95 bilhão em perdas financeiras por exposição a derivativos e a Votorantim R$ 2,2 bilhões pelo mesmo 144 motivo. Ainda assim, o negócio foi mantido, pois a desistência geraria uma multa de R$ 1 bilhão para a Votorantim. (VOTORANTIM, 2008). Como consequência das elevadas perdas financeiras com derivativos, foi criada uma Diretoria de Gestão de Riscos subordinada ao Conselho de Administração com o intuito de oferecer suporte na análise e gestão de riscos corporativos das diferentes unidades de negócio (VOTORANTIM, 2009). Cabe ressaltar que o episódio envolvendo o reconhecimento das perdas financeiras oferece uma exemplificação de como funcionava o Conselho Executivo do grupo. Embora o comando envolvesse decisões em conjunto, o caso parece indicar que as decisões eram tomadas de maneira rápida, conforme é apontado em trecho de reportagem da Revista Exame: “No Conselho Executivo da Votorantim, as decisões são tomadas por consenso. A necessidade de aprovação de todos não tem significado, até agora, lentidão no processo decisório [...] No começo de outubro, começaram a surgir rumores de mercado de que as perdas da Votorantim com derivativos chegariam a 10 bilhões de reais. Em menos de uma semana, o conselho decidiu liquidar sua exposição aos derivativos para acalmar o mercado e comunicar às agências de risco as reais perdas com as operações. (COSTA & MEYER, 2009)”. No segmento de agroindústria, a Votorantim realizou uma fusão com a Citrosuco, em 2010, criando o maior produtor global de suco de laranja. Cada uma das fundadoras passou a ter 50% da nova empresa, compartilhando a gestão (VOTORANTIM, 2010). No setor de cimentos, a crise imobiliária americana fez as vendas naquele país declinarem 10% em relação a 2007. O mercado brasileiro, por sua vez, aquecido pela oferta de crédito, cresceu 15%. Esta mudança exigiu adaptações da empresa que estava intensificando os investimentos no exterior, em detrimento do mercado interno que vinha de muitos anos de baixo crescimento. Em consequência desses eventos, o cimento que havia representado apenas 19% das vendas em 2007, volta a ser o principal negócio da Votorantim com 26% de participação (VOTORANTIM, 2008). No setor de alumínio, após mais um plano de expansão, a CBA alcançou uma capacidade de produção de 465 mil toneladas ano, se consolidando como a maior fábrica integrada de alumínio no mundo. Esta elevação da capacidade foi acompanhada do aumento da produção interna de energia. Assim, a empresa conseguiu atingir um patamar de 70% de autossuficiência energética, enquanto que a média mundial girava em torno de 28% (VOTORANTIM, 2008). 145 A partir de 2008, com a aquisição de usinas na Argentina e na Colômbia, as atividades siderúrgicas foram desmembradas da unidade de Metais e se transformaram na Votorantim Siderurgia, com capacidade instalada de 1,45 milhão de toneladas, sendo 750 mil no Brasil, 250 mil na Argentina e 450 mil na Colômbia (VOTORANTIM, 2008). No ano seguinte, foi inaugurada uma nova siderúrgica em Resende (RJ) com capacidade de aciaria de um milhão de toneladas/ano e laminação de quinhentas mil toneladas/ano. A instalação ocorreu em paralelo às iniciativas de modernização da usina de Barra Mansa. Próximas geograficamente, as unidades passaram a atuar de maneira complementar (VOTORANTIM, 2009). Em 2012, a Votorantim deu mais um passo no fortalecimento de sua posição na siderurgia ao inaugurar uma nova usina na cidade de Três Lagoas (MS) em uma joint venture realizada com Alexandre Grendene. A usina produz aços longos para o mercado do Centro-Oeste, utilizando para isso, os aços brutos da unidade de Resende. A capacidade de produção era de 800 mil toneladas ano (VOTORANTIM, 2012). Após essa série de movimentos, a organização fez mais uma adequação de sua estrutura. Assim, ficaria dividida em: Industrial - abrangendo negócios de cimentos, metais, energia, siderurgia, celulose e papel e agroindústria; Finanças; e Novos Negócios. Já o segmento financeiro viveu períodos antagônicos desde o estouro da crise. Em meio à crise financeira global, a unidade foi o principal negócio da Votorantim no ano, representando 30% das receitas do grupo em 2009. Por outro lado, os financiamentos de veículos que haviam sido uma importante fonte de crescimento, começavam a ter um aumento considerável o nível de inadimplência. Assim, ainda em 2009, o Banco Votorantim dobrou suas provisões para devedores duvidosos. (VOTORANTIM, 2009). Em 2011, o valor triplicou R$ 3,3 bilhões. Em 2012, a provisão para créditos de liquidação duvidosa subiu para R$ 5,4 bilhões (VOTORANTIM, 2012). Em 2013, o Banco do Brasil, chegou a realizar estudos para propor a compra de mais 25% da participação do Banco Votorantim. Entretanto, diante do ambiente instável, acabou cancelando a proposta (SCIARRETTA, 2013). No entanto, novas mudanças na composição societária ou mesmo a saída do setor pela Votorantim não estão descartadas. De acordo com Moreno (2013), o banqueiro André Esteves estaria interessado na compra da participação da família Ermírio de Moraes no banco, através do BTG Pactual, para se tornar sócio do BB. Esses movimentos acontecem em um período de dificuldades do grupo. Nos três últimos anos, o banco operou em prejuízo. Em 2012, obteve um resultado negativo de R$ 1,9 bilhão e, no ano seguinte, de R$ 512 milhões. 146 Não deixa de ser interessante destacar a reticência de Antônio Ermírio de Moraes, quando questionado pelo seu biógrafo sobre a entrada da Votorantim no setor financeiro e dos bons resultados que vinham obtendo: “Ponderei aos meus irmãos que nós não somos do ramo. Podemos dar com os burros n´água" (PASTORE, 2013, p. 147). Em 2010, com problemas de saúde, Antônio Ermírio de Moraes, o último integrante da terceira geração no comando, deixa a presidência do Conselho de Administração do grupo que passa a ser ocupado por José Ermírio de Moraes Neto. No ano seguinte, a Votorantim realiza mais uma mudança em sua estrutura. As unidades de negócios (Industrial, Financeira e Novos Negócios) são desmembradas. O Conselho de Administração VPar presidido por José Roberto Ermírio de Moraes passa a ser o órgão máximo da Votorantim e José Ermírio de Moraes Neto passa a ser o presidente do Conselho de Administração do Banco Votorantim. Raul Calfat, executivo do segmento de papel e celulose (era funcionário da Papel Simão, adquirida em 1992), se torna o Diretor Presidente da Votorantim Industrial (VOTORANTIM, 2011). Em 2012, a Votorantim vendeu a sua sede central no Centro da cidade de São Paulo para o Governo do Estado. Assim, os escritórios que ficavam nesta sede foram distribuídos entre as demais unidades do grupo. Nos últimos anos, os resultados do grupo passaram a ter uma grande dependência da Votorantim Cimentos - em 2010, por exemplo, o setor de cimentos respondia por 40% da Receita Líquida e por 60% do EBITDA da Votorantim (VOTORANTIM, 2010). Além da dependência da unidade de cimentos, a companhia passou a conviver com um nível de endividamento preocupante. Em 2012, a dívida bruta chegou a R$ 25,2 bilhões, um aumento de R$ 3 bilhões em relação a 2011. Ou seja, a dívida da empresa pela primeira vez foi superior a sua receita líquida anual (R$ 24,8 bi em 2012). Enquanto que em 2001 o valor da dívida não chegava a uma vez a geração de caixa, em 2012 ela foi de 3,6 vezes. Ainda, de um lucro líquido de R$ 1.2 bi em 2011, o segmento industrial do grupo teve um resultado de apenas R$ 87 milhões em 2012. (VOTORANTIM, 2012). Em 2013, o lucro da VID subiu para R$ 238 milhões (REUTERS, 2014). Ainda em 2013, a Votorantim Cimentos iniciou uma operação para abertura do seu capital em um negócio avaliado em cerca de R$ 10 bilhões. Todavia, em virtude do fraco desempenho do mercado de ações brasileiro naquele ano, o plano foi adiado (REUTERS, 2013). 147 No início de 2014, Raul Calfat, presidente da Votorantim Industrial, deixa o cargo para assumir a frente do Conselho de Administração. A alteração faz parte de uma nova estratégia da empresa, que pretende descentralizar funções, fazendo com que o braço industrial passe a atuar de forma integrada com o Conselho de Administração da VPAR. Com a saída de Calfat, a presidência da VID passa a ser ocupada pelo executivo João Miranda, que era o diretor financeiro (BEZERRA, 2014). 148 7 ANÁLISE 7.1 Análise das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento O grupo Matarazzo foi o maior conglomerado nacional durante décadas. A sua origem data de 1882, quando o italiano Francesco Matarazzo aportou no Brasil e fundou uma fabriqueta de banha de porco no interior do Estado de São Paulo. A partir daí, a organização seguiu por um processo de crescimento e diversificação que abrangeu negócios nas mais diversas indústrias, com destaque principalmente para os setores têxtil, alimentício e químico. Dessa forma, o conglomerado atingiu um porte colossal, de dimensão comparável apenas à organização desenvolvida pelo Barão de Mauá no século XIX. Apesar de não ter sido possível identificar balanços financeiros anteriores a 1941, as leituras realizadas permitiram constatar que o auge da organização ocorreu entre as décadas de 1920 e 1940. O formato da curva de crescimento apresentada no gráfico 7-1 sugere realmente esse período de sucesso inicial. A partir do final da Segunda Guerra Mundial, a organização entrou num período de declínio irreversível, que culminou com o pedido de concordata de grande parte de suas empresas em 1983. Desde então, a Matarazzo perdeu relevância no cenário industrial brasileiro, mantendo atualmente uma pequena parcela dos antigos ativos que estão, em sua maioria, arrendados para terceiros. A análise das respostas da Matarazzo aos desafios do crescimento, apresentada nesta seção, buscará identificar os traços organizacionais desenvolvidos pela organização e compará-los à teoria em questão, com o objetivo de verificar em que medida esses fatores contribuíram para que a empresa desenvolvesse uma propensão ao fracasso e seguisse um caminho de autodestruição. 149 Gráfico 7-1 – Evolução do Tamanho da Matarazzo entre 1941 e 1980 0,30 0,25 y = -2E-06x4 + 0,0124x3 - 36,423x2 + 47620x - 2E+07 R² = 0,77 0,20 0,15 0,10 0,05 Tamanho = Faturamento/PIB 7.1.1 1983 1981 1979 1977 1975 1973 1971 1969 1967 1965 1963 1961 1959 1957 1955 1953 1951 1949 1947 1945 1943 -0,05 1941 0,00 Performance = Lucro Líquido/PIB Desafio do Empreendedorismo Os serviços empreendedores são condições necessárias para a criação de valor e o crescimento contínuo de uma organização. A análise do grupo Matarazzo à luz das dimensões do empreendedorismo propostos por Penrose (1980) indica que foram desenvolvidas capacitações empreendedoras que levaram a organização ao crescimento. Entretanto, identificou-se uma dificuldade em manter a capacidade de julgamento à medida que a organização foi crescendo e se tornando mais complexa. Além disso, com as transformações da economia ao longo do tempo, a organização também não conseguiu manter o mesmo nível de versatilidade para encontrar novas oportunidades lucrativas no timing adequado. a) Ambição Conforme discutido por Penrose (1980), a ambição empreendedora pode ser observada através da intenção de se criar um grande grupo empresarial (empirebuilder), ou de se buscar a melhoria da qualidade e dos produtos da organização (product-minded). Durante praticamente toda a trajetória da Matarazzo, percebe-se a recorrência de altos níveis de ambição, principalmente no sentido de se criar um grande império industrial, tendo um papel fundamental no processo de crescimento da organização. 150 Essa ambição empreendedora fica evidente desde os primeiros anos de atividade comercial de Francesco. A sua vinda ao Brasil já era resultado de uma ambição para empreender, uma vez que o jovem italiano trouxe consigo uma carga de banha de porco da Itália, que ele esperava comercializar no país. Após se estabelecer em Sorocaba e conseguir um relativo sucesso na comercialização de banha e outros produtos na região, o empresário decidiu se desfazer de seus negócios e ir para São Paulo, uma cidade que vinha crescendo por conta da leva de imigrantes e da economia do café e que, portanto, oferecia mais oportunidades lucrativas para o crescimento dos seus negócios. Já na nova cidade, ele faria a transição do comércio para a indústria, sendo um dos precursores do processo da industrialização brasileira. A partir daí, fica evidente uma ambição para criar mais e mais empresas com o objetivo de formar um grande grupo industrial. As histórias da industrialização brasileira e do surgimento da Matarazzo se confundem. A ambição empreendedora de Francesco levou à criação de fábricas em um país cujo motor econômico era exclusivamente agrícola e tudo o que consumia de produto industrializado era importado. Nas décadas seguintes, a organização seguiria gerando novos empreendimentos onde quer que fossem identificadas oportunidades de atuação, possibilitando a identificação de um espírito de empirebuilder do Conde Francesco. Embora os números costumem divergir, de acordo com Milton Getúlio da Cunha, que foi Diretor da IRFM durante a década de 1970, a Matarazzo chegou a reunir 170 empresas, se mantendo como o maior grupo empresarial brasileiro por décadas. Essa ambição é observada no discurso do próprio empreendedor: “Sempre considerei a riqueza como meio de atingir um ideal: Ampliar, ampliar o máximo o organismo industrial, já vasto, ao qual liguei meu nome; intensificar todos os meus esforços no sentido de tornar mais eficiente a contribuição que a mim mesmo me impus como dever, para a 1 emancipação do Brasil” Francesco Matarazzo (COUTO , 2004, p. 14). Ainda na gestão de Chiquinho e já com a empresa enfrentando dificuldades financeiras, essa continuaria a ser uma característica marcante do grupo. Ao mesmo tempo em que fechava alguns negócios, outros eram criados, de forma a evitar que o império Matarazzo fosse reduzido. Esse movimento fica evidente no final da década de 1950 e início dos anos de 1960 quando os seguintes negócios foram descontinuados: fábricas de pregos e de alimentos em conserva (1957), panificação (1959), fábrica de desinfetantes e esponjas (1962), pasta de amendoim (1963), frigoríficos (1964). Por outro lado, no mesmo período foram inaugurados novos negócios como a Trificel (1957), uma fábrica de embalagens (1958), a Cloroquim (1959) e os Supermercados Superbom (1960). 151 Outro episódio marcante que retrata essa visão foi identificado em depoimento do Entrevistado 1 que relatou a postura de Chiquinho quando ele decidiu vender o luxuoso edifício sede do grupo em 1972. De acordo com as palavras do depoente, apesar das dificuldades financeiras enfrentadas pelo grupo, o Conde “não queria ser diminuído”: “Eu estou vendendo o prédio, mas no lugar do prédio eu vou construir um shopping que vai deixar todo mundo de boca aberta. Lá no Largo Pompéia.” Mesmo durante a década de 1980, após o pedido de concordata e com o comando com Maria Pia, da terceira geração, é possível identificar características fortes de ambição. Com a desativação de diversas unidades industriais, a Matarazzo ambicionava destruir parte do complexo para construir, em parceria com uma empresa Canadense, o maior shopping da América Latina que, por falta de capital e entraves jurídicos, acabou nunca saindo do papel. b) Versatilidade A capacidade de imaginar e identificar novas oportunidades lucrativas é essencial para a organização crescer de forma saudável. No processo de formação e expansão do seu grupo industrial, Francesco Matarazzo demonstrou versatilidade e capacidade visionária para criar valor. Martins (1976, p. 55) destacou que o Conde sempre esteve atento às oportunidades econômicas de todas as fases de transformação dos produtos. Dessa forma, o seu crescimento não foi simplesmente defensivo. Pelo contrário, visava o aumento dos lucros. Reiss (1980, p. 33) afirma que o empreendedor detinha uma série de habilidades que o tornavam um “criador de impérios”. Dois anos após ter se estabelecido em Sorocaba, ele percebeu que havia um grande consumo de banha de porco importada no Brasil, mas que devido às longas viagens e ao método de acondicionamento, parte significativa dos produtos estragava antes de chegar ao Brasil. Assim, montou uma prensa com base nos modelos que tinha visto na Itália e começou a fabricar óleo a partir da gordura animal. Em poucos anos, conseguiu abrir outras unidades, alcançando um novo patamar para o seu negócio. Quando já havia obtido certo porte, ao invés de se contentar com a posição alcançada, percebeu um grande movimento de compra e venda de empresas em decorrência da política do Encilhamento (descrita com maiores detalhes no Capítulo 4). Assim, vendeu parte dos seus estabelecimentos e, com o excedente, montou um grande comércio na cidade de São Paulo. 152 Na nova cidade se tornou um importante comerciante, passando também a importar farinha de trigo. Percebendo que o produto comprado no exterior muitas vezes chegava ao país com baixa qualidade, Matarazzo vislumbrou a possibilidade de criar um grande moinho de trigo, o primeiro do país. Tratava-se de uma grande manobra, pois, envolvia a transição das atividades comerciais para a indústria. Assim, em 1900, se tornou um dos pioneiros da indústria nacional. Para reduzir sua vulnerabilidade em um ambiente em que a indústria era praticamente inexistente, começou a fabricar os próprios sacos para acondicionar o produto final. Desse processo, surgiu o braço têxtil do grupo que, por sua vez, levou a fabricação de óleos de algodão e, posteriormente, produtos químicos. Portanto, notase como a Matarazzo usou o excesso de recursos gerados dentro de suas unidades para criar novos empreendimentos lucrativos. De unidades formadas para abastecer o próprio grupo e reduzir sua dependência em relação a terceiros, o empreendedor ampliou o escopo de suas atividades, ganhando escala para competir em diferentes mercados. Assim, a organização formava o seu tripé Alimentos, Têxteis e Químicos. Portanto, é possível identificar nessa fase inicial a existência do motor do crescimento contínuo proposto por Fleck (2003). A figura 7-2 apresenta esse processo de crescimento, baseado em mecanismos de reforço, no qual o desequilíbrio de recursos incentivou a ampliação do escopo de atividades do grupo. Figura 7-1 – Processo de Diversificação da Matarazzo entre 1900 e 1903 153 Durante as décadas de 1910 e 1920 a organização seguiu um intenso processo de diversificação não relacionada, ocupando tanto quanto pudesse os espaços existentes para a fabricação de produtos no Brasil. Assim, nesse período foram criados empreendimentos nos mais diversos negócios: Usina de açúcar (1910), fábrica de pregos (1912), amideria e fecularia (1914), fábrica de velas e graxas (1916), frigorífico (1920), fábrica de licores e seção cinematográfica (1922), fábrica de curtumes e extrato de tabaco (1924), fábrica de rayon (1926). Esses negócios ampliaram a extensão da organização, mas em grande parte não apresentavam grandes potenciais de lucratividade. Foram criadas, também, empresas fornecedoras de insumos e serviços para as demais companhias da IRFM, sem que esses negócios apresentassem um potencial de geração de lucros relevantes para a organização, como a companhia de seguros (1917) e a de navegação e transporte (1919). Conforme destacado por Donald Rust em um relato escrito em 1934, a grande expansão da IRFM criava uma proteção às mudanças no ambiente. Assim, mesmo que algumas unidades apresentassem prejuízos na época, essas perdas eram compensadas pelos negócios lucrativos. Dessa forma, é possível identificar um perfil defensivo em parte das expansões do grupo durante essa fase. Apesar disso, é possível destacar a realização de pesquisas internamente, que indicavam uma capacitação na busca e identificação de novas oportunidades lucrativas. Em 1917, foram feitas experiências com farinha de milho para mistura à farinha de trigo para produção de pães, reduzindo a dependência do produto importado. Em 1924, identificou-se de forma pioneira o potencial econômico de extração e refino do óleo de babaçu. No início da década de 1930, a Matarazzo também desenvolveu pesquisas para a produção de álcool a partir de mandioca (a empresa tinha plantações e uma fecularia). Como consequência desses estudos, foi criada a IME. Já na década de 1950, foram desenvolvidos novos processos de produção de celulose e, também, para a extração de óleo de café que seria uma alternativa durante o período de entressafra do algodão. A partir da década de 1930, no entanto, o perfil da indústria brasileira começou a mudar (conforme discutido no Capítulo 4) e novas indústrias começaram a se formar. Diferentemente da Votorantim, a Matarazzo pouco tirou proveito desse processo. As expansões se mantinham diversificadas, mas baseada principalmente nos negócios tradicionais do grupo. Em 1937, quando o velho Conde falece e seu filho assume o comando, a IRFM tinha projetos em andamento em diversos negócios: Fábrica de louças e ladrilhos em São Caetano; Fábrica de ácido sulfúrico em São Caetano; Fábrica de papel em 154 Belenzinho; Hidrogenização de óleos na Água Branca; Fábrica de hidrogênio e oxigênio em São Caetano; Fábrica de macarrão em São Paulo; Fábrica de seda artificial com acetado em São Caetano; Processamento de algodão em Bauru e Catanduva. Nota-se, por exemplo, que os negócios tinham baixo nível de sofisticação, enquanto a Votorantim liderada por José Ermírio migrava para a indústria básica. Quando a IRFM migrou para a promissora indústria de cimentos (que atravessava um processo de nacionalização da produção) em 1947, inaugurando a Companhia Paraiba de Cimento, a Votorantim já estava há mais de dez anos no setor, com fábricas em São Paulo, Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Portanto, seguindo a proposição de Chandler (1990) em relação às indústrias de capital intensivo, sem direcionar recursos significativos para o novo negócio, a Matarazzo teria dificuldades de atingir uma posição dominante no setor uma vez que a Votorantim já havia conseguido obter vantagens produtivas e de distribuição. Dentre os mercados em que a Matarazzo atuava, é possível destacar os investimentos na indústria química, que passou a apresentar um grande potencial de crescimento (entre 1939 e 1963 a sua participação na composição da indústria brasileira saltou de 9,8% para 15,5%, conforme discutido no Capítulo 4). Em 1950, a IRFM montou uma nova unidade de produção de soda cáustica para abastecer a produção de tecidos sintéticos. A fabricação em larga escala deste insumo contribuiu, por sua vez, para a formação de uma fábrica de PVC no ano seguinte. Três anos depois, era iniciada também a produção de bicarbonato de sódio que levou à produção de acetileno que também era usado na fabricação do PVC. No final da década, ainda faria uma parceria com a Dow Chemical para produzir tetracloreto de carbono. Ou seja, a partir de recursos existentes, a IRFM seguiu investindo e crescendo em uma indústria promissora, inclusive atraindo empresas parceiras e com experiências na indústria para formar os novos empreendimentos. Assim, com as mudanças na estrutura industrial brasileira, a indústria química passou a apresentar uma possibilidade de crescimento para o grupo. Apesar desse potencial, a Matarazzo seguiu durante as décadas de 60 e 70 com a sua estratégia de expansão diversificada, caracterizando um movimento defensivo diante de um mercado que começava a ter presença de empresas multinacionais. As evidências apontaram para uma carência na capacidade de criar valor e expandir de forma versátil a partir deste período. Portanto, constata-se que a versatilidade de Francesco Matarazzo foi crucial para a formação do tripé industrial do grupo (Alimentos, Têxteis e Químicos) no início do século XX. Todavia, em parte dos movimentos de expansão nas décadas seguintes não foram encontradas evidências que sugerem a mesma consistência. Se por um 155 lado o investimento da indústria química e as pesquisas originárias das atividades industriais do grupo possibilitaram a criação de valor em determinados momentos, o processo de criação de valor da IRFM também se descolou muito dos recursos existentes e se mostrou por vezes defensivo e com um timing inadequado, diante das mudanças ocorridas no ambiente econômico e industrial brasileiro. c) Capacidade de Levantar Recursos A história do grupo mostra que a reputação construída por Francesco Matarazzo possibilitou à organização conseguir ter acesso aos recursos necessários para formar e expandir os negócios. Em 1891, um ano após montar a Matarazzo & Irmãos em São Paulo, Francesco viabilizou a criação de uma nova empresa com mais trinta e oito investidores. Esse empreendimento absorveu os ativos da Matarazzo & Irmãos e gerou lucro para Francesco que montou outra empresa com o irmão Andrea. Portanto, antes mesmo de se tornar um importante industrial, constata-se que o empresário já tinha a habilidade de atrair sócios e investidores para fomentar o crescimento dos seus negócios. Quando em 1900 o empreendedor vislumbrou a possibilidade de substituir a importação de farinha pela construção de um grande e pioneiro moinho na cidade de São Paulo, essa capacitação foi fundamental. Como a operação exigia o aporte de um considerável montante de recursos financeiros, o Conde negociou um financiamento com um banco inglês. Após a avaliação das principais oportunidades e riscos do negócio, veio a resposta positiva: “A proposta pode ser aceita, mas terá de ser o próprio Matarazzo a proceder à operação de venda que sugere. Matarazzo vale o que 1 assina” (COUTO , 2004, p. 268). Outra importante fonte de recursos financeiros no início da história da Matarazzo foi conquistada através da abertura de casas bancárias. Como um ícone da crescente colônia italiana no Brasil, as instituições criadas por Francesco em conjunto com outros sócios se tornaram o principal meio pelo qual os imigrantes enviavam dinheiro para a Itália. Assim, os bancos conseguiam movimentar valores significativos e, através deles, Matarazzo conseguia crédito barato para realizar os seus investimentos. Ao longo de sua trajetória, a capacidade de atrair acionistas para a IRFM também se manteve presente. No final de 1911, após a formação da holding, foram emitidas no mercado vinte mil ações ao preço de cem mil réis cada uma, permitindo a capitalização da empresa e a realização de novos investimentos. A mesma estratégia 156 foi utilizada para formar a Indústrias Matarazzo do Paraná quando, para viabilizar a construção do moinho na cidade de Antonina, em 1914, foi realizada uma grande subscrição de ações. Mesmo durante a fase de declínio, a Matarazzo continuaria conseguindo a captar recursos no mercado. Ao longo da década de 1950 foram realizadas sucessivas subscrições de novas ações. Assim, o capital que era de 750 milhões de cruzeiros em 1952 saltou para 4,8 bilhões de cruzeiros em 1960. Em uma das emissões no qual foram subscritos 1,6 bilhões de cruzeiros em ações, o anúncio da empresa no jornal O Estado de São Paulo (1960) destacava: “Subscreva ações preferenciais da S/A Indústrias Reunidas F. Matarazzo e adquira segurança e tranquilidade. O Brasil ruma à estabilidade financeira e econômica, e as Ações Matarazzo, oferecendo uma renda anual garantida, nunca inferior a 17%.” Nesse período de maior dificuldade, a empresa também conseguia atrair empresas parceiras para viabilizar novos projetos. Entre as décadas de 1950 e 1970, a Matarazzo realizou joint ventures nos setores têxtil, de químicos e alimentos. Também nesse período, a empresa conseguiu se apoiar em sua reputação e relação com o Estado para receber aportes do BNDE, que financiaram diversos projetos de expansão. Esses empréstimos se tornaram notáveis a partir de 1966, com financiamento para instalação de uma fábrica de celulose em São José dos Campos. A partir daí, o suporte do Governo Federal se tornou muito marcante com apoio, principalmente, a projetos no Nordeste através da SUDENE. O programa do Governo para o desenvolvimento do Nordeste financiou, por exemplo, a expansão da Cia Paraiba de Cimento Portland, que aumentou sua produção de 400 para 1.400 toneladas diárias entre 1968 e 1972. Ainda através da SUDENE, foi criada a Polynor para a fabricação de poliéster e fibra sintética na Paraíba. Finalmente, a empresa passou a realizar diversos desinvestimentos com o objetivo de levantar recursos que incluiu a venda do edifício sede do grupo por setenta e três milhões de cruzeiros em 1972. Nos anos que precederam o pedido de concordata em 1983, as vendas de ativos e empresas realizadas pelo grupo haviam somado 180 milhões de dólares. Portanto, é possível verificar que a reputação construída pela Matarazzo ao longo de sua história permitiu o acesso a diferentes fontes de capital, possibilitando que a organização seguisse criando e ampliando os seus empreendimentos. 157 d) Julgamento Conforme discutido anteriormente, o julgamento empreendedor envolve a capacidade de avaliar previamente os riscos e incertezas de novos empreendimentos, e assim evitar uma superexposição da organização ao risco. As evidências sugerem que esse processo de avaliação e tomada das decisões referentes aos novos negócios ficava a cargo do velho Conde, que identificava as oportunidades e direcionava os rumos da organização. Entretanto, com o aumento da complexidade do grupo após várias décadas de formação de novos empreendimentos, não foi possível constatar a adoção de um processo de coleta de dados, análise e tomada de decisão. Ou seja, não foi identificado que essa capacitação de Francesco tenha sido desenvolvida pela organização. Pelo contrário, alguns movimentos de expansão para novos mercados podem sugerir a inexistência de um método sistemático de análise antes da implantação dos empreendimentos. Em 1906, ainda na fase inicial das atividades industriais, a Matarazzo começou a produzir fósforo, um negócio não relacionado com qualquer outra empresa do grupo. Diferentemente dos outros mercados em que a empresa já atuava, o setor contava com uma concorrência feroz de vinte e oito empresas, entre elas uma estrangeira, a Fiat Lux. Assim, três anos depois, a empresa acabou abandonando o setor. Outro exemplo similar ocorreu na segunda metade da década de 1920, quando foi fundada a SA Industrial Matarazzo de Mato Grosso com o objetivo de industrializar e comercializar pele e gordura de jacaré e de capivara, um empreendimento que gerou prejuízo e foi abandonado em pouco tempo. Finalmente, a compra de 50% das ações do Grupo Folha, em 1945, é outro evento que sugere a ausência de avaliação consistente dos riscos e incertezas. A aquisição possivelmente foi realizada com o intuito de oferecer uma rivalidade aos jornais de Assis Chateaubriand, que havia se tornado um rival pessoal da família Matarazzo. O Conde Chiquinho enfrentou muitas desavenças com os seus sócios sobre a condução do jornal, e no ano seguinte à aquisição, acabou saindo da sociedade. Por fim, o relato do Entrevistado 1 sobre a transformação dos postos de abastecimento (que eram basicamente mercearias para os funcionários das fábricas Matarazzo) em supermercados (dando origem à rede Superbom), indica que não houve um julgamento prévio sobre as questões críticas sobre o negócio. “Então esse posto de abastecimento do Moinho Pastifício, me deu a ideia de transforma-lo em um supermercado. [...] Transformei o posto de abastecimento em supermercado sem pedir para ninguém. E aquilo era como se fosse um desafio. Imagine você entrar dentro do 158 local, dezenas de operários para escolher os seus mantimentos. Ser roubado, porque ainda hoje o pessoal rouba em supermercado.” Vale destacar, no entanto, que alguns fatos identificados podem sugerir uma intenção de evitar a exposição excessiva ao risco embora, mais uma vez, não tenham sido obtidos fatos consistentes que indiquem que esses eventos tenham englobado um processo de análise sistemática. Os pontos mais consistentes foram identificados entre as décadas de 1950 e 1970 quando, já em uma fase de declínio, a IRFM passou a realizar parcerias com outras empresas que tinham experiência e reputação em determinados mercados, podendo assim mitigar riscos. Na indústria química, por exemplo, realizou joint ventures com as americanas BF Goodrich para a fabricação de PVC (em 1951), a Dow Chemical para a produção de tetracloreto de carbono (em 1959), e a Milles para a produção de ácido cítrico (em 1972). Na fabricação de fibras sintéticas, realizou um acordo com a japonesa Toray, a terceira maior produtora do mundo, que passou a administrar em conjunto com a Matarazzo, uma fábrica montada pelo grupo brasileiro no nordeste. Outros fatos pontuais podem sugerir essa capacitação, embora tenham sido identificados de maneira isolada. Constatou-se, por exemplo, que entre as décadas de 1920 e 1930, já existiam nas unidades do grupo equipes encarregadas de “planejamento para o futuro”, cujo foco estava em verificar tendências de mercado, identificar cenários possíveis e prováveis, selecionar investimentos, acompanhar inovações tecnológicas, sugerir mudanças e ajustes. Apesar disso, não foi possível encontrar evidências práticas da atuação desse grupo. O desenvolvimento de pesquisas e estudos prévios ao lançamento de um novo produto também poderiam indicar essa propensão, embora também tenham sido identificados em momentos pontuais. Em 1932, por exemplo, a empresa conduziu, por dezoito meses, pesquisas para o desenvolvimento de motores a álcool sem a necessidade do uso de gasolina. O projeto não foi levado adiante, pois o desabastecimento de gasolina ocorrido durante a Revolução Constitucionalista de 1932 havia sido superado. Em 1965, também foi identificada a realização de estudos e produções experimentais de fios e tecidos com fibras sintéticas Polyamide e Polyester, em mistura com fibras naturais que foram bem sucedidos, fazendo com que a empresa decidisse ampliar as atividades no segmento. 159 7.1.2 Desafio da Navegação no Ambiente Conforme discutido por Fleck (2009), o desafio da navegação está relacionado com a capacidade de a firma de atuar em ambientes dinâmicos de forma a garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. A análise realizada permite constatar que a Matarazzo conseguiu construir uma legitimidade organizacional tanto na esfera institucional quanto na organizacional. Por outro lado, a capacidade de capturar valor, identificada na fase inicial do grupo, não foi observada à medida que a empresa foi se diversificando. Ou seja, embora a IRFM seguisse criando novos negócios e ampliando as suas atividades, os dados e evidências coletadas não indicam que a empresa conseguiu capturar esse valor criado. a) Captura de Valor Desde que se estabeleceu no Brasil, Francesco Matarazzo demonstrou um grande tino comercial que lhe deu condições de capturar valor com os seus negócios e seguir crescendo. Quando começou a atuar como comerciante na região de Sorocaba, ele implantou um sistema de compras e vendas a prazo. Ao mesmo tempo, passou a percorrer a região comercializando os seus produtos. Assim, conseguiu ganhar escala e passou a vender até mesmo para os seus concorrentes. Quando começou a produzir banha de porco, ele implantou uma inovação ao comercializá-la em latas, menores e mais próprias para o consumo do que as grandes caixas de madeira utilizadas pelos seus concorrentes. Como resultado, o empreendedor logo se tornou o principal produtor da região. Nos primeiros anos do século XX, a Matarazzo iniciou suas atividades industriais e, para isso, se valeu de estratégias visando a captura deste valor. Para montar o primeiro Moinho de Trigo, usou o capital obtido na Inglaterra para adquirir maquinários daquele país. Além de ter uma grande vantagem produtiva para a época, a empresa ainda passou a comercializar sementes de trigo para incentivar o plantio e, assim, garantir o insumo necessário para a produção (essa estratégia seria utilizada outras vezes como na inauguração da Amideria Matarazzo em 1914). Na outra ponta da cadeia, lançou três marcas visando atrair o público: Claudia - será sempre especial; Tosca - será sempre superior; Olga - será sempre boa. A criação de novos empreendimentos nos anos seguintes (tecelagem, metalúrgica e fábrica de óleos) também criou uma organização mais autossuficiente. Assim, a Matarazzo dependia menos de insumos importados do que outros concorrentes, estando menos suscetível às oscilações do ambiente. Essa independência conquistada pelo grupo seria uma vantagem durante a Primeira Guerra Mundial, atuando como um mecanismo de isolamento em favor da organização. 160 A tabela 7-1 ilustra a variação da importação dos insumos relacionados aos principais mercados nos quais a IRFM atuava. Em todos eles houve queda do volume de produtos importados que entraram no país, sendo que os tecidos de algodão e insumos químicos, tiveram redução significativa. Tabela 7-1 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de toneladas métricas) Itens 1909-1913 1914-1918 1.008 943 - 6% Substâncias químicas e farmacêuticas 58 33 - 43% Tecidos de algodão 13 5 - 62% Produtos alimentícios Variação Como resultado, de acordo com o historiador Warren Dean, as unidades de estamparia da Matarazzo foram as únicas a operar lucrativamente antes da Primeira Guerra Mundial. Outro mecanismo de isolamento utilizado pelo empreendedor para capturar valor foi a manipulação de câmbio. Acionista de uma casa bancária, o Conde Francesco passou a comprar moeda estrangeira em momentos de alta do mil-réis e usar estes recursos para saldar os pagamentos de importação em momentos de baixa da moeda nacional. Além disso, para facilitar a sua comercialização, tanto na importação de insumos quanto na exportação de produtos alimentícios e têxteis, a Matarazzo montou um escritório na cidade portuária de Santos. Em 1925, já tinha outras unidades em Buenos Aires, Rosário e Nova York. Conforme discutido no Capítulo 4, no final da década de 1920 a boa relação dos importadores e comerciantes com os industriais começou a desparecer, afetando os canais de distribuição e de captura de valor dos industriais. Assim, diante desses atritos a IRFM instalou, em 1927, uma rede de armazéns atacadistas para venda direta dos produtos do grupo: um em Juiz de Fora, três em São Paulo, um em Ribeirão Preto, um em Campinas e outro em São José do Rio Preto. Na mesma época, a organização conseguiu adquirir a patente do rayon, uma seda artificial, cujo processo produtivo havia sido inventado há poucos anos. Com a patente em mãos, a Matarazzo formou a Viscoseda, uma das maiores fábricas do grupo, que iria fornecer o insumo para a indústria têxtil, em especial para as unidades do próprio grupo. A IRFM manteria o monopólio sobre este produto até meados da década de 1930, quando a patente expirou e a Votorantim, em parceria com a Klabin, montou a Nitro Química. 161 Não conseguindo renovar a patente e diante de um novo concorrente, a Matarazzo cortou o preço da seda artificial de quarenta para dez contos por tonelada para penalizar a fábrica da Votorantim. Entretanto, o governou ameaçou aplicar uma lei antitruste contra a empresa. Impedindo de concorrer por preço, a Viscoseda passaria a ter dificuldades para continuar capturando valor. O episódio da concorrência entre a Viscoseda e a Nitro Química denota uma nova fase na qual o Brasil começava a atravessar uma segunda onda de industrialização (começando pela Era Vargas e se intensificando no Governo JK). A Matarazzo, assim como as outras empresas brasileiras passaram a enfrentar uma concorrência que, até então, era praticamente inexistente. Conforme discutido no Capítulo 4, até a década de 1930 a indústria não desenvolveu uma dinâmica própria de acumulação de capital, sendo muito dependente do café. Ainda, como o crédito bancário era escasso, os industriais em sua maioria atuavam de maneira passiva, trabalhando com os preços correntes e sem agir de forma agressiva perante os outros competidores. Além disso, o perfil da indústria começava a mudar e se tornar mais sofisticado. Entre 1930 e 1945, as indústrias tradicionais foram as que apresentaram menor evolução Entre elas estavam dois dos principais negócios do grupo: produtos alimentares que cresceram a uma taxa média de 2,9% ao ano e indústria têxtil, com um crescimento de 6,5% ao ano. Enquanto isso, outras indústrias cresceram a taxas anuais muito mais elevadas: indústria metalúrgica (24%), química e farmacêutica (29,9%), automotiva (39%) e minerais não metálicos (16%). Apesar dessa nova dinâmica, duas características da Matarazzo seriam mantidas. A primeira é a persistência na ampliação do escopo de suas atividades, ao contrário da Votorantim que intensificou os investimentos na indústria de cimento. Conforme destacado no Relatório Anual de 1944, a empresa justificaria essa estratégia de diversificação em virtude de um mercado brasileiro extremamente limitado: “A limitada amplitude do mercado interno, punha, infelizmente, limites estreitos ao desenvolvimento de cada uma das nossas fábricas, impedindo-nos de dar curso a programas de larga produção. Daí o caráter multiforme da nossa atividade que, indubitavelmente, teria dado resultados bem mais amplos na formação do complexo do nosso aparelhamento econômico se o mercado interno tivesse comportado o desenvolvimento de nossa atividade produtiva em um número menor de setores ou em um único setor." Além disso, apesar da incursão em novos mercados, como na indústria de cimentos e celulose, os principais negócios do grupo ainda estavam relacionados à indústria têxtil e à de alimentos. Isto porque, os investimentos realizados nessas novas 162 frentes não foram significativos o suficiente para alterar o portfólio do grupo. Da produção total do grupo em 1954, 35% era proveniente do setor de alimentação e 32% de vestuário (este percentual chegou a ser de 51% durante a Segunda Guerra Mundial). Sendo assim, ao confrontar a mudança na dinâmica do ambiente com a situação da Matarazzo na época, é possível constatar que o grupo não procurou fazer as adequações necessárias para continuar capturando valor. Apesar do baixo crescimento das indústrias tradicionais em relação a outras que vinham se formando, a Matarazzo decidiu se manter fiel a seu principais mercados, mesmo com menor lucratividade. O Relatório Anual de 1943 indicava que o grupo pretendia continuar atuando em setores com grande escala, mesmo que isso implicasse em margens reduzidas: "Nossa propensão para uma política de remuneração ao patrimônio da nossa Sociedade através de largas produções com reduzidas margens de lucro, preferivelmente a uma atividade contida em limites reduzidos e exercida com maior remuneração unitária.” Após a Segunda Guerra Mundial, o grupo lançou um programa de modernização das unidades têxteis entre 1945 e 1952. Aproveitando os bons resultados obtidos no setor nos anos anteriores, esse plano permitiu um avanço qualitativo das fábricas do grupo. A tabela 7-2 apresenta os avanços das unidades têxteis no período, utilizando uma base 100 em 1939 para comparação: Tabela 7-2 – Avanço das Unidades Têxteis do Grupo Matarazzo entre 1939 e 1952 Item 1939 1952 Produção de Fiações 100 615 Produção de Tecelagens 100 144 Total de empregados nos dois setores 100 95 Fonte: Relatório Anual Matarazzo 1952 Apesar disso, o Relatório Anual de 1952 já sinalizava uma preocupação com o achatamento das margens, apesar do crescimento de 20% da produção do grupo naquele ano. Um relato de Maria Pia sobre o método de gestão do Conde Francesco sinaliza uma preocupação em formar novos negócios (criação de valor) em detrimento da captura de valor, mostrando também certa falta de atenção à concorrência e aos negócios correntes da empresa: 163 "Meu avô era realmente um gênio. Hoje, conhecendo melhor as coisas, vejo que ele tinha um talento enorme para tudo que se relacionava ao mercado. A preocupação dele era que o país produzisse aquilo do que necessitava. Faltava produzir biscoito, macarrão, etc.? Ele ia atrás. Com isso atraía o interesse de terceiros. Ele achava ótimo ter concorrentes. Aí mantinha a produção antiga e 2 ia caçando novos produtos" (COUTO , 2004, p. 287). Além disso, alocando os seus recursos em diversos negócios, a Matarazzo foi incapaz de navegar em um ambiente mais competitivo e, assim, manter uma posição dominante nos seus mercados. Números da indústria de descaroçamento (um dos principais negócios do grupo) ilustram o problema enfrentado pela IRFM. Em 1933, 88% da produção nacional de algodão estavam nas mãos de produtores nacionais no qual se destacavam a Votorantim (com produção de 7.506 toneladas anuais) e a Matarazzo (com produção de 4.441 toneladas por ano). Em 1951, no entanto, a liderança do setor estava na mão de grandes corporações estrangeiras. A argentina Bunge y Born era a maior produtora com 20,92%, sendo seguida de perto pela peruana Anderson Clayton 19,42%. Já a Matarazzo produzia apenas a metade do volume dos seus principais concorrentes - 10,35%. A Votorantim, que vinha migrando para a indústria de base, tinha neste momento apenas 0,73% do mercado (em 1957, o Relatório Anual da Votorantim indicava que a indústria têxtil passava pela sua maior crise das últimas décadas). Consequentemente, a Matarazzo viu os seus resultados declinarem. Enquanto que o indicador de tamanho de Fleck indicava uma relação faturamento/PIB Brasil de 0,30 ao final da Segunda Guerra, no início da década de 1960, ele era de apenas 0,11. Durante o período, a mesma tendência de queda também ocorreu na lucratividade. Entre 1967 e 1969, a empresa divulgou três anos seguidos de prejuízo. Apesar da deterioração dos resultados, um relato do Entrevistado 1 indica que a reação da empresa foi tardia: "O prédio Matarazzo só foi vendido porque o Matarazzo estava endividado até a cabeça, na época. E o Estado pressionava. Uma das pressões era que ele vendesse tudo aquilo que não era produtivo ou economicamente favorável. Por isso que eu dei risada quando eu falava em fábrica de pregos, fábrica de velas, gesso, etc. Porque tudo isso era fruto daquela ideia inicial de ser autossuficiente. Mas que não se justificava mais na época. Então, a fábrica de gesso não dava lucro. A fábrica de velas não dava lucro. Mas obrigava a ter um controle, uma despesa. E o prédio Matarazzo era chamado de fantasma. Porque era muita coisa. Era muita despesa, para quem está muito endividado." 164 b) Legitimidade Ao longo de sua história, a Matarazzo mostrou evidências consistentes de que conseguiu construir uma legitimidade tanto no ambiente institucional, quanto no organizacional. A atuação do Conde Francesco como industrial e representante da comunidade italiana no Brasil fizeram com que ele ocupasse posições de destaque em diversas associações e se tornasse uma grande liderança. Status que foi de certa forma, transmitido ao seu filho e neta. Quando fundou o moinho de trigo, em 1900, Francesco já era um homem conhecido e de reputação distinta. Era, por exemplo, diretor da Associação Comercial de São Paulo. A partir da sua atuação como industrial, no entanto, é que ele ganha uma grande legitimidade perante outros empresários, comerciantes e à população. Um dos fatores que demonstra o poder legítimo conquistado pela família Matarazzo está relacionado aos títulos concedidos aos membros da família. Em 1906, Francesco recebeu da Coroa da Itália o título de Comendador. Com essa nomeação, o empresário conseguiu realizar uma viagem para o seu país e angariar fundos para construir uma escola italiana de ensino secundário no Brasil. Esse ato, por sua vez, fortalecia ainda mais a sua legitimidade perante uma comunidade que era a principal fonte de mão de obra para as suas fábricas. O reconhecimento dessa liderança seria fortalecido por outras iniciativas, como na ocasião do fornecimento de capital para a construção, em 1915, de uma ala completa no hospital Umberto I que era destinada à colônia italiana de São Paulo. Com a reputação de industrial e representante da comunidade italiana, o nome Matarazzo se tornou presente na tradição e cultura paulistana, a ponto da frase "Pensa que sou o Matarazzo?" aparecer com frequência nas conversas da cidade, simbolizando a riqueza e poder do empresário. Ainda durante as primeiras décadas do século XX, também era comum pais de família paulistanos levarem seus filhos à Avenida Paulista para vê-lo saindo ou chegando pontualmente da Mansão Matarazzo no seu imponente veículo Packard Vitoria. Aliás, foi dele o primeiro carro que rodou pelas ruas da cidade. A primeira chapa de um automóvel em São Paulo, a P-1 de 1903, estava destinada a Henrique Santos Dumont, irmão do inventor do avião. Porém, o Conde interviu junto à prefeitura e conseguiu ficar com a disputada placa. Quando foi deflagrada a Primeira Guerra Mundial, Francesco Matarazzo estava na Europa para se tratar de um problema de saúde. Ele decidiu ficar na Itália e fornecer recursos financeiros para o seu país. Por esses serviços prestados, ele receberia, em 1917, o seu famoso título de Conde, que nove anos depois se tornaria hereditário e também seria utilizado pelo seu filho Chiquinho. Com esse título, 165 Matarazzo conquistava ainda mais credibilidade para transitar, dialogar e negociar entre diversos stakeholders. Ao final da Primeira Grande Guerra, a Revolução Bolchevique na Rússia fomentou a sindicalização dos operários e aumentou as suas reinvindicações. Como resultado desse engajamento, a indústria paulista vivenciou duas grandes greves em um período de dois anos. Durante uma paralisação ocorrida em uma das fábricas da IRFM, operários exaltados ameaçaram botar fogo nas instalações. Para contornar a questão, o Conde Francesco saiu às pressas do escritório central e foi conversar com os funcionários, demonstrando o seu poder de negociação e influência: "Vim, porque soube que alguns pretendem queimar as fábricas, ganha pão de todos. Por mim, tudo bem. Já trabalhei muito, economizei bastante, posso viver confortavelmente sem elas. Mas alguns de vocês podem me dizer quem irá empregá-los depois?” (COUTO2, 2004, p. 110). Em 1919, operários industriais em solidariedade aos colegas da São Paulo Light Company que haviam cruzado os braços, aderiram ao movimento e fizeram uma greve geral. Para contornar o problema, os principais líderes industriais se reuniram para decidir o que fazer. Na chegada de Francesco ao encontro, Pereira Ignacio da Votorantim faz uma saudação se referindo a ele como o "Príncipe da Indústria Paulista". Com essa liderança natural entre os industriais, o Conde Matarazzo se manteria a frente de importantes associações. Em 1919, quando foi criado o Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão de São Paulo (CIFTSP), ele foi fundador e primeiro presidente. Em 1928, quando industriais e importadores enfrentavam uma disputa de poderes, Francesco se aliou aos líderes da Klabin e da Votorantim para formar uma associação independente dos comerciantes. Dessa forma, foi um dos fundadores e primeiro presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). Dois anos depois, seria criada a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, uma associação sindical patronal, quando, mais uma vez, ele assumiria o posto mais alto. Através dessas entidades, o Conde ganhava ainda mais legitimidade para reivindicar direitos para as indústrias e seus negócios. Uma pressão exercida por ele sobre o Governo de São Paulo contribuiu para que fosse eliminada, de forma pioneira, a incidência de impostos sobre exportação através de uma reforma tributária. Esse fato ocorreu após uma entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, em 1936: “Precisamos aumentar a exportação. Contudo, a exportação continua a ser tributada cada vez mais. [...] Essa tributação encarece os produtos, diminuindo-lhes a as possibilidades de se manterem nos 166 mercados conquistados ou conquistarem mercados novos, pois, uns e outros acabarão por ser tomados pelos produtos congêneres que saem do país de origem sem a carga de impostos de exportação”. Apesar dessa pressão, constata-se que a organização costumava manter uma relação amistosa, embora parcimoniosa com o Estado. Ainda que fosse muito próximo do Presidente de República Washington Luís (inclusive homenageando o presidente eleito com um jantar oferecido em nome da colônia italiana em 1926), Matarazzo não se opôs de maneira veemente quando o Getúlio Vargas depôs o também paulista Júlio Prestes, sucessor de Washington Luís. Diferentemente de outros industriais que ofereceram capital e até recursos fabris para o Governo Paulista que saiu derrotado na Revolução Constitucionalista, a Matarazzo se manteve imparcial e alheia as conflitos. Ferdinando, neto de Francesco e diretor do grupo entre as décadas de 1930 e 1950, tratou sobre a relação da IRFM com o governo brasileiro: "Na época de Getúlio não havia grande relacionamento. Tínhamos um representante no Rio de Janeiro, que fazia os contatos. Pessoalmente, meu avô tinha mais contatos com o governador e autoridades locais. Ele não precisava de apoio de governo. Mas mantinha e cultivava boas relações". Além de uma posição de destaque perante a comunidade italiana, associações industriais e o governo, a Matarazzo também conseguiu durante as primeiras décadas do século XX influenciar mercados a seu favor. No ano de fundação do moinho, foi encontrada uma evidência de uma denúncia contra um comerciante denominado Ernesto Woog, que estaria falsificando a farinha de marca Olga, de propriedade da Matarazzo. Essa atitude seria identificada em outros momentos. Em 1906, uma nota no jornal destaca a falência de um empresário por requerimento da F. Matarazzo e Cia. Seis anos depois, novamente a Matarazzo publica uma nota no jornal O Estado de São Paulo apontando a falsificação do bacalhau de marca CRC (da qual era a única revendedora autorizada) que estavam sendo vendidos por terceiros. Em 1917, a Matarazzo foi acusada por um deputado federal paulista de monopolizar a compra de cereais nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, forçando o aumento dos preços. No mesmo ano, a Matarazzo, em conjunto com outros industriais do setor têxtil, formou um comitê para definir uma tabela de preços de algodão que seria praticada pelo mercado e comunicada quinzenalmente para agricultores e fabricantes de tecidos. Ainda, conforme apontou o historiador Warren Dean, a Matarazzo conseguiu atuar com monopólios e, até mesmo, na formação de cartéis em negócios como a moagem de farinha e metalurgia. Segundo Dean, dos principais negócios da organização, só não era possível identificar a existência de cartéis na indústria têxtil que, inclusive, teria causado a renúncia de 167 Francesco à associação do setor. Para o autor, o Conde teria julgado que tinha vantagens o suficiente para não querer formar conluios. Durante a sua história, a organização ainda conseguiu conquistar legitimidade perante os acionistas para captar mais recursos. Entre 1913 e 1920, a IRFM pagou ao menos oito séries de dividendos. Com o seu bom histórico de remuneração, facilitou a atração de sócios. Mesmo após a morte do Conde, a Matarazzo continuaria mantendo sua legitimidade. Seguindo uma ideia que havia sido idealizada por seu pai, Chiquinho toma a frente do projeto para a criação da Faculdade de Ciências Econômicas da Fundação Getúlio Vargas, uma instituição muito prestigiada entre os membros da elite paulistana. Assim, além de prover recursos, intercedeu junto ao Governo para obter mais recursos e encontrar um local para instalação da unidade em São Paulo. Em 1962, Chiquinho também foi agraciado pela prefeitura com o título de Cidadão Emérito da Cidade de São Paulo. Em 1979, o grupo conseguiu obter isenção de impostos para reavaliar os bens integrantes do seu ativo imobilizado acima dos limites da correção monetária. O pedido foi aprovado pela Comissão de Fusão e Incorporações de Empresas (COFIE), órgão do Ministério da Fazenda. Para ajudar o grupo, o governo também intercederia através do BNDE e do Banco do Brasil que forneceriam recursos para a empresa. Em 1981, dois anos antes do pedido de concordata, o BNDE concedeu um aval no valor de US$ 40 milhões (Cr$ 2,7 bilhões) para garantir empréstimos a serem contratados pela IRFM. Na questão competitiva, conforme já foi discutido, a empresa começou a se desfazer de diversas empresas a partir da década de 1950. Para contornar a situação e manter sua relevância no mercado, a Matarazzo conseguiu atrair diversos parceiros internacionais que ajudaram a sustentar a legitimidade do grupo. Foram estabelecidos acordos nos principais negócios que garantiram, além de capital e tecnologia, maior reputação para a organização. Entretanto, à medida que o grupo ia declinando, verificava-se também uma dificuldade de se manter a legitimidade no ambiente organizacional. Entre os fatos identificados, destaca-se a dificuldade da organização em influenciar a relação com os funcionários a seu favor. Em 1946, foi anunciado um reajuste de cerca de 50% para os seus funcionários. Por outro lado, o mesmo texto destacava que o preço dos principais produtos vendidos pela empresa haviam tido um reajuste bem menor no ano anterior: tecidos (10%); gordura hidrogenada (3%); farinha (17%); massas alimentícias tipo 168 superior (14%); açúcar filtrado (16%); sal (10%); e sabões (3%). Outros produtos ainda reduziram de preço: óleo de caroço de algodão (-2%); e banha de porco (-15%). Já em 1963, quando a organização já vinha em fase de declínio e se desfazendo de vários negócios, o chefe do Departamento Pessoal comunicou um aumento de 20% para todos os funcionários do grupo, independentemente da empresa em que trabalhavam. Vale destacar que, nove anos antes, a empresa já havia abolido o trabalho aos sábados para todos os cargos do escritório, além de reduzir o período integral para apenas o meio dia para os funcionários das fábricas. Com relação ao ambiente natural, foram encontradas poucas evidências para fundamentar uma análise mais robusta, principalmente pelo fato de a empresa ter pedido a concordata em uma época em que se começava a ter uma maior preocupação em relação às questões naturais. Todavia, eventos ocorridos entre as décadas de 1970 e 1980, mostram que a empresa enfrentou problemas nessa esfera. No complexo químico de São Caetano do Sul, a poluição afetava gravemente a população local. Assim, em 1974, moradores se reuniram com diretores para solicitar a instalação de filtros na fábrica, mas não foram atendidos. Em meados da década de 1980, entretanto, a agravação do problema levaria a empresa a encerrar parte da produção no local. No mesmo ano em que foi levantado esse problema, a fábrica de cimentos na Paraíba recebeu protestos de moradores e da imprensa pelo excesso de poluição e resíduos que afetavam a localidade. De acordo com as informações da época, o aumento da poluição era reflexo da adoção do método de produção via seca. Para amenizar o problema e evitar novos confrontos com a população, a fábrica teve que começar a funcionar de noite. 7.1.3 Desafio da Gestão da Diversidade Na medida em que uma organização cresce, aumenta a diversidade dos seus negócios, tecnologia e recursos humanos. Assim, a IRFM, que chegou a ser composta por cerca de duzentas empresas atuando em setores tão diversos, enfrentou ao longo de sua trajetória um desafio de buscar e manter a sua integridade organizacional. Essa tendência de fragmentação foi fortalecida pelos conflitos políticos originários dos processos sucessórios e da dificuldade em se manter uma gestão eficiente com o modelo centralizado que foi adotado durante décadas. Os níveis de análise da gestão da diversidade foram: a diversificação dos negócios, que envolve o grau de ampliação do escopo de atividades não relacionadas, além da expansão geográfica do grupo; a capacidade de coordenação dos negócios e 169 manutenção da integridade organizacional; e em que medida foram feitos esforços para a realização do compartilhamento de recursos entre as diferentes unidades. a) Diversificação dos Negócios e Expansão Geográfica Um traço que indica uma propensão à fragmentação da Matarazzo é percebido através da própria forma pela qual se deu o seu crescimento. Desde a criação do moinho de trigo em 1900, o grupo passou por uma fase de expansão e ampliação do seu escopo de atividades. Conforme já discutido, observa-se inicialmente uma diversificação relacionada que se dava a partir do excesso de recursos produtivos da unidade já existente. Posteriormente, no entanto, a organização seguiu crescendo, adquirindo e criando empresas que ampliaram consideravelmente o seu escopo de atuação. O Conde pretendia emancipar industrialmente o Brasil, e como a indústria era praticamente inexistente no país, ele seguiu diversificando os negócios, criando empresas para fornecer insumos e garantir a expansão do grupo. O relato do Entrevistado 1 reforça essa tese: “A Política do Velho Conde, depois seguida por Francisco Matarazzo Jr, era de ser autossuficiente. Para abastecer de matéria-prima a maioria de suas indústrias, dependendo o mínimo possível de fabricantes nacionais e estrangeiros. Esse era o objetivo do Conde Francesco Matarazzo. Ele não queria depender dos outros. Então, na cabeça dele, sempre quando surgia um fio, surgia o algodão. Quando surgia o algodão, surgia a madeira. Quando surgia a madeira, surgia o descaroçador. E assim ele ia criando as indústrias para se abastecer, sem depender dos outros e não correr risco de ter falta disto ou daquilo.” A figura 7-5 apresenta a composição da IRFM em 1925. Nota-se, por exemplo, que na indústria de alimentos foram criadas novas empresas que apresentavam pouca relação entre si, como a amideria, o frigorífico, a destilaria de álcool e as salinas. Sem contar ainda, empresas de serviços e suporte às operações principais. 170 Figura 7-2 – Composição da IRFM em 1925 Fonte: Adaptado de Couto2, 2004, p. 100 Assim, a IRFM atingiu um nível muito maior de diversidade com o decorrer dos anos sem, necessariamente, que essas unidades passassem a obter ganhos produtivos significativos em relação à concorrência. Por outro lado, cada ampliação do escopo de atividades trazia novas particularidades que precisavam ser compreendidas e geridas, aumentando a complexidade da organização. Além disso, a partir da Primeira Guerra Mundial o grupo passou a realizar uma desconcentração geográfica, abrindo novas unidades fora da capital paulista. Primeiro, realizou investimentos no Paraná, com um frigorífico e um moinho de trigo. Na década de 1940, anunciou um plano para diminuir a concentração de suas fábricas têxteis em São Paulo e abrir unidades no interior, sob o argumento de aproveitar mão de obra que não era absorvida pela lavoura. Na mesma época, começou a investir no Nordeste através da Cia Paraíba de Cimento Portland e, posteriormente, através de unidades têxteis. O relato do Entrevistado 1 ainda aponta que com o objetivo de ampliar sua participação no mercado internacional, a Matarazzo fez uma aquisição em Barranquilla, Colômbia, de uma indústria têxtil completa, inclusive com rede comercial própria distribuída pelo país com filiais em Bogotá, Cali, Medellín, Pereira e Letícia. 171 Outro fator que indica esse processo de fragmentação está relacionado ao número de clientes atendidos pelo grupo. O Conde Matarazzo não procurou desenvolver acordos com grandes empresas atacadistas. Sua escolha seguia a mesma estratégia de ter o mínimo de dependência possível de terceiros. Por esse motivo, na década de 1930 chegou a ter mais de 45.000 contas para gerenciar. b) Coordenação e Integração Com uma organização que foi expandindo o seu escopo por diversos mercados, a Matarazzo optou por manter um controle centralizado em quase toda a sua trajetória. Apenas no final da década de 1960, já com o grupo em dificuldades, é que se começou a realizar adaptações significativas na estrutura do grupo. Em 1911, Francesco formou oficialmente a IRFM. A partir deste momento, todas as empresas criadas e adquiridas pelo grupo estariam abaixo da holding que passaria a ter um Matarazzo como presidente único e, logo abaixo dele, dois diretores que eram membros da família. Na gestão do Conde Francesco, seus diretores foram o seu filho Ermelino e o seu irmão Andrea. Posteriormente, assumiram essa posição o Conde Chiquinho, junto com o seu sobrinho Ferdinando que seria o principal braço direito de Francisco Jr. quando este assumiu o comando da organização em 1937. Ferdinando ficaria no grupo como principal diretor até meados da década de 1950, quando seria substituído por Eduardo e Ermelino, filhos de Chiquinho. Com essa hierarquia enxuta, as evidências coletadas indicam que grande parte das decisões tinha que passar pelo Conde ou, pelo menos, por um de seus diretores. Desde as decisões da compra de insumos, até aspectos rotineiros das unidades. Na década de 1930, Francesco falou sobre a sua rotina de controle dos negócios: "Eu conservo o hábito de receber a todos os chefes dos diversos departamentos, diariamente neste gabinete, examinando lhes as pastas e emitindo minha opinião sobre diferentes negócios. Tenho uma vantagem sobre eles: minha memória continua a mesma amiga fiel de cinquenta anos atrás. Enquanto os auxiliares fazem cálculos com o auxílio do lápis ou da pena, eu os realizo mentalmente” (RUST, 1934). Uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em homenagem ao falecimento do Conde, corroboraria esse método de gestão centralizada: "Esse grande mecanismo, por menos que pareça crível, era pessoalmente dirigido, do alto, por Francesco Matarazzo [...] que organizara de tal forma as engrenagens que com um esforço relativamente pequeno, através de relatórios parciais e pela voz de diretores dos departamentos, conhecia diariamente, as linhas dominantes de seus negócios.” (ESTADÃO, 1937). 172 Em 1934, Chiquinho contratou um administrador profissional para estudar a viabilidade de reorganização administrativa na empresa. Assim, alterações no funcionamento das várias unidades passaram a ser conduzidas gradativamente. Somente em 1937, quando o Conde Jr. assumiu a presidência, é que a reforma administrativa foi definitivamente implantada: “Completando a reforma administrativa iniciada três anos antes, foram criadas as secretarias da Diretoria, Comercial, Técnicoindustrial e Administrativa. Os responsáveis de cada uma das secretarias eram também procuradores da sociedade. Diretamente subordinados às secretarias estavam os chefes de serviço, os responsáveis pelas seções e subseções, que cuidavam especialmente de pessoal, caixa, compras, assuntos legais, exportações e importações, contabilidade, construções, estudos e controle” (MATARAZZO, 1982, p. 77). Apesar disso, o texto do livro comemorativo do grupo sugere que o Conde Chiquinho não teria uma rotina muito diferente da de seu pai: “Todos os dias pela manhã visitava uma de suas fábricas, onde gostava de frequentar as oficinas, conversar com os encarregados, passo a passo, pedindo explicações sobre o funcionamento das máquinas. À tarde permanecia no Escritório Central. Até as 15:30 ficava na sala da Diretoria à disposição dos funcionários que quisessem falar com ele para resolver algum problema setorial. Depois, voltava para a sua sala particular, onde os diretores e demais funcionários só deveriam comparecer se fossem chamados” (MATARAZZO, 1982, p. 148). O texto destaca um processo de controle extremamente delicado para ser conduzido com sucesso. Conforme discutido anteriormente, a Matarazzo chegou a englobar quase duzentas empresas que atuavam em setores distintos e, apesar do complexo de Água Branca reunir parte delas, uma quantidade significativa estava geograficamente distribuída. Assim, dificilmente seria possível realizar um processo sistemático de análise e controle, a menos que o grupo dispusesse de um sistema de informações robusto. Com dezenas de fábricas para visitar e chefes de unidades para receber, se os Condes quisessem dar a mesma prioridade no acompanhamento de suas unidades, não fariam mais do que três ou quatro visitas a cada uma delas por ano. Um relato de Maria Pia não indica que o grupo dispusesse de métodos de controles sofisticados: “Controle exige olho! Por exemplo: meu pai dizia que nas unidades se controlava o gasto por intermédio do vapor. Excesso de vapor no ar, perda de dinheiro. A caldeira era a base do controle econômico da 2 unidade” (COUTO , 2004, p. 240). Um relato de Donald Rust na década de 1930 corrobora essa hipótese: 173 "Com todas as suas atividades diárias, usa brevidade em negócios, mas é raro ditar uma carta e, raramente, usa o telefone. Deve se admirar que é difícil achar um estenógrafo em toda a indústria. Homens, ganhando mais de 100 contos de réis por ano escrevem suas cartas de mão própria, para serem depois copiadas em máquinas de escrever e, muitas vezes, eles mesmo ocupam a máquina. A correspondência interna é reduzia a um mínimo, e tudo é expresso com o menor número de palavras possível, muitas vezes tratando-se de uma dúzia, ou mais tópicos, em uma mesma folha de papel” (RUST, 1934). Conforme apontado por Chandler (1962), a concepção e execução de uma estratégia gera uma pressão para a adaptação da estrutura organizacional. Quando isso não ocorre, há uma perda de eficiência econômica. No caso da Matarazzo, os fatos analisados indicam a ocorrência desse fenômeno. Apesar de toda a evolução da organização que se tornou com grande vantagem o grande conglomerado industrial brasileiro, não se encontrou evidências de mudanças significativas na estrutura da IRFM. O Entrevistado 1 destaca a burocracia para a tomada de decisões simples: "Eu me lembro de quando meus colegas precisavam dar um aumento para um operário precisavam preencher uma folha do tamanho de um bonde para justificar que o operário tal de 0,70 por hora, deveria passar para 0,80. E não dava. Quanto tempo se perdia com isso? Operário descontente. Quem é que sabe se esse funcionário merece de 70 para 80? É aquele que tá lá no prédio Matarazzo? Você que está ali vivendo o teu drama. Então nunca faça administração central. Quer ter um controle? É outra coisa. Coloca três, quatro pessoas, fazendo aquilo que o Conde Chiquinho fazia toda manhã. Saia da casa dele. Um carro na frente com dois, três guardas, e lá ia ele para uma fábrica. Lá na fábrica ele conversava, ficava sabendo como estava indo, o que aconteceu, como é que aconteceu. E dez, onze horas, ele ia para o escritório. Quando chegava lá, ninguém do escritório sabia nada. E ele sabia um monte de coisa." Essa situação seria mantida até década de 1970, já com a empresa atravessando um longo período de declínio e com graves problemas financeiros. A mudança foi realizada com o apoio de uma consultoria profissional e consistiu, principalmente, na extinção das diretorias que vigoravam desde 1937 e na criação de divisões de negócios. Com a mudança, um simples processo de faturamento que demorava em média oito dias para ser realizado antes da descentralização passou a ser executado na metade do tempo após a reestruturação. O depoimento do Entrevistado 1 destaca esse processo: “Surgiram, então, as divisões, que iriam substituir a administração central: Divisão alimentícia, divisão química, divisão cerâmica e cimento, divisão mineração e outras. Cada divisão abrangia um grupo de fábricas e o estabelecimento do respectivo plano, com um diretor técnico e um administrativo. Foi o fim da administração central”. 174 Outra questão identificada como crítica para a gestão da diversidade do grupo foram as disputas políticas, principalmente nos processos de sucessão. Conforme discutido por Mintzberg (1985), disputas internas surgem naturalmente podendo repercutir em conflitos duradouros ou passageiros que, de acordo com a sua intensidade, têm o potencial de reforçar o processo de declínio organizacional, uma vez que a união dos esforços em busca de um propósito único torna-se praticamente impossível de se atingir. Nos relatos apresentados na biografia escrita por Ronaldo Costa Couto é possível constatar a preocupação do Conde com relação a uma possível fragmentação do grupo em unidades industriais dispersas. Possivelmente, isso influenciou a decisão de definir apenas um herdeiro como responsável por dar seguimento à gestão da IRFM, visando preservar a integridade e os rumos da organização. Entre 1882 e 1990, quando o comando do grupo esteve nas mãos da família, houve três passagens de comando, sendo duas delas tumultuadas que trouxeram conflitos políticos para a organização, gerando uma propensão à fragmentação do grupo. O primeiro sucessor natural de Francesco Matarazzo era Ermelino, o filho brasileiro mais velho, que havia tido uma preparação na Europa e foi o principal gestor da IRFM entre 1914 e 1920, quando seu pai se retirou na Itália para tratar de sua saúde. Após a morte de Ermelino, em 1920, Francesco retomou o controle do grupo e para ocupar o posto de novo sucessor nomeou Chiquinho, o penúltimo de seus treze filhos. Chiquinho nasceu em 1900 e havia acompanhado seu pai na viagem para a Europa. Após a morte de seu irmão, passou a seguir o Conde no dia a dia dos negócios, tornando-se Diretor da organização com apenas vinte e quatro anos. Em 1927, foi indicado oficialmente como sucessor através de um testamento oficial. É importante destacar que com essa escolha, Chiquinho não recebia apenas o comando do grupo. Cabiam a ele, também, os direitos acionários da IRFM, bem como a posse da Mansão Matarazzo e de outras propriedades da família. Diante dessas condições, os filhos Andrea, Attilio e Luiz Eduardo não concordaram com a decisão do Conde e passariam quatro anos sem ratificar o documento. Mesmo depois do acordo, outro fato indica que os conflitos internos não haviam cessado. Em 1935, incomodado com as críticas dos irmãos, Chiquinho decidiu abandonar a empresa. Para ocupar o cargo vago, Francesco chegou a convidar o filho caçula Luiz Eduardo, que recusou a oferta. Para contornar a situação, Francesco 175 consultou todos os filhos novamente para ratificar a decisão tomada anos antes, obtendo a confirmação de que Chiquinho continuaria no comando. Por consequência, Luiz Eduardo, Attilio e Andrea se retiraram da sociedade. Portanto, por muitos anos a organização se viu envolvida em conflitos e, possivelmente, disputas políticas que atuaram como forças que podem ter enfraquecido a integridade da organização em uma fase importante de seu crescimento. A análise dos fatos relacionados à transição de poder do Conde Chiquinho para a sua filha Maria Pia também evidenciam a propensão à fragmentação, como resultado de disputas políticas dentro da IRFM. Em meados da década de 1950, Ermelino e Eduardo, os filhos mais velhos do Conde, já eram diretores no grupo e trabalhavam ao lado do pai. Maria Pia, por sua vez, só começaria a atuar formalmente no grupo em 1975, vinte anos depois dos seus irmãos. Apesar disso, em 1976 Chiquinho afastaria Ermelino e Eduardo do grupo e Maria Pia assumiria a presidência no ano seguinte, depois da morte de seu pai. Após receber o comando da IRFM, Maria Pia ainda teria que enfrentar batalhas judiciais com seus irmãos que buscavam anular o testamento do pai. Sendo assim, a transição de poder mais uma vez se deu em meio a um ambiente conflituoso e de disputa de poder, que envolveu a saída de dois familiares que tinham experiência e eram os principais diretores do grupo abaixo do Conde Chiquinho. Outros fatos também apontaram para a existência de grupos políticos na alta cúpula da organização. Em 1969, buscando profissionalizar a gestão, o Conde Chiquinho contratou um especialista de marketing e propaganda para assessorá-lo. Por dois anos, o cubano Rene Picard, que tinha experiência na Procter & Gamble, enfrentou a estrutura conservadora das empresas. Numa luta muito dificultada pela máquina administrativa do grupo já que os homens de confiança temiam as suas decisões e retardavam as execuções, pouco pode fazer e acabou deixando a organização precocemente. Um relato do Entrevistado 1 apresentado no histórico narrado no Capítulo 5 destacou a sua resistência em aceitar um cargo de nível mais alto na Matarazzo em virtude das dificuldades que ele esperava encontrar para implantar ações de melhoria. Para o depoente, os conflitos políticos existentes na alta cúpula minariam todos os seus esforços de realizar as mudanças que ele havia empregado nas unidades que geriu. O depoimento do Entrevistado 1 também mostra um ambiente no qual o Conde Chiquinho dava e cancelava ordens para subordinados diretos de Ermelino e Eduardo. 176 Nas palavras do depoente, fica evidente que isso contribuía para gerar um clima de ciúme entre os envolvidos: “Acima de mim, tinha os filhos do Conde Matarazzo, que eram diretores gerais no prédio Matarazzo. E tinha o Secretário Administrativo Geral, o Tesoureiro Geral. Todos eles eram superiores e mim, a quem eu devia satisfação, porque eu era um diretor de uma unidade. E acima dos filhos, então, vinha o Conde. Só que o Conde dava ordem direto para mim. Eu tinha que transmitir para os filhos. [...] Isso gerava uma situação minha muito difícil. Porque eu recebia uma ordem do filho e o pai me falava: - Por que você vai fazer aquilo? - Porque seu filho mandou, sr. Conde. - Não, você não faça. - Mas Conde, ele é o meu chefe, como é que eu faço? - Deixa comigo Então, olha, imagina o que surgiu nisso [...] E sofria com isso porque aí vinha o Eduardo: - Ah! Queridinho do Conde. Chega aí queridinho.” c) Compartilhamento de Recursos Se por um lado a centralização da gestão dificultou um controle adequado da organização e permitiu o surgimento de conflitos, por outro contribuiu para o compartilhamento de recursos entre as diversas empresas da IRFM, principalmente com relação aos serviços empreendedores de Francesco Matarazzo e sua habilidade para levantar recursos. Nos primeiros anos do desenvolvimento industrial do grupo, as novas unidades eram criadas a partir de processos produtivos já existentes. Assim, Matarazzo utilizava o mesmo espaço produtivo para abastecer suas unidades e produzir produtos para o mercado. A seção de sacaria começou a fabricar tecidos toscos para o mercado. Nas unidades de processamento de algodão, era realizada a desodorização do óleo para o fornecimento de matéria-prima para a indústria química e fios para as tecelagens. Outro evento que denota uma capacidade de compartilhar recursos foi identificado em 1907 quando funcionários do Moinho em São Paulo entraram em greve. Para contornar a situação e evitar a parada de produção, Francesco convocou operários de uma filial em Ribeirão Preto. Assim, através do uso compartilhado de seções fabris e uma capacidade de realocar funcionários, as fábricas Matarazzo conseguiam apresentar vantagens produtivas em relação aos seus concorrentes. A busca pelo compartilhamento de recursos seria fortalecida com a criação da holding em 1911. Assim, à frente da IRFM o Conde passou a atrair acionistas e, consequentemente, recursos financeiros para a sua organização, podendo distribuir esses capital entre as empresas para realizar investimentos em modernização e 177 expansão. Com o intuito de fortalecer essa estratégia, Ermelino também colocou em prática um plano para a construção de dois complexos industriais. O primeiro foi a unidade de São Caetano, um distrito industrial construído em 1915 que englobava algumas unidades do setor químico. O local ainda contava com uma vila operária para os funcionários. Anos mais tarde, seria instalada ali a Viscoseda, uma das principais fábricas do grupo. Cinco anos depois, a Matarazzo avançaria ainda mais na questão ao montar o Complexo Industrial de Água Branca. Para lá, transferiu e reuniu grande parte de suas unidades químicas além de depósitos, um almoxarifado central, uma oficina mecânica e um laboratório químico. O complexo contava, ainda, com uma ferrovia própria para agilizar o processo de embarque e desembarque de produtos. Outra resposta classificada como saudável foi a criação da Casa Bancária Matarazzo em 1945 com o objetivo de operar câmbio e oferecer suporte para as empresas do grupo. 7.1.4 Desafio da Provisão de Recursos Humanos O porte alcançado pela Matarazzo criou um grande desafio para atrair e reter mão de obra qualificada. Em 1926, o grupo já empregava sete mil funcionários. Duas décadas e meia depois esse número quintuplicou. Numa época em que praticamente inexistiam cursos preparatórios de formação técnica e superior no Brasil, Francesco Matarazzo foi buscar no exterior operários e engenheiros para trabalhar nas suas fábricas. Entretanto, a mesma preocupação não foi verificada na preparação de uma cúpula administrativa capaz de prover a organização com os serviços gerenciais necessários para o seu crescimento. a) Recursos Gerenciais Conforme já discutido anteriormente, o comando do grupo Matarazzo se manteve centralizado e ligado à família durante praticamente toda a sua trajetória anterior ao pedido de concordata. Dessa forma, uma parte considerável do desafio de prover recursos humanos para a organização esteve relacionada à antecipação das capacidades gerenciais dos membros da família que atuaram no comando da IRFM. Francesco Matarazzo teve que abandonar os estudos ainda jovem para se dedicar ao trabalho. Já foi discutido que o Conde dispunha de capacitações empreendedoras e comerciais que lhe possibilitaram construir e ampliar o seu império durante os cinquenta e seis anos decorridos de sua chegada ao Brasil até o seu falecimento. No entanto, faltava-lhe uma capacitação técnica e gerencial como a que foi obtida por José Ermírio de Moraes na Votorantim. O próprio empreendedor destacava esse seu perfil em uma entrevista concedida na década de 1930: 178 “Eu não estudei nada. Sou um ignorante. Os senhores é que sabem. Durante cinquenta anos sempre tenho acertado. Muitos têm trabalhado comigo: eles ficam com o dinheiro e eu me contento com a 1 experiência” (COUTO , 2004, p. 35). Apesar da carência de uma capacitação gerencial, não houve por parte de Francesco uma iniciativa de se cercar de pessoas com as competências necessárias para a gestão corporativa. Pelo contrário, os seus diretores eram familiares que tinham no próprio Conde a sua principal fonte de aprendizado e experiência, como uma “universidade da vida” e cujas capacitações eram relacionadas principalmente às atividades do comércio. Ermelino, o filho que foi escolhido para ser o primeiro sucessor, começou a ser preparado aos sete anos quando foi enviado para a Suíça, onde estudou até os dezoito, além de realizar estágios na Alemanha, Inglaterra e França. Entretanto, não prosseguiu com a formação superior, tendo realizado um curso de comércio em Londres. Vale destacar que nesta época a organização era primordialmente comerciária. Em 1901, com dezoito anos, Ermelino retornou ao Brasil para trabalhar no grupo ao lado do pai, até assumir o comando da organização em 1914. Andrea, irmão mais novo do Conde, era o outro principal gerente da Matarazzo e conselheiro do presidente. Apesar da formação como advogado e de ter sido sócio de Francesco desde o final do século XIX, voltou para a Itália para entrar na política, sendo eleito senador. Da mesma forma que seu sobrinho, seu aprendizado na gestão empresarial esteve diretamente ligada com a própria experiência comercial obtida junto ao fundador do grupo. O mesmo ocorreu com Francisco Jr. que viajou com o pai para a Europa com quatorze anos e lá estudou até os seus dezenove anos, quando retornou para o Brasil para ocupar o lugar de Ermelino, que faleceu em 1920. Constata-se, mais uma vez, uma preferência por uma preparação europeia em detrimento da americana (como no caso da Votorantim), sem também haver uma incursão no ensino superior ou direcionado para a indústria ou para a gestão de negócios. A escolha de Chiquinho para ocupar a posição que era de seu irmão mais velho, não indica também uma preocupação com a capacitação gerencial do sucessor. Mais do que uma decisão baseada no maior preparo profissional do herdeiro em relação aos seus irmãos (se fosse esse o caso, possivelmente a escolha seria pelo engenheiro Attilio, o único com formação superior entre os treze filhos do Conde), as evidências indicam que um motivo fundamental sobre a escolha se deu pela maior aproximação entre pai e filho e, principalmente, pelo interesse e dedicação de Chiquinho nas atividades do grupo. No mesmo ano em que foi eleito diretor do grupo, Chiquinho se casou com sua prima Mariângela, filha do Senador Andrea. Ou seja, é 179 mais um indicativo de que Francesco via no sucessor a possibilidade de manutenção da integridade do grupo. Até a morte de Francesco, Chiquinho teria dezoito anos de preparação ao lado do pai, conhecendo as indústrias, os fornecedores, clientes, a rotina e os principais processos dos negócios. Portanto, a preparação do corpo gerencial continuava a ser orientada de acordo com a experiência e o conhecimento do Conde, conforme foi destacado por Ronaldo Costa Couto: “Trabalhando doze horas por dia como o mais humilde de seus empregados, tornou-se a sombra do pai, acompanhando-o da primeira hora da manhã até a noite, nas visitas às fábricas e nos despachos no escritório” (COUTO2, 2004, p. 193). Chiquinho, seguindo as mesmas práticas do pai, buscou manter ao seu lado os seus familiares. Assim que assumiu, seu braço direito era seu sobrinho Ferdinando que já era gerente do grupo. O comando do grupo ficou praticamente restrito aos dois, até que em meados da década de 1950, Ferdinando se retirou da empresa e foi substituído pelos filhos de Chiquinho, Ermelino e Eduardo. Vale ressaltar que quando assumem, eles se tornam diretores de várias unidades, indicando realmente a carência de gestores e a concentração total da direção entre os membros da família. Portanto, não se verifica tanto na gestão de Francesco como na de seu filho Chiquinho, uma preocupação em atrair e reter talentos com os serviços gerenciais necessários para comandar o grupo. A alta cúpula do grupo se manteve enxuta, com os principais cargos sendo ocupados por membros da família, sendo que os critérios escolha do sucessor se mostraram principalmente afetivos e não profissionais. Além disso, os sucessores não recebiam uma formação externa para trazer novos conhecimentos ao grupo. Pelo contrário, a preparação e conhecimentos dos novos gestores eram obtidos através da vivência e experiência com os pais. Um relato de Milton Getúlio da Cunha, que se tornou diretor da Matarazzo na década de 1970 reforça essa análise e mostra que esse traço não ficou restrito aos membros da família: “Fui treinado a pensar e reagir como o conde Chiquinho” (VILELA & RODRIGUES, 2013). Um relato do Entrevistado 1 contribui para exemplificar essa relação de subordinação inquestionável e de aprendizado entre o Conde e seus subordinados. “Eu não podia falhar na minha fidelidade ao Conde. Tudo o que ele fazia eu achava perfeito. Poderia até errar, mas o fazia como uma perfeição que o erro desaparecia. Então eu tinha que obedecer realmente.” 180 As evidências identificadas demonstram não só a falta de iniciativas para a formação gerencial, como também, a ação reativa e não antecipada para a provisão desses recursos. Apesar de ter iniciado a preparação de Ermelino quando este era apenas uma criança, Francesco não demonstrou ter elaborado um “plano B”, incluindo a formação de outras pessoas capacitadas para assumir posições gerenciais na IRFM, visando antecipar eventuais problemas. Assim, após a morte de Ermelino não havia na organização outro sucessor preparado. Por isso, Francesco fez um convite a seu irmão Andrea para ocupar o lugar que era de Ermelino, mas ele não aceitou, pois não poderia ser sucedido pelos próprios filhos na direção da empresa. Mais tarde, haveria uma cisão entre os irmãos, fazendo com que Andrea saísse do grupo junto com seu filho Ciccillo (que também recusou um cargo na diretoria) levando, ainda, a seção metalúrgica do grupo. Portanto, conforme já mencionado, ele acabou recorrendo ao seu filho Chiquinho que praticamente não tinha experiência profissional formal. Outros fatos indicam respostas falhas em relação à antecipação de recursos gerenciais. Após a reestruturação iniciada em 1967, foram criadas seis divisões de negócio. Para ocupar esses cargos, foram escolhidas pessoas que tinham pouca experiência no grupo, já que foi identificado que todos os diretores tinham menos de dois anos de casa. Nessa mesma época, contratou-se, também, um gerente de marketing externo. Portanto, fazendo uma relação com a teoria de Fleck (2009), é possível constatar que a contratação em massa de pessoas de fora da organização pode ter contribuído para a redução da integridade organizacional. O processo sucessório de Chiquinho também aponta para uma resposta tardia à formação de recursos humanos. Conforme apontou o Entrevistado 1, havia um problema de confiança do Conde em relação aos filhos, embora esses fossem os diretores: “Como ele podia dirigir uma indústria tão grande? Uma organização tão grande, praticamente sozinho? Porque não confiava nem nos filhos”. Em decorrência das desavenças existentes, em 1975, o presidente acabou tirando os dois filhos que estavam há vinte anos na sociedade e elegeu a filha mais nova como sucessora que se tornaria presidente de um grupo em situação financeira extremamente delicada apenas dois anos depois. Além disso, conforme destacado pelo Entrevistado 1, a herdeira não havia sido preparada adequadamente para ocupar a posição que lhe foi destacada: 181 “Maria Pia totalmente despreparada. Nunca havia participado da administração. Não sabia nada de administração. E foi nomeada e ocupou o escritório do Eduardo. Foi nomeada formalmente” (ENTREVISTADO 1). b) Equipe Técnica Durante várias décadas do grupo, a Matarazzo contornou a carência de mão de obra técnica no Brasil contratando pessoas de outros países. Sua preferência era pelos seus compatriotas italianos, que formaram a principal massa de imigrantes que chegaram a São Paulo durante o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX: “O Conde costumava pagar a passagem de jovens italianos com aptidões e habilidades exigidas pelas IRFM. [...] As IRFM chegaram a ter mais de 80% de trabalhadores italianos ou filhos de italianos” 2 (COUTO , 2004, p. 112). A preferência pela mão de obra italiana faria Francesco investir, em 1909, em uma escola de ensino secundário voltado para essa colônia em São Paulo, indicando a intenção de preparar melhor os seus potenciais empregados. A preocupação de atrair e reter técnicos capacitados visava manter a qualidade dos produtos e a modernização das plantas. Em 1942, o grupo tinha vinte mil funcionários e seiscentos técnicos especializados. Nos dez anos seguintes, foram contratados cinco mil funcionários e mais quatrocentos técnicos, mantendo a proporção próxima a um técnico para cada mil operários. Em 1939, reforçando a preocupação com a preparação técnica da organização, foi montado um Laboratório Central, conectado aos laboratórios de diversas fábricas para atuar, entre outras frentes, na preparação de químicos-pesquisadores. Oito anos depois, o grupo faria uma parceria com o Sesi para a formação e capacitação dos trabalhadores da Matarazzo. Um relato do Conde Matarazzo destacaria a preocupação em atrair e reter técnicos em suas fábricas: “Como fiz? Trabalhei. Desde o início, sempre. E confiei nos técnicos, nos especialistas, preocupado, sobretudo, em adotar nos meus estabelecimentos os sistemas mais modernos, as máquinas mais perfeitas” (COUTO2, 2004, p. 37). A oferta de mão de obra especializada aumentaria apenas a partir da Segunda Guerra Mundial, quando o país atravessaria o segundo e mais intenso de industrialização. Entretanto, Chiquinho continuaria dando prioridade à contratação de profissionais estrangeiros para atuar nas empresas. Quando questionado como o Conde Chiquinho administrava uma organização tão grande e diversificada, o Entrevistado 1 explicou: 182 “A resposta é muito sábia: Formando equipe. Ninguém dirige nada sozinho. Mas o poder está em formar uma equipe. Sem apadrinhamentos. Sem nomear gente incompetente. Nomeando aqueles técnicos que você não é. E sabendo dirigi-los, sabendo coordenar esse trabalho dos técnicos, dos administradores. Não deixando que nenhum fuja do foco. [...] Eu não concordava muito, mas até certo ponto ele também estava certo, porque na época o mercado brasileiro de técnicos ainda era muito pobre. Ele importava muitos técnicos estrangeiros. Era a preferência dele. Então, o melhor usineiro do Peru, ele trazia para o Brasil. O melhor diretor têxtil, ele trazia da Inglaterra. E assim por diante. Ele nunca ia procurar um dos melhores. O melhor. E pagava. Mas pagava de uma maneira brutal”. Outro indicativo de que a organização teve dificuldades para formar os seus funcionários foi identificado em 1975, quando a IRFM recebeu autorização permanente do governo federal para funcionar aos domingos e feriados. De acordo com a empresa, a carência de mão de obra especializada gerava esta necessidade de horas extras. Portanto, se por um lado a contratação de técnicos estrangeiros se mostrou uma iniciativa positiva para prover a organização com recursos gerenciais capacitados em um período no qual praticamente não existiam centros de formação, a continuidade desse processo sinaliza duas dificuldades. A primeira em formar recursos humanos dentro da organização a um custo mais baixo do que o realizado com contratações externas - conforme apontado pelo depoente, isso trazia um custo muito grande para a empresa. Além disso, isso atuava também, como uma força contrária à manutenção da integridade organizacional. No início do século XX, houve um grande fluxo de imigrantes italianos que foram muito absorvidos pelas fábricas da IRFM. Entretanto, conforme apontado pelo entrevistado, o Conde Chiquinho ia buscar profissionais em diversos países, aumentando ainda mais a pressão sobre a diversidade de recursos humanos da organização. 7.1.5 Desafio da Gestão da Complexidade Conforme destacado por Fleck (2009), à medida que uma organização cresce, ela se torna mais complexa, exigindo a resolução de problemas de forma sistemática. As evidências coletadas sugerem a adoção de ações intuitivas, com ausência de um processo sistemático de coleta de dados, análise, tomada de decisão e implementação. Assim, com uma organização tão extensa e complexa, não foram identificados fatores consistentes que indicassem uma propensão saudável nesse desafio. 183 Nos primeiros anos de operação comercial e industrial, a engenhosidade demonstrada por Francesco Matarazzo possibilitou ao empreendedor contornar dois grandes obstáculos presentes no início de suas operações de banha de porco. A primeira era a falta de escala. Para isso, buscou implementar sistemas de comercialização à prazo, tanto na venda como na compra, incentivando a venda e conseguindo comprar grandes volumes de insumos. O segundo tinha a ver com o fato de ter que lidar com um produto perecível. Assim, passou a comercializar o produto em latas de metal ao invés de caixas. A nova embalagem, além de conservar melhor, tinha um volume mais adequado para o consumo familiar o que, contribuía ainda para o giro do negócio. Esses passos foram fundamentais para dar impulsão ao empreendimento de Francesco. Apesar desses eventos indicarem uma capacidade de imaginar os caminhos a serem seguidos pela empresa, não há evidências de que isso ocorria de forma sistemática. Pelo contrário, o sucesso obtido nessas primeiras fases parecem ter contribuído para que a organização desenvolvesse um método ad hoc para solução de problemas. Isto é, favorecendo a tomada rápida de decisões de maneira rápida e intuitiva, sem gerar aprendizado para a organização. A partir da criação da IRFM em 1911, o crescimento no número de funcionários, a diversificação dos negócios e a expansão geográfica, além da questão sucessória, aumentaram substancialmente a complexidade da organização. Com essa nova configuração, fatos e evidências indicaram a dificuldade de lidar com os problemas de forma sistemática. Conforme já discutido, a IRFM preferia evitar a dependência de clientes e fornecedores. Por esse motivo, chegou a ter 45 mil clientes durante a década de 1930, criando um grande desafio para a organização, já que a tecnologia da época para a gestão de tal quantidade de informações era precária. Além disso, grande parte das compras costumava ser feita pelo Conde Francesco ou pelo seu filho que tinham que ter o conhecimento diário sobre os preços e quantidades praticadas pela empresa: “Outro fato interessante, que aumenta consideravelmente os lucros anuais, é que o Conde Senior ou o Conde Junior, pessoalmente, fazem, praticamente, todas as compras de matéria prima necessárias nas fábricas. As compras que não podem fazer pessoalmente, são, pelo menos, feitas com seu inteiro conhecimento, e diariamente, dos preços e quantidades [...] A política da firma põe grande atenção em comprar bem, talvez mais do que tentar vender por preço maior possível" (RUST, 1934). Essa centralização resultava naturalmente na falta de tempo para outras questões cruciais. No relato de Ferdinando sobre as qualidades do seu avô Francesco, é possível constatar uma evidência de um método ad hoc, com o Conde 184 tomando decisões de forma rápida, sem um processo de compreensão com profundidade e detalhada sobre os assuntos: "Era a capacidade de resolver assuntos. Qualquer problema que levávamos a seu conhecimento era logo resolvido. Tinha facilidade espantosa para tocar o barco. E muita liderança. Era um chefe. Pessoas das melhores equipes do mundo inteiro, quando falavam com ele, o chamavam de chefe. Porque tinha melhor cabeça que todo mundo." Essa mesma constatação de um modelo de decisão baseada nas percepções do seu líder seria encontrada em um relatório redigido pelo BNDES, resultado de uma avaliação técnica realizada na organização em 1977, após o falecimento de Francisco Matarazzo Jr.: “Quando do falecimento do Conde, a situação era caótica. As avaliações de situações e decisões vinham sendo tomadas com base na sensibilidade do Conde, cujos padrões de referência, como é compreensível, revelavam-se absolutamente inadequados às condições econômico-financeiras e sociais do Brasil dos anos 60 e 70, principalmente” (VEJA, 1983). Um relato de 1971, feito por Ermelino, filho do Conde Chiquinho, sugere o reconhecimento desse sistema na Matarazzo, em virtude da grande extensão que organização atingiu: “A Votorantim é uma enorme companhia, mas que atua em muito menos setores do que nós. Assim, nós tivemos que agrupar setores relacionados, o que nos deu uma administração ad hoc”. (REISS, 1980, p. 208) O depoimento do Entrevistado 1 também destacou a existência de um método “apaga incêndio” para a resolução de problemas, no qual as dificuldades nas diversas unidades eram resolvidas de forma pontual: "Eu fui talvez o único que percorreu, senão todas, 95% das unidades dele. Eu era levado para elas a cada dificuldade que surgia na respectiva unidade. Lá ia eu, como enviado do Conde Matarazzo, para fazer o reprograma, colocar em ordem. E quando estava tudo em ordem, quando eu ia descansar, ele me mandava para outro. Então com isso, eu percorri praticamente todas, seja elas em São Paulo, no Brasil todo e no exterior também." Os próprios processos de sucessão ressaltam as soluções ad hoc. Quando Ermelino falece, em 1920, a organização não tinha uma segunda opção, fazendo com que Francesco recebesse uma recusa de seu irmão Andrea. Em 1935, com a saída de Chiquinho que renunciou devido às pressões exercidas pelos irmãos, Francesco teve mais um convite para ocupar o posto mais alto da organização recusado. Desta vez, 185 foi de seu filho mais novo, Luiz Eduardo. Sua solução foi fazer uma espécie de plebiscito na família com o objetivo de gerar uma pressão sobre os filhos e trazer legitimidade ao nome de Chiquinho. Entretanto, apesar do consentimento de todos, a venda das ações por três dos filhos indicaria uma cisão na família. Finalmente, é possível identificar como soluções ad hoc as iniciativas para tentar contornar a situação financeira do grupo a partir da década de 1950. Entre os diversos movimentos realizados com o objetivo de capitalizar o grupo, como os lançamentos de ações no mercado, a venda de empresas e de ativos, não é possível identificar uma tendência ou um plano definido de reestruturação do grupo. Os fatos encontrados sugerem iniciativas visando a captação de recursos de forma rápida, sem uma avaliação de quais negócios seriam mais promissores e deveriam permanecer no portfólio do grupo. Vale destacar que além dos diversos empreendimentos fechados ou vendidos pelo grupo, entre 1967 e 1977, a organização realizou leilões de máquinas, equipamentos, veículos, materiais de escritório, resíduos e sucatas de diversas unidades, como têxtil, químicos, alimentos e metalúrgica. Na tentativa de interpretar os movimentos de desinvestimentos do grupo, não foi possível constatar um padrão. A tabela 7-3 apresenta algumas unidades que foram descontinuadas durante o período de declínio entre 1950 e 1980 (a refinaria foi a única que foi vendida, as demais unidades foram fechadas). Conforme é possível perceber, foram encerradas as atividades de importantes unidades dos três principais segmentos do grupo. Tabela 7-3 – Relação de Unidades Descontinuadas ou Vendidas Entre as Décadas de 1950 e 1970 Negócio Indústria Ano de Encerramento Ano de Fundação Usinas de açúcar Alimentos 1953 1910 Pregos Metalurgia 1957 1912 Alimentos em Conserva Alimentos 1957 1945 Panificação Alimentos 1959 1953 Desinfetantes e Esponjas Química 1962 ? Pasta de Amendoim Alimentos 1963 1946 Frigoríficos Alimentos 1964 1920 Refeições Balanceadas Alimentos 1967 1957 Cloroquim Química 1970 1957 Refinaria de Petróleo Química 1971 1934 Tecelagem de Piqueri Têxtil 1972 ? Tecelagem Santa Celina Têxtil 1972 1931 Viscoseda Química 1977 1926 186 De acordo com o Entrevistado 1, Ermelino buscava se desfazer das unidades não lucrativas e ficar com as mais modernas, especialmente no campo da química. Entretanto, o Conde Chiquinho resistiu em fechar as fábricas deficitárias: “As dificuldades econômicas começavam a mostrar a necessidade de medidas duras. Foi quebrada a sua resistência para livrar-se de indústrias menos econômicas e de um volume cada vez maior de funcionários burocratas” (ENTREVISTADO 1). Sendo assim, não é possível verificar em que mercados ou indústrias a Matarazzo pretendia direcionar. Ou seja, em quais ela teria maiores capacidades de captura de valor. Em uma reorganização que antecedeu o pedido de concordata em 1983 (gráfico 7-2), verifica-se a queda da relevância da indústria de alimentos e química no grupo. As fabricas de tecelagem já não apareciam, pois a empresa estava vendendo suas unidades para o grupo Severino Pereira. Cabe destacar ainda que mesmo no setor de papéis e embalagens, o principal do grupo, a Matarazzo já não ocupava posição de destaque. No mercado nacional de Celofane, a empresa concorria apenas com a Votorantim que dominava o mercado com 80% de participação. Gráfico 7-2 - Composição de Faturamento da Matarazzo em 1980 Artefatos de Cerâmica 3,91% Óleos e Derivados 21,57% Cimento e Mineração 2,67% Papéis e Embalagens 41,55% Alimentos 17,38% Indústrias Químicas 12,71% Agroindústria 0,20% 187 7.1.6 Gestão da Folga Organizacional A folga organizacional atua como um pulmão diante das alterações do ambiente, além de fornecer os recursos necessários para que uma organização cresça de forma saudável. Identificou-se que a existência de folgas produtivas e de recursos financeiros foi fundamental para que a empresa mantivesse a sua capacidade de crescimento por décadas. Por outro lado, a ausência de folga de recursos humanos contribuiu para a redução da integridade organizacional. a) Recursos Produtivos Um traço identificado ao longo da trajetória da organização foi a busca pela ampliação das suas unidades fabris. De acordo com Couto2 (2004, p. 237), as fábricas eram projetadas com reserva de espaço para eventuais ampliações. O Conde não as via como algo imutável, acabado, definitivo. Dizia que num país em transformação e de potencial enorme como o Brasil era preciso estar sempre preparado para mudar e crescer. Assim, comprou o grande terreno da Zerrenner-Bulow Companhia no bairro de Água Branca em São Paulo, e formou o seu principal complexo industrial onde, por algum tempo, teria espaço de sobra para fabricar fábricas. Conforme destacado por Penrose (1980), o crescimento atua como um propulsor da folga uma vez que o processo de crescimento gera novos recursos não utilizados que são somados ao conjunto de recursos existentes dentro da organização. Sendo assim, o processo de diversificação relacionada identificada na Matarazzo a partir do moinho de trigo gerou novos recursos que foram fomentando a criação de novos negócios. Portanto, com essa relação entre os processos produtivos e instalações preparadas para expansões, a Matarazzo gerava folga de capacidade produtiva, podendo direcionar parte da sua produção para o mercado ou mesmo para abastecer os seus negócios. As fábricas de processamento de algodão, por exemplo, poderiam atender tanto a indústria têxtil como a de óleos e sabões. Entretanto, à medida que a organização passou a criar negócios não relacionados, esse crescimento passou a consumir os seus recursos ao invés de produzir folga. Evidências de folgas produtivas geradas através de crescimento por mecanismos de reforço voltaram a ser identificadas durante a década de 1950 quando a empresa realizou expansões na indústria química. Além da folga em capacidade de produção, é possível destacar os investimentos realizados com o intuito de formar um pulmão de recursos energéticos, que historicamente foram um problema para toda a indústria, pela escassez e o alto custo. A Matarazzo construía barragens e termoelétricas em suas terras objetivando 188 reduzir a sua dependência em relação à energia fornecida pelo governo. Esse processo teve o seu ápice em 1954, quando após a instalação de termoelétricas em decorrência de uma crise de energia que o Brasil começava a enfrentar, a Matarazzo chegou a 56% de autossuficiência. b) Recursos Financeiros A reputação construída pelo Conde Matarazzo possibilitou que a organização desenvolvesse uma folga financeira para criar e desenvolver novos negócios. Essa facilidade de obter os recursos foi destacada pelo Entrevistado 1: “Mas veja bem, quando você traz o melhor técnico da Inglaterra, coloca numa indústria sua no Brasil, o que você adquire da Inglaterra? Credibilidade. As autoridades de lá ficam sabendo. Porque imagina, o melhor técnico está saindo do país, tá lá no Matarazzo. Puxa vida Matarazzo. Esse cara é bom. Esse cara vai fazer o Matarazzo crescer. Você ganha notoriedade lá. Aí você precisa do banqueiro de lá. Você vai lá buscar o dinheiro e você consegue com facilidade. Você adquire um nome.” Vale destacar, no entanto, a existência de folga financeira gerada com os lucros excedentes. De acordo com Reiss (1980, p. 33), entre 1911 e 1930, 50% dos lucros obtidos foram reinvestidos no grupo. A tabela 7-4 apresenta o resultado médio anual no período. Tabela 7-4 – Lucro Médio da Matarazzo Entre 1912 e 1929 Período Lucro Médio (em Contos de Réis) 1912 - 1913 4.800 1914 - 1919 7.300 1919 - 1920 3.300 1922 - 1923 6.800 1924 - 1929 16.200 Fonte: Reiss, 1980 Um fato que representa a existência desse pulmão de recursos durante a fase de crescimento ocorreu na crise de 1929. Na época, Francesco recebeu a visita de dois funcionários do Banco de Londres que, preocupados com a situação da IRFM, oferecem créditos ao empresário. Todavia, o Conde recusou a oferta, pois julgava que tinha os recursos necessários para enfrentar o período de turbulência. Após a Segunda Guerra, no entanto, a situação começaria a se alterar. O acirramento da competição e a redução do crescimento dos mercados nos quais a 189 Matarazzo mantinha os seus principais negócios achatariam as margens da organização. O gráfico 7-3, elaborada a partir dos relatórios anuais do grupo indicam essa perda de lucratividade ano a ano a partir da segunda metade da década de 1940. Gráfico 7-3 – Margem líquida da IRFM entre 1943 e 1979 80,0% 70,0% 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% -10,0% -20,0% Por outro lado, como a empresa ainda tinha grande reputação, esse problema foi contornado com a recorrente emissão de ações entre as décadas de 1950 e 1960. Vale ressaltar, no entanto, que essa estratégia teve um preço a ser pago pelo grupo. Para continuar atraindo novos acionistas, a Matarazzo teve que se comprometer com percentuais representativos de seus lucros, conforme pode ser constatado em anúncio de subscrição de ações de 1960 que promovia as seguintes vantagens: “1. dividendo fixo e cumulativo de 12% ao ano pago semestralmente, acrescido da bonificação anual mínima de 5%, que garante às ações preferenciais uma remuneração mínima de 17% ao ano e a qual poderá ser posteriormente beneficiada por deliberação da Assembleia Geral Ordinária tendo em conta, em parte, eventual encarecimento do custo de vida; 2. possibilidade de conversão, por sorteio, de até 50% das ações preferenciais em ações ordinárias a partir de 1967.” Essa capacidade de captar recursos através da emissão de novas ações é retratada nos gráficos a seguir. O gráfico 7-4 apresenta a relação entre o capital social da empresa e o PIB brasileiro. Diferentemente dos gráficos de tamanho e performance apresentados anteriormente, que indicavam uma queda consistente a partir da Segunda Guerra, nessa relação houve uma relativa manutenção do patamar médio até o início da década de 1970. 190 Gráfico 7-4 – Capital Social em relação ao PIB brasileiro 0,50 0,45 0,40 0,35 0,30 0,25 0,20 0,15 0,10 0,05 0,00 A partir desse momento é percebido um esgotamento da capacidade da IRFM de continuar se financiando através de capital próprio. O gráfico 7-5 mostra a relação entre as dívidas de curto e longo prazo em relação ao ativo total da organização. Gráfico 7-5 – Percentual das Dívidas Sobre o Ativo Total 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Com a queda da rentabilidade a partir do final da década de 1940, o grupo também começou a recorrer a empréstimos para financiar os seus projetos. Apesar disso, o nível de endividamento persistiu em patamares quase constantes até o começo da década de 1970, justamente pela subscrição de ações que era realizada em paralelo durante esse período. Depois de 1975, no entanto, o nível de 191 endividamento começou a subir substancialmente. Como consequência, em 1978, os custos financeiros da IRFM já atingiam 20% do faturamento c) Recursos Humanos Conforme discutido na avaliação do desafio da gestão de recursos humanos, a organização não conseguiu formar adequadamente os recursos gerenciais para comandar o seu vasto e complexo empreendimento industrial. Foram identificadas evidências que indicavam a acumulação de cargos pelos gestores. Verificou-se, por exemplo, que o Conde Chiquinho e seu sobrinho Ferdinando eram responsáveis pela direção de vários grupos, tendo inclusive que atender diversas reuniões de conselho no mesmo dia entre essas várias companhias. Apesar da criação das novas diretorias em 1937, o Conde Chiquinho e seu braço direito, seu sobrinho Ferdinando, apareciam como diretores de várias das unidades do grupo. Anúncios de assembleias com acionistas publicados na época mostram que eles estavam presentes na maioria delas, como em uma única edição que mostrou que as seguintes reuniões aconteceriam no dia 31 de agosto de 1954: i. 10:00 - IME ii. 11:00 - Santa Celina iii. 14:00 - Salina iv. 16:00 - IRFM O mesmo ocorreu quando os filhos de Chiquinho assumiram uma posição no grupo. Em 1954, Ermelino foi nomeado Diretor da Fazenda Amália. Dois anos depois, ele e seu irmão, Eduardo, já eram diretores de outras unidades do grupo como a Casa Bancária F. Matarazzo e a Agroindustrial Jequitaí. Eduardo também assumiu a administração da Salina e das Indústrias Matarazzo do Paraná. 7.1.7 Resumo das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento As evidências encontradas mostraram como as capacitações empreendedoras desenvolvidas pela Matarazzo contribuíram para o seu crescimento e pioneirismo no setor industrial brasileiro. Por outro lado, identificou-se também a dificuldade da organização em responder aos desafios do crescimento de maneira saudável conforme o seu tamanho foi aumentando e as condições do ambiente foram se alterando. No decorrer da análise, verificou-se que muitas das respostas positivas desenvolvidas no estágio inicial da organização passaram a perder força quando o escopo de atividades ganhou uma dimensão muito maior, a partir das décadas de 1920 e 1930. 192 Assim, apresentam-se a seguir quatro fotografias que mostram a variação, ao longo do tempo, do nível de propensão ao crescimento saudável da organização, de acordo com o modelo dos Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional de Fleck (2009). Tais divisões foram definidas com base em acontecimentos cruciais da história da organização, do ambiente, e de acordo com as consistências das respostas identificadas durante o processo de análise. Dessa forma, será possível obter uma melhor compreensão da evolução das respostas aos desafios do crescimento ao longo do tempo. As classificações das respostas serão apresentadas conforme legenda da figura 7-3. Figura 7-3 – Legenda do resumo das respostas aos desafios do crescimento A primeira fase vai de 1881 até 1911, englobando a fundação dos primeiros estabelecimentos comerciais, passando pela transição para a indústria, até a formalização da IRFM. A segunda, por sua vez, segue até 1937 (ano de falecimento do Conde Francesco) e inclui a construção do núcleo de Água Branca e o primeiro processo sucessório da organização. O terceiro período contempla a primeira metade da gestão do Conde Chiquinho, quando houve mudanças substanciais no ambiente industrial brasileiro. A quarta fase engloba a segunda metade da gestão de Chiquinho, passando pela sucessão para a herdeira Maria Pia, até o pedido de concordata em 1983. Após a falência das principais empresas do grupo, não foi possível identificar respostas saudáveis em nenhum dos cinco desafios. a) Fase 1: Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911 Devido à limitação de informações desse esse período inicial, foi possível classificar apenas as respostas referentes aos Desafios do Empreendedorismo e da Navegação no Ambiente. Conforme pode ser observado na figura 7-4, as respostas 193 identificadas para esses desafios foram classificadas como saudáveis durante essa fase. Figura 7-4 – Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911 Destaca-se que os serviços empreendedores de Francesco Matarazzo permitiram à organização ser uma pioneira no processo de industrialização pelo qual o Brasil passou no início do século XX. Em um país onde tudo se precisava, e onde é possível destacar a existência de um ambiente piedoso, a ambição e versatilidade empreendedora do Conde permitiram que ele se estabelecesse como um importante comerciante e, posteriormente, fizesse a migração para a indústria, fundando o moinho de trigo e, a partir deste, expandisse os seus negócios para outras indústrias. Destaca-se também a reputação construída por Francesco Matarazzo, que contribuiu para a sua capacidade de levantar os recursos necessários à viabilização desses empreendimentos. As capacitações comerciais do empreendedor e as estratégias de compra e venda a prazo empregadas por ele, também foram importantes para a captura de valor e para dar escala aos negócios. Além disso, embora a estratégia de diversificação ter sido de certa forma comum nessa primeira fase de industrialização, a versatilidade para expandir os negócios através do desequilíbrio de recursos possibilitou ao grupo desenvolver vantagens competitivas durante os primeiros anos do século XX. Como o ambiente industrial era incipiente e o mercado importava praticamente tudo o que consumia, a Matarazzo conseguia suprir parte dos seus insumos através do seu conjunto de empresas, o que contribuía para a captura de valor. Essa independência se mostrou 194 uma vantagem, por exemplo, durante a Primeira Guerra Mundial, quando houve uma redução do comércio internacional, e a importação de insumos para as atividades fabris declinou fortemente. A tabela 7-5 apresenta um resumo das principais respostas empregadas pela organização durante essa fase. Tabela 7-5 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911 Nível de Resposta Resumo Empreendedorismo Saudável (+) Imaginação e visão para buscar novas oportunidades lucrativas (+) Crescimento baseado em mecanismos de reforço (+) Grande facilidade para obter crédito junto a bancos e novos acionistas Navegação no Ambiente Saudável (+) Movimentos proativos (+) Uso de estratégias comerciais para captura de valor Desafio b) Fase 2: Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 Após a formação da IRFM, a Matarazzo seguiu um processo de crescimento e diversificação não relacionada, ampliando gradativamente o escopo de suas atividades. A figura 7-5 apresenta a classificação das respostas aos Desafios do Crescimento durante essa fase. Como é possível perceber, as capacitações desenvolvidas contribuíram para que a organização seguisse crescendo e se renovando. Por outro lado, a Matarazzo não conseguiu evitar as pressões de fragmentação, inibindo, portanto, o desenvolvimento de uma propensão ao crescimento saudável. Figura 7-5 - Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 195 A ambição por criar um império industrial aliada à capacidade de levantar recursos continuou fomentando a criação de novos negócios. Contudo, nesse intenso processo de formação de novos empreendimentos, foram constatados também, movimentos de expansão defensivos, que não traziam capacidade de gerar oportunidades lucrativas substanciais, mas que por outro lado, geravam uma propensão à fragmentação. Um fator identificado como positivo foi a legitimidade construída pelo Conde Francesco, principalmente como líder industrial e comercial, e representante da colônia italiana no país. Isso fica evidente nos títulos conquistados pelo empreendedor e no papel de liderança na CIESP e perante outros industriais. A menor dependência de insumos de terceiros também criou um mecanismo de isolamento que contribuiu para a captura de valor, principalmente durante o período da Primeira Guerra, quando houve escassez global de matérias-primas. A organização também se beneficiou da folga financeira obtida principalmente através do fácil acesso ao crédito, seja pela reputação construída pelo Conde, ou pelas próprias casas bancárias criadas pelo grupo. Identificou-se, ainda, que os complexos industriais de São Caetano e Água Branca geraram folga produtiva para a expansão das fábricas, contribuindo para o processo de crescimento. Com relação ao desafio da diversidade, ações identificadas como positivas foram a formação da IRFM e dos complexos industriais. Com parte significativa das fábricas situadas em uma mesma área, a coordenação dos negócios era facilitada. Além disso, criavam-se condições para o compartilhamento de recursos produtivos. Não se identificou, no entanto, o desenvolvimento de competências para lidar com as novas questões de maneira sistemática. Na medida em que a IRFM cresceu, aumentaram-se as interconexões entre as unidades, gerando complexidade. Para lidar com esse processo, as ações foram predominantemente ad hoc que, por sua vez, prejudicam a forma como a organização lidou com outros desafios. Esse método de “apagar incêndio” foi identificado no processo sucessório que acabou gerando conflitos organizacionais. Cabe destacar, ainda, a ausência de uma preparação profissional industrial dos principais gestores do grupo. Chiquinho, por exemplo, foi treinado diretamente pelo pai, no dia a dia dos negócios. Ainda, novos negócios continuaram a ser criados sem que houvesse a avaliação necessária para a identificação de oportunidades lucrativas e que também evitasse o excesso de exposição ao risco da organização. Portanto, as dificuldades em lidar com a complexidade, diversidade e com o aprovisionamento de recursos humanos afetaram negativamente a manutenção da 196 integridade organizacional e, consequentemente, a capacidade da organização crescer de forma saudável. Portanto, é possível sugerir que com ambição, versatilidade e capacidade de levantar recursos, a IRFM seguiu se desenvolvendo como uma organização empreendedora que, contudo, se tornava carente em serviços gerenciais. A tabela 7-6 apresenta um resumo das principais respostas empregadas pela organização durante essa fase. Tabela 7-6 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 Desafio Empreendedorismo Navegação no Ambiente Nível de Resposta Resumo Saudável (+) Ambição para ampliar cada vez mais o escopo de atividades e preencher as lacunas do mercado brasileiro (+) Capacidade de levantar recursos contribuiu para a formação de um império Saudável (+) Posições de liderança em associações industriais (+) Integração produtiva como mecanismo de isolamento (+) Posição de liderança na indústria têxtil (+) Formação da IRFM e dos complexos industriais Gestão da Diversidade Atenção (-) Início de um processo de diversificação não relacionada contribuiu para a fragmentação (-) Conflitos políticos envolvendo a questão sucessória (+) Capacidade de atrair técnicos especializados Gestão de Recursos Humanos Atenção (-) Ausência de capacitação formal na alta gestão – “universidade da vida” Gestão da Complexidade Não saudável (-) Ações predominantemente intuitivas e não sistemáticas Gestão da Folga Saudável (+) Reinvestimento dos lucros (+) As fábricas eram projetadas com reserva de espaço para eventuais ampliações c) Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955 Com a morte de Francesco Matarazzo, aos oitenta e três anos, coube ao seu filho Chiquinho a missão de gerenciar o vasto império construído durante quase quatro décadas, mas que não apresentava uma propensão para a autoperpetuação. Conforme pode ser observado na figura 7-6, as respostas identificadas durante essa fase indicam uma deterioração da capacidade da organização em responder aos desafios do crescimento. Como resultado, a Matarazzo passou a desenvolver uma propensão ao declínio organizacional. 197 Figura 7-6 – Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955 Entre as respostas identificadas como positivas no período anterior, verifica-se a redução da capacidade de empreender e navegar adequadamente em um ambiente dinâmico. A organização, que foi uma pioneira do processo de industrialização no início do século XX, não conseguiu manter a mesma versatilidade a partir da segunda metade da década de 1930, quando a indústria brasileira passou por transformações que incluem o surgimento de novos setores e a chegada de novos competidores. Em parte das respostas da Matarazzo em relação ao ambiente, identificaram-se movimentos tardios e não fortes o suficiente para alterar a composição dos negócios da organização, que continuou dependente dos setores têxtil e de alimentos. Mesmo nos seus principais negócios a Matarazzo não conseguiu lidar com os diversos stakeholders e continuar captando valor. O grupo não conseguiu manter posições de liderança entre os principais mercados à medida que a dinâmica de concorrência começou a mudar. Consequentemente, as margens de lucro reduziram consideravelmente. Apesar das dificuldades na condução dos negócios, destaca-se a capacidade da empresa em continuar emitindo ações. Isso contribuiu para que a organização continuasse a ter folga financeira, mesmo com a deterioração da lucratividade. Cabe destacar que a manutenção de uma estrutura centralizada e burocrática persistiu - promovendo a perda de eficiência no uso de recursos - assim como a baixa efetividade na formação de equipes gerenciais capacitadas. A hesitação em se desfazer de negócios deficitários e realizar uma reformulação na estrutura industrial do 198 grupo também demonstrava a propensão para soluções ad hoc, como já havia sido identificado na fase anterior. Portanto, a falta de habilidade da Matarazzo em criar e capturar valor impediram que a organização conseguisse manter uma capacidade de crescer e se renovar. Essa questão aliada ao baixo nível de integridade organizacional em decorrência da falta de capacidade em prover recursos humanos adequadamente e evitar as forças de fragmentação, criaram uma propensão ao declínio organizacional. A tabela 7-7 apresenta um resumo das principais respostas empregadas pela organização durante essa fase. Tabela 7-7 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955 Desafio Nível de Resposta Resumo (+) Ambição para continuar expandindo os negócios do grupo Empreendedorismo Atenção (+) Realização de parcerias com grandes multinacionais Navegação no Ambiente Atenção Gestão da Diversidade Atenção (-) Dificuldade em competir na nova dinâmica do mercado com perda da posição de liderança nos principais negócios (+) Compartilhamento de recursos (-) Gestão centralizada e burocrática (+) Retenção de técnicos especializados Gestão de Recursos Humanos Atenção Gestão da Complexidade Não saudável Gestão da Folga (-) Movimentos míopes ou com timing inadequado, como no caso da indústria de cimentos Atenção (-) Poucos diretores responsáveis pelo gerenciamento de várias empresas (-) Hesitação em se desfazer de negócios deficitários (+) Capacidade de emitir ações retardou o aumento do nível de endividamento (+) Autossuficiência energética (-) Redução das margens de lucro d) Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983 As evidências coletadas indicaram que a Matarazzo não conseguiu reverter a situação de declínio iniciada ainda durante a década de 1940. Com respostas pouco saudáveis, a organização não soube contornar os novos desafios, o que culminou com 199 o seu fracasso, na gestão da terceira geração e cerca de cem anos após a sua criação, conforme destacado na figura 7-7. Figura 7-7 – Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983 A persistente ambição e a capacidade de levantar recursos continuaram sendo traços marcantes da organização, mesmo em uma fase onde a IRFM perdia cada vez mais espaço na indústria nacional. Assim, nos anos que precederam o pedido de falência, identificaram-se, ainda, iniciativas de criação de novos negócios. Além disso, apesar dos recorrentes problemas com fábricas deficitárias e negócios que eram descontinuados, a Matarazzo continuava a mostrar uma forte reputação ao conseguir financiamentos junto ao governo e fazer parcerias com empresas multinacionais. A descentralização iniciada no final da década de 1960 se mostrou tardia e ainda envolveu a contratação em massa de diretores externos, afetando a integridade organizacional. Um novo processo sucessório ainda gerou, mais uma vez, conflitos políticos e fragmentação da organização. A escolhida para o comando foi Maria Pia. A filha mais nova do Conde Chiquinho, que não havia sido preparada para a posição, foi nomeada em detrimento dos irmãos que eram diretores da Matarazzo desde a década de 1950. Durante o período ainda se constatou iniciativas visando a descontinuação de negócios. Entretanto, não foi possível identificar uma estratégia clara para esses movimentos. Isto é, quais negócios eram prioritários e quais deveriam ser desfeitos. Assim, constata-se mais uma vez a dificuldade da Matarazzo em conseguir resolver os problemas de forma sistemática. 200 Finalmente, a capacidade de levantar recursos através da emissão de ações se esgotou, elevando consideravelmente o nível de endividamento e as despesas financeiras e eliminando a folga financeira. A tabela 7-8 apresenta um resumo das principais respostas empregadas pela organização durante essa fase. Tabela 7-8 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983 Desafio Empreendedorismo Nível de Resposta Atenção Resumo (+) Persistência de uma ambição empirebuilder e capacidade de levantar recursos (-) Expansões míopes ou convencionais Navegação no Ambiente Atenção (+) Manutenção de reputação junto ao Estado e multinacionais (-) Movimentos predominantemente defensivos (-) Descentralização tardia Gestão da Diversidade Não saudável (-) Conflitos políticos envolvendo o novo processo sucessório (-) Nova sucessora não foi capacitada formalmente para o cargo Gestão de Recursos Humanos Não saudável Gestão da Complexidade Não saudável (-) Reestruturação dos negócios conduzida sem uma estratégia definida Gestão da Folga Não saudável (-) Elevação do nível de endividamento (-) Baixo nível de capacitação interna de gestores e contratação demasiada de executivos externos 201 7.2 Análise das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento Dona de uma história centenária, a Votorantim se mantém atualmente como um dos principais grupos industriais do país. Com atuação principalmente em commodities, a sua origem remete ao início do século XX quando Antônio Pereira Ignácio montou os primeiros descaroçadores de algodão no interior de São Paulo. Em 1918, ocorreria o marco histórico da aquisição da fábrica têxtil Votorantim que é considerada a data oficial de fundação da organização. Embora desde a década de 1910 já tivesse uma participação expressiva na indústria têxtil, a expansão mais vigorosa começaria a partir da década de 1930, com a entrada na indústria cimenteira sob o comando de José Ermírio de Moraes, genro do fundador. Com o início da exploração e processamento de metais entre as décadas de 1950 e 1970, o crescimento ganharia impulso, conforme pode ser observado no gráfico 7-6. Após um período de maturação entre os anos 80 e 90, a Votorantim teve um novo ciclo de crescimento no século XX, quando iniciou um processo de internacionalização. Após a crise deflagrada em 2008, no entanto, a organização começou a enfrentar um período de declínio. A análise das respostas da Votorantim aos desafios do crescimento, apresentada nesta seção, buscará identificar os traços organizacionais desenvolvidos pela organização e compará-los à teoria em questão, com o objetivo de verificar em que medida esses fatores contribuíram para que a empresa desenvolvesse uma propensão para a autoperpetuação ou para a autodestruição. Gráfico 7-6 – Evolução do Tamanho da Votorantim entre 1952 e 2013 1,60 1,40 1,20 1,00 y = -6E-09x6 + 1E-06x5 - 7E-05x4 + 0,0021x3 - 0,0285x2 + 0,1513x - 0,124 R² = 0,91 0,80 0,60 0,40 0,20 0,00 -0,20 Tamanho = Faturamento/PIB Performance = Lucro Líquido/PIB 202 7.2.1 Desafio do Empreendedorismo Os serviços empreendedores são condições necessárias para a criação de valor e o crescimento contínuo de uma organização. A análise da Votorantim à luz das dimensões do empreendedorismo propostos por Penrose (1980) indica uma propensão ao desenvolvimento desses serviços empreendedores em grande parte da sua trajetória, contribuindo para o crescimento e renovação da organização. Entretanto, evidências indicaram que nas últimas décadas a organização tem tido dificuldade em manter parte dessas capacitações. a) Ambição Ao longo da história da Votorantim é possível perceber fortes evidências de ambição empreendedora que levaram à expansão dos negócios e formação do conglomerado. Esse perfil pode ser identificado desde os primeiros passos do fundador, que veio de Portugal para o Brasil ainda criança e aos quatorze anos, com o retorno do pai ao país natal, ficou no Brasil para trabalhar e conquistou a sua emancipação. Com dezoito anos, Pereira Ignácio já havia montado o primeiro comércio, expandindo a operação em 1895. Assim como no caso da Matarazzo, a transição para a indústria do grupo Votorantim iria ocorrer no início do século XX, quando Pereira Ignácio fundou as primeiras unidades de descaroçamento de algodão. Em 1905, a ambição do empresário o levaria para os EUA para trabalhar e conhecer essa indústria mais a fundo. Quando retornou, trouxe consigo novos conhecimentos e equipamentos para fundar a Fábrica de Óleos Santa Helena. Nos anos seguintes, abriria treze novas unidades de descaroçamento no interior de São Paulo. Todavia, é em 1918 quando deu o seu mais ambicioso passo quando adquiriu a companhia têxtil Votorantim, uma das principais fábricas do país e que comprava fios das unidades de algodão de Pereira Ignácio. Com a aquisição, passou a deter 17% da capacidade de fabricação de tecidos de algodão em todo o Estado. Esse movimento demarcou oficialmente a fundação do grupo Votorantim. É possível constatar, portanto, que a ambição faz parte do imprinting da organização e se disseminou ao longo de sua história. Esse perfil ambicioso e com um propósito maior do que a simples busca por oportunidades lucrativas é evidenciada em discurso feito por Pereira Ignácio em um evento da comunidade portuguesa realizado na década de 1930: "Encarei a minha tarefa aqui, desde o início com uma obrigação moral para com a terra que me acolhera como se fosse seu filho. Não tive nunca a preocupação única de ganhar dinheiro, pois entendi sempre 203 a indústria como um instrumento de bem servir à coletividade [...] O industrial é o operário sem férias. O que ele faz e produz, produz e faz muito mais para os outros do que para si mesmo. Depois de haver montado as máquinas, nunca mais lhe é permitido descansar. Há uma eclosão de deveres dentro dessa formidável tarefa humana. Os lucros não lhe pertencem. Devem ser restituídos à obra que apenas se renova ou se transforma" (ESTADÃO, 1938). O comando do engenheiro José Ermírio de Moraes levaria o grupo a ambicionar novas oportunidades de crescimento na indústria de base, onde colocaria em prática a sua visão de “industrializar o Brasil”. Assim, entre as décadas de 1930 e 1970, a Votorantim ingressaria em novos mercados, com destaque para a fabricação de cimentos onde se tornou líder de mercado pouco depois da Segunda Guerra Mundial. Nas unidades de Metais, que ficaram sob a alçada de Antônio Ermírio de Moraes, a produção se manteve concentrada em uma fábrica, embora com aumentos sucessivos de capacidade e de eficiência. Em 1978, pouco mais de vinte anos após a inauguração da CBA, a produção já havia aumentado 700%. Durante esse período, Antônio Ermírio chegou a reconstruir a CBA, pois julgou que a unidade era ineficiente e produzia alumínio de baixa qualidade. A preocupação de Antônio Ermírio em aprimorar a tecnologia e a qualidade dos produtos foi destacada pelo Entrevistado 7: “Ele sempre comprava tecnologia. O que era de melhor ele colocava na indústria dele. Então, por exemplo, a Alcoa instalou na instalação dela um lote de bomba Morris que veio dos Estados Unidos, que era a ponta de... Ele ia lá e comprava essa tecnologia. Aí o que fazia com a gente que era engenheiro? Olha, a tecnologia tá aí na mão suas, vocês vão ter que tirar desenho desse negócio todo, fazer análise química do eixo, da bucha, do rotor. Não vou comprar mais não. Agora aqui a gente vai fazer o seguinte, vai tirar desenho, vai pegar esse projeto que está aí, que eu já comprei deles e tem uma outra empresa nossa que era coligada, a metalúrgica que vai fazer esse material daqui para frente. Eu não vou importar mais material de fora. Então a gente começava por aí. Ele comprava tecnologia. Pagava preço de ouro. Ele não perguntava quanto não. Mas em compensação agora é minha.” “Durante o mês, você trabalhava dois sábados. E num dos sábados lá eu tava numa área e eu trabalhava até as 04:30 da tarde. E não sei porque cargas d´água eu não saí e fiquei lá, tinha que fazer mais alguma coisa, acompanhar um serviço lá e ele estava dentro da fábrica. Aí ele perguntou lá: - Tem algum engenheiro, tem alguém que possa me dar uma informação? Aí alguém falou: - Tem alguém aí, tem um engenheiro que está aí no escritório, vou chamar ele. Aí eu fui conversar com ele. Daí ele falou: - O problema é o seguinte, eu comprei esse forno da Noruega e era para dar 500 toneladas, só está dando 300, você me explicar por que não está dando as 500? 204 - Olha, porque o parafuso de introdução, o material que vai introduzir no forno não tem o mesmo rendimento nosso brasileiro. Ele é muito bonito, mas não é eficaz. Ele falou... Olha bem para você ver o que ele falou para mim: - O lance é o seguinte, você tem uma solução para isso? Eu falei: - Olha, tenho. Eu tenho a reserva do outro forno que funciona bem, posso jogar nesse forno que tá aí. Ele falou: - Você pode começar? Eu falei: - Mas doutor, espera aí. São 04:30 da tarde, não tem mais ninguém dentro da empresa, só está eu aqui. Só está o pessoal que está operando e eu tenho que arrumar e equipe e eu não tenho autonomia para isso não. Eu sou engenheiro ainda. Ele falou: - Não, não, não. Não esquenta a cabeça não. Daqui meia hora eu coloco tudo na sua mão, o que você precisa.” Sob o comando de José Ermírio Filho, a unidade de cimentos também seguiu crescendo e melhorando a suas capacidades produtivas. Ao final da década de 1970, o grupo tinha dezenove fábricas que produziam sete milhões de toneladas anuais e atendiam 40% do mercado nacional, além de exportarem para países da África e da América do Sul, consolidando a Votorantim Cimentos como líder absoluto da indústria nacional. Sendo assim, se por um lado essas expansões levaram a Votorantim a ampliar os seus negócios, por outro, foram encontradas fortes evidências relativas à preocupação do grupo em seguir investindo no aumento de capacidades das fábricas, em avanços tecnológicos e na busca por maior eficiência, caracterizando uma ambição de productminded. Essa percepção é corroborada pelo relato dos entrevistados: “A gente realmente busca maximizar resultados. Não tocaria em chegar a ser perfeccionista, mas a busca incessante pela excelência operacional. Procurar trabalhar com gente com qualidade e pouca quantidade” (ENTREVISTADO 10). “Se eu trabalho com cimento não adianta eu ter visão de fabricação de automóvel. Eu tenho que imaginar um cenário de cimento onde eu seja o melhor fabricante do mundo. Essa sempre foi a ótica que a gente trabalhou. Como pesquisadores, vamos ser o fabricante de cimento mais eficaz que tem no mundo, mais eficiente, enfim, o mais competitivo. Sempre é esse o target, sempre é esse o objetivo” (ENTREVISTADO 6). “Nos anos 90, fim dos anos 90, a gente fez algumas fábricas de cimento em tempo recorde. Nós fizemos uma fábrica aqui no Rio Grande do Sul, ela foi feita em dezoito meses. Isso é um recorde mundial. Ninguém faz uma fábrica em dezoito meses. No mínimo dois anos para fazer, entre você cravar a primeira estaca, tendo a licença, você demora dois anos para fazer uma fábrica de cimento. E a gente tem o recorde de ter feito em dezoito meses e algumas fábricas, em dezoito meses e vinte meses. Como a indústria de cimento é uma indústria de capital intensivo, quando você decide que vai fazer e começa a gastar dinheiro, você quer colocar essa fábrica para vender, para rodar. Então tínhamos que fazê-la funcionar e funcionar o quanto antes” (ENTREVISTADO 4). 205 Entre as décadas de 1980 e 1990, a organização não se mostrou tão propensa a fazer movimentos mais fortes na indústria de base. Durante a década de 1990, o lançamento do Plano Nacional de Desestatização abriu oportunidades de expansão em negócios relacionados ao grupo. Entre as privatizações realizadas, destacam-se as das siderúrgicas Usiminas e CSN, além da mineradora Vale do Rio Doce. Em 1991, quanto foi questionado sobre os interesses da Votorantim nos processos de privatização, Antônio Ermírio criticou: “Tenho desafio diferente, não adianta fazer um grande negócio a custa de capital de terceiros. Tem que suar pelo aquilo que você quer. Não acredito em benesses”. Em outra entrevista concedida em 1991 e ainda sobre o mesmo assunto, complementou: “Todo gigantismo é péssimo. Até empresa quando fica grande, fica difícil de ser administrada.” Portanto, percebe-se uma relutância de Antônio Ermírio em adquirir empresas estatais, em parte devido ao gigantismo das empresas e em outra pela forma como se conduziam as privatizações. Em 1993, participou do leilão da Companhia Siderúrgica Paulista que acabou sendo arrematada pela Usiminas, também privatizada dois anos antes. De acordo com José Pastore, seu amigo e biógrafo, o empresário lamentou a perda da aquisição da Vale para o grupo liderado por Benjamin Steinbruch que já havia comprado a CSN anos antes: “Por conhecer profundamente o ramo de minérios, ele vislumbrava a possibilidade de a empresa assumir um papel protagonista no mercado mundial, como de fato ocorreu. Ele antevia ali um negócio que comporia bem o perfil do Grupo Votorantim – dedicado às matérias-primas e usuários de muitos minérios na produção de metais”. Dessa forma, com exceção do setor energético, a Votorantim não conseguiu aproveitar essas oportunidades para crescer. Essa visão foi apoiada por um dos entrevistados que na época trabalhava como auditor externo do grupo: “Eu acho que lá atrás faltou um pouco mais de... Como a empresa é muito sólida, muito conservadora, faltou, em alguns momentos, arriscar um pouquinho no negócio. Querer investir. Você quer a Vale? Você tinha condição de adquirir, uma participação, você tinha condição. Quer a CSN? Você tinha condição de adquirir uma participação. Acredito que o grupo seria um grupo completamente diferente. Mas, de novo, é injusto eu falar isso daí, porque na época eu também eu estava começando a carreira. Tinha muitas ideias, mas não eram sólidas. Mas eu via aquilo lá e a gente ficava indignado. E olha, eu era auditor, fiquei indignado quando não comprou. Pô, por que não “bidou” a CSN? Por que você está 206 trabalhando, você é independente, mas você quer ver a empresa. Eu não era nem funcionário, mas torcia para a empresa” (ENTREVISTADO 11). No século XX, a ambição da nova geração, que já comandava o grupo, levou a Votorantim para a internacionalização. Esse movimento começou pela indústria de cimentos através de aquisições nos EUA e Canadá, e se estendeu ao mercado de metais com a aquisição de uma refinaria de zinco no Peru, além da expansão no setor siderúrgica através da compra de usinas na Colômbia e na Argentina e a construção de outra unidade em Resende, no Sul Fluminense. Outro movimento de destaque foi a aquisição da Aracruz em meio à crise do subprime, tornando a VCP na maior produtora mundial de celulose. O mesmo ímpeto da área industrial foi identificado no setor financeiro. A BV Financeira, braço do Banco Votorantim para o financiamento de bens e serviços, cresceu rapidamente se apoiando no microcrédito. Somente em 2005, a carteira de créditos cresceu 72%, chegando a quase R$ 3 bilhões. Assim, nos seus mais de cem anos de história, a Votorantim atravessou o seu período de maior expansão. O faturamento do conglomerado saltou de nove bilhões de reais em 2001 para quarenta bilhões em 2008, com foco na expansão da organização, em ampliar a sua presença mundial. b) Versatilidade A versatilidade está relacionada com a capacidade de imaginar caminhos viáveis e não convencionais a serem seguidos pela organização. Na história centenária da Votorantim, que atravessou grandes mudanças no ambiente econômico e industrial brasileiro, é possível apontar respostas versáteis que permitiram o crescimento da organização. Assim como Francesco Matarazzo, Pereira Ignacio imigrou para o Brasil e se estabeleceu em Sorocaba, abrindo um comércio alguns anos depois, e as primeiras unidades industriais no início do século XX. Apesar de ter realizado alguns investimentos não relacionados nos anos seguintes (fábrica de cimentos, fonte de água mineral e uma Cia. Telefônica), o grupo se manteria concentrado principalmente na indústria têxtil. A partir da década de 1930 quando a composição da indústria brasileira começou a mudar, ganhando mais robustez, identifica-se a capacidade de visão de José Ermírio de Moraes e Pereira Ignacio para buscar novos caminhos para a empresa. 207 Assim, diferentemente da Matarazzo que não realizou investimentos significativos para mudar o seu perfil industrial, a Votorantim conseguiu desenvolver um novo motor para o seu crescimento na indústria de base. Esse processo começou na indústria de cimentos com a fábrica Santa Helena inaugurada em 1936. José Ermírio de Moraes ficou a frente desse processo, iniciando a prospecção das jazidas da fazenda Rodovalho em 1933 e entrando no mercado no timing adequado. Portanto, quando a indústria têxtil começou a perder relevância na economia e as margens declinaram, a Votorantim já vinha consolidando a sua posição de liderança na indústria de cimentos. Assim, tinha uma nova fonte de recursos para realizar investimentos para a produção de alumínio, níquel e zinco. Portanto, a Votorantim direcionou a sua atuação em indústrias com first mover advantages e fortes barreiras de entrada, que exigiam grandes investimentos, recursos específicos e alta capacidade técnica da equipe. Na carta direcionada aos seus filhos, José Ermírio de Moraes destacou a importância dessa diversificação e investimento na indústria de base: “Foi sempre meu desejo diversificar os empreendimentos do nosso Grupo industrial. Durante anos verifiquei que quem tem tudo num só ramo de negócio, tem alguns anos bons e muitos anos maus. Sempre baseei os nossos ramos industriais dentro do consumo de matériasprimas nacionais, não somente por serem necessárias ao desenvolvimento do país, como também para evitar pedir favores ao exterior, na obtenção de matérias-primas básicas necessárias ao funcionamento da indústria”. Outro ponto que destaca a capacidade para criar valor está relacionado com o desenvolvimento de pesquisas e execução de projetos para aprimoramento da qualidade do cimento e aumento da eficiência energética – a energia corresponde a cerca de 40% do custo de produção do produto. Foi identificado, por exemplo, que em 1938 a fábrica Santa Helena já contava com um laboratório para análise da matéria prima em todas as fases de produção. Com o estouro da crise do petróleo, na década de 1970, as fábricas da Votorantim começaram a alterar a sua matriz energética, deixando de usar óleo para utilizar carvão mineral. O Entrevistado 6 discorreu sobre essa transição: “No Brasil sempre se usou óleo e com a crise do petróleo de 1973, o governo proibiu os grandes consumidores de petróleo - e aí a indústria de cimento era uma dos maiores consumidoras de petróleo a usar petróleo importado. Resultado: havia um interesse em promover o uso do carvão mineral brasileiro oriundo de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. E aí o governo subsidiava o carvão e esse subsídio significava um grande atrativo para a indústria de cimento substituir o óleo por carvão já que 40% do custo de fabricar o cimento é energia térmica. Então, se você reduzir, qualquer coisa que 208 você reduzir na energia térmica é um ganho muito expressivo para a empresa. Então, a minha primeira missão foi estudar. Eu já entrei como pesquisador para estudar a influência da cinza no carvão na qualidade do clinquer que é a matéria prima que se usa para fazer o cimento [...] Toda a indústria do cimento no Brasil buscou esse mesmo caminho. Umas fizeram essa transição com mais problemas e outras com menos. A diferença foi quem se dedicou mais e quem se dedicou menos. Então, entre 79 e 84, eu trabalhei no Grupo Itaú, na Cimento Itaú do Paraná, fazendo esse tipo de trabalho. Aí nós introduzimos algumas técnicas novas que não existiam, que ninguém fazia no Brasil que são técnicas de controle desses produtos. Isso chamou a atenção da empresa e eu comecei a ser requisitado pelo grupo todo.” A utilização do carvão mineral ocorreu até meados da década de 1990, quando o grupo passou por outra mudança, passando a utilizar o coque do petróleo, e que também foi destacada pelos depoentes: “Só que imagine, em 95, quando eu falei isso, até por esse diretor que era tão incentivador. Quando eu falei para ele: - Vamos trabalhar com material mais rico em enxofre. Ele falou: - Olha você quer quebrar a empresa. Mas, veja, era um momento muito importante da empresa porque o nível de diretoria conversava com a base. Ou seja, havia uma... como que eu vou te dizer o termo correto... mas o diretor falava com o funcionário do chão de fábrica. Então, havia um nível de confiança, nível de relação poder-trabalho muito mais amigável naquela época. Então o que acontecia. Eu era um pesquisador. Ele sabia que eu existia. Mas ele me ouvia. Ele me criticava. Eu criticava ele. Tanto é que quando ele disse que eu queria quebrar a empresa eu soltei: Quem vai quebrar a empresa é você, porque se você não fizer isso nós vamos perder dinheiro. Mas como a gente tinha uma certa relação aberta, ele não se ofendeu com essa posição e refletiu, refletiu. Um belo dia ele chegou para mim: - Olha, você não vai ter sucesso porque eu já li, ninguém fez isso no mundo, que eu tenha conhecimento, então, não vai ter sucesso. Mas como você já acertou outra vez eu vou te dar um forno. Para você ver, um forno é uma linha de mil toneladas por dia, não é uma coisa pequena, é uma fábrica de cimento” (ENTREVISTADO 6). “Nós fizemos com uma agilidade incrível a mudanças das nossas fábricas para queimar esse coque. Fizemos seminários, trouxemos gente do exterior para ensinar também. É diferente, muito diferente trabalhar com coque do que trabalhar com óleo. O óleo é uma situação muito mais tranquila. Então fizemos seminários, coisas técnicas. Tudo para em um ano a gente estar com essas fábricas queimando esse coque. [...] O payback disso se deu em menos de um ano” (ENTREVISTADO 4). Portanto, atuando em negócios intensivos em energia, a Votorantim desenvolveu uma capacidade técnica para desenvolver projetos de eficiência, possibilitando o aumento de sua competitividade nos seus negócios. No entanto, relatos dos entrevistados indicam que nos últimos anos houve perda da capacidade técnica e, consequentemente, da versatilidade para criar valor 209 em seus negócios. Na análise da ambição, foi evidenciada uma mudança de uma pretensão orientada para a melhoria do produto para a expansão do grupo empresarial. As evidências sugerem que isso afetou essa versatilidade técnica do grupo: “Quando se conhece o negócio, você vê que a empresa está muito bem. Mas, isso para mim não é o suficiente, porque ela poderia estar bem melhor. O fato de você estar um passo na frente da concorrência dá ânimo para a concorrência chegar até você, mas se você estiver a cinco passos, a concorrência diz: não adianta, não adianta. Bom, eu trabalho com essa perspectiva. Deixar a concorrência comendo poeira. Como? Da maneira mais honesta possível. Com competência. Você tem que ser mais competente do que os outros. Não tem jeito e você não é competente por decreto. Você constrói. Não tem transferência de know how por osmose. [...] Nós não temos tradição de P&D. Não temos tradição. Porque o pessoal imagina P&D, com uma maneira completamente diferente do que eu imagino. As pessoas imaginam que P&D é você trabalhar com a universidade. Isso também é. Mas P&D para mim, que eu trabalho desde que eu entrei na empresa nisso, não é inventar um cimento novo todos os dias. É inventar uma maneira nova de fazer o mesmo cimento todos os dias. Ou seja, trabalhar com foco em competitividade” (ENTREVISTADO 6). O relato de Walter Schalka que foi presidente da Votorantim Cimentos entre 2005 e 2012 (ele havia sido contratado externamente) destacou que havia no grupo uma preocupação central com a competitividade em custos do grupo. Embora reconhecesse essa importância, ele destacou a necessidade de dar ênfase para o mercado e para as questões comerciais: “Nós temos um Premium Price no mercado. Hoje, uma das questões que eu quero quebrar na Votorantim, é a história que cimento é commodities. Cimento não é commodities, nenhum produto de consumo é commodities. Cimento está commodities porque ninguém construiu, construiu marca ao longo do tempo [...] A concepção interna da Votorantim era um concepção muito voltada para a fábrica: Nós precisamos produzir com custo baixo. Esse é o ponto. O único ponto que tinha era esse. Ao produzir com um custo baixo, naturalmente, nós vamos ter competitividade. O que eu digo é o seguinte: fazer, produzir com custo baixo é uma condição necessária, mas não é uma condição única. Nós temos que buscar outras condições de competitividade. Nós temos que ter o melhor custo logístico possível. Nós temos que estar muito mais próximos do consumidor final. E tem um outro parâmetro: quem é nosso consumidor final? A percepção que se tinha aqui dentro da Votorantim era que o varejista era nosso consumidor final, quando não é. O varejista é um net de distribuição, mas na realidade, o nosso consumidor final é o cliente. Se o cliente chegar na gôndola, no balcão e pedir: - Quero um cimento Votoran. E o cimento Votoran custa poucos centavos acima do concorrente, nós vamos poder ter uma margem melhor; eventualmente, o varejista vai ter uma margem melhor, e nós vamos ter o cliente fidelizado. É por isso que nós começamos ações que visam o consumidor final. Por isso que o ano passado teve propaganda em televisão, porque nós queremos criar 210 no consumidor final a nossa segurança. Tem muitos players da indústria, de outras indústrias que já fazem isso. Posso citar alguns exemplos. A Tigre até recentemente, era a única em tubos e conexões que se falava. Agora a Amanco começou a fazer a mesma coisa, tentando quebrar esse espírito que a Tigre era a única de produtos de qualidade” A observação de Schalka, no entanto, vai de encontro ao que foi exposto pelos funcionários, que sugerem uma recente perda dessa capacidade em decorrência dessa reorientação do direcionado para as questões comerciais em detrimento do técnico: “A área comercial, por exemplo, ela cresceu enormemente, para atender melhor os clientes. Mas a pergunta que eu fiz outro dia e que ninguém me respondeu: Quando você tem o melhor produto, você precisa ir até o cliente ou ele vem até você? Aí eu faço a segunda pergunta: O melhor produto, ele é mais caro ou mais barato de se fazer? Garanto para você que é mais barato. Porque você errou menos. Então, veja, não pergunta para o grupo. Põe um monte de gente para vender. Ora, se você não tem o melhor produto – não estou dizendo que o nosso não é o melhor. Mas se você não tem o melhor que o mercado perceba, você tem que forçar a venda, tem que dar desconto. Agora se você tem de longe o melhor produto, você não precisa fazer, você vende sozinho” (ENTREVISTADO 6). “Então, aí eu estava falando de 2008 né, que daí foi quando o dr. Antônio saiu e aí aproveitaram esse momento para começar uma mudança, assim, na abordagem da CBA, principalmente com relação aos clientes. Desde então que, essa parte eu não estava lá ainda, mas eu ouvi falar bastante que entraram vários diretores novos. A empresa foi incorporada à VM, então passou à responder ao presidente da VM, que na época já era o João Bosco e começou a ser mais importante a questão comercial mesmo, de prospectar cliente de ter estratégias mais definidas por segmento. Isso começou a ser mais forte. Isso foi evoluindo até que um marco importante foi, eu entrei no começo de 2012, foi no fim de 2011 eles trocaram o diretor comercial. Até então, o diretor comercial ainda era um dos, como eu falo, uma das crias do dr. Antônio, ele tinha um estilo mais antigo, mais paternalista. E aí esse diretor saiu e entrou um que era totalmente voltado ao mercado. Ele veio da Vale e é o que está lá até agora, como diretor, e ele é completamente voltado para mercado” (ENTREVISTADO 7). “Interessante fase vivemos em que os próprios empreendedores estavam à frente dos negócios. Sabiam da importância quanto a tomarem a decisão certa na compra dos equipamentos para as futuras fábricas e estavam à frente ou acompanhavam de perto. Sabiam da importância das manutenções dos equipamentos, pois os conheciam, não apenas para resultados imediatos, mas também para a perenidade dos negócios. [...] Me parece que hoje temos essa deficiência. Falta conhecimento aos Diretores Presidente e outros que por aqui passaram e passam. E alguns poucos dos acionistas da 3ª geração estão mais distantes e se deixam levar por aconselhamentos, às vezes, com visão apenas a parte financeira [...] Eu acho que foi em 2004, 2005, alguma coisa assim, onde criaram um tal do orçamento aonde que em determinado momento, você terminou a verba orçada, terminou, para de fazer, eu não posso estourar o orçamento. E o que aconteceu, houve a deterioração de 211 algumas fábricas. Algumas manutenções, elas não podem de forma alguma, deixar de ser feitas, sob pena de você até arrancar um bom resultado no ano, você arranca um bom resultado no ano, mas depois, de repente a sua fábrica que foi feita para durar cinquenta anos, bobeou, você não fez a manutenção que podia custar 1 milhão de reais e você vai ter que fazer uma outra que vai custar 20” (ENTREVISTADO 4). Vale destacar que o Entrevistado 4, que atua no braço de cimentos do grupo, citou a criação do método de orçamento justamente no período no qual Schalka assumiu a presidência da VC. O Entrevistado 6 ainda reforçou esse fenômeno, citando, a subutilização do centro técnico (um dos maiores Centros de Pesquisas e Tecnologia da América do Sul) que começou a ser articulado após a formação da diretoria técnica em 1999: “É um laboratório central com recursos modernos, mas sem estrutura humana para atender aqueles recursos. Você montou uma estrutura, gastou um monte de dinheiro, mas você não pensou. [...] Foi feito desconectado da realidade. Então, tinha esse dinheiro, comprou-se um monte de equipamento, e aí? O equipamento está aqui. O que a gente faz com isso. Ou seja, não foi construído em cima de um projeto.” Apesar dos avanços realizados pela empresa durante a década de 1980, citados anteriormente, é possível constatar a existência de duas grandes janelas de investimento. A primeira, entre as décadas de 1930 e 1970, quando foram criados os principais negócios do grupo. A incursão no mercado de metais começou a ser planejada na década de 1940 com a CBA que foi inaugurada em 1955. Em 1957, a empresa havia adquirido também a CMM e a Companhia Níquel Tocantins que iniciariam as suas operações em 1969 e 1978, respectivamente. Durante esses anos, a Votorantim experimentou uma fase de grande crescimento, como é demonstrado no gráfico de crescimento apresentado anteriormente. Esses empreendimentos, portanto, foram planejados quando o grupo ainda estava sob o comando de José Ermírio de Moraes. Entre as décadas de 1980 e 1990, os principais movimentos foram realizados em novos negócios não relacionados com as indústrias existentes, em movimentos comandados pela nova geração dos Ermírio de Moraes. Na indústria de papel e celulose, apesar de a empresa já vir atuando no setor, o grande movimento ocorreu com a aquisição da Celpav e, posteriormente, da Papel Simão. Além disso, o grupo expandiu suas atividades para a agroindústria, fundando a Citrovita. Na mesma época, abriu o primeiro empreendimento fora da indústria, com a fundação do Banco Votorantim. 212 Outro ponto a ser destacado foi a hesitação do grupo em expandir internacionalmente. De acordo com seu amigo José Pastore, Antônio Ermírio nunca cogitou investir no exterior. No final da década de 1980, chegou a ser procurado pelo embaixador da União Soviética para instalação de uma subsidiária da Votorantim naquele país e, de acordo com seu biógrafo José Pastore, o empresário assim se pronunciou: “Tive uma ótima impressão do embaixador. Vou analisar seu convite com respeito e atenção, mas adiantei a ele que ainda temos muita coisa a fazer para ajudar o Brasil”. O objetivo principal e enraizado na organização de investir e contribuir para o desenvolvimento do Brasil pode ter tido um peso na relutância de Antônio Ermírio em partir para o exterior. Dessa forma, o processo de internacionalização do grupo só foi iniciado em 2001, após o falecimento de José Ermírio Filho e Clóvis Scripilliti e a passagem bastão de Antônio Ermírio para a nova geração. Nesse ínterim, no entanto, é possível destacar a existência de movimentos estratégicos dos grandes players da indústria de cimentos, o principal negócio do grupo. A mexicana Cemex, por exemplo, começou o seu processo de internacionalização em 1992, com a aquisição de duas das principais cimenteiras espanholas. Nos anos seguintes, faria outras aquisições na Venezuela, República Dominicana e Colômbia, se tornando a terceira maior fabricante do mundo. Ainda antes da virada do século, a empresa mexicana expandiria suas atividades para Ásia e África, fazendo aquisições nas Filipinas, Indonésia e Egito. Já a francesa Lafarge se tornou a maior produtora de cimento da América do Norte em 1980. Cinco anos depois, iniciaria suas operações na África e, em 1994, chegaria até a Ásia com operações na China e, posteriormente, na Índia e na Coreia do Sul. Assim, é possível constatar que o passo dado pela Votorantim foi tardio. Esse entendimento também foi destacado por um dos depoentes: “O primeiro presidente da Votorantim Cimentos foi o engenheiro Vilar, foi que a gente entrou em um processo de internacionalização e apesar de nós sermos orgulhosos disso, nós entramos com atraso. Quando nós entramos, esse movimento mundial, a gente demorou um pouco a perceber que a gente ou entrava nisso ou a gente seria engolido, a gente seria comido. Ou a gente compra ou a gente será comprado. Então quando juntou a Votorantim Cimentos, em uma das primeiras reuniões, eu lembro muito bem que isso fica claro, a Votorantim tinha que seguir um caminho da internacionalização porque os principais grupos, que eram os grupos concorrentes nosso a nível mundial: o Grupo Heidelberg, o grupo Cemex e o grupo Lafarge, ele já tinham comprado em diversos países, diversas empresas de cimento. Quando a Votorantim acordou para isso, os melhores projetos, as melhores plantas, o pessoal já tinha comprado. 213 Então foi a percepção da Votorantim Cimentos na época, que a gente estava entrando um pouco atrasado” (ENTREVISTADO 4). Por esse motivo, a organização realizou um processo de forte expansão a partir de 2001 com a realização de investimentos na indústria de cimentos dos EUA. Posteriormente, ampliou, também, os negócios no setor de metais e siderurgia. Portanto, constata-se que, de certa forma, a organização perdeu nas últimas décadas, sua versatilidade para encontrar oportunidades lucrativas - seja em indústrias relacionadas ou através de expansões para outros mercados - no timing adequado. Com o atraso na expansão internacional, a empresa acabou realizando suas principais aquisições entre 2001 e 2007, justamente no período de grande aquecimento da economia mundial, no qual os preços das commodities subiram significativamente puxados principalmente pelo forte apetite da economia chinesa. Dessa forma, as aquisições foram realizadas em momentos de alta dos preços: Cajamarquilla, no Peru em 2004; US Zinc, AcerBrag e Acerias Paz del Rio em 2007; e Aracruz em 2008. O Anexo 9 apresenta o histórico do preço de commodities relacionadas às operações da empresa, no qual é possível verificar o comportamento dos preços. Portanto, com esses movimentos em um período pré-crise e de alta dos preços, a Votorantim acabou aumentando significativamente o seu nível de endividamento. Assim, no momento de crise, o grupo acabou não conseguindo realizar movimentos de expansão, diferentemente de outros tempos. Essa perda de oportunidade em uma janela com ativos desvalorizados foi destacada por um dos entrevistados: “Mas, se você pegar o próprio planejamento da empresa indicava há alguns anos atrás já, a questão de timing de aproveitar a crise mundial onde demais empresas no mundo afora deram uma desvalorizada por conta da queda de mercado e a gente estava “bombando” aqui. Diversos delas foram feitos, de compras de empresa, fusões, aquisições, etc. E na minha humilde opinião, igual eu falei aqui embaixo na cadeia, eu acho que a gente participou muito pouco desse processo. A gente muito mais assistiu do que qualquer outra coisa. Foi uma perda de momento significativa. Não sei nem se está rolando alguma coisa. Não sei. Mas a sensação que eu tenho é essa. Igual você vê uma Lafarge e uma Holcim se fundindo e eu acho que a gente meio que perdeu essa janelinha de oportunidade que a crise gerou” (ENTREVISTADO 13). 214 c) Capacidade de Levantar Recursos Uma característica percebida ao longo da trajetória do grupo está relacionada à austeridade na aplicação dos seus recursos. Isso fez com que em grande parte de sua história, a Votorantim apresentasse uma aversão ao uso do capital de terceiros. Assim, os lucros reinvestidos se tornaram a principal fonte para o crescimento da empresa. Esse perfil também está no imprinting da organização e remete à aquisição da fábrica têxtil Votorantim por Antônio Pereira Ignácio em 1918. Como a empresa vinha em grandes dificuldades financeiras, o empresário levantou capital para comprar a fábrica de seus sócios e assim deter o controle sobre a unidade. Sendo o acionista único da Votorantim, Pereira Ignácio pôde reinvestir todos os lucros para recuperar a fábrica. Além disso, para capitalizar a empresa, começou a vender terrenos que tinha na cidade de São Paulo. Apesar da preferência pelo uso de capital próprio, a Votorantim desenvolveu reputação para conseguir captar recursos no mercado com o intuito de viabilizar os seus empreendimentos. Nos primeiros anos de operação da Nitro Química, os custos de instalação em decorrência da alta complexidade do negócio aliados aos prejuízos operacionais no início da operação drenaram todo o capital empregado pela Votorantim e Klabin. Por isso, foi necessário captar empréstimos que totalizavam sessenta mil contos de réis. O complicado processo de instalação da CBA traria um resultado semelhante. Com a necessidade de construir a usina hidrelétrica para abastecer a fábrica, Antônio Ermírio teve que recorrer a financiamentos para conseguir completar ambos os projetos. Como resultado, no início da operação as dívidas acumulavam dezesseis meses de faturamento. A partir deste momento, é possível verificar que a empresa passou a recorrer ao BNDE para financiar seus projetos de expansão, sendo que nem todos os pedidos foram bem sucedidos. A Votorantim acabou tendo dois projetos recusados pelo banco. O primeiro relacionado à instalação da Companhia Níquel Tocantins, quando o motivo alegado pelo BNDE foi a falta de capacidade técnica para instalação da unidade. Anos depois, seria a vez do projeto referente à implantação da CMM ser recusado. Apesar disso, a Votorantim colocou ambos os projetos em execução com capital próprio. Outros projetos da época foram realizados com o apoio do BNDES, no entanto. Entre eles, destaca-se a instalação de uma nova sala de eletrólise com capacidade de produção de 80 mil toneladas anuais de alumínio em 1973. Com investimentos de 160 milhões de dólares, 30% dos recursos foram financiados pelo banco. No início da 215 década de 1980, também seriam captados recursos para o desenvolvimento de projetos de racionalização de energia em fábricas de cimento. A partir da década de 1990, a organização também conseguiria obter acesso ao mercado de crédito internacional. Em 1997, captou US$ 600 milhões com o objetivo de formar um colchão para atuar nos leilões de privatização. No mesmo ano, o Banco Votorantim fez o lançamento de Eurobonds no valor de US$ 400 milhões. Entre 2005 e 2007, a Votorantim recebeu a classificação de investment grade das três principais agências de risco (Moody´s, Fitch e Standard & Poors), obtendo novas perspectivas de financiamento a juros mais baixos. Durante o processo de internacionalização, a Votorantim também financiou os seus projetos principalmente através de capital de terceiros. O excesso de endividamento e a deterioração de algumas unidades do grupo trouxeram alguns problemas em relação à capacidade do grupo de continuar levantando recursos. Isso pode ser evidenciado em dois processos frustrados dos dois principais negócios do grupo. Em 2013, um plano de abertura de capital da VC que visava captar cerca de R$ 10 bilhões foi cancelado em virtude da baixa expectativa diante de um mercado financeiro pouco aquecido no país. O capital seria utilizado para a realização de novos investimentos no Brasil e no exterior. No mesmo ano, o Banco Votorantim que vinha de anos sucessivos de prejuízo e o Banco do Brasil (que já havia adquirido 50% das ações da empresa em 2009), negociaram a aquisição de mais 25% de participação do banco estatal, mantendo, ainda, 50,01% das ações ordinárias com a família Ermírio de Moraes para não caracterizar uma estatização. Ou seja, a Votorantim receberia uma nova injeção de recursos, sem perder o controle do negócio. Entretanto, divergências entre as partes, acabaram cancelando o negócio. d) Julgamento Conforme discutido anteriormente, a austeridade e a análise prévia dos negócios estão no imprinting da Votorantim. Assim, é possível destacar evidências que indicam a preocupação em avaliar os empreendimentos previamente. Quando resolveu dar um passo mais largo na indústria de algodão e fundar a Fábrica e Óleos Santa Helena, Pereira Ignácio foi para os EUA trabalhar como operário em uma fábrica, onde pode conhecer a fundo os processos produtivos e os equipamentos utilizados pelos americanos. Quando já tinha o conhecimento necessário, voltou para o Brasil com máquinas que importou de lá. Anos mais tarde, essa preocupação foi novamente percebida durante o processo de aquisição da fábrica Votorantim. Antes da aquisição, Pereira Ignácio se 216 tornou arrendatário da unidade, podendo, assim, conhecer a fábrica, minimizando a sua exposição ao risco do negócio. Três anos depois, faria a aquisição definitiva em parceria com outros sócios. Durante o processo de compra, Pereira Ignácio foi para os EUA buscar soluções para os problemas financeiros do grupo. Portanto, as evidências indicam que Pereira Ignácio buscava coletar informações sobre os empreendimentos, buscando analisar e compreender melhor esses negócios para, aí sim, coloca-los em prática. Posteriormente, José Ermírio de Moraes manteria a mesma prática quando realizou os investimentos na indústria de base. Na instalação da Siderúrgica Barra Mansa, por exemplo, a empresa começaria fabricando apenas ferro-gusa, o mais simples produto siderúrgico. Com isso, seria possível montar altos-fornos com a tecnologia existente no Brasil, o que implicava um mínimo de importações. Apenas em meados da década de 1940, mais de cinco anos após a inauguração da usina é que o grupo passaria a fabricar aço. Os longos processos de implantação das unidades de metais também evidenciam a austeridade e a capacidade desenvolvida pela Votorantim para avaliar os seus empreendimentos e implantá-los no momento mais adequado. A CBA, que foi a primeira das fábricas desse segmento, começou a ser planejada em 1941. Entretanto, com as dificuldades em conseguir comprar tecnologias e equipamentos, o negócio seria postergado. Quando finalmente foi possível encontrar um projeto viável, ainda levaram-se três anos até o negócio ser iniciado. A capacidade de julgamento também é evidenciada no processo de implantação da CMM. Em 1957, a empresa adquiriu uma mina no Estado de Goiás, iniciando os estudos geológicos para exploração e de potencial energético da região. Em 1970, a Votorantim colocaria em funcionamento uma usina piloto. Três anos depois, solicitaria um financiamento junto ao BNDE para colocar a “Niquelândia” em produção. O objetivo da empresa era produzir cinco mil toneladas, volume suficiente para suprir o consumo brasileiro. Todavia, o banco estatal queria que a empresa produzisse vinte mil toneladas anuais. Julgando que o volume era muito alto para o início do projeto, a Votorantim recusou a proposta e tocou o projeto com recursos próprios, mantendo o plano de produção inicial. Em 1969, na carta escrita por José Ermírio de Moraes aos seus herdeiros, o empresário daria um forte direcionamento para que o grupo também evitasse um excesso de exposição ao risco da organização: “Desejo chamar a atenção de vocês, neste mais solene momento dos meus 70 anos de vida, que nenhum negócio deve abranger mais de 50% dos nossos recursos. Quem não diversificar a sua produção, 217 mais cedo ou mais tarde terá anos difíceis e de sacrifícios inúteis. Vejam o que está se passando agora com as grandes empresas americanas, inclusive os produtores de petróleo que, possuindo o maior e melhor negócio do mundo, já estão entrando no campo dos fertilizantes, da metalurgia e dos produtos químicos, principalmente da petroquímica.” A partir do processo de internacionalização, no entanto, alguns fatos sugerem uma redução dessa austeridade, resultando em movimentos que trouxeram para a Votorantim um excesso de exposição do risco. Vale destacar que esses problemas estão ligados mais às operações financeiras do que com as atividades operacionais do grupo. Aproveitando a expansão do crédito, a empresa realizou uma grande expansão no início do século. Em 2003, a BF Financeira chegou a vinte e três pontos de venda no país, fazendo a carteira de créditos crescer 72,4% no ano, atingindo R$ 2,9 bilhões. Nos dois anos seguintes a empresa abriria mais trinta e quatro lojas, ganhando uma grande participação no mercado de financiamento de veículos. Após o estouro da crise, no entanto, a empresa começou a sofrer com o aumento da inadimplência. Em 2012, o Banco Votorantim teve um prejuízo de R$ 1,9 bilhão. Foi o segundo resultado negativo seguido da companhia. Já a provisão para créditos de liquidação duvidosa chegou a R$ 5,4 bilhões, mais de dois bilhões acima do ano anterior. Esse problema foi destacado no Relatório Anual de 2012: “A inadimplência no mercado de financiamento de veículos, no qual o Banco possui forte presença, dobrou de patamar em 2011 (2,5% em dezembro de 2010; 5,0% em dezembro de 2011) e atingiu 6,1% em maio de 2012, recorde da série histórica do Bacen. Após 17 meses de altas consecutivas, no segundo semestre e de 2012 a inadimplência começou a ceder, mas encerrou 2012 ainda no elevado patamar de 5,3%”. Além disso, em 2013 o banco ainda teve que garantir uma fiança bancária concedida a uma das empresas do Grupo X de Eike Batista. O empréstimo de R$ 548 milhões concedidos pelo BNDES à OSX, empresa de construção naval do grupo EBX, venceu em novembro de 2011 e foi executado pelo banco estatal, fazendo com que o Banco Votorantim tivesse teve que honrar o pagamento. Outra evidência que sugere a carência da capacidade de julgamento está relacionada à exposição com derivativos durante a crise de 2008, quando o grupo precisou gastar R$ 2,2 bilhões para eliminar totalmente a sua exposição a derivativos cambiais. Na mesma época, a VCP realizou a aquisição da Aracruz Celulose que também havia reconhecido perdas de R$ 1,95 bilhão em decorrência da exposição cambial. Portanto, em um período de crise e com redução do nível de crédito 218 internacional, a Votorantim obteve perdas financeiras significativas que reduziram, inclusive, a sua capacidade de realizar investimentos. Em 2009, esses episódios levariam à criação de uma Diretoria de Gestão de Riscos subordinada ao Conselho de Administração da VPar com o intuito de oferecer suporte na análise e gestão de riscos corporativos das diferentes unidades de negócio. 7.2.2 Desafio da Navegação no Ambiente A análise dos fatos e eventos da Votorantim permite constatar o desenvolvimento de uma capacidade de navegar em um ambiente dinâmico de forma a garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. Parte disso está relacionada ao fato de a Votorantim ter conseguido desenvolver uma estratégia de campeãs do setor. Isto é, as principais empresas do grupo atingiram posições dominantes em seus respectivos mercados. Além disso, Votorantim também realizava movimentos estratégicos justamente em momentos econômicos mais complicados, quando havia excesso de oferta de ativos a preços mais baixos. Apesar disso, fatos recentes indicam, também, uma redução dessa capacidade, com a empresa ocupando posições secundárias no cenário global em seus principais negócios. a) Captura de Valor Assim como no caso da Matarazzo, a Votorantim foi uma das pioneiras no processo de industrialização brasileiro. Dessa forma, diante de um ambiente industrial muito frágil, a companhia precisou desenvolver mecanismos para conseguir capturar valor no mercado. Vale destacar, no entanto, que esses mecanismos agiam mais como uma proteção em relação a uma possível escassez de recursos do que em virtude de movimentos da concorrência - já foi discutido anteriormente que em muitos mercados a competitividade entre as empresas só ocorreria de fato a partir da década de 1930. Pereira Ignácio desenvolveu o seu grupo industrial com base na indústria do algodão. Inicialmente, procurou extrair óleos, mas com a concorrência muito forte da Matarazzo, acabou transferindo a sua produção para o setor têxtil. Para garantir o abastecimento, também desenvolveu estratégias para compra e venda a prazo com preços pré-fixados das safras seguintes de algodão. Assim, conseguiu ganhar escala e se tornar o principal produtor brasileiro entre a década de 1920 e a Segunda Guerra Mundial. Durante os anos 20, é possível constatar que Pereira Ignácio seguiu estratégias similares às empregadas pela IRFM na mesma época: Após comprar a fábrica têxtil Votorantim, construiu uma ferrovia particular para integrar a sua unidade 219 ao centro de Sorocaba, fazendo a integração com a ferrovia Sorocabana, facilitando, assim, o escoamento de sua produção. Durante a crise de 1929, quando também havia aumentado os atritos entre importadores a atacadistas, a Votorantim criou centros de distribuição próprios, se voltando para os mercados de Rio e São Paulo. A decisão significava confrontar os comerciantes, mas era a única forma de garantir um volume de recurso capaz de manter a produção. Conforme já discutido, durante a década de 1930, o perfil da indústria brasileira começou a mudar. O setor têxtil começou a perder relevância e outras indústrias começaram a se formar. Diferentemente da IRFM que havia se diversificado e já atuava em diversos setores, os negócios da Votorantim estavam concentrado na indústria têxtil. Dessa forma, sob o comando do engenheiro José Ermírio de Moraes, a empresa começou a migrar para a indústria de base. Portanto, destaca-se mais uma vez que a Votorantim foi protagonista em uma fase importante da industrialização brasileira. O principal movimento estratégico foi feito na indústria cimenteira. No início da década de 1930, a produção de cimentos no Brasil era praticamente inexistente e 80% da demanda era atendida por produtos importados, o que trazia dificuldades para o consumo, pois a vida útil do produto é de aproximadamente três meses. Já em 1960, já não se importava cimento no país e a Votorantim havia se consolidado como o principal produtor brasileiro. Para conseguir isso, José Ermírio de Moraes adotou uma estratégia de first mover. Ou seja, a Votorantim foi pioneira no investimento em produção e distribuição, conseguindo obter economias de escopo e escala. Após montar a fábrica de cimento Santa Helena em 1936, a Votorantim logo se preocupou em “ocupar espaços” no mapa brasileiro. Em 1940, chegou ao Nordeste criando a marca Poty, com fabricação em Pernambuco. Três anos depois, a expansão se daria para o Sul com a fundação da Companhia Catarinense de Cimento Portland, marcando a presença do grupo nas três regiões mais desenvolvidas do país. Para garantir a venda dos seus produtos, junto com a instalação das fábricas, a Votorantim planejava a construção de centros de distribuição. Em 1967, por exemplo, quando inaugurou a Cimento Portland Sergipe em Aracaju, a empresa construiu depósitos nas cidades de Salvador, Feira de Santana, Itabuna e Vitória da Conquista. Em 1974, a rede de distribuição de cimentos e agregados do grupo chegariam a 129 unidades. O mesmo destaque pode ser dado aos negócios de metais, nos quais a Votorantim rapidamente se posicionou entre os principais produtores de alumínio, níquel e zinco. Dessa forma, fica evidente o objetivo de colocar a Votorantim em 220 posição de destaque nos negócios em que atuava. Uma exceção a Siderúrgica Barra Mansa que, embora pioneira, foi perdendo espaço na medida em que eram criadas empresas estatais para atuar no setor como a Companhia Siderúrgica Nacional (1941), a Acesita (1944) e a Usiminas (1956). Na década de 1970, quando havia concluído os projetos de implantação dos negócios no setor de metais, além de líder na produção de cimentos, a Votorantim também produzia 36% do zinco e 85% do níquel no país e a CBA era a segunda maior metalúrgica do Brasil, atrás apenas da Alcan. No final da década de 1970, a economia brasileira começou a desacelerar e a indústria nacional foi seriamente impactada. O vigor demonstrado pela construção civil durante o governo militar perdeu força afetando diretamente a indústria cimenteira, conforme destacado por um dos entrevistados: “Na verdade, nos anos 70 e comecinho dos anos 80, eu acho que a produção - você deve ter dados históricos guardados - a produção de cimento no Brasil chegou a 26 milhões de toneladas. Foi um pico. A partir daí passamos dez anos só caindo. O consumo que era 26 milhões de toneladas. Perceba o seguinte que esse consumo de 26 milhões de toneladas ele era um consumo de obras, não era o tal do consumo formiga como foi os anos seguintes. O que é o consumo formiga? O consumo formiga é cada um indo comprar um saquinho de cimento que nem uma formiguinha, levando para casa para fazer uma reforminha. Então nós saímos de um período onde eu tinha 26 milhões de toneladas, mas o brasileiro não comprava cimento para fazer reforma, para um outro período em que a indústria parou de fazer grandes obras e o grande comprador de cimento, o perfil começou a mudar. O grande empreiteiro para o consumidor formiga. Na verdade até hoje existe esse reflexo. As grandes obras são poucas. Existe alguma ou outra meio monstruosa, mas as grandes obras paralisaram depois dos anos 70. E aí o consumo de 26 milhões de toneladas, em alguns anos... eu não lembro, precisar exatamente até quando, mas se precisar eu tenho como encontrar isso daí, ele caiu até 18 milhões de toneladas na década de 80” (ENTREVISTADO 4). Apesar do baixo rendimento do setor, a Votorantim seguiu fazendo investimentos e ampliando a sua participação na indústria através da instalação de uma nova fábrica na Paraíba em 1983 e da aquisição, três anos depois, da Cimento Santa Rita que tinha três fábricas no Estado de São Paulo. Dessa forma, em momentos de dificuldade, a Votorantim buscava se fortalecer, mostrando uma capacidade de navegação em um ambiente dinâmico. “Aí eu acho que é onda está a inteligência do Antônio Ermírio. Ele pegava esse período que estava estagnado, que não tinha... Ele sabia que a economia estava estagnada, aí que ele crescia, cara. Impressionante. Aí que ele fazia ampliação. Porque daí ele comprava material a preço de banana. Daí quando ele queria crescer, ele crescia exatamente na crise. Era uma filosofia impressionante, o 221 negócio dele. Porque daí ele sabia que tinha a disposição dele tudo que ele precisava. Então tava em crise, tinha disponibilidade de tudo o que ele precisava, que ele queria, o pessoal fornecia para ele. Mas por quê? Porque ele tinha o dinheiro, ele bancava né” (ENTREVISTADO 7). Com os outros negócios também afetados, a Votorantim foi buscar no exterior um destino para os seus produtos. Em meados da década de 1980, a exportação passou a representar 60% das vendas da CBA. Esse processo persistiu até o lançamento do Plano Real, quando 55% do níquel e 30% do aço eram vendidos para o exterior. A expansão para o agronegócio também fortaleceu as exportações do grupo, uma vez que a maior parte do suco de laranja produzido era exportada para o Japão, EUA e Europa. Para realizar as operações, a empresa construiu três terminais de exportação: um em Santos, outro nos Estados Unidos e o último na Bélgica. Em 1992, foi criada e Votorantim Internacional, uma divisão específica para representar as empresas do grupo junto a clientes estrangeiros. Com a nova moeda lançada em 1994, o Brasil adotou o câmbio fixo, fazendo com que o Real ficasse artificialmente valorizado em relação ao dólar. Com isso, houve perda de competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Na mesma época, o grupo teve que abandonar o setor têxtil. Antônio Ermirio de Moraes falou sobre os problemas enfrentados pela Votorantim na época: “Você não podia exportar, então tinha que limitar sua produção ao mercado interno que também estava fraco. E além do mercado fraco, o grande problema brasileiro é creditício. [...] Competir com juros 400% mais caro que os juros lá fora? Competir com os nossos portos ineficientes e caros. Para competir, você tem que ter pelo menos condições e igualdade. [...] Lá fora, não tomar dinheiro emprestado é burrice, aqui é suicídio. Fazer empreendimentos com que tem uma maturação de quatro, cinco anos para serem executados... Aqui você tem do seu resultado, você tem que reaplicar pelo menos 90% para fazer suas próprias expansões”. A partir do final da década de 1990, a Votorantim começou a implementar ações visando a captura de valor. Entre as iniciativas, destacam-se, por exemplo, os processos visando aumentar a padronização dos produtos. A VCP, por exemplo, passou a fazer o uso intensivo de técnicas de clonagem, trazendo maior uniformidade às árvores, beneficiando o plantio, o corte, e o armazenamento e transporte. Na indústria de cimentos, realizou a padronização do design gráfico das embalagens de todas as linhas com o intuito de garantir a unidade e facilitar o reconhecimento pelos consumidores. 222 Visando fortalecer a capacidade de exportação, a VCP e a Citrovita, realizaram adequações nas suas estruturas logísticas, com o intuito de facilitar o escoamento da produção. Finalmente, a Votorantim conseguiu fechar contratos de fornecimento de energia em condições mais vantajosas do que as que eram obtidas no mercado. Em 1996, Furnas e a Cia Níquel Tocantins anunciaram um acordo inédito para o fornecimento de energia elétrica através de um contrato de três anos de duração. Foi o primeiro acordo para a venda de energia da estatal para um consumidor industrial. Vale destacar, que o forte movimento de investimento em energia criaria uma forte proteção para a empresa, uma vez que em 2001 o país atravessaria um período de escassez de energia. Em 2001, quando o Brasil passou por um racionamento, a Votorantim lançou um novo programa de construção de hidrelétricas que visava elevar a capacidade de geração própria de energia de 35% do seu consumo total para 60%. No processo de internacionalização realizada pela VC, a Votorantim realizou grandes investimentos na América do Norte, conquistando a liderança da produção de cimento no Canadá e Região dos Lagos. No mercado interno, houve uma pequena redução da participação que chegou a ser de 40% no final da década de 1970 e passou para 35%. Entretanto, do ponto de vista global, a entrada tardia no processo de internacionalização, colocaram a empresa em um papel competitivo secundário. A empresa está entre as vinte maiores produtoras, mas com um volume muito inferior às líderes globais (ver Anexo 10), principalmente porque a indústria mundial vem passando nos últimos anos por processos de integração. Em 2014, por exemplo, Lafarge e Holcim anunciaram uma fusão, criando a maior empresa do mundo no setor, com volume de produção dez vezes maior do que a empresa brasileira. No setor de metais, o principal movimento foi realizado na produção de Zinco. Com a aquisição das peruanas Cajamarquilla e Milpo e da US Zinc, a VM se tornou a 5a maior produtora global de zinco. Na produção de níquel, a Votorantim divide a produção brasileira com a Anglo American que iniciou suas operações na década de 1980. Com a aquisição da Mineração Serra de Fortaleza, em 2003, a VM conseguiu atingir uma participação de 60% na produção nacional. Entretanto, devido à baixa demanda mundial, a empresa paralisaria a produção nessa unidade em 2013. No nível internacional, no entanto, não se situa entre as maiores produtoras do metal. No alumínio, a CBA se consolidou como a maior produtora brasileira (foi a fábrica brasileira que mais expandiu no período conforme apresentado na tabela 7-9) e a maior fábrica integrada do mundo. No entanto, também na dimensão internacional, 223 a VM tem uma posição tímida em relação às principais fabricantes mundiais de alumínio com uma produção de apenas 10% do volume das líderes. Tabela 7-9 – Evolução da produção brasileira de alumínio primário segundo entre 2000 e 2009 (em mil t) Fonte: BNDES (2009) Portanto, verifica-se que assim como em cimentos, na indústria de metais a Votorantim não conseguiu manter uma posição global de destaque - as listas com os principais produtores de alumínio, zinco e níquel do mundo podem ser encontradas no Anexo 11. Uma exceção está relacionada à Fibria que se tornou a principal produtora de celulose no Brasil (Anexo 12) e do mundo, embora esse negócio tenha um papel menor do que os outros dois já citados. Esse movimento ainda marcou a saída da empresa do ramo de papel, reafirmando a estratégia de investir em commodities: “O grupo Votorantim teve uma decisão estratégica que foi acertada que foi a saída do negócio papel. Então, a VCP era uma empresa de celulose e papel e a Aracruz era uma empresa só de celulose. E a gente viu que a nossa vocação e a vocação do grupo é para commodity e o papel foge um pouco dessas características, porque você já vai quase ao consumidor final. Você vai para um papel A4 e tem toda uma cadeia de distribuição, a linha de produção, variedade de produtos. É tão complexo que a gente falou: Não é para a Fibria” (ENTREVISTADO 12). Portanto, apesar dos aumentos de capacidade realizados, verifica-se que a empresa não conseguiu adquirir uma posição mundial de destaque nos seus principais negócios (Cimentos e Metais). Essa evidência se agrava quando se verifica a composição da geração de caixa do grupo. Conforme apresentado no gráfico 7-7, a Votorantim Cimentos responde com mais da metade do EBITDA da VID, com a VM representando 20%. 224 Gráfico 7-7 – Composição do EBITDA da VID em 2012 Fibria 13% Metais 20% Cimentos 60% Siderurgia 7% b) Legitimidade A história da Votorantim evoca a existência de figurar importantes da indústria brasileira. Como líderes empresarias de suas respectivas épocas, ajudaram a trazer legitimidade para o grupo no ambiente organizacional. Esse traço é identificado desde os primeiros anos de atividades do grupo, sob o comando de Antônio Pereira Ignácio. Ainda durante a década de 1910, ele se tornou o principal fornecedor de fios de algodão para as fábricas têxteis, passando a ser chamado de O Rei do Algodão. Com a sua ascensão industrial, a Votorantim, assim como a IRFM, passou a fazer parte da liderança industrial de São Paulo. A empresa concebeu junto com a Klabin e a Matarazzo, o manifesto que deu origem à CIESP e José Ermírio de Moraes fez parte da primeira diretoria. A aproximação com a Klabin levaria as empresas a criarem de forma conjunta a Nitro Química para fabricar rayon que, até então, era monopolizado pela Viscoseda, da IRFM. Vale destacar que antes da implantação da fábrica, José Ermírio compareceu ao Conselho Federal de Comércio Exterior, onde lutou e conseguiu que a fábrica recebesse tratamento tributário de um bem de capital e, assim, tivesse isenção na tarifa de importação. Nessa época, a Votorantim fez movimentos que ajudaram a trazer notoriedade ao grupo. Em 1938, dois anos após o seu lançamento, o cimento Votoran foi utilizado em uma das principais obras públicas de São Paulo, o Viaduto do Chá, ajudando a fortalecer a percepção de qualidade do produto. Dois anos depois, firmou uma parceria de vendas com a José Kalil, uma tradicional loja de comércio de tecidos da Rua 25 de março, para a venda de grande parte de sua produção têxtil. 225 A partir da década de 1930, o nome Ermírio de Moraes ganharia um grande destaque no cenário econômico e industrial brasileiro. Os membros da família passaram a ocupar o cargo de presidência em importantes instituições como a Bovespa (1950), Fiesp/Ciesp (1960), Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (1961) e Associação Brasileira de Cimento Portland (1967). Além disso, cabe destacar que José Ermírio de Moraes chegou a ser Ministro da Agricultura e Senador por Pernambuco durante a década de 60. Durante a década de 1950, a organização enfrentou uma das principais crises de sua história, com um desfecho favorável, indicando a construção de uma legitimidade junto aos principais stakeholders do grupo. Nelson Teixeira, com mais de sessenta anos de atuação no grupo, falou sobre o episódio: “O momento mais difícil que eu passei na Votorantim foi no ano de 1954. Era um domingo à noite, assistindo à Televisão Tupi, a programação foi interrompida com um anúncio que seria dada uma mensagem do diretor da rede. Para minha surpresa foi deflagrada a mais longe e infame de todas as campanhas, quando o jornalista Assis Chateaubriand declarou que a Votorantim estava à beira da falência. Posso afirmar que talvez tenha sido uma das piores noites da minha vida, porque eu sabia que no dia seguinte teria uma repercussão muito grande daquelas palavras, daquelas mensagens. Mas, para minha surpresa, no dia seguinte foi uma das maiores emoções da minha vida. Ao invés de ligações ou questionamentos, nós tivemos a solidariedade de toda a comunidade, dos nossos clientes, dos nossos fornecedores, dos banqueiros que hipotecaram toda a solidariedade a nós, e dispostos a darem a nós a colaboração e indignados com uma campanha tão torpe como aquela que tinha sido lançada na noite anterior”. Após o falecimento de seu pai, Antônio Ermírio de Moraes se alçou como principal figura do grupo. Entre as décadas de 70 e 80, o empresário foi escolhido por dez anos consecutivos como o maior líder empresarial do Brasil no balanço anual da Gazeta Mercantil. Nessa época, destacam-se as aparições do empresário na mídia, fazendo críticas e análises sobre os problemas brasileiros. Nas suas explanações, costumava ainda atacar os bancos. Disse em 1983: "Vocês já viram qualquer pressão contra os banqueiros?". Em 1984, criticou a criação da construção pelo governo, da Aço Minas, que custaria mais de US$ 5 bilhões aos cofres públicos. Chegou-se, ainda, a cogitar nos veículos de comunicação que Antônio Ermírio foi convidado para presidir a Petrobrás no governo Tancredo Neves. A influência conquistada e a força das análises e opiniões do líder da Votorantim, porém, traria certas dificuldades junto ao governo. Durante muito tempo a empresa se viu em meio a acusações de formação de cartel. Durante o governo Collor, as críticas se acirraram e o presidente se referia a Antônio Ermírio como “o 226 homem dos cartéis”. Em 1991, o empresário chegou a ir ao encontro da ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, para apresentar os preços do cimento: "- Vim mostrar a ela os reais valores cobrados no mercado interno para que possa compará-los ao do exterior [...] A produção de cimento está sendo comercializada a US$ 70 a tonelada, enquanto na Argentina e no Uruguai, o similar custa US$ 110. Questionado sobre a existência do cartel na época, Antônio Ermírio negou a existência de conluios, embora tenha dito que: - Se conversa, se sabe os preços dos outros". As acusações de cartelização, no entanto, também são evidências que mostram a capacidade da Votorantim em moldar a indústria cimenteira a seu favor. Bonelli (1998) chegou a apontar que para manter a rentabilidade durante a década de 1980, a Votorantim conseguiu reajustar seus preços acima da inflação. Apesar de não ter sido possível comprovar essa afirmação, evidências sugerem que desde que assumiu a liderança do setor na década de 1950, a indústria cimenteira se manteve no limite da capacidade produtiva, gerando momentos de escassez que podem ter contribuído para pressionar os preços. Em 1954, a indústria de cimento de São Paulo atravessou uma grande escassez de oferta, fazendo com que o governo considerasse importar o produto para satisfazer a demanda. Entretanto, um acordo entre o Sindicato dos Atacadistas de material de construção e a Votorantim e outra fabricante, a Perus, garantiu o suprimento em caráter emergencial para os distribuidores de cimento. No final da década de 1970, quando a economia desacelerava, a indústria do cimento também passou por uma nova escassez. Segundo José Ermírio de Moraes Filho, isso ocorreu pela queda da rentabilidade do setor a partir de 1974, com o controle de preços feito pelo governo. A previsão era de que em 1984 o déficit de produção chegasse a 4 milhões de toneladas. O depoimento de Valdemar Martinez, que atuou no grupo desde a década de 1950 e foi assessor da diretoria, também corrobora essas evidências: “O grupo nunca deixou de responder a essa necessidade de crescimento, mas sempre havia defasagem entre a hora que nós tínhamos os equipamentos prontos, funcionando e produzindo, e a hora em que o mercado já estava precisando daquela produção. Então nós tínhamos essas épocas em que o mercado precisava de mais cimento do que nós tínhamos para vender. Nós e os outros fabricantes. A política da Votorantim sempre foi a de manter a sua participação no mercado, sempre de fazer com que a sua produção crescesse na medida em que o consumo crescesse” O histórico de produção e demanda de cimento no Brasil é apresentado no Anexo 10, no qual se verifica a inexistência de excesso de oferta nessa indústria ao longo das décadas. 227 Apesar de toda essa influência, os Ermírio de Moraes procuravam desenvolver a sua organização o mais independente possível do governo. Dessa forma, não foram encontradas evidências que demonstrem uma forte influência no ambiente institucional, ou seja, na definição de leis, ou concessão de benefícios diretos ou indiretos para o grupo. Pelo contrário, os relatórios da empresa atacavam fortemente as vantagens oferecidas para as empresas multinacionais. Antônio Ermírio também atacava constantemente as benesses concedidas para as empresas, destacando a sua crença na competitividade. Em 1987, na solenidade 30 anos de sociedade de Beneficência Portuguesa, o empresário falou: “O incentivo é um convite à desorganização e à ineficiência”. Esse estilo direto e pouco perfil político acabou pesando, também, no processo de privatização da Vale. No início do consórcio formado pela Votorantim para a aquisição da estatal, estavam Bradesco e CSN que acabaram criando um novo grupo com participação da Previ. Antônio Ermírio chegou a reclamar com o presidente FHC sobre a exagerada concentração de fundos públicos no consórcio Brasil. Assim, a Votorantim ficou com a japonesa Mitsui como principal parceiro, que ajudou a frear o ímpeto da empresa pela aquisição. Enquanto isso, Benjamin Steinbruch tinha ao seu lado os principais fundos de pensão do Brasil, com grande poder aquisitivo. Delfim Neto apresentou uma comparação entre os dois empresários que destaca justamente esse perfil político de Steinbruch e que era carente por parte de Antônio Ermírio: “São perfis diferentes. O Antônio Ermírio, [apesar de ser] herdeiro, pôs a mão na massa do negócio familiar, fez o bolo crescer e, se preciso for, assume a direção de uma fábrica de cimento sabendo dar ordens. Já o Steinbruch é hábil para fazer política dentro dos conselhos de administração, sabe vender seu peixe no exterior e tomar empréstimos lá fora, [o que lhe permite] crescer além de suas possibilidades”. No início do século XX, com o falecimento de José Ermírio de Moraes Filho e a passagem de bastão, a Votorantim passaria a perder gradativamente a figura de um grande líder que sempre marcou a história do grupo. Apesar disso, em 2005, a organização recebeu o Prêmio IMD destinado a empresas de controle familiar com comprovado nível de desempenho, sustentabilidade, presença internacional e de grande responsabilidade social. Foi a primeira instituição latino-americana a receber a premiação. Em 2008, foi incluída pelo Boston Consulting Group como uma das cem companhias de países emergentes capazes de competir com multinacionais dos países ricos. 228 Entretanto, a falta dessa figura pode caracterizar a perda de legitimidade que culminou com um processo iniciado em 2007 pelo CADE contra a existência do possível cartel na indústria de cimentos, o principal negócio do grupo. Apesar de a empresa conviver por anos com afirmações envolvendo o assunto, um processo formal só foi iniciado a partir desse momento, através de uma denúncia por um excoordenador comercial da VC. Em 2014, o órgão decidiu de maneira unanime pela condenação da Votorantim e mais cinco empresas do setor. A multa foi de R$ 3,1 bilhões, sendo metade desse valor devido pela empresa da família Ermírio de Moraes. A decisão ainda inclui a venda de ativos por parte das empresas para forçar a competição no setor. Vale destacar que, em 2012, o CADE já havia reprovado de forma unânime a entrada da Votorantim na Cimpor ocorrida em 2010, devido ao excesso de participação que a VC teria no mercado brasileiro. 7.2.3 Desafio da Gestão da Diversidade A formação de um conglomerado industrial como no caso da Votorantim gera o aumento da diversidade dos negócios, tecnologia e recursos humanos. Embora não tenha atingido um porte tão grande como o da IRFM, a partir da década de 1930 a Votorantim iniciou um processo de criação de negócios pioneiros na indústria brasileira. Além disso, a expansão geográfica realizada das unidades de cimento também contribuiu para o aumento da diversidade do grupo. Entretanto, ao contrário da Matarazzo que optou por manter uma gestão totalmente centralizada, a Votorantim realizou uma separação entre as indústrias e regiões, embora as decisões estratégias seguissem uma congruência. Esse fato, aliado à infusão de valores institucionais entre as diversas empresas contribuiu para a manutenção da integridade organizacional. Por outro lado, a descentralização inibiu o compartilhamento de recursos que passou a ser buscado apenas no final da década de 1990. Dessa maneira, a Votorantim evitou a propensão à fragmentação, embora não tenha sido possível apontar as respostas a esse desafio como totalmente saudáveis. Os níveis de análise da gestão da diversidade foram: A diversificação dos negócios, que envolve o grau de ampliação do escopo de atividades não relacionadas, além da expansão geográfica do grupo; a capacidade de coordenação dos negócios e manutenção da integridade organizacional; e em que medida foram feitos esforços para a realização do compartilhamento de recursos entre as diferentes unidades. 229 a) Diversificação dos Negócios e Expansão Geográfica Diferentemente de Francesco Matarazzo que seguiu um acentuado processo de diversificação de seus negócios, Pereira Ignácio concentrou grande parte dos seus esforços na indústria têxtil. É verdade que ele chegou a adquirir uma empresa telefônica em 1910 e a fazenda Rodovalho no ano seguinte, que tinha uma fábrica de cimento instalada. Entretanto, as evidências sugerem que não foram investimentos significativos para alterar a estrutura industrial do grupo. Sendo assim, até meados da década de 1930, a Votorantim se manteve primordialmente como uma fábrica têxtil, sendo a principal empresa fornecedora de algodão do país. Com a aquisição da Votorantim e, posteriormente, das fábricas Bom Retiro, Paulistana e São Bernardo, se tornaria também um dos mais importantes grupos de fiação e tecelagem. O grande processo de expansão e diversificação geográfica se daria a partir da década de 1930 com a fundação da Siderúrgica Barra Mansa, a Fábrica de Cimentos Santa Helena e a Companhia Nitro Química. Essa diversificação, conforme já discutido, visava manter certa independência do grupo para o fornecimento de insumos para os principais negócios do grupo: cimento, papel, metais e tecido (embora este último começasse a perder relevância na organização). A figura 7-8 apresenta a relação entre as empresas do grupo, na qual as setas indicam o fornecimento de insumos de uma unidade para a outra. Figura 7-8 – Estrutura industrial do grupo Votorantim na década de 1950 230 As fábricas de cimento exerceram uma pressão maior no processo de diversificação. Ao invés dos demais negócios que ficavam concentradas em apenas uma unidade fabril, as particularidades da indústria de cimento exigiam a expansão geográfica e a implantação de fábricas próximas às jazidas e aos principais centros consumidores do país. Dessa forma, a Votorantim seguiu investindo e implantando fábricas nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro Oeste. No início da década de 1970, já eram nove plantas espalhadas pelo país. A partir da década de 1970, o grupo iniciaria também um processo de aquisições. Em 1977, comprou a Cimento Itau e suas seis unidades. Dois anos depois, adquiriu outras duas fábricas, a Cauê e a Tocantins. Na década de 1980, a Votorantim também faria mais duas aquisições. Dessa forma, o crescimento da unidade de cimentos do grupo englobou a incorporação de outras companhias, aumentando a diversidade de culturas e processos. No final da década de 1980, a nova geração colocou em prática iniciativas visando a diversificação do grupo. Assim, entrou pela primeira vez no setor de serviços através do Banco Votorantim. Houve, ainda, o plantio de laranjas e a instalação de uma fábrica de processamento de sucos, formando assim a Citrovita. Além disso, expandiu suas atividades no ramo de papel e celulose através das aquisições dos ativos da Celpav e, posteriormente, da Papel Simão. Os novos negócios, portanto, destoaram do perfil construído nas décadas anteriores cuja atuação foi direcionada para a indústria de base. Pouco após esses movimentos, o grupo faria uma redução do seu escopo de atividades com a retirada da indústria têxtil. A última fase de crescimento e diversificação foi a mais intensa e ocorreu na primeira década do século vinte, sob o comando da nova geração que assumiu a direção do grupo em 2001. O processo de internacionalização levou o grupo para novos mercados nos seus principais negócios. Na indústria de cimentos, foram realizadas aquisições principalmente no mercado americano e, posteriormente na América do Sul e na Europa. Na Votorantim Metais, o principal movimento se deu através da expansão das operações de zinco, com aquisições no Peru, um dos maiores produtores mundiais do metal. Além disso, o grupo realizou expansões no setor de siderurgia que historicamente havia se mantido como um negócio secundário no grupo. Foram realizadas aquisições de usinas na Colômbia e na Argentina. Ainda, foram construídas mais duas unidades no Brasil. Finalmente, o grupo fez a aquisição da Aracruz, uma empresa que era maior do que a Votorantim Papel e Celulose. Um dos entrevistados relatou o impacto desse crescimento na diversidade cultural da Votorantim Siderurgia: 231 “Mas ao mesmo tempo em que pegou uma galera com muito tempo de casa, chegou uma galera muito nova de mercado. Pessoal da CSN, Gerdau, Arcelor. [...] Então foi um momento que, se tinha uma cultura na empresa mais antiga, uma galera mais velha, não muito antenada e aí a gente recebe quase 50% dos funcionários formados por diversas culturas siderúrgicas, de empresas que também tinham velhas culturas. Para você moldar isso numa cultura única, isso leva um tempo. Isso talvez tenha sido a parte mais difícil, do começo. Não só técnico mas a parte cultural, entendeu. Cada um tem uma maneira de pensar diferente ali. [...] E também não dá para ter nivelamento, porque são caras que são papas da siderurgia. E tem uma questão também é que são pessoas que já tem muita experiência com siderurgia e não estão afim que qualquer um fale o que quer. Na verdade, sempre tinham várias discussões em que os dois estavam certos, mas eram pontos de vista diferentes. É a questão cultural. Então, qual a cultura que é a nossa? Qual linha que a gente vai seguir? A gente tem uma cultura que é puxada lá pelo lado da valorização do profissional.[...] Acho que até hoje tem algumas culturas diferentes. Mas hoje as pessoas se entendem. Vai ter uma reunião de duração de uma hora e meia, a gente consegue sair com uma hora e vinte, uma hora e meia. Mas antes não era uma hora e meia, porque era tanta discussão que a gente saia com três, quatro horas de duração. Então, essas culturas diferentes prejudicaram bastante no começo. Se duas pessoas se conhecendo já dá trabalho, imagina quarenta, cinquenta pessoas que conhecem, tem orgulho da sua experiência em siderurgia, a formar uma cultura. Então acho que talvez foi a parte mais complicada, mais complicada até do que a parte técnica” (ENTREVISTADO 2). Portanto, em um espaço de oito anos, o grupo fez diversos movimentos de expansão por aquisições, incorporando novas pessoas e culturas, e atuando em mercados até então desconhecido, aumentando a diversidade e a tendência de fragmentação. Por outro lado, também se desfez de outros negócios como a Nitro Química e a Votocel. b) Coordenação e Integração: Conforme discutido no tópico anterior, a Votorantim se tornou um grande conglomerado industrial, com atuações em diversos negócios e com uma dispersão geográfica que se acentuou nos últimos anos com o processo de internacionalização do grupo. Dessa forma, a coordenação de um conglomerado de forma integrada como a que se propôs a Votorantim envolve o desenvolvimento de respostas adequadas para evitar a fragmentação entre as diversas unidades. A preocupação em buscar mecanismos de controle foi identificada ainda na era de Antônio Pereira Ignácio. Em 1910, quando vinha crescendo no ramo de algodão, o empresário comprou a Companhia Telefônica Sul Paulista. Apesar de não ter sido possível encontrar indícios de qual era o propósito principal para a aquisição, foi verificado que o empresário implantou uma rede conectando cidades do interior de São Paulo onde se encontravam as suas principais unidades de descaroçamento de 232 algodão. Ou seja, isso pode sinalizar a intenção de desenvolver um canal de comunicação para facilitar a coordenação dos seus negócios. Quando adquiriu a fábrica têxtil Votorantim em 1918, houve a preocupação de Pereira Ignácio de realizar mudanças nos estatutos, de modo a estruturar a administração e definir funções específicas para vários diretores. Cabe destacar que a definição das posições de chefia foi um fator que permitiu ao grupo realizar os processos sucessórios com menos ruídos dos que os observados na Matarazzo. Em meados da década de 1930, Pereira Ignácio se afastou do dia a dia das empresas, se encarregando de desenvolver estratégias e analisar os resultados, enquanto José Ermírio se tornou o principal responsável pelas operações. A partir desse momento, a administração da organização passa a ser dividida em seções de acordo com a carteira de produtos comercializados. Portanto, diferentemente da Matarazzo que manteve a gestão centralizada até meados da década de 1960, a Votorantim já fez um movimento de descentralização das operações assim que ampliou o seu escopo de atividades com a entrada nos negócios químico, siderúrgico e de cimentos. Quando empreendeu o principal processo de crescimento da Votorantim, a partir da década de 1940, José Ermírio de Moraes passou a contar com o apoio dos seus filhos que voltavam de seus estudos da Europa, e do engenheiro Clóvis Scripilliti, seu genro. Assim, os negócios do grupo foram divididos entre os quatro que ficavam responsáveis pelas operações dos negócios, conforme apresentado na tabela 7-10. Tabela 7-10 – Divisão das operações da Votorantim entre os membros da terceira geração Indústria Têxtil José Ermírio de Moraes Filho Fábricas de Cimento do Sudeste Votocel Siderúrgica Barra Mansa Antônio Ermírio de Moraes CBA Metalúrgica Atlas CMM Clóvis Scripilliti Ermírio Pereira de Moraes Empresas do Nordeste Nitro Química Reflorestamento para produção de carvão vegetal 233 Dessa forma, o grupo Votorantim buscou manter as empresas sob uma mesma gestão, com direcionamentos estratégicos unificados, embora com decisões operacionais descentralizadas, conforme destacado por Sérgio Picazio que foi assessor da diretoria: “Eles souberam dividir de tal forma a empresa fazendo com que cada um tivesse o poder dentro da sua área, mas esse poder não era só centrado numa pessoa sem que houvesse, vamos dizer, uma dissociação entre um e outro: - Eu tomo as minhas decisões isoladas e você toma as suas isoladas. Existe um gerenciamento, mas existia sempre a unificação das ideias em conjunto. Sempre houve isso, e talvez foi e está sendo até hoje o sucesso da empresa, porque se não fosse isso, não sei. Para construir um império é difícil, mas para derrubar não custa”. Essa descentralização, por sua vez, poderia gerar uma perda da identidade organizacional. Entretanto, as evidências coletadas mostram que houve uma infusão de valores por toda a organização, que permitiram o processo de institucionalização, fomentando a integridade do grupo. Foi possível verificar nas entrevistas com funcionários das diversas unidades o compartilhamento de certas crenças. Além disso, a formação de um mito em torno de José Ermírio de Moraes também contribuiu para a institucionalização da organização. Isto fica evidente pela forma como foi chamado por alguns depoentes que se referiam a ele como “Senador”, lembrando a atuação política que o empresário teve durante a década de 1960. Além disso, houve citações à carta direcionada por ele a seus filhos (anexo 5), com os direcionamentos a serem seguidos pelos sucessores, conforme pode ser evidenciado em um dos relatos: “Então é um cara de muita visão. Essa cartinha ela é dada para todo mundo que entra. Então, isso é muito legal. Você entrar numa empresa que tem uma pessoa, tem um cara que você olha e todo mundo mira” (ENTREVISTADO 2). A referência, no entanto, não se restringe apenas ao “Senador”. A visão de “industrializar o Brasil”, semeada pelo fundador do grupo, Pereira Ignácio, e muito proclamada por Antônio Ermírio de Moraes, também é outro fator que incida a existência de uma identidade única por toda a organização. “Olha, o que me faz estar no grupo até hoje é uma admiração que eu tenho e um orgulho, pela seriedade do grupo. Pela seriedade, por honestidade e pelo fato deles acreditarem no Brasil, investirem no Brasil. E, assim, é um grupo, na quarta geração eu não conheço muito, eu trabalhei com membros da segunda e da terceira geração. Você vê que a característica lá do José Ermírio, do Antônio Ermírio, esses valores permeiam. Essa questão de seriedade, de ética. Isso é muito forte” (ENTREVISTADO 12). 234 Finalmente, destaca-se a existência de valores morais e éticos difundidos pelas empresas do grupo, que foram disseminadas principalmente pela imagem transmitida pelos líderes da família. Os relatos obtidos nas entrevistas destacam a preocupação com a valorização humana em detrimento ao fomento de um clima mais competitivo e agressivo: “A empresa é correta. Eu trabalho há 35 anos e nunca tive um dia de atraso no salário. A empresa é extremamente correta. Ela faz tudo o que ela pode para fazer com que o funcionário se sinta bem, naquilo que depende da empresa” (ENTREVISTADO 6). “O quanto eles valorizam mais as competências pessoais de relacionamento, de ver se a pessoa é do bem mesmo, do que o técnico, entendeu? Eu já vi muita gente sendo demitida, pessoas boas, com potencial muito bom, mas que não eram muito boas de relacionamento e que ia acabar pegando isso em algum momento e as pessoas saíram da empresa. E eles deixam bem claro que os desligamentos, quando acontece isso, são por causa de comportamento. Então acho que isso é muito bom, ver que não valorizam só o técnico a todo o custo. Eles valorizam muito a pessoa” (ENTREVISTADO 9). “A gente tem uma cultura que é puxada lá pelo lado da valorização do profissional. Quando você compara com Ambev, compara até com outras empresas que são mais, fomentam mais essa competição, aqui, fomenta menos. E o que eu vejo aqui é o seguinte. É um trade off: O ambiente político e o ambiente produtivo. Você vai no Senado, então você um ambiente totalmente democrático, mas não necessariamente você tem uma boa produtividade lá. Numero de leis por hora, ou leis por dia, ou leis de educação por dia. Quero dizer, é um ambiente muito democrático. Isso reduz a produtividade. Num ambiente muito tirano, você tem boa produtividade, mas você tem zero democracia. Mas se você toma a decisão errada, você vai errado até o fim. Um ambiente que gera um clima de trabalho não tão bom. Onde posicionar nessa régua aí? Não sei, acho que a Votorantim tá muito para o lado humano, ainda. Em algumas empresas, por exemplo, siderurgia, metais. Outras menos, de cimentos. Um ambiente até um pouco mais agressivo” (ENTREVISTADO 2). Uma evidência dessa preocupação com a valorização do ser humano no também foi identificada no Relatório Anual de 1972: “Para o Grupo Ermírio de Moraes, o homem é o principal construtor de seu progresso. Ele reconhece no elemento humano um fator decisivo para o êxito de seus programas de trabalho. O Grupo Ermírio de Moraes procura demonstrar reconhecimento aos fatores de sua grandeza proporcionando a todos iguais oportunidades; a concessão de bolsa de estudos aos funcionários, em nível médio e superior, tem apresentado resultados excelentes, pelo incentivo aos que aspiram melhores posições e progresso em sua vida profissional.” 235 A partir da década de 1990, o grupo começou a fazer mudanças na sua estrutura, realizando o agrupamento das unidades e formalização de planos, sinalizando a integração entre os negócios. O ponto de partida se deu com a criação da Votorantim Cimentos em 1997. Assim, foi formada uma nova estrutura dividida de acordo com as áreas de negócios que tinham o suporte de comitês de gestão para o monitoramento das atividades do grupo. Com a internacionalização da VC, buscou-se a padronização do processo de produção através da criação do Votorantim Cimentos Production System – VCPS. De acordo com relato de um dos funcionários que participou do processo, a existência de procedimentos formais foi fundamental para contornar a resistência de americanos e canadenses para a integração entre as unidades: “A ideia da Votorantim é essa: nós temos um conhecimento de gestão aqui no Brasil que deixa nossas plantas muito, muito organizadas, sem emissão, baixo custo, cimento no silo, pessoas treinadas, motivadas. Então, quer se pegar esse conhecimento e levar para fábricas no exterior porque as compras no exterior são sempre difíceis, sempre são fábricas normalmente muito mal operadas que são compradas. Aliás, elas são vendidas por serem mal operadas. Então, o desafio é pegar o sistema que funciona bem e implantar nessas unidades para que dê o mesmo resultado que se tem no Brasil. Esse é o grande objetivo, e assim que nasceu o VCPS em sua primeira versão [...] Nós fomos para quatro plantas. Aliás, na época três: Bowmanville, Detroit e Saint Marys, que existiam antes. Suwanee veio depois. Fui eu e uma equipe de, mais ou menos, seis pessoas, cada um especialista numa área: de gerenciamento da rotina, tinha pessoa da padronização, tinha pessoa de segurança e meio ambiente, tinha pessoa de manutenção, tinha um time especializado em melhores práticas de equipamentos, etc. Então, tinha diversos especialistas e fomos em cada planta para levar esse jeito de ser da Votorantim para lá [...] Trouxemos muito canadenses e americanos aqui pro Brasil, para a fábrica de Rio Branco e pra fábrica da Cipasa. Eles não acreditavam quando chegavam lá e viam um moinho pintado de branco, que não vazava, que não tinha nada sujo no chão. [...] Por que pintar o moinho de branco? Porque assim é possível você ver um vazamento (DAVID CANASSA) ”. Paralelamente a essas iniciativas, o grupo passou por um processo de profissionalização com a saída dos membros da família do dia a dia dos negócios. Assim, os cargos de diretoria passaram a ser ocupados por profissionais da empresa ou recrutados no mercado. Essa iniciativa visava evitar os conflitos políticos nos processos sucessórios que passariam a ficar cada vez mais complexos com o aumento do número de herdeiros. Com os sócios atuando no Conselho de Administração, buscou-se a redução dos conflitos políticos para ocupação dos cargos operacionais: 236 “Essa foi a grande mudança que eu percebi da segunda para a terceira. A profissionalização das empresas. Então, a terceira geração começou a sair da empresa, contratar profissionais, executivos de mercado e cobrar resultados e cobrar performance. Essa foi a grande diferença entre liderar, comandar e gerenciar para mais supervisionar e gerenciar, mas de uma forma mais distante. Tentando influenciar e definir muito mais estratégia do que as atividades executivas operacionais. A operação, de fato, eles estão delegando e focando os esforços em estratégia, em portfólio, em questões mais olhando o grupo né. Continuidade, solvência, perenidade do grupo Votorantim” (ENTREVISTADO 12). Com a expansão e o aumento da diversidade de negócios, pessoas e processos, identificou-se que a Votorantim lançou mão de iniciativas que visavam evitar a tendência de fragmentação. Em 2006, foi desenvolvido o Banco de Dados de Benchmark (BDB), no qual os principais indicadores de desempenho das plantas do grupo passaram a ser consolidados e comparados com referências internas e externas, com o intuito de identificar potenciais de melhorias operacionais. Acompanhando a formação da nova estrutura foram colocadas em prática novas ferramentas de controle e de excelência operacional, buscando, também, a padronização de processos entre as diversas unidades: “Então, começou já naquela época, na década de 90, a preocupação em unificar conceitos. Unificar métodos de gestão. E isso era o mais difícil na época, porque para você conhecer, como não tinha Skype, telefone era muito caro, não tinha celular, você tinha que ir até a unidade, as vezes ficar uma semana, duas semanas, três semanas, aprendendo, treinando com a equipe para poder fazer a aplicação daquela situação boa, daquela coisa boa que eles estavam fazendo e trazer para a sua unidade.” (ENTREVISTADO 8). Essas mudanças foram baseadas principalmente no modelo de governança experimentado pela Fibria (a única empresa de capital aberto do grupo) conforme destacado por um dos funcionários entrevistados: “A Fibria sempre foi meio que um laboratório para o grupo Votorantim. Não para ficar testando, mas as boas práticas sempre migram e são compartilhadas com as demais empresas do grupo. Então, até pelo fato dela estar na bolsa de São Paulo no nível mais elevado que governança, que é o Novo Mercado, exige vários requisitos de governança. Está no nível 3 de ADR na bolsa de Nova York, na SEC. Isto nos obriga a ter um ambiente de controles, de compliance, de governança, muito mais robusto, do que se tinha, ou do que se tem das demais empresas do grupo. Então, foi uma coisa nova para o grupo, mas é uma coisa que também ajuda eles a aprender. A entender esses novos modelos de governança, a estar antenado com as melhores práticas, com o que há de melhor em cada atividade da companhia”. 237 Visando fortalecer os valores do grupo e manter as diferentes partes do grupo unidas, foi lançado também o projeto Identidade Votorantim que buscou divulgar os valores, a visão e a aspiração, além do lançamento do Código de Conduta. No entanto, apesar de ter sido possível identificar a manutenção de certos valores no grupo, o relato de alguns funcionários mais antigos destacam que a hierarquização afastou o comando da operação, prejudicando a integridade do grupo: “É possível que com a profissionalização da administração, que está realmente havendo, os valores da família, muito marcantes até agora, isso se perca de alguma forma, o que seria uma pena [...] Hoje a geração que comanda são acionistas que conhecem o seu gerente geral, conhecem a diretoria que atende esse gerente geral, mas já não desce nos níveis menores, porque nem tem tempo, porque é muita gente, porque estão longe” (VALDEMAR MARTINEZ, 2003). “Mas, a empresa hoje, ela não é mais aquela empresa de um tempo [...] quando a alta cúpula da empresa conversava com toda a estrutura. Hoje a empresa ela está, hierarquizada. Então, quem toma decisão, fala só comigo com o nível abaixo dele. E sabe que a comunicação, se você colocar dois ou três níveis ela chega na ponta totalmente deteriorada. É por isso que a empresa hoje não é ousada. Quem decide e quem tem a ideia, não fala mais. E aí você tem intermediários no meio que por qualquer razão, está perdendo o ângulo. [...] Eu vejo piorando. Eu vejo piorando. E digo o mais. Se a empresa me perguntar hoje o que eu acho, eu acho que hoje nós temos uma empresa surda. Que não ouve” (ENTREVISTADO 6). c) Compartilhamento de Recursos Conforme discutido anteriormente, a Votorantim cresceu descentralizando suas operações. Isso ocorreu não só entre os diversos negócios, mas também entre regiões, como no caso da Votorantim Cimentos. Para não correr o risco de perda de eficiência, José Ermírio de Moraes Filho optou por descentralizar as decisões, dividindo as empresas de cimento em quatro regiões. Assim, cada unidade lidava com os seus problemas locais, cultivando uma rede de fornecedores e desenvolvendo clientes com características próprias. “A rigor tinha uma regional Nordeste digamos que elas eram unas, vamos dizer assim, e tinha uma diretoria a parte que era um dos ramos da família Ermírio de Moraes, que a rigor era o dr. Clóvis Scripilitti. [...] Ele respondia pelo Nordeste e tinha uma gestão absolutamente, isolada. Quero dizer. Eu falo absolutamente, é lógico, a empresa era uma só. Mas os modelos de gestão decisórios, interface e sinergia, era próxima a zero. E mesmo entre as fábricas do Sul, Sudeste, do Norte, etc, havia uma grande estanqueidade ao ponto que eu posso dizer que eu que já era daquela época, tinha fábricas que eu não conhecia. Só para você ter uma ideia da pobreza da coisa, vamos dizer assim porque realmente nós deveríamos ter, muito mais, como somos mais modernamente, mais nos últimos anos 238 que tem se procurado ser realmente uma empresa unificada” (ENTREVISTADO 10). Dessa forma, não havia compartilhamento entre recursos entre as diferentes unidades. Pelo contrário, as empresas chegavam até a competir entre si em determinados mercados, conforme delato apresentado a seguir: “Então nós tínhamos quatro diretorias distintas, cuidando das mesmas coisas. E a gente falava que era o jogo Cidade contra Cidade, já ouviu falar do Silvio Santos? Jogo cidade contra cidade ia competir na televisão, uma cidade contra a outra, uma querendo mostrar que sua cidade era melhor. Cidade contra cidade na Votorantim Cimentos – esse é um exemplo meu – é uma diretoria competir com a outra. Na verdade naquela época, não unia esforços. Eu fazia meu projeto na Cimento Itaú que a Votorantim comprou na região de Minas, na região Centro Oeste, eu fazia esse projeto mas a gente lutava, de certa forma, para fazer melhor do que o pessoal fazia aqui no Sul. E lutava contra o pessoal do Nordeste” (ENTREVISTADO 4). Portanto, até a criação da VC, as regiões tinham duplicidade de funções, sem ganho de sinergias entre as operações. Assim, a empresa acabava não capturando todo o potencial gerado com o tamanho de suas operações. Por outro lado, essa descentralização além de ter possibilitado os ganhos de eficiência, não gerava aumento de complexidade, justamente por não haver a necessidade do gerenciamento da interconexão entre as partes. Com as mudanças na estrutura organizacional encabeçadas pela nova geração, vieram diversos movimentos visando integrar as empresas, unificar conceitos e padronizar processos, através da formação da VID, concentrando as atividades industriais sob uma mesma holding: “A VID só para você tentar entender bem, assim, imagina uma empresa de capital aberto que tem que submeter as aprovações ao Conselho de Administração. A mesma coisa é com as unidades de negócio da Votorantim. Elas são empresas por si só e elas tem que submeter as aprovações, as coisas que ela quer à VID, que é o conselho de administração, mas centralizada um único acionista. Antes, a VID tinha um papel também de replicação de modelos de gestão. Então, ela acabava reunindo as unidades de negócio, buscando padronizar algumas coisas. E fora isso ela tinha uma influência maior no negócio de demandar informações. Me passa informações financeiras. Então, tinha diversos reports periódicos que tinham que ser feitos para a VID” (ENTREVISTADO 13). Em 2002, foi criado, também, o SGV. Essa gestão centralizada envolveu a gestão de um caixa único para o direcionamento dos investimentos de acordo com as prioridades estratégicas. Os entrevistados destacaram essas mudanças: 239 “Essas quatro regiões continuaram até 1997. Em 1997 o que aconteceu. Era internet, mil novidades em termos de tecnologia e velocidade da informação. Então, nessa época é que houve realmente a possibilidade de ter uma diretoria só e não ficar com as coisas espanadas. Tentar juntar em termos de força, em termos de compras, tentar juntar a força de compras da Votorantim Cimentos para fazer uma concorrência que ia ao mercado. Ao invés de um comprar uma coisa e o outro da outra região fazer uma concorrência, fazer essa paralela ou semi paralela. A partir daí é que se juntou uma força de compras em projetos de expansão para começar a fazer as concorrências comuns, para todas as áreas. Antes disso, não era possível. O Nordeste para agente aqui era do outro lado do mundo. Hoje é o nosso quintal. Mas na época eles não sabiam dizer nem qual fábrica direito que tinha no Nordeste. Não se sabia direito. Eram administrações independentes” (ENTREVISTADO 4). “Então esses números começaram a ficar muito grandes. Começaram a se tornar importantes, a gestão sobre eles e a ideia, levei a ideia para a minha gerência de criar um programa, que existe até hoje no grupo Votorantim, o Banco de Dados da Mineração, de fazer a gestão em cima desse programa que já tinha sido desenhado pelos próprios funcionários da empresa, mas que estava assim meio apagado esse programa. Eu, novamente, peguei esse gancho, essa oportunidade e trouxe para dentro de Itaú de Minas e hoje para todo o grupo [...] Então, no ano de 2000, o grande trabalho foi unificar a importância da informação vinda da mina para você ter economia em combustível, economia em matéria-prima, você estar trabalhando com qualidade dessa matéria-prima e isso aconteceu no ano de 2000 quando eu ainda era o supervisor da mineração. Em 2003, esse programa se tornou bastante importante dentro da empresa. As unidades começaram a me chamar para dar treinamento nas unidades e eu comecei a viajar bastante” (ENTREVISTADO 8). Em 2006, buscou-se intensificar o processo de compartilhamento de recursos com a criação do Centro de Serviços Compartilhados com a proposta de integrar as Unidades de Negócio da Votorantim Industrial e eliminar a duplicidade de funções nos processos administrativos. Ao mesmo tempo, foi concluída a implantação do sistema SAP em todas as empresas industriais do grupo, gerando a governança similar à da Fibria: “Então, assim, em função disso, a gente sempre teve legitimidade de falar: olha, precisamos de um processo diferenciado, a gente precisa investir em governança, a gente precisa investir em controle. E isso daí foi nos distanciando um pouco das outras empresas do grupo Votorantim. Foi nos distanciando, também, até uns três, quatro anos atrás, porque a Votorantim, na mudança que teve lá há uns quatro anos quando entrou o João Miranda, como diretor financeiro, ele começou a ter um foco maior na abertura de capital que ia acontecer com a VC. Foi colocar controles de Sox para que se quisesse abrir capital nos EUA, já estaria preparado para isso. Então, a Votorantim hoje, o delta que nós tínhamos de vantagem competitiva, com relação à governança, diminuiu bastante nos últimos anos pelo trabalho que o João Miranda, Caruzo, toda a equipe vem fazendo lá” (ENTREVISTADO 11). 240 Apesar dos esforços em nível estratégico, os relatos de entrevistados que atuam em nível operacional indicam, ainda, a carência dos esforços em ganhos de sinergia: “Acho que tem um potencial super, super grande, mas que não é estimulado e não é priorizado, sabe. Acho que tem vários segmentos, por exemplo: A CBA atua em construção civil, a Cimentos, claro, atua em construção civil, a Siderurgia atua em construção civil. E não existe nenhuma interação, até com relação ao mercado, entender o mercado. A gente podia muito bem fazer um comitê de mercado de construção civil e isso não acontece. Isso é um ponto falho que dá para melhorar bem” (ENTREVISTADO 9). “Tem um grupo, mas são grupos que tocam também a operação. É um grupo que um diretor puxa outro diretor, puxa outro. A VID (que á a Votorantim Industrial), a Central que fica ali na Amauri, ela fomenta isso, então isso é uma coisa sistemática já. E aí tem um grupo na área de suprimentos, tem uma na área de vendas, tem um de manutenção, tem de logística e planejamento e alguns outros. Mas acho que dá para ser melhor explorado isso. Acho que tem sinergias, elas são fundamentais, mas ainda pode ser melhor explorado isso pelo grupo. Porque é tão grande que são muitas sinergias. Então você tem que mapear e não é um trabalho simples para você incluir na sua rotina, é um trabalho complexo. Não pode ser 5% da sua rotina. Então, eu vejo que deveria ter um departamento focado em produtividade e sinergia” (ENTREVISTADO 2). Além disso, no início de 2014 o grupo deu uma guinada em sua estratégia. Vislumbrando a abertura de capital dos seus negócios, o grupo iniciou um processo de descentralização de funções. Assim, as diretorias corporativas começaram a ser extintas, eliminando, portanto, o compartilhamento de recursos, conforme destacado pelos entrevistados: “Hoje está passando por um processo de reestruturação. Antes nós tínhamos para cada nicho de mercado, a Fibria que é celulose, a Citrosuco que é a parte de sucos, temos a siderurgia, metais, tem até o banco né. Hoje não existe mais o diretor superintendente. Antes tinha o Conselho Administrativo, a VID que é a parte industrial, que eu sou ligado e abaixo da VID, então, tinha os CEOs para que comandassem cada negócio. Praticamente essa VID deixou de existir e agora cada negócio tem ou o seu comitê ou o seu conselho, dependendo de se ela tem ações externas ou não. E aí o que está acontecendo. Ela está se enxugando, fazendo que a parte do conselho fique mais próxima às partes de decisão. Acho que ela está passando por um processo que é super positivo. Ela está reduzindo essa distância entre a parte operacional e a... Acho que esse é o lado que ela tirando um pouco da burocracia, botando as decisões mais próximas ao negócio” (ENTREVISTADO 3). 241 7.2.4 Desafio da Provisão de Recursos Humanos O pioneirismo mostrado pela Votorantim na indústria de base criou uma necessidade de criar um corpo técnico capacitado para a instalação e aprimoramento das fábricas e processos produtivos. Além disso, a descentralização gerou uma pressão para a formação de gestores capazes de desenvolver os diversos negócios do grupo. Em discurso feito no seu aniversário de setenta anos, José Ermírio de Moraes ressaltaria a importância da formação de equipes dentro do grupo. “Nós que descendemos e somos homens de trabalhos e realizações – trabalho que não passa de um divertimento útil e não um feito provocado por uma ambição desenfreada – dedicamo-nos a ele como um dever arraigado em nosso cérebro, com entusiasmo e humildade, não com servilismos. Trabalho realizado com a melhor compreensão e não com improvisos. Isso ninguém realiza sem uma equipe bem formada, que entende as verdadeiras necessidades da empresa. Essa equipe, posso afirmar que possuímos. Muitos dos que as compõem aqui começaram de calças curtas, aqui estudaram, aqui realizaram o seu ideal. Não é acumulação de lucros para gozo pessoal, é para dar ao país o direito de ser alguém, respeitado e admirado.” Foi possível constatar que a preocupação de formar e reter mão de obra qualificada está no imprinting da organização. Esse perfil foi construído principalmente por José Ermírio de Moraes que estudou engenharia nos EUA e fez os filhos seguirem os mesmos passos. Dessa forma, as evidências indicam que essa capacidade de aprovisionar a organização com recursos humanos capacitados se perpetuou por décadas. Entretanto, as informações coletadas sugerem que o caminho de profissionalização e contratação em massa de executivos externos, iniciado na década de 1990, pode contribuir para a redução da integridade da organização. a) Recursos Gerenciais Um aspecto positivo na gestão de recursos humanos está relacionado com a preparação dos gestores da família, com formação profissional e um período longo de aprendizado junto à geração sênior. José Ermírio de Moraes começou a trabalhar na Votorantim em 1924, com vinte e quatro anos, após concluir a formação superior na Colorado School of Mines. Durante dez anos trabalharia junto com o seu sogro até se tornar o principal diretor do grupo, enquanto que Pereira Ignácio teria uma atuação mais próxima de um conselheiro, com o monitoramento dos resultados e análise das estratégias. José Ermírio teria esse suporte por mais vinte anos, até o falecimento do fundador do grupo. Processo similar seria empreendido na segunda transição de comando. Os três filhos de José Ermírio foram preparados em escolas de engenharia nos EUA (José e 242 Antônio também foram para Colorado). Quando retornaram ao Brasil, tiveram que realizar estágios não remunerados nas empresas do grupo para depois serem alocados nos negócios nos quais seguiriam carreira. Antônio Ermírio de Moraes relembraria o momento de sua chegada em uma entrevista para Roberto D´Ávila em 1997: “Passei quatro anos e meio sem voltar para o Brasil, e quando voltei, me lembro que no café, no meu primeiro dia de trabalho, meu pai já estava sentado à mesa e disse: -Olha, nós vamos fazer uma experiência com você. Você vai ficar um ano no grupo. Você não vai ganhar nada. Se der certo você fica, se não der, no hard feelings. O grupo não pode ter gente incompetente. Foi uma boa lição”. Com cada filho à frente de uma operação do grupo, José Ermírio se manteria como principal liderança do grupo e mentor de seus herdeiros por pelo menos doze anos quando se licenciaria para ser senador. Dessa forma, verifica-se na história da Votorantim uma preocupação em formar os sucessores de forma adequada e selecionar aqueles mais capacitados para gerir a organização. Antônio Ermírio, em mais de um momento, destacou a importância de um processo de sucessão bem feito: “Você não faz uma sucessão em qualquer empresa por decreto. [...] Você tem que fazer por competência. Então demora dez anos para você organizar uma sucessão bem feita.” “A sucessão começa nos bancos escolares. [...] A sucessão de uma empresa se começa preparando os futuros dirigentes da empresa na escola. E só os competentes terão o direito de administrar um complexo como este.” Dessa forma, a quarta geração começou a ser preparada ainda no final dos anos 80, para que chegassem ao poder mais de uma década depois. O relato de um dos entrevistados mostra que Antônio Ermírio proporcionou o mesmo processo pelo qual passou durante as décadas de 1940 e 1950: “O único filho que eu peguei foi o Luiz Ermírio, que fazia estágio quando vinha da Universidade de Colorado. Todo filho dele que fez engenharia foi estudar também na Universidade de Colorado, lá nos EUA (eu estudei lá, você também vai estudar). Então o Luiz Ermírio na minha época ia fazer estágio e eu acompanhava o Luiz. O Luiz acompanhava a gente para saber o que estava acontecendo, como era feito esse negócio todo. E tinha certa particularidade. As vezes a gente saia para tomar uma cerveja ou outra em algum lugar: - O Luiz, paga aí. - Não, Paulinho. O papai só me dá a mesada tal. Eu não tenho direito a mordomia não cara. Eu tenho a minha mesada aqui é de estagiário. Ele tratava o filho dele como se fosse um camarada, entendeu? Ele não tinha isso” (ENTREVISTADO 7). 243 Embora os filhos de Antônio Ermírio tenham seguido os passos do pai, realizando seus estudos na Colorado School of Mines (escola referência em engenharia e recursos naturais dos EUA), o mesmo não se verificou com os demais herdeiros que se graduaram em faculdades de engenharia paulistanas. Percebe-se, portanto, que embora o processo de planejamento da sucessão tenha se mantido, o mesmo não ocorreu com o nível de capacitação obtida pela nova geração. Com a decisão de profissionalizar o grupo, a quarta geração acabou se retirando do dia a dia dos negócios. Assim, houve o afastamento das principais lideranças da Votorantim, e uma parte significativa dos líderes deixou de ser formadas internamente - apesar de a FGV ter desenvolvido uma MBA executivo exclusivo para a Votorantim no ano de 2000. Em 2012, dezoito pessoas passaram a atuar em cargos de liderança na Votorantim. Destas, apenas metade dos profissionais ascendeu internamente. O restante foi trazido de outras empresas. Esse processo foi destacado por alguns dos entrevistados. “Ela está tempo a tempo sendo uma empresa cada vez mais profissionalizada e mais voltada a resultado. Não atoa, se você pegar a nossa diretora de gestão, o nome já é totalmente indicativo, é ex diretora de recursos humanos da Ambev” (ENTREVISTADO 13). Essa preferência pela contratação de profissionais externos para ocupar os principais cargos de liderança fica evidente nos nomes dos presidentes dos principais Votorantim Cimentos negócios do grupo, apresentados a seguir: 1997 - 2005: Luiz Vilar de Carvalho Origem: Interno 2005 - 2012: Walter Schalka Origem: Externo (Dixie Toga - Embalagens) 2012 - 2014: Walter Dissinger Origem: Externo (BASF) Votorantim Siderurgia Votorantim Metais 244 2002 - 2012: João Bosco Silva Origem: Externo (Alcan) 2012 - 2014: Tito Martins Origem: Externo (Vale) 2008 - 2014: Albano Chagas Origem: Externo* (Arcelor e CSN) 2012 - 2014: Carlos Rotella Origem: Interno * chegou na Votorantim em 2006 Ainda, João Miranda, que se tornou CEO da holding no início de 2014, chegou ao grupo apenas em 2009, após ter seguido carreira no setor financeiro. Miranda substituiu Raul Calfat que está no grupo desde a aquisição da Papel Simão, no início da década de 1990. Vale ressaltar, que os presidentes contratados não tinham necessariamente experiência anterior no negócio, como fica evidente no caso da VC. Walter Schalka que sucedeu Luiz Vilar (que tinha mais de três décadas de atuação na unidade de cimentos do grupo), veio do setor de embalagens, sem ter nenhum conhecimento sobre o ramo, conforme ele mesmo destacou: “Eu cheguei na Votorantim Cimentos sem conhecer absolutamente nada de cimentos. Eu tinha feito duas visitas à fábrica com o Fábio Ermírio, várias conversas no escritório, mas não conhecia profundamente cimento. Então, foi criado para mim um programa de integração que eu achei fantástico. Eu passei durante dois meses conhecendo todo o negócio da empresa. Os primeiros quinze dias, eu passei sentando em sala de aula, aprendendo como se faz cimento, todas as variáveis do cimento. Depois eu visitei várias fábricas, vários CDs – centros de distribuição, eu visitei várias usinas de concreto, conversei com muitas pessoas, conheci cada uma das áreas da empresa, logística, finanças, comercial, industrial. Esse processo para mim foi muito rico para que eu tivesse um aprendizado rápido e pudesse gradativamente entender a dinâmica da indústria como um todo”. De acordo com Correa e Mano (2007), a passagem de bastão de Vilar para Schalka não saiu do modo planejado. O plano inicial previa que Schalka permaneceria durante oito meses apenas acompanhando a rotina da companhia antes de tornar-se, 245 de fato, o presidente. Entretanto, a transição teve de ser antecipada em dois meses porque os acionistas perceberam que havia certa queda-de-braço entre os dois. A saída foi empossar rapidamente Schalka e transferir Vilar para o conselho de administração do grupo. Essas mudanças acabaram influenciando o direcionamento das estratégias do grupo. Já foi discutido, por exemplo, que a definição de uma política de orçamento no ano de 2005, prejudicou o plano de manutenção das fábricas, conforme relato do Entrevistado 4. Outro trecho de uma das entrevistas destaca a mudança de perfil dos gestores, que deixaram de ter mesma capacitação de antes, prejudicando as discussões técnicas, que se mostraram muito importantes para o crescimento da Votorantim. “Perdeu-se praticamente tudo. Alguns remanescentes como eu, mais poucos contados no dedo estão na empresa. Então foi a pior coisa que a empresa fez. Porque ela melhorou realmente em algumas coisas. Mas ela não fez preservando o que era bom. E isso para mim é o maior risco para o futuro da empresa. [...] Pouquíssima gente é de carreira. Agora é tudo gente do mercado. [...] Muitos de outros setores. Outros setores completamente diferentes. Então, veja, se você vai comandar uma empresa de cerveja, no mínimo espera-se que você conheça o negócio cerveja, saiba como se faz a cerveja. Não ouviu falar. Tem que saber como que faz. Por que? Você vai saber as dificuldades, na hora de estabelecer os pontos críticos, colocar uma pessoa. Não digo CEO, né. CEO é uma pessoa que olha a estratégia né. Mas, do nível operacional para baixo, não é admissível. Pelo menos para mim que sou técnico. Como que eu vou discutir com uma pessoa que eu tenho que dar satisfação, se a pessoa não conhece a minha linguagem. Ele não vai me entender e eu não vou entender ele” (ENTREVISTADO 6). Vale destacar que uma evidência percebida como fundamental para a institucionalização da organização e para a retenção dos talentos foram as lideranças construídas ao longo da história do grupo. Essa importância é destacada no trecho a seguir: “O que eu percebi, uma coisa que eu percebi a vida inteira: o pessoal trabalhando muito. Muita gente de muitos anos de firma. É uma espécie de uma lealdade quase que assim, quase que de veneração pelos acionistas. Uma coisa que a vida inteira eu acabei presenciando isso daí dentro da empresa. Acho que é pelos contatos que eles têm. Depois fui vendo, durante toda a minha vida dentro da empresa, que é uma empresa que tem muita confiança nas pessoas. A Votorantim tem uma confiança cega” (NILDO BENEDETTI). Com o falecimento de José Ermírio de Moraes Filho em 2001 e o afastamento de Antônio Ermírio por problemas de saúde, anos depois, o grupo acabou perdendo 246 essa referência. No trecho a seguir, apresenta-se um relato do entrevistado 6 que destacou a perda desse DNA: “A Votorantim até 90, até 2000, quem tocava a Votorantim, eram pessoas antigas da empresa. Aquelas pessoas tinham o DNA da família Moraes. Aquelas pessoas que realmente não tinha sábado, não tinha domingo. Elas eram casadas com a empresa. A partir desse momento, a empresa achou que tinha que oxigenar. Isso está certo. A empresa precisa se renovar. Ela precisa se oxigenar. Mas o que eu sinto, é que a empresa tinha coisas espetaculares e outras não tão boas. E o que ocorreu a partir desta data. Não se manteve o que era bom e melhorou-se outras coisas que não eram boas. Mas a base que era tecnologia, que era a dedicação, que era a cultura Votorantim, ela se perdeu. Então antes você não era promovido se você não tivesse competência. Hoje, bastou você chegar com um diploma, você está ocupando um cargo que quem está abaixo, não aceita, não concorda. Então hoje nós temos uma estrutura que, na minha opinião, não goza da credibilidade. Isso é ruim para o futuro.” b) Recursos Operacionais Como no caso da Matarazzo, a carência de mão de obra especializada no país fez a Votorantim buscar funcionários capacitados no exterior. Isso ocorreu principalmente na indústria cimenteira. Junto com os equipamentos comprados da dinamarquesa FL Smidth para a instalação da fábrica Santa Helena, José Ermírio de Moraes contratou o engenheiro responsável para formar uma diretoria técnica para a unidade de cimentos. Nos anos seguintes, outros técnicos nórdicos seriam trazidos para compor o grupo. O dinamarquês Anker Hoffmann, que trabalhou por mais de três décadas no grupo, relatou como foi contatado e recrutado pelo também dinamarquês Jorge Forman Daspol, quando trabalhava na Suécia: “Fui chamado por telefone, uma noite entre o Natal e o Ano Novo de 1945. Eu peguei o telefone e outro respondeu assim: - Aqui é Daspol. [...] Eu estou aqui em paz, enviado pelo meu chefe da Votorantim. E eu estou aqui e preciso arrumar alguns engenheiros que vão comigo para tomar conta das instalações elétricas, e torres mecânicas. Mas especialmente pensei em você porque você conhece muito bem. Então eu convido você a voltar comigo”. O mesmo processo foi feito na instalação da Nitro Química. Junto com a fábrica que foi inteiramente importada dos EUA, José Ermírio também trouxe técnicos americanos para instalá-la no Brasil e trabalharem no grupo. Dessa forma, a Votorantim conseguiu antecipar as necessidades de recursos humanos capacitados a medida que ia crescendo. Além disso, o grupo conseguia reter o seu corpo técnico. Foi possível verificar nas entrevistas que a Votorantim era reconhecida por manter profissionais de carreira, por um longo período no grupo: 247 “A Votorantim nunca foi muito de trocar funcionário. Eu entrei aqui em 81; quando eu vim para cá eu entrei no lugar de um senhor que fazia serviço externo. Serviço de boy, serviço bancário. Ele tinha mais de 30 anos de Votorantim. Eu vim para substituir. Então, quer dizer, ele mesmo falou: -É uma missão grande que eu vou te deixar. Porque eu tenho 30 anos de vitória” (CARLOS CONFORTE). Esse destaque dado pelos funcionários sobre os anos de firma é corroborado, também, pela preocupação demonstrada pela Votorantim em reter os seus empregados. O trecho do Relatório Anual de 1981, quando a economia brasileira enfrentava dificuldades destaca a manutenção dos empregos: “É essa a nossa maior satisfação – observamos que conseguimos enfrentar com sucesso o grande fantasma que rondou a quase totalidade das indústrias no período: o desemprego. O número de nossos funcionários, que em 1980 registrou a cifra de 50.524, em 1981 aumentou para 52.304”. Dez anos depois, Antônio Ermírio de Moraes falaria sobre o primeiro processo de demissão em massa feito pelo grupo, que ocorreu durante o Governo Collor: “É preciso resistir. Nós resistimos brilhantemente durante nove anos (entre 1981 e 1990). No décimo ano veio o Plano Collor número 1 e aí não foi possível. Foi a primeira vez que tivemos que demitir. E digo o mais. Foi a experiência mais dolorosa da minha vida. Pois, quando você demite, comete injustiças”. Vale destacar, que o conhecimento era obtido, principalmente, através de aquisição ou do desenvolvimento interno das tecnologias e disseminação entre os colaboradores. Não fazia parte do perfil da Votorantim realizar treinamentos externos, conforme relato apresentado a seguir: “Lá ele não era muito a favor disso não (de treinamentos), de tirar a engenheirada da área e ir para congresso. A filosofia dele é a seguinte: -Eu não forneço mão de obra para terceiro. Porque se você começa a fazer muito treinamento fora, ou ia para outro lugar, você acaba contaminando, você acabava fazendo amizade com pessoas de outros lugares” (ENTREVISTADO 7). Dessa forma, com a retenção do seu corpo técnico, a Votorantim prezou pela formação e desenvolvimento interno de seus funcionários. A partir da década de 1970, foram citadas iniciativas visando a transferência de know how entre unidades da Votorantim Cimentos. Parte significativa dessa mão de obra acabou sendo formada na unidade de Rio Branco no Paraná, uma das principais e mais antigas do grupo. A unidade que absorveu parte da mão de obra da Cimentos Itau, adquiridas anos antes, foi a pioneira no desenvolvimento dos processos de racionalização de energia e esse conhecimento passou a ser disseminado entre as demais fábricas. 248 “Nesse ínterim, outras fábricas, ou seja, outras regionais, tinham interesse em transferir aquele know how que a gente desenvolveu lá na Itaú Paraná para as demais unidades. Então mesmo naquela época, a gente já começou a fazer um trabalho corporativo. Não existia corporação mas a gente já começou a fazer um trabalho corporativo. Como? Transferindo know how e dando treinamento para as pessoas e fazendo missões” (ENTREVISTADO 6). De acordo com os relatos dos entrevistados, essas unidades também formaram a principal base de recursos humanos que foram trabalhar nas fábricas adquiridas no exterior. Conforme já discutido, após a aquisição, a Votorantim mandava uma equipe de técnicos para trabalhar na modernização e aperfeiçoamento das fábricas, com o objetivo de coloca-las no mesmo patamar das unidades brasileiras. De acordo com os relatos apresentados a seguir, a VC aproveitava ainda os seus recursos humanos para que eles assumissem posições de liderança das fábricas no exterior. “Mas uma coisa que eu tenho assim, muito prazer, é que a gente acabou ao longo dessas quatro décadas formando muitos profissionais. Formando muitos profissionais e hoje estão espalhados pelo mundo afora. Tem gente na “VCINE” que a gente chama, que é Norte América, a Votorantim Cimentos da Norte América, que é EUA e Canadá. Tem muita gente espalhada pelo Brasil e até um pouquinho nas outras regiões do mundo aí. Além de a gente ter uma maciça participação de formação nos quadros do Sul. Quando tivemos um projeto de Vidal Ramos que rodou há três anos atrás e mais a moagem de Imbituba que rodou também simultaneamente há três anos atrás, as duas em Santa Catarina, eu diria para você que 100% das equipes foram montadas pela gente aproveitando profissionais de casa. Santo de casa, aqui do Sul mesmo. Isso é uma coisa bem importante.[...] Em Cimentos, a Votorantim mandou sim, ela assumiu digamos, imediatamente, toda a operação da VCINE e expatriou muita gente, bastante gente e desse bastante gente, novamente, não há como negar que a grande maioria saiu aqui do Sul. Porque como o Sul tinha as equipes mais prontas, com mais experiência, etc, era mais ou menos natural que tivesse mais gente disponível, digamos assim. Disponível no sentido de preparada para ser expatriado. E isso aconteceu” (ENTREVISTADO 10). “As que estão em funcionamento já entram, ela já entra já com os padrões, com os processos e pessoas que já estão trabalhando na unidade. Já as novas, o que que eles fazem, eles pegam, a Votorantim ela busca o pessoal geralmente mais de base da região. Então, nas unidades que eu participei que Xambioá e Vidal Ramos, através do Senai eles fizeram uma seleção na região, treinaram as pessoas para estar entrando na fábrica, através do SESI/SENAI. Então, treinaram as pessoas para preparar elas para o startup da unidade. E, geralmente, as pessoas de liderança elas vem, em alguma maioria, ou pessoa sênior de algum lugar já na indústria, da indústria que eu digo em geral, ou da própria Votorantim que é levado para o local. Geralmente, dá-se preferência para pessoas da Votorantim. Ou seja, uma promoção de alguém que sai de um cargo de liderança e de chefia, uma supervisão, alguma coisa assim, vai para um cargo de gerência lá. Outro que já estava numa gerência de área vai para uma gerência de fábrica. E assim vai. Ou já era um 249 gerente de alguma fábrica e passa para gerente daquela fábrica. Ou seja, a liderança geralmente nessa primeira etapa, ela é aproveitada já da própria Votorantim. Tenta-se aproveitar as pessoas internas e aí você aproveita também todos os padrões” (ENTREVISTADO 5). Com a expansão geográfica e de escopo de suas atividades, nos últimos anos a Votorantim desenvolveu programas incentivando o desenvolvimento e retenção de talentos, além da disseminação dos valores do grupo. O Sistema de Liderança Votorantim, criado em 2005 com o objetivo de desenvolver profissionais de destaque na organização, foi reformulado em 2007 e passou a envolver também outros níveis funcionais, gerando o Sistema de Desenvolvimento Votorantim (SDV). As duas principais iniciativas do SDV são o Movimenta e a Academia de Excelência. O primeiro é uma universidade corporativa que visa o desenvolvimento das habilidades pessoais e gerenciais e o aperfeiçoamento técnico dos funcionários da Votorantim. No ano de lançamento quatro mil colaboradores foram treinados, num total de setenta mil horas/aula. O anexo 6 apresenta a evolução do número de horas trabalhadas por funcionário. Esse processo foi destacado pelos entrevistados: “Uma das coisas mais interessantes dos treinamentos que eu to participando pelo menos, é que é com gente de todas as empresas do grupo, então você acaba fortalecendo o networking, assim, dentro do grupo também. Eu não faço treinamento só com o pessoal da CBA. Eu faço treinamento com várias pessoas de várias empresas diferentes. [...] Esses treinamentos não tem nada a ver com a área que eu trabalho, entendeu. É como se fosse um programa de trainee mesmo. Faço treinamento de gestão de projetos, gestão financeira, gestão de pessoas, essas coisas, entendeu. É bem abrangente” (ENTREVISTADO 9). “É esse que chama Academia de Excelência que fica em São Paulo e tem os programas. Então, quando você está na empresa você tem uma carteira de capacitações que você tem que fazer a cada ano. Você tem uma visão de quatro anos, mais ou menos. Por ano, quantos treinamentos você tem que fazer. E isso é ministrado, é coordenado pelo DHO que é ligado a essa Academia de Excelência, mas é feito interno. [...] Já existe um programa e junto com o gestor, ele define mais ou menos dentro desse convívio que vai tendo e aí tem já tem um programa definido de quais são as capacitações que você tem que ter e aí define, nesse ano você tem esse rol de capacitações para você fazer. Só para você ter uma ideia, você se desloca daqui, vai para São Paulo, fica por conta da empresa, você tem todos os custos. Tem um custo envolvido aí que a empresa paga por isso. E essa é a grande diferença, não são todas as empresas que fazem isso. Nesse período que eu fiquei como CSN eu tinha algumas capacitações, mas não desse nível estratégico para a área de gestão. Ela foca muito isso, capacitação e ordenação para a parte de gestão”. 250 A segunda iniciativa busca organizar e incentivar a mobilidade dos funcionários entre setores e regiões, através do programa chamado Movimenta. Por meio dele, as vagas abertas ficam a disposição entre os profissionais de todas as empresas, conforme destacado pelos depoentes: “Existe um processo chamado Movimenta, não sei se você já estudou sobre isso. Movimenta é o seguinte: Cada unidade dessa, quando aparece uma vaga ou uma função para ser ocupada, é disseminada dentro do grupo, de todos os grupos, Votorantim Siderurgia, aparece para todos os funcionários, via e-mail e você pode se candidatar. Então tem umas regras para você se candidatar. Isso eu achei muito legal. Isso é um outro diferencial porque em empresas grandes não tem isso, é muito difícil porque uma estratégia de promoção das pessoas é muito localizada, muita política é definida em cada empresa. Na Votorantim esse acesso, por exemplo, se aparecer para mim uma oportunidade que me interessa, que possa ganhar mais ou ter um GS, um padrão mais alto numa empresa da Cimentos, eu posso entrar e participar do processo. Então, esse é um exemplo que eu to te dando, de como ela trata. Todos tem acesso às movimentações” (ENTREVISTADO 3). “Existe um processo que é chamado Movimenta. Então, você é um profissional do grupo Votorantim. As oportunidades elas são compartilhadas. Então, tem uma vaga na VM, todo mundo está sabendo. Todo mundo que tem interesse e pode concorrer a uma vaga. E há uma preferência de profissionais do grupo Votorantim. Essa troca de profissionais, ela é saudável e é incentivada” (ENTREVISTADO 12). Apesar das iniciativas, os números mostram que muitos dos funcionários são contratados externamente. Em 2012, das 165 vagas disponibilizadas pelo programa, 98 (60%) foram preenchidas com recursos internos, sendo o restante dos profissionais recrutados no mercado. Ou seja, a movimentação interna representou apenas 0,2% de um universo de quase 44 mil funcionários. No mesmo ano, a rotatividade foi de 19%, com quase sete mil funcionários sendo desligados da empresa e o tempo médio na empresa foi de sete anos (anexo 6). Embora não tenha sido possível encontrar dados referentes aos outros anos para efeito de comparação, os relatos dos entrevistados aliados a esses números sugerem que o grupo tem tido dificuldade em reter pessoas nos últimos anos. 7.2.5 Desafio da Gestão da Complexidade A descentralização da gestão e a divisão das empresas de cimentos em regiões independentes colaboraram para a redução da complexidade organizacional. Além disso, as evidências coletadas sugerem a adoção de processos sistemáticos de soluções problemas, envolvendo a coleta de dados, análise, tomada de decisão e implementação em grande parte da trajetória do grupo. Todavia, o mesmo nível de 251 gestão da complexidade e de resolução de problemas de forma sistemática não foi constatado na história recente. Quando decidiu dar um passo para avançar na produção de algodão, construindo a Fábrica Santa Helena, Pereira Ignácio foi para os EUA trabalhar e conhecer a fundo o negócio e as técnicas de produção. Essa iniciativa marca, portanto, a intenção de estudar e analisar as melhoras alternativas para o seu empreendimento antes de fazer a sua implantação. Iniciativa parecida seria realizada no momento da aquisição da fábrica têxtil Votorantim, o grande passo seguinte que seria dado pelo empreendedor. Como a empresa enfrentava problemas financeiros, Pereira Ignácio retornou para os EUA, desta vez para buscar soluções para contornar a situação financeira da fábrica. Retornando ao Brasil, decidiu refazer uma reavaliação de ativos, comprar a parte de seus sócios e por em prática mudanças estatuárias, que incluíram o reinvestimento sistemático dos dividendos. Em 1997, Antônio Ermírio destacou a importância de manter o controle sobre os negócios para que fosse possível reinvestir os lucros para impulsionar o crescimento dos empreendimentos. “Todo e qualquer empresário no Brasil nasce como uma empresa familiar, mas a meta dele final é realmente abrir o capital. Isso é uma questão de tempo. Mais uma duas gerações a Votorantim estará aberta. Ninguém se mantém fechada a vida inteira [...] Mas no começo você tem que concentrar para poder colocar o foguete em órbita”. Portanto, constata-se que solução de problemas de forma sistemática está no imprinting da Votorantim. Com a chegada de José Ermírio ao grupo, com conhecimentos técnicos e formação superior, esse processo seria fortalecido, com a implantação de projetos pioneiros no país. Nos principais negócios criados pelo grupo nas décadas seguintes, foi possível verificar a preocupação em resolver os problemas de forma sistemática. Na formação da siderúrgica, por exemplo, José Ermírio prospectou jazidas de minério na região de Sorocaba, onde estavam concentradas as suas principais unidades. Entretanto, concluindo que as minas do local eram limitadas, decidiu implantar a fábrica no sul do Estado do Rio de Janeiro. O empresário havia trabalhado anteriormente em Minas Gerais prospectando as jazidas do Estado e, assim, concluiu que seria possível comprar minério da região e leva-lo até Barra Mansa. Ou seja, houve uma coleta e análise de dados, considerando as implicações futuras para o empreendimento, que acabaram levando o grupo para uma nova localidade. A implantação da CBA, por sua vez, levaria quatorze anos e envolveria a busca por soluções tecnológica nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa, quando finalmente o grupo conseguiria adquirir o projeto completo de uma fábrica. Não havia, 252 no entanto, disponibilidade de energia para a construção da unidade na região de Sorocaba. Diante das respostas negativas da Light, a solução foi contratar uma empresa de engenharia para construir uma usina própria de geração. Todavia, a contratada acabaria entrando em falência. Por isso, a Votorantim assumiria a obra, iniciando, assim, o desenvolvimento de uma grande expertise em energia. Assim, passaria a construir as próprias usinas para suprir grande parte de sua demanda energética. Além disso, ainda na década de 1950, Ermírio Pereira de Moraes passaria a prospectar e comprar as primeiras terras para reflorestamento, com o intuito de plantar eucaliptos e produzir carvão vegetal. Por consequência dessas iniciativas, em 1990, o custo do quilowatt-hora produzido pelas hidrelétricas da Votorantim era de oito centavos de dólar, enquanto que o fornecido pela Eletrobrás era de trinta e dois centavos. Na CBA, o consumo de energia no processo de eletrólise era 7% inferior à média mundial. Na parte química, o consumo era 28% inferior ao restante do mundo. “Onde fomos buscar esses ganhos de energia? Estudando, refletindo, procurando visitar outros” (ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES). A implantação da CBA traz outra evidência que destaca a fuga de soluções de “apaga incêndio”. Quando percebeu que a fábrica estava operando de forma ineficiente, Antônio Ermírio decidiu coloca-la abaixo e construí-la de novo. Assim, em dois anos ela estaria funcionando novamente, com uma produção quatro vezes superior em relação ao volume da sua inauguração. “Difícil modernizar uma empresa. Precisa trabalhar 12 horas por dia para conseguir cumprir o plano. Se bastasse dar a ordem, entraria as 07:00 e sairia as 07:30 da Votorantim, todo o dia” (ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES). Os relatos de funcionários também indicam um processo sistemático para desenvolver tecnologias e implementar projetos. O entrevistado 6 que descreveu os projetos de eficiência produtiva desenvolvidos pelas fábricas de cimentos, destacou que desde que entrou no grupo, na década de 1970, havia um processo de análise exante à execução dos projetos: “Não faz parte da nossa política, desistir. A gente não começa um projeto sem que ele tenha sido avaliado nos critérios econômico, científico e estratégico” (ENTREVISTADO 6). O consultor técnico Nildo Benedetti também narrou uma experiência que passou na Finlândia quando foi conhecer um processo produtivo para que depois trouxesse para o Brasil de forma pioneira: 253 “Depois teve um projeto de mina subterrânea que teve que ser feito lá. Eu passei cinco meses lá na Finlândia fazendo um estágio. Ah, para mim foi uma experiência boa porque eu aprendi muito. Eu fui lá para aprender, então eu tive contato com pessoas que sabem bem do que estão falando. [...] A mina era um trabalho novo para mim e um trabalho novo também no Brasil, porque a mineração de calcário subterrânea era uma mina pioneira na época. Não havia outra de calcário aqui no Brasil. Por isso eu tive que ir para a Finlândia. E eu fiz estágio de cinco meses lá” (NILDO BENEDETTI). A Votorantim também conseguiu desenvolver um método sistemático para coordenação e acompanhamento dos resultados. Apesar da descentralização da gestão ter contribuído para amenizar a complexidade do conglomerado, ainda havia uma pressão para coordenar as diversas unidades que englobavam cada uma das divisões. Em épocas nas quais não haviam sistemas informatizados, os relatos dos funcionários indicam para a elaboração de um método que possibilitava ao gestor receber informações das fábricas e compará-los com padrões. Isso exigia um processo sistemático de manipulação dos dados e síntese de informações. “Todos os dias, às oito horas em ponto, eu informava ao doutor Clóvis a situação de todas as fábricas da Votorantim no Nordeste. Então, na época, você não tinha comunicação, não tinha computador, não tinha nada disso. E nós tínhamos um sistema de rádio. Por eles as fábricas informavam as produções, as saídas, e eu diariamente repassava os dados para o doutor Clóvis Scripilliti. Não existiam férias nem nada, ligava até quando estava no exterior” (HENRIQUE SILVEIRA). “O doutor José acompanhava todas as fábricas e, com bastante cuidado, com bastante atenção. Só que ele recebia muito papel, não dava tempo de ler tudo. Então, a gente desenvolveu formas de acompanhar os grandes números, e preparava relatórios nos quais esses grandes números eram anotados e comparados com anteriores, comparados com padrões” (VALDEMAR MARTINEZ). Os movimentos de aquisição de outras empresas, que começaram a ser realizados durante a década de 1970 também levaram ao desenvolvimento sistemático para a integração dos novos negócios. O relato do entrevistado 4 demonstra a visão interna do processo de aquisição. Já Mario Fontoura apresenta a visão de alguém que trabalhava em uma empresa comprada pela Votorantim. Em ambos os trechos, fica evidente a preocupação em analisar e conhecer as fábricas com o objetivo de e trazer novos conhecimentos para o grupo. “A compra dessas novas fábricas, nós tínhamos o nosso diretor presidente, o engenheiro Vilar, era um diretor técnico. Ele conhecia profundamente a parte técnica de uma fábrica de cimentos. Fora também uma grande expertise também na parte administrativa, financeira, etc. Então, na hora que você vai comprar uma empresa no exterior, ele mandava equipes para analisar, então a escolha de fábricas tinha a ver com análise de mercado, análise das condições 254 da fábrica e do que poderia ser feito no sentido de melhorá-las. Decidiu fazer a compra aí então... alguns projetos de melhorias, alguns brasileiros foram expatriados para os EUA e Canadá afim de concretizar essas melhorias, afim de colocar o padrão de que a gente se orgulhava, o padrão da Votorantim Cimentos e espalhar isso nas nossas fábricas no exterior também” (ENTREVISTADO 4). “Pela função de químico chefe, houve um evento interessantíssimo. No primeiro momento de entrada física, digamos, da Votorantim, os dois diretores da época, Senhor Castorino Rodrigues, que era um gerente, diretor-geral, digamos, aqui no Paraná, da Votorantim; e Jorge Luís de Carvalho, que era diretor das fábricas, foram a Itaú do Paraná e procuraram exatamente o químico chefe, que coincidentemente era eu. E nós passamos o primeiro dia, praticamente no primeiro dia, fomos nós três debatendo sobre... Eu explicando todos os procedimentos e os detalhes da Itaú do Paraná. E passamos, realmente, um longo dia, aliás, eu lembro bem. E algumas novidades para eles, que nós fazíamos” (MÁRIO FONTOURA). Um ponto de atenção foi identificado no processo de profissionalização empreendido pelo grupo neste século. Já se apresentou algumas consequências negativas desse processo, como a contratação maciça de executivos, redução da capacidade técnica e a perda da liderança institucional como a exercida por Pereira Ignácio e por José Ermírio de Moraes e seus filhos. Além disso, em um período de pouco mais de uma década, o grupo realizou várias mudanças em sua estrutura. Em um primeiro movimento criou diretorias corporativas e colocou as empresas do grupo sob uma mesma gestão, dividindo-as em cinco unidades de negócio: Industrial, Negócios, Finanças, Novos Negócios e Energia. Além disso, foram criadas diretorias corporativas visando o compartilhamento de recursos. Nos anos seguintes, as duas últimas seriam extintas, chegando-se à estrutura apresentada na figura 7-9. 255 Figura 7-9 – Estrutura Organizacional da Votorantim em 2010 Conselho de Administração Conselho de Família Conselho do Instituto Votorantim Participações (VPAR) Diretorias - Auditoria - Gestão de Riscos - Instituto Votorantim - Jurídico - Relações Institucionais Votorantim Novos Negócios (VNM) Votorantim Industrial (VID) Votorantim Finanças (VF) Diretorias Corporativas Votorantim Cimentos (VC) Votorantim Siderurgia (VS) Fibria Citrovita Votorantim Metais (VM) Votorantim Energia (VE) Fonte: Adaptado de Votorantim, Relatório Anual 2010 A partir de 2013, no entanto, a organização fez um movimento contrário. As diretorias corporativas começaram a ser desfeitos e cada empresa da VID começou a se estruturar e desenvolver os próprios departamentos, seguindo o modelo de governança praticado pela Fibria, conforme destacado pelo entrevistado pela organização: “Após utilizarmos um modelo centralizado, que permitiu capturar significativas sinergias entre as empresas, disseminar as melhores práticas e criar um padrão único de gestão, consideramos estar prontos para a promoção de um modelo mais descentralizado e mais apropriado ao novo momento de nossos negócios, cada vez mais complexos e de escala global. Com essa nova governança, ao mesmo tempo em que garantimos a preservação de nossos valores, tornamos as companhias mais ágeis em suas decisões e mais eficientes em suas operações” (VOTORANTIM, 2014). Dessa forma, a Votorantim chegou a um modelo mais descentralizado, apresentado na figura 7-10. 256 Figura 7-10 - Estrutura Organizacional da Votorantim em 2014 Fonte: Votorantim (2014) Esse processo de descentralização vem sendo implementado de empresa em empresa e sinaliza uma intenção de estruturar os negócios e prepara-los para a abertura de capital, conforme destacado nos relatos a seguir: “Você tinha uma holding que fazia a gestão e em alguns casos operava para as unidades de negócios. Agora não mais. As empresas vão ter independência. Por exemplo, você tinha uma área de RH que era corporativa. Ajudava VC, VM, VS. Não vai ter mais. Você tinha uma tesouraria que cuidava do caixa de todas as empresas, com exceção da Fibria. Isso não vai ter mais. As empresas vão ter que estruturar a sua tesouraria. Por que qual é o objetivo? O que os acionistas estão percebendo? Que esse ambiente de governança da Fibria, ele é muito positivo. Ele torna o processo mais transparente, a prestação de contas, ela é mais robusta. Então, é esse movimento que eles estão fazendo. Eles estão aprimorando os controles dessas empresas, dando autonomia para executar algumas atividades que até então não executavam, e aí o acionista vai participar do conselho de cada empresa. Elas devem migrar para um modelo muito parecido, que hoje existe na Fibria. A VC é a que está mais adiantada. Até mesmo porque ela queria abrir capital. E aí na sequencia, eles vão estudar as próximas empresas” (ENTREVISTADO 12). “A Votorantim Cimentos ela acabou adiando agora, por questões de mercado, etc., a abertura de capital dela. Mas ela já está se estruturando tal qual uma empresa de capital aberto, para depois quando abrir capital só continuar jogando o que já está tudo formatado. Então, nessa reformulação mudou-se o papel da VID com relação à gente. A VID passou efetivamente, hoje em dia, a ser o nosso conselho de administração. Então, report para a VID, etc., reduziram bastante e agora todas as informações são demonstradas e apresentadas via conselho, via reuniões específicas de acionistas. A VID continua fazendo o papel de acionista único. [...] As conversas 257 sempre foram no sentido de vamos nos preparar para ter um modelo de gestão robusto, independente de sermos de capital aberto ou não, mas que nos possibilite tomar a decisão no momento em que a gente achar adequado de ah, vamos abrir o capital. Então, a empresa foi evoluindo para ter um modelo de gestão excelente e isso já era alinhado a criar essa possibilidade para ela, entendeu. E aí, no momento que se decide vamos abrir capital, você tinha mais alguns ajustes para fazer, mas já tinha muita coisa adiantada. Mas se você falar: A criação de uma área de finanças robusta há dez anos atrás, já era um caminho a ser percorrido porque não tem como abrir capital de uma empresa que não tem informações financeiras robustas. Então, teve toda a estruturação de uma área de finanças, você começou a criar uma área de gestão de riscos. Em 2011, como eu falei, você teve lá a implementação da Sox. São confortos que você vai dando ao mercado para num momento de abertura de capital você já estar respaldado.” (ENTREVISTADO 13). Não foram encontradas evidências consistentes dos motivos que levaram às mudanças do direcionamento nesse curto espaço de tempo - de um modelo centralizado para o oposto. O comunicado da empresa coloca a mudança como algo planejado e fruto de um novo cenário de competição global. Relatos sugerem que está relacionado à iniciativa de preparar as empresas individualmente para a abertura de capital. Essas mudanças de estrutura, no entanto, acabaram gerando um movimento de um pêndulo, no qual a Votorantim busca a melhor governança possível para o grupo. Assim, as recorrentes alterações em um curto espaço de tempo acabam fomentando o aumento da complexidade, podendo fazer com que essa descentralização traga outras consequências para o grupo. Uma delas está relacionada ao risco da possível perda da identidade da organização, uma vez que diferentemente de outros tempos, os executivos à frente dos negócios não são mais os membros da família e sim executivos contratados no mercado. Vale destacar que, em 2012, a Votorantim vendeu a sua sede central para o Governo do Estado de São Paulo. Assim, os escritórios que ficavam nesta sede se dispersaram entre as demais unidades do grupo. O outro está relacionado às perdas de sinergias em decorrência do compartilhamento de recursos entre as unidades, reduzindo parte dos esforços realizados desde a implantação do SGV em 2002. 7.2.6 Gestão da Folga Organizacional Uma organização pode se utilizar de seu excedente de recursos para crescer de uma forma saudável e também ter uma proteção diante das oscilações do ambiente. A análise da trajetória da Votorantim mostra que o grupo conseguiu desenvolver e trabalhar com a gestão da folga para realizar seus movimentos de 258 expansão, principalmente em épocas de crise. Entretanto, nos últimos anos foram encontradas, também, evidências que sugerem a redução dessas folgas. a) Recursos Produtivos: Uma preocupação de José Ermírio de Moraes na sua missão de contribuir para a industrialização brasileira foi a de formar um complexo industrial independente do Estado, através da integração entre as fábricas. Três unidades teriam um papel fundamental nesse processo: A Siderúrgica Barra Mansa que produzia aço, a Metalúrgica Atlas (a “fábrica das fábricas”), que tinha o objetivo de produzir grandes equipamentos e estruturas para as unidades do grupo, e a Ibar que produzia tijolos especiais para os fornos de cimento. Dessa forma, a Votorantim passou a desenvolver e construir parte da estrutura de suas fábricas internamente. Além disso, concomitantemente aos processos de expansão das fábricas, a Votorantim seguiu investindo em capacidade energética, aumentando a autossuficiência desses negócios que são intensivos no uso de energia. A empresa chegou em 2014 com trinta e três usinas hidrelétricas e autossuficiência de 70%. “Então, um quilo de alumínio é quase que um gerador de energia. Se você desintegrar ele, 1 kg de alumínio, você está gerando 15 KwH. Por isso, que quem vai fazer alumínio tem que ter uma usina, tem que ter as usinas particulares. Se ele comprar energia, ele não consegue fazer, ter o rendimento dele. Ele praticamente tinha 60% de geração dele [...] Ele como era de Votorantim, ele já tinha a terra dele ali. Uns 5 mil alqueires disponíveis, uma fazenda, aquele negócio todo ali. E ali para o lado de Juquiá, ali para o lado, como é que chama aquela região de São Paulo ali, uma região de São Paulo que vai para o Paraná... Então, ele tinha mais ou menos agregadas ali umas cinco usinas pequenas, não era usinas grandes. Ele já tinha uma usina. Por isso que ele segregou ali. Como Minas não tinha disponibilidade de energia e ele já tinha energia lá, ele foi fazer lá. Como tinha a Fepasa, a integração com a rede ferroviária era mais ele trazer o minério de Minas do que fazer lá em Minas Gerais. Ele falou o minério pode vir transportado tranquilo, o problema meu aqui é energia e energia eu tenho em São Paulo que é Mairinque. É em Alumínio que era próxima a Mairinque e que a energia dele vinha de Votorantim, que ele tinha usina em Votorantim e usina que ele aproveitou do rio juquiá, naquele lado ali de São Paulo. Ali ele fez várias usinas e agregou o sistema dele. Então o problema básico dele, do porque ele não fez em Minas Gerais foi problema de demanda de energia” (ENTREVISTADO 7). Dessa forma, a organização conseguiu desenvolver um processo de crescimento baseado em folgas produtivas, conforme é demonstrado na figura 7-11. As expansões produtivas das unidades de produção de cimento e de metais geravam um mecanismo de reforço que se dava através do aumento da capacidade energética e das fábricas fornecedoras de material refratário e de equipamentos. Essa expansão, 259 por sua vez, intensifica o desequilíbrio de recursos da organização, fomentando o crescimento através do motor do crescimento contínuo. Figura 7-11 – Expansão da Votorantim através de mecanismos de auto reforço Finalmente, a Votorantim também buscou a verticalização dos seus negócios, conseguindo acesso à matéria-prima, ficando menos dependendo do mercado. Essa estratégia ficou evidente no caso da CBA que se tornou a maior fábrica integrada de alumínio do mundo. Na siderurgia, a Votorantim também comprou jazidas de minério em Minas Gerais, no ano de 1955. Ainda a partir da década de 50, expandiu a atuação na indústria química, produzindo produtos utilizados pela Nitro Química e também pela CBA no processo de fabricação do alumínio. Ainda, instalou unidades de fabricação de ácido sulfúrico em fábricas de cimento para racionalizar a produção. A mesma preocupação foi constatada na implantação da Citrovita e da VCP. Junto com a construção da fábrica de processamento de suco, a Votorantim comprou áreas para o plantio e fornecimento de ao menos 50% de sua produção. Para garantir a outra metade, o grupo lançou um programa para financiar os agricultores da região. Na ampliação do processo de produção de celulose, através da aquisição da Celpav, a empresa também conseguiu ter autossuficiência na produção de celulose. “O ponto forte dela é a industrial de transformação total, desde a matéria prima, até o produto final. Esse era o ponto forte dele. O segundo ponto forte dele é que ele fazia, é que ele conseguia fazer o alumínio abaixo do preço das outras, devido a ele ter a energia dele, entendeu. E o terceiro que ele tinha a tecnologia dele. Por exemplo, ele tinha a Metalúrgica Atlas que fornecia o material para ele. A siderúrgica de Volta Redonda que fornecia aço para ele. Deixa eu tentar lembrar o negócio todo aqui. Coque, que era redutor, que ia fazer alumínio, ele pegava da Petrobrás a preço de banana, preço bem barato” (ENTREVISTADO 7). Um fato recente pode, no entanto, sinalizar para a queda na gestão da folga produtiva. Em 2014, a exaustão da mina de bauxita em Poços de Caldas fez com que o grupo passasse a recorrer a terceiros para não paralisar a sua produção de alumínio. Isto porque, com a interrupção de outorgas de lavra pelo governo, a 260 companhia não conseguiu licença para exploração. Vale destacar que a última expansão realizada pela CBA ocorreu em 2008 e as vendas estão próximas da capacidade máxima. O mesmo pode ser observado na produção de zinco, que chegou ao nível atual também antes da crise e tem pouca capacidade ociosa. A tabela 7-11 apresenta uma relação entre as capacidades produtivas e o volume vendido em 2012. Tabela 7-11 – Resumo da capacidade e vendas da VM Capacidade de Produção ao Ano (mil t) Vendas (mil t) % Ocioso Alumínio 475 448 6% Zinco 730 672 8% 34 25% Níquel 1 45 1 Desse total, 25 mil são de níquel eletrolítico e 20 mil de níquel contido em mate de níquel b) Recursos Humanos Um dos aspectos identificados no perfil da Votorantim foi a preocupação na formação de recursos humanos qualificados para o negócio. As evidências apresentadas a seguir podem sugerir que houve em determinados momentos a formação de um excedente de recursos humanos para a organização. Diferentemente da Matarazzo que carecia de membros da família preparados para assumir o negócio, o processo sucessório da Votorantim permitiu a formação de profissionais que puderam levar adiante o processo de expansão do grupo. Vale destacar que a própria presença de José Ermírio como diretor e se reportando à Pereira Ignácio durante uma época em que a indústria era incipiente e a formação técnica e gerencial era quase que inexistente, gerava uma vantagem de capital humano em relação à concorrência. Na expansão das fábricas de cimentos, a Votorantim conseguiu formar um pulmão técnico através da contratação de engenheiros dinamarqueses que, por sua vez, desenvolveram profissionais internamente no grupo. Com essa equipe, a empresa conseguiu realizar expansões por cerca de trinta anos. Entretanto, a partir da década de 1930, a formação de recursos humanos não acompanhou o crescimento da organização, criando o gargalo para a expansão das empresas de cimento. A solução encontrada pelo grupo foi adquirir concorrentes que o grupo julgava que tinham boas fábricas e equipes qualificadas. Dessa forma, através das aquisições realizadas nas décadas de 1980 e 1990, a Votorantim conseguiu absorver mão de obra especializada ao mesmo tempo em que continuava crescendo: 261 “Até que o gargalo do crescimento passou a ser a oferta de conhecimento humano, de pessoas capazes de tocar uma fábrica. Porque pessoas com esse perfil não são fáceis de serem localizadas no mercado, são empreendedoras, são pessoas que acabam fazendo às vezes do dono. Então, a Votorantim passou a comprar outras fábricas como a Cimento Itau e a Cimento Santa Rita. Fábricas que já vieram prontas, em funcionamento, com o seu pessoal administrativo já contratado. Quer dizer, só trocou o acionista” (VALDEMAR MARTINEZ). Três dos entrevistados durante a pesquisa entraram no grupo através da aquisição da Cimentos Itau. No primeiro relato apresentado a seguir, o funcionário destaca a formação de uma equipe forte e que era até excedente para as necessidades operacionais das empresas. No trecho seguinte, verifica-se que após o processo de integração, funcionários da Cimento Itau foram absorvidos e assumiram posições de supervisão e gerência nas fábricas da Votorantim. “Ao mesmo tempo em que a estrutura que foi montada de profissionais da Itau, era uma estrutura bastante forte, bastante competente. A Itau do Paraná estava preparando uma equipe de profissionais para entrar nessa licitação e operar essa moagem. Ela estava inclusive preparada para operar uma moagem que foi instalada em Itaipu, para a Itaipu. Para ser... feita a obra da barragem de Itaipu. Essa moagem foi montada, não por nós. Mas pelo próprio consórcio de Itaipu, Brasil-Paraguai, nunca chegou a operar. Mas a Itaú do Paraná estava preparando uma equipe de profissionais para entrar nessa licitação e operar essa moagem E, também esse fato que eu estou citando, ele foi um motivo que por um bom período, a estrutura era um pouco até excedente à necessidade de profissionais para dividir depois com essa segunda opção” (MÁRIO FONTOURA). “No final de 76, virada para 77, o Grupo Votorantim comprou o controle acionário do Grupo Itaú. Comprou todo o ativo do Grupo Itaú. Portanto, naquela oportunidade eu fui comprado, digamos. Isso foi uma mudança que em alguns casos, foi mais importante, em outros foi pouco importante. E no nosso caso como nós estávamos aqui em Rio Branco do Sul, muito próximos da maior fábrica, uma das maiores fábricas que eles tinham que é em Rio Branco do Sul e Itaú era em um município chamado Itacuruçu que é aqui ao lado. Isso fez com que eu e os colegas que trabalhavam na Itaú tivessem uma integração, uma interferência diretamente imediata, questão do dia seguinte com o grupo Itaú. Com o Grupo Itaú não, com a Votorantim. Esse foi o primeiro, da minha carreira de cimentos, foi o primeiro que teve uma importância grande porque de um dia para o outro passei a entrar em um grupo muito maior do que eu estava antes. E também eu imediatamente assumi a gerência da fábrica de Itacuruçu, que eu estava trabalhando” (ENTREVISTADO 10). Durante o processo de crescimento e internacionalização experimentado pela Votorantim Cimentos, os relatos dos entrevistados indicaram também que engenheiros e supervisores formados internamente foram expatriados para assumir funções nas novas fábricas, sinalizando a existência de folga de recursos. No entanto, a 262 contratação de muitos executivos no mercado denota a carência de profissionais com esse perfil dentro do grupo, e consequentemente, pode sinalizar a ausência de folga. No ramo siderúrgico, que também apresentou um grande crescimento com a construção de duas novas usinas no Brasil e aquisições na Argentina e Colômbia, os relatos de dois entrevistados mostraram que houve uma necessidade de contratação em massa de profissionais, conforme relato apresentado a seguir. “Em 2006/07, ela vendia uma quantidade ano. E hoje ela está vendendo duas, três vezes. Mais que dobrou. Então esse boom, esse crescimento, eu acho que isso, demanda... Alguns departamentos não cresceram. Não pensam como empresa grande. Ainda pensam como empresa pequena. Como uma coisa meio caseira. Então essa necessidade de profissionalismo, talvez demorou um pouco. Para a empresa, na verdade ela foi empurrada. Quando uma empresa cresce rápido assim em tão pouco tempo, dificilmente ela está preparada para esse crescimento tão rapidamente. [...] Então, essa época foi tumultuada. Nova para todo mundo que estava ali, principalmente porque todo mundo tem muito tempo de casa. Mas ao mesmo tempo que pegou uma galera com muito tempo de casa, chegou uma galera muito nova de mercado. Pessoal da CSN, Gerdau, Arcellor. Gerdau foi a que comprou várias empresas né. Então, várias culturas juntas ali. Então foi um momento que, se tinha uma cultura na empresa mais antiga, uma galera mais velha, não muito antenada e aí a gente recebe quase 50% dos funcionários formados por diversas culturas siderúrgicas, de empresas que também tinham velhas culturas. Para você moldar isso numa cultura única, isso leva um tempo. Isso talvez tenha sido a parte mais difícil, do começo. Não só técnico mas a parte cultural, entendeu. Cada um tem uma maneira de pensar diferente ali” (ENTREVISTADO 2). . Portanto, esses indícios podem sugerir que a formação dos serviços gerenciais da organização não acompanhou o crescimento do grupo durante o processo de internacionalização em algumas das unidades. c) Recursos Financeiros A formação de um “pulmão” financeiro para realizar as expansões e, principalmente, para enfrentar os momentos de crise, foi identificada como um traço marcante na trajetória do grupo. Os primeiros indícios que sugerem essa afirmação remetem à aquisição da fábrica Votorantim em 1918. Com as dificuldades enfrentadas pelo novo negócio, Pereira Ignácio vendeu terrenos, comprou a parte de seus sócios e aplicou recursos próprios para trazer liquidez à empresa. Além disso, optou pelo reinvestimento sistemático dos lucros para trazer estabilidade aos negócios. Assim, a Votorantim institucionalizou a prática de reter os lucros, criando folga para crescer com o mínimo de dependência de capitais de terceiros e de outros acionistas. Com os lucros provenientes do setor têxtil, José Ermírio de Moraes obteve os recursos necessários para empreender no setor de cimentos. Até o novo negócio 263 se estabilizar, as evidências coletadas sugerem que as fábricas têxteis continuaram fornecendo o capital necessário para a operação e expansão das novas unidades. No início da década de 1950, quando o setor têxtil começou a declinar, a Votorantim já era líder na fabricação de cimentos e os resultados provenientes dessa operação começaram a ser direcionados para os projetos no ramo de metais. Um trecho do Relatório Anual de 1952 destaca essa estratégia: "Devido ao elevado valor dos empreendimentos em que estamos empenhados, a Diretoria não julgou conveniente a distribuição de dividendos, concordando que sejam empregadas, para o desenvolvimento de seu campo industrial, todas as rendas e proveitos obtidos durante o ano de 1952." Vale ressaltar, que em uma época em que o governo federal tinha grande influência na economia brasileira, a Votorantim teve dois projetos de financiamento recusados pelo BNDE: a de produção de níquel e a de zinco. Ainda assim o grupo conseguiu implantá-los se utilizando de recursos próprios. As aquisições realizadas na indústria de cimentos no final da década de 1970 e durante os anos 80 também apontam para a formação de um excedente de recursos financeiros. Sem precisar se endividar, a Votorantim fez aquisições estratégicas em períodos de fraco desempenho econômico e da construção civil, se consolidando como principal produtor nacional com participação de 40%. A Votorantim começou a lançar mão da utilização de capital de terceiros durante a segunda metade da década de 1990, quando foi ao exterior para captar US$ 600 milhões com o objetivo de formar um colchão de liquidez a fim de evitar surpresas nos leilões de privatização do setor elétrico. A intensificação da utilização de financiamentos ocorreria durante o processo de internacionalização da VID, conforme pode ser visualizado no gráfico 7-8. Com a alavancagem, a Votorantim conseguiu uma folga financeira para crescer. Entretanto, a crise econômica de 2008 trouxe resultados financeiros negativos. O prejuízo para cobrir as suas operações com derivativos foram de cerca de quatro bilhões de reais (incluindo as despesas da Fibria). Com isso, houve uma abrupta elevação da dívida. Em 2012, a relação dívida líquida / EBITDA chegou 3,6 - próxima ao limite estabelecido pelas agências de classificação de risco (quatro vezes), embora haja uma mudança do perfil da dívida com uma parcela cada vez menor dos débitos vencendo no curto prazo. 264 Gráfico 7-8 – Evolução do endividamento da VID (em milhares de Reais) R$ 25.000 R$ 20.000 R$ 15.000 R$ 10.000 R$ 5.000 R$ 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 -R$ 5.000 Dívidas CP Dívidas LP Dívida Líquida Ainda, no ranking dos quinze maiores prejuízos do Brasil em 2011, divulgado pela Revista Exame, estavam duas das empresas do grupo. A Fibria ficou em primeiro lugar com um resultado negativo de US$ 832,7 milhões e a CBA ficou em décimo primeiro com prejuízo de US$ 267,1 milhões. Ao mesmo tempo em que a Votorantim viu seu endividamento se elevar, os resultados financeiros pioraram. O gráfico 7-9 apresenta a evolução do lucro líquido no qual é possível verificar um movimento de declínio. Gráfico 7-9 – Evolução da Margem Líquida da Votorantim 5.000.000 4.000.000 3.000.000 2.000.000 1.000.000 2004 -1.000.000 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Lucro atribuído aos acionistas controladores Dividendos Lucro Reinvestido 2012 2013 265 Vale ressaltar que mesmo passando por um fase de crescimento e, posteriormente de declínio, a VPar chegou a distribuir um volume considerável de dividendos. Em 2004, apenas 40% do lucro líquido foi retido. Nos dois períodos mais recentes, os dividendos distribuídos foram superiores aos lucros gerados. Destaca-se, ainda, que em 2012 a VID teve um lucro de oitenta e sete milhões de Reais e distribuiu 785 milhões em dividendos. Portanto, sem conseguir melhorar significativamente a relação entre geração de caixa e dívida, e com baixa lucratividade, a Votorantim ficou sem folga financeira para realizar investimentos após a crise, conforme já discutido anteriormente. No gráfico 7-10 apresenta-se a queda do patamar de investimentos do grupo. Verifica-se, ainda, que a Votorantim teve que se desfazer de outros negócios para gerar caixa. Entre as vendas destaca-se a saída na participação na VBC por 2,6 bilhões em 2009 e na Usiminas por R$ 2,4 bilhões em 2011. Gráfico 7-10 – Evolução dos investimentos da Votorantim (em bilhões de Reais) 7,7 4,6 4,7 4,5 4,4 3,9 3,9 3,1 3 2 0,9 2005 1 2006 0,7 2007 Capex 7.2.7 2,4 1,9 2008 2009 0,6 0,4 2010 Aquisições 2011 2012 0,3 2013 Desinvestimentos Resumo das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento A análise dos fatos e eventos da trajetória da Votorantim demonstra que o grupo desenvolveu traços que o permitiram responder adequadamente aos desafios do crescimento em grande parte de sua história, contribuindo para o seu crescimento de forma saudável. Entretanto, as evidências também apontaram dificuldades em manter o mesmo nível de respostas nos últimos anos. Apresentam-se a seguir quatro fotografias que mostram a variação, ao longo do tempo, do nível de propensão ao crescimento saudável da organização, de acordo com o modelo dos Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional de Fleck (2009). 266 Tais divisões foram definidas com base em acontecimentos cruciais da história da organização, do ambiente, e de acordo com as consistências das respostas identificadas durante o processo de análise. Dessa forma, será possível obter uma melhor compreensão da evolução das respostas aos desafios do crescimento ao longo do tempo. As classificações das respostas serão apresentadas conforme legenda da figura 7-3. A primeira fase vai de 1900 até 1918, englobando a fundação dos primeiros descaroçadores de algodão até compra da fábrica de tecidos Votorantim. A segunda, por sua vez, percorre toda o período da gestão de José Ermírio de Moraes, desde sua chegada ao grupo, até o seu falecimento em 1973. O terceiro período contempla a gestão da terceira geração, entre 1973 e 2001, enquanto a quarta fase engloba a última sucessão e o início da profissionalização da gestão, até os dias atuais. a) Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 Devido à limitação de informações sobre esse período inicial, foi possível classificar apenas as respostas referentes aos Desafios do Empreendedorismo e da Navegação no Ambiente. Conforme pode ser observado na figura 7-12, as respostas identificadas para esses desafios foram classificadas como saudáveis durante essa fase. Figura 7-12 – Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 267 Participando do processo de industrialização do Brasil, a Votorantim desenvolveu serviços empreendedores para encontrar oportunidades lucrativas e desenvolver seus negócios na indústria têxtil, onde se tornou a principal descaroçadora de algodão do país. Nessa fase, destaca-se a ida de Pereira Ignácio aos EUA para trabalhar como operário em fábricas de descaroçamento com objetivo de adquirir conhecimento e experiência para, então, retornar ao Brasil e instalar a fábrica Santa Helena. Essa busca pelo desenvolvimento de expertise se tornaria um importante atributo da Votorantim, reforçando sua capacitação em criar valor nos seus negócios. Os seguidos investimentos em novas unidades pelo interior de São Paulo permitiram que a organização rapidamente se estabelecesse como a principal empresa do setor e Pereira Ignácio fosse reconhecido como o “Rei do Algodão”. Ressalta-se também a adoção de táticas comerciais como o fornecimento de sementes para os agricultores, como forma de garantir o abastecimento e permitir o ganho de escala. A tabela 7-12 apresenta um resumo das principais respostas empregadas pela empresa durante essa fase. Tabela 7-12 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 Nível de Resposta Resumo Empreendedorismo Saudável (+) Ambição para ser uma das pioneiras no processo de industrialização (+) Busca de novos conhecimentos e equipamentos nos EUA Navegação no Ambiente Saudável (+) Liderança na produção de algodão (+) Estratégias comerciais para captura de valor Desafio b) Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento entre 1918 e 1973 A entrada de José Ermírio de Moraes no grupo durante a década de 1920 contribuiu para que a Votorantim crescesse e se diversificasse a partir dos anos 30, consolidando os seus negócios na indústria de base. Conforme apresentado na figura 7-13, as evidências encontradas destacam que a organização desenvolveu uma propensão ao crescimento saudável durante o período. 268 Figura 7-13 – Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973 Na medida em que o perfil econômico do país começou a se alterar e a indústria ganhou mais robustez, José Ermírio de Moraes soube antecipar os movimentos e direcionar a Votorantim para a indústria de base. Assim, a empresa foi pioneira em setores com first mover advantages e participante ativa de uma nova etapa da industrialização nacional. Dessa forma, quando as margens da indústria têxtil minguaram, a unidade de cimentos do grupo já era líder no país e se tornou assim a principal fonte de lucros para fomentar o crescimento da organização. Vale destacar que à medida que criava novos negócios, a Votorantim direcionava seus recursos com o objetivo de posicionálos entre os líderes de mercado, demonstrando a sua capacidade de capturar valor e de navegar no ambiente. Cabe destacar que somente após a consolidação do negócio de cimentos, é que a Votorantim intensificou os seus esforços para se posicionar na indústria de metais. Destaca-se, ainda, a reputação construída por José Ermírio de Moraes. Com a participação na liderança de instituições empresariais, a Votorantim ganhou legitimidade no ambiente organizacional, embora não tenham sido encontradas evidências de que influenciou o ambiente institucional a seu favor. Portanto, respostas positivas em relação ao Empreendedorismo e Navegação no Ambiente permitiram que a organização conseguisse crescer e se renovar. 269 A antecipação e formação das necessidades de recursos humanos gerenciais e técnicos também se mostraram positivas durante o período. O processo sucessório com a formação profissional dos herdeiros e a divisão da estrutura organizacional entre negócios e, também regionais, contribuiu para evitar a fragmentação do grupo. Por outro lado, com a descentralização, houve um baixo nível de compartilhamento de recursos. Apesar disso, a análise indica que a infusão de valores entre as diversas unidades contribuiu para a integridade da Votorantim. Destaca-se, por exemplo, o mito criado em torno de José Ermírio de Moraes, identificado como “o Senador” entre os funcionários de todas as empresas do grupo. A empresa demonstrou capacidade na gestão da folga organizacional, tanto no aspecto produtivo como no financeiro. Unidades como a Metalúrgica Atlas e a Siderúrgica Barra Mansa forneciam as estruturas e equipamentos para as principais fábricas do grupo, contribuindo para a formação de um motor de crescimento contínuo. A política de austeridade e retenção de lucros também possibilitou a criação de um colchão de recursos que foram utilizados para a expansão dos negócios. Finalmente, foi identificado o desenvolvimento da capacitação para resolver problemas de forma sistemática. O processo de criação da CBA, assim como o episódio da total reconstrução da fábrica após a constatação de que produzia alumínio de baixa qualidade, são fortes evidências disso. Destaca-se também o processo sistemático para monitorar os resultados das unidades e compara-los com padrões de referência a fim de acompanhar o desempenho dos negócios. Vale ressaltar que a capacidade em lidar adequadamente com o desafio da gestão da complexidade também contribuiu para as respostas saudáveis nos demais desafios. A tabela 7-13 apresenta um resumo das principais respostas empregadas pela empresa durante essa fase. 270 Tabela 7-13 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973 Desafio Nível de Resposta Resumo (+) Ambição de “industrializar o Brasil” Empreendedorismo Saudável (+) Imaginação e visão para direcionar o grupo para novas indústrias (+) Austeridade no planejamento de novos empreendimentos (+) Movimentos proativos em indústrias com first mover advantages Navegação no Ambiente Saudável (+) Posição de líder nos seus principais negócios (+) Liderança da família Ermírio de Moraes no meio empresarial (+) Infusão de valores por toda a organização Gestão da Diversidade Atenção (+) Estratégia una com operações descentralizadas, evitando o aumento da complexidade (-) Baixo nível de compartilhamento de recursos Gestão de Recursos Humanos Gestão da Complexidade Saudável Saudável (+) Preparação formal dos sucessores (+) Formação de um corpo técnico capacitado (+) Análise sistemática dos novos empreendimentos e desenvolvimento de tecnologias (+) Sistema de controle e análise de resultados (+) Reinvestimento dos lucros Gestão da Folga Saudável (+) Investimentos em geração de energia (+) Produção interna de máquinas e equipamentos para as fábricas do grupo c) Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 Em meados da década de 1970, a Votorantim já tinha completado sua transformação de uma empresa do setor têxtil para um conglomerado da indústria de base. A partir desse momento, já sob o comando da terceira geração, identificou-se uma hesitação para empreender e expandir. A figura 7-14 apresenta a classificação das respostas para esse período, no qual se verifica que isso afetou a capacidade da empresa de crescer e se renovar e, portanto, de manter a sua propensão à longevidade saudável. 271 Figura 7-14 – Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 Enquanto que entre as décadas de 1930 e 1970 o grupo demonstrou suas capacitações empreendedoras através de expansões pioneiras na indústria de base, nesse terceiro período verifica-se a redução do nível de ambição para crescer. As implantações dos principais negócios planejados ainda na gestão de José Ermírio foram finalizadas durante os anos 70. A partir daí, verifica-se uma janela de duas décadas sem o aproveitamento de determinadas oportunidades lucrativas. Destaca-se, por exemplo, a internacionalização tardia da unidade de cimentos. Além disso, a Votorantim teve pouca participação no processo de privatização de empresas estatais que atuavam em negócios relacionados ao grupo, como siderurgia e mineração. A empresa não participou dos processos de privatização das siderúrgicas CSN e Usiminas. Além disso, apresentou dificuldades de navegação ao perder o leilão de aquisição da Vale do Rio Doce. Vale ressaltar que as expansões capitaneadas pela quarta geração foram realizadas em negócios não relacionados, mas não alteraram o perfil do grupo que continuou a ter nas indústrias de cimentos e metais os seus principais motores de crescimento. Sobre a questão da ambição para crescer e expandir, é pertinente uma reflexão sobre o peso que o direcionamento dado por José Ermírio de Moraes através da carta escrita para os herdeiros pode ter tido. Na ocasião, o empresário apontava que o futuro do grupo estava em três negócios principais. Conforme pode ser observado em trecho destacado a seguir, o empresário definiu a posição na qual a Votorantim se encontrava ao final da década de 1970 como um destino traçado: 272 “Tendo em vista os principais setores da produção nacional, procurei colocar o nosso grupo dentro do que havia de melhor para a organização, ficando assim traçado o nosso destino. Por isso, temos condições, sem medo da concorrência, nos seguintes ramos: alumínio, zinco e níquel; cimento; papel e celulose”. A carta carregava não só as palavras de um pai, mas uma estratégia de sucesso que havia colocado a Votorantim no topo da indústria nacional. Nas fortes palavras do empresário, fica evidente a intenção de diversificar para reduzir a dependência de uma única indústria sem, no entanto, ampliar demasiadamente o escopo de atividades do grupo. Antônio Ermírio também chegou a destacar as deficiências do “gigantismo” e como uma empresa extremamente grande se torna difícil, senão impossível, de ser administrada. Portanto, pode-se constatar uma preocupação dos gestores em consolidar os seus negócios e evitar o crescimento desenfreado que prejudicou a administração da Matarazzo, por exemplo, que enfrentava graves problemas financeiros à época. É possível perceber que, neste caso, a institucionalização de valores trouxe um aspecto negativo para a Votorantim, uma vez que promoveu rigidez e afetou a capacidade de crescimento da organização. Por outro lado, destacam-se durante essa fase os projetos de eficiência energética, que envolveram o uso do carvão mineral e, posteriormente, do coque do petróleo, e que trouxeram maior competitividade às operações do grupo (intensivas em energia) e contribuíram para o desenvolvimento de uma forte capacitação técnica da organização. A Votorantim respondeu adequadamente aos desafios da diversidade quando iniciou a criação das holdings industriais, permitindo a integração entre unidades e compartilhamento de recursos. Essa iniciativa contribuiu para fortalecer ainda mais a integridade organizacional. Entretanto, evidenciou-se que houve uma queda no nível de capacitação dos novos sucessores em relação às gerações anteriores, sinalizando um ponto de atenção em relação ao desafio de recursos humanos. Um fator positivo está relacionado às aquisições realizadas no setor de cimentos. Observou-se que a organização mantinha um processo sistemático para a aquisição de novas unidades, buscando absorver os técnicos qualificados e os bons conhecimentos das unidades adquiridas. Cabe destacar, finalmente, que mesmo durante a estagnação da década de 1980, quando as fábricas de cimento viram quase metade de suas capacidades ficarem ociosas, a Votorantim manteve investimentos de expansão e aquisição, contribuindo para a geração de folga produtiva. A tabela 7-14 apresenta o resumo das respostas aos desafios do crescimento durante esse período. 273 Tabela 7-14 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 Desafio Nível de Resposta Resumo (+) Projetos de eficiência energética Empreendedorismo Atenção (-) Pouca participação no processo de privatizações (-) Internacionalização tardia Navegação no Ambiente (+) Antônio Ermírio sucede o pai como um dos principais empresários do país Saudável (+) Expansão durante a crise (-) Processo de privatização da Vale do Rio Doce Gestão da Diversidade Saudável (+) Criação de holdings e coordenação integrada entre as unidades (+) Retenção dos funcionários durante a crise Gestão de Recursos Humanos Atenção Gestão da Complexidade Saudável Gestão da Folga (+) Absorção de técnicos das empresas adquiridas (-) Redução da capacitação dos sucessores Saudável (+) Processo sistemático para aquisição e absorção de fábricas de cimento (+) Expansão da capacidade produtiva durante o período de retração da economia (+) Formação de colchão de recursos financeiros para participar da privatização do setor elétrico d) Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 No início do século XXI, uma nova geração foi alçada ao poder e a Votorantim iniciou um processo de profissionalização e internacionalização visando recuperar a entrada tardia no mercado internacional. O intenso crescimento durante esse período gerou fortes pressões sobre a empresa que não conseguiu manter um nível saudável de respostas aos desafios do crescimento, conforme se observa na figura 7-15. Figura 7-15 – Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 274 O processo de internacionalização foi iniciado em 2001 com aquisições de fábricas de cimentos nos EUA e Canadá e se estendeu pelas indústrias de celulose e metais. Assim, a Votorantim conseguiu quadriplicar o seu faturamento em um período de cinco anos. Esse movimento destaca a ambição da nova geração em colocar a organização em uma posição de destaque global. Por outro lado, as evidências indicaram que ao mesmo tempo houve uma deterioração da capacidade técnica do grupo, inclusive afetando a manutenção de algumas unidades produtivas. Isso sinaliza, portanto, a perda de uma capacitação importante desenvolvida ao longo da história do grupo e fonte de criação de valor. Apesar dos esforços diante de uma competição que já há algum tempo deixava de ser apenas nacional e se tornava global (especialmente em commodities), o grupo não conseguiu se posicionar como líder mundial nos seus principais negócios – apesar das posições de destaque em zinco e celulose, essas unidades respondem por uma parcela menos importante na composição das receitas. Além disso, a VPar se tornou altamente dependente dos resultados da unidade de cimentos. Foi identificada a preocupação da liderança em colocar em prática ações visando disseminar e fortalecer a cultura, e manter a integridade de uma organização em forte crescimento. Apesar disso, nesse processo também foram realizadas contratações em massa de executivos para comandar as operações, contrastando com o perfil histórico de formação interna de seu pessoal. Identificou-se também o aumento do nível de rotatividade de funcionários. As evidências coletadas sugerem que isso contribuiu para um baixo nível de resposta na gestão da diversidade e de recursos humanos. Vale destacar, ainda, que as principais aquisições foram realizadas em períodos de economia aquecida e de alta dos preços dos ativos. Além disso, foram financiadas principalmente através de recursos de terceiros. Por isso, após a crise mundial a empresa passou a ter uma alta relação de dívida e geração de caixa. Com resultados muito dependentes da indústria de cimentos e sem folga financeira, a Votorantim não conseguiu repetir movimentos de outras épocas e realizar investimentos em períodos de crise. Finalmente, em um espaço curto de tempo a Votorantim passou a conduzir mudanças antagônicas em sua estrutura. Inicialmente buscou a centralização, com a criação de diretorias corporativas. Posteriormente, os gestores deram uma guinada para a descentralização, onde as diversas unidades de negócio passam a operar de forma independente. Esse é um indicativo da redução da capacidade da organização em lidar com os problemas de forma sistemática e responder adequadamente ao 275 desafio da complexidade. A perda dessa capacitação, por sua vez, também afetou negativamente os demais desafios. Tabela 7-15 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 Desafio Empreendedorismo Nível de Resposta Atenção Resumo (+) Expansão internacional do negócio de cimentos e celulose (-) Redução da capacidade técnica Navegação no Ambiente Gestão da Diversidade Atenção (±) Posição mundial dominante em celulose e zinco, mas secundária em cimentos, alumínio e níquel, em comparação com os principais players (-) Baixo nível de influência no ambiente institucional Atenção (+) Iniciativas visando o compartilhamento de recursos e disseminação da cultura Votorantim (-) Perda das grandes lideranças institucionais Gestão de Recursos Humanos Não saudável Gestão da Complexidade Não saudável (-) Parte significativa dos executivos contratados no mercado e não mais formados internamente (-) Aumento do nível de rotatividade (-) Efeito “pêndulo” na formalização da estrutura (+) Autossuficiência energética Gestão da Folga Atenção (-) Aumento do nível do endividamento e redução da lucratividade (-) Baixa capacidade de investimentos desde a crise 276 8 CONCLUSÃO O sucesso e o fracasso organizacional é uma questão chave no estudo de gestão das organizações. Apesar disso, ainda há pouco consenso sobre os fatores que levam empresas a crescer e se perpetuar, enquanto outras declinam e morrem. Dessa forma, o presente trabalho se propôs a identificar as respostas dos grupos Matarazzo e Votorantim ao longo de suas trajetórias e compará-los aos Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional propostos por Fleck (2009). Para isso, foram coletadas evidências a partir de biografias, relatórios corporativos, reportagens, entrevistas e relatos de funcionários que permitiram remontar o histórico com os principais fatos e eventos de cada uma das organizações. Realizou-se também um estudo detalhado sobre a evolução da indústria e da economia brasileira, sem o qual não seria possível analisar adequadamente os padrões de respostas das organizações. Assim, foi possível desenvolver uma análise longitudinal de cada uma das empresas e interpretar os seus movimentos levando-se em consideração as condições do ambiente relevante. Considera-se que a questão inicial da pesquisa foi respondida, podendo ser compreendido como os grupos Matarazzo e Votorantim responderam aos desafios do crescimento. Os itens a seguir irão apresentar as conclusões sobre cada estudo de caso, as principais diferenças identificadas entre as organizações, além das contribuições do estudo e sugestões para trabalhos futuros. 8.1 Considerações Finais Sobre a Matarazzo A organização formada pelo Conde Francesco Matarazzo foi pioneira e protagonista do processo de industrialização nacional. Expandindo o seu escopo de atividades por setores como alimentos, químico e têxtil, a IRFM se manteve como o principal grupo industrial brasileiro por décadas, mas a partir da década de 1940 se viu diante de um processo de declínio irreversível, que culminaria com um pedido de concordata em 1983. As evidências mostraram que a Matarazzo não conseguiu responder adequadamente aos desafios do crescimento e, por isso, não desenvolveu uma propensão ao crescimento saudável e à longevidade de longo prazo. Francesco Matarazzo aportou em um Brasil rural e com uma população crescente, onde tudo se precisava. Dotado de capacitações empreendedoras, o empresário colocou a IRFM na vanguarda do processo de industrialização, aproveitando-se das oportunidades existentes em um ambiente piedoso e preenchendo as lacunas do mercado com os produtos Matarazzo. Com um forte tino 277 comercial e legitimidade perante outros empresários, o Conde conseguiu transferir para sua organização uma capacidade de navegar no ambiente. Assim, com folga de recursos financeiros e produtivos, a IRFM cresceu e se renovou durante as primeiras décadas do século vinte. O crescimento direcionou o grupo para indústrias diversas e levou à criação de mais de duas centenas de empresas. Esse intenso processo de expansão gerou uma grande diversidade de pessoas, tecnologias e negócios e, portanto, uma forte pressão de fragmentação foi exercida sobre a organização. Pode-se dizer que se sustentar a integridade de uma organização gigantesca é uma tarefa complexa atualmente, era um desafio ainda maior em um período no qual o gestor dispunha de poucas tecnologias e ferramentas para lhe auxiliar. Identificou-se que a Matarazzo não conseguiu desenvolver as capacitações necessárias para gerir essa crescente complexidade e manter a integridade organizacional. Com uma estrutura centralizada, os processos de análise e tomada de decisão se mantiveram intuitivos e não sistemáticos, gerando ainda uma gestão pouco eficiente. Os reconhecidos problemas envolvendo os processos sucessórios fornecem uma ilustração da dificuldade da Matarazzo em responder adequadamente ao desafio da diversidade, enquanto que a carência na formação de um corpo gerencial qualificado denota a baixa efetividade em lidar com desafio de recursos humanos. Dessa forma, respostas pouco efetivas em parte dos desafios impediram que a Matarazzo sustentasse a sua integridade e desenvolvesse uma propensão à longevidade saudável. Verificou-se através da descrição do ambiente relevante que a partir do Governo Vargas a indústria brasileira sofreu uma transformação, que envolveu a chegada de novos competidores e uma mudança do seu perfil. Antes pioneira, a Matarazzo não conseguiu se renovar. Os recursos empregados não foram suficientes para alterar o perfil industrial ou para fortalecer a posição dos negócios. Assim, em pouco tempo as empresas do grupo passaram a ter papel secundário nos seus mercados de atuação, afetando sua capacidade de crescimento. Portanto, identificou-se que a partir da década de 1940, quando o ambiente se tornava mais competitivo e desafiador, a Matarazzo já sinalizava uma propensão a autodestruição que se confirmou com o pedido de concordata cerca de quatro décadas depois. 278 8.2 Considerações Finais Sobre a Votorantim Também pioneira da industrialização brasileira, a Votorantim ainda se mantém como um dos principais grupos industriais do país. Apesar de sua história ser usualmente contada a partir de 1918 e remeter a José Ermírio de Moraes como primeiro grande líder, constatou-se que a trajetória do grupo começou a ser construída pelo imigrante português Antônio Pereira Ignácio no início do século vinte, através da formação das primeiras unidades de descaroçamento de algodão no interior de São Paulo. Em poucos anos, a expansão das unidades colocaria a organização de Pereira Ignácio em uma posição de liderança na indústria têxtil. Posteriormente, já com a presença de José Ermírio de Moraes, o grupo iniciaria uma mudança definitiva nos seus negócios, migrando para a indústria de base e se lançando de forma pioneira em negócios com first mover advantages (no qual se destaca a participação no setor de cimentos). Assim, a Votorantim se colocava mais uma vez na vanguarda das transformações da indústria nacional. Dessa forma, a transferência de capacitações empreendedoras para a organização, aliada à capacidade de captura de valor levaram ao crescimento. Ao mesmo tempo, respostas efetivas contribuíram para a sustentação da integridade organizacional, no qual se destaca a infusão de valores por todas as empresas do grupo e a forte capacitação gerencial. Destaca-se, ainda, a importância da folga de recursos financeiros, obtida através da política de reinvestimento dos lucros - prática institucionalizada ainda na fase inicial da organização. Dessa forma, foi possível constatar que a Votorantim conseguiu desenvolver um padrão de respostas adequado aos desafios do crescimento, o que levou a uma propensão ao crescimento saudável por décadas. A partir de 2001 uma nova geração da família Ermírio de Moraes lançou um audacioso plano de expansão. Essa iniciativa visava recuperar a internacionalização tardia e a baixa participação no processo de privatização durante a década de 1990, que geraram estagnação após um longo período de crescimento. Com uma agressiva estratégia de aquisições a Votorantim quadruplicou o seu faturamento em cinco anos, passando a atuar de forma global. O rápido crescimento, contudo, exerceu uma pressão de fragmentação sobre a organização e respostas pouco efetivas indicam que a empresa não conseguiu sustentar a integridade organizacional. A Votorantim passou a recorrer demasiadamente à contratação de executivos externos para comandar os negócios. Ao mesmo tempo, identificou-se a dificuldade em gerir a crescente complexidade e projetar uma estrutura adequada para conduzir os negócios, com tentativas antagônicas de se buscar a estrutura mais adequa da, 279 que criaram movimentos de pêndulo. Além disso, um impacto negativo na capacidade técnica do grupo e um baixo nível de folga financeira também sinalizam uma redução da capacidade de crescimento e renovação. Portanto, nos últimos anos, respostas menos efetivas fizeram com que a empresa deixasse de apresentar uma propensão à autoperpetuação, gerando um sinal de alerta sobre o futuro da Votorantim. 8.3 Principais Diferenças Identificadas Pioneiras do processo de industrialização brasileiro, a Matarazzo e a Votorantim guardam semelhanças em suas origens. Fundadas por imigrantes europeus que se estabeleceram na região de Sorocaba no final do século dezenove, ambas as organizações tiveram na indústria têxtil a base inicial para a expansão dos seus negócios. O Conde Matarazzo e José Ermírio de Moraes também estiveram à frente das instituições industriais e foram os criadores da CIESP. Entretanto, é possível dizer que as principais semelhanças se restringem a esses pontos e que notáveis diferenças foram cruciais para que as organizações seguissem caminhos diferentes. Se por um lado ambas as organizações carregaram fortes traços empreendedores, é possível destacar um perfil empreendedor distinto em cada uma delas. A Votorantim se destacou pela sua contínua capacidade de adaptação, se mantendo por décadas na vanguarda do processo de industrialização nacional, sendo pioneira na indústria de base. Dessa forma, sua estratégia esteve relacionada à exploração de novas alternativas (exploration). A Matarazzo continuou replicando um modelo comercial/industrial, para abastecer o mercado brasileiro com uma grande variedade de produtos, seguindo uma estratégia de replicação das competências existentes (exploitation). A Votorantim desenvolveu uma identidade própria, através da infusão de valores e da criação de mitos organizacionais. Assim, os funcionários se sentiam parte de uma organização com caráter único e demonstravam uma grande admiração e lealdade perante a família Ermírio de Moraes. Portanto, a Votorantim gerenciou de forma ativa o seu processo de institucionalização, contribuindo para a sustentação da integridade organizacional à medida que a organização se expandia. O mesmo processo não foi observado no caso da Matarazzo. Sua competência distinta estava concentrada na exploração de oportunidades lucrativas e a liderança do Conde não foi suficiente para manter a integridade das diversas partes da IRFM. A ideia do Conde Matarazzo em manter a unidade da organização através da escolha de 280 um herdeiro único acabou gerando o efeito contrário ao desejado. Assim, conflitos internos surgiram e contribuíram para a fragmentação do grupo. Diferentemente da Matarazzo, a Votorantim planejou e colocou em prática um processo sucessório que evitou a criação de coalisões políticas e ainda contribuiu para a capacitação profissional dos recursos gerenciais. José Ermírio de Moraes se tornou engenheiro nos EUA e seus filhos seguiram o mesmo caminho. Essa formação foi fundamental para o desenvolvimento de um know how técnico e para a expansão dos negócios em indústrias mais complexas. Na Matarazzo, por sua vez, não houve a mesma preocupação com a capacitação dos membros da família, no qual o aprendizado era obtido principalmente no dia a dia dos negócios, sendo que a própria experiência do Conde Matarazzo estava relacionada mais ao comércio do que à indústria. A Votorantim desenvolveu uma capacitação para solucionar problemas de forma sistemática. Esse traço começou a ser construído por Pereira Ignácio, que foi aos EUA aprender sobre o negócio de algodão. O complexo projeto da CBA, décadas depois, é outro exemplo que destaca a institucionalização da capacidade de gerir a complexidade e resolver problemas gerando aprendizado organizacional. A Matarazzo, por sua vez, se mostrou menos efetiva nesse ponto, com a predominância de soluções ad hoc e por vezes intuitivas. As organizações ainda conceberam estruturas distintas. A Matarazzo centralizou os seus negócios, o que contribuiu para o aumento da burocracia e uma gestão menos eficiente. A Votorantim, por outro lado, conseguiu manter uma estratégia una, mas com operações descentralizadas, evitando assim, o aumento da complexidade organizacional. 8.4 Contribuições do Estudo A condução de pesquisas através do método de estudos de caso permite que se busque validar uma teoria através da compreensão de eventos reais. Portanto, o presente estudo contribuiu para a confirmação da aplicabilidade do referencial teórico proposto por Fleck (2009). O uso dos arquétipos do sucesso e fracasso organizacional possibilitou compreender como dois grupos industriais diversificados responderam aos desafios do crescimento e como essas respostas influenciaram a propensão para o crescimento saudável ou não saudável. Além disso, o extensivo processo de levantamento de informações permitiu reconstruir a história de dois dos mais notáveis grupos industriais do país. Assim, as 281 narrativas históricas apresentadas neste trabalho fornecem uma base de informações que pode ser utilizada em trabalhos futuros. Finalmente, embora seja limitada a duas organizações, a presente pesquisa poderá instruir empresas diversificadas e com perfis similares às da Votorantim e da Matarazzo sobre a importância de desenvolver respostas adequadas aos desafios do crescimento visando evitar o declínio organizacional. Os resultados encontrados durante a análise permitem destacar os seguintes pontos no que diz respeito à gestão de organizações diversificadas: a) O monitoramento contínuo da ameaça de declínio é um aspecto extremamente relevante. Respostas rápidas e adequadas podem inibir a geração de mais pressões negativas sobre os demais desafios, evitando assim a propensão para a autodestruição. Para isso, avaliações qualitativas como as que foram empregadas nesta pesquisa contribuem para identificar sinais de atenção. Além disso, o indicador de tamanho e desempenho também utilizado neste trabalho complementa a avaliação, fornecendo um parâmetro quantitativo. b) O crescimento relacionado baseado em mecanismos de reforço contribui para a geração de folga organizacional, fomentando um novo processo de crescimento. A expansão não relacionada, por sua vez, embora seja um possível caminho para o crescimento de empresas diversificadas, não apresenta esse potencial de ganhos do desequilíbrio de recursos, podendo ainda resultar na eliminação da folga. c) A diversificação pode contribuir para evitar um excesso de exposição ao risco de uma organização e permitir o crescimento. Entretanto, se a alta cúpula não empregar os recursos necessários nas unidades de negócio para que estas continuem capturando valor, elas correm o risco de se tornarem irrelevantes em seus respectivos mercados, podendo se transformar em fardos para todo o grupo. d) Não há uma estrutura ideal para a gestão de empresas diversificadas. Uma organização diversificada pode ser gerida de forma descentralizada sem gerar fragmentação, através da institucionalização de valores e formação de mitos entre as empresas do grupo. Vale destacar a importância da atuação da alta gestão em evitar a formação de coalisões políticas e disputas por poder e recursos. e) A formação e retenção de recursos humanos é um aspecto crucial na gestão de empresas diversificadas na medida em que se aumenta a diversidade de negócios, tecnologias e processos. Os profissionais formados internamente contribuem não só para transferir os conhecimentos e disseminar as melhores práticas do grupo. Experiências adquiridas internamente ajudam a manter a integridade e evitar que se fique alterando demasiadamente o modelo de governança, gerando movimentos de pêndulos que geram desperdícios de recursos e tempo. 282 f) O crescimento acelerado, embora muitas vezes desejado, pode se transformar em uma armadilha, trazendo maiores riscos ao futuro de uma organização ao aumentar a pressão dos desafios da gestão da diversidade e de recursos humanos, enfraquecendo a integridade organizacional. 8.5 Propostas Para Pesquisas Futuras O presente estudo analisou duas organizações brasileiras. Por isso, sugere-se a condução de novas pesquisas que abranjam outras empresas diversificadas, para que se dê continuidade a essa linha. O grupo Cosan com negócios nas áreas de energia, alimentos, logística e infraestrutura é um potencial objeto de estudo. A Ultrapar, tradicional empresa da indústria química que adquiriu uma rede de farmácias, em 2013, também pode a vir a ser uma opção. Através de um ponto crítico identificado na trajetória da Votorantim a respeito da velocidade com que a empresa cresceu no início do século XXI, é possível apontar outro possível caminho para pesquisas futuras. Sendo assim, propõe-se estudar e avaliar em que medida é possível crescer rápido de maneira saudável. Dois grupos brasileiros podem ser apontados como potenciais objetos de estudo que também abrangeriam essa questão: o Grupo EBX e a Hypermarcas. Finalmente, uma questão que se mostrou importante para a análise foi o modo como as organizações se estruturaram para conduzir os seus negócios. A Matarazzo manteve uma gestão centralizada em grande parte da sua história. Pereira Ignácio e José Ermírio de Moraes fizeram o oposto. Nos últimos anos, no entanto, a Votorantim vem alterando continuamente a sua estrutura organizacional. Após passar por um processo visando a integração, virou em direção contrária, separando as empresas e eliminando as diretorias corporativas. Portanto, pode-se pesquisar a relação entre as estruturas organizacionais e o desempenho de empresas diversificadas. 283 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASHKENAS, R., DEMONACO, L., FRANCIS S. Making the Deal Real: How GE Capital Integrates Acquisitions, Harvard Business Review, Jan-Feb, p. 165-178, 1998. BAER, W. A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico do Brasil. 6ᵃ ed. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1985. BAER, W. A Economia Brasileira. 2a ed. São Paulo: Nobel, 2002. BANCO VOTORANTIM: Relatório Anual 2011 BANCO VOTORANTIM: Relatório Anual 2012 BANCO VOTORANTIM: Relatório Anual 2013 BARBOSA, R. Como uma empresa brasileira centenária com características de first mover respondeu aos desafios do crescimento. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008. BARDESE, C. Arquitetura Industrial – Patrimônio Edificado, Preservação e Requalificação: O Caso do Moinho Matarazzo e Tecelagem Mariangela. Dissertação de Mestrado. 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Acesso em maio de 2014. 300 ANEXOS ANEXO 1 – Tabela de Fatos e Dados 301 ANEXO 2 – MAPA VISUAL DA MATARAZZO 1890 AMBIENTE FAMÍLIA GRUPO MATARAZZO ALIMENTOS ALGODÃO E TÊXTIL 1905 1910 Comércio 1920 1925 1930 Ermelino M. 1917: Francesco 1920: Morte de recebe o título Ermelino de Conde Matarazzo 1891: Abre um comércio em Sorocaba 1911: Criação da IRFM 1939 - 1945: Segunda Guerra Mundial Chiquinho M. 1915: Monta o distrito de São Caetano 1927: Chiquinho é eleito o sucessor 1930: Monta uma fábrica de massas e biscoitos 1913: Fundação da Tecelagem Belenzinho 1901: Fundação da Tecelagem Mariângela METALURGIA E CERÂMICA 1902: Inicia a produção de latas para embalagens 1902: Produção de óleo de algodão e sabão 1916: Compra a Fábrica s Plamplona (graxas, óleos e velas) 1917: Compra a Metal Graphica Aliberti 1937: Morte de Francesco Matarazzo 1933: O grupo chega a 170 empresas 1920: Inaugura o Complexo Industrial de Água Branca 1917: Inaugura 1920: Inaugura o Moinho de o frigorífico Antonina Jaguariúva 1900: Monta o Moinho de trigo Matarazzo 1902: Inicia a produção de soda cáustica 1931: Compra a fábrica de tecidos Santa Celina 1926: Inaugura a Viscoseda para produzir rayon 1934: Monta uma refinaria de petróleo 1927: Compra uma fábrica de louças 1924: Fábrica de óleo de mamona é a maior do país 1939: Construção do Edifício Matarazzo 1944: Produção de margarina 1939: Exportação de fios e tecidos para os portos platinos 1939: Monta um laboratório Central 1939: Monta a fábrica de Louças Cláudia 1931: Instala uma fábrica de óleo de algodão em João Pessoa 1940: Inaugura uma fábrica de celulose PAPEL, CELULOSE E EMBALAGENS OUTROS NEGÓCIOS 1945 Têxtil 1898: Constrói a Vila Matarazzo na Av. Paulista 1893: Fábrica de banha de porco 1940 Francesco Matarazzo Alimentos 1890: Ermelino vai estudar na Europa 1935 1929: Depressão econômica 1914 - 1918: 1ᵃ Guerra Mundial Francesco Matarazzo QUÍMICOS ÓLEOS E DERIVADOS 1915 1904: Instalação do Centro Industrial do Brasil (CIB) 1888: Abolição da escravatura PRINCIPAL LIDERANÇA PRINCIPAL NEGÓCIO 1900 Fósforos Banco Seção Cinematográfica Fábrica de Pregos Sociedade de Navegação Paulista Matarazzo 302 1950 AMBIENTE 1955 1945: Suicídio de Getúlio Vargas 1960 1956 - 1961: Governo JK PRINCIPAL LIDERANÇA 1964: Golpe Militar 1980 1986: Plano Cruzado Alimentos 1964: Encerra as operações dos frigoríficos 1956: Lançamento dos 1970: Fundação tecidos Matarazzo da Polynor Boussac 1983: Pedido de concordata 2014 Profissional 1996: Demolição da Mansão Matarazzo 2007: Venda do terreno da Mansão 1994: Grupo chega a 5 mil funcionários 1977: Fecha a Viscoseda 1971: Venda da refinaria 1954: Plantação 1959: Extração de de dendezeiros óleo de café na Bahia 1951: Monta a fábrica de Artefatos de Papel 1958: Criação da Milprint para produzir embalagens 1976: Criação da Agromat para produção de óleo de algodão 1970: Arrenda uma jazida de calcário em São Paulo 1947: Compra a Cia Paraiba de Cimento Portland Banco Sociedade de Navegação Matarazzo Pasta de Amendoim Conservas Rede Superbom 2006: Vende a fábrica de sabonetes 2013: Fechamento da Celosul 1971: Monta a Sincarbon para produzir papel copiativo Pregos OUTROS NEGÓCIOS 2010 2008: Crise do subprime 1991: 40% de ociosidade nas unidades ÓLEOS E DERIVADOS MINERAÇÃO E CIMENTO 2005 1976: Inauguração de Pastifício em São José METALURGIA E CERÂMICA PAPEL, CELULOSE E EMBALAGENS 2000 1994: Plano Real 1977: Morte de Chiquinho Matarazzo 1954: Monta uma panificação 1958: Criação da Cloroquim 1995 Papel, Celulose e Embalaganes 1972: Venda do edifício Matarazzo 1951: Criação da Geon do Brasil para fabricar PVC 1990 Maria Pia Matarazzo 1950: Grupo chega a 37 mil funcionários 1945 - 1952: Plano de modernização das unidades 1985 1973: 1° choque do petróleo 1961: Chiquinho torna-se cidadão emérito de SP ALIMENTOS QUÍMICOS 1975 Têxtil FAMÍLIA ALGODÃO E TÊXTIL 1970 Chiquinho Matarazzo PRINCIPAL NEGÓCIO GRUPO MATARAZZO 1965 1982: Vende as unidades do RS 303 ANEXO 3 – MAPAS VISUAIS DA VOTORANTIM 1890 AMBIENTE 1900 1888: Abolição da escravatura PRINCIPAL LIDERANÇA PRINCIPAL NEGÓCIO FAMÍLIA 1905 1910 1915 1904: Instalação do Centro Industrial do Brasil (CIB) 1920 1925 1914 - 1918: 1ᵃ Guerra Mundial 1935 Comércio 1884: Pereira Ignacio chega ao Brasil 1945 1939 - 1945: Segunda Guerra Mundial José Ermírio de Moraes Algodão e Têxtil 1904: Pereira Ignacio vai para os EUA estudar o negócio de algodão 1905: Fundação da fábrica de Óleos Santa Helena 1916: José Ermírio de Moraes vai fazer faculdade nos EUA 1925: José Ermírio torna-se diretor da Votorantim 1918: Aquisição da 1922: Constrói a Ferrovia Votorantim Fábrica T êxtil - Sorocaba Votorantim 1911: Aquisição da fábrica de cal e cimento Rodovalho CIMENTO 1940 1929: Depressão econômica Antônio Pereira Ignácio ALGODÃO E TÊXTIL 1923: Incêncdio na fábrica Rodovalho 1929: Constrói centros de distribuição próprios 1936: Fundação da Fábrica Santa Helena e do cimento Votoran 1935: Fundação da Cia. Nitroquímica em parceria com a Klabin QUÍMICOS 1938: Fundação da Siderúrgica Barra Mansa com 3600 t/ano SIDERURGIA 1941: Estudos iniciais para fábrica de alumínio METAIS OUTROS NEGÓCIOS 1930 1892: Abre um comércio em Botucatu 1910: Compra a Companhia Telefônica Sul Paulista 1918: Adquire uma fonte de água mineral (Água Platina) 304 1950 AMBIENTE 1945: Suicídiode Getúlio Vargas FAMÍLIA 1960 1956 - 1961: Governo JK 1953: Instala a Cia de Cimento RIo Branco (PR) PAPEL E CELULOSE AGROINDÚSTRIA BANCO 1964: Golpe Militar 1980 1985 1973: 1° choque do petróleo 1990 1995 1994: Plano Real 1986: Plano Cruzado 2000 2005 1997: Privatização da Vale 2010 2014 2008: Crise do subprime José Filho e Antônio Ermírio de Moraes 4ᵃ geração 1988: Antônio Ermírio é eleito o maior empresário do país pela 10ᵃ vez 1973: Morte de José Ermírio de Moraes 1951: Morte de Pereira Ignácio CIMENTO METAIS 1975 Cimento 1950: É o terceiro maior exportador de algodão de São Paulo SIDERURGIA 1970 Têxtil TÊXTIL QUÍMICOS 1965 José Ermírio de Moraes PRINCIPAL LIDERANÇA PRINCIPAL NEGÓCIO 1955 1958: Formação da Cia Industrial Igarassu 1955: Adquire jazidas de minério em Lafayete (MG) 1955: Inauguração da CBA com produção de 5 mil t/ano 1969: Detém 10% do mercado têxtil brasileiro 1993: Retira-se do setor 1918: Aquisição 1967: Instala a Cia de Cimento Portland Sergipe 1977: Aquisição da Cimento Itaú, a principal concorrente 1967: Compra a parte da Klabin na Nitro Química 1977: Fundação da Nitrofluor para fabricar ácido fluorídrico 1975: A produção chega a 160 mil t/ano 1969: Inicia a produção de zinco na CMM 2010: Antônio Ermírio deixa o Conselho 1981: Atinge a autossuficiência no consumo de carvão 2001: Início do processo de internacionalização 1988: Fundação da Nordesclor para produzir THT, em Suape (PE) 2011: Venda da Nitro Química 2007: Adquire uma usina na Argentina e outra na Colômbia 1989: A produçã o chega a 400 mil t/ano 2003: A CBA se torna a maior fábrica integrada do mundo com produção de 340 mil t/ano 1981: Começa a produção da Companhia Níquel Tocantins 1987: Adquire os ativos da Celpav 1989: Fundação da Citrovita 1991: Fundação do Banco Votorantim 1999: Lança suas ações na bolsa de NY 2008: Adquire a Aracruz 2010: Anuncia uma fusão com a Citrosuco 2008: Vende 49,99% das ações parao BB 305 306 ANEXO 4 – ÁRVORE GENEALÓGICA MATARAZZO Fonte: Couto1, 2008, p. 314 307 FRANCESCO MATARAZZO E FILHOS Fonte: Rodrigues & Vilela (2013) “?” – sem informações sobre a data de falecimento 308 ANEXO 5 – Carta de José Ermírio de Moraes Para Seus Filhos Fonte: Acervo Memória Votorantim 309 310 ANEXO 6 – Gestão de Recursos Humanos Votorantim Fonte: www.votorantim.com.br 311 312 ANEXO 7 – Série Histórica do PIB Brasil Fonte: Grigorovski (2004) e Ipeadata (2014) Ano PIB Moeda 1941 56.845.962.691.100,00 Mil Réis 1942 64.271.523.000,00 Cruzeiro 1943 81.310.546.990,00 Cruzeiro 1944 105.513.119.160,00 Cruzeiro 1945 125.114.080.280,00 Cruzeiro 1946 160.012.901.380,00 Cruzeiro 1947 178.500.000.000,00 Cruzeiro 1948 207.400.000.000,00 Cruzeiro 1949 241.900.000.000,00 Cruzeiro 1950 281.500.000.000,00 Cruzeiro 1951 348.800.000.000,00 Cruzeiro 1952 410.200.000.000,00 Cruzeiro 1953 489.500.000.000,00 Cruzeiro 1954 671.200.000.000,00 Cruzeiro 1955 814.699.999.980,00 Cruzeiro 1956 1.028.900.000.000,00 Cruzeiro 1957 1.249.500.000.000,00 Cruzeiro 1958 1.555.000.000.000,00 Cruzeiro 1959 2.319.600.000.000,00 Cruzeiro 1960 3.182.200.000.000,00 Cruzeiro 1961 4.652.700.000.000,00 Cruzeiro 1962 7.452.200.000.000,00 Cruzeiro 1963 13.375.800.000.000,00 Cruzeiro 1964 26.213.600.000.000,00 Cruzeiro 1965 42.662.000.000.000,00 Cruzeiro 1966 62.789.000.000.000,00 Cruzeiro 1967 82.783.000.000,00 Cruzeiro Novo 1968 115.171.000.000,00 Cruzeiro Novo 1969 151.400.000.000,00 Cruzeiro Novo 1970 194.315.303.824,00 Cruzeiro Novo 1971 258.296.115.417,00 Cruzeiro 1972 346.580.797.177,00 Cruzeiro 1973 511.834.251.175,00 Cruzeiro 1974 745.136.153.841,00 Cruzeiro 1975 1.049.517.572.083,00 Cruzeiro 1976 1.633.963.079.798,00 Cruzeiro 1977 2.492.977.884.176,00 Cruzeiro 1978 3.617.245.645.792,00 Cruzeiro 1979 5.961.236.013.013,00 Cruzeiro 1980 12.507.806.000.000,00 Cruzeiro 1981 24.015.788.000.000,00 Cruzeiro 313 1982 48.680.718.000.000,00 Cruzeiro 1983 109.386.334.000.000,00 Cruzeiro 1984 347.886.015.000.000,00 Cruzeiro 1985 1.307.718.616.000.000,00 Cruzeiro 1986 3.502.630.801.000,00 Cruzado 1987 11.103.965.772.000,00 Cruzado 1988 80.782.983.199.000,00 Cruzado 1989 1.170.387.103.582,00 Cruzado Novo 1990 31.759.185.000.000,00 Cruzeiro 1991 166.786.498.000.000,00 Cruzeiro 1992 1.762.636.611.000.000,00 Cruzeiro 1993 38.767.064.000.000,00 1994 349.204.679.000,00 Real 1995 705.641.000.000,00 Real 1996 843.966.000.000,00 Real 1997 939.147.000.000,00 Real 1998 979.276.000.000,00 Real 1999 1.065.000.000.000,00 Real 2000 1.179.482.000.000,00 Real 2001 1.302.136.000.000,00 Real 2002 1.477.182.000.000,00 Real 2003 1.699.148.000.000,00 Real 2004 1.941.498.000.000,00 Real 2005 2.147.239.000.000,00 Real 2006 2.369.484.000.000,00 Real 2007 2.661.344.000.000,00 Real 2008 3.032.203.000.000,00 Real 2009 3.239.404.000.000,00 Real 2010 3.770.850.000.000,00 Real 2011 4.143.013.000.000,00 Real 2012 4.402.537.000.000,00 Real 2013 4.840.000.000.000,00 Real Cruzeiro Real 314 ANEXO 8 – Relação dos Presidentes da República Fonte: Wikipedia Nº Presidente Início do mandato Fim do mandato 1 Manuel Deodoro da Fonseca 15 de novembro de 1889 23 de novembro de 1891 Floriano Vieira Peixoto 23 de novembro de 1891 15 de novembro de 1894 Prudente José de Morais e 3 Barros 15 de novembro de 1894 15 de novembro de 1898 4 Manuel Ferraz de Campos Sales 15 de novembro de 1898 15 de novembro de 1902 5 Francisco de Paula Rodrigues Alves 15 de novembro de 1902 15 de novembro de 1906 6 Afonso Augusto Moreira Pena 2 Partido Floriano Vieira Peixoto Nenhum (militar) nenhum Partido Republicano Federal PR Federal Partido Republicano Paulista PRP Partido 15 de 14 de junho Republicano novembro de 1909 Mineiro de 1906 PRM 15 de 14 de junho novembro de 1909 de 1910 Vice-presidente(s) Partido Republicano Fluminense PRF Manuel Vitorino Pereira Rosa e Silva Silviano Brandão Afonso Pena Nilo Procópio Peçanha nenhum 7 Nilo Procópio Peçanha 8 Hermes Rodrigues da Fonseca 15 de novembro de 1910 Partido 15 de Republicano novembro Conservador de 1914 PRC 9 Venceslau Brás Pereira Gomes 15 de novembro de 1914 15 de novembro de 1918 Partido Republicano Mineiro PRM Urbano Santos da Costa Araújo Morreu antes de tomar posse Partido Republicano Paulista PRP Delfim Moreira da Costa Ribeiro — Rodrigues Alves 10 Delfim Moreira da Costa Ribeiro (interino) 15 de novembro de 1918 28 de julho de 1919 11 Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa 28 de julho de 1919 15 de novembro de 1922 12 Artur da Silva Bernardes 15 de novembro de 1922 15 de novembro de 1926 13 — 15 de Washington Luís Pereira de novembro Souza de 1926 Júlio Prestes de Venceslau Brás Pereira Gomes nenhum Partido Republicano Mineiro PRM 24 de Partido outubro de Republicano 1930 Paulista PRP Não assumiu por causa Delfim Moreira da Costa Ribeiro Bueno de Paiva Estácio Coimbra Fernando de Melo Viana Vital Soares 315 Albuquerque da Revolução de 1930 Augusto Tasso Fragoso Isaías de Noronha João de Deus Mena Barreto (Junta Governativa Provisória de 1930) 24 de outubro de 1930 3 de novembro de 1930 Nenhum (militares) 14 Getúlio Dornelles Vargas 3 de novembro de 1930 29 de outubro de 1945 Aliança Liberal AL 15 José Linhares (interino) 29 de outubro de 1945 31 de janeiro de 1946 Eurico Gaspar Dutra 31 de janeiro de 1946 31 de janeiro de 1951 Partido Social Democrático PSD Nereu Ramos 17 Getúlio Dornelles Vargas 31 de janeiro de 1951 24 de agosto de 1954 Partido Trabalhista Brasileiro PTB João Fernandes Campos Café Filho 18 João Fernandes Campos Café Filho 24 de agosto de 1954 8 de novembro de 1955 Partido Social Progressista PSP nenhum 19 Carlos Coimbra Luz (interino) 8 de novembro de 1955 11 de novembro de 1955 20 11 de novembro de 1955 31 de janeiro de 1956 nenhum Nereu de Oliveira Ramos (interino) Partido Social Democrático PSD 21 Juscelino Kubitschek de Oliveira 31 de janeiro de 1956 31 de janeiro de 1961 Partido Social Democrático PSD 22 Jânio da Silva Quadros 31 de janeiro de 1961 25 de agosto de 1961 Partido Trabalhista Nacional PTN 23 Pascoal Ranieri Mazzilli (interino) 25 de agosto de 1961 7 de setembro de 1961 Partido Social Democrático PSD nenhum 24 João Belchior Marques Goulart 7 de setembro de 1961 1 de abril de 1964 Partido Trabalhista Brasileiro PTB nenhum 25 Pascoal Ranieri Mazzilli (interino) 2 de abril de 1964 Partido 15 de abril Social de 1964 Democrático PSD 26 Humberto de Alencar Castelo Branco 15 de abril de 1964 15 de março de 1967 27 Artur da Costa e Silva 15 de 31 de — 16 nenhum nenhum Aliança Renovadora Nacional ARENA João Goulart nenhum José Maria Alkmin Pedro Aleixo 316 março de 1967 agosto de 1969 — Aurélio de Lira Tavares Augusto Hamann Rademaker Grünewald Márcio de Sousa Melo (Junta Governativa Provisória de 1969) 31 de agosto de 1969 30 de outubro de 1969 28 Emílio Garrastazu Médici 30 de outubro de 1969 15 de março de 1974 29 Ernesto Beckmann Geisel 15 de março de 1974 15 de março de 1979 30 João Baptista de Oliveira Figueiredo 15 de março de 1979 15 de março de 1985 — Tancredo de Almeida Neves 31 José Ribamar Araújo da Costa Sarney 15 de março de 1985 15 de março de 1990 32 Fernando Collor de Mello 15 de março de 1990 29 de dezembro de 1992 33 Itamar Augusto Franco Cautieiro 34 Fernando Henrique Cardoso 35 Luiz Inácio Lula da Silva 36 Dilma Vana Rousseff Morreu antes de tomar posse Nenhum (militar) nenhum Augusto Rademaker Aliança Renovadora Nacional Adalberto Pereira dos ARENA Santos Partido Democrático Social PDS Aureliano Chaves José Ribamar Araújo Partido do da Costa Sarney Movimento Democrático Brasileiro nenhum PMDB Partido da Reconstruçã o Nacional 29 de 1 de janeiro PRN dezembro de 1995 de 1992 Partido da Social 1 de janeiro 1 de janeiro Democracia de 1995 de 2003 Brasileira PSDB 1 de janeiro 1 de janeiro Partido dos de 2003 de 2011 Trabalhadore s 1 de janeiro em PT de 2011 exercício Itamar Franco nenhum Marco Maciel José Alencar Michel Temer 317 ANEXO 9 – Histórico de Preços de Commodities Cotação Internacional do Alumínio (US$) Fonte: Ipeadata, 2014 3.000,0000 2.500,0000 2.000,0000 1.500,0000 1.000,0000 500,0000 1957 1959 1961 1963 1965 1967 1969 1971 1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 0,0000 Cotação Internacional do Níquel (US$) Fonte: Index Mundi, 2014 60000 50000 40000 30000 20000 10000 set/13 mai/12 jan/11 set/09 mai/08 jan/07 set/05 mai/04 jan/03 set/01 mai/00 jan/99 set/97 mai/96 jan/95 set/93 mai/92 jan/91 set/89 mai/88 jan/87 set/85 mai/84 0 May 1989 Apr 1990 mar/91 Feb 1992 jan/93 Dec 1993 nov/94 Oct 1995 Sep 1996 Aug 1997 jul/98 jun/99 May 2000 Apr 2001 mar/02 Feb 2003 jan/04 Dec 2004 nov/05 Oct 2006 Sep 2007 Aug 2008 jul/09 jun/10 May 2011 Apr 2012 mar/13 Feb 2014 318 Cotação Internacional do Zinco (US$) Fonte: Index Mundi, 2014 4500 4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 319 ANEXO 10 – Informações da Indústria de Cimentos Maiores Produtores de Cimento do Mundo Fonte: Global Cement Directory, 2013 # Empresa/Grupo País 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Anhui Conch Lafarge Holcim CNBM HeidelbergCement Italcementi Cemex Taiwan Cement Corp China Resources Sinoma UltraTech Taiheiyo Tianrui Eurocement Jidong Development Shanshui Buzzi Cimpor Votorantim Siam Jiangsu Jinfeng Jaypee Vicat Yatai Group VICEM BBMG Corp Dangote Titan Fars and Khuzestan Cement Co India Cements Ltd China France Switzerland China Germany Italy Mexico Taiwan China China India Japan China Russia China China Italy Portugal Brazil Thailand China India France China Vietnam China Nigeria Greece Iran India Capacidade (Mt/ano) 217 205 174 128 90 80 76 64 59 53 49 43 42 40 37 36 36 35 35 31 31 27 25 22 22 21 20 20 18 15 Número de Plantas 26 134 117 80 100 60 55 6 17 4 23 11 11 30 9 21 32 36 25 6 7 17 15 6 9 18 4 13 10 9 320 Maiores Produtores de Cimento do Mundo com Informações dos Relatórios Anuais e websites das empresas Fonte: Global Cement # Empresa/Grupo País Capacidade (Mt/ano) Número de Plantas 1 Lafarge France 2 CNBM China 3 Holcim Switzerland 4 Anhui Conch China 5 Jidong Development China 6 HeidelbergCement Germany 7 Sinoma China 8 Cemex Mexico 9 Shanshui China 10 China Resources China 11 Taiwan Cement Corp Taiwan 12 Italcementi Italy 13 Votorantim Brazil 14 UltraTech India 15 Buzzi Italy 16 Tianrui China 17 Eurocement Russia 18 Cimpor Portugal 19 Intercement Brazil 20 Jaypee India 21 Vicat France 22 PT Semen Indonesia Indonesia 28.5 23 Titan Greece 24 Siam Thailand 25 Asia Cement Corp (ACC) Taiwan 26 Dalmia Bharat India 27 VICEM Vietnam 28 Dangote Nigeria 29 Oyak Cement Turkey 30 India Cements Ltd India 224 221 218 209 130 122 100 95 93 74 71 68 57 51 45 43 40 38 38 33 30 25 24 24 22 21 21 18 16 161 147 43 103 57 17 53 22 22 39 42 16 39 39 12 17 13 13 4 7 6 5 9 321 Maiores Produtores de Cimento do Brasil Fonte: Sindicato Nacional da Indústria do Cimento, 2013 Grupo Votorantim João Santos Intercement Lafarge Cimpor Holcim Ciplan Itambé Outros Produção 24.360 7.161 6.632 6.061 6.004 4.630 2.414 1.678 9.869 % 35,4% 10,4% 9,6% 8,8% 8,7% 6,7% 3,5% 2,4% 14,3% 322 Evolução do Consumo do Cimento no Brasil (em mil toneladas) 80.000 70.000 60.000 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 0 Fonte: Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (2013) e Ipeadata, 2014 Relação Produção x Consumo de Cimento no Brasil 70.000 60.000 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 0 1950 1960 1970 Produção (mil t) 1980 1990 2000 Consumo aparente (mil t) Fonte: Sindicato Nacional da Indústria do Cimento, 2013 2010 323 ANEXO 11 – Líderes Mundiais na Produção de Metais Alumínio Fonte: About.com Produção Empresa País Rusal Rússia 4,127 Rio Tinto Inglaterra / Austrália 3,829 Alcoa EUA 3,669 Chinalco China 3,127 Norsk Noruega 1,705 Dubai Aluminium Emirados Árabes 1,386 China Power China 1,381 BHP Billiton Austrália 1,249 Shandong Xinfa China 1,016 Aluminium Bahrain Bahrein 0,881 (milhões de toneladas) Níquel Fonte: About.com Produção Empresa País Norilsk Rússia 286 Vale Brasil 206 Jinchuan China 127 Glencore Suíça 106 BHP Billiton Austrália 83 Sumitomo Japão 65 Eramet França 54 Anglo American Inglaterra 48 Sherritt Canadá 35 Minara Austrália 30 (mil toneladas) 324 Zinco Fonte: Nystar (2012) Empresa Produção (mil toneladas) Nyrstar 1.125 Korea Zinc Group 1.055 Hindustan 761 Xstrata AG 636 Votorantim 600 New Boliden 461 Shaanxi 338 Huludao Zinc 335 Glencore 302 Teck 291 325 Anexo 12 – Maiores produtores brasileiros de celulose Fonte: BNDES (2010)