UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
RAFAEL PEREIRA DE ARAÚJO PEDROSA
Desafios do crescimento de empresas diversificadas:
Os casos Matarazzo e Votorantim
Rio de Janeiro
2015
Rafael Pereira de Araújo Pedrosa
DESAFIOS DO CRESCIMENTO DE EMPRESAS DIVERSIFICADAS:
OS CASOS MATARAZZO E VOTORANTIM
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa
de
Pós-Graduação
em
Administração, Instituto Coppead de
Administração, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Administração (M.Sc.)
Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D.
Rio de Janeiro
2015
FICHA CATALOGRÁFICA
PEDROSA, Rafael Pereira de Araújo
Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os
Casos Matarazzo e Votorantim / Pedrosa, R. P. A.
- 2015. 325f
Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto Coppead de
Administração, 2015.
Orientadora: Denise Lima Fleck
1. Crescimento da Firma. 2. Declínio Organizacional. 3.
Administração - Teses. I. Fleck, Denise Lima. (Orient.). II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto
Coppead de Administração. Desafios do Crescimento de
Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e
Votorantim
ii
DESAFIOS DO CRESCIMENTO DE EMPRESAS
DIVERSIFICADAS: OS CASOS MATARAZZO E VOTORANTIM
Rafael Pereira de Araújo Pedrosa
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Administração (M.Sc.)
Aprovado por:
________________________________________
Profa. Denise Lima Fleck, Ph.D. (COPPEAD, UFRJ) - Orientadora
________________________________________
Prof. José Vitor Bomtempo Martins, D.Sc. (Escola de Química, UFRJ)
________________________________________
Profa Maribel Carvalho Suarez, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ)
Rio de Janeiro
2015
iii
AGRADECIMENTOS
À minha amada esposa Amanda Xavier, não só por todo o seu
companheirismo e paciência durante esses longos meses, mas por ter sido a principal
incentivadora para que eu seguisse essa fantástica jornada.
A minha família, em especial aos meus pais, Lívia e Manoel, que não mediram
esforços para que eu tivesse uma educação de qualidade. Ao meu irmão Luiz Felipe,
desde sempre uma referência para mim e que sempre me deu suporte nas minhas
decisões. E também aos meus sogros Márcia e Emílio, por todo o apoio que têm me
dado. Sem a contribuição dos meus familiares, eu não teria chegado até aqui.
À professora Denise Fleck, por todos os ensinamentos durante o Mestrado, e
por ter me aceito como orientado, sendo extremamente dedicada e buscando sempre
o melhor para o meu trabalho, incentivando e cobrando quando necessário.
Aos professores Maribel Suarez e José Vitor Bomtempo por terem aceitado
participar da banca de avaliação e por se dedicarem para avaliar e contribuir com a
minha dissertação.
A todos os entrevistados que cederem parte dos seus tempos para me contar
grandes histórias, sem as quais eu não poderia ter concluído o presente estudo.
Um agradecimento especial a toda a equipe do Centro de Memória da
Votorantim, por fazerem um trabalho fantástico e por me receberem tão bem e
estarem sempre abertos para contribuir para a pesquisa.
Aos meus colegas de Mestrado, em especial aos parceiros de seminários, pelo
companheirismo e contribuições oferecidas ao longo desses últimos meses. Vocês
todos foram uma grande fonte de aprendizado.
Aos professores do Coppead pelos valiosos ensinamentos, e a toda equipe de
colaboradores do Coppead, exemplos de funcionários públicos, corretos, eficientes e
sempre dispostos a ajudar.
Aos meus grandes amigos de Itajubá e do Rio, que me propiciaram importantes
momentos de refúgio e diversão. Ao Thor, que embora não possa ler nenhuma linha
do que está escrito aqui, é um amigo fiel e leal.
Ao CNPq pela concessão da bolsa a que tive acesso durante o meu segundo
ano de curso.
E, finalmente, agradeço ao meu país, que apesar de todas as suas
dificuldades, me proporcionou a oportunidade de cursar de forma gratuita um
programa de Mestrado de excelência em nível mundial. Compreendo que junto com o
título de Mestre em Administração, carrego o dever de contribuir diretamente para o
desenvolvimento do Brasil.
iv
RESUMO
Pedrosa, Rafael Pereira de Araújo. Desafios do Crescimento de Empresas
Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim. Orientadora: Denise Fleck. Rio
de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2014. Dissertação (Mestrado em Administração).
Os grupos Matarazzo e Votorantim, possivelmente os dois principais grupos industriais
da história do país, guardam certas similaridades em suas trajetórias. Protagonistas do
processo de industrialização pelo qual o Brasil passou no início do século vinte, as
organizações foram formadas por imigrantes europeus que se estabeleceram na
cidade de Sorocaba e tiveram na indústria têxtil a base para a expansão e
diversificação dos negócios. As semelhanças, no entanto, param por aí. Enquanto que
a organização do Conde Matarazzo ampliou drasticamente o seu escopo de
atividades, chegando a reunir mais de duas centenas de empresas que atuavam em
diversos segmentos da economia, a Votorantim liderada por José Ermírio de Moraes
foi uma das pioneiras na formação da indústria de base nacional, concentrando suas
atividades principalmente nos setores de cimentos e metais. Assim, elas tiveram
destinos distintos. As principais empresas que formavam a Indústrias Reunidas
Fábricas Matarazzo (IRFM) declinaram e pediram concordata em 1983. A Votorantim,
por sua vez, ainda se mantém como um dos principais conglomerados do país. Dessa
forma, o objetivo deste trabalho foi compreender como essas organizações
responderam aos desafios do crescimento propostos por Fleck (2009), buscando
analisar se essas respostas contribuíram para o desenvolvimento de uma propensão à
longevidade saudável ou à autodestruição em cada um dos casos. A análise sugere
que a Matarazzo desenvolveu capacitações empreendedoras que contribuíram para o
seu crescimento, mas não conseguiu gerir a complexidade e evitar a fragmentação em
decorrência do intenso processo de expansão e diversificação. Além disso,
dificuldades em se adaptar às mudanças do ambiente também contribuíram para a
sua extinção. Respostas consistentes foram identificadas ao longo da trajetória da
Votorantim, permitindo, ao mesmo tempo, o crescimento e a sustentação da
integridade organizacional. Evidências apontam, no entanto, para respostas menos
efetivas nos anos recentes, indicando que pode haver um risco para o futuro da
organização.
Palavras-chave: Crescimento da Firma; Declínio Organizacional; Longevidade
Saudável; Diversificação
v
ABSTRACT
Pedrosa, Rafael Pereira de Araújo. Desafios do Crescimento de Empresas
Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim. Orientadora: Denise Fleck. Rio
de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2014. Dissertação (Mestrado em Administração).
The Matarazzo and Votorantim groups, possibly the two major industrial groups in the
country's history, hold certain similarities in their trajectories. First, they were both
protagonists of the industrialization process by which Brazil went through in the early
twentieth century. Second, the organizations were formed by European immigrants
who settled in the city of Sorocaba and had in the textile industry the basis for the
expansion and diversification of their business. The connections, however, end there.
While the organization formed by Francesco Matarazzo dramatically expanded its
scope of activities, encompassing more than two hundred companies in various
segments of the economy, Votorantim, led by José Ermírio de Moraes, was a pioneer
in Brazilian basic industry, focusing its activities mainly on cement and metals sectors.
Thus, they had different destinations. The main companies that formed the Indústrias
Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM) declined and filed for bankruptcy in 1983.
Votorantim, in turn, still stands as one of the leading conglomerates in the country.
Therefore, this study aims to understand how these organizations responded to the
growth-related challenges proposed by Fleck (2009), seeking to analyze whether these
responses contributed to the development of a propensity for self-destruction or healthy
longevity in each case.
The analysis suggests that
Matarazzo developed
entrepreneurial capabilities which contributed to its growth, but was not able to deal
with complexity and avoid the fragmentation due to the intense process of growth and
diversification. Furthermore, difficulties in adapting to environmental changes also
contributed to its extinction. Consistent responses were identified along Votorantim´s
trajectory, allowing, at the same time, the growth and the preservation of the
organizational integrity. Evidence points, however, to less effective responses in recent
years, indicating that there may be risk to the future of the organization.
Keywords: Growth of the Firm; Organizational Decline; Healthy Longevity;
Diversification.
vi
LISTA DE ABREVIATURAS
BB
Banco do Brasil
BNDE
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (depois BNDES)
BNDES
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
CADE
Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CBA
Companhia Brasileira de Alumínio
CMM
Companhia Mineira de Metais
CIESP
Centro das Indústrias do Estado de São Paulo
CIFTSP
Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão de São Paulo
CIP
Conselho Interministerial de Preços
CSN
Companhia Siderúrgica Nacional
EBITDA
Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation And Amortization
EUA
Estados Unidos da América
FAAP
Fundação Armando Alvares Penteado
FGV
Fundação Getúlio Vargas
FHC
Fernando Henrique Cardoso
FIESP
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
IBAR
Indústria Brasileira de Artigos Refratários
IME
Indústria Matarazzo de Energia
IRFM
Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo
JK
Juscelino Kubitschek
PIB
Produto Interno Bruto
PNDII
Plano Nacional de Desenvolvimento
SDV
Sistema de Desenvolvimento Votorantim
SGV
Sistema de Gestão Votorantim
VC
Votorantim Cimentos
VCP
Votorantim Celulose e Papel
VCPS
Votorantim Cimentos Production System
VID
Votorantim Industrial
VM
Votorantim Metais
VPAR
Votorantim Participações
vii
LISTA DE TABELAS
Tabela 2-1 - Cinco Desafios do Crescimento ...................................................................... 10
Tabela 3-1 - Comparativo Cronológico Entre Matarazzo e Votorantim ........................... 20
Tabela 3-2 – Relação dos Entrevistados .............................................................................. 24
Tabela 3-3 – Relação dos relatos obtidos no Centro de Memória Votorantim ............... 24
Tabela 3-4– Dimensões Utilizadas para a Análise ............................................................. 26
Tabela 4-1 - Crescimento da Produção de Café e da População nas Zonas Cafeeiras
..................................................................................................................................................... 29
Tabela 4-2 - Evolução da Produção Industrial de São Paulo ............................................ 32
Tabela 4-3 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de
toneladas métricas) .................................................................................................................. 33
Tabela 4-4 - Balança Comercial do Brasil, 1904 – 1918.................................................... 33
Tabela 4-5 - Distribuição por Idade das Máquinas da Indústria Têxtil em 1939 ............ 44
Tabela 4-6- Aspectos Gerais da Indústria: 1928 – 1939 .................................................... 45
Tabela 4-7 - Participação dos Itens Importados em Diversos Setores ............................ 51
Tabela 4-8 - Mudanças na Estrutura Industrial Brasileira: 1939 - 1963 .......................... 52
Tabela 4-9 - Crescimento da Indústria entre 1957 e 1977 ................................................ 54
Tabela 4-10 - Taxas de Crescimento de Subsetores (1971-1989) .................................. 59
Tabela 4-11 – Principais Privatizações Realizadas Durante a Década de 1990 ........... 60
Tabela 4-12 -- Participação dos Setores da Atividade Econômica no PIB em Anos
Selecionados ............................................................................................................................. 66
Tabela 5-1- Patrimônio da IRFM em 1911 ........................................................................... 72
Tabela 5-2 – Grupo Matarazzo em 1934 .............................................................................. 88
Tabela 5-3 - Evolução do capital social da Matarazzo (em milhões de cruzeiros) ........ 91
Tabela 5-4 - Divisão da Matarazzo em Empresas ............................................................ 103
Tabela 5-5 Composição do Faturamento da IRFM por Setor (%) .................................. 105
Tabela 5-6 – Perfil do Grupo Matarazzo em 1993 ............................................................ 108
Tabela 6-1 - Evolução da Produção anual de Cimento em Toneladas ......................... 126
Tabela 6-2 – Quarta Geração da Família Ermírio de Moraes ......................................... 139
Tabela 6-3 – Unidades de Negócio da Votorantim em 2001........................................... 140
Tabela 6-4 – Participação da Votorantim no Mercado Brasileiro, por Negócio ............ 140
Tabela 7-1 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de
toneladas métricas) ................................................................................................................ 160
Tabela 7-2 – Avanço das Unidades Têxteis do Grupo Matarazzo entre 1939 e 1952 162
Tabela 7-3 – Relação de Unidades Descontinuadas ou Vendidas Entre as Décadas de
1950 e 1970............................................................................................................................. 185
Tabela 7-4 – Lucro Médio da Matarazzo Entre 1912 e 1929 .......................................... 188
Tabela 7-5 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911 ...................... 194
Tabela 7-6 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 ...................... 196
Tabela 7-7 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955 ...................... 198
Tabela 7-8 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983 ...................... 200
Tabela 7-9 – Evolução da produção brasileira de alumínio primário segundo entre
2000 e 2009 (em mil t) ........................................................................................................... 223
viii
Tabela 7-10 – Divisão das operações da Votorantim entre os membros da terceira
geração .................................................................................................................................... 232
Tabela 7-11 – Resumo da capacidade e vendas da VM ................................................. 260
Tabela 7-12 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 ................... 267
Tabela 7-13 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973 ................... 270
Tabela 7-14 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 ................... 273
Tabela 7-15 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 ................... 275
ix
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 4-1 - Movimento Migratório no Estado de São Paulo (1871 – 1900) ................. 30
Gráfico 4-2– Evolução da População Brasileira .................................................................. 46
Gráfico 4-3 – Evolução das Populações Urbana e Rural no Brasil .................................. 47
Gráfico 4-4 - Distribuição Setorial do PIB (1950 – 89) ....................................................... 48
Gráfico 4-5 - Relação de Produção e Consumo de Energia Elétrica ............................... 54
Gráfico 4-6 - Cotação Internacional do Petróleo (US$) ...................................................... 55
Gráfico 4-7 - Saldo da Balança Comercial entre 1970 a 1989 (US$ milhões) ............... 56
Gráfico 4-8 - Inflação - IPCA (% a.a.).................................................................................... 61
Gráfico 4-9 - Taxa de juros - Over / Selic - (% a.a.) ............................................................ 62
Gráfico 4-10 - Saldo da Balança Comercial entre 1990 e 2013 (US$ milhões) ............. 63
Gráfico 4-11 - Taxa de Câmbio (Real x Dólar) .................................................................... 64
Gráfico 4-12 - PIB da China em US$ - 1960 – 2013........................................................... 65
Gráfico 4-13 – Participação das vendas para a China no total das exportações do
Brasil ........................................................................................................................................... 66
Gráfico 5-1 - Distribuição do Capital da IRFM ..................................................................... 73
Gráfico 5-2 - Distribuição do Capital da Indústrias Matarazzo do Paraná ...................... 78
Gráfico 6-1 - Evolução Financeira do Grupo entre 1942 e 1951 (em milhões de
cruzeiros) ................................................................................................................................. 122
Gráfico 7-1 – Evolução do Tamanho da Matarazzo entre 1941 e 1980 ........................ 149
Gráfico 7-2 - Composição de Faturamento da Matarazzo em 1980 .............................. 186
Gráfico 7-3 – Margem líquida da IRFM entre 1943 e 1979 ............................................. 189
Gráfico 7-4 – Capital Social em relação ao PIB brasileiro ............................................... 190
Gráfico 7-5 – Percentual das Dívidas Sobre o Ativo Total............................................... 190
Gráfico 7-6 – Evolução do Tamanho da Votorantim entre 1952 e 2013 ....................... 201
Gráfico 7-7 – Composição do EBITDA da VID em 2012 ................................................. 224
Gráfico 7-8 – Evolução do endividamento da VID (em milhares de Reais) .................. 264
Gráfico 7-9 – Evolução da Margem Líquida da Votorantim ............................................. 264
Gráfico 7-10 – Evolução dos investimentos da Votorantim (em bilhões de Reais) ..... 265
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 2-1 – Motor do Crescimento Contínuo........................................................................ 7
Figura 2-2 - Modelo dos Requisitos para o Desenvolvimento de Propensão à
Autoperpetuação ...................................................................................................................... 17
Figura 5-1 - Composição da Diretoria da IRFM ................................................................... 74
Figura 5-2 – Estrutura da Diretoria Executiva em 1976 ................................................... 100
Figura - 6-1 – Mapa da Localização das Empresas da Votorantim, por Setor em 1984
................................................................................................................................................... 128
Figura 7-1 – Processo de Diversificação da Matarazzo entre 1900 e 1903 ................. 152
Figura 7-2 – Composição da IRFM em 1925 ..................................................................... 170
Figura 7-3 – Legenda do resumo das respostas aos desafios do crescimento ........... 192
Figura 7-4 – Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911............................................... 193
Figura 7-5 - Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 ............................................... 194
Figura 7-6 – Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955............................................... 197
Figura 7-7 – Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983............................................... 199
Figura 7-8 – Estrutura industrial do grupo Votorantim na década de 1950 .................. 229
Figura 7-9 – Estrutura Organizacional da Votorantim em 2010 ...................................... 255
Figura 7-10 - Estrutura Organizacional da Votorantim em 2014 .................................... 256
Figura 7-11 – Expansão da Votorantim através de mecanismos de auto reforço ....... 259
Figura 7-12 – Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 ............................................ 266
Figura 7-13 – Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973............................................ 268
Figura 7-14 – Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 ............................................ 271
Figura 7-15 – Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 ............................................ 273
xi
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1
2
REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................ 4
3
2.1
Empresas Familiares ................................................................................................. 4
2.2
Gestão de Empresas Diversificadas ....................................................................... 5
2.3
Crescimento e Declínio Organizacional .................................................................. 7
2.4
Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional ............................................. 9
2.4.1
Desafio do Empreendedorismo ...................................................................... 11
2.4.2
Desafio da Navegação no Ambiente ............................................................. 12
2.4.3
Desafio da Gestão da Diversidade ................................................................ 13
2.4.4
Desafio da Gestão de Recursos Humanos .................................................. 14
2.4.5
Desafio da Gestão da Complexidade ............................................................ 15
2.4.6
Desafio da Folga Organizacional ................................................................... 15
2.4.7
Interação Entre os Desafios............................................................................ 16
MÉTODO DE PESQUISA ............................................................................................... 18
3.1
Definição do Tema e dos Objetos de Estudo....................................................... 18
3.2
Estratégia de Pesquisa ............................................................................................ 20
3.3
Coleta de Dados ....................................................................................................... 21
3.4
Processamento e Análise dos Dados ................................................................... 25
4
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E INDUSTRIAL DO BRASIL ........................ 28
5
HISTÓRICO MATARAZZO ............................................................................................. 68
6
HISTÓRICO VOTORANTIM ......................................................................................... 109
7
ANÁLISE .......................................................................................................................... 148
7.1
Análise das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento ............ 148
7.1.1
Desafio do Empreendedorismo .................................................................... 149
7.1.2
Desafio da Navegação no Ambiente ........................................................... 159
7.1.3
Desafio da Gestão da Diversidade .............................................................. 168
7.1.4
Desafio da Provisão de Recursos Humanos ............................................. 177
7.1.5
Desafio da Gestão da Complexidade .......................................................... 182
7.1.6
Gestão da Folga Organizacional .................................................................. 187
7.1.7
Resumo das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento .. 191
7.2
Análise das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento ........... 201
7.2.1
Desafio do Empreendedorismo .................................................................... 202
7.2.2
Desafio da Navegação no Ambiente ........................................................... 218
xii
8
7.2.3
Desafio da Gestão da Diversidade .............................................................. 228
7.2.4
Desafio da Provisão de Recursos Humanos ............................................. 241
7.2.5
Desafio da Gestão da Complexidade .......................................................... 250
7.2.6
Gestão da Folga Organizacional .................................................................. 257
7.2.7
Resumo das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento . 265
CONCLUSÃO ................................................................................................................. 276
8.1
Considerações Finais Sobre a Matarazzo .......................................................... 276
8.2
Considerações Finais Sobre a Votorantim ......................................................... 278
8.3
Principais Diferenças Identificadas ...................................................................... 279
8.4
Contribuições do Estudo ....................................................................................... 280
8.5
Propostas Para Pesquisas Futuras ..................................................................... 282
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 283
ANEXOS .................................................................................................................................. 300
xiii
1
1 INTRODUÇÃO
O sucesso e fracasso organizacional é um tema que atrai grande interesse por
parte dos gestores e pesquisadores (Chandler, 1977; Wheten, 1980, 1987; Fleck,
2009). Entretanto, diante do vasto leque de teorias e ferramentas gerenciais
desenvolvidas nas últimas décadas, pouca congruência tem sido encontrada sobre o
que leva uma empresa a crescer e se perpetuar, enquanto outras declinam e
fracassam. Segundo Fleck (2009), com certa frequência, os casos de sucesso
empresariais atuais se transformam mais tarde em grandes pesadelos corporativos.
Fleck (2009) destaca ainda que o sucesso organizacional não está relacionado
a um estado final que possa ser alcançado, mas sim com a propensão à
autoperpetuação que pode ser desenvolvida por uma empresa à medida que ela
desenvolve respostas saudáveis aos desafios do crescimento. Por outro lado, o
fracasso organizacional é definido como o estágio final de um processo de declínio.
Assim, os gestores devem atuar constantemente com o objetivo de aproximar
as organizações do polo da autoperpetuação, evitando que a organização seja
lançada em um processo de declínio. Portanto, estudar e compreender as condições
necessárias para que uma empresa desenvolva essa propensão à longevidade
saudável torna-se um tema relevante para o estudo de gestão de organizações.
No Brasil, verifica-se uma grande carência sobre dados econômicos e
empresariais, assim como estudos corporativos de qualidade (BETHLEM, 1999).
Sabe-se, no entanto, que há no país um alto nível de mortalidade empresarial, aliado a
um ambiente econômico instável para a condução dos negócios.
Entretanto, casos de empresas longevas como Souza Cruz (GRIGOROVSKI,
2004), Gerdau (VIEIRA, 2007) e Klabin (BARBOSA, 2008) indicam que a capacidade
de atuações dos gestores pode evitar o fracasso mesmo em situações adversas. Por
outro lado, ser reconhecida como uma organização vencedora em seu mercado não
garante a longevidade saudável e a autoperpetuação. Mesbla (RODRIGUES, 2005) e
Varig (OLIVEIRA, 2011) são exemplos notáveis de empresas que foram líderes de
seus setores, mas não conseguiram sustentar a sua posição e sucumbiram.
Ao lançarmos um olhar sobre o processo de industrialização do Brasil, é
possível encontrar duas características importantes. A primeira está relacionada ao
protagonismo das empresas familiares na formação e desenvolvimento dos primeiros
negócios de base industrial. A segunda aponta para uma tendência em se buscar a
diversificação dos negócios como forma de proteção à instabilidade do ambiente. É
possível apontar duas organizações com esse perfil que se destacaram e figuraram
entre as maiores do país: Matarazzo e Votorantim.
2
Constituídas por imigrantes europeus que chegaram ao Brasil no fim do século
XIX, foram pioneiras na formação das primeiras unidades fabris, no interior do Estado
de São Paulo, além de terem sido fundadores das principais associações industriais
do país. As semelhanças, no entanto, não se estendem por muito mais do que estes
pontos.
O complexo industrial formado por Francesco Matarazzo cresceu através de
um intenso processo de diversificação e se transformou em uma das maiores
corporações industriais do mundo em sua época, reunindo mais de duas centenas de
empresas diferentes que atuavam em diversos setores da economia. Assim, se
manteve por décadas como maior organização empresarial nacional até iniciar um
processo de declínio, após a Segunda Guerra Mundial, que culminou com um pedido
de concordata em 1983. Atualmente, pouco resta do império fundado há mais de um
século.
Com uma história também centenária, a Votorantim iniciou sua trajetória
industrial no início do século XX atuando no setor têxtil. Embora com menos
intensidade, passou a diversificar os seus negócios sob o comando de José Ermírio de
Moraes entre os anos 30 e 50, tornando-se o maior grupo industrial do Brasil no início
da década de 1980. Atualmente, a Votorantim se mantém como uma das principais
empresas brasileiras com atuação principalmente orientada para commodities e
presença em vários países do mundo.
Sendo assim, constata-se que os grupos tiveram um histórico inicial similar,
vivenciando os mesmos acontecimentos do ambiente econômico nacional, mas
passaram a percorrer caminhos diferentes. Geralmente atribui-se a queda da
Matarazzo à questão de sucessão familiar e destaca-se a Votorantim pela maneira
como tratou essa questão. O processo sucessório é, naturalmente, uma questão
crucial das empresas familiares. Segundo Bethlem (1990), menos de 15% dos
negócios de família sobrevivem após a terceira geração. Entretanto, não é possível
apontar esta questão como única.
Por isso, a intenção desse trabalho foi reunir as principais informações desses
“dois gigantes” com o intuito de compreender o que levou as organizações a
desenvolverem trajetórias distintas ao longo dos anos. É importante destacar que a
Matarazzo e a Votorantim foram organizações contemporâneas, vivenciaram e
contribuíram para o desenvolvimento da indústria, permitindo que o estudo ofereça
pontos de comparação entre as duas organizações.
“Votorantim, maior do Brasil, cuja história tem pontos de contato com
a da Matarazzo. Na origem, na época de início, na cor verde-amarela,
no papel essencial do imigrante-empresário fundador, na
3
concorrência em mercado, na disputa de atividades e projetos”
2
(COUTO , 2004, p. 341).
Portanto, utilizando os Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional
propostos por Fleck (2009), a presente pesquisa buscou responder a seguinte
pergunta: Como dois dos principais grupos industriais brasileiros responderam aos
desafios do crescimento?
Para atingir esse objetivo, o trabalho foi estruturado em oito capítulos. O
presente capítulo introduz as considerações e proposta da pesquisa.
O capítulo 2 discorre sobre o arcabouço teórico empregado no processo de
análise, apresentando principalmente as teorias propostas por Fleck (2009), Penrose
(1980), Chandler (1962 e 1977) e Selznick (1957).
O capítulo 3 apresenta o método utilizado para a abordagem da pesquisa e
para a coleta, classificação e análise dos dados.
A descrição do ambiente o qual as empresas deste estudo fazem parte é
exposta no capítulo 4. Nele apresenta-se uma narrativa do desenvolvimento
econômico e industrial brasileiros desde o fim do século XIX até 2013.
O histórico das empresas Matarazzo e Votorantim são apresentados nos
capítulos 5 e 6, respectivamente, com um resumo dos fatos e eventos relevantes das
suas trajetórias.
O resultado da análise é discutido no capítulo 7, com a apresentação das
respostas aos desafios do crescimento de cada uma das empresas.
Finalmente, as considerações finais são desenvolvidas no capítulo 8, no qual
são comentadas também as contribuições da pesquisa e as recomendações para
trabalhos futuros.
4
2 REVISÃO DE LITERATURA
O presente capítulo apresentará o arcabouço teórico que auxiliou a análise das
trajetórias da Matarazzo e da Votorantim. Primeiro, serão discutidos aspectos
referentes à gestão de empresas familiares e de empresas diversificadas. Em seguida,
será realizada uma contextualização sobre as teorias do crescimento e de declínio
organizacional. Finalmente, serão apresentados os Arquétipos do Sucesso e Fracasso
Organizacional de Fleck, que serviram de base para o diagnóstico das organizações.
2.1
Empresas Familiares
De acordo com Gonçalves (2000), a caracterização de uma empresa como
familiar está relacionada à existência de três condições:
a) a empresa é propriedade de uma família, detentora da totalidade ou da maioria
das ações ou cotas, de forma a ter o seu controle econômico;
b) a família tem a gestão da empresa, cabendo a ela a definição dos objetivos, das
diretrizes e das grandes políticas;
c) a família é responsável pela administração do empreendimento, com a
participação de um ou mais membros no nível executivo mais alto.
Até a década de 1950, a empresa familiar brasileira esteve presente em quase
todos os segmentos da economia nacional, desde a agricultura, passando pela
indústria têxtil, de alimentação e de serviços (GONÇALVES, 2000). De acordo com
Bethlem (2000), essa atuação diversificada sobrecarregou os recursos gerenciais e de
capital das organizações familiares. Entretanto, o autor afirma que práticas
protecionistas, assim como restrições a investimentos e, algumas vezes, também
cambiais, tornaram a diversificação local a única maneira possível de crescer.
As características de um negócio familiar foram responsáveis pelo seu sucesso
relativo nesse processo de industrialização. Sua estrutura informal, por exemplo,
facilitava decisões rápidas, o que era uma vantagem numa região sujeita a
instabilidades políticas e econômicas. Além disso, essas empresas costumam ter
valores fortes compartilhados, frequentemente originados a partir da visão do
fundador, e tradições que ajudam a trazer a lealdade dos funcionários (BETHLEM,
2000).
Entretanto, com a abertura dos mercados da América Latina para concorrentes
multinacionais, o cenário se alterou. Competidores locais, com negócios diversificados,
passaram a ter dificuldades de competir com as empresas estrangeiras que entravam
no mercado, pois elas traziam mais habilidades gerenciais, maior acesso ao capital e
possibilidade de oferecer produtos e serviços melhores e a preços mais baixos. Como
5
consequência, as empresas familiares da América Latina passaram a correr o risco de
saírem do mercado ou tornarem-se alvo de aquisições (BETHLEM, 2000).
Vale ressaltar, ainda, a dificuldade das empresas familiares conseguirem se
autoperpetuar ao longo das gerações. Segundo Bethlem (1999), evidências empíricas
sugerem que a primeira geração geralmente constrói a empresa e a segunda a
mantém, enquanto a terceira esbanja seus recursos. De acordo com o autor, menos
de 15% dos negócios de família sobrevivem após a terceira geração. A Matarazzo
contribuiu para as estatísticas ao pedir concordata sob o comando de Maria Pia, da
terceira geração. A Votorantim, por sua vez, realizou três processos sucessórios e,
após um processo de profissionalização, prepara a quinta geração para atuar no
Conselho.
2.2
Gestão de Empresas Diversificadas
De acordo com Chandler (1990), os CEOs se tornaram aficionados por
diversificações a partir da década de 1960. O número de aquisições e fusões triplicou
em um período de quatro anos, chegando a seis mil em 1969. Segundo o autor, entre
1963 e 1972, aproximadamente três quartos dos ativos adquiridos foram para a
diversificação de produtos.
Entretanto, Porter (1987) propõe que as organizações falharam em
desenvolver estratégias corporativas eficazes em tornar os conglomerados em mais
do que a simples soma das partes. Chandler (1990) afirma que isso levou à separação
entre a gestão de topo das corporações e a gerência média responsável pelas
unidades de negócio. Isso ocorreu devido a dois motivos principais. Primeiro, os
executivos frequentemente não dispõem do conhecimento específico dos negócios
que eles adquirem. Segundo, a diversificação gerou sobrecarregou a tomada de
decisão na medida em que os grupos passaram a ter dezenas de negócios para
gerenciar.
Ghoshal e Mintzberg (1994) afirmam que não existem métodos formais para
gerenciar empresas com negócios diversificados. Por isso, destacam a dificuldade de
esses grupos desenvolverem uma estrutura adequada. Segundo os autores, é comum
enxergar movimentos de pêndulos nos quais as organizações vão da centralização
para a descentralização e depois acabam retornando para a condição inicial, sem
conseguir encontrar a fórmula correta.
Assim, Ghoshal e Mintzberg (1994) afirmam que a estruturação de uma
organização diversificada envolve mais do que as tradicionais modelos de divisões
(por produtos, regiões, etc) e tipos de controle (financeiro, estratégico, etc). Para eles,
6
uma questão central na gestão de empresas diversificadas está no trade off entre
autonomia e sinergia. Para isso, propõem que as organizações devem desenvolver
métodos que sustentem o planejamento de sistemas e recursos visando a
formalização e geração de controles. Ao mesmo tempo, devem manter a capacidade
adaptativa, fomentando a renovação e o aprendizado dos diversos negócios. Para
tudo isso funcionar, os negócios devem ser sólidos e a gerência de topo deve fornecer
o impulso necessário para a criação dos empreendimentos e continuar fornecendo a
energia para sustentar a viabilidade e evitar o colapso das unidades. Além disso, a
cultura passa a ser o fator necessário para unir todos os elementos e manter a solidez
entre as partes.
Organizações diversificadas podem ser formados através de expansões
orgânicas e, principalmente como resultados de processos de fusões e aquisições.
Segundo Penrose (1980), as aquisições podem ser consideradas o caminho mais
curto para o crescimento quando criam novas organizações maiores e que forneçam
as condições necessárias para permitir a continuidade do crescimento. Porter (1987),
por sua vez, afirma que a iniciativa de uma organização de se lançar em novos
negócios pode ser freada pelas barreiras de entrada de uma indústria, fazendo com
que a aquisição passe a ser uma opção para a expansão.
Dessa forma, Penrose (1980) afirma que sempre que as aquisições forem
visualizadas como uma possibilidade mais rentável para a expansão haverá uma
tendência dos gestores seguirem este caminho.
Entretanto, processos de aquisição são complexos e exigem um conjunto de
condições necessárias para o seu sucesso. De acordo com Ashkenas et al (1998), as
aquisições são experiências dolorosas e que geram grande ansiedade nas pessoas,
pois envolvem demissões, reestruturação de responsabilidades e mudança de poder.
Além disso, de acordo com Penrose (1980), se por um lado as aquisições podem ser a
maneira mais rápida e eficiente para uma firma se expandir, também é um caminho
pelo qual empreendedores ambiciosos conseguem atingir resultados notáveis e criar
um grande império.
Nesse sentido, muitas vezes não geram resultados satisfatórios de longo
prazo. Os estudos de Porter (1987) indicaram, por exemplo, que trinta e três grandes
corporações norte americanas mantiveram menos da metade dos negócios adquiridos
entre 1950 e 1986. Segundo o autor, as organizações que foram consideradas bem
sucedidas nos processos de aquisição demonstraram que o reconhecimento da interrelação entre as partes e da manutenção de uma identidade corporativa forte foram
fatores tão importantes quanto os resultados financeiros esperados após as
operações.
7
2.3
Crescimento e Declínio Organizacional
Segundo Fleck (2009), o sucesso da firma está atrelado à sua capacidade de
criar e estimular capacitações que garantam a sua existência. Por outro lado, o
declínio ocorre quando há o enfraquecimento ou a falta de habilidade de adaptar
essas capacitações diante dos desafios do crescimento.
Chandler (1977) destaca duas motivações principais para a expansão de uma
organização: a defensiva e a produtiva. A primeira é um movimento de segurança,
com o objetivo de limitar o potencial de entrada de novos competidores e de perda de
participação no mercado. A segunda é mais positiva e visa a utilização mais intensiva
e eficiente dos recursos disponíveis, gerando aumento de produção e ganhos de
escala e escopo.
Penrose (1980) complementa essa visão e propõe que mais do que as
oportunidades oferecidas pelo ambiente, os recursos internos de uma organização
fornecem o principal impulso para direcionar os esforços para o crescimento. Vale
destacar que, segundo a autora, uma organização não consegue atingir uma posição
de equilíbrio que não gere incentivos para o crescimento devido a três motivos
principais: a indivisibilidade dos recursos, o uso especializado dos recursos e a
heterogeneidade dos recursos.
Fleck (2003) corroborou as visões de Chandler e Penrose e apresentou o
motor do crescimento (figura 2.1) contínuo o qual é constituído de três blocos
principais: desequilíbrio – algum tipo de desequilíbrio ocorrendo dentro ou ao redor da
firma; expansão – algum tipo de expansão resultante da percepção de oportunidades
de crescimento associadas ao desequilíbrio; e mecanismo de reforço – algum tipo de
mudança produzido durante o processo de expansão, podendo intensificar o
desequilíbrio.
Figura 2-1 – Motor do Crescimento Contínuo
Fleck (2003)
8
Dessa forma, os recursos são fundamentais tanto por permitir, quanto por
direcionar o crescimento saudável das organizações. Entretanto, mesmo empresas
que atuam em uma mesma indústria e detém recursos similares poderão não aplicalos da mesma forma.
March (1991) destaca a importância de se manter um equilíbrio dinâmico entre
o esforço da empresa na exploração de novas competências centrais e o
aperfeiçoamento das competências centrais já estabelecidas dentro da empresa.
Dessa forma, o autor afirma que a exploração de novas alternativas (exploration)
normalmente implica em retornos incertos. Por outro lado, o desenvolvimento das
competências existentes (exploitation) normalmente resulta em retornos rápidos que
reforçam o desempenho da organização no curto prazo, trazendo ainda menos
incerteza em comparação à experimentação de novas iniciativas.
Outra questão que envolve o crescimento está relacionada à estrutura
organizacional. Chandler (1962) concluiu a partir de seus estudos sobre o crescimento
de grandes corporações norte-americanas que na medida em que as empresas
crescem, a estrutura organizacional tende a migrar para um modelo multifuncional
dividido em departamentos especializados. O autor ainda destaca que o crescimento
da firma envolve, inicialmente, a concepção de uma estratégia que, por sua vez, exige
a adaptação da estrutura organizacional para uma forma mais adequada para o
gerenciamento dos recursos da empresa. Dessa forma, o autor afirma que o
crescimento sem os ajustes necessários na estrutura leva somente à ineficiência
econômica. A adaptação da estrutura apresentada por Chandler é, portanto, o primeiro
grande desafio decorrente do processo de crescimento.
Greiner (1998) oferece uma visão complementar à de Chandler e discute que o
processo de crescimento das empresas apresenta períodos de evolução e revolução.
O primeiro se caracteriza por uma fase tranquila de crescimento, enquanto o segundo
envolve crise. Assim, na visão do autor, a adaptação da estrutura não é apenas um
processo reativo à estratégia, mas um gatilho que direciona novas estratégias e, por
consequência, o processo de crescimento.
De forma geral, o crescimento organizacional se tornou uma suposição
implícita nos estudos organizacionais, uma vez que empresas grandes passaram a ser
vistas como eficientes, além de haver um aspecto cultural relacionado ao “quanto
maior, melhor” e pela correlação entre a longevidade e o tamanho das organizações
(WHETTEN, 1980). De acordo com Penrose (1980), as grandes firmas detém uma
série de vantagens competitivas em relação às pequenas empresas. Entre elas é
possível destacar o acesso a montantes maiores de crédito com juros mais baixos,
que aumentam o leque de oportunidades para a expansão.
9
Por outro lado, as ideias de autoperpetuação de uma organização também são
confrontadas com as teorias que propõem que as empresas naturalmente passam por
um processo de declínio, uma vez que grandes organizações se tornam muito
complexas, rígidas, ineficientes e impessoais para se administrar (WHETTEN, 1987).
Whetten (1980) apontou duas formas de declínio. O primeiro é o declínio pela
estagnação relacionado a empresas com gestão ineficiente que sofrem com perda de
participação no mercado. O segundo é o declínio pelo encolhimento quando todo o
mercado é reduzido.
Sull (1999) afirma que o maior problema das organizações quando enfrentam
desafios e mudanças no ambiente é a inércia ativa. Segundo o autor, depois de
encontrarem as fórmulas do sucesso, os gestores direcionam os seus esforços para
melhorar e estender o seu sistema vencedor. Isto faz com que eles parem de analisar
outras questões importantes e encontrar alternativas e soluções mais adequadas para
os novos desafios organizacionais. Dessa forma, sem as capacitações necessárias
para atuar diante de competidores armados com novos produtos e tecnologias, essas
empresas veem suas receitas e lucros declinarem. Sull ainda discute que quando as
condições do ambiente mudam, as empresas de maior sucesso são geralmente as
mais lentas a se adaptar.
Por isso, Chandler (1962) propõe que os desafios de uma grande empresa
exigem do gestor a capacidade de equilibrar os objetivos de longo prazo com uma
operação rotineira eficiente. Segundo o autor, isto leva a uma mudança no papel dos
gestores que evolui da execução de atividades operacionais para o planejamento,
coordenação e alocação de recursos. Este delicado desafio torna-se mais complexo
de acordo com o porte da organização, uma vez que esta se torna mais suscetível à
existência de conflitos políticos por recursos e poder.
2.4
Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional
Para Fleck (2003), a teoria do crescimento das organizações deveria buscar
sistematicamente identificar e se basear nas condições necessárias, porém,
insuficientes em detrimento das relações causais. Para a autora, embora tenham
menor poder de realizar previsões se comparadas às relações causais, as relações de
condições necessárias descrevem e explicam mais adequadamente os complexos
processos associados ao crescimento da empresa. A melhor compreensão dos
processos de crescimento permite um melhor gerenciamento do mesmo.
Assim, o presente tópico apresenta o modelo de arquétipos utilizado como eixo
central deste estudo e que busca identificar a propensão das empresas à
10
autoperpetuação ou à autodestruição. Entretanto, destaca-se que a organização não
está necessariamente localizada em um polo ou outro e sim em algum ponto entre
eles. A tabela 2.1 apresenta um resumo dos cinco desafios que compõem o modelo.
Tabela 2-1 - Cinco Desafios do Crescimento
Desafio
Descrição
Empreendedorismo
Promoção de contínuo
empreendedorismo a
partir da disposição da
empresa de realizar
expansões com
mecanismos de reforço
e criação de valor sem
expô-los a riscos
desnecessários
Navegação no
Ambiente
Tratar com múltiplas
partes interessadas para
assegurar captura de
valor e legitimidade
Autodestruição
Baixo
Baixos níveis de
ambição, versatilidade,
imaginação, visão,
capacidade de levantar
recursos financeiros e
realização de expansões
nulas ou defensivas
Passivo
Monitoramento ruim, mau
uso de estratégias de
navegação
Fragmentação
Gestão da
Diversidade
Manter integridade da
firma diante do aumento
de conflitos e rivalidades
Gestão de Recursos
Humanos
Prover a firma com
recursos humanos
qualificados de forma
estável
Fracasso no
estabelecimento de
relacionamentos de
integração e de
capacitações em
coordenação
Tardia
Ações no momento que
existe necessidade ou
depois dela
Ad hoc
Gestão da
Complexidade
Gerenciar problemas
complexos e solucionálos diante de aumento
de complexidade
Baixa capacitação para
solução de problemas,
utilizando rápida análise e
sem aprendizado
Fonte: Adaptado de Fleck (2009)
Autoperpetuação
Alto
Altos níveis de
ambição, versatilidade,
imaginação, visão,
capacidade de levantar
recursos financeiros e
realização de
expansões produtivas
ou híbridas
Ativo
Monitoramento regular,
uso correto de
estratégias de
navegação
Integração
Estabelecimento bem
sucedido de
relacionamentos de
integração e
capacitações em
coordenação
Planejado
Ações planejadas com
antecedência
Sistemático
Capacitação para
solução de problemas
promovendo a busca
correta por soluções e
aprendizado
11
2.4.1
Desafio do Empreendedorismo
Penrose (1980) afirma que a busca por novas oportunidades de negócios que
propiciem o crescimento exigem uma postura empreendedora dos gestores e uma
propensão para assumir novos riscos e gerar inovação. Dessa forma, propõe quatro
dimensões que compõem os serviços empreendedores: ambição, versatilidade,
capacidade para levantar recursos e julgamento.
a) Ambição
Está relacionada com a recorrente insatisfação com o status quo e, portanto, é
a mola propulsora para o crescimento. Penrose (1980) classifica a ambição
empreendedora em dois tipos: product-minded e empirebuilder.
Os primeiros são empreendedores que orientam o crescimento organizacional
através da melhoria da qualidade de seus produtos, mediante redução de custos,
desenvolvimento de novas tecnologias, ampliação de mercados através da introdução
de novos serviços para os clientes, ou pela introdução de novos produtos nos quais a
firma tenha vantagens de produção ou distribuição. Esses empreendedores, portanto,
buscam obter lucros através da melhoria e ampliação das atividades da organização.
Para Penrose, contudo, existe outro grupo de empreendedores que é motivado
por uma visão de formar uma grande e poderosa organização, se preocupando em
obter lucros através da ampliação do escopo da organização. O empreendedor neste
caso pode manter uma posição dominante em um ou mais mercados, ou, então,
ampliar os seus negócios em quaisquer oportunidades que se mostrarem lucrativas.
b) Versatilidade
De acordo com Penrose (1980), a versatilidade empreendedora está
relacionada com a capacidade de imaginação e visão de novas oportunidades que têm
o potencial de impulsionar o crescimento da firma. Para isso, não podem ser
impraticáveis e nem míopes. A autora ainda completa que um empreendedor que se
mantém em sua zona de conforto, pode não ter as condições necessárias para
considerar possibilidades mais amplas em relação à sua própria área de atuação.
Dessa forma, a versatilidade está diretamente relacionada com a criação de
valor. Segundo Lepak et al. (2007), a criação de valor é a diferença entre o valor do
uso e o valor monetário de um bem. No nível organizacional, a criação de valor se dá
a partir de inovação, com a introdução de novos produtos, serviços, métodos e
tecnologias.
12
Penrose (1980) ainda propõe que expansões que envolvem a incursão em
novos mercados exigem versatilidade para identificar o timing correto de entrada e
uma capacidade de imaginação sobre o comportamento do ambiente.
c) Capacidade de Levantar Recursos
Segundo Penrose (1980), apesar de as pequenas firmas terem maior
dificuldade de conseguir recursos financeiros em relação às grandes, algumas
apresentam maior facilidade em levantar o capital necessário para o seu crescimento.
Essa capacidade está relacionada a uma habilidade empreendedora específica capaz
de gerar confiança e garantir os recursos para manter o nível de investimento exigido
para o estabelecimento e crescimento da organização.
d) Julgamento
Penrose
(1980)
destaca
que
ao
contrário
das
capacidades
citadas
anteriormente, o julgamento está apenas em parte relacionado às características do
indivíduo. Para a autora, o problema do julgamento empreendedor envolve mais do
que uma capacidade de imaginação, bom senso, autoconfiança e outras qualidades
pessoais. Está, na verdade, intimamente relacionado com a coleta e a consulta de
informações para avaliação dos riscos e das incertezas do ambiente, em face da
expectativa de crescimento da organização, buscando evitar a superexposição ao
risco.
2.4.2
Desafio da Navegação no Ambiente
A navegação em um ambiente dinâmico está relacionada à capacidade de
lidar, com sucesso, com os diversos stakeholders de uma organização com o objetivo
de se garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. Dessa forma,
enquanto o empreendedorismo está relacionado com a criação de valor, a navegação
no ambiente, busca a captura de valor (FLECK, 2009).
Para Lepak et al. (2007), a criação de valor não garante necessariamente a
captura de valor. Isto ocorre, principalmente, devido à força dos competidores. Sendo
assim, os autores afirmam que é possível apontar dois conceitos chave através dos
quais se busca determinar qual parte consegue capturar o valor que é criado:
competição e mecanismos de isolamento. A competição demonstra como o valor
criado pode ser compartilhado com outros participantes do mercado, não ficando
limitado com aquele que o crie. Já os mecanismos de isolamento, atuam como forma
de limitar a perda deste potencial valor. Isso pode ocorrer através de qualquer barreira
13
intelectual, física ou legal que restrinja a capacidade dos competidores de replicar o
valor criado.
As condições de captura de valor podem, portanto, variar entre as indústrias.
Chandler (1990), por exemplo, apresenta a lógica do first mover em indústrias
intensivas em capital nas quais as pioneiras em investir em produção e distribuição,
conseguindo obter economias de escopo e escala, se tornam as empresas líderes em
seus setores.
Segundo Barney (1986), as empresas que buscam altos retornos dos seus
investimentos estratégicos devem se esforçar para criar ou modificar as características
estruturais da indústria para favorecer os seus altos retornos. Nesse sentido, Porter
(1979) aponta para a importância em se pensar na estratégia da empresa
considerando o ambiente competitivo de toda a indústria, que englobam fornecedores,
compradores, concorrentes diretos, produtos substitutos e novos entrantes da
indústria, o qual pode ser caracterizado como o ambiente organizacional.
Barney (1991) propõe que as firmas devem desenvolver vantagens
competitivas sustentáveis desenvolvendo e implementando estratégias que exploram
as suas forças através das oportunidades do ambiente, enquanto neutralizam as
ameaças externas e minimizam as suas fraquezas. O autor destaca que para uma
vantagem competitiva ser sustentável, os recursos utilizados pela empresa devem ser
valiosos, raros, insubstituíveis e impossíveis de serem imitados perfeitamente.
Vale destacar que a empresa não sofre pressões apenas dos atuantes diretos
do mercado em que atuam, mas de todo o ambiente institucional que engloba
questões políticas e sociais. Dessa maneira, para manter a legitimidade no ambiente,
as organizações não devem se manter passivas às circunstâncias a que são
submetidas. Pelo contrário, a empresa deve buscar responder às pressões externas
de forma participativa, concebendo estratégias que tragam maior equilíbrio com os
interesses da empresa (OLIVER, 1991).
2.4.3
Desafio da Gestão da Diversidade
A heterogeneidade entre as diferentes partes de uma organização fomentam a
formação de rivalidade e conflitos, ameaçando a integridade organizacional. Dessa
forma, a gestão da diversidade envolve a sustentação da integridade organizacional
em face do crescimento da diversidade de negócios, produtos, pessoas e tecnologias.
Vale destacar que o uso de mecanismos de coordenação não extingue a
heterogeneidade da organização. Pelo contrário, propicia a manipulação construtiva
desses elementos estimulando a integridade organizacional (FLECK, 2009).
14
Selznick (1957) alerta que a rivalidade organizacional pode ser um dos
principais desafios enfrentados por uma empresa. Na visão do autor a disputa de egos
pode ir de encontro aos objetivos do grupo e trazer uma poderosa força que
compromete a integridade do grupo. Mintzberg (1985) descreve essas arenas políticas
e afirmar que podem repercutir em conflitos duradouros ou passageiros que, de
acordo com a sua intensidade, têm o potencial de reforçar o processo de declínio
organizacional, uma vez que a união dos esforços em busca de um propósito único
torna-se praticamente impossível de se atingir. Por outro lado, Mintzberg destaca que
essas forças opostas são naturais e, também, importantes para as organizações.
Portanto, os gestores não tem opção senão abrigar as forças divergentes utilizá-las
com o intuito de transformá-las em funcionais no cumprimento dos objetivos.
O líder, portanto, tem um papel fundamental na proteção da integridade
organizacional. Selznick (1957) afirma a liderança deve ter a capacidade de realizar a
infusão de valores, objetivos e práticas na organização para que se tornem
institucionalizados e tragam um caráter para a organização. Esses compromissos não
podem ser feitos verbalmente, nem conscientemente. Eles são construídos dentro da
estrutura social da organização. O autor ainda preconiza que a institucionalização de
uma empresa é um processo formado pela sua história, as pessoas que fazem de sua
estrutura e o modo no qual ela se adapta ao ambiente.
Conforme já discutido anteriormente, as empresas diversificadas enfrentam
uma forte tendência de fragmentação devido à diversidade dos negócios, pessoas e
tecnologias. Portanto, o desafio para a coordenação e integração se fazem ainda mais
presentes na gestão dessas organizações.
2.4.4
Desafio da Gestão de Recursos Humanos
Para Penrose (1980), a principal restrição ao crescimento da empresa está
relacionada à limitação do seu corpo gerencial. A autora aponta que a expansão no
quadro de gestores através do recrutamento de pessoas externas não soluciona a
carência de serviços gerenciais necessários ao crescimento. Isso ocorre porque esses
serviços também decorrem da experiência construída ao longo do tempo pela equipe.
Dessa forma, a formação, retenção e renovação de recursos humanos são
condições necessárias para o crescimento contínuo das empresas. Se uma
organização expande mais rapidamente do que a capacidade dos indivíduos de obter
conhecimento e a experiência necessária para uma operação eficiente, o crescimento
não será completo, podendo resultar, ainda, em estagnação (PENROSE, 1980).
15
Esse desafio, portanto, lida com a capacidade de antecipar necessidades e
equipar a organização com recursos humanos qualificados de forma consistente. A
dificuldade em prover a firma de profissionais capacitados no tempo adequado pode
não só impedir o crescimento como também enfraquecer a integridade organizacional,
como nos casos de recrutamento em massa de serviços gerenciais (FLECK, 2009).
2.4.5
Desafio da Gestão da Complexidade
Segundo Fleck (2009), quanto maior uma organização, mais complexa ela
tende a se tornar. Sendo assim, de acordo com a autora, o desafio da gestão da
complexidade lida com o gerenciamento de questões complexas e a resolução de
problemas que envolvem uma grande quantidade de variáveis com o intuito de evitar
que a existência da organização seja colocada em risco em decorrência de avaliações
insatisfatórias da situação. A solução de problemas complexos requer processos
sistemáticos de coleta de dados, análise, tomada de decisão e implementação. Esse
desafio, portanto, afeta a qualidade das respostas dos demais desafios.
Segundo a autora, é possível classificar as respostas organizacionais a esse
desafio como sistemáticas ou ad hoc. Lidar com problemas de forma sistemática
envolve a busca contínua por soluções e o aprendizado organizacional. Soluções ad
hoc, por sua vez, favorecem buscas rápidas por soluções, gerando práticas de “apagar
incêndio” e inibindo o aprendizado.
2.4.6
Desafio da Folga Organizacional
De acordo com Penrose (1980), a expansão exige que a empresa tenha
recursos suficientes para cobrir os serviços distintos que irão surgir com o movimento
de crescimento.
Assim, para não fracassar, a organização deve garantir que os
recursos sejam suficientes para sustentar o nível de investimento necessário para
sobrepor as inovações e expansões dos concorrentes.
Fleck (2009) propõe que a capacidade de auto renovação da organização é
originada da folga da folga de recursos, isto é, de recursos gerados pelo processo de
expansão. Essa folga pode ser gerada a partir de todos os tipos de recursos que
excedam a necessidade operacional da organização em determinado nível de
desempenho. Esses recursos incluem, portanto: pessoas, equipamentos, capital,
reputação, etc. Segundo a autora, enquanto a expansão gerar folga, o crescimento
continua a estimular mais crescimento, fomentando a expansão relacionada que
aumenta a eficiência operacional.
16
Dessa maneira, a folga gera não só o impulso necessário para os movimentos
de expansão, como também atua como um pulmão de recursos, oferecendo
segurança para a empresa diante da imprevisibilidade do ambiente.
2.4.7
Interação Entre os Desafios
Esses desafios estão interconectados entre si e operam como engrenagens,
movimentando a empresa no sentido da autoperpetuação ou da autodestruição. A
figura 2-2 apresenta essas inter-relações na forma de condições necessárias à
condução da empresa ao sucesso de longo prazo. As respostas aos desafios do
empreendedorismo e da navegação determinarão a capacidade da empresa de
crescer e se renovar. Os desafios da diversidade e da gestão de recursos humanos
estão relacionados com a manutenção da integridade organizacional. A folga de
recursos contribui para o crescimento, como também para a integridade através dos
mecanismos de integração e coordenação. O desafio da complexidade, por sua vez,
influencia os demais.
17
Figura 2-2 - Modelo dos Requisitos para o Desenvolvimento de Propensão à Autoperpetuação
18
3 MÉTODO DE PESQUISA
Segundo Fleck (2013), o processo de pesquisa é formado por quatro pilares:
pergunta de pesquisa, referencial teórico, objeto de pesquisa e método. Assim, o
primeiro passo para a elaboração deste trabalho foi a escolha do objeto a ser
pesquisado. Em seguida, definiu-se a pergunta da pesquisa que levou ao arcabouço
teórico e ao método utilizado para o desenvolvimento do estudo. Os tópicos a seguir
apresentam o processo metodológico utilizado no trabalho.
3.1
Definição do Tema e dos Objetos de Estudo
A motivação pelo tema foi despertada durante o Mestrado, especificamente na
disciplina de Crescimento e Estratégia da Firma, quando o autor foi apresentado às
teorias de crescimento e declínio das organizações, além de estudos de caso
relacionados ao tema. Durante o curso, foi despertada no pesquisador uma
curiosidade sobre o porquê algumas empresas declinam e morrem, enquanto que
outras conseguem crescer e se manter perenes.
Ao longo dos últimos anos, o Coppead vem concebendo a realização de
diversos estudos sobre empresas brasileiras com o intuito de compreender esta
questão. Assim, foram feitas pesquisas sobre empresas longevas como Gerdau,
Klabin, Lojas Americanas, WEG, Souza Cruz, Marcopolo, Embraer, entre outras.
Dissertações foram desenvolvidas, ainda, incluindo empresas que fracassaram. Entre
elas, pode-se destacar a Mesbla, a Varig e a Engesa.
Dessa forma, o interesse do pesquisador foi em contribuir para esse campo de
pesquisa e estudar duas empresas longevas que exibissem certas similaridades, mas
que tivessem apresentados destinos diferentes. Portanto, buscou-se escolher uma
empresa que tenha declinado e fracassado e outra ainda ativa, para que fosse
possível compreender como as respostas de cada uma das organizações, dentro de
um contexto semelhante, podem ter contribuído para esses caminhos distintos.
Sendo assim, foi realizada uma pesquisa prévia para elencar potenciais
objetos de estudo. De acordo com Bethlem (1999), há uma grande carência sobre
dados
econômicos
e
empresariais
no
Brasil,
o
que
gera
dificuldade
no
desenvolvimento de estudos de qualidade. Por isso, havia uma preocupação de
encontrar indústrias e empresas que poderiam oferecer informações em quantidade e
qualidade o suficiente para o desenvolvimento da pesquisa.
Inicialmente, o setor têxtil foi identificado como uma possibilidade de estudo por
reunir algumas das empresas brasileiras mais longevas: Cedro e Cachoeira (1872),
19
Hering (1880), Karsten (1882) e Santanense (1891). Ao aprofundar o estudo sobre
essa indústria, no entanto, surgiram informações sobre os grupos Matarazzo e
Votorantim, que estiveram entre os principais produtores têxteis no início do século XX
e, nas décadas seguintes, se diversificaram e se transformaram em dois dos maiores
grupos industriais do Brasil.
Apesar da longevidade e importância desses dois grupos, uma pesquisa inicial
mostrou que ainda assim se tratavam de empresas pouco estudadas de forma
longitudinal. Isso contribuiu para que o pesquisador considerasse a escolha preliminar
dessas organizações como objetos de estudo. Nesse caso, o trabalho poderia trazer
também uma nova contribuição à linha de pesquisa proposta por Fleck (2009) ao
apresentar uma análise de empresas diversificadas brasileiras.
Para que fosse possível prosseguir o estudo era importante responder duas
questões. Primeiro, buscou-se verificar se eram empresas de certa forma
comparáveis. Em segundo, por serem empresas familiares e de capital fechado, havia
um receio quanto à disponibilidade de informações, principalmente em relação à
Matarazzo, pois havia se completado trinta anos desde o pedido de concordata do
grupo.
Apesar disso, foi possível encontrar livros e reportagens sobre ambas as
organizações. Verificou-se, ainda, que apesar de ser uma empresa de capital fechado,
a Votorantim vinha divulgando os seus relatórios anuais há algumas décadas. Por
isso, julgou-se que seria plausível coletar e organizar informações que permitissem
uma análise robusta. Além disso, foi possível constatar que diferentemente do que se
imaginava, as organizações foram de certa maneira contemporâneas. Apesar de a
data de fundação da Votorantim ser oficialmente em 1918, constatou-se que antes
disso já havia unidades industriais importantes na composição do grupo, além do
desenvolvimento de traços organizacionais que tiveram um papel crucial na trajetória
de crescimento da organização. A tabela 3-1 apresenta o ano de acontecimentos
decisivos na história dos grupos.
Assim, é possível verificar que a formação e o desenvolvimento das
organizações Matarazzo e Votorantim ocorreram em períodos muito próximos e que,
dessa maneira, ambas vivenciaram momentos históricos do país, como o processo de
industrialização nacional. Portanto, julgou-se que seria pertinente compreender como
as duas organizações responderam aos desafios do crescimento.
20
Tabela 3-1 - Comparativo Cronológico Entre Matarazzo e Votorantim
Marco
Dif.
Matarazzo
Votorantim
Nascimento do fundador
1854
1874
20
Chegada ao Brasil
1881
1884
3
Abertura do primeiro negócio
1882
1892
10
Migração para a indústria
1900
1
1905
3
5
Formalização do grupo principal
1911
2
1918
4
7
(anos)
1
Fundação da Moinho Matarazzo
Fundação das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo
3
Fundação da Fábrica de Óleos Santa Helena
4
Aquisição da fábrica têxtil Votorantim
2
A partir da escolha dos objetos de estudo, estabeleceu-se para a pesquisa a
seguinte questão: Como dois dos principais grupos industriais brasileiros
responderam aos desafios do crescimento?
Para responder a essa pergunta, utilizou o arcabouço teórico de Fleck (2009),
já discutido anteriormente.
3.2
Estratégia de Pesquisa
A presente pesquisa compreende o estudo de caso de duas organizações
industriais brasileiras. De acordo com Yin (2001), a investigação de estudo de caso
baseia-se em várias fontes de evidências, beneficiando-se do desenvolvimento prévio
de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados. Segundo o autor,
o método é apropriado para casos onde a questão da pesquisa é do tipo “como e
porque”. Vale destacar que a utilização de mais casos acrescenta robustez ao estudo.
Para isso, utilizou-se uma abordagem qualitativa na qual o pesquisador deve
fazer observações e, sempre que possível, coletar evidências sobre os objetos de
estudo (MARTINS, 2010).
A abordagem longitudinal de análise deu-se a partir da decomposição histórica
das organizações em eventos cronológicos. Assim, foram levantados e analisados
eventos referentes aos diversos negócios de cada uma das corporações, desde os
primeiros movimentos profissionais dos empreendedores até os dias atuais. Ao
mesmo tempo, foi necessário levantar as informações do ambiente relevante,
referente ao mesmo período, para que fosse possível contextualizar os movimentos de
cada organização de acordo com as condições externas.
21
3.3
Coleta de Dados
A busca de dados secundários foi iniciada através de sebos, onde se esperava
encontrar livros e revistas sobre as empresas e a industrialização brasileira a preços
acessíveis. Primeiramente, foi utilizado o sistema de buscas integrado Estante Virtual
(http://www.estantevirtual.com.br) que oferece acesso a um grande acervo de títulos
em estabelecimentos por todo o país. A partir dessa busca, identificou-se uma grande
concentração de sebos na região da Praça da Sé em São Paulo. Dessa forma, foi
realizada uma visita ao local onde foram encontrados novos títulos que poderiam
contribuir com a pesquisa. Assim, foram adquiridos os seguintes livros que serviram
como base para o levantamento de dados e organização das informações sobre as
empresas e o ambiente:
a) A Industrialização de São Paulo de Warren Dean;
b) A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico do Brasil de Werner Baer;
c) A Economia Brasileira de Werner Baer;
d) Matarazzo: Travessia e Colosso Brasileiro de Ronaldo Costa Couto;
e) Matarazzo: 100 anos, livro comemorativo da empresa;
f)
Conde Matarazzo: O Empresário e a Empresa de José de Souza Martins;
g) José Ermírio de Moraes: O Homem, a Obra de João de Scantimburgo;
h) Votorantim 90 Anos: Uma História de Trabalho e Superação de Jorge Caldeira;
Paralelamente a esta atividade, realizou-se buscas em bancos de dados
acadêmicos. Foram identificadas três dissertações, artigos, além de uma tese de
doutorado que complementaram as informações anteriores.
Durante a pesquisa preliminar, verificou-se também que a Votorantim mantém
um Centro de Memória no bairro de Jaguaré, em São Paulo. Assim, em outubro de
2013 foi realizada uma visita ao local, onde foram levantados relatórios anuais, vídeos
e outros documentos sobre a empresa. Mais uma visita seria realizada em janeiro de
2014 para que todo o material considerado pertinente pudesse ser coletado.
Outra importante fonte de informação foi o Acervo Digital mantido pelo jornal O
Estado de São Paulo (http://acervo.estadao.com.br), reunindo edições digitalizadas
desde 1880. Foi realizada uma grande varredura por todo o período para as duas
empresas.
A pesquisa do termo Matarazzo no acervo do Estadão gerou cerca de 45 mil
registros, muitos deles relacionados a pessoas que não remetiam às atividades do
grupo. Apesar do número alto, decidiu-se prosseguir com esse termo, pois aumentaria
as chances de encontrar informações sobre qualquer empresa do grupo ou sobre os
Condes Francesco e Chiquinho. No acervo, foram encontrados relatórios anuais da
22
Matarazzo entre 1942 e 1983 que permitiram o desenvolvimento da curva de
crescimento do grupo para este período. Além disso, foram identificadas reportagens
sobre o grupo, embora grande parte do material, principalmente do começo do século
XX, fosse referente a propaganda.
O termo Votorantim gerou bem menos registros, cerca de doze mil. Alguns
deles, no entanto, remetiam à cidade paulista homônima. Foram encontradas
reportagens sobre a organização, entrevistas com os líderes do grupo, além de alguns
relatórios anuais que complementaram aqueles já coletados no Centro de Memória.
Assim, foi possível traçar a curva de crescimento entre 1952 e 2013.
Finalmente, buscou-se realizar entrevistas com funcionários e ex-funcionários
das organizações com o intuito de coletar informações não encontradas nas fontes
secundárias, além de esclarecer e detalhar questões críticas identificadas ao longo da
pesquisa. O critério para a escolha dos entrevistados foi a disponibilidade, uma vez
que esperava-se uma dificuldade em conseguir contatos principalmente da Matarazzo,
já que as principais empresas do grupo decretaram falência ainda na década de 1980.
No caso desta empresa, foram feitas pesquisas na internet, principalmente
através das mídias sociais para a identificação de antigos trabalhadores. Foram
realizados diversos contatos, mas houve apenas um retorno que acabou gerando a
única entrevista sobre a empresa. Essa dificuldade foi percebida não só na busca por
possível entrevistados, mas pelo possível receio das pessoas contatadas em falar
sobre o assunto. Uma reportagem do Estadão na ocasião do lançamento da biografia
do Conde Francesco Matarazzo, escrita por Ronaldo Costa Couto, já destacava a
dificuldade em obter informações sobre o grupo Matarazzo:
“Fides Honor Labor [...] Na antiga e última sede das Indústrias
Reunidas Fábricas Matarazzo na Rua Joli, no Brás, uma placa de
madeira envelhecida exibe o slogan em latim conhecido no passado e
hoje ignorado dos paulistanos. Mas não perca seu tempo por lá: tudo
o que ouvirá é um sonoro não dos funcionários que cuidam dos
negócios da família e não permitam que o turista incauto conheça o
interior do prédio dos famosos tijolos aparentes. [...] Não espere por
informações sobre os Matarazzo. A metrópole, moderna e que só
pensa no futuro, não tem tempo para relembrar o passado” (O
ESTADÃO, 2004).
O único depoente da pesquisa permaneceu por trinta e um anos no grupo e
atuou diretamente com os membros da alta diretoria, tendo contribuído com
informações valiosas para a pesquisa. Cabe uma ressalva, no entanto, ao fato de ter
se passado quarenta anos entre sua saída da IRFM e a realização da entrevista. Esse
considerável período acarreta em uma limitação à quantidade e qualidade das
informações. Um fator atenuante em relação a isso se encontra no fato de o
23
entrevistado ter se utilizado de um acervo próprio de anotações e documentos da
época em que trabalhou na IRFM, o que contribuiu para as suas lembranças e relatos.
Portanto, a carência de fontes primárias trouxe uma limitação para o estudo da
Matarazzo. Apesar disso, julgou-se que o amplo material secundário acessado,
permitiu a obtenção de dados em quantidade e qualidade satisfatórias para o trabalho.
As entrevistas da Votorantim foram conseguidas através de contatos pessoais
que indicaram potenciais depoentes para a dissertação. Realizaram-se doze
entrevistas que abrangeram os principais negócios do grupo. Como os entrevistados
estavam alocados na região de São Paulo e Curitiba, parte das entrevistas foi feita
através de Skype.
Ressalta-se também que onze dos entrevistados eram funcionários da
Votorantim no momento da entrevista. Foi constatada ao longo dos depoimentos uma
grande satisfação e orgulho dos depoentes em trabalhar no grupo. Dessa forma, é
possível que isso tenha gerado um filtro sobre o que foi relatado e como as
informações foram transmitidas durante as entrevistas. Embora isso acarrete em uma
limitação da pesquisa sobre a Votorantim, os relatos foram confrontados entre si e
com outras informações secundárias para que se obtivesse uma visão dos fatos em si
e não dos pontos de vista dos entrevistados.
As entrevistas não seguiram um roteiro rígido, embora houvesse uma
preparação prévia para cada contato com o intuito de se identificar questões chave
que, de acordo com o perfil do entrevistado, poderiam ser abordadas. No início de
cada entrevista, o autor fazia uma breve explanação sobre a pesquisa e depois se
solicitava que o depoente relatasse sua trajetória no grupo, os cargos que percorreu e
principais experiências. A partir daí, os pontos que se mostrassem interessantes e
pertinentes ao estudo poderiam ser explorados com maiores detalhes. Ao final de
cada contato, era solicitado que o entrevistado destacasse um ponto extremamente
positivo que destacasse a sua empresa das demais e outro que, em sua opinião,
poderia ter sido feito de maneira diferente.
Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra pelo autor, sendo que trechos
identificados como importantes eram separados para posterior análise, conforme será
descrito adiante. A tabela 3-2 apresenta a relação dos entrevistados. Para garantir a
confidencialidade dos depoentes, não foram listados nomes e nem cargos.
Além das entrevistas, foram utilizados relatos de funcionários e ex-funcionários
do grupo Votorantim que estão disponíveis na página na internet do Centro de
Memória da empresa, na seção “Estórias que fazem histórias”. Essas entrevistas
estão transcritas integralmente e forneceram informações valiosas para este estudo. A
tabela 3-3 apresenta a relação das estórias que foram utilizadas no trabalho.
24
Tabela 3-2 – Relação dos Entrevistados
#
Empresa
Período
Área de Atuação
Data
Duração
Meio
1
Matarazzo
1943-1974
Alta Gerência
21/01/14
02:43:34
Pessoalmente
2
Votorantim
Siderurgia
2006-2014
Suprimentos
22/01/14
00:51:56
Pessoalmente
3
Votorantim
Siderurgia
2007-2014
Engenharia de
Manutenção
08/03/14
00:36:06
Pessoalmente
4
Votorantim
Cimentos
1977-2014
Expansão
10/03/14
00:57:20
Skype
5
Votorantim
Cimentos
2003-2014
Engenharia de
Produção
10/03/14
00:22:58
Skype
6
Votorantim
Cimentos
1979-2014
Pesquisa e
11/03/14
Desenvolvimento
00:54:00
Pessoalmente
7
Votorantim
Metais (CBA)
1982-1990
Engenharia de
Manutenção
12/03/14
01:03:31
Skype
8
Votorantim
Cimentos
1993-2014
Engenharia de
Mineração
15/03/14
01:07:17
Skype
9
Votorantim
Metais (CBA)
2012-2014
Inteligência de
Mercado
01/04/14
00:30:00
Skype
10
Votorantim
Cimentos
1973-2014
Alta Gerência
02/04/14
00:53:00
Skype
11
Votorantim –
Fibria
2003-2014
Controladoria
07/04/14
00:46:01
Pessoalmente
12
Votorantim –
Fibria
2000-2014
Governança e
Risco
08/04/14
00:42:30
Pessoalmente
13
Votorantim
Cimentos
2010-2014
Riscos
Estratégicos
08/04/14
00:51:42
Pessoalmente
Tabela 3-3 – Relação dos relatos obtidos no Centro de Memória Votorantim
Nome
Principal Ocupação
Entrada no
Grupo
Data da
entrevista
Anker Hoffman
Chefe do Dep. de Eletricidade
1945
2004
Carlos Conforte
Analista Financeiro – Vpar
1981
2003
David Canassa
Gerente de Sustentabilidade
1992
2005
Henrique Silveira
Diretor Grupo Votorantim Nordeste
1962
2003
João Bosco Silva
Presidente Votorantim Metais
2002
2007
Nelson Teixeira
Diretor da CBA
1942
2003
Nildo Benedetti
Diretor Técnico
1967
2003
Sérgio Picazio
Assessor de diretoria
1955
2003
Valdemar Martinez
Assessor de diretoria
1957
2003
Walter Schalka
Presidente Votorantim Cimentos
2005
2006
25
3.4
Processamento e Análise dos Dados
Os dados coletados que eram considerados relevantes foram compilados em
uma planilha Excel a qual se denominou Tabela de Fatos e Dados, cujo modelo é
apresentado no Anexo 1. Foram lançadas ao todo 1.341 linhas referentes aos
principais fatos e eventos sobre as organizações e o ambiente, sendo 630
relacionados à Votorantim e 521 sobre a Matarazzo.
Para organizar as informações de forma que elas fizessem sentido e
auxiliassem o entendimento longitudinal dos objetos de estudo foram utilizadas as
seguintes estratégias propostas por Langley (1999):
a) Narrativa: As informações coletadas foram compiladas com o intuito de gerar uma
história detalhada sobre o objeto de estudo que neste caso incluíam não só as
organizações, como também, o ambiente em que estavam inseridas. Dessa forma,
seria possível obter uma compreensão longitudinal e evitar que ocorresse um
reducionismo durante a análise. Como se tratam de organizações diversificadas
que atuam em diversos setores e em grande parte do país optou-se por descrever
o desenvolvimento econômico e industrial do Brasil como o ambiente relevante. A
narrativa do ambiente constitui-se como uma etapa fundamental do trabalho, pois
gera uma contextualização histórica, permitindo compreender como as forças do
ambiente afetaram o desempenho das organizações e como estas reagiram a
essas pressões.
b) Mapeamento visual das ideias: A manipulação de palavras e números em formas
gráficas permite oferecer uma grande quantidade de informações em um espaço
relativamente pequeno, auxiliando na compreensão do todo. Sendo assim, como a
pesquisa envolvia dois grandes grupos industriais com muitos anos de atuação,
foram elaborados mapas com o propósito de ilustrar os movimentos mais
relevantes dos principais negócios das empresas. Os mapas visuais da Matarazzo
e da Votorantim são apresentados no Anexo 2 e no Anexo 3, respectivamente.
Além disso, buscou-se um parâmetro para avaliar a trajetória de crescimento
das organizações. Para isso, foram utilizados os indicadores propostos por Fleck
(2009) e apresentados a seguir, que indicam o tamanho e o desempenho de cada
empresa em relação à economia relevante. Como se tratam de empresas
diversificadas com atuação principalmente em território nacional, utilizou-se o Produto
Interno Bruto brasileiro como base. Os valores do PIB utilizados para o cálculo são
apresentados no Anexo 7.
26
Cabe destacar que o cálculo desses indicadores ficou restrito aos anos em que
foi possível ter acesso aos balanços financeiros de cada organização.
𝑇𝑎𝑚𝑎𝑛ℎ𝑜 𝑎𝑛𝑜 𝑖 =
𝑅𝑒𝑐𝑒𝑖𝑡𝑎 𝐵𝑟𝑢𝑡𝑎 𝑎𝑛𝑜 𝑖
x 100
𝑃𝐼𝐵 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙 𝑎𝑛𝑜 𝑖
𝐷𝑒𝑠𝑒𝑚𝑝𝑒𝑛ℎ𝑜 𝑎𝑛𝑜 𝑖 =
𝐿𝑢𝑐𝑟𝑜 𝐿í𝑞𝑢𝑖𝑑𝑜 𝑎𝑛𝑜 𝑖
x 100
𝑃𝐼𝐵 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙 𝑎𝑛𝑜 𝑖
Com o material coletado e organizado partiu-se, então, para a análise das
informações. Para isso adicionou-se novas colunas à Tabela de Fatos e Dados de
acordo com o Referencial Teórico de Fleck (2009), seguindo as dimensões
apresentadas na tabela 3-4.
Tabela 3-4– Dimensões Utilizadas para a Análise
Desafio
Dimensão
Ambição
Versatilidade
Empreendedorismo
Recursos Financeiros
Julgamento
Legitimidade
Navegação no Ambiente
Captura de Valor
Coordenação e Integração
Gestão da Diversidade
Compartilhamento de Recursos
Diversificação
Antecipação da necessidade
Gestão de Recursos Humanos
Formação
Retenção
Gestão da Complexidade
Gestão da Complexidade
Recursos Produtivos
Gestão da Folga
Recursos Humanos
Recursos Financeiros
Durante a análise, cada um dos fatos e eventos identificados foi reavaliado com
o objetivo de descartar linhas que poderiam estar repetidas ou, então, que não eram
relevantes para a análise. Os fatos que passavam por esse filtro eram classificados de
acordo com o indicativo de propensão a uma resposta saudável ou não saudável.
27
Como não era possível graduar ou quantificar cada um desses fatos, utilizou-se uma
classificação binária, indicando uma resposta positiva ou, então, negativa. Para isso,
foram utilizados os sinais “+” e “-”.
No processo de análise, realizou-se uma checagem dupla. Inicialmente, cada
linha era lida de forma individual e classificada de acordo com cada uma das
dimensões. O segundo passo consistia em isolar cada um dos dezesseis fatores de
análise e verificar cada linha para classificar se aquele fato estava relacionado àquela
dimensão ou não. Vale destacar que cada um poderia ser categorizado em mais de
uma dimensão de análise.
Após esse processo de categorização, cada dimensão era avaliada
isoladamente com o objetivo de se identificar tendências de respostas da empresa que
poderiam indicar se em cada uma delas havia uma propensão saudável, não saudável
ou neutra para o sucesso de longo prazo da organização.
28
4 DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
E
INDUSTRIAL
DO
BRASIL
O período que compreende o final do século XIX e o início do século XX foi
marcado por mudanças políticas, sociais e econômicas que mudaram a história do
Brasil e, principalmente, de São Paulo. No Estado, a população, impulsionada pela
leva de imigrantes (foram cerca de 3,3 milhões em todo o Brasil entre 1870 a 1920),
subiu de 837 mil pessoas em 1872 para quase quatro milhões no início da Primeira
Guerra Mundial. A capital, que era uma pequena vila de apenas 23 mil habitantes em
1872, atingiu 580 mil moradores em 1920. Indústrias se formaram e os paulistas
tomaram do Rio de Janeiro o posto de principal centro econômico do país. Essa
evolução está diretamente relacionada ao crescente mercado do café (DEAN, 1971, p.
9; REISS, 1980, p. 23)
Décadas após os primeiros cultivos realizados no Rio de Janeiro ainda no início
do século XIX, os plantadores de café migraram para o lado paulista do Vale do
Paraíba, até que essa penetração alcançou o oeste do Estado de São Paulo, onde
seriam encontrados os solos mais adequados para os cafeeiros. Nos anos que se
seguiram, o mercado de café se expandiu mais depressa e a região experimentou um
desenvolvimento eufórico. Cabe citar que certas circunstâncias ajudaram a acelerar
este crescimento. Primeiro, a praga que devastou os cafezais do Ceilão (atual Sri
Lanka), o então maior rival de São Paulo no mercado internacional. Segundo, a
abolição da escravatura (1888), que abriu caminho para uma mão de obra mais
eficiente, incentivou a imigração europeia para a região e difundiu o uso do dinheiro
pela massa da população. Terceiro, a Proclamação da República (1889) – a relação
dos Presidentes da República é apresentada no Anexo 8 -, que gerou uma estrutura
econômica e política mais descentralizada, possibilitando aos Estados estimular o
comércio e reter os lucros dele gerados (DEAN, 1971, p. 9). Nessa nova divisão, à
União caberiam os impostos da importação e os Estados recolheriam as taxações
sobre a exportação (MARTINS, 1976, p. 71).
O plantio paulista aumentou substancialmente nos últimos anos do século XIX,
passando de 16% em 1881 para 40% da produção nacional na virada do século
(COUTO1, 2004, p. 134). A tabela 4-1 apresenta a evolução da produção nacional do
café em arrobas, no qual é possível verificar essa evolução.
29
Tabela 4-1 - Crescimento da Produção de Café e da População nas Zonas Cafeeiras
Ano
Produção de Café
(em arrobas)
População
1836
590.066
231.517
1854
3.534.2556
321.918
1886
10.374.350
1.036.639
1920
22.098.861
3.652.774
Fonte: Martins, 1976, p.77
Uma característica importante das fazendas de café também colaborou para
criar esse ciclo de desenvolvimento. Como é menos autossuficiente que a fazenda
canavieira, que também teve um ciclo econômico muito relevante para o país, ela
exige a aquisição de bens e serviços, transferindo rendimentos para outros setores e
induzindo o desenvolvimento econômico (COUTO1, 2004, p. 131).
Nesse contexto, surgiu um grupo de novos consumidores que estimularam a
atividade dos produtores e dos comerciantes, incentivando o consumo de bens e
novos investimentos. Portanto, o comércio se fortaleceu e impulsionou o fluxo de
importações, criando a oportunidade para o surgimento das primeiras fábricas.
Vale destacar que o comércio do café custeou, também, o desenvolvimento de
uma infraestrutura que mais tarde seria necessária para a evolução da indústria
paulista. A partir dos dividendos das plantações, os próprios plantadores construíram
as primeiras estradas de ferro. De acordo com Bardese (2011), a ferrovia teve um
papel importante na orientação e organização dos conjuntos industriais, atraindo a
ocupação dos terrenos aos seus arredores e contribuindo para o povoamento e
valorização dessas regiões. Além disso, empresas europeias e norte americanas,
atraídas pelo lucro das plantações, instalaram usinas elétricas nas cidades de São
Paulo e Sorocaba.
Ainda, o movimento das plantações induziu a vinda de técnicos e
contramestres europeus que atuaram na superintendência das plantações e na
construção das estradas de ferro, sendo mais tarde, absorvidos pelas fábricas (DEAN,
1971, p. 14). Somente nos últimos vinte anos do século XIX, mais de novecentos mil
imigrantes entraram em São Paulo, conforme é apresentado no gráfico 4-1.
30
Gráfico 4-1 - Movimento Migratório no Estado de São Paulo (1871 – 1900)
450.000
400.000
350.000
300.000
250.000
200.000
150.000
100.000
50.000
0
1871-75
1876-80
1881-85
1886-90
1891-95
1896-00
Fonte: Martins, 1976, p. 76
Além disso, iniciativas econômicas do primeiro governo da República
fomentaram a criação de novos negócios. O ministro Rui Barbosa, com o intuito de
aumentar a circulação de capital e estimular a economia do país, lançou mão da
política de concessão de crédito que ficou conhecida como Encilhamento. Couto
(20041, p. 216) afirma que essa política fomentou a circulação de capital e contribuiu
para o desenvolvimento da indústria, embora também tenha gerado muita
especulação financeira e índices de inflação elevados (COUTO1, 2004, p.216). Por
outro lado, Reiss (1980, p.55) propõe que grande parte das empresas formalmente
constituídas durante o período de encilhamento não eram de novos negócios, e sim de
negócios já existentes que se reorganizaram para se lançarem no mercado de ações e
vender os seus negócios a um preço alto.
Dean (1971, p. 92 e 93) também destaca o papel dos impostos na criação de
um ambiente favorável ao desenvolvimento industrial paulista. Para o historiador, os
tributos aduaneiros, que representaram 70% da arrecadação do governo federal entre
1900 e 1920, ajudaram a criar uma base protecionista para as fábricas nacionais, pois
a alta carga tributária sobre as importações reduziam a competitividade dos produtos
de fora. Por outro lado, os industriais não enfrentavam muitas dificuldades para
conseguir adquirir máquinas importadas por um preço reduzido.
Além disso, Dean afirma que como se beneficiou das taxas sobre a exportação
do café, São Paulo, ao contrário dos demais Estados, não lançou mão de nenhum
outro imposto estadual entre 1893 e 1904. Finalmente, a reformulação da Lei de
Similares em 1911 proibiu a isenção de impostos para os produtos que poderiam
31
competir com itens fabricados no Brasil, trazendo ainda mais proteção para os
produtos nacionais.
Assim, São Paulo, no início do século XX, já era o principal centro industrial do
país, conforme foi destacado em reportagem da época:
“Ao se lançar um olhar para outros Estados, com exceção do Rio
Grande do Sul, imediatamente se verificará que eles não
conquistaram o rápido progresso e o desenvolvimento industrial que
colocaram os paulistas num plano superior [...] A capital federal é
quase tão fabril quanto São Paulo, mas a sua indústria não se
apresenta nos seus ramos, tão variada como a nossa” (ESTADÃO,
1911).
A formação dos industriais foi realizada principalmente por dois grupos
principais. O primeiro era composto dos importadores que, vislumbrando novas
oportunidades de lucro, foram migrando gradativamente para a manufatura ao longo
dos anos. Entretanto, é importante notar que nas décadas seguintes eles não
abandonariam a atividade de importação, uma vez que boa parte dos insumos
utilizados nas fábricas era adquirida de outros países. A segunda parte era constituída
justamente
pelos fazendeiros
que
perceberam
uma
nova
oportunidade
de
reinvestimentos dos lucros do café. De 1906 até o início da Primeira Guerra Mundial,
os plantadores tiveram lucros excelentes, mas foram impedidos de formar novas
fazendas devido às leis estaduais que procuravam limitar a oferta. Dessa forma,
muitos fazendeiros aplicaram parte dos lucros na manufatura (DEAN, 1971, p. 51).
Durante essa primeira fase de industrialização os produtos fabricados em São
Paulo eram rudimentares. Procurava-se produzir apenas aqueles itens que devido à
relação entre peso e custo, tinham a manufatura em solo nacional vantajosa em
relação à importação (DEAN, 1971, p. 16).
Outra característica que marcou esse período de expansão da indústria foi o
movimento dos empresários para a verticalização dos seus negócios, como um
método de expansão defensiva, conforme aponta o historiador Warren Dean:
“Não se creia que a integração vertical fosse principalmente o
resultado do desejo de absorver os lucros dos intermediários.
Operando numa economia de fronteira, Matarazzo e os outros
industriais ansiavam, sobretudo, por diminuir as incertezas do
suprimento de matéria-prima, do transporte e da energia” (DEAN,
1971, p. 72).
32
Reiss (1980, p. 286) corrobora esta visão:
“Até mesmo as pequenas firmas tenderiam a diversificar suas
atividades industriais, fazendo a integração com comércio,
agricultura, etc., além de, especialmente, formar uma reserva
financeira que serviria como um seguro pessoal [...] para lidar com as
recorrentes crises”.
De acordo com Reis (1980, p. 66), a verticalização levou os industriais a
fortalecerem seus papéis como importadores. Assim, a comercialização de máquinas
e insumos para as suas fábricas os aproximaram de fontes de crédito internacionais.
Dessa forma, fomentou-se uma integração entre as atividades comerciais e industriais
que criavam um ciclo virtuoso reduzindo o risco e aumentando a lucratividade dos
negócios.
Reiss (1980, p. 76) ainda afirma que apesar da verticalização e diversificação
dos negócios, as estruturas das empresas eram predominantemente “horizontais”,
sem integração entre os negócios, embora a gestão estivesse concentrada em apenas
um homem, o fundador.
Dessa forma, a indústria paulista cresceu substituindo produtos anteriormente
importados, enquanto o equilíbrio da balança comercial era mantido com o capital
resultante das exportações agrícolas, com destaque para o café. Um comparativo da
evolução da indústria paulista entre 1907 e 1920 pode ser verificado na tabela 4-2.
Tabela 4-2 - Evolução da Produção Industrial de São Paulo
Ano
Número de
Firmas
1907
326
1920
4.154
Capital
(Contos de Réis)
Valor da
Produção
(Contos de Réis)
Número de
Operários
127.702
118.087
24.186
537.817
986.110
83.998
Fonte: Dean (1971, p. 99)
A eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914 trouxe mudanças expressivas
para a indústria nacional. O preço dos produtos importados da Europa aumentou
significativamente. Além disso, o transporte que representava 14,7% do custo dos
produtos adquiridos do exterior passou para 21,3%. Vale destacar que a importação
de matéria prima e de bens de capital foi mais drasticamente reduzida do que a
importação de bens de consumo, fazendo com que os investimentos e expansão das
fábricas ficassem estagnados durante o período de conflito (DEAN, 1971, p. 98). A
redução das importações pelo porto de Santos pode ser constatada na tabela 4-3, com
destaque na queda de máquinas e produtos de ferro e aço.
33
Tabela 4-3 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de
toneladas métricas)
Itens
1909-1913
Produtos alimentícios
1914-1918
Variação
1.008
943
- 6%
Papel e produtos do papel
48
45
- 6%
Substâncias químicas e farmacêuticas
58
33
- 43%
Tecidos de algodão
13
5
- 62%
Ferro e aço
98
33
- 66%
536
148
- 70%
136
37
- 73%
Produtos de ferro e aço
Máquinas
Fonte: Dean (1971, p. 98)
Entretanto, parte da indústria conseguiu encontrar oportunidades para
continuar crescendo. À medida que os países europeus reduziram o consumo de itens
não essenciais como o café, aumentaram as compras de alimentos industrializados. A
indústria têxtil, por sua vez, passou a exportar para a Argentina e África do Sul,
suprindo a demanda que até então era atendida pelas fábricas europeias. Finalmente,
o crescimento da produção para atender o mercado interno foi obtido através do
aumento dos turnos de trabalho (DEAN, 1971, p. 104 e 105).
Assim, conforme tabela 4-4, verifica-se que não houve queda do nível de
exportações durante o período de guerra. Pelo contrário, o ligeiro aumento das vendas
para o exterior, aliado à redução de importações levou a um aumento no saldo da
balança comercial.
Tabela 4-4 - Balança Comercial do Brasil, 1904 – 1918
Período
Exportações
(milhões de
contos)
Importações
(milhões de contos)
Saldo
(milhões de contos)
1904-1908
3.827
2.678
1.149
1909-1913
5.058
4.056
1.002
1914-1918
5.262
3.779
1.583
Fonte: Dean (1971, p. 96)
O período do final da Guerra também marcou a Revolução Bolchevique na
Rússia que fomentou a sindicalização dos operários e aumentou as suas
reinvindicações. Como resultado desse engajamento, a indústria paulista vivenciou
duas grandes greves em um período de dois anos. Segundo Dean (1971, p. 174) a
greve geral de 1917 envolveu mais de cem fábricas na capital e no interior. Esse
número seria ainda maior na segunda greve geral realizada em 1919. Entre as
principais reclamações dos trabalhadores estavam o aumento de salários de acordo
34
com o custo de vida, limitação de oito horas de trabalho, abolição do sistema de
multas e proibição do trabalho para menores de doze anos. Todavia, como os
sindicatos ainda não eram reconhecidos pelo Governo, os acordos não tendiam a
durar por longo tempo e dificilmente prejudicavam os empresários.
Apesar da evolução da indústria no início do século XX, a manufatura ainda era
vista como uma atividade marginal em relação à agricultura. Assim, se por um lado os
Governos não lançavam mão, de forma intencional, de políticas que visassem o
desenvolvimento e fortalecimento do complexo produtivo, por outro, havia poucas
pressões sobre os empresários. Dean (1971, p. 72) apresenta um relato sobre o
ambiente industrial da época:
“Os empresários paulistas operavam num ambiente de quase perfeito
laissez faire. Tirante os impostos sobre importações e exportações,
nem o governo estadual nem o federal se preocupavam com as
atividades dos homens de negócios particulares até os tumultos das
classes operárias de 1917. Organizavam-se monopólios, as
condições de trabalho em muitas fábricas eram abomináveis, a
qualidade dos produtos alimentícios não obedecia a nenhuma
regulamentação. As indústrias locais estavam sujeitas a poucos
impostos e estes eram geralmente sonegados”.
Baer (19851, p. 262) corrobora a posição de laissez faire do Estado ao destacar
que este mantinha uma atuação esporádica em relação à indústria através da
concessão de favores especiais a determinados setores por meio de alterações de
tarifas alfandegárias e empréstimos.
Além disso, a incipiência de escolas técnicas prejudicava o desenvolvimento e
adoção de novas tecnologias e implementação de processos eficientes de produção.
Scantimburgo (1986, p. 77) destaca alguns poucos centros de ensino que formavam
engenheiros na época como a Escola Politécnica do Rio de Janeiro fundada em 1874
e a Escola de Minas de Ouro Preto fundada em 1876.
De acordo com Reiss (1980, p. 44), durante esse período também havia pouca
competição entre as empresas. Dessa forma, a principal fonte de instabilidade era
oriunda da produção e das vendas do café. Para o autor (p. 64), como o empresário
praticamente não tinha acesso ao crédito bancário e estava sujeito às oscilações do
mercado de café, este preferia se manter em uma posição cômoda no mercado,
trabalhando com os preços correntes e sem agir de forma agressiva perante os outros
competidores. Assim, um caminho óbvio para o reinvestimento dos lucros seria em
direção a produtos relacionados (ou não relacionados) que poderiam, eventualmente,
vir a ser uma fonte lucrativa ao mesmo tempo em que poderiam reduzir de algum
modo o risco a que estavam expostos.
35
Ainda segundo Reiss (p. 392), a chegada de empresas estrangeiras era
esporádica e ocorria em setores muito específicos da economia. O autor destaca as
seguintes empresas que se instalaram no Brasil no período: Fiat Lux (fósforos – 1895);
Singer Bewing Machines (máquinas de costura – 1905); Cotonniere Belge-Bresilienne
(têxtil – 1907); Crown Cork Co. (cortiça – 1907); British American Tobacco (tabaco 1909); Societe de Abatoir de Para (carne – 1910); Bunge y Born (moagem de grãos –
1910); Gasmotoren Fabrik (máquinas e motores – 1913); Otis Elevator (elevadores –
1913); Armour (carne - 1915); Swift (carne – 1917).
Reiss (1980, p. 23) ainda aponta que como o crescimento industrial neste
período se caracterizou demasiadamente como um reflexo do aquecido mercado
cafeeiro, ele ficou carente de uma dinâmica própria de acumulação de capital.
Apesar desses problemas, de forma geral, as condições do ambiente
favoreceram o surgimento de grandes empresários e indústrias:
“Assim não havia concorrência significativa e o país era um terreno
aberto e fértil para o crescimento. Era mesmo vez e hora dos grandes
empreendedores, dos construtores de impérios. A ambiência
favorecia a multiplicação de investimentos, a expansão multinegocial
sem preocupação com concentração ou especialização. Diversidade
1
em vez de especialização. Multiplicidade em vez de foco” (COUTO ,
2004, p. 248).
Dessa forma, de um Estado com pouca participação na economia nacional e
dependente do Rio de Janeiro, em um período de trinta anos São Paulo deu um
grande salto rumo à industrialização, sendo possível verificar o surgimento dos
primeiros grandes grupos industriais. É nesse contexto que desembarcam no país dois
dos maiores empreendedores da nossa história do capitalismo nacional: Francesco
Matarazzo e Antônio Pereira Ignácio.
Curiosamente, os dois imigrantes se estabelecem em Sorocaba, município que
tinha apenas 12,9 mil habitantes em 1881, sendo 3 mil escravos. Apesar do pequeno
porte, era um local de terras férteis e cidade pioneira na indústria paulista, recebendo
as primeiras unidades de preparação e tecelagem de algodão, de seda e de confecção
de chapéus. Com esses atributos, chegou a ser apelidada de “Manchester Paulista”
(COUTO1, 2004, p. 138).
No período que sucedeu a primeira fase da industrialização de São Paulo, o
crescimento foi menos vigoroso. Segundo Dean (1971, p. 115), a expansão do parque
industrial paulista entre 1920 e 1940 se deu a uma taxa 50% menor do que a realizada
nos primeiros anos do século XX, algo em torno de 4% ao ano. Para o historiador,
essa evolução mais tímida pode ser atribuída à queda do preço do café, à depressão
36
de 1929, às dificuldades do Governo em saldar as suas dívidas e às próprias
deficiências das empresas nacionais.
Apesar do menor crescimento da indústria, Reiss (1980, p. 392) afirma que os
investimentos de empresas estrangeiras se intensificaram durante a década de 1920
e, além disso, começaram a ter um grau de sofisticação maior. Entre as companhias
que se instalaram no Brasil durante este período, destacam-se: Ford (1920); General
Motors (1920); Nestle (1921); General Electric (1921); Philips (1924); Pirelli (1930);
Lone Star Cement (1931).
O início da década de 1920 apresentou um ambiente extremamente
conturbado. Scantimburgo (1986, p. 124) apresenta um relato da situação econômica
do país na época:
“Se o Brasil é pobre ainda hoje, muito mais era na década de 20.
Vivia de empréstimos, preso a credores estrangeiros que sugavam
nossa magra economia. Submetido à política da valorização, o café
sustentava o nosso edifício econômico, graças, porém, a
empréstimos externos, um dos quais, em 1925, foi de dez milhões de
libras esterlinas. Dependendo dos mercados estrangeiros para a
colocação de suas safras de café e de maquinário para o seu
desenvolvimento industrial, o Brasil debatia-se em crises periódicas,
as crises de desenvolvimento; para vencê-las dependia
exclusivamente, de uma reduzida elite de empresários, poucos
dotados de diplomas de cursos superiores”.
Nesse cenário, a República do Café com Leite, sensível aos anseios dos
fazendeiros, adotou uma política forte de concessão de crédito, fazendo com que a
emissão de papel moeda aumentasse significativamente, gerando inflação. Entre 1920
e 1923, a quantidade de capital em circulação e o custo de vida duplicaram. Todavia,
pressionado pela classe média, em 1926 o presidente Arthur Bernardes retirou papel
moeda de circulação queimando 316 mil contos (50 milhões de dólares), o que fez
com que o dólar se desvalorizasse em 30%, impactando seriamente as exportações
dos fazendeiros. Nesse período, a principal reclamação dos industriais e dos
fazendeiros passou a ser justamente a instabilidade do câmbio (DEAN, 1971, p. 147).
Essa situação seria contornada apenas com a eleição do paulista Washington
Luís ao Governo Federal. Cedendo à pressão desses grupos, o presidente assegurou
uma taxa de câmbio firme e aumentou novamente a política de crédito (DEAN, 1971,
p. 148).
Apesar do índice menor de crescimento, houve uma continuidade na
diversificação dos negócios no período, com destaque para as novas fábricas de ferro
gusa, cimento, motores elétricos, máquinas têxteis e peças de automóveis. Por outro
lado, a construção de estradas de ferro foi muito lenta durante toda a década de 1920,
37
prejudicando o transporte dos produtos e o comércio interestadual. (DEAN, 1971, p.
120).
De acordo com Dean (1971, p. 121), parte dos agricultores continuou a
direcionar os investimentos para a indústria quando houve uma baixa nos preços do
café em 1930, reduzindo substancialmente a plantação de novos cafeeiros nos anos
seguintes.
Contudo, as recorrentes baixas do preço do café e o reduzido nível de
desenvolvimento dos agricultores fizeram com que gradativamente o patamar de
investimento e o fluxo de capital para as fábricas minguassem. Segundo Dean (1971,
p. 141), houve pouca evolução de produtividade agrícola nas décadas de 1920 e 1930.
Apesar do aumento de 35% da área cultivada, os estoques de máquinas agrícolas se
mantiveram inalterados durante o período.
Outro problema para a indústria que se originou do campo foi o declínio da
produção de algodão entre 1926 e 1932, obrigando as indústrias de tecelagem a
procurar insumos importados (DEAN, 1971, p. 143).
Os importadores, por sua vez, se envolveram menos no crescimento da
indústria durante essa fase, o que é explicado pelas divergências que serão
constatadas entre estes e os industriais. Vale destacar, no entanto, que a despeito dos
conflitos entre esses grupos, a parceria nos negócios correntes continuaria sendo
mantida por grande parte dos empresários.
“Até os maiores fabricantes continuavam a vender seus produtos no
mercado através dos importadores que, em seguida, os vendiam aos
atacadistas. Esse arranjo, sem dúvida alguma, aumentava os custos
de distribuição, mas era necessário porque os importadores
continuavam a oferecer crédito a curto prazo aos manufatores. No
ramo dos tecidos, somente umas poucas fábricas haviam conseguido
livrar-se dos importadores por volta da década de 1940 [...]. Existem
alguns indícios de que Matarazzo não fizera movimento algum nesse
sentido até o meado da década de 1930, mas que a Votorantim
rompera com Affonso Vizeu, o importador do Rio de Janeiro” (DEAN,
1971, p. 123).
Apesar da parceria, conforme já citado anteriormente, gerou-se uma tensão
entre esses grupos devido ao desaquecimento da economia e ao movimento
protecionista dos industriais. Os fabricantes de tecidos, por exemplo, que haviam
vivenciado bons resultados após a Primeira Guerra, viram as vendas declinarem a
partir
de
1924,
enquanto
que
as
importações
do
produto
aumentaram
substancialmente. Assim, após pressões políticas dos industriais, o Governo reviu as
tarifas sobre o algodão no final da década, protegendo a manufatura nacional. Com
isso, o algodão importado quase desapareceu do mercado (DEAN, 1971, p. 153).
38
Nas
décadas
seguintes,
a
indústria
continuaria
a
defender
tarifas
protecionistas, principalmente sob a voz de Roberto Simonsen, industrial casado com
uma representante da elite fazendeira que atuaria em favor dos industriais junto ao
Governo até o final da década de 1940 (DEAN, 1971, p. 154).
Esses desentendimentos acabaram criando uma dissidência dentro da
Associação Comercial de São Paulo, que até então representava ambos os grupos,
mas era gerida pelos importadores.
Assim, os industriais decidiram fundar uma associação separada do comércio
em 1928, criando o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). Na
primeira eleição, o Conde Francesco Matarazzo foi o primeiro presidente e Roberto
Simonsen, o vice (DEAN, 1971, p. 152). Era uma organização aberta e voluntária, com
o objetivo de defender as ideias e os interesses dos industriais, dando ênfase ao papel
da indústria como um motor para o crescimento econômico do Brasil. Além disso,
buscava aumentar o poder de barganha junto ao governo. Tinha entre os seus
associados, empresas como IRFM, Votorantim e Klabin (COUTO2, 2004, p. 144).
Dessa forma, a grande parte do capital financiador da indústria passou a advir
dos reinvestimentos feitos pelos próprios industriais que buscaram fortalecer os seus
empreendimentos, acentuando o fenômeno de integração e verticalização dos
negócios (DEAN, 1971, p. 123).
Entretanto, apesar do salto dado pela indústria durante as duas primeiras
décadas do século XX, Dean (1971, p. 126) destaca duas características específicas
da indústria paulista que ajudam a explicar o baixo crescimento durante o período: A
inexistência de qualquer direcionamento para a concentração dos negócios e a
formação de cartéis que controlavam os preços e a produção.
Com relação à ausência de concentração, Dean (1971, p. 129) aponta a falta
de capacidade das empresas de realizar fusões, possivelmente devido à intenção de
perpetuação da propriedade familiar. Poucas empresas recorriam ao mercado de
ações - a primeira grande oferta de uma empresa particular ocorreu apenas em 1944
com a Panair do Brasil (DEAN, 1971, p. 191) - e quando o faziam, muitas vezes a
venda de títulos assinalava apenas uma transferência de cotas dentro da própria
família. Apesar de essa ser uma característica habitual dos primórdios do capitalismo,
o historiador destaca que até a década de 1950 a inexistência de um grande mercado
de consumo brasileiro colaborou para que não houvesse um alto nível de
especialização da indústria, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos ainda no
século XIX. Dean explica, ainda, que o transporte oneroso e deficiente, e os impostos
interestaduais atrapalharam esse desenvolvimento.
39
Se por um lado não houve um processo relevante de fusões e aquisições
durante essas décadas, os grandes industriais frequentemente se uniam para formar
novos empreendimentos e costurar acordos para manter a hegemonia nos seus
negócios, criando barreiras de entrada significativas:
“Havia, em meados da década de 1920, associações comerciais que
provavelmente se empenharam na fixação de preços para os
produtos de metalurgia, calçados, couro e peles, madeira de
construção e drogas. Houve, sem dúvida alguma, cartéis, em
diversas ocasiões, da moagem da farinha, do papel, dos chapéus, da
sacaria de juta e da cerveja. [...] 80% ou mais da capacidade
produtora de fósforos, lâminas de vidro, óleo de caroço de algodão,
linha para coser, cerveja, enlatamento de carne, cimento, ferro gusa e
rayon pertenciam a três firmas apenas [...]. Só no campo dos tecidos
de algodão, dentre todas as principais linhas de produção, não se
estabeleceram cartéis [...]. Sugeriu-se aos seus membros (Centro das
Indústrias de Fiação e Tecelagem de São Paulo) em 1926, 1928 e
1930 que se limitasse a produção ou se mantivessem artificialmente
os preços; em 1926 a moção fracassou, porque a ela se opôs
Matarazzo, que, em sinal de protesto, renunciou à presidência do
Centro. É possível que no seu entender, sua fábrica fosse mais
eficiente do que a maioria das outras; nada indica que ele se
opusesse, por princípio, à restrição do comércio” (DEAN, 1971, p.
131).
Além disso, segundo Dean (1971, p. 159), a implantação da indústria de bens
de consumo talvez tenha retardado o desenvolvimento de indústrias mais básicas,
pois o interesse dos empresários para os novos investimentos passou a estar
relacionado a tudo que pudesse reduzir os custos dos seus produtos e não com a
criação de indústrias de petróleo, siderurgia e química, etc. O autor prossegue com
sua afirmação (p. 253):
“A indústria nacional antes de 45 sempre pareceu um negócio de
carregação ao consumidor. O fabricante de bens de consumo
relutava tanto quanto os seus fregueses em comprar localmente suas
próprias matérias-primas, dificultando, dessa maneira, a instalação de
uma indústria básica.”
Outra questão importante sobre o desempenho da indústria nacional está
relacionada à carência de uma mão de obra qualificada. Até os meados da Segunda
Guerra Mundial, os empresários não demonstraram quase nenhum interesse pelo
desenvolvimento e treinamento técnico dos trabalhadores. Para os industriais e
também para o Governo, era mais barato importar os técnicos europeus do que
capacitá-los no Brasil (DEAN, 1971, p. 189). Esse problema era agravado pela má
qualidade e baixa regulação do ambiente de trabalho na época.
Em 1920, o operário paulista trabalhava por pelo menos dez horas diárias
durante seis dias por semana, para ganhar cerca de quatro mil-réis diários – valor que
40
não era suficiente para comprar meio quilo de arroz. As mulheres representavam
cerca de 1/3 da força de trabalho, que ainda incluía muitas crianças. Os acidentes se
acumulavam e funcionários poderiam ser multados em caso de desobediência ou até
mesmo surrados no caso das crianças (DEAN, 1971, p. 163).
Isso não parecia ser um fator de preocupação para os industriais, pois o
trabalho braçal não era um recurso escasso. Durante a década de 1920, entraram
mais imigrantes em São Paulo do que nos quinze anos anteriores. Nas fábricas da
Matarazzo, por exemplo, “chegou-se a encontrar máquinas com metade do tamanho
das máquinas normais para uso das crianças operárias” (DEAN, 1971, p. 180).
Em 1922, o presidente Arthur Bernardes, receoso com a insatisfação de parte
dos militares (em julho deu-se o Levante do Forte de Copacabana), buscou obter o
apoio dos grupos trabalhistas e criou o Conselho Nacional do Trabalho, órgão
encarregado em assessorar o governo em assuntos trabalhistas. Assim, foi
promulgada a Lei das Férias que concedia duas semanas de férias pagas a todos os
empregados - todavia, essa lei só viria a ser efetivamente posta em prática durante o
regime de Getúlio Vargas (DEAN, 1971, p. 172)
Essa época também apresentou muitos escândalos e acusações que
prejudicaram a imagem dos industriais perante a sociedade. Os empresários
enfrentaram denúncias da imprensa por contrabando, calote no pagamento de
dividendos, cópia de produtos patenteados, prática de dumping e até falsificação de
rótulos (DEAN, 1971 p. 134). Para o historiador, embora houvesse indícios de verdade
nessas alegações, havia dificuldade de os empresários paulistas conseguirem passar
uma visão favorável de suas atividades.
Para Bethlem (1999, p. 81), ao contrário da cultura norte americana que
valoriza a riqueza em virtude de um encargo conferido por Deus, a cultura nacional,
influenciada pelas crenças católicas, não enxergava a questão dessa maneira,
tornando a riqueza quase que em um pecado.
Em 1929, a depressão econômica que se iniciou nos Estados Unidos e se
alastrou pelo mundo fez o mercado internacional do café desmoronar – queda de
quase 30% (SCANTIMBURGO, 1986, p. 139). Em 1930, o valor dos embarques do
produto diminuiu 40% em relação ao ano anterior. Devido à importância do café para a
economia paulista, a indústria foi igualmente comprometida. Fábricas de tecido, de
papel e metalurgia passaram a operar com menos de 40% da capacidade instalada
(DEAN, 1971, p. 194). Segundo Scantimburgo (1986, p. 140), a queda do preço do
café reduziu os salários dos trabalhadores do campo em até 50%. Esse baixo poder
aquisitivo se refletiu no comércio e, portanto, na indústria.
41
Segundo Suzigan (1971), os gêneros da indústria que mais foram afetados
pela depressão foram: Têxtil, calçados, química, metalúrgica, bebidas, mobiliário e
minerais não metálicos. Por outro lado, alguns setores pareciam não ter sentido os
efeitos da crise. Pelo contrário, viram a sua produção entre 1928 a 1932 aumentar.
Este foi o caso das indústrias de produtos alimentares, papel, couros e peles e fumo.
Portanto, antes de 1930, as atividades industriais eram praticamente uma
extensão das exportações de café. Isto é, o crescimento industrial interno não tinha
uma autonomia. Com a crise do café e a grande depressão, o setor exportador teve
sua importância enfraquecida no crescimento da renda, ao passo que os
investimentos destinados às atividades econômicas e produtivas voltadas para o
mercado interno assumiriam a condição de principais determinantes no crescimento
da renda no país (SANTOS, 2008).
Assim, em 1933, pela primeira vez na história do país, o valor da produção
industrial supera o da produção agrícola – embora mais pela queda da última do que
pelo crescimento da primeira (CALDEIRA, 2008, p. 64).
Além da crise econômica, outro fator do ambiente impactou profundamente a
industrialização de São Paulo: A queda da República Velha e a ascensão de Getúlio
Vargas ao poder. O novo Governo trouxe mudanças políticas e econômicas
significativas, uma vez que o Brasil vivia um momento de dificuldades para saldar suas
dívidas após a grave crise global. O presidente gaúcho adotou uma política
nacionalista com o intuito de fortalecer as exportações do setor agrícola e reduzir as
importações. Além disso, como a indústria do Rio Grande do Sul (Estado de origem do
novo presidente) era incipiente, Vargas via o setor manufatureiro como secundário
(DEAN, 1971, p. 195):
“Vargas poucas vezes mencionou a indústria nos discursos públicos
que proferiu durante esse período, e os escritos dos seus consultores
revelam escasso interesse pela manufatura nacional” (DEAN, 1971,
p. 217).
Dessa forma, Vargas aumentou o crédito para os cafeicultores ao comprar
estoques do produto, além de lançar mão de políticas para restringir a importação de
insumos para as fábricas. Ainda, criou um tributo de 8% sobre os lucros remetidos
para o exterior (DEAN, 1971, p. 199).
Assim, boa parte da indústria foi penalizada. As importações de ferro e aço
caíram de uma média de 59 mil toneladas anuais entre 1927 e 1929 para 9 mil
toneladas em 1932 e a aquisição de novas máquinas se tornou extremamente difícil
(DEAN, 1971, p. 207).
42
As medidas trabalhistas instituídas pelo Governo Vargas também teriam um
impacto direto para os industriais a partir da criação do Ministério do Trabalho em
1930. No mesmo ano, o presidente sancionou uma lei limitando a mão de obra
estrangeira em 1/3 dos trabalhadores das fábricas. Em 1931, criou um decreto que
passou a reconhecer oficialmente os sindicatos. No ano seguinte, regulamentou o
emprego das mulheres na indústria e limitou a jornada de trabalho em oito horas
diárias. Todavia, se por um lado estas mudanças não deixaram de afetar a indústria,
por outro, também não houve um grande prejuízo para os empresários que chegaram
a se beneficiar com a criação da carteira de trabalho, por exemplo, que era fornecida
gratuitamente pelo Estado e permitia um maior controle sobre os operários. O
problema da limitação da jornada de oito horas também foi contornado pela
possibilidade de duas horas extras de trabalho por dia (DEAN, 1971, p. 202).
A insatisfação dos paulistas com o governo provisório levou o Estado à guerra
na Revolução Constitucionalista de 1932. De acordo com Dean (1971, p. 208) os
industriais participaram ativamente do levante, fornecendo materiais para as tropas.
Nos anos que se seguiram, Vargas empreendeu ações visando equilibrar a
balança comercial. Assim, com o objetivo de persuadir os norte americanos e
europeus a reduzir as tarifas aduaneiras sobre o café e outros produtos brasileiros,
aumentou as tarifas de importação. Todavia, a medida protecionista do presidente não
foi eficiente. Era mais fácil que os países desenvolvidos vivessem sem café do que os
brasileiros sem máquinas e combustíveis (DEAN, 1971, p. 210).
Alguns industriais aproveitaram essa estratégia de Vargas para proteger os
seus negócios. Convenceram o Governo de que havia superprodução nos mercados
de papel, tecidos e calçados e fizeram com que fosse proibida a importação de
máquinas para esses setores entre 1931 e 1934. Todavia, os esforços do presidente
não fizeram com que o Governo conseguisse saldar os problemas das dívidas nem da
balança comercial. Assim, em 1934 Vargas anunciou que os juros seriam pagos de
forma parcelada. Além disso, houve, no período, um grande aumento no fluxo de
importações, principalmente de produtos de gêneros alimentícios e outros bens de
consumo. Entre 1932 e 1936, o volume de entrada de mercadorias em Santos quase
quadruplicou. Dessa forma, em 1937, pela primeira vez desde 1920, o Brasil
apresentava um balanço comercial negativo (DEAN, 1971, p. 214).
“A mudança mais notável no ambiente econômico da década de 1930
foi a crescente intervenção do governo. Mas essa intervenção não se
propunha acelerar o processo da industrialização; as alternativas da
economia e exportação ainda não se haviam se esgotado” (DEAN,
1971, p. 219).
43
Apesar dos problemas econômicos do país, de 1933 em diante a
industrialização tomaria um novo impulso, com destaque para os setores não
tradicionais, com o estabelecimento de novas indústrias destinadas à produção de
matérias-primas básicas (cimento e aço, principalmente), e indústria de máquinas e
equipamentos (SUZIGAN, 1971).
Um dos motores dessa evolução foi o desenvolvimento da base energética do
Estado que duplicou entre 1930 e 1945, sendo que em 1940 a potência instalada de
energia elétrica de origem hidráulica em São Paulo representava 55,4% do total do
país. Assim, de 1932 a 1937, o capital aplicado nas principais indústrias paulistas
cresceu 118%, enquanto o número de operários empregados aumentou 63%
(SUZIGAN, 1971).
De acordo com Suzigan (1971), as indústrias tradicionais foram as que tiveram
menor crescimento no período: Produtos alimentares (2,9%), têxtil (6,5%) e vestuário e
calçados (8,0%). Num grupo intermediário, outras indústrias tradicionais, mas de
menor produção no total da indústria, registraram crescimento da produção a taxas
mais elevadas como: Bebidas (17,9%), fumo (18,2%), mobiliário (13,1%), madeira
(10,5), papel (7,3%), couros e peles (18,4%). Enquanto isso, as indústrias básicas
cresceram a taxas anuais muito elevadas: indústria metalúrgica (24%), química e
farmacêutica (29,9%), automotivo (39%) ao ano e minerais não metálicos (16%).
Todavia, enquanto alguns setores puderam se desenvolver modernizando e
aumentando sua capacidade produtiva, como foi o caso das indústrias do cimento e de
produtos metalúrgicos, outros setores, principalmente o têxtil, aumentavam a sua
produção através da utilização intensiva do equipamento existente, sem preocupação
quanto à necessidade de renovação e modernização que a intensa utilização tornava
ainda mais necessária (SUZIGAN, 1971). Reiss (1980, p. 135) reforça essa hipótese
em seu relato:
“Na ausência de uma competição intensa com outras firmas na
produção de produtos similares, a vida econômica das instalações
industriais se estendia através de longos períodos de tempo,
especialmente no caso dos segmentos tradicionais da indústria [...].
Isto era uma consequência da própria competição industrial,
principalmente com a reduzida competição de preços e pelo fato das
firmas estarem diante de oportunidades abundantes de investimento
para expansão, integração vertical e diversificação.”
Portanto, verifica-se na época a necessidade primordial da indústria paulista
pela renovação do parque fabril. No entanto, a eclosão da 2a Guerra Mundial e suas
consequências sobre a economia brasileira fariam esquecer, por algum tempo, os
problemas de eficiência das fábricas, principalmente as têxteis, que passaria à sua
fase áurea conquistando mercados externos perdidos pelos países em guerra
44
(SUZIGAN, 1971). A tabela 4-5 traz uma luz a esse problema, ao indicar que pelo
menos 42% das máquinas da indústria têxtil em 1939 tinha no mínimo dez anos de
uso.
Tabela 4-5 - Distribuição por Idade das Máquinas da Indústria Têxtil em 1939
Número de máquinas segundo a idade
Subgrupos da indústria
Fiação de algodão
Menos
de 5
anos
5 a 10
anos
Mais de
10 anos
Idade
descon
hecida
Total
199
1.037
873
573
2.682
Tecelagem de algodão
2.348
1.447
59.039
66.969
129.803
Fiação de seda natural
50
-
-
67
117
Fiação de seda artificial
15
12
3
-
30
3.797
2.262
1.346
1.600
9.005
Fiação de lã
151
76
331
5
563
Tecelagem de lã
580
326
814
5.277
6.997
-
-
-
80
80
267
40
1.809
1.153
3.269
7.407
5.200
64.215
75.724
152.546
4,9
3,4
42,1
49,6
100,0
Tecelagem de seda natural e artificial
Fiação de juta
Tecelagem de juta
Totais
(%)
Fonte: Suzigan (1971)
Reiss (1980, p. 85) também afirma que o crescimento da indústria também
ocorreu de maneira muito mais diversificada e integrada durante as décadas de 1930
e 1940, sendo que grande parte da diversificação se deu em face da substituição das
importações. Além disso, de acordo com o autor, o crescimento industrial nesta fase
se tornou mais independente do café, tendo uma dinâmica própria de acumulação de
capital, quando a principal fonte de crescimento das empresas se deu através do
reinvestimento dos lucros. O autor ainda afirma que ao contrário do período pré-crise
de 29, quando o principal fator de risco para a indústria era o mercado de café, a partir
da década de 30 a competição entre as fábricas se tornou mais intensa, se tornando
uma fonte de instabilidade relevante para os negócios.
Constata-se, portanto, que essa diversificação da estrutura de produção da
indústria paulista teve grande participação no desenvolvimento econômico e industrial
durante o período pré-Guerra. A tabela 4-6 apresenta alguns números da indústria
paulista desde o período da crise de 1929 até 1937. É possível constatar uma
evolução substancial durante os anos do Governo Vargas.
45
Tabela 4-6- Aspectos Gerais da Indústria: 1928 – 1939
1928
Número de fábricas
1930
1932
1933
1937
1939
6.923
5.388
6.070
6.555
9.051
12.850
1.101.824
1.477.490
1.589.750
1.906.482
3.460.452
4.679.371
Operários
148.376
119.296
130.808
171.667
245.715
254.721
Força Motriz
Instalada (HP)
171.076
189.499
192.159
212.108
279.573
432.650
2.216.732
1.834.293
1.944.988
2.060.363
3.851.878
7.107.547
Capital aplicado
(contos de réis)
Valor da Produção
(contos de réis)
Fonte: Suzigan (1971)
Em 1937, o golpe de Vargas que originou o Estado Novo trouxe uma nova
dinâmica para a indústria paulista. Diante do decréscimo das exportações e de uma
economia problemática, o presidente deu uma guinada na política de desenvolvimento
do país e decidiu fortalecer a indústria nacional com o intuito de substituir as
importações por produtos nacionais. Dessa forma, abriu novas fontes de
financiamento para a indústria. (DEAN, 1971, p. 222).
Em 1939, as indústrias leves que correspondiam a cerca de 70% da produção
vinte anos antes, viram este percentual declinar para 58%, perdendo espaço para
setores como metalurgia, mecânica e material elétrico. Sendo assim, com o maior
balanceamento dos setores industriais a partir dos anos de 1930, a indústria se tornou
o setor líder de crescimento da economia (BAER1, 1985, p. 298).
Logo após o início da Segunda Guerra Mundial, o Brasil passou a ser
procurado como fonte de matérias primas estratégicas e de produtos manufaturados,
em particular os têxteis e vestuários, o que evidentemente representou um novo
impulso à industrialização paulista (SUZIGAN, 1971). Mais importante, ainda, foram os
acordos com os Estados Unidos para a implantação da Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN) em Volta Redonda e o envio de máquinas para as fábricas nacionais
durante a guerra (DEAN, 1971, p. 236).
Todavia, para Dean (1971, p. 238), os industriais confiaram em demasiado
nesse período de forte demanda que era tão manifestamente temporária. Os
compradores queixavam-se constantemente que os preços dos produtos eram o dobro
dos que anteriormente eram fornecidos por Europa e Estados Unidos.
Já o Estado Novo, por sua vez, ia perdendo força com o fim da guerra. A
aproximação fascista de Getúlio e a perda de apoio político acabaram levando à
deposição do presidente. De acordo com Dean (1971, p. 248), com a queda de Vargas
caíram também os industriais.
46
O período que se inicia após no pós-guerra carrega mudanças demográficas
significativas que afetaram a dinâmica do desenvolvimento econômico e industrial do
país. Entre elas, destaca-se o aumento da população que se expandiu em mais de
200% no período, ultrapassando a marca de 144 milhões de habitantes. O gráfico 4-2
apresenta a evolução da população brasileira, no qual é possível verificar uma
acentuação da taxa de crescimento a partir da década de 1950.
Gráfico 4-2– Evolução da População Brasileira
200.000.000
160.000.000
120.000.000
80.000.000
40.000.000
1880
1885
1890
1895
1900
1905
1910
1915
1920
1925
1930
1935
1940
1945
1950
1955
1960
1965
1970
1975
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
0
Fonte: Ipeadata (2014)
Aliado a isso, houve um forte processo de urbanização que contribuiu para o
surgimento de um novo mercado consumidor, além do aumento da oferta de mão de
obra. Enquanto que em 1940 pouco mais de 30% da população brasileira vivia nas
cidades, em 1970 essa taxa chegou a 55,9%. No Estado de São Paulo, os percentuais
eram de 44,1% e 80,3%, respectivamente (REISS, 1980, p. 159). O gráfico 4-3
apresenta a evolução das populações urbana e rural do Brasil.
Nos primeiros anos pós-guerra, o governo Dutra procurou combater os altos
índices de inflação através de uma forte política de importação e de uma taxa fixa de
câmbio. Entretanto, essas medidas além de não conseguirem segurar o aumento dos
preços, acabaram consumindo as divisas cambiais acumuladas durante o período da
Guerra (MATARAZZO, 1982, p. 115).
47
Gráfico 4-3 – Evolução das Populações Urbana e Rural no Brasil
180.000.000
160.000.000
140.000.000
120.000.000
100.000.000
80.000.000
60.000.000
40.000.000
20.000.000
0
1940
1950
1960
População Rural
1970
1980
1990
2000
2010
População Urbana
Fonte: Ipeadata (2014)
De acordo com Baer (1985, p. 39), a redução das importações aliada ao
crescimento das exportações durante os conflitos haviam elevado as reservas de
divisas do país de US$ 71 milhões em 1939 para US$ 708 milhões em 1945. Todavia,
em 1947 essas reservas já tinham sido consumidas em decorrência de um forte
movimento de importações que ficaram restritas durante a Guerra (BAER, 2002, p.
71).
Baer (1985, p. 38) ainda destaca que os anos pós Guerra marcaram uma fase
na qual a participação dos principais produtos agrícolas nacionais nas exportações
mundiais declinou. Dessa forma, o país passaria a ter ainda mais dificuldades de gerar
renda para sustentar um rápido crescimento demográfico.
Por outro lado, ao longo de toda a década de 1940, a indústria continuou o
movimento de crescimento iniciado no Estado Novo de Vargas. Scantimburgo (1986,
p. 197) apresenta alguns dados sobre a evolução industrial na década de 1940. De
acordo com o autor, em 1940 havia no país 49.784 estabelecimentos industriais. Dez
anos depois, eles passaram a 89.086. O número de operários ocupados na indústria
também aumentou significativamente – de 787.185 para 1.286.807.
Assim, o governo brasileiro buscou medidas com o intuito de equalizar o
balanço de pagamentos e fomentar a indústria nacional que poderia surgir como uma
nova fonte de crescimento econômico. Para isso, em 1953, o governo lançou um
sistema de taxas múltiplas de câmbio. Assim, poderia incentivar as exportações dos
48
mercados que considerava estratégicos e proteger indústrias nacionais com base em
elevação do câmbio para importações (BAER, 1985, p. 44).
Além disso, assim como havia feito na primeira fase de industrialização no
início do século, o país lançou mão da Lei de Similares, incentivando a substituição de
importações e a integração vertical das indústrias (BAER, 2002, p. 78).
Assim, a partir deste momento, começa a haver uma transição do motor
econômico brasileiro. A agricultura, que chegou a representar 27% do PIB nacional
após a Guerra, verá sua participação declinar gradativamente nas próximas duas
décadas, enquanto a indústria ganha fôlego, alcançando em 1966, o patamar que a
agricultura tinha vinte anos antes. Enquanto que o produto real da agricultura cresceu
87% entre 1947 e 1961, o da indústria ampliou-se em 262%. O gráfico 4-4 apresenta
esta variação da composição do PIB nacional entre as décadas de 1950 e 1980.
Gráfico 4-4 - Distribuição Setorial do PIB (1950 – 89)
90,0%
70,0%
50,0%
30,0%
10,0%
-10,0%
Agricultura
Indústria
Serviços
Taxa de Crescimento Anual do PIB
Fonte: Adaptado de Baer, 2002, p. 481
Ainda, esse movimento acompanhou uma maior proporção da indústria
pesada, principalmente com o crescimento de setores como metalurgia, material
elétrico, material de transporte e indústria química (BAER, 1985, p. 60).
Entretanto, é importante destacar que no final da década de 1950, a economia
brasileira não era totalmente imune às oscilações do café que teve uma
desvalorização de 31% em 1959 e obrigou o governo a lançar mão de incentivos aos
exportadores. Essa persistente importância do produto agrícola foi destacado no
Relatório Anual da Matarazzo de 1959:
49
“No entanto, a nossa economia continua dependendo do café em
medida considerável e é, portanto, nesse setor, especialmente nesse
setor, que nós temos a obrigação de atuar com imaginação e
tenacidade visando reunir agricultura e indústria sob um denominador
comum.”
No ano de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek (JK) lançou o Plano de
Metas e o famoso “cinquenta anos em cinco”, que articulou uma série de
investimentos públicos e privados visando o desenvolvimento do país e o
aprimoramento da infraestrutura brasileira.
Em especial, buscou-se desenvolver a indústria de bens de consumo durável,
na qual destaca-se o setor automotivo. Vale destacar, no entanto, que diferentemente
de Vargas, que direcionou o crescimento, principalmente, com fontes de capital
nacional e estatal, o novo governo utilizou-se de diversos instrumentos visando atrair
investimentos estrangeiros (SANTOS, 2008).
Dessa forma, o governo lançou mão de uma série de incentivos para empresas
nacionais e estrangeiras, sendo que estas últimas passaram a ter uma participação
mais relevante na economia (REISS, 1980, p. 161). Segundo Baer (1985, p. 56), em
relação à indústria, os objetivos do governo eram estimular os seguintes setores:
siderúrgico, alumínio, cimento, celulose, automobilístico, químico e de mecânica
pesada.
Sendo assim, as empresas nacionais que surgiram durante o primeiro ciclo de
industrialização nas décadas anteriores, ganharam a concorrência de grandes
empresas estrangeiras. De acordo com Dean (1971, p. 252), em 1960, metade do
capital industrial do setor privado de São Paulo se achava sob o domínio ou controle
de estrangeiro. O autor completa:
“Nesse ínterim, a industrialização no setor privado tomara uma
direção inteiramente nova. Atraídas pelo tamanho do mercado
brasileiro, companhias estrangeiras começaram a transformar suas
agências de vendas em filiais de operações manufatureiras. Em
muitos casos, estavam respondendo a decretos governamentais, que
pretendiam solucionar o problema do balanço dos pagamentos
aumentando o fluxo de capital estrangeiro”.
Sobre o aumento da competição na indústria, Reiss (1980, p. 181) afirma que a
partir da década de 1950, com a entrada de grandes firmas estrangeiras, a competição
na indústria se tornou bem mais acirrada. Grandes organizações introduziram novas
tecnologias, modernizaram as instalações e equipamentos, criando barreiras de
entrada em diversos segmentos. Junto a isso, houve uma pressão nos custos, com
aumento de salários e dos insumos. Durante esse processo, as empresas dos ramos
tradicionais foram as que mais sofreram com a redução das margens de lucro. Essas
50
companhias, como não faziam parte do grupo prioritário do plano de metas, tiveram
mais problemas para captar recursos, tendo que obter créditos mais caros no
mercado.
Entre esses setores estava o têxtil, que tinha na Matarazzo e na Votorantim,
dois dos seus principais players. As dificuldades enfrentadas pelo setor diante de um
novo movimento de industrialização do país e da chegada de novos competidores
foram destacadas Relatório Anual da Votorantim de 1958:
“Está se tornando cada vez mais difícil para o industrial brasileiro em
lidar com a situação desigual – talvez única no mundo – enfrentada
por investimentos nacionais e estrangeiros [...]. Existem algumas
indústrias como a automotiva que parece que estão se
desenvolvendo mais que o necessário, criando problemas de salário
para outras indústrias que não podem lidar com isso. E por que isso?
Porque elas nasceram debaixo de uma generosa proteção do
governo [...] enquanto outras indústrias tradicionais como a têxtil
continuam sem ajuda, sem direitos e sem nenhuma cooperação do
governo” Reiss (1980, p. 242).
Baer (1985, p. 453), por outro lado, afirma que embora as multinacionais
tenham trazido novas tecnologias e métodos de produção que ajudaram a acelerar o
desenvolvimento industrial do Brasil, grande parte da produção era de semiacabados,
voltado para atender o comércio internacional entre subsidiárias das mesmas
multinacionais. Um trecho do Relatório Anual de 1977 da Votorantim corrobora esta
visão:
“Já é tempo do Brasil, através do seu órgão capacitado, não mais dar
isenções de impostos aduaneiros de toda a espécie para a
implantação de pseudo-indústrias, que nada mais são do que
verdadeiros corredores de importação a serviço de algumas
multinacionais. [...] Todos sabemos que muitas empresas que se
instalaram no Brasil com a finalidade precípua de montar
componentes, estes vindos do estrangeiro, geralmente da própria
matriz”.
Portanto, é possível constatar que não havia no país uma presença maciça de
multinacionais com tecnologias de última geração e com ações de pesquisa e
desenvolvimento local. Ou seja, houve um movimento claro de substituição de
importações, no qual firmas estrangeiras passaram a produzir em terras nacionais, os
produtos que já eram revendidos aqui. Esse processo pode ser evidenciado a partir da
visualização da tabela 4-7. Destaca-se a variação ocorrida no setor de cimento e de
metais não ferrosos, no qual a Votorantim viria a ter papel de destaque. Já nos
produtos têxteis e alimentícios, nos quais a Matarazzo continuaria a manter sua base
industrial, percebe-se que já não havia concorrência significativa de produtos
importados.
51
Tabela 4-7 - Participação dos Itens Importados em Diversos Setores
Itens
1949
1959
Minerais não metálicos
8,6
2,1
Cimento
23,7
0,9
Siderurgia e metalurgia
22,5
11,6
Ferro e aço
24,9
15,3
Metais não ferrosos
80,1
37,0
Máquinas
63,0
41,4
Máquinas para trabalhar metais
68,9
56,9
Outras máquinas
58,3
23,0
Máquinas e equipamentos elétricos
47,6
13,3
Equipamento de transportes
56,1
18,6
Veículos automotores
54,2
13,7
Papel e artefatos de papel
18,6
12,1
Produtos químicos e semelhantes
39,3
18,2
Produtos têxteis
4,4
0,1
Gêneros alimentícios elaborados
1,2
1,0
Bebidas
2,3
0,8
2,3
2,6
Obras impressas
Fonte: Baer, 1985, p. 6
4
Reiss (1980, p. 269) afirma que poucas empresas não enfrentaram uma
competição mais acirrada nos seus respectivos mercados. Por isso, houve um
movimento comum, entre as organizações, de declínio de capital e uma nova
estratégia orientada à redução da diversificação construída nas décadas anteriores
que culminou com a realização de desinvestimentos.
O Brasil passou por um crescimento econômico substancial na segunda
metade da década de 1950. Durante o Governo de JK, o Produto Nacional Bruto subiu
de 15 bilhões de dólares, para 20,8 bilhões. Um crescimento de quase 40%
(SCANTIMBURGO, 1986, p. 232).
Entre as indústrias que se desenvolveram neste período, Reiss (1980, p. 162)
aponta a de autopeças. O setor que em 1955 contava com 600 fábricas, viu esse
número dobrar em cinco anos. Na tabela 4-8 é possível verificar o resultado dessas
variações, no qual o setor têxtil viu sua participação na indústria cair pela metade,
enquanto outros setores mais pesados ganharam relevância.
52
Tabela 4-8 - Mudanças na Estrutura Industrial Brasileira: 1939 - 1963
Setor
1939
1949
1953
1963
Minerais não metálicos
5,2
7,4
7,4
5,2
Produtos de metal
7,6
9,4
9,6
12,0
Maquinário
3,8
2,2
2,4
3,2
Equipamento elétrico
1,2
1,7
3,0
6,1
Equipamento de transportes
0,6
2,3
2,0
10,5
Produtos de madeira
5,3
6,1
6,6
4,0
Produtos de papel
1,5
2,1
2,7
2,9
Produtos de borracha
0,7
2,0
2,2
1,9
Produtos de couro
1,7
1,3
1,3
0,7
Produtos químicos, farmacêuticos
9,8
9,4
11,0
15,5
Têxteis
22,2
20,1
17,6
11,6
Roupas e calçados
4,9
4,3
4,9
3,6
Produtos alimentícios
24,2
19,7
17,6
14,1
Bebidas
4,4
4,3
3,5
3,2
Fumo
2,3
1,6
2,3
1,6
Impressão e produtos gráficos
3,6
4,2
3,5
2,5
Diversos
1,0
1,9
2,4
1,4
Total
100
100
100
100
Fonte: Baer, 2002, p. 87
Após seis anos de forte expansão econômica e desenvolvimento da indústria, o
país começou a perder fôlego no início da década de 1960. Essa desaceleração
ocorreu em um ambiente politicamente conturbado que envolveu a eleição e renúncia
de Jânio Quadros, em 1961,e a ausência de liderança do governo de João Goulart que
foi deposto pelos militares três anos depois (BAER, 2002, p. 92).
Assim, após o golpe de 1964, os militares assumem o poder, elegendo como
Presidente o Marechal Castelo Branco (SCANTIMBURGO, 196, p. 271). Neste
momento, a economia nacional já havia perdido todo impulso de crescimento do
governo JK, tendo ficado estagnada em 1963.
Com o intuito de desenvolver a economia, o novo governou realizou grandes
investimentos em infraestrutura, com grandes obras em geração de energia,
telecomunicações e transportes. Além disso, ampliou o papel do Estado na economia
através da criação e fortalecimento de empresas públicas nos mais diversos setores
(nos dez anos seguintes à instalação do regime militar foram criadas 121 estatais). Em
1964, o Estado respondia por 28% dos recursos de investimento do Brasil. Cinco anos
depois, essa fatia havia aumentado para 51% do total (CALDEIRA 2008, p. 175).
53
Santos (2008) destaca que a criação das estatais teve um papel importante no
processo de industrialização e desenvolvimento econômico do Brasil, uma vez que
envolveu grandes projetos, nos quais os empresários não tinham interesses, devido
aos elevados investimentos, à falta de demanda inicial, aos prazos longos de
maturação, aos riscos e à complexidade tecnológica.
Finalmente, através do BNDE, o governo ampliou a sua participação bancária e
se tornou a principal fonte de crédito para a indústria no país (REISS, 1980, p. 172).
Em 1968, o Estado ampliaria ainda mais a sua participação na economia
através da criação do Conselho Interministerial de Preços (CIP) que aumentou o
controle estatal na definição dos preços a na alocação de recursos na economia.
Legalmente, o Conselho não podia fixar preços, mas tinha poderes indiretos em
questionar o reajuste de preços de empresas privadas, influenciando a dinâmica de
competição dos mercados (BAER, 1985, p. 242).
Dessa forma, as indústrias brasileiras passaram a ter concorrência tanto de
empresas estrangeiras, como também, de companhias estatais. Na lista das maiores
empresas do Brasil em 1980, por exemplo, estavam treze estatais, contra apenas
quatro multinacionais e três grupos brasileiros (CALDEIRA, 2008, p. 210).
Após um período de altas taxas de inflação no final da década de 1950 e no
início da década de 1960, o governo militar também procurou combater a elevação de
preços. Apesar disso, o país ainda conviveria com altas taxas de inflação durante toda
a década (BAER, 1985, p. 180).
Os resultados no campo do crescimento econômico também levariam alguns
anos para aparecer. Entre 1962 e 1967, a economia cresceu em um ritmo médio de
3,7% ao ano, bem inferior aos 6,7% obtidos no período entre 1956 e 1962. Somente a
partir do final da década o país volta a ter um ritmo forte de crescimento e com maior
estabilidade da inflação. Entre 1968 e 1974, o país viveu um boom econômico,
alcançando uma média anual de crescimento de 11,3%. Esse período ficaria
conhecido como “milagre econômico”. O índice de preços que beirou os 100% em
1964, despencou para 20% no final dos anos de 1960 (BAER, 1985, p. 227).
Neste período, as indústrias mais pesadas continuavam a ganhar mais espaço,
enquanto setores tradicionais como o têxtil apresentavam resultados muito mais
modestos. Destaca-se, ainda, a evolução da infraestrutura do país: a capacidade
instalada de energia elétrica subiu de 6,8 milhões megawatts para 21,7 milhões no
mesmo período; a taxa média anual de construção de estradas foi de 25% (BAER,
2002, p. 95).
O gráfico 4-5 mostra a evolução da produção e consumo de energia elétrica no
Brasil. É possível verificar, ao final da década de 1960, o aumento significativo da
54
demanda que também é acompanhado da expansão da oferta. Vale destacar que
durante a década de 1970 há uma redução do excedente de energia disponível para
consumo, justamente no período no qual ocorrem os choques do petróleo.
Gráfico 4-5 - Relação de Produção e Consumo de Energia Elétrica
500.000
25%
450.000
400.000
20%
350.000
300.000
15%
250.000
200.000
10%
150.000
100.000
5%
50.000
0%
1952
1954
1956
1958
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
0
Produção (GWh)
Consumo (GWh)
% Disponível para Consumo
Fonte: Ipeadata
Durante o milagre econômico, a indústria teve um crescimento ainda mais
notável do que no período de JK (ver tabela 4-9). Isso foi possível graças a um
excesso de capacidade alcançado no período de baixo crescimento entre 1962 e
1967, quando a capacidade ociosa da indústria beirou 25%. Por outro lado, em 1972,
a utilização da capacidade instalada já havia alcançado 100% (BAER, 2002, p. 96).
Tabela 4-9 - Crescimento da Indústria entre 1957 e 1977
Período
Taxa Anual de Crescimento
1957 – 1962
11,2%
1963 – 1967
2,9%
1968 – 1974
13,6%
1975 - 1977
7,6%
Fonte: Reiss (1980, p. 163)
Outro fator apontado por Baer (2002, p. 102) como fundamental para o
crescimento econômico foi o aumento do nível de poupança do país que subiu de
55
17,5% do PIB em 1959 para 21% em 1973. No nível governamental, a variação deste
percentual foi de 5,1% em 1959 para 8,4% em 1973.
Esse crescimento ainda foi acompanhado de um aumento substancial dos
investimentos diretos estrangeiros que subiram de uma média anual de US$ 84
milhões entre 1965-69 para US$ 1 bilhão no período de 1973-76 (BAER, 2002, p. 97).
Em 1973, no entanto, com o primeiro choque do petróleo, o Brasil viu sua
dinâmica de crescimento se alterar. O preço do produto quadriplicou e como o país
importava 80% do petróleo que consumia, a manutenção do mesmo patamar de
crescimento econômico exigiria o sacrifício das reservas cambiais e o aumento do
endividamento do país (BAER, 2002, p. 109).
O gráfico 4-6 apresenta o histórico da cotação internacional do Petróleo, no
qual é possível identificar o grande aumento do preço da commotity durante os dois
choques do petróleo da década de 1970.
Gráfico 4-6 - Cotação Internacional do Petróleo (US$)
120,00
100,00
80,00
60,00
40,00
20,00
2012
2009
2006
2003
2000
1997
1994
1991
1988
1985
1982
1979
1976
1973
1970
1967
1964
1961
1958
1955
1952
0,00
Fonte: Ipeadata
Com o objetivo de retomar a dinâmica de crescimento, o governo instituiu, em
1975, o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND II, 1975-79), cujos
objetivos relativos à indústria eram a substituição das importações de produtos
industriais básicos e de bens de capital (BAER, 2002, p. 110).
Mesmo com a criação do PND II, o Brasil começou a enfrentar uma situação de
crise a partir do final da década de 1970. Em 1979, o segundo choque do petróleo
prejudicou novamente a balança de pagamentos brasileira. Além disso, o crédito
internacional se tornou mais restrito, o que aumentou ainda mais o já crescente nível
56
de endividamento do país, levando a novas pressões por austeridade econômica
(BAER, 2002, p. 114).
A deterioração da economia brasileira acarretou na mudança do ministro da
fazenda, com o retorno de Delfim Neto, que havia comandado a pasta na época do
milagre econômico. Quando assume o ministério, Delfim institui algumas medidas de
grande impacto na indústria, entre elas: Desvalorização do Cruzeiro em 30%;
eliminação dos subsídios à exportação; e extinção da Lei dos Similares (BAER, 2002,
p. 117). Se as duas últimas medidas tinham impactos aparentemente negativos para a
indústria, por outro, o Cruzeiro mais fraco tornava o produto nacional mais competitivo
no mercado internacional. O reflexo dessa política de câmbio pode ser visualizado no
gráfico 4-7 que apresenta a evolução da balança comercial brasileira, no qual se
verifica o aumento do saldo a partir da década de 1980.
Gráfico 4-7 - Saldo da Balança Comercial entre 1970 a 1989 (US$ milhões)
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
0
-5.000
-10.000
Fonte: Ipeadata
Entretanto, as ações não foram suficientes para melhorar o cenário nacional.
Após anos de forte atividade econômica, o Brasil teve crescimento negativo em 1981.
Em 1983, o país já se encontrava oficialmente em recessão, com queda de 5,1% no
PIB e de 11,7% no PIB per capita em relação ao início da década (BAER, 2002, p.
125). A inflação que havia estado em patamares historicamente baixos para o padrão
brasileiro sofreu uma disparada, superando a barreira dos 100% ao ano em 1980 e
atingindo 224% em 1984 (BAER, 2002, p. 139).
57
Em 1984, após vinte anos de ditadura militar, o Brasil passava por um processo
de democratização com a saída do último presidente militar, João Figueiredo. Todavia,
com a morte de Tancredo Neves, o país seria governado pelo vice, José Sarney.
Em relação ao aumento geral dos preços iniciado no final da década de 1970,
Baer (2002, p. 150) afirma que houve dois mecanismos propagadores deste processo
inflacionário. O primeiro era a existência de instrumentos financeiros (principalmente
de obrigações do governo) que permitiam a indexação de preços e, assim, geravam
um sistema de retroalimentação do processo inflacionário. O segundo decorria da
capacidade de indústrias oligopolistas de repassar os preços para os seus
consumidores. O autor destaca que na indústria têxtil, que era uma das mais
pulverizadas, o reajuste de preços se deu com menor intensidade. Dessa forma, o
autor propõe que nestes setores as empresas não sofreram com a alta dos custos.
Pelo contrário, poderiam melhorar a sua lucratividade sem aumentar a produtividade.
A ideia de uma inflação com um crescimento inercial levou à criação de um
novo plano econômico e de uma nova moeda pelo governo Sarney em 1986, o Plano
Cruzado, que previa um controle rígido sobre os preços. Nos primeiros meses houve
reduções significativas na inflação que fechou o ano em 65% ao ano. Ao mesmo
tempo, a indústria voltou a crescer acima de 10% (BAER, 2002, p. 171).
Entretanto, o congelamento de preços gerou um desequilíbrio entre setores e,
em pouco tempo, começou a haver uma escassez de oferta, devido à falta de
investimentos e ao reajuste automático de salários que continuavam a ocorrer. Assim,
a utilização da capacidade industrial que era de apenas 72% em 1984, subiu para 82%
no segundo semestre de 1986 (BAER, 2002, p. 1978).
Já no ano seguinte ao seu lançamento, houve uma derrocada geral do plano,
com a inflação atingindo mais de 1.000% ao ano e com o governo declarando
moratória após as reservas internacionais do Banco Central minguarem (BAER, 2002,
p. 189). Após o fracasso do Plano Cruzado, o Governo Sarney ainda teria outros dois
ministros da fazenda que realizaram novas tentativas de redução da inflação (Plano
Bresser de 1987 e Plano Verão em 1989) e que incluíram novamente o lançamento de
uma nova moeda, o Cruzado Novo. Contudo, as ações do governo tornaram a falhar e
o país entraria em um período de hiperinflação e estagnação econômica que durou de
1987 a 1992, com a economia crescendo a uma taxa anual média de 0,6% e a inflação
alternando números de três a quatro dígitos (BAER, 2002, p. 195).
Diante desse novo cenário, a retração da indústria foi evidente. O cenário só
não foi pior, pois algumas empresas viram na desvalorização do Cruzeiro uma
oportunidade para exportar os seus produtos. Houve um forte aumento na alocação de
recursos em instrumentos financeiros em detrimento do setor produtivo durante a
58
década de 1980. Isto contribuiu para o declínio na atividade econômica e elevou a
participação do setor financeiro no PIB de 8,5% para 19% (BAER, 2002, p. 198).
Santos (2008) corrobora as constatações de Baer ao destacar que o
investimento em bancos e em instituições financeiras foi uma estratégia empregada
por grupos industriais como forma de proteção do patrimônio em meio à crise
econômica. Surgiram nessa época bancos dos grupos Vicunha, Votorantim, Globo,
Volks, Fiat, entre outros.
A tabela 4-10 apresenta o crescimento industrial entre 1971 e 1989. É possível
constatar que a indústria como um todo cresceu a altas taxas durante o início da
década, atingindo o pico de crescimento em 1973. Nos anos seguintes, entretanto,
verifica-se uma desaceleração substancial, apesar da recuperação pontual de 1976.
Entre 1981 e 1983, o nível de atividade industrial declinou significativamente. Destacase, entre os subsetores, o fraco desempenho das indústrias pesadas, que
representavam o cerne dos negócios da Votorantim. Esse cenário negativo se
estenderia por toda a década de 1980, com um longo período de estagnação
econômica e altos índices de inflação.
59
Tabela 4-10 - Taxas de Crescimento de Subsetores (1971-1989)
Subsetor
1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989
Agricultura
10,2
4,0
0,1
1,3
6,6
2,4
12,1
-2,7
4,7
9,5
8,0
-0,2
-0,5
2,6
9,6
-8,2
15,2
1,5
2,9
Indústria
11,8
14,2
17,0
8,5
4,9
11,7
3,1
6,4
6,8
9,3
-8,8
0,2
-5,9
6,4
9,0
11,7
1,1
-2,6
2,9
Extrativa
3,6
2,4
-
23,2
3,0
2,8
-3,5
7,5
12,1
12,8
-2,5
6,9
15,5
30,5
11,6
3,7
-0,3
0,4
4,0
Manufatureira
11,9
14,0
16,6
7,8
3,8
12,1
2,3
6,1
6,9
9,1
-10,4
-0,2
-5,9
6,2
8,3
11,3
1,0
-3,4
2,9
Minerais não metálicos
4,4
13,8
16,3
14,8
9,0
12,4
7,1
5,6
5,9
7,7
-5,2
-2,8
-16,3
-0,2
8,0
17,2
2,3
-4,1
3,8
Produtos de metal
12,8
12,3
9,4
5,2
9,2
9,6
6,6
5,4
8,2
12,5
-17,0
-3,7
-2,6
13,8
7,3
12,0
0,4
-3,3
5,0
Maquinário
20,7
19,9
28,5
11,7
15,1
9,2
-6,7
1,7
7,7
14,5
-19,7 -17,3 -13,4
18,8
10,4
22,0
4,0
-8,6
5,0
Equipamento elétrico
12,9
22,1
27,9
10,2
0,5
17,7
0,3
17,0
7,7
12,3
-15,4
2,8
-11,2
2,0
19,0
22,6
-2,2
-4,4
5,7
Equipamento de transportes
24,8
22,5
27,6
18,9
0,5
8,7
-0,3
10,4
6,7
4,5
-22,9
-3,0
-6,7
4,6
11,7
12,5
-10,2
9,1
-2,8
Produtos de papel
7,0
7,5
9,4
4,3
-14,8
21,0
2,4
11,2
13,2
11,2
-6,9
7,2
1,7
6,8
6,5
10,5
3,6
-1,6
5,6
Produtos de borracha
12,9
13,0
22,3
18,2
4,7
11,1
-2,0
7,6
7,2
9,4
-14,6
-5,9
3,8
7,8
8,5
13,6
3,6
2,1
-1,9
Produtos químico
12,1
17,0
23,4
5,4
2,5
16,2
5,3
7,5
9,4
5,0
-1,2
8,1
-1,5
9,6
6,2
1,5
5,5
-3,0
-0,3
Perfumes, sabonetes e velas
19,8
9,1
6,6
11,5
3,7
15,2
-3,3
11,4
15,1
9,1
1,4
3,6
1,3
-1,1
15,9
20,0
12,3
-7,9
11,5
Produtos plásticos
10,1
18,3
28,2
23,2
5,1
20,7
0,3
9,3
6,5
14,5
-20,9
9,1
-10,2
4,3
11,5
21,6
-4,2
-7,2
12,4
Têxteis
16,6
3,8
6,9
-3,5
2,3
4,9
2,1
6,5
8,5
6,5
-13,7
5,0
-10,6
-3,6
13,5
13,5
-0,6
-6,1
0,5
Vesturário e calçados
-7,7
5,0
14,1
2,1
7,2
10,5
-0,6
7,7
5,1
10,7
-0,7
3,0
-15,1
2,2
6,4
7,3
-9,6
-6,9
1,9
Produtos alimentícios
2,5
16,2
9,6
5,5
-0,1
12,8
6,6
-1,1
-0,4
8,4
2,7
1,3
3,3
-0,7
0,2
0,4
6,8
-2,4
1,3
Bebidas
11,3
4,8
17,8
8,3
5,5
13,2
13,0
7,1
4,6
2,0
-7,6
-2,4
-5,1
-0,5
11,0
23,2
-3,4
2,2
14,7
Fumo
4,9
6,0
6,4
12,8
7,9
9,2
8,2
5,8
7,5
-3,3
4,1
4,2
-1,7
3,3
11,7
7,5
2,1
1,0
5,1
Construção
11,2
17,9
20,9
9,1
8,1
10,2
5,2
6,2
3,7
9,0
-6,0
-1,3
-14,2
0,6
10,9
17,5
1,1
-2,9
3,3
Serviços
11,2
12,4
15,6
10,6
5,0
11,6
5,0
6,2
7,8
9,0
-2,2
2,0
-0,8
4,1
6,5
8,2
3,3
2,4
3,8
Fonte: Baer, 2002, 482
60
Em 1990, Fernando Collor de Mello assumiu a presidência enfrentando uma
inflação com taxas mensais de 81%. Para contornar a “estagflação” que já durava
desde 1987, o novo governo instituiu o Plano Collor I que tinha entre suas principais
medidas: 80% de todos os depósitos de conta corrente, poupança e overnight que
excedessem US$ 1.300,00 foram congelados por 18 meses, recebendo uma correção
de 6% ao ano; introdução de uma nova moeda, o Cruzeiro; eliminação de incentivos
fiscais para importação e exportação; liberação do câmbio e adoção de medidas para
promover a abertura da economia brasileira; e criação de medidas para iniciar um
processo de privatização. Como consequência, houve uma redução drástica da
liquidez do país e a inflação baixou para uma taxa mensal de um dígito (BAER, 2002,
p. 201).
Entretanto, a brusca diminuição da liquidez reduziu ainda mais o já fraco
desempenho econômico. Em decorrência disso, o governo começou a liberar muitos
ativos financeiros bloqueados, sem, no entanto, ter uma norma estabelecida para isso.
Assim, em pouco tempo a inflação começou a subir novamente (BAER, 2002, p. 203).
Foi no governo do presidente Fernando Collor que foi concebido e executado o
primeiro programa de privatizações, através do Programa Nacional de Desestatização.
Esse plano foi replicado durante a década de 1990, quando várias estatais de diversos
foram à leilão. A tabela 4-11 apresenta a relação das principais empresas privatizadas
durante os anos 90.
Tabela 4-11 – Principais Privatizações Realizadas Durante a Década de 1990
Empresa
Indústria
Ano
Usiminas
Siderurgia
1991
Acesita
Siderurgia
1992
Companhia
Siderúrgica Nacional
Siderurgia
1993
Cosipa
Siderurgia
1993
Açominas
Siderurgia
1993
Embraer
Aviação
1994
Light
Energia
1996
Vale do Rio Doce
Mineração
1997
Embratel
Telefonia
1998
Governo
Collor
Itamar Franco
Fernando
Henrique
Fonte: Russo (2013)
Outros dois planos econômicos foram empreendidos durante o governo Collor,
sem sucesso. Em 1992, envolvido em escândalos de corrupção e em crise política, o
61
congresso aprovou o impeachment do presidente, quando assumiu o vice-presidente
Itamar Franco, que trocou de ministro da fazenda três vezes nos seus seis primeiros
meses de mandato. O quarto ocupante do cargo foi Fernando Henrique Cardoso
(FHC) que lançou um plano de austeridade chamado de “Plano de Ação Imediata”,
cujo ponto básico era um corte nos gastos em todas as esferas do governo. Foi o
primeiro movimento rumo a um novo plano de estabilização da moeda (BAER, 2002,
p. 209).
Nesta época, o Brasil completava seis anos de estagnação econômica (entre
1987 e 1993 a taxa de crescimento média do PIB foi de 0,5%) com hiperinflação. Em
1992, o PIB per capita real era 8% menor do que em 1980. Durante o período, o setor
manufatureiro foi o q ue mais sofreu. A indústria de bens de capital teve a maior
retração com média de -8,4% ao ano, seguido pelo setor de bens não duráveis (5,1%). O setor de construção civil, por sua vez, apresentou um desempenho médio
anual de -1,1%. Já os investimentos fixos brutos que somaram 25% durante a década
de 1970 declinaram para 14,5% em 1992. Por outro lado, com a política cambial
favorável para as exportações, as vendas para o exterior cresceram a uma taxa média
anual de 7,6% entre 1987 e 1992 (BAER, 2002, p. 211).
No final de 1993, o ministro Fernando Henrique Cardoso propôs um novo
programa de estabilização que consistia em dois pontos fundamentais: um ajuste fiscal
e um novo sistema de indexação que levaria progressivamente a uma nova moeda.
Assim, em julho de 1994, o governo introduziu oficialmente o Real. Vale destacar que,
diferentemente dos planos econômicos lançados nos últimos anos, não houve no
Plano Real um congelamento geral de preços. Os impactos iniciais da nova moeda
foram positivos. A inflação caiu de 50,7% ao mês em junho, para 0,96% em setembro.
Em 1996, a taxa anualizada chegou ao patamar de um dígito (BAER, 2002, p. 222). O
gráfico 4-8 apresenta as taxas de inflação após o lançamento do Plano Real.
Gráfico 4-8 - Inflação - IPCA (% a.a.)
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
Fonte: Ipeadata, 2014
62
O controle da inflação foi acompanhado por uma recuperação da economia que
cresceu mais de 5% no ano de lançamento da nova moeda. A indústria que vinha
sofrendo desde a década de 1980 com um baixo ritmo de crescimento, também teve
um aumento anualizado, crescendo mais de 9% em 1994. Assim, a utilização da
capacidade industrial pulou de 80% em julho de 1994 para 86% em abril do ano
seguinte (BAER, 2002, p. 223).
Os primeiros anos do Plano Real ainda foram marcados por elevadas taxas de
juro que tinham o intuito de atrair fluxos externos de capital para o Brasil. Essas altas
taxas passaram a comprometer diretamente o desempenho industrial, na medida em
que encareceram o crédito e reduziram o consumo e o investimento (SIQUEIRA,
2000). Para Cano (2012), os elevados valores da taxa de juros oficial brasileira (Selic)
fizeram com que os ganhos financeiros fossem mais atrativos do que os obtidos
através da indústria, fazendo minguar o investimento produtivo, deixando, assim, a
indústria brasileira vulnerável. O gráfico 4-9 apresenta a evolução das taxas Selic
desde a implantação do Plano Real, no qual fica evidenciado que durante os cinco
primeiros anos da nova moeda, o juro esteve recorrentemente a taxas superiores de
20%, passando de 50% nos primeiros anos do Real.
Gráfico 4-9 - Taxa de juros - Over / Selic - (% a.a.)
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
dez-13
dez-12
dez-11
dez-10
dez-09
dez-08
dez-07
dez-06
dez-05
dez-04
dez-03
dez-02
dez-01
dez-00
dez-99
dez-98
dez-97
dez-96
dez-95
dez-94
0%
Fonte: Ipeadata, 2014
Além disso, as empresas exportadoras foram prejudicadas durante o período
de câmbio fixo que vigorou de 1994 a 1999. A valorização artificial do Real reduziu a
competitividade dos produtos brasileiros. Como resultado, a participação do Brasil nas
63
exportações mundiais caiu de cerca de 1,5% no início da década de 1980 para 0,8%
no final da década de 1990 (BAER, 2002, p. 226). O gráfico 4-10 apresenta o saldo da
balança comercial entre 1990 e 2013, indicando a deterioração das exportações com o
início do Plano Real.
Gráfico 4-10 - Saldo da Balança Comercial entre 1990 e 2013 (US$ milhões)
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
-10.000
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
0
Fonte: Ipeadata
No final da década, o país sofreu seriamente com as crises da Ásia (1997) e da
Rússia (1998). Houve uma intensa fuga de capitais do Brasil e as reservas cambiais
brasileiras minguaram em poucos meses. Em consequência desses problemas, a
economia voltou a ficar estacionada, tendo crescimento nulo em 1998. (BAER, 2002,
p. 237).
Para evitar uma nova derrocada de um plano de estabilização, o Brasil recorreu
ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que lançou um pacote de auxílio econômico
ao país. O Real, por sua vez, foi descolado do dólar, o que gerou uma desvalorização
imediata de 40% da moeda nacional (BAER, 2002, p. 231). Os setores importadores
tiveram perdas significativas, pois passaram a ter que lidar com preços bem mais
elevados. Além disso, a inflação que vinha em uma trajetória decrescente voltou a
subir em 1999.
Baer (2002, p. 471) afirma, porém, que a desvalorização do Real em janeiro de
1999 trouxe mais consequências positivas do que negativas para o Brasil. Os produtos
brasileiros voltaram a ser mais competitivos, principalmente no Mercosul ,e a balança
comercial que havia sido negativa em US$ 8,4 bilhões em 1997 teve um déficit de
apenas US$ 0,7 bilhões em 2000. O autor ainda destaca o reaquecimento da
economia que voltou a crescer (4,4% em 2000).
64
A partir de 1999, a política econômica brasileira passou a ser direcionada
através de três pilares básicos: Regime de flutuação cambial; metas de inflação; e
compromisso de manutenção de superávits primários (NASSIF & PUGA, 2004).
Durante o ano de 2001, quando o país já apresentava sinais de melhora das
turbulências enfrentadas no final do século, o Brasil se viu diante de uma crise de
escassez energética. Para evitar um apagão geral, o governo lançou mão de um plano
de racionamento de energia elétrica que, por sua vez, exerceu uma pressão negativa
sobre o crescimento econômico e da indústria. Ao mesmo tempo, a Argentina, um dos
principais destinos das exportações brasileiras, enfrentou uma grave depressão
econômica. Além disso, houve os ataques terroristas de 11 de setembro que geraram
impactos no cenário global como um todo. Como resultado, o país voltou a ter um
crescimento modesto, de apenas 1,5% (BAER, 2002, p. 475).
Em 2002, após oito anos de governo FHC, o Brasil passa por nova campanha
presidencial. Durante as eleições, a tendência de que o candidato Luiz Inácio Lula da
Silva, do Partido dos Trabalhadores, pudesse sair vitorioso ainda no primeiro turno
gerou um temor no mercado que ficou conhecido como “risco Lula”. Havia um grande
receio de que o candidato não honrasse os compromissos assumidos com o FMI e
desse um calote na dívida (BENEVIDES, 2002).
O reflexo disso foi uma disparada na taxa do dólar, conforme é observado no
gráfico 4-11. Em 2001, a cotação que era de 1,97 em janeiro de 2001, chegou a 3,89
às vésperas das eleições em setembro de 2002. Além disso, o risco-país, medido
pelos C-Bonds, atingiu mais de 2.000 pontos-base em outubro de 2002, depois de
estar em pouco mais de 700 pontos em março daquele ano (GIAMBIAGI et al, 2011).
Gráfico 4-11 - Taxa de Câmbio (Real x Dólar)
4,0000
3,5000
3,0000
2,5000
2,0000
1,5000
1,0000
0,5000
Fonte: Ipeadata
set/13
out/12
nov/11
dez/10
jan/10
fev/09
mar/08
abr/07
mai/06
jun/05
jul/04
ago/03
set/02
out/01
nov/00
dez/99
jan/99
fev/98
mar/97
abr/96
mai/95
jun/94
0,0000
65
Apesar dos temores do mercado, Lula nomeou Henrique Meirelles, um
banqueiro de carreira com prestígio internacional, para ocupar o cargo do Banco
Central. Além disso, honrou os acordos realizados pelo governo anterior e tomou
medidas de austeridade, acalmando o mercado financeiro (GIAMBIAGI et al, 2011).
Os cinco primeiros anos do Governo petista, entre 2003 e 2008 foram
marcados pelo crescimento econômico. Nesse período, a taxa média de expansão do
PIB foi de 4,2%. Outro avanço se deu na relação investimentos/PIB que saltou de
16,23% no primeiro trimestre de 2003, para 20,1% no terceiro trimestre de 2008
(CURADO, 2011).
Essa recuperação da economia brasileira ocorria na mesma época em que o
mundo vivia o seu maior pico de crescimento desde a década de 1970, crescendo a
uma taxa média de 4,9% entre 2003 e 2006. O forte movimento econômico levou a
uma alta do preço das commodities. Entre as médias anuais de 2002 e 2008, os
preços em dólar dos produtos básicos e semimanufaturados exportados pelo país
crescerem 164% e 134%, respectivamente (GIAMBIAGI et al, 2011).
À frente desse bom momento global estava a China que vinha apresentando
uma taxa de expansão em torno de 10% ao ano (UOL, 2006), conforme apresentado
no gráfico 4-12.
Gráfico 4-12 - PIB da China em US$ - 1960 – 2013
9.000,00
8.000,00
7.000,00
6.000,00
5.000,00
4.000,00
3.000,00
2.000,00
1.000,00
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
-
Fonte: Banco Mundial
Com um grande apetite por commodities, a China viria a se tornar o maior
parceiro comercial do Brasil em 2009, posição que era ocupada pelos EUA desde a
década de 1930, atingindo 15,2% da pauta de exportações brasileiras em 2010,
66
conforme gráfico 4-13. As exportações cresceram a uma taxa média anual de 30%
entre 2003 e 2008, saltando de R$ 48 para R$ 173 bilhões (RIBEIRO, 2009).
Gráfico 4-13 – Participação das vendas para a China no total das exportações do
Brasil
16
14
12
10
8
6
4
2
0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: Giambiagi et al, 2011
Com o reaquecimento da economia nacional, junto com um cenário mais
positivo para as exportações, a composição do PIB brasileiro sofre algumas
alterações, conforme pode ser observado na tabela 4-12. A agropecuária que vinha
perdendo participação nas últimas décadas volta a ganhar fôlego. Destaca-se,
também, o aumento do setor de extração mineral.
Tabela 4-12 -- Participação dos Setores da Atividade Econômica no PIB em Anos
Selecionados
Setor
1980
1990
2000
2004
Agropecuária
10,1
6,9
7,7
9,7
Extrativa mineral
1,0
1,5
2,5
4,0
Indústria de transformação
31,3
22,7
21,6
23,0
Serviços Ind. de Util. Públ.
1,8
2,3
3,3
3,3
Construção Civil
6,8
6,6
8,7
7,0
Serviços
49,0
60,1
56,3
53,1
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: Nassif, 2006
Os anos de forte crescimento da economia mundial foram interrompidos pela
crise econômica que se iniciou no mercado imobiliário dos Estados Unidos e foi
deflagrada para o mundo na quebra do Banco Lehman Brothers, em setembro de
2008.
67
Como reflexo da crise, houve congelamento dos mercados interbancários e
financeiros internacionais, fuga dos investidores estrangeiros e, ainda, desmontagem
das operações com derivativos cambiais realizadas pelas empresas que conduziram à
rápida deterioração das expectativas dos bancos (FREITAS, 2009). Assim, em 2009, a
economia brasileira teve retração de 0,33%.
Freitas (2009) destaca, ainda, que como a crise atingiu a economia brasileira
num momento de auge, no qual o país vinha passando por seis trimestres de contínuo
crescimento, as empresas, em geral, planejavam investimentos para aumentar a
capacidade produtiva. A escassez de crédito causada pela reversão das expectativas
dos bancos gerou uma rápida desaceleração econômica e o aumento dos custos do
crédito. Além disso, houve diminuição do comércio e das demanda mundiais, afetando
significativamente as exportações das empresas brasileiras.
Portanto, o colapso financeiro de 2008 impactou as empresas brasileiras em
diversas frentes. Por um lado, reduziu a demanda interna, gerando excesso de
capacidade e derrubando o nível de produção industrial. Por outro, a desvalorização
do Real afetou as dívidas atreladas ao dólar, aumentando as despesas financeiras
(FUNDAP, 2009).
Apesar de apenas 20% dos produtos industrializados brasileiros serem
direcionados para o mercado externo, a retração do comércio internacional respondeu
pela metade dessa redução. Na indústria de transformação, esse valor chegou a 55%
de retração. Em março de 2009, as exportações de produtos industrializados eram
22% menor do que o patamar de setembro do ano anterior (BNDES, 2009). Já o preço
das principais commodities, que representam cerca de 60% na pauta de exportação
nacional, chegaram a ter uma queda de 20% durante o principal período de
turbulência (BNDES, 2008). Nos últimos meses de 2008, a produção da indústria
despencou e, em dezembro, registrou a maior queda histórica da série desde 1991: A
produção caiu 12,4 % em relação ao mês anterior e 14,5% em relação a Dezembro de
2007.
Apesar de enfrentar a maior crise mundial desde 1929, o Brasil conseguiu
superar rapidamente a recessão. Com uma política de estímulo à demanda e de
expansão de crédito por parte dos bancos públicos, o país cresceu 7,5% em 2010
(PASTORE et al, 2012).
Entretanto, o país não conseguiu manter esse ritmo, crescendo a uma média
de 2% nos anos seguintes. Já a indústria, também patinou nos últimos anos. Em 2011,
a produção do setor teve um ligeiro avanço de apenas 0,3%. Em 2012, recuou 2,5% e,
em 2013, não conseguiu recuperar as perdas do ano anterior, crescendo 1,2%
(TERRA, 2014).
68
5 HISTÓRICO MATARAZZO
Francesco Matarazzo nasceu em 1854 na cidade de Castellabate, na Sicília.
Descendente de uma ilustre família italiana, o jovem Francesco teve que abandonar os
estudos em Letras e Ciências no Liceu de Salerno para se dedicar ao trabalho, após a
morte de seu pai (RUST, 1934, p. 1934). Na época, a Itália passava por uma série de
problemas sociais e econômicos e, por isso, o italiano resolveu procurar por
oportunidades no Brasil, onde compatriotas já haviam se estabelecido e começavam a
fazer fortunas (ESTADÃO, 1937). Assim, aportou no Brasil em 1882 carregando uma
experiência comercial na Itália, a instrução secundária completa, além de habilidade
com números e na escrita. (COUTO1, 2004, p. 157).
Ainda, trouxe consigo uma quantia em dinheiro e uma carga de banha de porco
que seria vendida em terras nacionais. Entretanto, a mercadoria afundou quando a
embarcação fazia uma parada na Baia de Guanabara, causando o primeiro grande
prejuízo para o italiano. Após o incidente, Francesco se fixa em Sorocaba (que já
vinha recebendo muitos imigrantes italianos) e estabelece um pequeno comércio. Em
pouco tempo, o empresário percebe que o país importava uma grande quantidade de
banha de porco. Assim, utilizando-se de sua experiência anterior no ramo, abre uma
fabriqueta para produzir o produto e, logo depois, outras duas. Além disso, Matarazzo
passa a percorrer toda a região comprando e vendendo os mais variados produtos
(MARTINS, 1976, p. 18).
Para Francesco, o sucesso do negócio estava em comprar os produtos o mais
barato possível para poder revendê-los a um bom preço depois, sempre com uma
margem superior à de seus concorrentes (MATARAZZO, 1982, p. 24). Outro motivo
que contribuiu para o rápido sucesso do seu empreendimento nesse período está
relacionado à introdução do sistema de compra e venda a prazo, até então uma
inovação na região de Sorocaba (COUTO1, 2004, p. 161).
Assim, obtendo escala cada vez maior, o empreendedor conseguia adquirir
animais a preços mais baixos, revendendo, inclusive, para os seus concorrentes.
Matarazzo também aprimorou o seu processo produtivo, ao desenvolver ele
mesmo uma prensa para a fabricação da banha. Além disso, decidiu vender o produto
enlatado (até aquele momento a comercialização era feita em caixas de madeira
importada e, invariavelmente, se tornavam escassas). Com isso, deu mais um passo
para se sobressair em relação à concorrência. A lata, além de conservar e proteger
melhor o produto, possibilitava a comercialização a preços menores e de acordo com
uma quantidade compatível ao consumo familiar (COUTO1, 2004, p. 181 e 183).
69
Nessa época, o empresário já dá os primeiros sinais do que viria a ser duas
características marcantes dos seus negócios: A verticalização e o investimento em
produtos de consumo. Assim, comprava os suínos, fabricava a banha e fazia a
comercialização em seu armazém. Dessa maneira, se mantinha à frente de todas as
etapas do negócio, reduzindo a dependência de fornecedores (COUTO1, 2004, p. 194).
Em 1890, após a abolição da escravatura e já sob o regime da República,
Francesco Matarazzo parte para São Paulo, que começava a se tornar uma cidade
mais importante e que poderia lhe proporcionar mais possiblidades de crescimento.
Indo na contramão da tendência dos investidores da capital que, incentivados pela
política do Encilhamento, aplicavam o dinheiro em estabelecimentos industriais e
bancários, Francesco decide migrar novamente para a importação e o comércio
(COUTO1, 2014, p. 225).
Vende, portanto, parte das unidades fabris de banha à nova Companhia
Matarazzo, uma sociedade anônima composta por 43 acionistas, incluindo o próprio
Francesco e seu irmão José. Francesco recebeu cerca de 70 contos de réis pelos
seus ativos, precisando, assim, empatar apenas 28 contos pela participação de 10%
na nova sociedade. Com o lucro obtido na operação, fundou com seu irmão André a F.
Matarazzo & Cia Ltda., com sede na Rua 25 de Março, se destacando na importação
de bens de consumo (MARTINS, 1976, p. 25).
Quando Francesco Matarazzo chegou a São Paulo, a cidade era apenas a
quinta capital brasileira em população (atrás do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e
Belém). Todavia, o momento para a migração não poderia ser mais propício. Nos dez
anos seguintes a população iria quadruplicar, atingindo cerca de 240 mil habitantes
(COUTO1, 2004, p. 243).
Nesse período, ele se destaca no comércio paulistano, importando trigo e
algodão dos Estados Unidos, além de comercializar arroz, massas, banhas, óleos,
bacalhau e outros alimentos. Assim, ganha porte e reputação, e constrói o famoso
palacete da família na recém-inaugurada Avenida Paulista (COUTO1, 2004, p. 263).
Mas, é em 1900, quando funda a Moinho Matarazzo, que ele dá o importante
salto de comerciante e importador para grande industrial. Na época, sua empresa
importava farinha de trigo americana com a ajuda de crédito do banco British Bank of
South America (VICHNEWSKI, 2004). Entretanto, a grande distância da viagem fazia
com que muitas vezes o produto chegasse ao Brasil em más condições de consumo, o
que fez o empresário cogitar a possibilidade de produzir a farinha em terras nacionais
(ESTADÂO, 1937).
Assim, seu objetivo era importar o trigo e moê-lo, substituindo a importação da
farinha pela do cereal. Esse foi o pontapé inicial para expansão do grupo. Para isso,
70
Francesco Matarazzo conseguiu um crédito junto aos banqueiros ingleses que era alto
até mesmo para os seus padrões. (COUTO1, 2004, p. 268). Com maquinários
adquiridos na Inglaterra e ajuda de técnicos ingleses, rapidamente o Moinho
Matarazzo passou a ser o líder no mercado de São Paulo, superando os moinhos
Gamba e Santista (BARDESE, 2011).
A escolha do local para a construção da primeira unidade industrial da
Matarazzo levou em conta a proximidade com a ferrovia Santos–Jundiaí, que facilitaria
o transporte do trigo entre o porto de Santos e seus depósitos. Além disso, havia
energia abundante provida pelo rio Tamanduateí. Finalmente, a região era um reduto
da imigração italiana, o que garantiria uma grande oferta de mão de obra (BARDESE,
2011). Rodrigues e Vilela (2013) destacam que no início do século XX os estrangeiros
chegaram a compor 80% de toda a mão de obra das fábricas Matarazzo.
Foi a partir do moinho que se deu o desdobramento das atividades industriais
da organização. Inicialmente, a partir dos negócios já existentes, através da integração
vertical. O moinho dispunha de uma unidade de fabricação de sacaria para
acondicionamento da farinha. Em 1901, o excesso de capacidade de produção de
sacos fez com que a Matarazzo transformasse a seção na Tecelagem de Algodão
Mariângela para produzir, inicialmente, produtos mais toscos como sacos de aniagem
para revenda. Porém, logo a unidade começaria a fabricar tecidos para vestuário
(COUTO1, p. 286).
Esse desdobramento das atividades produtivas e a consequente abertura de
novas fábricas denotaria uma característica muito forte do modelo de crescimento da
Matarazzo. Anos mais tarde, ele destacaria para o seu biógrafo sobre a importância da
produção para a sua organização:
“Capital grande só serve para enganar a humanidade. O que é
preciso é crédito e trabalho. Não se deve preocupar com o dinheiro: a
produção é que importa. Produzir para as necessidades do país. No
Brasil toda a indústria tem que ser produtiva e será, por isso,
rendosa” (RUST, 1934).
No final da década, Francesco Matarazzo iria aprimorar a fábrica de tecelagem
e instalar um equipamento de fiação, além de uma seção de tinturaria e outra de
estamparia. De acordo com Dean (1971, p. 70) a estamparia da Matarazzo foi a única
paulista que operou lucrativamente antes da Primeira Guerra Mundial. Dessa forma,
apesar do desenvolvimento do grupo industrial ter se iniciado com o moinho de trigo, a
tecelagem se tornaria o seu principal negócio (REISS, 1980, p. 28).
Uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo (1909) demonstra a
dimensão da fábrica Mariângela:
71
“Às 11 horas da noite, mais ou menos, estava funcionando com toda
a regularidade uma seção da fiação dirigida pelo sr. Maffei, com cerca
de 400 operários, entre homens mulheres e crianças [...] A fábrica de
tecidos funciona com 1.300 teares, movidos por um motor de 150
cavalos, e com cerca de dois mil funcionários, está segurada em
várias companhias em elevadíssima quantia”.
O texto do Estadão destaca a presença de crianças na fábrica, o que não era
incomum para a época. Chegou-se a encontrar máquinas têxteis com a metade do
tamanho para que elas pudessem utilizá-las. Vale destacar, ainda, que acidentes eram
frequentes na época, o que fez a empresa contratar um seguro contra acidentes para
os operários do moinho em 1910 (ESTADÃO, 1910).
Além da sacaria, o moinho ainda tinha uma seção para conserto de peças e
estoque de sobressalentes da unidade fabril. Em 1902, essa oficina de manutenção é
ampliada e transformada em metalúrgica com o objetivo de fabricar latas para as
embalagens de seus produtos. Posteriormente, a unidade começaria a produzir
brinquedos, artigos de alumínio e utensílios de cozinha (ESTADÃO, 1937).
No mesmo ano, para depender menos do algodão, montou a própria
descaroçadora para abastecer a fábrica têxtil. As sobras de caroços, por sua vez,
levam à produção de óleo de algodão. Assim, em pouco tempo, a Matarazzo
consegue o monopólio do processo de desodorização do óleo e começa a produzir
óleos vegetais e glicerina. A partir disso, migra para a indústria do sabão. Esse
produto, demanda a soda cáustica e, por consequência, Francesco começa a vender
este item em pequenas latas (MARTINS, 1976, p. 31).
Dessa forma, estão prontos os alicerces dos três primeiros pilares industriais
do grupo Matarazzo: Moagem de trigo, tecelagem e fabricação de óleos. Estes seriam
o referencial básico da expansão e diversificação do grupo, mediante verticalização
das atividades. Para cima e para baixo. Isto é, no sentido dos insumos e, também, dos
produtos (COUTO1, 2004, p. 287).
O empreendedor enfrentou, por outro lado, um revés durante esse período. Em
1906, Francesco comprou uma fábrica de fósforos. Entretanto, ao contrário dos outros
setores, este já contava com uma concorrência mais acentuada, com vinte e oito
empresas, entre elas uma estrangeira, a Fiat Lux, que se recusou a participar de
várias tentativas de cartelização do setor. Assim, a empresa sueca acabou comprando
diversas empresas, entre elas, a de Matarazzo. (REISS, 1980, p. 28).
Ainda no início do século, Francesco Matarazzo participou da sociedade de
instituições financeiras que lhe adicionaram fontes de capital expressivas para sua
expansão. Primeiro, entrou como sócio do Banco Commerciale Italiano di São Paulo,
72
fundado em 1900, e encerrado dois anos mais tarde. Depois, abriu o Banco Italiano
del Brasile, fundado em 1905, e que teve seus ativos incorporados pelo
Banco
Commerciali Italo-Brasiliano, fundado por Francesco Matarazzo em 1907 (MARTINS,
1976, p. 32). Através do banco, o empresário conseguiu se tornar o responsável pelas
remessas de dinheiro dos italianos para o seu país. Assim, passou a controlar uma
grande quantia de dinheiro que se tornou uma importante fonte de financiamento para
a expansão dos seus negócios (REISS, 1980, p. 30).
Em 1911, a F. Matarazzo & Cia é transformada em sociedade anônima, criando
oficialmente a Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM). A criação da IRFM
também instituiu oficialmente o lema da empresa: Fides, Honor, Labor - Fé, Honra e
Trabalho (MATARAZZO, 1982, p. 33).
É possível verificar pelos dados patrimoniais do Grupo, apresentados na tabela
5-1, a importância das unidades de trigo e de tecelagem que juntas representavam
mais de 80% do patrimônio da IRFM na época.
Tabela 5-1- Patrimônio da IRFM em 1911
Patrimônio
(em Réis)
Fábrica
% do Total
Fábrica de fiação, tecelagem, malharia e tinturaria
4.900:000$
57,6%
Moinho de trigo (com depósitos e armazéns)
2.000:000$
23,6%
Fábrica de óleos e sabão
700:000$
8,2%
Prédio da administração central
400:000$
4,7%
Engenho de beneficiar arroz
160:000$
1,9%
Armazéns para inflamáveis
140:000$
1,6%
Estamparia de tecidos (em construção)
100:000$
1,2%
Cocheiras
50:000$
0,6%
Depósitos e armazéns
40:000$
0,5%
Fábrica de banha em Itapetininga
10:000$
0,1%
Total
8.500:000$
Fonte: Martins, 1976, p. 35
Apesar de ser uma sociedade anônima, a IRFM tinha o capital totalmente
concentrado entre Francesco e seu irmão Andrea, conforme pode ser observado no
gráfico 5-1.
73
Gráfico 5-1 - Distribuição do Capital da IRFM
Andrea
Matarazzo;
19,94%
Outros
(familiares e
funcionários);
0,30%
Francesco
Matarazzo;
79,76%
Fonte: Vilela e Rodrigues (2013)
O estatuto estabelecido para a nova companhia ainda previa a destinação dos
lucros da seguinte forma (RODRIGUES & VILELA, 2013):
“Dos lucros líquidos apurados nos balanços anuais, seriam deduzidas as
seguintes verbas, sendo que o saldo remanescente era distribuído como dividendos
aos acionistas:”

5% para a conta do fundo de reserva;

7% calculada sobre o valor dos imóveis, móveis e máquinas para ser levada à
conta de depreciação dos mesmos;

5% destinado à conservação e aumento de fábricas;

10% para a diretoria a título de pró-labore, sendo 6% para o presidente e 2%
para cada um dos diretores;

0,5% para ser levada a um fundo de auxílios e previdência destinado à
beneficiar os empregados da companhia e suas famílias, em caso de
enfermidade ou morte.”
A Diretoria da IRFM era composta por Francesco, seu irmão e seu filho
Ermelino, conforme é mostrado na figura 5-2. O Grupo ainda contava com um
Conselho Fiscal composto por três pessoas.
74
Figura 5-1 - Composição da Diretoria da IRFM
Francesco
Matarazzo
Diretor Presidente
Ermelino
Matarazzo
Diretor Gerente
Andrea
Matarazzo
Diretor Secretário
Fonte: Vilela e Rodrigues (2013)
As atribuições dos diretores estavam assim divididas (VILELA & RODRIGUES, 2013):
“Diretor Presidente
a) Presidir as sessões da diretoria, executar e fazer executar as suas
deliberações e as da assembleia geral;
b) Convocar a diretoria e o conselho fiscal, quando julgar conveniente;
c) Rubricar, abrir e encerrar os livros das atas da assembleia geral, da diretoria e
do conselho fiscal;
d) Nomear procuradores, que poderão gerir a sociedade, cada um de por si ou
coletivamente, a juízo do mesmo diretor presidente.
e) Representar a sociedade em juízo em todas as ações por ela intentadas ou
contra ela movidas;
f)
Celebrar contratos e assumir encargos e obrigações pela sociedade, inclusive
títulos de crédito e de comércio, pela forma e condições que as operações
exigirem e o interesse da sociedade aconselhar;
g) Delegar todos estes poderes ao diretor-gerente, quando tiver de se ausentar.
Diretor Gerente
a) Dirigir e inspecionar os trabalhos de construção do edifício e montagem dos
necessários equipamentos, até sua completa instalação e funcionamento
(assim como os aumentos e melhoramentos que a diretoria resolver fazer),
estando sempre à testa das obras; e, depois delas concluídas, transferir para lá
a sua residência efetiva, e assumir a gerência da empresa, dirigindo-a
conforme for deliberado pela diretoria;
b) Nomear e demitir empregados auxiliares, de acordo com os outros diretores;
75
c) Dirigir o escritório e todas as operações comerciais e industriais de interesse
da sociedade, deliberadas pela diretoria;
d) Intervir nas questões de administração na ausência do presidente, ou por
determinação deste;
e) Mandar, quinzenalmente, à sede administrativa em S. Paulo, relatório do
movimento da empresa, conforme a diretoria determinar; não podendo ocuparse em negócios estranhos ao interesse da sociedade.”
Vale ressaltar que a criação de um grupo unificado demarcou mais uma vez o
perfil de verticalização e centralização da Matarazzo, conforme foi destacado por
MARTINS (1976, p. 56):
“A constituição das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo, em
1911, denotava a burocratização dos serviços e a centralização do
poder num escritório central, o que implicava num estilo de
dominação interna marcada pela diluição de poder nos diversos
cargos hierárquicos mediante regulamentação. Porém, o poder não
só foi centralizado, mas também concentrado na pessoa de
Francisco, que, ao invés de especializar-se no exercício da
autoridade, procurou manter o mesmo estilo de controle inerente à
pequena empresa e à dominação familiar”.
Na época da criação da IRFM, Francesco Matarazzo já era o principal industrial
brasileiro. Uma matéria do Estadão sobre a evolução da indústria de São Paulo
dedicou duas páginas às unidades do seu grupo, na qual destacava a importância dos
produtos Matarazzo para o cotidiano das pessoas na época.
“O seu feliz sucesso não tem sido talvez devido senão ao fato de
todas as indústrias, por ele exploradas, fazerem parte integrante de
nossas necessidades imediatas” (Estadão, 1911).
No mesmo ano em que criou a IRFM, a Matarazzo instalou a sua primeira
grande usina de açúcar. Além disso, o alto consumo de madeira para a construção e
instalação de suas unidades levou à criação de serrarias e carpintarias próprias. Em
1912, pelo mesmo motivo, passou a fabricar pregos. Ainda, inaugurou a Tecelagem e
a Amideria Belenzinho, que levou às plantações de mandioca e abertura de uma
fecularia (COUTO2, 2004, p. 22).
A partir daí, o crescimento foi marcado pela ampliação das atividades e
expansão geográfica principalmente nos setores onde o grupo já atuava, com exceção
de uns poucos negócios como a Sociedade de Navegação Paulista Matarazzo Ltda,
que detinha uma frota própria de navios que transportava trigo da Argentina para
Santos (COUTO2, 2004, p. 4). Anos depois, a Matarazzo também expandiria sua
76
atuação no transporte a partir da compra de vagões e locomotivas próprias, como
pode ser observado no relato de um funcionário para a Revista Síntese (1949, p. 122):
“Exportávamos madeiras para a Argentina, de Antonina, e
mandávamos boa parte a São Paulo para o uso das próprias
Indústrias. O transporte era feito com locomotivas e vagões próprios
da firma. Começamos com cerca de 10 vagões, empregando, em
seguida, mais de uma centena de vagões (170) e locomotivas
próprias. Tínhamos um contrato para circulação nos trilhos da
Sorocabana e da São Paulo – Rio Grande. Alcançamos, em média,
um movimento de 200 vagões por mês. Os nossos vagões frigoríficos
faziam cerca de 260 viagens, anualmente, entre o Sul e São Paulo,
somente para o transporte de produtos resfriados”.
Segundo Dean (1971, p. 72), apesar do crescimento, o grupo Matarazzo
mantinha uma política de revender os seus produtos diretamente para os varejistas.
De acordo com o historiador, a organização tinha durante a década de 1930 cerca de
45.000 contas, sendo que ainda havia uma preferência por se trabalhar com as
pequenas companhias ao invés das grandes. Para Francesco, além de serem mais
leais, as perdas que acarretavam quando falhavam eram insignificantes.
Apesar do elevado número de contas e de empresas, a gestão do grupo
parecia ocorrer de maneira informal e centralizada, conforme relatos do próprio
Francesco Matarazzo:
“Eu conservo o hábito de receber a todos os chefes dos diversos
departamentos, diariamente neste gabinete, examinando lhes as
pastas e emitindo minha opinião sobre diferentes negócios. Tenho
uma vantagem sobre eles: minha memória continua a mesma amiga
fiel de cinquenta anos atrás. Enquanto os auxiliares fazem cálculos
com o auxílio do lápis ou da pena, eu os realizo mentalmente”
(MARTINS, 1976, p. 57).
Décadas depois, Maria Pia Matarazzo, neta do fundador e quarta pessoa a
comandar o grupo endossaria o método de administração estabelecido pelo patriarca.
“Controle exige olho! Por exemplo: meu pai dizia que nas unidades se
controlava o gasto por intermédio do vapor. Excesso de vapor no ar,
perda de dinheiro. A caldeira era a base do controle econômico da
2
unidade” (COUTO , 2004, p. 240).
Pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, Francesco já havia
começado a transferir gradativamente a gestão do grupo para o seu filho Ermelino.
Assim, em 1914, ele foi para a Itália descansar e passou o comando da IRFM para
Ermelino, então com 31 anos. Ele não era o filho mais velho, mas foi o primeiro
nascido no Brasil e, assim, foi escolhido para prosseguir com os negócios da família o Anexo 4 apresenta a árvore genealógica da família de Francesco Matarazzo. Dessa
77
forma, foi enviado pelo pai para a Suíça onde estudou dos sete aos dezoito anos, além
de ter realizado estágios na Alemanha, Inglaterra e França (Martins, 1972).
Durante o período da Guerra, a IRFM estava em posição privilegiada. O seu
ponto forte, produtos básicos e essenciais ao consumidor, continuaram a ter alta
demanda. Além disso, apesar dos conflitos, o grupo conseguiu manter o acesso aos
seus principais insumos. Boa parte das matérias primas utilizadas eram de
procedência nacional e quando não eram, como era o caso dos moinhos, havia a
opção de comprar de outros países que não estavam em guerra, como a Argentina
(COUTO2, 2004, p. 38). Vale destacar que foi durante guerra que Francesco
Matarazzo recebeu o título de Conde pelos serviços prestados à Itália durante o
período de conflito (COUTO2, 2004, p. 34).
Em 1916, a Matarazzo compra a Companhia de Fábricas Pamplona que tinha
linhas de produção de sal, graxa, óleos e velas. Na mesma época, investe em novos
moinhos de trigo, usinas de açúcar e refinarias de sal (REIS, 1980, p. 31).
Nesses anos, Ermelino, que estava à frente do Grupo, também realizou um
grande investimento no Sul do país, criando as Indústrias Matarazzo do Paraná. Em
1904, seu pai havia adquirido terras na cidade litorânea de Antonina, situada a 90 km
de Curitiba. Assim, dez anos depois, Ermelino anunciou a criação da nova empresa e
a subscrição de ações com o objetivo de construir um moinho de trigo no local. O
moinho foi inaugurado em 1917 com capacidade de produção de mil sacos de farinha
por dia e uma estrada de ferro ligando a unidade à cidade (ESTADÃO, 1917).
Diferentemente da IRFM na qual havia total concentração de capital, a
Indústrias Matarazzo do Paraná tinha diversos sócios, cuja divisão de capital, é
apresentada no gráfico 5-2.
É importante frisar que durante essas décadas a indústria nacional era
incipiente e, com uma população crescente, a Matarazzo se aproveitou de uma
demanda crescente por produtos de consumo.
“(Cláudio) Bardella lembra que Matarazzo entrou principalmente em
consumo de massa: banha, tecidos, farinha de trigo, óleos
comestíveis, sabonetes, etc. Isto é, em “non tradeables”. Assim,
praticamente não tinha de enfrentar a competição internacional.
Geralmente, o próprio custo do frete internacional bastava para
2
proteger a produção interna” (COUTO , 2004, p. 335).
78
Gráfico 5-2 - Distribuição do Capital da Indústrias Matarazzo do Paraná
Funcionários;
1,90%
Irmãos Nicola e
Costabile
Matarazzo; 3%
Andrea
Matarazzo; 4,70%
Outros;
9,30%
A. Monesi; 13,30%
Ermelino
Matarazzo;
58,50%
Francesco
Matarazzo;
9,30%
Fonte: Vilela e Rodrigues (2013)
Outro ponto importante sobre essa fase da IRFM é destacado por Reiss (1980,
p. 41) que afirma que conforme o Conde investia em novas indústrias, ele não
abdicava de seus estabelecimentos comerciais. Pelo contrário, o comércio se tornava
ainda mais importante, aumentando as redes de negociação do grupo e criando novas
oportunidades para produção de novos produtos.
Na visão de Francesco Matarazzo, as oportunidades existentes no país eram
grandes o bastante para que fosse possível criar uma organização tão extensa:
“A fantástica extensão do Brasil é imensamente favorecida pela
natureza. Seu destino está ligado à riqueza do seu solo. Os campos
estão à espera de serem cultivados e as matérias-primas de serem
exploradas e transportadas para as fábricas. O país deve ser agrícola
e industrial; deve não apenas emancipar-se do exterior, mas também
exportar o excesso de suas necessidades de consumo; nenhum
produto deve pesar na balança como débito com os países
estrangeiros, porque tudo o Brasil pode produzir” Francesco
1
Matarazzo (COUTO , 2004).
De acordo com Reiss (1980, p. 32), apesar de serem imprecisos, os lucros
obtidos pela IRFM foram: em média 4.800 contos entre 1912 e 1913 e 7.300 contos
entre 1914 e 1919.
79
No início da década de 20, Francesco Matarazzo era o maior industrial
brasileiro. Poderoso e reconhecido, comandava um grande conglomerado com mais
de uma centena de empresas que atuavam em setores diversos. O empresário
também era o presidente do Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão
de São Paulo (CIFTSP), posição que assumiu na fundação da instituição em 1919 e
iria ocupar até 1926.
Nos últimos anos, Ermelino, o primeiro filho brasileiro de Francesco, já vinha
comandando o grupo. Porém, um trágico acidente automobilístico ocorrido na Itália em
1920 interrompeu o plano de sucessão e exigiu que o fundador retomasse as rédeas
dos negócios. Assim, Francesco começa a preparar o seu filho Francisco Matarazzo Jr
(o Chiquinho), então com dezenove anos, para assumir a direção. Quatro anos mais
tarde, ele seria eleito diretor-geral da IRFM, se tornando o segundo homem no poder
(COUTO2, 2004, p. 195).
De acordo com relato de Ferdinando Matarazzo, neto de Francesco e número
três na escala de poder da IRFM na época, após a morte de Ermelino o conde não
tinha muitas opções para a sucessão:
“Meu avô se apoiou muito no Ermelino. A morte do filho foi para ele
uma tragédia total. Meu pai (Giuseppe) morava em Nápoles. O Attilio
não gostava muito de indústria, era mais de vender, de comércio. O
Andrea tinha preparo relativamente modesto. O Luiz Eduardo era
muito novo, estudava. O Chiquinho tinha vinte anos. Estava lá e tinha
interesse em trabalhar na indústria. Então começou a trabalhar com
2
meu avô e ficou” (COUTO , 2004, p. 194).
Nessa época, duas estratégias aparentemente antagônicas passam a ser
empreendidas pelo grupo. A primeira é a desconcentração espacial. As fábricas
estavam concentradas principalmente na região metropolitana da capital. Dessa
forma, Francesco perseguiu uma estratégia de expandir suas operações para o resto
do Brasil, intensificando o processo iniciado com a criação das Indústrias Matarazzo
do Paraná. Segundo Couto2 (2004, p. 63), um importante passo desta vertente é dado
com a instalação, em 1920, de um frigorífico modelo para o abate de suínos na cidade
de Jaguariaíva, no Paraná. Esta passou a ser a maior operação desse tipo no Brasil e
uma resposta clara à entrada das americanas Swift e Armour no mercado nacional e
que há dois anos estavam exportando carne brasileira.
A unidade tinha localização estratégica próxima a uma ferrovia a ao principal
centro de criação de porcos da região. Todo o maquinário foi importado da Europa e
dos Estados Unidos com total isenção de impostos. Além disso, a energia elétrica era
produzida em uma usina própria.
80
Além da expansão para o Sul, a Matarazzo também adquire a Fazenda Amália,
em Santa Rosa do Viterbo no interior de São Paulo, local que proporcionou a
expansão do grupo para a agroindústria (VILELA & RODRIGUES, 2013). De acordo
com o entrevistado 1, a propriedade tinha aproximadamente vinte mil alqueires e
abrangia cinco municípios.
Todavia, ao mesmo tempo em que buscava a expansão geográfica do seu
grupo, Francesco Matarazzo reconhecia a importância da integração, além dos
ganhos de sinergia e escala originários desse processo. Diante de um sistema de
transporte tão precário, a concentração das unidades fabris em um único local
aumentaria a eficiência e reduziria os custos logísticos. Dessa forma, o empresário faz
uma prospecção de terras e encontra um vasto terreno localizado no bairro da Água
Branca, sede da antiga fábrica de cerveja da Companhia Antarctica Paulista e que era
servida com estradas de ferro (ESTADÃO, 1937).
Assim, adquire todo o terreno e, ainda em 1920, transfere para lá as fábricas
de sabão, velas, glicerina, pregos, uma refinadora de açúcar e duas fábricas de óleos.
Três anos depois, conclui a construção de um sistema ferroviário interno que
interligaria as plantas. O local ficaria conhecido como Parque Industrial da Água
Branca e nos anos seguintes reuniria ainda mais negócios da organização em um
mesmo espaço.
“Por algum tempo, terá espaço de sobra para fabricar fábricas [...] O
núcleo industrial da Água Branca marca o auge da concentração
2
pontual e da integração vertical de atividades das IRFM” (COUTO ,
2004, p. 62).
A partir daí, mais diversificação. Em 1922, é fundada a Fábrica de Licores e
uma distribuidora de filmes. No mesmo ano, o grupo participa da Exposição
Internacional do Centenário da Independência Nacional, no Rio de Janeiro, onde
muitos produtos da IRFM ganham destaque, recebendo diplomas e medalhas. No ano
seguinte, começa a produzir rícino e ácido sulfúrico que, por sua vez, passa a ser
utilizado na fabricação de inseticidas. Em 1924, instala um curtume, compra uma
fábrica de conservas de carne e outra de sabão e também começa a extrair e produzir
diversos óleos comerciais (como o de babaçu e amendoim) e outros industriais para
utilização em suas fábricas (COUTO2, 2004, p. 65).
Em 1924, a Revolta Tenentista, um dos maiores conflitos bélicos da história da
cidade de São Paulo afeta as operações da IRFM. Unidades são atingidas e sofrem
com incêndios e saques. Por isso, novos investimentos são suspensos nesse ano e
somente aqueles já iniciados são levados adiante (MATARAZZO, 1982, p. 49).
81
Um desses investimentos é a SA Industrial Matarazzo de Mato Grosso que foi
criada com o objetivo de industrializar e comercializar pele e gordura de jacaré e de
capivara. Contudo, o negócio gerou um prejuízo de 800 contos e foi encerrado em
pouco tempo (COUTO2, 2004, p. 78).
Além deste, duas grandes unidades industriais são concluídas. Uma laminação
que é instalada dentro do Parque Industrial da Água Branca e uma metalúrgica que é
criada no bairro do Brás, também em São Paulo. Vale ressaltar, no entanto, que essas
empresas seriam desmembradas do grupo e entregues à Ciccillo Matarazzo, filho de
Andrea, principal sócio e irmão de Francesco, que havia recusado uma oferta de atuar
na direção do grupo após a morte de Ermelino. Andrea argumentara que como não
poderia indicar seus filhos para lhe sucederem na presidência, não haveria porque
assumir o comando da organização. A IRFM passaria, então, a ser cliente destas duas
unidades (COUTO2, 2004, p. 81).
Em 1925, o grupo já tinha diversas filiais espalhadas pelo Brasil, América do
Sul e até nos Estados Unidos. As fábricas abrangiam o setor de alimentos, têxtil,
metalurgia, serviços, entre outros. E mais: tinha fazendas, terrenos e prédios urbanos,
estradas de ferro, navios a vapor, além de representar o Banco di Napoli e a Fiat
(COUTO2, 2004, p. 98). Além disso, a IRFM ocupava uma área de 8.760.000m2 e
empregava sete mil funcionários (MATARAZZO, 1982, p. 52).
Em 1926, a Matarazzo consolida sua posição na indústria química ao fundar a
Viscoseda para produzir seda artificial, mantendo o monopólio na produção do rayon,
que tinham como principal objetivo suprir as fábricas têxteis de Água Branca. A IRFM
solidifica, assim, o seu tripé alimentos, têxteis e químicos, que seriam a principal fonte
de crescimento do grupo nas décadas seguintes. A nova fábrica empregava mais de
1.500 funcionários em uma área de 60 mil metros quadrados (COUTO2, 2004, p. 104).
A implantação da Viscoseda exigiu, ainda, avanços tecnológicos nos processos
produtivos e laboratórios de maior precisão (ESTADÃO, 1937).
Ainda em 1926, instala a Oficina Mecânica e Fundição na mesma rua do
complexo da Água Branca com o objetivo de realizar manutenção nas máquinas
existentes e construir novos equipamentos (MATARAZZO, 1982, p. 52).
No ano seguinte, implanta uma rede de armazéns atacadistas para venda
direta dos produtos Matarazzo: um em Juiz de Fora; três em São Paulo; um em
Ribeirão Preto; um em Campinas; e um em São José do Rio Preto. Além disso, entra
no ramo de minerais não metálicos ao comprar uma fábrica de louças domésticas de
pó de pedra (COUTO2, 2004, p. 138).
82
Ainda em 1927, o Conde indica oficialmente Francisco Junior como seu
sucessor pelos trinta anos seguintes, através de um testamento oficial lavrado em
cartório de São Paulo, cujo trecho é destacado a seguir:
“Se dispus de número maior de ações em seu favor, não o fiz
para favorecê-lo. Pelo contrário, quis assim impor-lhe o pesado
encargo de me suceder na direção daquele vasto e complexo
organismo industrial e comercial que custou o esforço
constante de mais de quarenta e cinco anos de minha
existência e a que estão ligados, além da sorte do patrimônio
que vos deixo, interesses de terceiros e os meios de vida de
milhares de famílias e empregados. Evitar que as rivalidades,
fatais entre os homens, possam um dia criar-lhe embaraços no
cumprimento da difícil, foi a minha maior preocupação.
Terminada essa tarefa, vosso irmão vos devolverá, sob forma
de legado, as ações que tiver recebido a mais” (COUTO2,
2004, p. 200).
Verifica-se, então, que mais uma vez o Conde opta pela escolha de apenas um
filho no dever de dar continuidade à gestão da IRFM. De acordo com Couto (2004, p.
201), esta nomeação foi conturbada, uma vez que apenas Chiquinho, o décimo
segundo dos treze filhos, foi escolhido para ocupar uma posição que, teoricamente,
deveria ser igualmente distribuída entre doze irmãos. Além disso, dois dos irmão mais
velhos (Giuseppe e Andrea) também haviam trabalhado na IRFM, o que tem certo
peso na tradição italiana. Ainda, Attilio, que também era mais velho que Chiquinho
tinha formação superior de engenharia na Suíça, diferente de Chiquinho que havia
concluído apenas o segundo grau.
Por outro lado, o sucessor trabalhava com o pai há vários anos e há três já era
o segundo homem na hierarquia. Assim, já havia assumido a presidência em momento
de viagens internacionais de Francesco.
Para o testamento redigido por Francesco ser considerado válido, todos os
filhos tinham de assiná-lo. No entanto, Andrea, Attilio e Luiz Eduardo, este último o
irmão mais novo, se recusaram a ratificar o documento e resistiram à decisão do pai
até 1931, quando finalmente todas as assinaturas foram colhidas e Chiquinho se
tornou oficialmente o sucessor da IRFM. Sendo assim, ele assumiria o comando após
a morte de Francesco. Vale destacar que, além do controle acionário da organização,
Francesco garantiu a Chiquinho a posse do imóvel da família na Avenida Paulista,
além de uma chácara em São Paulo e imóveis na Itália (COUTO, 2004, p. 203).
Em 1929, três anos após ter deixado a presidência da CIFTSP, Francesco
Matarazzo se torna um dos fundadores e primeiro presidente do Centro das Indústrias
83
do Estado de São Paulo (CIESP), cargo que ocupará até 1931 (COUTO2, 2004, p.
142). Nesse mesmo ano, o mundo entrava em uma forte crise econômica.
Segundo Couto (20082, p. 157), as indústrias Matarazzo conseguiram
atravessar a crise sem grandes dificuldades, chegando inclusive a realizar
investimentos no Brasil e na Argentina durante o período. De acordo com o autor, em
1930, um ano após o início da Grande Depressão, o Conde recebeu a visita de dois
funcionários do Banco de Londres que, preocupados com a situação da IRFM diante
dos problemas econômicos, oferecem créditos ao empresário. Todavia, Matarazzo
recusou a oferta, pois julgava que tinha os recursos necessários para enfrentar a crise,
gerando uma grande surpresa para os banqueiros. Entretanto, de acordo com Reiss
(1980, p. 32), no ano da crise, em 1929, a IRFM teria sofrido o seu primeiro prejuízo.
Portanto, a IRFM conclui a década de 1920 com crescimento e resultados
expressivos. De acordo com Reiss (1980, p. 32), apesar de serem imprecisos, os
lucros obtidos pela IRFM foram: em média 6.800 contos entre 1922 e 1923 e 16.800
contos entre 1924 e 1929. Segundo o mesmo autor, entre o período da criação da
IRFM em 1911 até 1929, a organização distribuiu em média 50% dos lucros em
dividendos. Rust (1934) que escreveu uma biografia sobre Francesco Matarazzo
apresentou um relato sobre o desempenho financeiro do grupo:
“Os negócios da firma são tão variados que, mesmo que uma ou
outra fábrica dê resultados negativos, algum ano, o grupo, no total,
sempre é infalivelmente lucrativo”.
Já no início da década de 1930, a IRFM começa a produzir em seu núcleo de
indústria
química
o
Inseticida
Kids,
marcando
presença
na
agroindústria
(MATARAZZO, 1982, p. 54). Além disso, monta em São Paulo uma grande fábrica de
massas e biscoitos e adquire a fábrica de tecidos Santa Celina SA, uma empresa
tradicional que antes era sediada no Rio de Janeiro e, após uma reformulação, passou
a produzir tecidos finos de algodão na capital paulista. Ainda, seguindo uma política de
expansão geográfica, instala uma fábrica de óleo de algodão e sabão em João
Pessoa, na Paraíba. Para isso, desloca pessoal de confiança para a nova planta.
Em 1932, diante a crise de desabastecimento causado pela Revolução
Constitucionalista, a Matarazzo desenvolve pesquisas para a mistura de álcool na
gasolina. Mas, com o fim da Revolução, o projeto é engavetado (COUTO2, 2004, p.
163). Cabe destacar, no entanto, que o grupo chegou a anunciar a venda de álcool
motor para ônibus e que dispensava o uso de gasolina. De acordo com anúncio
publicado no jornal o Estado de São Paulo (1932), a empresa havia conduzido com
sucesso um teste que envolveu dezoito meses de pesquisa que incluíram o uso em
veículos que fizeram percursos entre São Paulo - Santos e São Paulo - Ribeirão Preto.
84
Com o país atravessando dificuldades econômicas e já com Getúlio Vargas no
poder, Francesco Matarazzo concede uma entrevista a um jornal de Assis
Chateaubriand onde destaca o papel da indústria nacional e da necessidade de
substituição das importações (vale lembrar que na época a indústria ainda tinha
pouquíssima relevância no cenário nacional em comparação ao café):
“A meu ver, portanto, podemos diminuir consideravelmente o volume
da nossa importação, não só dos artigos de uso suntuário, mas
também necessário, como gasolina, trigo, etc. [...] Libertemos,
portanto, o trabalho nacional, eliminando os impostos de exportação,
suavizando o regime dos transportes e diminuindo outras despesas
que o oprimem, e o Brasil passará a ser exportadores de quase tudo
que hoje nós importamos com grave dano para as finanças e a
2
economia do país” (Couto , 2004, p. 176).
Em 1933, faz uma expansão para o setor extrativista para abastecer a
construção civil (principalmente a construção de suas próprias indústrias). Nesse
momento, o grupo é composto de 170 propriedades. No ano seguinte, é pioneiro mais
uma vez ao montar uma refinaria de petróleo através da fundação da Indústria
Matarazzo de Energia (IME) em São Caetano. A refinaria entraria em operação quatro
anos mais tarde. A unidade manteria um elo com as pesquisa e desenvolvimento de
fontes alternativas de combustível, realizando estudos para produção de álcool a partir
da mandioca na década de 1940.
Ainda em 1934, aproveitando a crise da produção de algodão nos Estados
Unidos, são instaladas máquinas de descaroçamento e beneficiamento em nove dos
principais centros produtores de São Paulo (COUTO2, 2004, p. 236).
Nesse ano, Francesco Matarazzo completa oitenta anos. Para celebrar a data,
além de uma grande comemoração, decide presentear os funcionários da IRFM com
500 mil contos para os funcionários com mais de trinta anos de casa e 250 mil contos
para os com vinte e cinco anos, sendo que as pessoas com mais de sessenta anos
receberiam a quantia em dobro (COUTO2, 2004, p. 264). Nessa época, o porte da
IRFM já impressionava: a renda bruta anual das empresas do grupo equivalia ao
dobro da receita de Minas Gerais e 7% da energia hidráulica produzida em São Paulo
era consumida pelas empresas do grupo (VEJA, 1983).
Um ano após o octogésimo aniversário do fundador, incomodado com as
críticas dos irmãos, Francisco Jr. decide abandonar a empresa. Assim, Francesco
busca efetuar mudanças no estatuto. Cria uma nova diretoria para ser ocupada por um
profissional externo e convida para o cargo de Chiquinho o filho caçula Luis Eduardo,
mas este acaba recusando. Assim, diante da falta de opções, Francesco consulta
todos os filhos novamente para ratificar a decisão tomada anos antes e consegue a
85
confirmação de que Chiquinho continuará no comando. Por consequência, os irmãos
Luís Eduardo, Attilio e Andrea decidem se retirar da sociedade (COUTO2, 2004, p.
213).
Ainda em 1935, a IRFM continua a passar por uma fase de grande expansão:
Implanta uma fábrica de papel e papelão em São Paulo, expande as atividades
extrativistas adquirindo jazidas de caulim, uma matéria-prima utilizada na fabricação
de papel, porcelana e de outros artigos cerâmicos. Ainda, realiza o último investimento
sob a gestão do fundador e começa a produzir sucos. Para isso, segue sua estratégia
de verticalização instalando uma fábrica de essências cítricas e, posteriormente,
produzindo óleo de casca e marmelada de laranja (COUTO, 2004, p. 328). Além disso,
adquire uma jazida de gipsita (usada na produção de louças) no Ceará. Entretanto,
após o início das atividades, verificou-se a inviabilidade de transporte dos produtos e,
assim, o projeto foi abandonado (MATARAZZO, 1982, p. 57).
Durante a década de 1930, conforme a indústria ganhava mais destaque junto
ao governo, os industriais paulistas pressionavam as autoridades contra a incidência
de impostos sobre a exportação. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo
(1936), o Conde Francesco tratou sobre o assunto:
“Precisamos aumentar a exportação. Contudo, a exportação continua
a ser tributada cada vez mais. [...] Essa tributação encarece os
produtos, diminuindo-lhes a as possibilidades de se manterem nos
mercados conquistados ou conquistarem mercados novos, pois, uns
e outros acabarão por ser tomados pelos produtos congêneres que
saem do país de origem sem a carga de impostos de exportação”.
Por consequência dessa pressão, o governo paulista eliminou, de forma
pioneira, a incidência de impostos sobre exportação através de uma reforma tributária
ocorrida em 1936, aumentando a competitividade das empresas de Matarazzo que
começavam a buscar com mais intensidade os mercados externos.
Francesco se manteve na liderança do grupo até 1937, quando morreu um mês
antes de completar oitenta e três anos. Caracterizou-se por um estilo centralizador,
com total controle do capital e da condução dos empreendimentos, conforme é
apontado por Martins (1976, p.105):
“Daí encontramos no grupo Matarazzo uma organização burocrática,
mas de poder centralizado e pouco distribuído pelas escalas
intermediárias. Daí, também, o empresário ter reservado para si, no
interior da empresa, papéis que se referem às relações com o
mercado (comprador, vendedor) e exercer sua autoridade na
empresa para testar a viabilidade mercantil das inovações técnicas.
Isto é, o empresário apresenta-se como comerciante”.
86
A descrição do ritmo de trabalho feita pelo primeiro biógrafo de Matarazzo
corrobora a imagem centralizadora e detalhista do empresário que ainda mantinha a
rotina de executar ele mesmo funções operacionais no grupo (prática que foi replicada
pelo sucessor):
“Outro fato interessante, que aumenta consideravelmente os lucros
anuais, é que o Conde Senior ou o Conde Junior, pessoalmente,
fazem, praticamente, todas as compras de matéria prima necessárias
nas fábricas. As compras que não podem fazer pessoalmente, são,
pelo menos, feitas com seu inteiro conhecimento, e diariamente, dos
preços e quantidades [...] A política da firma põe grande atenção em
comprar bem, talvez mais do que tentar vender por preço maior
possível [...] Com todas as suas atividades diárias, usa brevidade em
negócios, mas é raro ditar uma carta e, raramente, usa o telefone.
Deve se admirar que é difícil achar um estenógrafo em toda a
indústria. Homens, ganhando mais de 100 contos de réis por ano,
escrevem suas cartas de mão própria, para serem depois copiadas
em máquinas de escrever e, muitas vezes, eles mesmo ocupam a
máquina. A correspondência interna é reduzia a um mínimo, e tudo é
expresso com o menor número de palavras possível, muitas vezes
tratando-se de uma dúzia, ou mais tópicos, em uma mesma folha de
papel” (RUST, 1934).
Segundo Couto (2004, p. 296), outra característica dos negócios que marcou a
gestão de Francesco Matarazzo foi a indiferença às propagandas. Apesar de trabalhar
com produtos de consumo, ele via a qualidade dos produtos como suficientes para
garantir a presença da marca na mente dos consumidores. Entretanto, é possível
encontrar diversos anúncios sobre os produtos da organização no jornal O Estado de
São Paulo, em especial entre as décadas de 1910 e 1940.
De acordo com relato do empresário, a sua criação contemplava um propósito
principal:
“A preocupação de enriquecer nunca foi o escopo de nenhum ato da
minha vida. Sempre considerei a riqueza como meio de atingir um
ideal: ampliar, ampliar o máximo o organismo industrial, já vasto, ao
qual liguei meu nome; intensificar todos os meus esforços no sentido
de tornar mais eficiente a contribuição que a mim mesmo me impus
como dever, para a emancipação do Brasil” Francesco Matarazzo
1
(COUTO , 2004, p. 14).
Uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, na época da
morte de Matarazzo descrevia a estrutura administrativa do grupo:
“Esse grande mecanismo, por menos que pareça crível, era
pessoalmente dirigido, do alto, por Francesco Matarazzo [...] que
organizara de tal forma as engrenagens que com um esforço
relativamente pequeno, através de relatórios parciais e pela voz de
diretores dos departamentos, conhecia diariamente, as linhas
dominantes de seus negócios. As suas fábricas têm 30 diretores, 600
técnicos, e 15.000 operários” (ESTADÃO, 1937).
87
Após a morte de Francesco, Chiquinho Matarazzo assume formalmente o
cargo de Diretor Presidente e seu sobrinho Ferdinando passa a ocupar posição de
Diretor Gerente. Para o especialista em gestão de empresas familiares João Bosco
Lodi, Chiquinho teria muitas dificuldades pela frente quando assumiu a direção do
grupo:
“Matarazzo teria entregue um grupo complicado demais ao conde
Chiquinho. Um complexo com mais de vinte setores quase sem
nenhuma sinergia. Por quê? Porque alimentos não têm a ver com
2
metalurgia e assim por diante” (COUTO , 2004, p. 217).
O novo presidente do grupo implanta reformas administrativas que havia
começado a desenhar quatro anos antes quando contratou um administrador
profissional para estudar a viabilidade de reorganização administrativa da empresa.
Assim, criou as secretarias da Diretoria Comercial, Técnico-industrial e Administrativa
(MATARAZZO, 1982, p. 77).
Na época da morte de seu fundador, a IRFM passava por um período de
grande crescimento. Um relato de Chateaubriand (1934) oferece maiores contornos
sobre o tamanho do grupo:
“Enquanto São Paulo tem uma renda bruta de 400 mil contos, Minas
de 140 mil, o Rio Grande do Sul, de 130 mil, a Prefeitura carioca, de
270 mil, o parque das IRFM possui de receita bruta uma cifra que
atinge ao algarismo de 350 mil contos [...] É fora de dúvida, portanto,
que o Conde Matarazzo financeira e economicamente é o segundo
Estado do Brasil. Somente o ultrapassam a União Federal, o
Departamento Nacional do Café e São Paulo”.
A tabela 5-2 apresenta a situação das principais unidades do grupo em 1934,
quanto tinha 15 mil operários, 600 supervisores e técnicos e 30 diretores (RUST, 1934,
p. 34). A IRFM ainda consumia cerca de 7% de toda a energia hidráulica produzida no
Estado de São Paulo (VEJA, 1983).
Até o final da década de 1940 a IRFM continuaria crescendo, com Chiquinho
mantendo a estratégia de diversificação e redução da dependência de matériasprimas, visão que se acentuou ainda mais com a iminência da guerra.
Assim, temendo uma crise de desabastecimento, instala uma fábrica de ácido
sulfúrico no ano em que tomou posse. Em 1938, compra a Tecelagem Brasileira de
Seda, monta uma fábrica de celulose em São Caetano e instala uma unidade de
fabricação de massas alimentícias junto ao moinho de trigo (MATARAZZO, 1982, p.
111).
88
Tabela 5-2 – Grupo Matarazzo em 1934
Estabelecimentos
Localidades
Produção Anual
Moinhos
Mariângela (Fiação – Tecelagem –
Alvejamento- Tinturaria)
Belenzinho (Mercerizarão – Estamparia –
Acabamento)
Seda Artificial Viscoseda
Curtume (Sola- Peles – Correias)
Sulfureto de Carbono
Destilação de Alcatrão (Naftalina –
Asfalto)
Amido (Cerealina – Glucose – Dextrina)
Féculas de Mandioca
Licores
Frigoríficos (Carnes suínas)
Soda Cáustica Granulada
Engenhos de Arroz
São Paulo - Antonina
3.600.000 s/ farinha
São Paulo
50.000.000 de mts
São Paulo
-
São Caetano
São Caetano
São Caetano
400 tons. de fio
400 tons. de sola
400 tons.
São Caetano
2.000 tons.
São Paulo
Caçapava
São Paulo
Jaguariaíva
São Paulo
São Paulo - Iguape
São Paulo – Mauá Moagem de Sal
Antonina
Refinação de Sal
Água Branca
Refinação de Açúcar
Água Branca
Refinação de Banha
Água Branca
Destilaria de Álcool e Aguardente
Água Branca
Velas
Água Branca
Glicerina
Água Branca
Oleina
Água Branca
Óleo de Caroço de Algodão (Sol Levante)
Óleo de Linhaça (cru e cozido)
Água Branca
Óleo de Ricino (medicinal e industrial)
Água Branca
Óleo de Coco (comestível e industrial)
Tortas de Sementes
Água Branca
Sabões
Água Branca
Sabonetes
Água Branca
Perfumaria
Água Branca
K.I.D. (inseticida)
Água Branca
Serraria
Água Branca
Pregos
Água Branca
Fundição
Água Branca
Oficina Mecânica
Água Branca
Laboratório Químico
Água Branca
Almoxarifado Geral
Água Branca
Fonte: Couto (2004)
2.000 tons.
160.000 caixas
5.000 tons.
50.000 caixas
450.000 sacos
12.000 tons.
12.000 tons.
375.000 sacos
4.800 sacos
8.200.000 litros
300.000 caixas
500 tons.
2.000 tons.
16.000 tons.
42.000 tons.
20.000 tons.
500.000 dúzias
750.000 caixas
1.200 tons.
500 tons.
-
No entanto, apesar de toda a expansão industrial, talvez o principal ícone desta
fase tenha sido a conclusão das obras do novo edifício sede do escritório central, que
integrou as atividades administrativas da organização. A ideia havia sido lançada por
Chiquinho em 1934, pois a sede de três andares já estava superada. O objetivo era
89
erguer um novo arranha céu na região do Vale do Anhangabaú onde o grupo tinha um
prédio. Todavia, o mesmo estava alugado para o magnata da comunicação Assis
Chateaubriand que ainda tinha três anos de contrato de aluguel e dificultou a
desocupação do imóvel, tornando a negociação extremamente custosa para os
Matarazzo. Não bastasse a negociação com o antigo inquilino, o novo edifício que
atualmente é sede da Prefeitura de São Paulo, foi erguido com todo o luxo e pompa,
conforme descrição de COUTO2 (2004, p. 316):
“Monumental e sóbrio, simbolizava e ostentava a opulência da
Matarazzo. O mais luxuoso da cidade, localizado na nata do polo
comercial, é revestido de 170 mil placas de mármore. [...] Tem jardim
suspenso no 14° andar, com rica variedade de plantas. [...] Recebe
confortavelmente a administração central das IRFM. Inclusive a casa
bancária do grupo, no andar térreo. A diretoria e a sala do trono
funcionam no quinto andar”.
Mas se as décadas de 1930 e 1940 foram de grande crescimento para a IRFM,
de onde provinham os recursos financeiros para a realização desses investimentos?
De acordo com Dean (1971, p. 182), o reinvestimento dos lucros parece ter
proporcionado todo capital necessário para o desenvolvimento da organização nas
décadas de 30 e 40 já que a IRFM não pôde contar com empréstimos do Governo.
Segundo Reiss (1980, p. 107), o período da Segunda Guerra Mundial também
ficou marcado pela forte expansão do braço têxtil do grupo. A Matarazzo já era a maior
indústria têxtil do Brasil e as fábricas relacionadas ao setor correspondiam à metade
da produção industrial da IRFM - 51% em 1942, ante uma participação de 39% em
1939. Dessa forma, aproveitando a oportunidade aberta pela redução do nível de
produção do mundo, o grupo aumentou sua taxa de exportação consideravelmente,
enviando produtos têxteis principalmente para EUA e Argentina. Assim, entre 1943 e
1944, as vendas para o exterior corresponderam a algo entre 15% e 20% do
faturamento do grupo, (REISS, 1980, p. 108).
Em 1941, inaugura a fábrica de papel celofane Celosul no recém-inaugurado
Núcleo Industrial Ermelino Matarazzo, erguido nos arredores da cidade de São Paulo.
Para isso, como toda a Europa estava em guerra e o maquinário necessário para a
operação era importado, Chiquinho contratou um técnico francês para desenhar as
máquinas e fabricá-las aqui (MATARAZZO, 1982, p. 115).
Ainda, com o intuito de reduzir a dependência das máquinas produtivas
importadas da Europa, a Matarazzo aprimora sua oficina para montar as máquinas
internamente (RELATÓRIO ANUAL, 1943). Na Revista Síntese (1949), verifica-se a
produção de diversos itens para abastecer as empresas do grupo, principalmente para
90
as fábricas químicas: vaporizador a vácuo para indústrias químicas; mexedor de ferro
fundido para produtos químicos, com 2,8 toneladas; retortas de ferro fundido com 4,5
toneladas para fabricação de sulfureto de carbono; e até hélices de bronze e ferro
fundido para os navios.
A intenção de desenvolver a indústria química também se daria através da
formação de pessoal qualificado e em projetos de pesquisa. Em 1944, foi montado um
Laboratório Central, conectado aos laboratórios de diversas fábricas para atuar, entre
outras frentes, na preparação de químicos-pesquisadores (RELATÓRIO ANUAL,
1944).
Apesar do forte crescimento apresentado desde a crise de 1929, o relatório
anual de 1944 também destaca a limitação do mercado interno e faz uma relação
dessa situação com a diversificação do grupo:
“A limitada amplitude do mercado interno, punha, infelizmente,
limites estreitos ao desenvolvimento de cada uma das nossas
fábricas, impedindo-nos de dar curso a programas de larga
produção. Daí o caráter multiforme da nossa atividade que,
indubitavelmente, teria dado resultados bem mais amplos na
formação do complexo do nosso aparelhamento econômico se
o mercado interno tivesse comportado o desenvolvimento de
nossa atividade produtiva em um número menor de setores ou
em um único setor.”
Para Reis (1980, p. 111), apesar da instalação de grandes plantas industriais
não é possível identificar na IRFM a existência de uma base tecnológica própria.
Assim, o autor propõe que a expansão do grupo se deu através de uma rede
comercial robusta, na qual havia oportunidades para expansão, integração vertical e
diversificação. Dessa forma, esse processo de integração acabou direcionando o
grupo para outros segmentos a partir da utilização de insumos básicos que eram
comuns a mais de uma indústria.
Vale ressaltar, também, que o intenso processo de crescimento e a
transformação do ambiente trouxeram novos desafios à nova gestão, conforme
destacado em livro comemorativo do grupo:
“O crescimento das empresas Matarazzo estava a exigir uma
readaptação dos serviços de apoio administrativo, para que se
ajustassem com eficiência às novas dimensões e à grande
diversificação que as atividades industriais assumiam a cada dia”
(MATARAZZO, 1982, p. 77).
A IRFM chegou ao fim da Segunda Guerra Mundial com uma trajetória de
grande crescimento, principalmente a partir da década de 1930. Em 1950, o grupo
91
tinha 37.000 funcionários. A evolução do capital social da companhia destacado na
tabela 5-3 também evidencia esse crescimento.
Tabela 5-3 - Evolução do capital social da Matarazzo (em milhões de cruzeiros)
Ano
Valor
% do PIB
1911
10,5
1942
100
1944
300
1947
600
1951
750
0,19%
0,16%
0,28%
0,34%
0,22%
Fonte: O Estado de São Paulo (1954) e Ipea Data (2014)
Durante a década de 1940, esse crescimento chegou a ser acompanhado de
acusações de crime contra a economia. Ao menos em duas ocasiões, a Matarazzo foi
acusada de estar retendo estoque de farinha e rayon, com o objetivo de forçar o
aumento dos preços dos produtos. No segundo caso, após uma interpretação de que
se tratava de artigo de luxo e não um bem essencial e de que a empresa não tinha
mais do que 30% da produção nacional, o grupo foi absolvido (ESTADÃO, 1946).
A partir do término do conflito mundial, a IRFM intensificou os investimentos
principalmente nas indústrias alimentícias e de vestuário.
Em 1945, entraram em
funcionamento as unidades de fabricação de fios e tecidos de lã e de juta e de
confecção de roupas. Além disso, a lista de gêneros alimentícios foi ampliada com o
início da produção de margarina, pasta de amendoim e biscoito (SAES & NOZOE,
2006).
Entre os investimentos realizados pela IRFM, destaca-se um plano de
expansão e modernização do complexo têxtil iniciado em 1945 e finalizado no início
dos anos 50. Muitos dos novos teares automáticos foram montados pela própria
Oficina Mecânica e Fundição da Matarazzo (RELATÓRIO ANUAL 1945).
Como resultado desse programa, em 1952 a empresa havia realizado os
seguintes avanços, utilizando uma base 100 no ano de 1939:
I.
II.
III.
Produção de fiações - 615;
Produção de tecelagens - 144; e
Total de empregados nos dois setores - 95.
O Relatório Anual de 1947 destacou a ampliação dos investimentos e
aperfeiçoamento das unidades produtivas.
“A linha mestra da política econômico-comercial do nosso grupo tem
sido e continua sendo a redução dos custos através do aumento das
produções e o aperfeiçoamento dos sistemas de fabricação:
Máquinas obsoletas são constantemente eliminadas e novos
processos mais eficientes são adotados”.
92
Entre os principais investimentos em novas unidades, destaca-se: A
inauguração de duas novas tecelagens de algodão em Bauru e Ribeirão Preto (1946),
mesmo ano em que criou a Fiação Lydia, instalada em São Paulo e que foi pioneira no
trabalho com algodão de fibras longas e fios especiais.
Além disso, a IRFM firmou um acordo com firmas inglesas para aplicação
exclusiva no Brasil de um novo processo produtivo denominado de "Nelson" para
fiação contínua de rayon. Assim, se tornou a primeira empresa brasileira e uma das
pioneiras do mundo na instalação deste processo (RELATÓRIO ANUAL 1949).
Ao mesmo tempo em que buscava modernizar e expandir a produção do setor
mais importante para o grupo, a IRFM enfrentava novos concorrentes que começavam
a ampliar a sua presença no país. Respondendo a essa competição, a Matarazzo
realizou um movimento de descentralização de algumas atividades ainda na década
de 1940. A primeira foi a Tecelagem Brasileira de Seda, desmembrada em três
unidades durante o ano de 1946 e que passaram a operar em plantas diferentes nas
cidades de Campinas, Rio Claro e Ribeirão Preto (MATARAZZO, 1982, p. 123).
Apesar das iniciativas de descentralização, o comando do grupo ficava
concentrado entre o Conde Chiquinho e seu primo Ferdinando, o seu braço direito na
época. Ambos eram diretores de várias das unidades da IRFM, exigindo uma
participação constante em uma grande diversidade de negócios. Anúncios de
assembleias com acionistas publicados no jornal Estadão, em 1954, mostram, por
exemplo, que no dia 31 de agosto daquele ano, os dois diretores precisaram enfrentar
a seguinte sequencia de assembleias:
a)
b)
c)
d)
10 hs - IME
11 hs - Santa Celina
14 hs- Salina
16 hs - IRFM
Logo após a Guerra, Chiquinho também se lançou no ramo de comunicação,
ao adquirir 50% das ações do grupo Folha (MATARAZZO, 1982, p. 130),
possivelmente buscando ter um canal para rebater os ataques do magnata da mídia
Assis Chateaubriand, que havia se tornado um inimigo pessoal desde o episódio
envolvendo a construção da nova sede do grupo. Todavia, o negócio durou apenas
um ano, com Chiquinho se retirando da sociedade após desentendimentos na
condução dos negócios.
No entanto, apesar dos novos investimentos, as décadas seguintes foram para
a Matarazzo bem diferente dos anos anteriores. Isto porque já a partir do início da
década de 1950, em consequência da internacionalização da economia e a chegada
de novos competidores, a IRFM começou a enfrentar um longo período de declínio.
93
De acordo com Reiss, (1980, p. 196), a Matarazzo enfrentou grandes
dificuldades em lidar com os novos desafios do ambiente industrial. A organização
enfrentou competidores mais bem preparados em vários segmentos que afetaram o
grupo como um todo. Ou seja, para o autor, a grande diversificação da Matarazzo não
impediu a diluição dos efeitos negativos de uma competição mais intensa. Na indústria
de alimentos, por exemplo, firmas estrangeiras introduziram produtos diferenciados e
com mais eficiência em custos. Além disso, o surgimento de supermercados alterou
toda a dinâmica de distribuição do setor, exigindo a produção em volumes maiores e
campanhas publicitárias agressivas para o suporte nas vendas. Na indústria têxtil, por
sua vez, o algodão passou a concorrer com tecidos sintéticos fabricados por grandes
empresas estrangeiras, além de passar a ter sua cotação atrelada ao mercado
internacional, aumentando a complexidade do setor.
O livro comemorativo da Matarazzo (1982, p. 151) destaca as dificuldades da
empresa durante essa fase, corroborando as ideias de Reis.
“Atuando em quase todos os setores do mercado, em função de uma
diversificação tornada necessária no passado, devido às limitações
de cada um dos mercados, as IRFM não têm condições de
acompanhar a grande expansão do consumo. Cada uma de suas
unidades passa, em consequência, a ser secundária no mercado em
que atua e a segmentação que ocorre na comercialização diminui
muito a importância do nome comum.”
Segundo Reiss (1980, p. 199), a presença dos novos competidores forçou o
fechamento de muitas instalações fabris, a realocação de outras, a absorção de custos
de produção mais altos, a introdução de linhas de produto complementares e a
integração vertical em uma tentativa anárquica de lidar com a decomposição de sua
base de recursos.
Conforme já apresentado na descrição do ambiente, os setores tradicionais
foram os mais afetados pela chegada de empresas estrangeiras e o acirramento da
competição. Na indústria de beneficiamento de algodão, por exemplo, a Matarazzo
que em 1933 ficava apenas atrás da Votorantim em volume de produção, viu a
americana Anderson, Clayton e Cia e a argentina Bunge y Born mudarem essa
configuração já a partir da década de 1930. Assim, em 1951 a empresa tinha 10% do
mercado enquanto as multinacionais lideravam com 20% do volume de produção cada
uma (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1952).
Apesar da tentativa do grupo em fortalecer sua posição competitiva nos setores
têxtil e alimentício, os resultados negativos começaram a aparecer. O desempenho
94
financeiro daqueles anos foi citado no livro comemorativo da empresa (MATARAZZO,
1982, p. 148):
“Apesar de seus resultados positivos nos balanços, a empresa já
operava com baixo nível de lucratividade, cercada por competidores
cada vez mais agressivos em setores especializados [...] Promoção
de vendas, propaganda e marketing são setores que as empresas
estrangeiras trazem ao Brasil num nível de sofisticação e
desenvolvimento aqui desconhecidos”.
Como consequência do surgimento dos primeiros resultados negativos, o grupo
Matarazzo passou por grandes mudanças que envolveram iniciativas de expansão,
mas também, de retração da organização. Por um lado, a IRFM realizou uma série de
desinvestimentos e fechamento de fábricas. Reiss (1980, p. 200) destaca o
encerramento das seguintes operações: usinas de açúcar (1953); fábricas de pregos e
de conservas (1957); usina de álcool e fábrica de pães (1959); fábricas de desinfetante
e de esponjas (1962); fábrica de manteiga de amendoim (1963); frigorífico (1964); e
fábricas de cerâmicas (1964/1968). Com essa redução, o almoxarifado central
localizado em São Paulo também foi extinto (RELATÓRIO ANUAL, 1959).
Por outro lado, a IRFM continuou buscando o processo de integração vertical,
absorvendo novas linhas de produtos em mercados que considerava promissores. A
ressalva é que nessa nova fase a IRFM passou a desenvolver parcerias
(principalmente
com
empresas
estrangeiras)
para
a
viabilização
desses
empreendimentos. Entre esses acordos, destaca-se a joint venture realizada com um
grupo francês para a adoção de novidades no segmento de tecidos de alta qualidade.
Ainda, para se destacar no segmento, a Matarazzo começa a participar, apoiar e
divulgar desfiles de moda em São Paulo. Em 1956, por exemplo, organizou o Festival
da Moda que ocorreu no Parque do Ibirapuera (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1956).
Além disso, com o objetivo de aumentar o uso dos produtos clorados, a IRFM
desenvolveu um estudo para instalar uma fábrica de resinas plásticas vinilica (PVC).
Assim, entrou como sócio minoritário com a empresa americana BF Goodrich
Chemical Company, formando a Geon do Brasil, para a fabricação do composto
(RELATÓRIO ANUAL 1955).
Outros acordos foram realizados em 1959. Um deles envolveu uma joint
venture com a Dow Chemical para criar a Cloroquim SA com a proposta de produzir
tetracloreto de carbono – a unidade teria suas atividades encerradas dez anos depois.
Além desta, foi realizada outra parceria com a Union Carbide International para formar
a Visking do Brasil, que iria realizar acabamentos de invólucros sintéticos para carnes
ensacadas (RELATÓRIO ANUAL, 1959).
95
Assim, em virtude das dificuldades enfrentadas e pretendendo manter sua
política de crescimento, a Matarazzo enfatizou a necessidade de reter lucros para
reinvestir nos seus negócios, conforme é apontado no Relatório Anual de 1955:
“Hoje, mais do que no passado, cumpre às empresas capitalizar
lucros, formar poupança destinada a incrementar a produção.”
No entanto, com a redução da lucratividade, a IRFM decidiu realizar o aumento
de capital de 3,2 para 4,8 bilhões de cruzeiros, mediante a emissão de 320 mil ações
preferenciais. De acordo com comunicado do grupo publicado no jornal O Estado de
São Paulo (1960), as vantagens para os acionistas eram:
1. Dividendo fixo e cumulativo de 12% ao ano pago semestralmente, acrescido
da bonificação anual mínima de 5%, que garante às ações preferenciais uma
remuneração mínima de 17% ao ano e a qual poderá ser posteriormente
beneficiada por deliberação da Assembleia Geral Ordinária tendo em conta, em
parte, eventual encarecimento do custo de vida; e
2. Possibilidade de conversão, por sorteio, de até 50% das ações preferenciais
em ações ordinárias a partir de 1967.
Foi durante a conturbada década de 1950 que o Conde Chiquinho passou a
contar com o apoio de dois dos seus cinco filhos na gestão do grupo. Em 1954,
Ermelino e Eduardo já eram diretores da Fazenda Amália e, também, da IRFM,
estando logo abaixo do presidente na hierarquia. Assim, com a chegada da nova
geração, Ferdinando, o antigo braço direito do Conde, deixa suas atividades na
direção da IRFM. O entrevistado 1 apresentou maiores detalhes sobre o comando do
grupo na época:
“Dom Ferdinando foi companheiro dele durante os primeiros anos em
que ele dirigiu a empresa. Era primo dele, filho do Andrea Matarazzo,
metalúrgico que entrou como parte da divisão da firma. Então, esse
Ferdinando ficou só nos primeiros anos, depois se afastou. E ele era
o braço direito do Conde. Aí o Conde ficou sozinho. Foi quando ele
colocou o Ermelino. O Ermelino substituiu o Ferdinando. Depois veio
o Eduardo. Aí ficou Conde Chiquinho, Ermelino e Eduardo como
direção geral, só. E por baixo deles, tinha diretores, comerciais,
tesoureiros, pessoas. Inclusive, tinha José Matarazzo que era o
famoso Dom Pepino, que era um diretor também. Mas já era uma
linha mais baixo um pouquinho. No prédio ele ouvia, como ele ouvia a
mim. Muitas vezes eu era chamado para opinar sobre uma fábrica,
sobre um diretor, sobre uma tomada de decisão de um produto.
Muitas vezes eu era ouvido. Como eram ouvidas outras pessoas,
naturalmente. Mas isso é quando ele estava lá. Quando ele estava
em Amália, ele já vinha munido de uma ideia. E ali ele amadurecia,
pensava, refletia e decidia.”
96
Mesmo em meio a uma situação de acentuação da competição, a IRFM decidiu
reduzir a carga horária de seus funcionários. Assim, pela primeira vez a direção
passou a conceder o sábado livre para todos os funcionários do escritório central.
Além disso, introduziu o "sábado inglês" (trabalho até o meio dia) nos escritórios e
fábricas, com revezamentos exigidos pelas necessidades técnicas e de produção
(RELATÓRIO ANUAL 1954).
Outro fator de destaque no período foi o investimento em usinas termoelétricas
com o intuito de contornar a escassez de energia no país. Com isso, o grupo
conseguiu atingir um nível de geração de 56% de toda a sua energia consumida
(RELATÓRIO ANUAL, 1953).
Outra estratégia buscada pela IRFM diante das dificuldades da concorrência no
mercado interno foi a busca por oportunidades de exportar parte da produção que não
era mais consumida no país, conforme explanado no Relatório Anual (1965):
“As mesmas potencialidades do nosso mercado interno podem, de
qualquer forma, tornar-se uma armadilha, aumentando a nossa
dependência da importação de bens industriais ou de outra natureza,
devido a níveis altos de produção e despesas de consumo, em
prejuízo das buscas de novas saídas para a exportação. Temos que
achar mercados no exterior, e mais ativamente, agora que no
passado. [...] Isto, por sua vez, exige maior atenção, no
desenvolvimento de novos produtos, na qualidade dos mesmos, e
eficiência da produção”.
Justamente com o objetivo de ampliar sua participação no mercado
internacional, a Matarazzo fez uma aquisição em Barranquilla, Colômbia, de uma
indústria têxtil completa, inclusive com rede comercial própria distribuída pelo país com
filiais em Bogotá, Cali, Medellín, Pereira e Letícia. Era a Companhia Industrial
Colombiana Marisol (ENTREVISTADO 1).
Apesar das iniciativas, a organização parece não ter conseguido compreender
as mudanças no ambiente competitivo e, assim, manteve a mesma dinâmica de
crescimento que havia sido bem sucedida décadas antes, conforme é destacado por
Reiss (1980, p. 202):
“Muitos desses mercados foram de fato promissores quando o grupo
entrou neles pela primeira vez, mas dificilmente eles podem continuar
a serem considerados dessa forma nos anos de 1970. Principalmente
porque em nenhum deles a IRFM comprometeu investimentos
grandes o bastante para tomar uma posição de liderança no mercado
ou reorientar significativamente o seu crescimento prévio”.
Um dos negócios onde é possível destacar esta dinâmica de crescimento é o
de alimentos e bens de consumo. Com a chegada dos supermercados no Brasil nos
97
anos de 1950, a Matarazzo decidiu transformar suas unidades de abastecimento
exclusivas para funcionários no novo modelo de varejo durante os anos de 1960. Os
postos de abastecimento eram montados junto às fábricas para atender os operários
que faziam as suas compras e tinham os valores descontados do salário
(ENTREVISTADO 1).
Assim, a IRFM criou a rede Superbom, abrindo lojas em São Paulo e outras
cidades, atingindo, em 1971, a marca de dezoito unidades. Para o grupo, o principal
objetivo era continuar mantendo o controle sobre grande parte da cadeia, além de ter
um canal de distribuição próprio para os seus produtos. Essa estratégia é evidenciada
nas palavras de Ermelino Matarazzo em entrevista realizada em 1971:
“Nós planejamos expandir ainda mais, pois este é um negócio muito
interessante para o grupo, no qual é possível entrar com uma série de
produtos próprios [...]. Daqui em diante, é só uma questão de abrir
mais lojas” (REISS, 1980, p. 203).
A Matarazzo ainda iria expandir a rede, seguindo os planos de Ermelino. Em
1975, foi inaugurado o Supercenter Superbom na Água Branca, um centro de compras
com 48.000 m2 de área total e com estacionamento para 2.150 carros. Além do próprio
supermercado, a unidade contava com espaços para aluguéis de lojas. O local vendia
de alimentos a roupas e eletrodomésticos e tinha um sistema de crediário próprio, o
Credibom. Além disso, oferecia um serviço automotivo completo enquanto os clientes
faziam compras: troca de pneus, balanceamento, alinhamento (O ESTADO DE SÃO
PAULO, 1975). No mesmo ano, outro supercenter ainda seria aberto em São José dos
Campos. No ano seguinte, o Superbom chegaria a 25 unidades.
Entretanto, devido à grande competição e aos conflitos de canais que se
tornaram mais relevantes, a IRFM não conseguiu manter as margens e o ritmo de
crescimento planejado. Assim, em 1978, as unidades do Superbom foram vendidas
para o grupo Pão de Açúcar, com exceção do supercenter de Água Branca (REISS,
1980, p. 203). Como resultado da operação, Abílio Diniz chegou a fazer parte do
Conselho de Administração da IRFM na época.
No início da década de 1970, a Matarazzo já passava por uma situação
delicada, tendo obtido três anos seguidos de prejuízo entre 1967 e 1969. De acordo
com a empresa, os resultados negativos eram consequência da adoção, por parte da
empresa, da Portaria 71, criada pelo governo com o objetivo de estimular empresas a
não reajustar os preços e, assim, contribuir para frear a inflação (RELATÓRIO ANUAL
1969).
98
Foi nesse período, também, que a Matarazzo intensificou os investimentos no
Nordeste através dos incentivos SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste).
A Companhia Paraíba de Cimento Portland - Cimepar, por exemplo,
lançou um plano de expansão da produção de 400 para 1.400 toneladas diárias, com
o volume excedente produzido sob o método de via seca, mais moderno. Além disso,
criou a Polynor para a fabricação de poliéster e fibra sintética com o fornecimento de
tecnologia por uma empresa japonesa.
Todavia, como não mais dispunha do capital necessário para financiar projetos
dessa magnitude, começou a buscar novos sócios para esses empreendimentos. Para
obter recursos, além de conseguir um financiamento pela SUDENE, realizou
subscrição de ações preferenciais com direito a dividendo fixo de 12% ao ano, além de
títulos de dívida com juros de 12% ao ano e reembolso em um prazo de cinco anos. O
trecho a seguir destaca a chamada de investimentos feita pelo grupo no jornal O
Estado de São Paulo (1971):
“Se você soubesse que Matarazzo estava começando a fazer fortuna,
você se juntaria a ele? Então, está em tempo. Depois de formar, em
quase um século de atividades, o maior grupo de empresas
totalmente nacionais, Matarazzo está investindo no Nordeste. A
explicação é simples. Por ser a região que mais cresce no Brasil, o
Nordeste é o melhor negócio do momento. Essa nova história do
Grupo Matarazzo já tem 22 anos. Foi quando ele implantou no
Nordeste a Cimepar – Companhia Paraíba de Cimento Portland. E
todos os que participaram do projeto, junto com Matarazzo, estão
tendo lucros. Vai daí, o Grupo Matarazzo partiu para outro projeto,
ainda mais arrojado: Polynor, um gigantesco parque industrial de fios
sintéticos que está sendo construído em João Pessoa. Com todas as
condições para dominar o mercado, na região que mais precisa de
fibra no país. Localização ótima, facilidade de transporte e
comunicação. Abundância de energia elétrica. Excelente mão de
obra. Para realizar o projeto Polynor, num investimento de 112
milhões de cruzeiros, é que Matarazzo precisa de sócios. Você está
convocado. Aplique os incentivos fiscais de sua empresa na área da
Sudene. E opte Cimepar ou Polynor. Olhe para o passado da
Matarazzo. E veja seu futuro” (ESTADÃO, 1971).
Além da obtenção de financiamentos e subscrição de ações, a organização
buscou novas fontes de captação de recursos incluindo a venda de empresas, além de
equipamentos, sucata, terrenos e prédios. Entretanto, como havia poucas empresas
lucrativas, essas vendas não foram suficientes para equilibrar as finanças do grupo,
deixando a empresa extremamente endividada (REISS, 1980, p. 208). Entre os
desinvestimentos realizados no período, o mais impactante foi a venda do edifício
sede do grupo em 1972, pelo valor de 73 milhões de cruzeiros (ESTADÃO, 1972). O
Entrevistado 1, que estava no grupo nesse período, apresentou o seu relato:
99
“O prédio Matarazzo só foi vendido porque o Matarazzo estava
endividado até a cabeça, na época. E o Estado pressionava. Uma
das pressões era que ele vendesse tudo aquilo que não era produtivo
ou economicamente favorável. Por isso que eu dei risada quando eu
falava em fábrica de pregos, fábrica de velas, gesso, etc. Porque tudo
isso era fruto daquela ideia inicial de ser autossuficiente. Mas que não
se justificava mais na época. Então, a fábrica de gesso não dava
lucro. A fábrica de velas não dava lucro. Mas obrigava a ter um
controle, uma despesa. E o prédio Matarazzo era chamado de
fantasma. Porque era muita coisa. Era muita despesa, para quem
está muito endividado.”
Durante esse período de turbulência, o Conde Chiquinho também lançou mão
de iniciativas para reestruturar a gestão da organização. Dessa forma, inicialmente
buscou centralizar questões técnicas e comerciais criando grupos de controle
específicos para as diferentes linhas funcionais do grupo.
Para aumentar a centralização das informações, em 1963, foi instalado no
prédio do escritório central um sistema de computador IBM 1401 com memória de
discos e unidades de fitas magnéticas, destinados à tarefa de executar serviços
administrativos contábeis (RELATÓRIO ANUAL 1963).
Ainda, com o intuito de alterar a estrutura administrativa da organização,
Chiquinho contratou a consultoria Delloite, em 1967, que propôs uma nova estrutura
divisional descentralizada que, de acordo com REISS (1980, p. 206), nunca chegou a
se enraizar completamente, conforme seu relato apresentado:
“Mesmo que todos os novos investimentos realizados pela Matarazzo
durante esse período fossem bem sucedidos, o que provavelmente
não é o caso, o fato principal é que a organização não modificou
substancialmente o seu perfil de acordo com as novas condições
dominantes da economia” (REISS 1980, p. 204).
Vale ressaltar, no entanto, que a reestruturação não deixou de trazer ganhos
para a organização. Um faturamento, por exemplo, demorava em média oito dias para
ser realizado antes da descentralização. Após a iniciativa, o tempo para efetuar o
processo foi reduzido pela metade (EXAME, 1972).
A intenção de implantar um modelo descentralizado já se mostrava aparente no
Relatório Anual de 1965, no qual em um trecho destacado a seguir, constata-se uma
crítica ao método de gestão da União Soviética:
“A tendência de descentralização, cuja execução presentemente se
nota na comunidade soviética, e a mesma eliminação de Nikita
Krushchev, são indícios eloquentes da incapacidade da agricultura e
indústria russa, encalhada devido às programações rígidas e
centralizadas.”
100
O projeto de consultoria ainda gerou um novo sistema de remuneração por
desempenho, no qual os funcionários tinham que atender metas específicas de
produtividade. Esses incentivos poderiam atingir até 45% do salário base (EXAME,
1972).
Em 1976, a reforma da estrutura de gestão é finalizada com a criação de um
Conselho de Administração e uma Diretoria Executiva que tinha o Conde Chiquinho na
presidência e um superintende logo abaixo dele. Este posto foi ocupado por Sérgio
Batista Zacarelli que era Diretor da FEA/USP e foi contratado para assumir o cargo.
Subordinados a ele, estavam três diretores que já tinham carreira na Matarazzo, sendo
que Renato Salles era marido de Maria Pia, filha de Chiquinho. A figura 5-4 apresenta
essa configuração. Como é possível perceber, Ermelino e Eduardo não faziam mais
parte da direção, pois tinham sido afastados do grupo pelo Conde Chiquinho.
Paralelamente à reestruturação do organograma do grupo, também se
importou novas tecnologias, além de técnicos e gestores para tentar recuperar as
unidades do grupo. Raymond Baxter, químico inglês que chegou à IRFM em 1968 fez
o seu relato sobre a situação em uma entrevista para a Exame (1972):
“Eu vi o esforço que eles fizeram, comprando tecnologia em todo o
mundo e colocando gente jovem em fábricas doentes”.
Figura 5-2 – Estrutura da Diretoria Executiva em 1976
Francisco
Matarazzo Jr
Presidente
Sérgio Baptista
Zaccarelli
Diretor Superintendente
Milton Getúlio da
Cunha
Antônio de Abreu
Coutinho
Diretor
Diretor Financeiro
Renato Salles
Cruz
Diretor
Fonte: Vilela e Rodrigues (2013)
Em 1969, com a proposta de profissionalizar a gestão, Francisco Jr. contratou
um especialista de marketing da Procter & Gamble, para assessorá-lo por um período
de três anos, por um salário mensal de US$ 5 mil. Por dois anos, o cubano Rene
Picard enfrentou a estrutura conservadora das empresas. Numa luta muito difícil
101
contra a máquina administrativa do grupo (os homens de confiança temiam as suas
decisões e retardavam as execuções), pouco pode fazer (REVISTA DE ECONOMIA E
NEGÓCIOS, 1972). O entrevistado 1, que foi convidado pelo Conde para ocupar um
cargo de chefia nessa mesma época e recusou, relatou o porque de sua decisão,
corroborando as dificuldades enfrentadas por Picard:
“Porque a podridão era muito grande. E eu sabia que aquele seria o
meu túmulo. Que eu ia morrer ali do coração. Que eu ia querer fazer
o que eu fiz em todas as unidades. Consertar. E ali seria muito difícil.
Atrás da sujeira estavam os filhos, o tio, o genro, os parentes. E eu
não ia conseguir. Eu ia morrer. Eu sabia que eu estava assinando a
minha carta de demissão. Porque nunca ninguém se atreveu a
desobedecer o Conde. Eu passei o meu cargo para o meu substituto.”
O entrevistado 1 também relatou a importância dada por Chiquinho à
contratação de técnicos estrangeiros:
“Ele importava muitos técnicos estrangeiros. Era a preferência dele.
Então, o melhor usineiro do Peru, ele trazia para o Brasil. O melhor
diretor têxtil, ele trazia da Inglaterra. E assim por diante. Ele nunca ia
procurar um dos melhores. O melhor. E pagava. Mas pagava de uma
maneira brutal”.
A década de 1970 também demarca a segunda transição no comando da
IRFM. Chiquinho Matarazzo, assim como o seu pai havia feito quase meio século
antes, definiu um único herdeiro para comandar de forma centralizada as atividades da
organização. A escolhida foi sua filha mais nova, Maria Pia. (REISS, 1980, p. 214).
O primeiro testamento que já apontava Maria Pia como sucessora datava de
1954, quando ela tinha apena doze anos de idade (MATARAZZO, 1982, p. 160).
Todavia, mesmo com a escolha sendo feita com grande antecedência, assim como
ocorreu no primeiro processo, os outros filhos ficaram insatisfeitos. Ermelino e
Eduardo entraram na justiça reivindicando seus direitos, mas perderam em decisão
judicial no ano seguinte e acabaram entrando em acordo com a irmã (VEJA, 1983)
Nas palavras do entrevistado 1 que trabalhou no grupo até 1974, Maria Pia era
a menos preparada para assumir o comando do grupo. A própria herdeira do império
afirmaria mais tarde que não foi devidamente preparada para ocupar a posição:
“Fui treinada para ser mulher de alguém, não para ser o que sou. O
homem tem outro tipo de preocupação. Acho o homem, também,
fisicamente mais forte, ele se cansa menos” (O ESTADO DE SÃO
PAULO, p. 81).
Maria Pia começou a trabalhar no grupo apenas em 1976, primeiro nas
divisões têxteis e, depois, nas áreas de propaganda e marketing, sua verdadeira
102
especialidade (ESTADÃO, 1983). A situação enfrentada por ela não seria fácil, como é
possível perceber em um relatório redigido pelo BNDES, após uma avaliação técnica
realizada na organização:
“Quando do falecimento do conde, a situação era caótica. As
avaliações de situações e decisões vinham sendo tomadas com base
na sensibilidade do Conde, cujos padrões de referência, como é
compreensível, revelavam-se absolutamente inadequados às
condições econômico-financeiras e sociais do Brasil dos anos 60 e
70, principalmente” (VEJA, 1983).
O primeiro direcionamento de Maria Pia foi de que a Matarazzo deveria
profissionalizar-se e estruturar-se, deixando de ser uma empresa familiar (ESTADÃO,
1981). Além disso, decidiu direcionar o grupo para as atividades fabris, principalmente
para o setor de alimentos. Assim, foram vendidas diversas atividades comerciais e,
também o Banco Matarazzo que em 1977 contava com apenas uma sucursal.
Em 1978, realizou uma joint venture com a americana Hershey Foods com o
objetivo de reorganizar o seu sistema de produção e distribuição de alimentos. Como
resultado, a empresa recebeu know how e capital para fortalecer o seu negócio
(REISS, 1980, p. 215).
Em 1979, uma ideia que acompanhava o Conde Chiquinho desde o início da
década finalmente foi colocada em prática: a transformação da IRFM em uma holding,
agrupando as unidades do grupo em empresas de acordo com as suas similaridades.
A tabela 5-4 apresenta o resultado dessa nova configuração.
Mesmo com essas iniciativas, entre 1980 e 1981, o grupo apresentou prejuízo.
Em 1982, por sua vez, o faturamento da IRFM foi de 56,5 bilhões de cruzeiros e o
lucro líquido atingiu 2,4 bilhões. Por outro lado, algumas unidades começavam a
enfrentar atrasos de salários e greve de funcionários.
Para recuperar parte das perdas e melhorar a saúde financeira da organização,
a Matarazzo continuou vendendo empresas. Entre elas estavam: A fábrica de café
solúvel instalada em joint venture com uma empresa americana; a Portland Cimepar,
considerada a melhor das empresas do conglomerado; a fabricante de biscoitos
Petybon que tinha participação da Hershey Foods; a Companhia de Navegação
Matarazzo; e a fabricante de plásticos Plastvil (VEJA, 1983).
103
Tabela 5-4 - Divisão da Matarazzo em Empresas
Valor do
ativo fixo
reavaliado
(Cr$ mil)
Previsão
de
vendas
em 1980
(Cr$ mil)
501.673
3.229.811
630.311
2.448.708
1.233.971
4.233.402
Fábrica de Cimento – Morretes (RS)
161.778
428.811
Fábrica de Azulejos Cláudia – São Caetano do
Sul
171.817
628.667
Diversas Fazendas
722.447
32.739
Fábrica de Soda – São Caetano do Sul (SP)
Oficina Mecânica – São Caetano do Sul (SP)
340.965
982.328
Fábrica de Nylon – São José dos Campos (SP)
497.013
1.061.942
63.124
238.394
207.507
2.795.365
Novas
empresas
Indústrias
Matarazzo de
Óleos e
Derivados SA
Indústrias
Matarazzo de
Papéis AS
Indústrias
Matarazzo de
Embalagens
Indústrias
Matarazzo de
Cimento e
Mineração SA
Indústrias de
Artefatos de
Cerâmica SA
Florestal
Matarazzo AS
Indústrias
Químicas
Matarazzo SA
Indústrias
Matarazzo de
Fibras
Sintéticas
Indústrias
Matarazzo de
Óleos do
Nordeste
Indústrias
Matarazzo de
Alimentos SA
Unidades
Descaroçador – Votuporanga (SP)
Fábrica de Óleos e Derivados – Rancharia (SP)
Descaroçador – Rancharia (SP)
Fábrica de Óleos e Derivados – Campinas (SP)
Fábrica de Óleos e Derivados – Umuarama (PR)
Descaroçador – Presidente Wenceslau (SP)
Fábrica de Papéis Belenzinho – São Paulo (SP)
Fábrica de Celulose – São Caetano do Sul (SP)
Fábrica de Papéis – Santa Luzia (MG)
Fábrica de Papéis – Cataguases (MG)
Fábrica de Embalagens – Erm. Matarazzo (SP)
Fábrica Celosul – Ermelino Matarazzo (SP)
Fábrica de Papelão Mariângela – São Paulo (SP)
Fábrica de Papel Miolo – Fazenda Amália (SP)
Fábrica de Óleos – João Pessoa (PB)
Fábrica de Óleos e Derivados – São Paulo (SP)
Moinho de Trigo do Brás – São Paulo (SP)
Fonte: Relatório Anual 1979
Apesar do forte movimento de venda de ativos e da deterioração nos
resultados da IRFM, Maria Pia, respondendo uma matéria na Revista Veja, negou
quaisquer dificuldades financeiras no grupo e ainda reafirmou o intuito de continuar
crescendo:
104
“Nas atuais e gerais dificuldades do país, o Grupo Matarazzo, um dos
mais representativos do capital nacional, inclui-se entre os que
melhores
condições
têm
para
resistir
às
investidas
desnacionalizantes que se iniciam invariavelmente, na faixa marginal
do mercado de escândalo, onde os traficantes da difamação
mercantilizam o abuso da liberdade de imprensa. É verdade que o
Grupo Matarazzo, um dos maiores complexos industriais do Brasil,
está empenhado em crescer com o país, em aumentar a produção,
em ampliar o mercado de empregos, em contribuir para a
redistribuição de rendas através do mais amplo processamento dos
variadíssimos recursos nacionais” (ESTADÃO, 1981).
Apesar de todos os desinvestimentos realizados que totalizaram 180 milhões
de dólares, a organização não conseguiu contornar o seu grave problema financeiro.
Assim, em 18 de julho de 1983, o grupo de onze empresas da IRFM que juntas
acumulavam uma dívida de 160 milhões de dólares (94 bilhões de cruzeiros) pede
concordata. Com um patrimônio de 80,7 bilhões de cruzeiros, o grupo tinha apenas um
quarto do tamanho da Votorantim, o maior conglomerado empresarial brasileiro da
época (VEJA, 1983).
No pedido, a IRFM propunha pagar os credores em duas parcelas, sendo dois
quintos do seu passivo no final do primeiro ano e o restante ao fim do segundo. A
concordata ainda permitiu a conversão da dívida estrangeira em moeda nacional com
juros de 12% ao ano e sem correção cambial (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1983).
O documento oficial da concordata incluiu uma série de acusações contra o
governo pela política que privilegiava o capital externo e pela falta de ajuda oficial,
embora os três maiores credores das empresas concordatárias fosses bancos
estatais: BNDES (32 bilhões de cruzeiros), Badesp (7,5 bilhões) e o Banco do Estado
de São Paulo (5,3 bilhões).
Para o economista Luciano Coutinho, além da dependência do mercado de
produtos tradicionais, cuja demanda estava diretamente ligada ao poder aquisitivo dos
salários mais baixos que ficavam cada vez mais achatados devido à situação
econômica do país, faltou também agilidade para escapar da recessão. Para Coutinho,
se não fossem as elevadas taxas de juro e a retração da demanda, o grupo talvez
tivesse tido condições de fazer uma reciclagem de sua estrutura. O pedido de
concordata havia sucedido uma maxidesvalorização do cruzeiro em 30%, ocorrida em
fevereiro daquele ano, e que teve um impacto muito forte sobre as empresas do grupo,
que tinham um volume elevado de dívidas em moeda estrangeira. O economista ainda
expôs que a situação que a Matarazzo chegou não difere muito das indústrias
tradicionais do setor têxtil do Nordeste, que faliram em massa no início dos anos 80.
As que sobreviveram, segundo Coutinho, detinham tecnologia moderna e exportavam
grande parcela de sua produção (ESTADÃO, 1983).
105
A tabela 5-5 apresenta como era a composição de receitas da IRFM nos anos
que precederam a concordata e logo após o pedido em 1983.
Tabela 5-5 Composição do Faturamento da IRFM por Setor (%)
Setores
80
81
82
83
Produtos de Consumo
31,5
35,3
29,2
7,7
Químico
10,2
8,2
13,0
17,4
Plásticos
16,4
10,6
9,7
6,8
Mineração
9,8
13,5
6,3
6,2
Papel e Celulose
7,1
6,7
12,1
17,3
Embalagens
10,1
11,5
18,1
27,9
Açúcar e Álcool
4,8
7,7
10,1
15,0
Serviços
1,3
1,2
1,5
1,7
8,8
5,3
0,0
0,0
Têxtil
Fonte: Relatório Anual 1983
O período que sucedeu a falência no início dos anos 80 foi extremamente
conturbado. Os irmãos de Maria Pia, que eram ex-diretores da IRFM, fizeram uma
série de ataques à gestão do grupo, conforme pode ser evidenciado em entrevista de
Ermelino à revista Veja (1983):
“Os problemas que levaram à concordata derivam da má gestão do
grupo [...] Basta conferir o currículo dos diretores do grupo para se
concluir sobre a qualidade da gestão”.
Em seu relato, Ermelino cita indiretamente o vice-presidente de coordenação
geral, o segundo cargo mais importante da organização e que desde 1978 era
ocupado pelo quarto marido de Maria Pia, Roberto Calmon de Barros Barreto, que era
ex-diretor do Unibanco.
Em 1985, tentando se recuperar, a IRFM realiza um grande investimento em
pessoal, principalmente na área comercial, "em que o grupo era fraco", de acordo com
o vice-presidente Roberto Calmon (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1985). No mesmo
ano, anuncia um novo plano de investimento na indústria de papel. A proposta era
aproveitar a infraestrutura de uma planta desativada localizada em São Roque, para
instalar uma unidade para fabricação de 200 toneladas/dia de CTMP (produto
intermediário entre a pasta mecânica e a celulose química). Tratava-se de um
investimento relativamente baixo em um projeto de tecnologia moderna (ESTADÃO,
1985).
106
Em 1987, a Matarazzo enfrentava grandes dificuldades para quitar as suas
dívidas. Por isso, o BNDES entrou com uma ação judicial contra a empresa para a
cobrança de duas prestações atrasadas, referente a um débito de Cz$ 4,7 bilhões.
Como resultado, o grupo registrou um prejuízo de Cz$ 7,2 bilhões no ano, sendo que
Cz$ 6,4 bilhões foram referentes ao pagamento da dívida (O ESTADO DE SÃO
PAULO, 1987).
Cinco anos depois do pedido de falência, em 1988, o grupo Matarazzo anuncia
a saída da concordata. De acordo com a direção da IRFM, o último passo foi dado
com o fechamento de um acordo para renegociação de uma dívida de
aproximadamente US$ 70 milhões com o Banco do Brasil (BB). O pagamento foi
prorrogado por um novo prazo de dez anos.
No entanto, o jornal Estadão ainda
ressaltava a existência de pendências com o BNDES que poderiam impedir a saída
definitiva da concordata (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1988).
O fechamento do processo de falência era um passo necessário para a IRFM
conseguir viabilizar um novo e grandioso empreendimento. Em 1986, o grupo havia se
unido à canadense Brascan com o objetivo de construir o maior Shopping Center da
América do Sul no complexo da Água Branca. O projeto ainda previa a construção de
um hotel e outros dez edifícios comerciais. Para viabilizar o plano, no entanto, a IRFM
deveria estar fora do processo de falência para conseguir captar mais recursos. Maria
Pia forneceu um panorama sobre as dívidas com o BB e o BNDES, além do novo
investimento:
“A parte operacional não consegue pagar essa dívida no todo,
apenas parte dela. Fizemos, inicialmente, uma desmobilização de
US$ 180 milhões. Mas eu aprendi a não vender a qualquer preço.
Todos sabiam que a Matarazzo estava endividada e ofereciam
valores abaixo do mercado pelas propriedades. Preferi, então, ficar
com o patrimônio e procurar outras saídas. Temos um terreno na
Água Branca, por exemplo, que poderíamos vender por US$ 30
milhões. Em vez de vendê-lo, contudo, tratamos de procurar uma
atividade para ele. [...] O Shopping deve ficar pronto em 1991. Nos
primeiros 12 anos, segundo a composição acertada, nós
receberemos 75% da receita para pagar a dívida com o Banco do
Brasil” (O ESTADO DE S. PAULO, 1989).
Vale ressaltar, ainda, que como diversos prédios do complexo eram tombados,
houve um grande imbróglio envolvendo a empresa e a prefeitura, que queria evitar a
demolição dos edifícios. Devido a esse problema e, também, pela questão da
necessidade de captação de recursos, a execução do projeto se arrastaria pelos anos
seguintes.
107
Assim, de maior grupo empresarial do país durante várias décadas, a
Matarazzo chegaria ao final da década de 1980 em uma situação muito diferente. Em
1989, teve um faturamento pouco superior a US$ 400 milhões, com um pequeno lucro
operacional. O patrimônio líquido era de US$ 600 milhões, incluindo a mansão na
Avenida Paulista, avaliada em US$ 100 milhões (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1990).
Em 1990, Maria Pia deixa a presidência do grupo, mantendo-se como
presidente do Conselho. Em seu lugar, assume Paulo Sérgio Portugal Graciano, que
havia sido vice-presidente da IRFM entre 1981 e 1986. No mesmo ano, as oito
principais empresas das vinte e nove do grupo entraram com um novo pedido de
concordata. Entre elas, estava Indústria Matarazzo de Embalagens, a principal
empresa, com 1.840 funcionários e um faturamento anual de US$ 100 milhões. Esse
novo pedido adiou a construção do shopping em Água Branca (ESTADÃO, 1990).
Em 1991, o Shopping West Plaza é inaugurado em frente ao complexo de
Água Branca, praticamente eliminando as possibilidades de a IRFM seguir em frente
com o seu projeto de construção do Shopping Matarazzo. Assim, passando por um
novo processo de falência e com possibilidades limitadas de levantar recursos, o
grupo vê a sua situação financeira se deteriorar rapidamente com dois anos seguidos
de prejuízo. Em 1991, o déficit atinge Cr$ 67 bilhões e, no ano seguinte, Cr$ 1,1 trilhão
(ESTADÃO, 1993).
Assim, em 1992, várias unidades da Matarazzo atrasam os pagamentos de
salários. Algumas, ainda, ficam paralisadas por falta de energia elétrica, cortadas por
atraso no pagamento. Entre elas, estava a Indústria Matarazzo de Papel, em
Cataguases (MG) e a Agro Industrial Amália. A situação se tornou tão caótica que, a
empresa não tinha dinheiro para realizar a rescisão da unidade de produtos
termoplásticos em Campinas, que tinha 165 funcionários e estava sendo desativada.
Por isso, entrou em acordo com o sindicato para que parte do pagamento fosse feito
com caixas de sabonete Francis que o grupo fabricava em São Paulo (ESTADÃO,
1992). Além disso, a IRFM começou a sofrer processos pelo não recolhimento de
FGTS e INSS e, também, pela poluição causada pelas fábricas de São Caetano e
Belenzinho.
Assim, a Matarazzo chega em 1994 com 5.000 funcionários e atuação em
áreas como fibras sintéticas, azulejos, embalagem, papel, comércio, tecido e sabão. A
tabela 5-6 apresenta a composição do grupo na época:
108
Tabela 5-6 – Perfil do Grupo Matarazzo em 1993
Empresas
Patrimônio Líquido
(em bilhões de Cr$)
Indústrias Matarazzo de Papéis
142
Indústrias Matarazzo de Embalagens
144
Agro Industrial Amália
663,6
Indústrias Matarazzo de Cerâmica
24
Indústrias Matarazzo de Óleos e Derivados
12,6
Indústrias Matarazzo de Fibras Sintéticas
46,8
Florestal Matarazzo
Indústrias Matarazzo de Óleos do Nordeste
Indústrias Matarazzo do Paraná
228
56
135,9
Fonte: O Estado de São Paulo (1993)
Em 1996, a mansão na Avenida Paulista é demolida e o grupo tenta vender o
terreno de cinco mil metros quadrados por cerca de US$ 120 milhões. Entretanto, no
local acaba sendo erguido um grande estacionamento. Em 2007, o ativo finalmente
seria vendido para a Cyrela e uma empresa do grupo Camargo Corrêa pelo valor de
R$ 125 milhões (FOLHA ONLINE, 2007).
Em 1997, o Supercenter Matarazzo, na Água Branca, foi levado a leilão pelo
Fórum das Execuções Fiscais para o pagamento de impostos atrasados. Avaliado em
R$ 41,89 milhões, foi arrematado por apenas R$ 18,5 milhões pela Companhia Zaffari
de Supermercados (ESTADÃO, 1997).
A partir dessa época, a Matarazzo passa a ter pouquíssimas operações, entre
elas, a do sabonete Francis, que seria vendida para o grupo Bertin em 2007 e da
Fazenda Amália que foi arrendada no mesmo ano (VILELA & RODRIGUES, 2013).
Após se desfazer dos negócios, o grupo industrial da Matarazzo deixa de
existir, restando apenas propriedades arrendadas para terceiros.
109
6 HISTÓRICO VOTORANTIM
Sorocaba, que chegou a ser chamada de a “Manchester Paulista” pela sua
vocação industrial, pode ser considerada um berço de colossos brasileiros. Em 1890,
no mesmo ano em que Francesco Matarazzo saiu da cidade e partiu para São Paulo
em busca de novas oportunidades, o Banco União de São Paulo comprava as terras,
instalações e equipamentos da Votorantim, uma companhia que atuava com serrarias
de mármore na cidade do interior paulista. No ano seguinte, seria instalada na unidade
uma fábrica de estamparia e, em 1903, uma seção de fiação e tecelagem, marcando
definitivamente sua atuação na indústria têxtil (SOUZA1, 2004, p. 225). ‘
Nessa mesma época, Antônio Pereira Ignácio, o empreendedor que daria início
ao grupo ao incorporar a Votorantim anos mais tarde, já se destacava no comércio de
algodão. Nascido em Baltar, em Portugal, o jovem Pereira Ignácio tinha apenas dez
anos quando chegou a Sorocaba acompanhando o seu pai, João Pereira Ignacio, no
ano de 1884. Ainda criança, começou auxiliando na sapataria que o pai montou,
enquanto estudava à noite, até concluir o currículo ginasial. Entretanto, quatro anos
depois de se estabeleceram no Brasil, eles recebem a notícia de que a mãe de
Antônio que ficara em Portugal havia adoecido. Por esse motivo, João volta para a
terra natal para ficar com a esposa, deixando o filho no Brasil (CALDEIRA, 2008, p.
10).
Assim, ainda adolescente, Antônio vai trabalhar em São Paulo e depois no Rio
de Janeiro para adquirir experiência e juntar capital para criar o seu primeiro
empreendimento. Feito que consegue atingir em poucos anos (SOUZA1, 2004, p. 226).
Primeiro, abriu um pequeno comércio. Depois, um grande armazém de secos e
molhados em Botucatu, e no início do século vinte, uma fábrica de descaroçamento de
algodão em Boituva, marcando o movimento que o levaria do comércio para a
indústria (SCANTIMBURGO, 1986, p. 109).
Inicialmente, o seu objetivo era produzir óleo de algodão com o intuito de
vendê-lo mais barato que o óleo da banha de porco. Entretanto, ele sofre uma
retaliação de Matarazzo que já era um grande produtor de banha de porco da região.
Por isso, passou a direcionar a sua produção para o setor têxtil (SCANTIMBURGO,
1986, p. 110).
Entre 1903 e 1904, ele abriria duas novas unidades de descaroçamento, uma
na cidade de Tatuí e outra no recém-criado distrito de Conchas, à beira dos trilhos da
ferrovia Sorocabana (CALDEIRA, 2008, p. 13).
Nessa mesma época, outro fato importante para a história da Votorantim
acontecia muito longe dali. Em 1900, nascia em Nazaré da Mata, Pernambuco, José
110
Ermírio de Moraes. Filho de uma família tradicional do Estado, o pernambucano
perdeu o pai com apenas um ano de idade e, por isso, ainda criança começou a ajudar
sua mãe nos trabalhos do engenho de açúcar da família (SCANTIMBURGO, 1986, p.
75).
Voltando para Pereira Ignácio, em 1905. É neste ano que o empreendedor dá
um importante salto nos negócios quando decide montar uma grande fábrica de
aproveitamento de algodão, levantando o capital junto a um amigo que tinha negócios
no Rio de Janeiro. Para conhecer a fundo as técnicas de produção, vai para os
Estados Unidos trabalhar como operário em uma fábrica sem, no entanto, revelar suas
intenções para os seus empregadores. Quando, em decorrência de seu desempenho,
foi convidado a se tornar gerente industrial da planta, contou os seus planos para os
sócios, que ficaram impressionados e se tornaram importantes parceiros, lhe ajudando
a comprar as máquinas necessárias para montar a sua própria fábrica no Brasil. Após
essa experiência, Pereira Ignácio funda, assim, a Fábrica de Óleos Santa Helena
(VOTORANTIM, 2008, p. 15). Scantimburgo (1986, p. 113), o autor da biografia de
José Ermírio de Moraes, destaca a importância da viagem de Pereira Ignácio aos
EUA:
“Sua estada na América fora-lhe proveitosa mais do que se tivesse
frequentado várias universidades. Aprendera no dia a dia do trabalho,
na observação registrada com extremo cuidado, de todas as fases da
produção na qual tinha interesse”.
Assim como Matarazzo, Pereira Ignacio lançou mão de novos métodos de
comercialização. Antes de inaugurar a fábrica, o empreendedor publicou anúncios nos
jornais oferecendo aos plantadores um preço pré-fixado para a compra da próxima
safra de algodão. O resultado lhe rendeu frutos e o empreendedor instalou outras
quatorze fábricas na região nos dez anos seguintes, expandindo, também, suas
atividades para o beneficiamento de arroz. Nessa época, começa um período de
diversificação e crescimento. Adquire a fábrica de cimentos Rodovalho, monta uma
usina hidrelétrica e compra uma empresa de telecomunicações (DEAN, 1976, p. 112).
Em 1913, a fábrica de tecidos Votorantim, agora um importante cliente das
empresas de Pereira Ignacio, já contava com 1.200 operários e um grande distrito que
incluía casas, escritórios e escolas, além de estar ligada à Sorocaba por uma linha
particular de bondes. Nessa época, a empresa começa a ter problemas financeiros e
dificuldades para honrar os compromissos com seus fornecedores. Por isso, Pereira
Ignacio decide conceder crédito para o seu cliente e, no mesmo ano, torna-se diretor
do Banco União. Posteriormente, torna-se arrendatário de toda a divisão de algodão.
Para reduzir sua dependência em relação à Votorantim, amplia sua participação no
111
setor, adquirindo, também, as fábricas de tecidos Bom Retiro e Paulistana, além da
tecelagem São Bernardo. Em seguida, fundou sua mais importante unidade, a
Lusitânia, que era capaz de produzir quatro milhões de metros de tecido por ano
(CALDEIRA, 2008, p. 17).
Como é possível perceber, o crescimento foi substancial. Em um período de
dez anos, o empresário evoluiu de uma pequena unidade de descaroçamento de
algodão para um conjunto de fábricas do setor têxtil. Para conseguir essa evolução em
um curto espaço de tempo, Pereira Ignacio se beneficiou das dificuldades de
importação de algodão durante a guerra:
“Exemplos das mudanças provocadas na propriedade industrial pela
escassez de certas matérias-primas são as súbitas fortunas de
Antônio Pereira Ignácio e Nicolau Scarpa. Os tecidos de algodão só
poderiam proporcionar ganhos inesperados aos fabricantes que
dispusessem de uma provisão de algodão. Para as pequenas
fábricas espalhadas pelo interior, muitas das quais possuíam seus
próprios algodoais, isso não constituía problema. Mas as grandes
fábricas das cidades eram presas aos descaroçadores de algodão,
que, repentinamente, se colocaram em posição sumamente
estratégica” (DEAN, 1971, p. 111).
Em 1916, com dezesseis anos, José Ermírio de Moraes foi para os Estados
Unidos estudar na Colorado School of Mines, em Golden, no Estado de Colorado. Lá
permaneceu por cinco anos e para Scantimburgo (1986, p. 85) esse período foi
fundamental para o jovem conhecer o dinamismo do empreendedorismo americano, a
dedicação ao trabalho, a objetividade e a disposição para conduzir projetos até o fim.
“O primeiro traço de americanismo em José Ermírio foi, passados
alguns meses de sua estada em Colorado, escrever à mãe para não
lhe mandar dinheiro, pois já havia arranjado um emprego fora das
horas de estudo. [...] Daí por diante, até 1921, quando se graduou,
José Ermírio sustentou-se nos Estados Unidos” (SCANTIMBURGO,
1986, p. 82).
Para Scantimburgo (1986, p. 97), José Ermírio de Moraes foi para o que havia
de melhor em educação e preparação tecnológica. Numa fase em que predominavam
as escolas humanísticas no Brasil, ele voltaria com uma forte capacitação, fonte de
vantagem competitiva para os seus negócios.
Em 1917, a Votorantim, que era a segunda maior fábrica de São Paulo, estava
falindo e com os operários em greve devido ao atraso de três meses no pagamento
dos salários. Assim, Pereira Ignacio e seu sócio Nicolau Scarpa compraram a fábrica
em leilão público por apenas cinco mil contos, formando, assim, a Sociedade Anônima
Fábrica Votorantim (DEAN, 1971, p. 113).
112
Pereira Ignacio tomou a frente da organização que teria três campos de
atuação: fabricação de produtos têxteis, exploração de jazidas de minérios e
exploração da via férrea Votorantim (CALDEIRA, 2008, p. 25).
Dessa forma, em apenas um ano, o empreendedor português passou a deter
17% da capacidade de fabricação de tecidos de algodão em todo o Estado, além de
contar com 122 mil contos (30,5 milhões de dólares) de capital circulante (DEAN,
1976, p. 113). Assim, concentrando suas atividades principalmente no setor têxtil,
Pereira Ignacio construiu um grupo com duas dezenas de unidades, tendo a
Votorantim no centro dos seus negócios, além de um escritório central localizado na
Rua São Bento, no Centro de São Paulo. Em 1919, o grupo tinha unidades de
descaroçamento nas seguintes localidades: Sorocaba, Tatuí, Porto Feliz, Conchas,
Itapetininga, Campo Largo, Boituva, Tietê, Avaré, Piracicaba, Monte Mor, Nova
Odessa, Itu, Jundiaí, Inhaiba e Rebouças (ESTADÃO, 1919).
Entretanto, ao final do primeiro ano da aquisição da Votorantim, o valor da
fábrica havia chegado a 1.650 contos e as dívidas adquiridas para sanar a sangria
eram superiores a três mil contos. Para encontrar soluções para o problema, Pereira
Ignacio se licencia do cargo de presidente e vai para os EUA. Na sua volta, contrata
um auditor para fazer o levantamento dos ativos da empresa e fixar o preço para
execução de compra das partes dos demais acionistas. Assim, adquire a parte dos
seus sócios, transfere a Rodovalho para o grupo Votorantim, moderniza os
equipamentos da fábrica, realiza mudanças nos estatutos visando a estruturação da
administração e vende ativos para se capitalizar (CALDEIRA, 2008, p. 29).
Entre os desinvestimentos realizados, estavam os terrenos e edifícios onde
estava instalada a Companhia Têxtil Paulistana que havia sido comprada anos antes.
Além disso, a Votorantim tinha diversos terrenos em São Paulo, como no bairro do
Brooklin Paulista, e em São Caetano, que passaram a ser vendidos em prestações
para o público em geral (ESTADÃO, 1921). Entre 1920 e 1923, a empresa conseguiu
captar 3.400 contos de réis com a venda de terrenos (ESTADÃO, 1923).
Além disso, no segundo semestre de 1920 a diretoria toma uma decisão que
viria a se tornar uma característica permanente do grupo: reaplicar os resultados
obtidos de modo a aumentar as reservas da empresa (CALDEIRA, 2008, p. 29). Com
as iniciativas empreendidas, a Votorantim começou a reverter a sua situação
financeira já a partir de 1920.
Portanto, apesar de não ter atingido um porte similar à Matarazzo, além de ser
muito menos diversificada, a Votorantim havia se tornado um concorrente de peso da
IRFM no setor têxtil e Pereira Ignacio já figurava entre os grandes industriais paulistas,
113
o que permite uma breve comparação feita por Antônio Ermírio de Moraes sobre as
duas organizações:
“A Matarazzo seguiu construindo mais e mais fábricas diferentes. Já a
Votorantim preferiu fazer um processo muito seletivo” (COUTO, 2005,
p. 342).
No início da década de 20, Pereira Ignácio já era um grande empresário,
conhecido como o “Rei do Algodão” e havia conseguido atenuar os problemas
financeiros da fábrica têxtil Votorantim, da qual se tornara o único sócio. Isso lhe
permitiu dar passos mais largos. Começou construindo uma ferrovia para escoar a
produção e transportar os funcionários da Votorantim para o centro de Sorocaba. A
infraestrutura ficou pronta em 1922 e se tornou a primeira ferrovia eletrificada
particular do país. No mesmo ano, modernizou a fábrica comprando novos teares
(CALDEIRA, 2008, p. 30). Um ano após a conclusão da ferrovia, a Fábrica Votorantim
se mantinha como uma das maiores do país, com 3.400 operários (SAES & NOZOE,
2006).
Em 1923, Pereira Ignácio se licencia do cargo e vai para a Europa acompanhar
a esposa que sofria de asma e iria fazer um tratamento na Suíça. Assim, Numa de
Oliveira, diretor e acionista do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, assume a
direção da empresa. Numa era um empresário experiente e conhecia bem a empresa,
pois fazia investimentos nela. Nesta época, o filho mais velho de Pereira Ignácio, João
Pereira Ignácio torna-se diretor tesoureiro da Sociedade Anônima Tecidos Votorantim
(CALDEIRA, 2008, p. 31).
No mesmo período, José Ermírio de Moraes regressara do seu período de
estudos nos Estados Unidos. Em 1921, se empregou como funcionário público do
Governo de Minas Gerais, mapeando as riquezas minerais do Estado. No ano
seguinte, foi trabalhar na St. John Del Rey Mining Co. onde iria atuar como técnico de
mineração. Em 1923, no entanto, José Ermírio recebe uma carta do cunhado que lhe
informa que a usina de açúcar da família estava enfrentando problemas financeiros.
Assim, com 23 anos, o jovem engenheiro deixa o emprego e vai para o Recife para se
tornar gerente-geral da usina. Para salvar a empresa, decide que é necessário
modernizá-la e, portanto, parte para a Inglaterra com o objetivo de comprar novos
equipamentos (CALDEIRA, 2008, p. 48).
José Ermírio aproveita a viagem para levar a sobrinha que estava doente para
realizar um tratamento na Europa que, por coincidência, seria realizado na mesma
clínica na Suíça onde já estavam Pereira Ignácio, sua mulher e sua filha Helena, pela
qual José Ermírio viria a se apaixonar. Com a aproximação dos dois, Pereira Ignácio
114
percebe um grande potencial no pretendente de sua filha e, então, convida o jovem
Pernambucano para trabalhar como executivo na Votorantim.
Assim, em 1924, José Ermírio vai para Recife para coordenar a instalação dos
equipamentos e de lá migra para São Paulo para iniciar uma nova jornada profissional.
No ano seguinte, João Pereira Ignácio adoece e precisa se afastar da diretoria
comercial da Votorantim, sendo o cargo preenchido por José Ermírio de Moraes
(CALDEIRA, 2008, p. 53).
A chegada do novo profissional com sua bagagem de conhecimentos técnicos
gerava um diferencial ao grupo, conforme relato apresentado por Scantimburgo (1986,
p. 123) sobre os industriais na década de 1920:
“O industrial era guiado mais pelo instinto do que por segura
informação técnica”.
Em 1924, Pereira Ignácio chegou à conclusão que o custo das moradias dos
seus funcionários já havia sido amortizado e, por isso, decidiu abolir a cobrança dos
aluguéis das casas da vila da Votorantim. Além disso, os funcionários que não
conseguiriam se alojar nas casas da companhia, recebiam compensações de dez milréis mensais. Isso gerou uma retaliação dos outros donos de fábricas que exigiram
através da CIFTSP que a Votorantim restaurasse os aluguéis. Em 1924, a vila operária
da Votorantim já contava com 834 casas (ESTADÂO, 1935).
Isso, contudo, não indica uma benevolência do empresário em relação aos
empregados. Segundo Dean (1971, p. 180), no ano de 1928, Pereira Ignácio chegou a
dispensar funcionários em massa devido à indisciplina e tumultos de trabalhadores.
Embora a Votorantim tenha recuperado a sua saúde financeira, a Revolução
Tenentista de 1924 afetou drasticamente a indústria de São Paulo. Assim, segundo
Scantimburgo (1986, p. 125), quando José Ermírio de Moraes assume o seu posto na
organização em 1925, a Votorantim ficou novamente em situação financeira crítica, o
que viria a exigir novos esforços para tornar a empresa lucrativa novamente.
Dessa forma, em 1926, Pereira Ignácio amplia o capital da Votorantim de cinco
mil para vinte mil contos, utilizando, para isso, os recursos que havia obtido com a
venda de ativos. Assim, reduziu ainda mais a dependência de créditos de terceiros e
possibilitou a recuperação financeira da organização. Com o maior controle do capital
da empresa, Pereira Ignácio também retoma o cargo de presidente de Numa de
Oliveira e elege José Ermírio de Moraes como diretor-gerente.
Ainda em 1926, João Pereira Ignácio, o filho mais velho do fundador do grupo,
retorna à empresa como diretor tesoureiro e Paulo, o filho mais novo, assume o posto
que estava com José Ermírio (CALDEIRA, 2008, p. 56). Nessa mesma época, o grupo
115
adquire a usina hidrelétrica Boa Vista localizada na bacia do rio Paranapanema (SAES
& NOZOE, 2006).
Em 1928, José Ermírio de Moraes assina, como representante da Votorantim, o
manifesto "Votorantim, Matarazzo e Klabin", grupo que daria forma à fundação do
CIESP. Matarazzo foi o primeiro presidente e José Ermírio foi um dos quatro diretores
(CALDEIRA, 2008, p. 59).
Em 1929, durante a grande crise, a Votorantim ainda era demasiadamente
dependente da indústria têxtil, o que tornava o desafio de enfrentar a depressão ainda
maior, uma vez que conforme já destacado na descrição do desenvolvimento
econômico e industrial do Brasil, este setor foi um dos mais afetados no período. De
acordo com os relatos de Scantimburgo (1986, p. 147), a indústria têxtil nessa época
era pouco lucrativa, operando muito próxima do ponto de equilíbrio. José Ermírio de
Moraes relatou as dificuldades da época:
“Somente a segurança em mim mesmo, na empresa e no Brasil, e o
apoio irrestrito de meu sogro, animavam-me a prosseguir sem
desfalecimento. Foram anos sombrios para todos os industriais, como
para os agricultores e comerciantes. O Brasil era economicamente
muito fraco” (SCANTIMBURGO, 1986, p. 143).
Nesse período, a Votorantim contava com uma estrutura relativamente enxuta
composta de quarenta funcionários na administração. O comando, por sua vez, era
centralizado principalmente na figura de José Ermírio de Moraes, que era o
responsável pelas operações do grupo. Isso garantia a agilidade nas tomadas de
decisão. Além disso, a política de reinvestimento dos lucros contribuiu para a empresa
atravessar o período de turbulência (CALDEIRA, 2008, p. 62).
Entretanto, devido às dificuldades enfrentadas pelo setor têxtil, José Ermírio e
Pereira Ignacio entendem que era importante encontrar novas oportunidades de
negócio que permitissem a empresa se tornar menos dependente de uma única
indústria. Em 1933, ainda com uma economia sob o efeito da crise internacional, José
Ermírio identifica o potencial das jazidas de calcário da fazenda Santo Antônio, sede
da fábrica de cimentos Rodovalho. Assim, decide criar uma nova fábrica com um novo
forno importado, mais moderno. São criadas, então, a fábrica Santa Helena e a marca
de cimento Votoran, com uma capacidade para produzir 250 toneladas de cimento por
dia (CALDEIRA, 2008, p. 72). Esse volume colocava a Votorantim como terceira maior
produtora de cimento do país e a primeira com capital nacional (REISS, 1980, p. 117).
A formação de uma equipe qualificada também foi uma preocupação dos
empresários. Aproveitando a vinda de um técnico dinamarquês para acompanhar a
instalação do novo forno importado, José Ermírio o convida para integrar o corpo
116
técnico da empresa. O novo funcionário não só aceitou como acabou trazendo outros
colegas (CALDEIRA, 2008, p. 81).
Em 1938, o cimento Votoran seria utilizado em uma das principais obras
públicas de São Paulo, o Viaduto do Chá. Esse evento ajuda a fortalecer a percepção
de qualidade do produto (CALDEIRA, 2008, p. 81).
Vale ressaltar que a Votorantim entrou na indústria de cimentos em um
momento favorável para o setor. Reiss (1980, p. 120) destaca que a produção
nacional evoluiu de apenas 100 mil toneladas em 1930 para 745 mil toneladas em
1940, sendo que a participação dos produtos importados no mercado nacional caiu de
80% para 25% no período. Ainda segundo o mesmo autor (p. 242), uma das
explicações para esse processo estava na alta relação peso/custo que tornava o
transporte do produto extremamente caro, fazendo com que o item importado
perdesse competitividade e abrisse espaço para a produção nacional.
Na mesma época em que criava o braço de cimentos, a Votorantim passa por
mudanças na sua administração. José Ermírio constrói uma nova sede para o grupo.
Pereira Ignácio se afasta cada vez mais do dia a dia das empresas, se encarregando
de analisar os resultados, enquanto a gestão da organização é transferida de vez para
o seu genro. A administração da Votorantim passa a ser dividida em seções de acordo
com a carteira de produtos comercializados (CALDEIRA, 2008, p. 82).
É interessante destacar, no entanto, que apesar de a Votorantim ser
usualmente destacada pelo seu processo de sucessão eficiente, a organização não
passou ilesa por este comum desafio das empresas familiares, conforme destaca
Dean (1971, p. 130):
“As brigas da família obstavam, às vezes, ao crescimento das firmas
industriais. Sentindo-se esbulhados do legítimo controle da firma por
José Ermírio de Moraes, genro de Pereira Ignácio, os filhos deste
último decidiram, afinal, vender suas ações a um terceiro. A venda,
aparentemente, foi maldosa; eles abriram mão de uma oferta mais
elevada só para dar a Moraes, como novo sócio, um inimigo pessoal.”
Em 1935, a Votorantim dá força ao seu projeto de expansão para a indústria de
base. Primeiro, fecha um acordo com a Klabin para a construção da Nitro Química
para a produção de fibra têxtil artificial. Essa empresa contava com sócios norte
americanos que também trouxeram diretores e técnicos para a implantação no país.
Isto foi fundamental para a viabilização do empreendimento uma vez que os
empresários brasileiros compraram uma fábrica pronta dos Estados Unidos, que
precisou ser desmontada para depois ser instalada no Brasil. Além disso, o processo
de transporte foi extremamente delicado, exigindo o empréstimo de guindastes
117
especiais e o transporte por linhas férreas que só foi concluído no ano seguinte
(CALDEIRA, 2008, p. 86).
O desafio de colocar a empresa em funcionamento não se restringiu ao
processo de instalação da fábrica, mas principalmente em relação à operação em si,
que era inédita no país:
“A formação de mil pessoas sem experiência prévia no setor, a
maioria das quais com pouca educação formal, exigiu um cruzamento
cultural peculiar. Não havia sido importada apenas uma fábrica: toda
a estrutura administrativa veio junto com os equipamentos, desde os
organogramas de pessoal até as planilhas de controle de custos, até
então desconhecidas do universo empresarial brasileiro. Essa
organização técnica era necessária numa planta complexa, que
produzia simultaneamente raiom, ácido nítrico, ácido sulfúrico, sulfato
de sódio, éter, colódio, e nitrocelulose – este com grande potencial
explosivo” (CALDEIRA, 2008, p. 89).
A nova unidade, localizada em São Miguel Paulista, na Grande São Paulo, era
totalmente verticalizada, englobando desde a fabricação do ácido sulfúrico até a
manufatura de derivados. Um relato do jornalista Assis Chateaubriand dá luz ao porte
e importância do empreendimento na época:
“A Nitro-Química é a maior fábrica do mundo para seda artificial pelo
processo de intro-celulose. [...] Este parque não é uma fábrica, mas
um complexo de fábricas. Estamos diante de um sistema industrial, e
precisamente o mais amplo, o mais interessante que ainda se
articulou no Brasil e no continente sul-americano. [...] Dagora em
diante é possível pensar no desenvolvimento da indústria química do
Brasil” (SCANTIMBURGO, 1986, p. 180).
Entretanto, os custos de instalação somados aos prejuízos operacionais dos
primeiros meses drenaram todo o capital empregado pelos sócios. Assim, a
organização teve que recorrer a empréstimos que totalizavam sessenta mil contos de
réis. Além disso, a iniciativa da Votorantim gerou uma disputa com a fábrica de rayon
da Matarazzo, a Viscoseda. A Matarazzo havia arrendado uma técnica de produção
com patente até 1934. Quando ela expirou, tentou ampliar o prazo sem sucesso. A
Viscoseda, então, cortou o preço da seda artificial de quarenta para dez contos por
tonelada para penalizar a Nitro Química. Entretanto, o governou ameaçou aplicar uma
lei antitruste, obrigando a Viscoseda a retomar os preços originais.
Essa fase turbulenta fez com que os sócios estrangeiros vendessem sua parte,
tornando a Nitro Química uma empresa totalmente nacional. Porém, em 1939, a sorte
mudaria de lado. A eclosão da 2a Guerra Mundial fez com que os insumos importados
se tornassem escassos e caros e como os principais competidores não eram
verticalizados e importavam toda a matéria-prima, a Nitro Química se tornou
competitiva e lucrativa (CALDEIRA, 2008, p. 94).
118
Além desse empreendimento, a Votorantim havia começado a avaliar a
viabilidade de construção de uma siderúrgica, tendo recebido autorização para
começar a prospectar jazidas de minério de ferro em Ipanema, região de Sorocaba.
Todavia, diante das possibilidades limitadas da mina, a Votorantim decide implantar a
nova usina na região de Barra Mansa. Profundo conhecedor do potencial do ferro de
Minas Gerais, José Ermírio compreendeu que o município fluminense poderia ser
abastecido com o minério de Minas e ainda estaria localizado em posição privilegiada
para o abastecimento dos grandes centros do país. A nova fábrica foi concebida com a
participação de outros sócios e começou a operar em 1938 com capacidade inicial de
3.600 toneladas anuais. A empresa começaria fabricando apenas ferro-gusa, o mais
simples produto siderúrgico. Com isso, seria possível montar altos-fornos com a
tecnologia existente no Brasil, o que implicava um mínimo de importações
(CALDEIRA, 2008, p. 84).
Depois de colocar em prática esses dois projetos, José Ermírio começa a
expandir as empresas geograficamente, dando um passo mais largo para perseguir
sua visão de “industrializar o Brasil”. Assim, decide montar uma nova fábrica de
cimentos em Pernambuco, criando uma segunda marca de cimento que teria forte
significado local: a Poty. Em 1943, três anos após a inauguração da fábrica, um novo
forno importado da Dinamarca possibilitou a unidade a atingir uma produção de 6,8 mil
toneladas anuais de cimento. No mesmo ano, acontece a fundação da Companhia
Catarinense de Cimento Portland, terceira fábrica de cimento do grupo (CALDEIRA,
2008, p. 99).
Em 1943, a Votorantim também adquire a Indústria Brasileira de Artigos
Refratários (Ibar) que produziria elementos para os fornos de cimento e dos altosfornos da siderúrgica. Este era um ramo da atividade essencial às outras indústrias,
dentre elas as de cimento, vidro, aço, petroquímica e cerâmica, por fornecer produtos
resistentes à corrosão, à abrasão e ao choque térmico (SANTOS, 2008).
Portanto, em menos de uma década a Votorantim deixava de ser uma empresa
têxtil para se tornar um grupo diversificado de empresas. Em 1940, em uma ação
simbólica que pode demarcar a ênfase que seria dada à indústria de base, a
organização muda o nome de SA Fábrica Votorantim para SA Indústrias Votorantim.
(CALDEIRA, 2008, p. 72). Santos (2008) apresenta uma descrição sobre a importância
desse novo passo dado pela Votorantim.
“A percepção em torno do avanço da urbanização e da necessidade
de infraestruturas (estradas, hidrelétricas) conduziu à diversificação
para aço, cimento, refratários. A partir de 1930 o foco privilegiado
pelo grupo será a expansão na produção de cimento, negócio
escolhido como âncora para a alavancagem das receitas. A escolha
119
dos novos ramos esteve ligada indissociavelmente às oportunidades
oferecidas
pelas
substituições
das
importações
e
aos
desdobramentos da industrialização do país”.
Todavia, conforme destacado por Reiss (1980, p. 118), o setor têxtil ainda
continuou rendendo bons lucros para a empresa, em especial durante a Segunda
Guerra Mundial, quando os excedentes de capital vindos dessa indústria foram
imprescindíveis para os investimentos em novos negócios.
Em 1941, a escassez de recursos causados pela 2a Guerra Mundial iria levar a
um novo grande empreendimento da indústria de base. Com a falta de combustível,
uma vez que o Brasil ainda não produzia petróleo, os técnicos da Votorantim
conseguiram transformar carvão vegetal em gás, que poderia ser utilizado nos
motores a gasolina. Essa invenção seria o gatilho para a criação da Metalúrgica Atlas,
que ficaria conhecida como “a fábrica das fábricas” e permitiria à Votorantim montar
equipamentos industriais pesados, reduzindo, assim, os gargalos de produção
(CALDEIRA, 2008, p. 100). Segundo Reiss (1980, p. 120), nos seus primórdios, a
Atlas fabricaria principalmente equipamentos para as fábricas de cimento.
Dessa forma, a Votorantim consolidava a sua capacidade de desenvolver
soluções técnicas complexas internamente, o que aumentava sua competência de
expansão dos empreendimentos. Essa nova capacidade permitiu à empresa
modernizar e expandir a Siderúrgica Barra Mansa. Assim, na segunda metade da
década de 1940, foram instalados dois novos altos-fornos na usina para a produção de
noventa toneladas diárias de ferro-gusa cada um, bem como uma usina completa de
sinterização com capacidade para seis mil toneladas mês. Ainda, projetou-se e
instalaram-se dois fornos, possibilitando que a empresa começasse a produzir aço.
Para garantir o abastecimento, a Votorantim também adquiriu uma jazida de ferro com
reservas de quatro milhões de toneladas de minério (CALDEIRA, 2008, p. 101).
Na década de 40, a Votorantim também deu início ao planejamento de um dos
seus principais empreendimentos, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). Rico em
jazidas de bauxita, a matéria-prima do alumínio, o Brasil ainda não tinha uma fábrica
para a produção do metal (SCANTIMBURGO, 1986, p. 200).
O mercado internacional, por sua vez, era dominado por seis grandes
empresas que atuavam como um cartel que controlava as jazidas, a tecnologia,
produção e o comércio do alumínio. Dessa forma, as barreiras de entrada eram
substanciais.
Nessa época, haviam sido descobertas grandes reservas de bauxita em Poços
de Caldas. Todavia, carências logísticas e escassez de combustível, energia elétrica e
insumos para a construção da fábrica fizeram com que o local escolhido para a
120
construção da CBA fosse a fazenda Rodovalho, onde a empresa tinha sua mais antiga
fábrica de cimentos. (CALDEIRA, 2008, p. 102).
Contudo, a entrada dos Estados Unidos na 2a Guerra Mundial, em 1941,
inviabilizaram a construção da fábrica que exigiria a transferência de tecnologia do
país do norte. Assim, mais uma vez, diversos investidores desistiram do negócio, que
teve que ser remodelado e só começaria a ser instalado sete anos mais tarde
(CALDEIRA, 2008, p. 104).
Em 1945, os filhos mais velhos José Ermírio de Moraes Filho e Antônio Ermírio
de Moraes seguem o mesmo caminho do pai e vão para os EUA estudar na Colorado
School of Mines. Anos mais tarde, Antônio Ermírio de Moraes (1999) destacou uma
das importâncias daquela experiência, quando conviveu com veteranos da guerra:
“Uma grande lição de humanidade [...] Aprendi a ser responsável.
Aprendi a amar o seu país”.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, a Votorantim buscou formas de
viabilizar a instalação da fábrica de alumínio que havia sido interrompida em 1941.
Todavia, com o término dos conflitos houve um excesso de oferta mundial que baixou
os preços do produto e, também, restringiu as possibilidades de transferência de
tecnologia. Após frustradas buscas no mercado americano, a Votorantim conseguiu
encontrar um projeto de uma fábrica pronta na Itália, mas que não poderia ser
instalada, pois seus donos haviam ficado sem os recursos financeiros necessários
para completar o projeto. Assim, iniciaram-se as negociações para a instalação da
unidade no Brasil que começaria em 1948 (CALDEIRA, 2008, p. 106).
Na mesma época, a terceira geração voltava dos estudos nos EUA e
começava a trabalhar no grupo. O primeiro foi José Ermírio de Moraes Filho, que
começou a estagiar ainda na fase de construção da CBA. Depois, passou pelas outras
fábricas do núcleo industrial principal em Sorocaba, até que, no ano seguinte, se
tornou diretor-industrial das unidades têxteis e de cimento.
Antônio Ermírio, por sua vez, fez estágio na usina de Barra Mansa e depois foi
integrado à Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) em um momento conturbado das
obras (CALDEIRA, 2008, p. 107). Nesse período, a Alcan havia decidido se instalar no
Brasil para concorrer com a CBA. Além disso, a Votorantim estava tendo problemas
com a Light para o suprimento de energia para a fábrica. Após diversas solicitações
não atendidas para a ampliação do fornecimento, a Votorantim conclui que não teria
energia elétrica necessária para colocar a fábrica em operação e, por isso, começou a
construir usinas hidrelétricas próprias, pressionando ainda mais os recursos para
investimentos (CALDEIRA, 2008, p. 108).
121
Para piorar, a empresa responsável pela construção da usina hidrelétrica
acabou falindo, exigindo que a Votorantim assumisse as obras, sob o risco de não
finalizá-las a tempo para colocar a fábrica em operação. Com esta nova
responsabilidade e sem recursos suficientes, a empresa teve que recorrer a
empréstimos e centralizar a gestão, já sob a responsabilidade do jovem Antônio
Ermírio que havia acabado de se casar, em 1953 (CALDEIRA, 2008, p. 124).
Antônio, que não era muito de viajar, acabou utilizando quase todo o tempo da
sua lua de mel na Europa para conhecer empresas e fábricas. Na Áustria, visitou
diversas unidades, pois tinha notícia de que o país inventara um processo
revolucionário de fabricação de aço. De lá, visitou unidades na França, enquanto
buscava solucionar os problemas da construção e da geração de energia elétrica no
Brasil (PASTORE, 2013, p. 41).
Durante essa fase de expansão e da chegada de uma nova geração, o grupo
sofreu a perda de seu fundador, Antônio Pereira Ignacio, que faleceu em 1951. Assim,
José Ermírio de Moraes tornou-se o presidente e seu filho mais velho, o diretor
superintendente (CALDEIRA, 2008, p. 110).
Enquanto seu irmão enfrentava dificuldades com a implantação da CBA, José
Ermírio Filho comandava a unidade de cimentos rumo ao crescimento. Em 1951,
adquiriu a Companhia de Cimento Brasileiro no município de Esteio, no Rio Grande do
Sul, alterando o nome para Companhia de Cimento Portland Gaúcho. No ano
seguinte, instala a Cia de Cimento Portland Rio Branco no Paraná (CALDEIRA, 2008,
p. 112).
Reiss (1980, p. 243) destaca que apesar de outros grupos industriais também
terem transferido recursos financeiros das atividades têxteis para outras indústrias (a
Matarazzo, inclusive), a Votorantim conseguiu obter vantagens por ser pioneira e
conseguir economias de escala. O autor ainda afirma que já a partir dos anos de 1950,
as fábricas de cimento começaram a gerar lucros em excesso que puderam ser
utilizados em novos negócios, substituindo a posição que antes era representada
pelas atividades têxteis. Assim, Reiss (1980, p. 256) relata como os lucros
provenientes desse negócio foram primordiais para que a empresa ampliasse sua
participação na indústria de base:
“O tamanho do grupo e a concentração dos seus investimentos na
produção de cimento tornaram possível para a Votorantim compensar
a depreciação do capital na sua produção têxtil através da transição
da atividade principal para um mercado industrial de rápido
crescimento, no qual rapidamente se tornou a firma dominante [...]
Apenas quando sua posição no mercado de cimento estava
consolidada, é que o excedente dos lucros necessários para a
122
expansão da produção de cimento foi reorientado pela Votorantim
para o investimento em outras indústrias”.
Essa expansão produtiva e geográfica do grupo levou a uma descentralização
da gestão das empresas de cimentos, diferentemente do que vinha ocorrendo na CBA,
conforme é destacado no livro comemorativo da empresa (CALDEIRA, 2008, p. 112):
“[...] Valia mais descentralizar as decisões para não se correr o risco
de perda de eficiência. Os diretores de cada unidade tinham de se
haver com os problemas e limites locais, cultivar uma rede local de
fornecedores e cativar clientelas com características próprias”.
Assim, a Votorantim Cimentos foi dividida em diretorias regionais que atuavam
praticamente como empresas distintas, conforme relato do Entrevistado 6:
“Naquela ocasião, a Votorantim era segmentada em quatro diretorias
na área de cimento. Tinha a diretoria do Sul, a diretoria do Centrooeste, Sudeste e Nordeste. Então eram quatro diretorias com quatro
diretores e uma estrutura grande em cada regional.”
Com a transição para a indústria de base, a organização evolui para um novo
patamar de tamanho, conforme pode ser verificado no gráfico 6-1.
Gráfico 6-1 - Evolução Financeira do Grupo entre 1942 e 1951 (em milhões de
cruzeiros)
1.313
1.112
879
794
550
128 94
741
654
282
159
277310
362326
1946
1947
1948
400366
1949
431483
478
1950
1951
24
1942
Capital Mais Reservas
Instalações
Capital Fixo
Investimentos em Companhias Associadas
Fonte: Adaptado de Scantimburgo, 1986, p. 199
Embora deixasse de ser o principal negócio do grupo, as fábricas têxteis
continuavam a ter relevância para a Votorantim. No final dos anos 40, a empresa ainda
era a terceira maior descaroçadora de São Paulo (DEAN, 1971, p. 145). Por isso, ela
123
continuou realizando investimentos no setor, empregando um plano de modernização
de suas unidades durante a década de 1950 (VOTORANTIM, 1953).
Em 1955, quatorze anos depois dos primeiros movimentos, a CBA finalmente
entra em operação. Todavia, o pioneirismo na produção de alumínio foi difícil. Os
primeiros lotes produzidos tinham baixa qualidade. Além disso, a capacidade
alcançada foi de apenas quatro mil toneladas por ano, ante uma previsão inicial de dez
mil.
Nesse mesmo ano, o terceiro filho, Ermírio Pereira de Moraes, que havia se
formado como Engenheiro de Produção de Petróleo pela Universidade de Tulsa, em
Oklahoma, começa a trabalhar no grupo prospectando terras para a produção de
carvão vegetal e celulose com o objetivo de reduzir a dependência do petróleo.
Entretanto, quatro anos mais tarde foi convocado para atuar na Nitro Química, a
fábrica de mais de duas décadas de existência que vinha atravessando um período de
divergência de estratégias entre os sócios Votorantim e Klabin (CALDEIRA, 2008, p.
131).
O conhecimento adquirido com a implantação da CBA possibilitou, ainda, que a
Votorantim direcionasse mais investimentos para a produção de metais não ferrosos.
A Companhia Mineira de Metais (CMM) foi criada em 1956 para produzir zinco no
Estado de Minas Gerais. Para viabilizar o projeto, o grupo recorreu ao BNDE que
recusou o empréstimo alegando dúvidas quanto à capacidade da Votorantim para
desenvolver a tecnologia adequada ao processamento do minério oxidado. Assim, a
organização teve, mais uma vez, que viabilizar o empreendimento com recursos
próprios, estendendo o prazo de início de produção para mais de uma década.
Em 1957, foi adquirida a Companhia Níquel Tocantins, que tinha uma mina
inativa no Estado de Goiás. Entretanto, a extração do metal só se iniciaria de fato duas
décadas depois, após uma fase de estudo e de novas dificuldades em levantar
recursos junto ao BNDE.
Nesse mesmo ano, a Votorantim, que tinha um crescente nível de
endividamento em razão dos novos investimentos, enfrentou um grande embate com
Assis Chateaubriand, que teve desavenças com a família.
O magnata das
comunicações publicou reportagens em seus jornais e usou a TV Tupi para apontar
dificuldades financeiras do grupo. Isso gerou uma crise de confiança com os credores
que começaram a protestar títulos da empresa. Para contornar a situação, os Ermírio
de Moraes se dividiram em duas frentes. A primeira saiu em busca de crédito e a
segunda começou a se reunir e convencer os credores sobre a capacidade de
pagamento da empresa. Os esforços se mostraram eficazes e a Votorantim passou
pela turbulência sem novos percalços (CALDEIRA, 2008, p. 127).
124
Com a instauração do governo militar e o boom de investimentos na construção
civil houve um substancial aumento de demanda na indústria cimenteira. Assim, na
década de 1960, a Votorantim seguiu investindo na ampliação do seu parque
industrial, instalando novos fornos até chegar a um total de sete. O último a ser
comprado era o maior do Brasil e tornou a fábrica de Santa Helena na líder em
capacidade no país (CALDEIRA, 2008, p. 163).
Sob a supervisão de Clóvis Scripilliti, genro de José Ermírio de Moraes, a
unidade de cimentos da Votorantim também ampliou sua presença no Nordeste. Em
1967, o grupo inaugura a Cimento Portland Sergipe em Aracaju e constrói depósitos
nas cidades de Salvador, Feira de Santana, Itabuna e Vitória da Conquista. No ano
seguinte, estabelece a Companhia Cearense de Cimento na cidade de Sobral para
abastecer os Estados do Ceará, Piauí e Maranhão. Como a infraestrutura nessas
regiões era muito precária, a Votorantim montou uma frota própria de quatrocentos
caminhões. Ainda, intensificando um processo de verticalização, montou uma rede de
loja de pneus para suprir a necessidade dos veículos. (CALDEIRA, 2008, p. 168).
Assim, no final da década de 1960, a rede de produção e distribuição de
cimentos montada pela Votorantim conseguia alcançar quase um terço do mercado
nacional com uma produção de três milhões de toneladas anuais (VOTORANTIM,
1968).
Um ponto de destaque durante esse período foi a entrada de José Ermírio de
Moraes na política, quando se candidatou e se elegeu Senador por Pernambuco em
1962. Ele ficaria ausente das atividades da organização até 1971, quando reassumiria
o posto de presidente do grupo. Foi durante esse mandato, em 1969, que o Senador
escreveu uma carta (anexo 5) para os seus filhos, apresentando uma reflexão sobre
os negócios da empresa e dando diretrizes para o futuro da organização.
Em 1965, desentendimentos entre os sócios, aliados a uma deterioração do
mercado, fizeram com que o faturamento da Nitro Química fosse o menor em vinte
anos. Assim, em 1967, a Klabin vende sua participação de 17% à Votorantim. Dessa
maneira, novamente com o controle total do negócio e do capital, Ermírio Pereira de
Moraes lançou mão de uma série de iniciativas visando a reformulação do negócio. A
produção
foi
reorganizada:
algumas
seções
consideradas
supérfluas
ou
economicamente inviáveis foram desativadas; uma nova política de vendas foi
adotada, bem como critérios mais rigorosos para a concessão de crédito para os
clientes. Ao longo da década de 1970, os resultados dessas iniciativas começaram a
aparecer (CALDEIRA, 2008, p. 171).
Se por um lado o setor de cimentos ia bem, no final da década de 1960 a CBA
enfrentava muitos problemas. O consumo de energia pelos fornos eletrolíticos era
125
maior do que o dos concorrentes e, embora o problema fosse amenizado pela geração
própria de energia, essa deficiência limitava as iniciativas de expansão. Além disso,
Antônio Ermírio havia concluído que a fábrica já estava obsoleta. Sendo assim, abriu
duas frentes de trabalho. A primeira foi a busca pelo aumento da capacidade
energética na bacia hidrográfica onde estavam instaladas as usinas geradoras – com
o mapeamento de informações hídricas e cartográficas, foi possível desenvolver um
projeto para quintuplicar a capacidade elétrica. A segunda foi o início da modernização
dos equipamentos (CALDEIRA, 2008, p. 164). A preocupação da Votorantim com o
desenvolvimento tecnológico ficou explícito no Relatório Anual de 1968:
“O hiato tecnológico entre o nosso país e os desenvolvidos é tão
grande que não sabemos como, nem quando, vamos transpô-lo. É,
no entanto, imperioso que cuidemos de nosso desenvolvimento
tecnológico. O atraso tecnológico se constitui num dos mais
importantes fatores no processo de desnacionalização [...] Somos da
opinião que devemos marchar, decididamente, para a superação, no
mais breve espaço de tempo possível, do hiato tecnológico, que nos
mantém atrasados em relação a outras nações”.
Para modernizar a fábrica, Antônio Ermírio não teve dúvida: decidiu desmontála. Foram para o chão quinze mil metros cúbicos de concreto, 128 fornos e toda a
infraestrutura da empresa. As obras ocorreram em ritmo acelerado em 1969 e a planta
foi reinaugurada atingindo a marca de vinte mil toneladas por ano. Em 1972, já
produzia quarenta mil toneladas por ano.
Ao mesmo tempo, era construída a
hidrelétrica que visava atender uma nova fase de expansão da unidade, conforme se
verifica no Relatório Anual de 1970:
“Gostaríamos de ressaltar que uma boa parcela dos trabalhos ora
necessários para a construção dessa usina hidrelétrica já constitui
parte de nossa terceira fase de expansão, na qual, a Cia pretende
elevar sua produção ao nível de 60.000 toneladas anuais.”
Anos mais tarde, Antônio Ermírio relataria o episódio para o seu biógrafo e
grande amigo José Pastore (2013, p. 127):
"Não tínhamos escolha. Era mudar ou fechar. Foi uma decisão
acertada. Se não tivéssemos feito isso, teríamos hoje um grande
museu do alumínio naquele local".
A decisão parece ter se mostrado acertada, pois, em 1970, a Alcoa instalou-se
no Brasil, trazendo tecnologias avançadas e uma nova fonte de concorrência.
Em 1969, a Votorantim finalmente conseguiria iniciar a produção de zinco
através da CMM. Já no ano seguinte, a fábrica alcançaria toda a sua capacidade e,
assim, iniciaria um processo de expansão (CALDEIRA, 2008, p. 166).
126
Reiss (1980, p. 256) destacou que os investimentos realizados pela Votorantim
entre as décadas de 1950 e 1970 eram orientados para a substituição das
importações, através de uma forma pela qual a organização conseguisse alcançar a
autonomia tecnológica nos seus negócios. Assim, a empresa importou máquinas,
equipamentos, tecnologia e técnicos para conseguir ter o controle total sobre a sua
tecnologia produtiva.
Sob o comando de José Ermírio Filho a unidade têxtil chegou ao início da
década de 1970 com 10% do mercado nacional, o que a colocava entre as cinco
maiores empresas do setor. Internamente, respondia por 18% do faturamento, mas
por apenas 5% da geração de caixa, o que destaca a perda da relevância deste
negócio para o conglomerado (CALDEIRA, 2008, p. 162).
Em 1973, dois anos após retornar às atividades na Votorantim, José Ermírio
morre aos 73 anos de idade, sendo 48 deles dedicados à organização. A presidência
passa a ser exercida por José Ermírio Filho. Todavia, é Antônio Ermírio que se torna o
principal porta-voz da organização, tanto nos bons como nos maus momentos
(CALDEIRA, 2008, p. 174).
Nos anos 70, o excesso de capital gerado através de suas operações no setor
de cimentos também foi utilizado na aquisição de concorrentes. Em 1977, a
Votorantim adquiriu a Cimento Itaú, a segunda maior empresa do setor. Dessa
maneira, o grupo consolidou sua liderança com dezenove fábricas, que produziam
sete milhões de toneladas anuais e atendiam 40% de participação no mercado, além
de exportarem para países da África e da América do Sul. A Cimento Itau havia sido
fundada em 1937 e tinha doze unidades fabris, sendo seis de cimentos (ESTADÃO,
1977). A tabela 6-1 mostra a evolução da produção de cimentos do grupo durante os
anos de 1970, na qual se pode verificar que o volume produzido pelas fábricas da
Votorantim triplicou entre 1970 e 1978.
Tabela 6-1 - Evolução da Produção anual de Cimento em Toneladas
Ano
Produção
1970
2.159.783
1971
2.813.311
1972
3.168.044
1973
3.473.520
1974
3.759.759
1975
3.787.354
1976
4.176.436
1977
5.030.000
1978
6.040.000
Fonte: Votorantim – Relatório Anual 1977
127
O processo de crescimento das fábricas do grupo impulsionou a demanda na
Metalúrgica Atlas. Em 1974, foi concluída a construção de um novo prédio com 8.700
metros quadrados, possibilitando que a empresa atendesse pedidos de fora do grupo.
Em meados da década de 1970, a fábrica contava com mil funcionários e sua
produção era direcionada para atender principalmente as metalúrgicas (50%) e as
fábricas de cimento (40%) (CALDEIRA, 2008, p. 191). Entre os seus principais
produtos, destacavam-se: fornos rotativos para cimento, moinhos de bolas, britadores
de mandíbulas, correias transportadoras, cintas de lâminas, guilhotinas para
laminados de metal e fornos eletrolíticos (VOTORANTIM, 1977).
Por outro lado, a Siderúrgica Barra Mansa não apresentou o mesmo nível de
crescimento, perdendo, portanto, participação no mercado nacional. De 1955 a 1975 a
capacidade produtiva dobrou para 160.000 toneladas. Todavia, no final dos anos 70, a
produção nacional já havia atingido oito milhões de toneladas (REISS, 1980, p. 250).
Essa dificuldade no setor siderúrgico se deve em parte à forte participação do Estado,
que atuava como grande concorrente, através, principalmente, da CSN e da Usiminas.
Em 1979, após mais dois processos de expansão, a CBA chegou a uma
capacidade de oitenta mil toneladas anuais, se tornando a maior produtora de alumínio
do país. No mesmo ano, a CMM aumentou a produção de zinco para sessenta mil
toneladas ano. Neste momento, a empresa dominava 85% do mercado nacional
(REISS, 1980, p. 246).
O processo de crescimento da Votorantim não alterou o modelo centralizado de
gestão e de controle de capital do grupo. As decisões continuaram a serem tomadas
por José Ermírio de Moraes e seus quatro herdeiros, ao passo que a empresa
manteve o controle do capital, evitando o mercado de capitais, salvo em algumas
poucas exceções, como em uma fábrica de cimentos no Nordeste (REISS, 1980, p.
254). O Relatório Anual de 1970 ressaltava a estratégia do grupo em se manter como
uma empresa de capital fechado:
“A empresa fechada pode reinvestir a totalidade de seus lucros,
contando com a valorização de seu patrimônio e a expansão
empresarial”.
Em 1979, o faturamento do grupo atingiu a marca de 1,3 bilhões de dólares,
tendo 131 unidades industriais que empregavam cinquenta mil funcionários em dezoito
estados brasileiros. A Votorantim era, assim, o segundo maior conglomerado do país
sob controle de capital brasileiro, com uma presença em todo o território nacional
(CALDEIRA, 2008, p. 209). A figura 6-1 apresenta a distribuição das unidades do
grupo no início da década de 1980:
128
Figura - 6-1 – Mapa da Localização das Empresas da Votorantim, por Setor em 1984
Fonte: CALDEIRA, 2008, p. 200
A partir do final da década de 1970 a economia nacional começou a perder
fôlego e vários setores começaram a apresentar declínio. Em 1980, a usina
siderúrgica de Santo Amaro na Bahia, que o grupo havia adquirido em 1960, foi punida
pelo CIP por cobrar preços acima da tabela. Com a medida, a Votorantim decidiu
fechar a fábrica, deixando mais de duzentos operários desempregados. Na ocasião, a
unidade produzia 550 toneladas por mês e dava um prejuízo mensal de Cr$ 500 mil.
Após uma semana de impasse, Antônio Ermírio de Moraes foi até a unidade e reabriu
a fábrica (ESTADÃO, 1980).
A negociação para a reabertura da usina envolveu o governo da Bahia e Delfim
Neto, que era Ministro da Fazenda na época.
Mais tarde, Delfim falaria sobre o
episódio e sua percepção sobre os Ermírio de Moraes:
129
“Os dois (os irmãos José e Antonio Ermírio) demonstravam
permanente preocupação com o estado da arte de seus negócios no
mundo, e não apenas em se comparar aos concorrentes locais. [...]
Eles sabiam defender os interesses da empresa sem particularismos,
não buscavam privilégios nem favores, e assim construíam um
empreendimento com sólidas bases de futuro” (CALDEIRA, 2008, p.
203).
Contudo, apesar dos esforços para manter a fábrica aberta, o prejuízo mensal
iria aumentar para Cr$ 5 milhões em 1981. Consequentemente, a Votorantim declara o
fechamento oficial da unidade. Na carta de demissão entregue aos funcionários, a
empresa ofereceu empregos na unidade de Barra Mansa (ESTADÃO, 1981).
Apesar das dificuldades econômicas do país, o grupo seguiu realizando
movimentos estratégicos. Em 1980, foram anunciados investimentos de US$ 1 bilhão
a serem distribuídos entre as sessenta e oito empresas do conglomerado pelos cinco
anos seguintes.
No setor de cimento, os investimentos programados objetivavam
ampliar a capacidade de produção de oito milhões para onze milhões de toneladas até
1985 (ESTADÃO, 19801). Com os planos de expansão, a produção anual da
Siderúrgica Barra Mansa iria superar a marca de duzentas mil toneladas anuais em
1984, quando outro plano para dobrar a capacidade até o final da década ainda estaria
em execução. Na CBA, a capacidade chegaria a 136.000 toneladas anuais em 1985 e
170.000 no ano seguinte (VOTORANTIM, 1984).
Para contornar a crise, a Votorantim também passou a buscar mercados
externos para o seu crescimento. Em 1981, a CBA lançou um programa que reservava
8% da sua produção para exportação. No ano seguinte, as vendas para o exterior
atingiram 7,5 milhões de dólares. Já em 1984, saltaram para 61,7 milhões de dólares.
Em meados da década, o mercado externo já representava 60% do faturamento da
unidade (CALDEIRA, 2008, p. 214). O Relatório Anual de 1983 destaca a situação
nacional e uma inclinação para a busca de novos mercados:
“Está se tornando cada vez mais difícil depender de um mercado
interno drasticamente afetado pela política recessiva implantada pelo
Governo”.
O setor de cimentos foi um dos mais afetados pela crise. Em 1984, foram
absorvidas 19,4 milhões de toneladas, ante um consumo de 27,1 milhões de toneladas
quatro anos antes. Com a redução dos projetos de construção civil, as fábricas da
Votorantim chegaram a 55% de ociosidade (VOTORANTIM, 1984). O grupo, no
entanto, não cessou com os investimentos. Em 1983, uma nova fábrica de cimentos
começa a ser instalada, a Cimento Poty da Paraíba. Em 1986, foi adquirida a Cimento
Santa Rita que tinha três fábricas no Estado de São Paulo (CALDEIRA, 2008, p. 226).
130
Além disso, para manter a rentabilidade no setor de cimentos, Bonelli (1998) aponta
que os preços do produto foram frequentemente reajustados acima da inflação.
Posteriormente a empresa enfrentaria acusações de cartelização no setor.
Com o enfraquecimento da economia e a elevação dos preços do petróleo,
uma estratégia de substituição da matriz energética foi levada adiante por todas as
unidades do grupo, uma vez que o custo da energia tinha um peso substancial nos
negócios da empresa, em especial na produção do cimento e do alumínio. De acordo
com Reiss (1980, p. 249) a autossuficiência de 50% atingida no início da década de 80
possibilitou uma maior independência das políticas do Estado, além de uma vantagem
competitiva em face de um país com tantas carências em infraestrutura:
“Mesmo depois de estes investimentos terem deixado de ser
estritamente necessários devido à deficiência econômica da
infraestrutura, a Votorantim continuou mantendo por todo o período
com o intuito de manter algum controle sobre um fator crítico dos
seus custos de produção, caso contrário, esse preço seria definido
através de uma decisão política realizada pelo Estado.”
Na unidade siderúrgica, a empresa atingiu a autossuficiência energética do
carvão vegetal em 1981, permitindo que a fábrica conseguisse contornar as restrições
de combustível e expandir sua capacidade de produção para 400.000 toneladas ao
final da década de 1980 (CALDEIRA, 2008, p. 201).
Nas unidades de cimento, a empresa também empregou um novo processo de
fabricação através de fornos de via seca, conforme já destacado anteriormente. Além
disso, a empresa reduziu substancialmente a sua dependência do óleo. Em 1975, a
Votorantim consumia 1.566 milhões de quilowatts-hora de energia e 593 mil toneladas
de óleo. Sete anos depois, o consumo de energia havia aumentado para 3.789
milhões de quilowatts-hora. O consumo de óleo, entretanto, teve um crescimento bem
menor, chegando a 773 mil toneladas (CALDEIRA, 2008, p. 214).
As hidrelétricas construídas pela Votorantim também contribuíram para a
competitividade dos negócios. No final da década de 1980, o custo do quilowatt-hora
produzido pelas suas usinas era de oito centavos de dólar, enquanto que o fornecido
pela Eletrobrás era de trinta e dois centavos de dólar (CALDEIRA, 2008, p. 227).
Dessa forma, apesar da crise econômica que atingia o país, a Votorantim
conseguiu obter resultados satisfatórios na primeira metade da década de 1980. Em
1982, o grupo teve o vigésimo maior lucro do país. Dois anos depois a empresa estava
em sétimo lugar, após um crescimento de 25% no resultado líquido entre 1983 e 1984.
Além disso, a soma das estratégias permitiu à Votorantim superar o mau momento
econômico sem demissões. Pelo contrário, entre 1980 e 1984 foram adicionados
131
5.735 postos de trabalho na organização (CALDEIRA, 2008, p. 216). Cabe destacar,
no entanto, que nem todas as empresas passaram ilesas pela conturbado período. Em
1981, as seguintes unidades reportaram prejuízo: Siderúrgica Barra Mansa,
Metalúrgica Atlas, Nitro Química, Ibar, Cia de Papel e Papelão Pedras Brancas
(VOTORANTIM, 1982).
Durante a década de 1980, Antônio Ermírio também ganhava cada vez mais
destaque como um importante crítico das políticas econômicas do governo e um dos
empresários mais influentes do Brasil. Entre 1979 e 1988, por dez vezes ele foi
escolhido como o maior líder empresarial do Brasil no balanço anual da Gazeta
Mercantil (ESTADÃO, 1988). Além disso, em 1985, notícias nos veículos de
comunicação informaram que o empresário havia sido convidado para presidir a
Petrobrás no governo Tancredo Neves. (ESTADÃO, 1985).
No ano seguinte, ele se candidatou a Governador do Estado de São Paulo,
ficando em segundo lugar nas eleições, atrás de Orestes Quércia (CALDEIRA, 2008,
p. 222). Durante as eleições, o grupo Votorantim recebeu diversos ataques de
sindicatos que acusavam a empresa de péssimas condições de trabalho (ESTADÃO,
19361). Um sindicato ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores) chegou a pedir
a interdição da Nitro Química, alegando que 750 funcionários estariam contaminados
por bissulfeto de carbono (ESTADÃO, 1986).
Por outro lado, a postura de Antônio Ermírio e do grupo foi enérgica. Uma
greve realizada por funcionários da Metalúrgica Atlas terminou com zero de aumento
dos salários e 350 demitidos (ESTADÃO, 1991). Além disso, quarenta mil pessoas
participaram da “passeata da dignidade”, para defender a empresa e seu líder dos
ataques que vinham sofrendo (ESTADÃO, 19862).
No final da década de 1980, uma nova geração de herdeiros já trabalhava no
grupo. Eles instituíram um encontro periódico para discutir aspectos da gestão da
Votorantim que ficou conhecido como “Reunião dos Primos”. Uma reportagem da
Revista Exame destaca o perfil dessa nova geração:
“Por anos, foram vizinhos no mesmo quadrilátero do Jardim América,
bairro paulistano que abriga mansões de milionários. Quase todos
cursaram o ginásio e o secundário no Rio Branco, colégio da elite
paulistana que o avô [...] comprara em dificuldades doando à
Fundação de Rotarioanos de São Paulo. [...] Diplomados, seguiram
um percurso padrão: foram treinados em posições gerenciais até se
tornarem diretores nas empresas da jurisdição de cada pai. [...]
Tiveram cursos e longas conversas com renomados consultores
especializados em estratégia e liderança” (BLECHER, 2000).
A partir dessas discussões periódicas, a nova geração buscou desenvolver
meios para a unificação dos processos de planejamento e gestão de todas as
132
empresas do conglomerado. Para isso, consultorias foram contratadas e objetivos
foram fixados para proceder com a união progressiva do planejamento e da gestão de
todas as empresas (CALDEIRA, 2008, p. 221).
Durante esse processo, oito dos herdeiros se dividiram em dois grupos. Um
seguiu para a Europa e outro rumou para os Estados Unidos. Eles eram
acompanhados por consultores da McKinsey e foram conhecer corporações familiares
que já estavam entre a quinta e a sétima geração no comando. Conversaram com o
sueco Marcus Wallenberg, líder da família que, por meio de uma holding financeira,
controla a ABB, a Ericsson e a SKF. Na Bélgica, o grupo foi recebido pelos
Brenninkmeijer, os holandeses que há cinco gerações administravam a C&A. Entre as
empresas americanas, estavam a rede hoteleira Hyatt e a Cargill (BLECHER, 2000).
As visitas realizadas também influenciaram a estratégia de sucessão do grupo.
Até então, a terceira geração acreditava que o melhor caminho para seus filhos seria
construir carreiras fora do grupo. Os que se destacassem poderiam, eventualmente,
voltar à Votorantim. O objetivo era evitar que a empresa virasse um cabide de
empregos. Esse princípio foi reformulado, pois constataram que se um jovem herdeiro
não atuasse na empresa logo cedo, dificilmente ele se envolveria com o negócio no
futuro. Assim, foi estabelecido um programa de trainee especial para os familiares,
para absorver os que tivessem vocação e talento, após um período de experiência no
grupo e, também, no mercado (BLECHER, 2000). O processo de trainee dos
familiares foi destacado pelo Entrevistado 2:
“É um processo de trainee separado que esses caras são totalmente
assessorados. E eles vêm aqui de vez em quando. Já vi um moleque
de 17 anos ter uma reunião de uma hora e meia com diretor aqui.
Assim, “quero que me explique tudo”. O cara estava no colégio,
prestando vestibular. E esse cara fazia umas perguntas boas,
entendeu, imagina no almoço “me passa o arroz”, “mas o que você
acha da economia no mundo, a influência...”. Mas depois que esses
caras rodam, tem uns que só vem nessas reuniões meio highlight e
tem uns que ficam como trainee mas ele só pode ficar trainee três
meses. E ele não pode se apegar ao negócio. Depois ele roda, vai
para outra, roda, vai para outra, depois ele fica acho que um ano
rodando, rodando vários negócios, vários departamentos, enxergando
várias realidades diferentes e depois tem que sair. Eles não podem
ficar. Nenhum, nenhum. E aí se esse cara for bem sucedido no
negócio dele, ele pode voltar para o Conselho.”
Além da busca pela centralização e formalização da gestão, a nova geração
influenciou a busca da Votorantim por novos mercados. Assim, em 1987 teve o início o
plantio de laranja em Itapetininga. Esta ação seria o primeiro passo para a criação da
Citrovita, dois anos mais tarde (CALDEIRA, 2008, p. 223). Vale destacar, no entanto,
133
que a intenção de investir na agroindústria já era antiga, conforme pode ser observado
em um trecho do Relatório Anual de 1977:
“Parece-nos muito interessante vir o Brasil a ser um dos celeiros de
alimentos para o nosso mundo e, para isto, pouco nos falta, pois
temos abundância de terras, sol e água. Talvez seja esta a saída
brasileira para as duas últimas décadas deste século.”
No mesmo ano, o grupo vence um leilão de venda dos ativos da Celpav, uma
empresa que tinha um plantio de vinte e cinco mil hectares de eucalipto, mas ainda
não tinha uma fábrica instalada. Esta ação marcaria a entrada da Votorantim no ramo
de papel e celulose. Na mesma época, o grupo entra pela primeira vez no setor de
serviços. Aproveitando décadas de conhecimento financeiro e de aplicação de
recursos, a organização abre uma corretora de títulos e valores mobiliários
(CALDEIRA, 2008, p. 225).
Apesar da incursão em novos negócios, os investimentos nos setores
tradicionais do grupo não foram sacrificados. Ainda em 1987, a empresa investiu 300
milhões de dólares nesses negócios, sendo 40% no setor de cimento (visando o
aumento de 20% na produção total), 30% no de alumínio e 30% nos demais
(CALDEIRA, 2008, p. 226).
Em 1990, com o início do governo Collor, que congelou as poupanças
nacionais, a Votorantim viu serem retidos 600 milhões de dólares que tinha em caixa,
o que correspondia a 80% de seus ativos financeiros. Além disso, em fevereiro
daquele ano, a empresa teve queda de 45% no faturamento. O volume das vendas
naquele mês foi de US$ 190 milhões, ou US$ 252 milhões a menos do que em janeiro
(ESTADÃO, 19902).
Naquele momento, havia projetos em andamento cujo valor era de quase um
bilhão de dólares. Entre eles, destacam-se: Uma nova fábrica de papel, a expansão da
CBA e da CMM. Assim, a empresa se viu pressionada a recorrer a empréstimos para
honrar os seus compromissos e planos, o que exigiu um controle centralizado das
despesas. Além disso, com o mercado interno enfraquecido, a estratégia de
exportação iniciada na década anterior, seria fortalecida. Dessa forma, rapidamente a
empresa alterou um processo que vigorou por décadas. Acabou a descentralização
financeira e inverteu-se a prioridade dos mercados (CALDEIRA, 2008, p. 229). Nildo
Benedetti, então diretor técnico de cimentos, falou sobre o momento:
"O que mais me marcou foi a postura da diretoria naquele dia de
crise. Lembro, especialmente, da reação do doutor José Ermírio de
Moraes Filho. Ele foi ouvindo o anúncio das medidas em silêncio.
Perguntou apenas se seria possível pagar os salários. Quando teve
134
uma resposta positiva, ficou inteiramente tranquilo. Em momentos de
crise como este ele crescia – e a gente ficava tranquilo e confiante."
Diante das dificuldades em honrar os seus compromissos financeiros, Antônio
Ermírio de Moraes busca tranquilizar os seus funcionários. Em março de 1990, faz
uma visita à Metalúrgica Atlas, percorre as instalações, conversa com os chefes dos
setores e informa:
"Tranquilizem o pessoal. Não haverá demissões. A gente trabalha
mais ainda e se aguenta, começando tudo de novo" (ESTADÃO,
1990).
Todavia, apesar das adaptações no plano e dos esforços da liderança, a
Votorantim continuou sofrendo com a deterioração do cenário econômico. Assim,
ainda em 1990 o grupo demitiu 5% dos seus sessenta mil funcionários. Esta foi a
primeira demissão em massa em decorrência de problemas econômicos desde a
fundação do grupo. Além disso, a organização interrompeu a construção da fábrica de
papel (CALDEIRA, 2008, p. 231).
No ano seguinte, a criação de mais um plano para a estabilização dos preços –
o Plano Collor 2 – gerou o aumento de tarifas na produção do cimento, encarecendo
os custos em torno de 25%, o que resultou em novas demissões (que somadas aos
desligamentos anteriores alcançaram dez mil trabalhadores) e contenção de
investimentos. Naquele ano, a empresa já tinha nas exportações uma importante base
de sobrevivência. As vendas para o exterior representavam 75% da produção de
alumínio, 55% do níquel e 30% do aço. Já a Metalúrgica Atlas, por outro lado, ficou
sem nenhuma encomenda, passando a atuar apenas com serviços de manutenção
(CALDEIRA, 2008, p. 232).
Nessa época, começou-se a especular um novo afastamento de Antônio
Ermírio de Moraes da Votorantim para uma candidatura à prefeitura de São Paulo.
Todavia, o empresário descartou a possibilidade, alegando não convinha um industrial
abandonar sua empresa num momento difícil como o que o país vivia. Segundo ele
era o pior dos últimos quarenta anos (ESTADÃO, 1991).
A crise enfrentada pelo grupo acelerou as mudanças na gestão da
organização. Na cúpula da Votorantim, a nova geração convenceu os mais velhos e
houve um entendimento geral de que a descentralização da gestão que havia sido
benéfica durante décadas, não se encaixava mais na nova realidade do Brasil. Com as
transformações encabeçadas pela nova geração da família, as diferentes unidades de
negócio não seriam mais autônomas e passariam a se reportar para um Conselho de
135
Administração que teria José Ermírio Filho como primeiro presidente e Antônio Ermírio
como vice. (CALDEIRA, 2008, p. 241).
Dessa forma, foi criada uma nova holding, a VPar que controlaria o grupo a
partir de então. As superintendências foram substituídas por unidades de negócio
através do agrupamento de atividades. Esse processo começou pela Votorantim
Cimentos (CALDEIRA, 2008, p. 256).
Este setor ainda enfrentava muitas alegações sobre a cartelização. Para tentar
provar o contrário, Antônio Ermírio de Moraes foi ao encontro da ministra da
Economia, Zélia Cardoso de Mello, apresentar os preços do cimento:
"Vim mostrar a ela os reais valores cobrados no mercado interno para
que possa compará-los ao do exterior [...] A produção de cimento
está sendo comercializada a US$ 70 a tonelada, enquanto na
Argentina e no Uruguai, o similar custa US$ 110" (ESTADÃO, 1991).
Com o novo modelo de tomada de decisão, foram mantidos apenas projetos
cuja geração de receitas pudesse ser rápida. Assim, optou-se pela retomada da
fábrica de papel e celulose que seria inaugurada ainda em 1991 e pelo fortalecimento
da CBA. No setor de alumínio, a meta era aumentar a produção de 165 mil para 212
mil toneladas anuais. Para isso, em 1992 foram concluídas as instalações de
beneficiamento de bauxita das jazidas de Cataguases e Itamarati, localizadas em
Minas Gerais. No setor de papel e celulose, além da fábrica de Luiz Antônio, que vinha
sendo construída na região de Ribeirão Preto, foi adquirida a Papel Simão que tinha
cinco unidades produtoras e uma distribuidora. Com isso, foi criada a holding
Votorantim Celulose e Papel SA (VCP) de capital aberto, sinalizando mais uma
mudança na estratégia da organização que raramente havia recorrido ao mercado de
capitais. Dois anos depois, a capacidade instalada da VCP era de 530 mil toneladas
de celulose e de 520 mil toneladas de papel (CALDEIRA, 2008, p. 245).
Este movimento não estava atrelado somente à unidade de papel e celulose.
Envolvia também mudanças na estrutura do grupo com o intuito de criar condições
para que toda a organização pudesse ter acesso ao mercado internacional de crédito,
uma vez que todo o grupo começava a adotar práticas mais modernas de governança.
Além disso, com o objetivo de ampliar a sua presença global e ter uma divisão
específica para representar as empresas do grupo junto a clientes estrangeiros, é
criada a Votorantim Internacional (CALDEIRA, 2008, p. 246).
O plano de reformulação ainda incluiu o encerramento das atividades no setor
têxtil, em 1993. Apesar de ter sido o primeiro e principal negócio do grupo durante
décadas, a rentabilidade da operação havia minguado, principalmente após a abertura
136
econômica que resultou na entrada de muitos produtos asiáticos que tinham preços
mais competitivos (CALDEIRA, 2008, p. 250).
As mudanças empreendidas pela organização ainda incluíram um novo
processo de redução do quadro de funcionários, através de uma iniciativa de
downsizing (CALDEIRA, 2008, p. 251).
Por outro lado, outros setores recém-criados ganhavam espaço dentro do
grupo. A Citrovita, criada em 1987, entrou em operação em 1991, respondendo por
4% da produção nacional de suco concentrado (ESTADÃO, 19903).
A Citrovita tinha uma fábrica localizada em Catanduva e três terminais de
exportação: um em Santos, outro nos Estados Unidos e o último na Bélgica. Assim,
em pouco tempo a Votorantim conseguiu obter uma presença global neste negócio.
Nos dez anos seguintes a empresa iria inaugurar mais uma fábrica no estado de São
Paulo e desenvolver contratos de fornecimento com produtores que garantiriam 80%
do volume de produção do suco (CALDEIRA, 2008, p. 252).
Durante a década de 1990 a Votorantim também ampliou sua participação no
mercado financeiro. Com uma história industrial, a organização havia iniciado sua
trajetória no setor de serviços ao abrir uma corretora ao final da década de 1980. Em
1991, a unidade passou a operar como um banco, criando oficialmente o Banco
Votorantim. A operação inicial era principalmente orientada para serviços para
empresas (banco de atacado). Em 1994, expandiu sua atuação ao oferecer
financiamentos de bens e serviços através da BV Financeira (CALDEIRA, 2008, p.
253).
Para criar e desenvolver o banco, a Votorantim teve que recorrer à captação de
capital, elevando o patamar de endividamento histórico do grupo (BONELLI, 1998). A
criação de um banco foi o sinal mais claro do poder conquistado pela quarta geração.
Durante a história da organização, fica claro o tino industrial de José Ermírio de
Moraes e seus filhos, e como eram avessos ao mercado financeiro, principalmente de
Antônio Ermírio de Moraes que dizia que “se não acreditasse no Brasil, seria um
banqueiro”.
No setor de alumínio, iniciou-se um plano para um novo aumento da
capacidade instalada de 240 mil para 340 mil toneladas anuais. Para não afetar a
autossuficiência energética, o investimento incluiu a construção de duas novas usinas
hidrelétricas. Ao contrário do histórico da empresa, esses novos investimentos foram
custeados através de financiamentos feitos no mercado internacional (CALDEIRA,
2008, p. 248).
Em meados da década de 1990, foi realizada a primeira tentativa de
transferência do comando para a nova geração, através da divisão das unidades de
137
negócio entre os herdeiros dos quatro comandantes do grupo. Assim, cada “família”
ficaria responsável diretamente por um segmento do grupo. Entretanto, conflitos
internos começaram a aparecer e, por isso, deu-se início a um processo de
profissionalização da gestão, com a contratação de executivos externos para
comandar as unidades de negócio (CAVALVANTI, 2000).
Assim, a família deu o primeiro passo para sair do dia a dia dos negócios,
direcionando a sua atenção para uma visão estratégica do grupo. Nos anos seguintes,
a Votorantim continuaria trabalhando no delicado processo de sucessão da terceira
para a quarta geração.
Em 1994, a supervalorização do Real frente ao dólar começa a gerar prejuízo
para a Votorantim, que vinha exportando uma parte expressiva da sua produção. De
acordo com Antônio Ermírio, o prejuízo com a desvalorização do dólar foi de US$ 2,5
milhões somente em julho de 1994 (ESTADÃO, 1994).
Em 1996, com a intensificação dos processos de privatização, a Votorantim
vislumbrou a oportunidade de formar associações para participar dos leilões. Assim,
com o objetivo de formar um colchão de liquidez a fim de evitar surpresas, a
Votorantim vai ao exterior para captar US$ 600 milhões (ESTADÃO, 1997).
Um dos principais alvos do grupo era o setor energético. Em 1996, foi criada a
Votorantim Energia Ltda para participação em parceria com empresas nacionais e
estrangeiras, da privatização e expansão do setor elétrico brasileiro (VOTORANTIM,
1996). No ano seguinte, formou a VBC Energia em parceria com o banco Bradesco e
a construtora Camargo Côrrea. Em 1998, foi inaugurado o primeiro empreendimento
da associação, a usina de Serra da Mesa, construída em parceria com Furnas. A VBC
também adquiriu em conjunto com outros sócios o controle da Rio Grande Energia, a
Companhia Paulista de Força e Luz e a Empresa Bandeirante de Energia (CALDEIRA,
2008, p. 257). Bonelli (1998) destacou o movimento da Votorantim no setor de energia
durante o final da década de 1990:
“O interesse na área energética demonstra cautela quanto à política
energética, temendo-se elevação de preços que possa comprometer
a competitividade dos segmentos de não ferrosos, intensivos em
energia. Assim, a estratégia tem sido de verticalização para trás,
buscando eficiência e mais autonomia energética, incluindo-se o
interesse na participação dos programas de privatização das
empresas do setor elétrico”.
Além disso, a empresa buscou fortalecer a sua participação na indústria de
metais. Assim, em associação com a japonesa Mitsui, a Anglo American e outras
dezesseis empresas, formou o consórcio Valecon que participa, mas não vence o
leilão de privatização da Vale do Rio Doce. Por quatro meses, Carlos Ermírio de
138
Moraes (filho de Antônio Ermírio) e sua equipe ficaram trancados na sala de dados da
empresa estudando a situação e as perspectivas da Vale. Antônio Ermírio disse que o
preço pago foi alto demais (a empresa foi avaliada em R$ 12,4 bilhões). Porém, nas
conversas particulares, chegou a lamentar a perda do negócio (PASTORE, 2013, p.
152). A Vale acabou sendo adquirido pelo consórcio formado por Benjamin Steinbruch
que havia comprado e CSN antes e conseguiu reunir os principais fundos de pensão
das estatais do país.
Em 1997, foi criada a Votorantim Cimentos, holding que passaria a controlar as
empresas que atuam na produção de cimento, cal, argamassa industrializada e
concreto. Assim, as quatro diretorias que vigoravam desde os anos de 1960 seriam
extintas. De acordo com Blecher (2000), até aquele momento não havia sinergia entre
as fabricantes de cimento do grupo que chegavam até a concorrer entre si. Portanto,
somente a partir deste ano é que um sistema informatizado passaria a decidir que
unidade seria mobilizada para atender uma encomenda.
Junto com a criação da Votorantim Cimentos, foi colocado em prática um novo
plano para substituição do combustível utilizado na fabricação do cimento. No lugar do
carvão que vinha sendo utilizado desde o final da década de 1970, passou-se a usar o
coque do petróleo, um resíduo do processo de refino do petróleo. Esse processo de
transição foi destacado nos depoimentos obtidos com funcionários do grupo:
“Fomos até 1990 e pouco com o carvão mineral. Aí o governo cortou
o subsídio do carvão mineral. Aí ele ficou mais caro que o coque.
Mais caro do que o óleo. Aí a Petrobrás ofereceu, para a Votorantim,
óleo pesado e depois super pesado. Óleo que você precisava de
quase 200 graus para amolecer. Só que quanto mais difícil de utilizar
– óleo que era sólido, em temperatura ambiente era sólido – mais
barato. Então, a Petrobrás foi fornecendo esse óleo, cada vez de pior
qualidade, de tal maneira que ele fosse mais barato para incentivar o
uso. Bom, esse óleo custava muito caro para nós. Mesmo sendo
difícil, ele custava muito caro. O combustível no Brasil é muito caro.
Bom, onde está o nosso calcanhar de Aquiles? Energia térmica. O
que nós fizemos? A gente verificou que o “petcoke”, de alto teor de
enxofre custava 25% do custo do óleo que a gente usava. Como 40%
do custo do nosso processo é combustível, eu tinha condições de
reduzir esse custo. Veja, ¼ de 40% é 10%. Isso representa muitos
milhões de dólares. Só que era um desafio, ninguém tinha feito.
Como o estudo teórico estava feito. A gente acreditava que podia
fazer” (ENTREVISTADO 6).
Em 1998, a VCP lançou suas ações na bolsa de Nova York, ampliando o seu
acesso a capitais de risco. As novas práticas de governança e gestão demandadas
pela abertura de capital começaram a ser replicadas nas demais unidades (BLECHER,
2000).
139
Em 2000, morre Clóvis Scripilliti. No ano seguinte, em uma coletiva de
imprensa realizada na sede da Votorantim, Antônio Ermírio de Moraes passa
oficialmente o comando do grupo para a quarta geração da família. O evento foi
simbólico e rápido. Após uma breve conversa com os jornalistas, disse: “Agora vocês
conversem com eles” apontando para os oito acionistas, todos membros da nova
geração. (CALDEIRA, 2008, p. 259).
No grupo dos novos comandantes, estavam presentes parte dos herdeiros dos
três irmãos e de Clóvis Scripilliti. Essas pessoas tinham atuado em diversas áreas da
organização e haviam ganhado o respaldo dos demais herdeiros. A identificação dos
novos gestores do grupo é apresentada na tabela 6-2. Como é possível perceber, na
nova divisão de, havia dois irmãos de cada um dos quatro “clãs” da família, de forma
que houvesse equidade na condução dos negócios.
Tabela 6-2 – Quarta Geração da Família Ermírio de Moraes
Clã
José Ermírio de
Moraes Filho
Antônio Ermírio de
Moraes
Herdeiros
Formação
José Ermírio de Moraes Neto
Administrador de Empresas pela
FGV
José Roberto Ermírio de Moraes
Engenheiro Metalúrgico pela FAAP
Engenheiro Metalúrgico pela
Colorado School of Mines
Engenheiro Químico pela Colorado
School of Mines
Carlos Ermírio de Moraes
Luís Ermírio de Moraes
Ermírio Pereira de
Moraes
Fábio Ermírio de Moraes
Engenheiro Mecânico pela FAAP
Cláudio Ermírio de Moraes
Engenheiro Químico pela FAAP
Clóvis Scripilliti
Clóvis Emírio de Moraes Scripilliti
1
1
Engenheiro Metalúrgico pelo
Mackenzie (incompleto)
Carlos Eduardo de Moraes Scripilliti passou a ser representado no Conselho pelo seu irmão, Clóvis, não
tendo atuação no grupo.
Fontes: Pastore (2013); Fibria (2005).
Duas semanas após o anúncio da nova estrutura, José Ermírio de Moraes Filho
faleceu (CALDEIRA, 2008, p. 260).
Para conseguir concluir o processo sucessório sem novos conflitos entre os
sucessores, houve novas alterações na estrutura do grupo. Na mudança, foram
criados dois conselhos (familiar e executivo) que estariam subordinados a um
Conselho de Administração principal formado pelos comandantes da terceira geração.
O Conselho Executivo, com participação dos oito primos, seria presidido por Carlos
Ermírio de Moraes e teria José Ermírio de Moraes Neto na vice-presidência. Este
conselho visava direcionar e monitorar estrategicamente os negócios (CALDEIRA,
2008, p. 263). O Conselho Executivo exerceria suas funções a partir da relação com
cinco áreas de negócios conforme é apresentado na tabela 6-3:
140
Tabela 6-3 – Unidades de Negócio da Votorantim em 2001
Área
Presidente
Vice
Presidente
Negócios
Votorantim
Industrial
(VID)
José Roberto
Ermírio de
Moraes
Fábio Ermírio de
Moraes
Passou a agrupar os negócios
tradicionais do grupo: cimento, metais,
papel e celulose, filmes flexíveis
através da Votocel e, por último, a
Votorantim Internacional.
Votorantim
Negócios
José Ermírio de
Moraes Neto
Cláudio Ermírio
de Moraes
Estava relacionada aos negócios que
ainda não tinham um desempenho
maduro como as unidades dos setores
químico e agroindústria.
Votorantim
Finanças
José Ermírio de
Moraes Neto
-
Era relacionada ao Banco Votorantim
que já era o segundo maior banco de
atacado do país e o décimo-primeiro no
ranking de ativos totais.
Votorantim
Energia
Carlos Ermírio
de Moraes
-
Consolidava todas as unidades de
geração de energia do grupo.
Votorantim
Novos
Negócios
Luís Ermírio de
Moraes
Seu objetivo era encontrar negócios
promissores a médio e longo prazo,
principalmente nos segmentos de
biotecnologia e tecnologia da
informação.
Fonte: CALDEIRA, 2008, p. 263
Vale destacar que o Conselho Executivo da Votorantim tinha uma característica
mais atuante, visando justamente, a condução compartilhada dos negócios. Esse
modelo é destacado em trecho da reportagem da Época (2008):
“Diferentemente do que ocorre em outros conselhos, não se reúne
uma vez por mês. Trabalha em tempo integral. Seus membros batem
ponto todos os dias no escritório e não há decisão de que não
tenham conhecimento.”
A tabela 6-4 mostra como estavam as participações dos principais negócios da
Votorantim em 2000:
Tabela 6-4 – Participação da Votorantim no Mercado Brasileiro, por Negócio
Unidade
%
Cimento
42%
Alumínio
20%
Zinco
56%
Níquel
24%
Aço
7%
Fonte: Votorantim, 2000
141
A transformação da estrutura foi acompanhada de mudanças na gestão da
organização. Em 2002, o novo comando do grupo introduziu o Sistema de Gestão
Votorantim (SGV). Entre outras práticas, o sistema visava: A disseminação de
melhores práticas, compras conjuntas de materiais e serviços, integração de
transportes e aumento da disponibilidade de linhas de produção (CALDEIRA, 2008, p.
269).
Além disso, o grupo lançou o Sistema de Liderança Votorantim, com o objetivo
de desenvolver profissionais de destaque na organização e o projeto Integra que
permitiu que doze mil funcionários em todo o mundo utilizassem o mesmo sistema de
gestão (CALDEIRA, 2008, p. 273). Essa nova fase também alterou o perfil de
funcionários do grupo, conforme foi ressaltado em reportagem da Revista Exame:
“Foi-se o tempo em que leais funcionários, com mais de 70 anos, ali
permaneciam mesmo após a aposentadoria. Uma leva de sangue
novo, em grande parte vinda de multinacionais, chegou ao grupo em
anos recentes” (BLECHER, 2000).
Além disso, o novo comando adotou novas estratégias de expansão. Com
baixas possibilidades de crescimento em seus negócios no país, a Votorantim
intensificou o seu processo de internacionalização. O Relatório Anual de 2001
destacava a importância de a Votorantim se tornar uma empresa internacional e iniciar
uma nova fase de crescimento:
“Uma das maiores conquistas do Grupo Votorantim em 2001 foi a
definição clara de sua aspiração de crescimento, para tornar-se uma
empresa “world class” em todas as funções que executa, reconhecida
e respeitada por seus fortes valores. [...] Sustentada por um sistema
de gestão empresarial focado em excelência operacional,
organizacional e em pessoas, essa estratégia imprimiu uma dinâmica
ao Grupo Votorantim em 2001, dando impulso às nossas decisões de
crescimento”.
Em 2001, foi dado o primeiro grande passo nesse sentido através da aquisição
da St Mary´s Cement Inc, uma empresa que detinha 10% do mercado de cimento no
Canadá. Dois anos depois, fortaleceria sua posição na região ao adquirir a Suwannee
American Cement, conquistando a liderança do setor de cimento do Canadá e dos
Grandes Lagos nos EUA. (CALDEIRA, 2008, p. 264).
No segmento de metais, como consequência do projeto de expansão iniciado
anos antes, a CBA tornou-se a maior fábrica integrada do mundo, com produção de
340 mil toneladas anuais, sendo metade desse montante direcionado para o exterior.
No ano seguinte, a Votorantim realizou a aquisição da Paraibuna Metais, que era a
segunda maior produtora de zinco do país e da refinaria Cajamarquilla, no Peru, o que
142
fez a empresa se tornar a quinta maior produtora mundial de zinco. Assim, pela
primeira vez na história, a unidade de metais foi a de maior faturamento no grupo
(CALDEIRA, 2008, p. 271).
Outras aquisições estratégicas foram realizadas, como a compra, ainda em
2001, de 28% do capital votante da Aracruz Celulose, líder na produção de celulose de
eucalipto (CALDEIRA, 2008, p. 265).
Durante os anos de 1990, a empresa já havia mais que duplicado o seu
faturamento, partindo de US$ 1,3 bilhão em 1990 para US$ 2,8 bilhões em 1999.
Todavia, esta nova etapa empreendida pela nova geração se mostrava bem mais
agressiva. Os investimentos que foram de US$ 0,5 bilhão em 2000, pularam para US$
1,7 bilhão no ano seguinte. Assim, em 2006, apenas cinco anos após a sucessão, a
nova direção alcançou uma receita de US$ 13,3 bilhões, volume quase quatro vezes
maior do que os US$ 3,5 obtidos em 2001. (CALDEIRA, 2008, p. 238).
Vale ressaltar, no entanto, que a Votorantim também buscou crescer
organicamente. Em 1999, foi lançado um projeto de modernização e expansão da
fábrica de Barra Mansa para dobrar a capacidade para 800 mil toneladas anuais
(VOTORANTIM, 1999). Já a CBA, começou a desenvolver um plano de uma nova
elevação da produção para 400 mil t/ano a ser alcançada em 2005, que seria sucedida
por uma expansão futura para 530 mil t/ano a partir de 2009 (VOTORANTIM, 2003).
Acompanhando o plano de crescimento das unidades de negócio, um novo
programa de construção de hidrelétricas visava elevar a capacidade de geração
própria de energia de 35% para 60% do seu consumo total (VOTORANTIM, 2001).
Em 2005, a organização recebeu o Prêmio IMD destinado a empresas de
controle familiar com comprovado nível de desempenho, sustentabilidade, presença
internacional e de grande responsabilidade social. Foi a primeira instituição latinoamericana a receber a premiação. Além disso, obteve da agência de classificação de
risco Standard & Poors o nível de investment grade, que oferecia novas perspectivas
de financiamento para a empresa.
Dois anos depois, a organização começou a enfrentar uma grande crise
institucional. José Meneguel, ex-coordenador comercial da Votorantim Cimentos
acusou seis das principais fabricantes de cimento do país (entre elas a Votorantim) de
formar um cartel, com controle de preços e de participação de mercado. A denúncia
motivou uma investigação da Secretaria de Direito Econômico. Em 2012, o órgão
recomendou a condenação de todos os envolvidos, mas o caso ainda não foi julgado
pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). De acordo com o
relatório, as empresas teriam atuado de forma orquestrada por seis décadas. Dessa
forma, elas teriam inflacionado o faturamento em pelo menos 10% desde 2004
143
(BRONZATTO, 2012). Em 2014, o CADE decidiu de maneira unanime pela
condenação da Votorantim e mais cinco empresas do setor. A multa foi de R$ 3,1
bilhões, sendo metade desse valor devido pela empresa da família Ermírio de Moraes.
A decisão ainda incluiu a venda de ativos por parte das empresas para forçar a
competição. As insinuações de cartelização do setor, no entanto, não são recentes,
como é possível verificar no Relatório Anual de 1968:
“Devido à escassez do produto, muitas críticas têm sido feitas aos
fabricantes de cimento, no que diz respeito ao preço do produto.
Sobre o assunto queremos frisar que, sendo o preço do cimento
controlado pela CONEP, agimos rigorosamente dentro da conjuntura
nacional. Não procede a afirmativa de que o cimento nacional é
excessivamente mais caro do que o importado, embora pesem contra
nós taxas e impostos, bem como preços de combustíveis, muito mais
altos do que na maioria dos países latino-americanos e europeus”.
Em 2006, a Votorantim continuou com o seu processo visando criar um Grupo
Único. Assim, a Diretoria Geral da VID passou a desempenhar um papel mais direto
na gestão dos negócios da empresa, com foco nas estratégias de crescimento,
avaliação de desempenho das unidades e preparação de talentos (VOTORANTIM,
2006).
Em 2008, a crise financeira global deflagrada nos EUA, gerou grandes
transformações no grupo. Primeiro, a redução da atividade econômica mundial
resultou em queda dos preços de grande parte do portfólio de produtos da Votorantim
durante o ano de 2009: aço (-13%), celulose (-15%), suco de laranja (-40%), níquel (36%), alumínio (-35%) e zinco (-12%). Segundo, o movimento deu início a uma série
de grandes transações realizadas pelo grupo.
O grupo vendeu, ainda em 2008, 49,99% das ações do Banco Votorantim para
o Banco do Brasil. Assim, a administração passou a ser compartilhada, com a
formação de um Conselho de Administração composto por três membros de cada
parte (VOTORANTIM, 2009).
Em 2011, a Votorantim também vendeu por um valor não revelado a Nitro
Química, deixando, assim, o setor. O comprador foi um fundo de investimentos. A
decisão fez parte da estratégia de vendas de ativos para concentração nos principais
negócios do grupo. No mesmo ano, também se desfez de toda a participação que
tinha na Siderúrgica Usiminas, em um negócio de R$ 2,4 bilhões (VOTORANTIM,
2011).
Por outro lado, foram realizadas importantes aquisições. No auge da crise, em
2008, adquiriu o controle da Aracruz Celulose, assumindo a liderança global do setor.
Após o anúncio do negócio, a Aracruz reconheceu R$ 1,95 bilhão em perdas
financeiras por exposição a derivativos e a Votorantim R$ 2,2 bilhões pelo mesmo
144
motivo. Ainda assim, o negócio foi mantido, pois a desistência geraria uma multa de
R$ 1 bilhão para a Votorantim. (VOTORANTIM, 2008).
Como consequência das elevadas perdas financeiras com derivativos, foi
criada uma Diretoria de Gestão de Riscos subordinada ao Conselho de Administração
com o intuito de oferecer suporte na análise e gestão de riscos corporativos das
diferentes unidades de negócio (VOTORANTIM, 2009).
Cabe ressaltar que o episódio envolvendo o reconhecimento das perdas
financeiras oferece uma exemplificação de como funcionava o Conselho Executivo do
grupo. Embora o comando envolvesse decisões em conjunto, o caso parece indicar
que as decisões eram tomadas de maneira rápida, conforme é apontado em trecho de
reportagem da Revista Exame:
“No Conselho Executivo da Votorantim, as decisões são tomadas por
consenso. A necessidade de aprovação de todos não tem significado,
até agora, lentidão no processo decisório [...] No começo de outubro,
começaram a surgir rumores de mercado de que as perdas da
Votorantim com derivativos chegariam a 10 bilhões de reais. Em
menos de uma semana, o conselho decidiu liquidar sua exposição
aos derivativos para acalmar o mercado e comunicar às agências de
risco as reais perdas com as operações. (COSTA & MEYER,
2009)”.
No segmento de agroindústria, a Votorantim realizou uma fusão com a
Citrosuco, em 2010, criando o maior produtor global de suco de laranja. Cada uma das
fundadoras passou a ter 50% da nova empresa, compartilhando a gestão
(VOTORANTIM, 2010).
No setor de cimentos, a crise imobiliária americana fez as vendas naquele país
declinarem 10% em relação a 2007. O mercado brasileiro, por sua vez, aquecido pela
oferta de crédito, cresceu 15%. Esta mudança exigiu adaptações da empresa que
estava intensificando os investimentos no exterior, em detrimento do mercado interno
que vinha de muitos anos de baixo crescimento. Em consequência desses eventos, o
cimento que havia representado apenas 19% das vendas em 2007, volta a ser o
principal negócio da Votorantim com 26% de participação (VOTORANTIM, 2008).
No setor de alumínio, após mais um plano de expansão, a CBA alcançou uma
capacidade de produção de 465 mil toneladas ano, se consolidando como a maior
fábrica integrada de alumínio no mundo. Esta elevação da capacidade foi
acompanhada do aumento da produção interna de energia. Assim, a empresa
conseguiu atingir um patamar de 70% de autossuficiência energética, enquanto que a
média mundial girava em torno de 28% (VOTORANTIM, 2008).
145
A partir de 2008, com a aquisição de usinas na Argentina e na Colômbia, as
atividades siderúrgicas foram desmembradas da unidade de
Metais e se
transformaram na Votorantim Siderurgia, com capacidade instalada de 1,45 milhão de
toneladas, sendo 750 mil no Brasil, 250 mil na Argentina e 450 mil na Colômbia
(VOTORANTIM, 2008). No ano seguinte, foi inaugurada uma nova siderúrgica em
Resende (RJ) com capacidade de aciaria de um milhão de toneladas/ano e laminação
de quinhentas mil toneladas/ano. A instalação ocorreu em paralelo às iniciativas de
modernização da usina de Barra Mansa. Próximas geograficamente, as unidades
passaram a atuar de maneira complementar (VOTORANTIM, 2009).
Em 2012, a Votorantim deu mais um passo no fortalecimento de sua posição
na siderurgia ao inaugurar uma nova usina na cidade de Três Lagoas (MS) em uma
joint venture realizada com Alexandre Grendene. A usina produz aços longos para o
mercado do Centro-Oeste, utilizando para isso, os aços brutos da unidade de
Resende. A capacidade de produção era de 800 mil toneladas ano (VOTORANTIM,
2012).
Após essa série de movimentos, a organização fez mais uma adequação de
sua estrutura. Assim, ficaria dividida em: Industrial - abrangendo negócios de
cimentos, metais, energia, siderurgia, celulose e papel e agroindústria; Finanças; e
Novos Negócios.
Já o segmento financeiro viveu períodos antagônicos desde o estouro da crise.
Em meio à crise financeira global, a unidade foi o principal negócio da Votorantim no
ano, representando 30% das receitas do grupo em 2009. Por outro lado, os
financiamentos de veículos que haviam sido uma importante fonte de crescimento,
começavam a ter um aumento considerável o nível de inadimplência. Assim, ainda em
2009, o Banco Votorantim dobrou suas provisões para devedores duvidosos.
(VOTORANTIM, 2009). Em 2011, o valor triplicou R$ 3,3 bilhões. Em 2012, a provisão
para créditos de liquidação duvidosa subiu para R$ 5,4 bilhões (VOTORANTIM, 2012).
Em 2013, o Banco do Brasil, chegou a realizar estudos para propor a compra
de mais 25% da participação do Banco Votorantim. Entretanto, diante do ambiente
instável, acabou cancelando a proposta (SCIARRETTA, 2013). No entanto, novas
mudanças na composição societária ou mesmo a saída do setor pela Votorantim não
estão descartadas. De acordo com Moreno (2013), o banqueiro André Esteves estaria
interessado na compra da participação da família Ermírio de Moraes no banco, através
do BTG Pactual, para se tornar sócio do BB. Esses movimentos acontecem em um
período de dificuldades do grupo. Nos três últimos anos, o banco operou em prejuízo.
Em 2012, obteve um resultado negativo de R$ 1,9 bilhão e, no ano seguinte, de R$
512 milhões.
146
Não deixa de ser interessante destacar a reticência de Antônio Ermírio de
Moraes, quando questionado pelo seu biógrafo sobre a entrada da Votorantim no setor
financeiro e dos bons resultados que vinham obtendo:
“Ponderei aos meus irmãos que nós não somos do ramo. Podemos
dar com os burros n´água" (PASTORE, 2013, p. 147).
Em 2010, com problemas de saúde, Antônio Ermírio de Moraes, o último
integrante da terceira geração no comando, deixa a presidência do Conselho de
Administração do grupo que passa a ser ocupado por José Ermírio de Moraes Neto.
No ano seguinte, a Votorantim realiza mais uma mudança em sua estrutura. As
unidades de negócios (Industrial, Financeira e Novos Negócios) são desmembradas.
O Conselho de Administração VPar presidido por José Roberto Ermírio de Moraes
passa a ser o órgão máximo da Votorantim e José Ermírio de Moraes Neto passa a
ser o presidente do Conselho de Administração do Banco Votorantim. Raul Calfat,
executivo do segmento de papel e celulose (era funcionário da Papel Simão, adquirida
em 1992), se torna o Diretor Presidente da Votorantim Industrial (VOTORANTIM,
2011).
Em 2012, a Votorantim vendeu a sua sede central no Centro da cidade de São
Paulo para o Governo do Estado. Assim, os escritórios que ficavam nesta sede foram
distribuídos entre as demais unidades do grupo.
Nos últimos anos, os resultados do grupo passaram a ter uma grande
dependência da Votorantim Cimentos - em 2010, por exemplo, o setor de cimentos
respondia por 40% da Receita Líquida e por 60% do EBITDA da Votorantim
(VOTORANTIM, 2010).
Além da dependência da unidade de cimentos, a companhia passou a conviver
com um nível de endividamento preocupante. Em 2012, a dívida bruta chegou a R$
25,2 bilhões, um aumento de R$ 3 bilhões em relação a 2011. Ou seja, a dívida da
empresa pela primeira vez foi superior a sua receita líquida anual (R$ 24,8 bi em
2012). Enquanto que em 2001 o valor da dívida não chegava a uma vez a geração de
caixa, em 2012 ela foi de 3,6 vezes. Ainda, de um lucro líquido de R$ 1.2 bi em 2011,
o segmento industrial do grupo teve um resultado de apenas R$ 87 milhões em 2012.
(VOTORANTIM, 2012). Em 2013, o lucro da VID subiu para R$ 238 milhões
(REUTERS, 2014).
Ainda em 2013, a Votorantim Cimentos iniciou uma operação para abertura do
seu capital em um negócio avaliado em cerca de R$ 10 bilhões. Todavia, em virtude
do fraco desempenho do mercado de ações brasileiro naquele ano, o plano foi adiado
(REUTERS, 2013).
147
No início de 2014, Raul Calfat, presidente da Votorantim Industrial, deixa o
cargo para assumir a frente do Conselho de Administração. A alteração faz parte de
uma nova estratégia da empresa, que pretende descentralizar funções, fazendo com
que o braço industrial passe a atuar de forma integrada com o Conselho de
Administração da VPAR. Com a saída de Calfat, a presidência da VID passa a ser
ocupada pelo executivo João Miranda, que era o diretor financeiro (BEZERRA, 2014).
148
7 ANÁLISE
7.1
Análise das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento
O grupo Matarazzo foi o maior conglomerado nacional durante décadas. A sua
origem data de 1882, quando o italiano Francesco Matarazzo aportou no Brasil e
fundou uma fabriqueta de banha de porco no interior do Estado de São Paulo. A partir
daí, a organização seguiu por um processo de crescimento e diversificação que
abrangeu negócios nas mais diversas indústrias, com destaque principalmente para os
setores têxtil, alimentício e químico. Dessa forma, o conglomerado atingiu um porte
colossal, de dimensão comparável apenas à organização desenvolvida pelo Barão de
Mauá no século XIX.
Apesar de não ter sido possível identificar balanços financeiros anteriores a
1941, as leituras realizadas permitiram constatar que o auge da organização ocorreu
entre as décadas de 1920 e 1940. O formato da curva de crescimento apresentada no
gráfico 7-1 sugere realmente esse período de sucesso inicial. A partir do final da
Segunda Guerra Mundial, a organização entrou num período de declínio irreversível,
que culminou com o pedido de concordata de grande parte de suas empresas em
1983. Desde então, a Matarazzo perdeu relevância no cenário industrial brasileiro,
mantendo atualmente uma pequena parcela dos antigos ativos que estão, em sua
maioria, arrendados para terceiros.
A análise das respostas da Matarazzo aos desafios do crescimento,
apresentada nesta seção, buscará identificar os traços organizacionais desenvolvidos
pela organização e compará-los à teoria em questão, com o objetivo de verificar em
que medida esses fatores contribuíram para que a empresa desenvolvesse uma
propensão ao fracasso e seguisse um caminho de autodestruição.
149
Gráfico 7-1 – Evolução do Tamanho da Matarazzo entre 1941 e 1980
0,30
0,25
y = -2E-06x4 + 0,0124x3 - 36,423x2 + 47620x - 2E+07
R² = 0,77
0,20
0,15
0,10
0,05
Tamanho = Faturamento/PIB
7.1.1
1983
1981
1979
1977
1975
1973
1971
1969
1967
1965
1963
1961
1959
1957
1955
1953
1951
1949
1947
1945
1943
-0,05
1941
0,00
Performance = Lucro Líquido/PIB
Desafio do Empreendedorismo
Os serviços empreendedores são condições necessárias para a criação de
valor e o crescimento contínuo de uma organização. A análise do grupo Matarazzo à
luz das dimensões do empreendedorismo propostos por Penrose (1980) indica que
foram desenvolvidas capacitações empreendedoras que levaram a organização ao
crescimento. Entretanto, identificou-se uma dificuldade em manter a capacidade de
julgamento à medida que a organização foi crescendo e se tornando mais complexa.
Além disso, com as transformações da economia ao longo do tempo, a organização
também não conseguiu manter o mesmo nível de versatilidade para encontrar novas
oportunidades lucrativas no timing adequado.
a) Ambição
Conforme discutido por Penrose (1980), a ambição empreendedora pode ser
observada através da intenção de se criar um grande grupo empresarial
(empirebuilder), ou de se buscar a melhoria da qualidade e dos produtos da
organização (product-minded). Durante praticamente toda a trajetória da Matarazzo,
percebe-se a recorrência de altos níveis de ambição, principalmente no sentido de se
criar um grande império industrial, tendo um papel fundamental no processo de
crescimento da organização.
150
Essa ambição empreendedora fica evidente desde os primeiros anos de
atividade comercial de Francesco. A sua vinda ao Brasil já era resultado de uma
ambição para empreender, uma vez que o jovem italiano trouxe consigo uma carga de
banha de porco da Itália, que ele esperava comercializar no país. Após se estabelecer
em Sorocaba e conseguir um relativo sucesso na comercialização de banha e outros
produtos na região, o empresário decidiu se desfazer de seus negócios e ir para São
Paulo, uma cidade que vinha crescendo por conta da leva de imigrantes e da
economia do café e que, portanto, oferecia mais oportunidades lucrativas para o
crescimento dos seus negócios. Já na nova cidade, ele faria a transição do comércio
para a indústria, sendo um dos precursores do processo da industrialização brasileira.
A partir daí, fica evidente uma ambição para criar mais e mais empresas com o
objetivo de formar um grande grupo industrial.
As histórias da industrialização brasileira e do surgimento da Matarazzo se
confundem. A ambição empreendedora de Francesco levou à criação de fábricas em
um país cujo motor econômico era exclusivamente agrícola e tudo o que consumia de
produto industrializado era importado.
Nas
décadas
seguintes,
a
organização
seguiria
gerando
novos
empreendimentos onde quer que fossem identificadas oportunidades de atuação,
possibilitando a identificação de um espírito de empirebuilder do Conde Francesco.
Embora os números costumem divergir, de acordo com Milton Getúlio da Cunha, que
foi Diretor da IRFM durante a década de 1970, a Matarazzo chegou a reunir 170
empresas, se mantendo como o maior grupo empresarial brasileiro por décadas. Essa
ambição é observada no discurso do próprio empreendedor:
“Sempre considerei a riqueza como meio de atingir um ideal: Ampliar,
ampliar o máximo o organismo industrial, já vasto, ao qual liguei meu
nome; intensificar todos os meus esforços no sentido de tornar mais
eficiente a contribuição que a mim mesmo me impus como dever, para a
1
emancipação do Brasil” Francesco Matarazzo (COUTO , 2004, p. 14).
Ainda na gestão de Chiquinho e já com a empresa enfrentando dificuldades
financeiras, essa continuaria a ser uma característica marcante do grupo. Ao mesmo
tempo em que fechava alguns negócios, outros eram criados, de forma a evitar que o
império Matarazzo fosse reduzido. Esse movimento fica evidente no final da década
de 1950 e início dos anos de 1960 quando os seguintes negócios foram
descontinuados: fábricas de pregos e de alimentos em conserva (1957), panificação
(1959), fábrica de desinfetantes e esponjas (1962), pasta de amendoim (1963),
frigoríficos (1964). Por outro lado, no mesmo período foram inaugurados novos
negócios como a Trificel (1957), uma fábrica de embalagens (1958), a Cloroquim
(1959) e os Supermercados Superbom (1960).
151
Outro episódio marcante que retrata essa visão foi identificado em depoimento
do Entrevistado 1 que relatou a postura de Chiquinho quando ele decidiu vender o
luxuoso edifício sede do grupo em 1972. De acordo com as palavras do depoente,
apesar das dificuldades financeiras enfrentadas pelo grupo, o Conde “não queria ser
diminuído”:
“Eu estou vendendo o prédio, mas no lugar do prédio eu vou construir
um shopping que vai deixar todo mundo de boca aberta. Lá no Largo
Pompéia.”
Mesmo durante a década de 1980, após o pedido de concordata e com o
comando com Maria Pia, da terceira geração, é possível identificar características
fortes de ambição. Com a desativação de diversas unidades industriais, a Matarazzo
ambicionava destruir parte do complexo para construir, em parceria com uma empresa
Canadense, o maior shopping da América Latina que, por falta de capital e entraves
jurídicos, acabou nunca saindo do papel.
b) Versatilidade
A capacidade de imaginar e identificar novas oportunidades lucrativas é
essencial para a organização crescer de forma saudável. No processo de formação e
expansão do seu grupo industrial, Francesco Matarazzo demonstrou versatilidade e
capacidade visionária para criar valor.
Martins (1976, p. 55) destacou que o Conde sempre esteve atento às
oportunidades econômicas de todas as fases de transformação dos produtos. Dessa
forma, o seu crescimento não foi simplesmente defensivo. Pelo contrário, visava o
aumento dos lucros. Reiss (1980, p. 33) afirma que o empreendedor detinha uma série
de habilidades que o tornavam um “criador de impérios”.
Dois anos após ter se estabelecido em Sorocaba, ele percebeu que havia um
grande consumo de banha de porco importada no Brasil, mas que devido às longas
viagens e ao método de acondicionamento, parte significativa dos produtos estragava
antes de chegar ao Brasil. Assim, montou uma prensa com base nos modelos que
tinha visto na Itália e começou a fabricar óleo a partir da gordura animal. Em poucos
anos, conseguiu abrir outras unidades, alcançando um novo patamar para o seu
negócio.
Quando já havia obtido certo porte, ao invés de se contentar com a posição
alcançada, percebeu um grande movimento de compra e venda de empresas em
decorrência da política do Encilhamento (descrita com maiores detalhes no Capítulo
4). Assim, vendeu parte dos seus estabelecimentos e, com o excedente, montou um
grande comércio na cidade de São Paulo.
152
Na nova cidade se tornou um importante comerciante, passando também a
importar farinha de trigo. Percebendo que o produto comprado no exterior muitas
vezes chegava ao país com baixa qualidade, Matarazzo vislumbrou a possibilidade de
criar um grande moinho de trigo, o primeiro do país. Tratava-se de uma grande
manobra, pois, envolvia a transição das atividades comerciais para a indústria. Assim,
em 1900, se tornou um dos pioneiros da indústria nacional.
Para reduzir sua vulnerabilidade em um ambiente em que a indústria era
praticamente inexistente, começou a fabricar os próprios sacos para acondicionar o
produto final. Desse processo, surgiu o braço têxtil do grupo que, por sua vez, levou a
fabricação de óleos de algodão e, posteriormente, produtos químicos. Portanto, notase como a Matarazzo usou o excesso de recursos gerados dentro de suas unidades
para criar novos empreendimentos lucrativos. De unidades formadas para abastecer o
próprio grupo e reduzir sua dependência em relação a terceiros, o empreendedor
ampliou o escopo de suas atividades, ganhando escala para competir em diferentes
mercados. Assim, a organização formava o seu tripé Alimentos, Têxteis e Químicos.
Portanto, é possível identificar nessa fase inicial a existência do motor do
crescimento contínuo proposto por Fleck (2003). A figura 7-2 apresenta esse processo
de crescimento, baseado em mecanismos de reforço, no qual o desequilíbrio de
recursos incentivou a ampliação do escopo de atividades do grupo.
Figura 7-1 – Processo de Diversificação da Matarazzo entre 1900 e 1903
153
Durante as décadas de 1910 e 1920 a organização seguiu um intenso
processo de diversificação não relacionada, ocupando tanto quanto pudesse os
espaços existentes para a fabricação de produtos no Brasil. Assim, nesse período
foram criados empreendimentos nos mais diversos negócios: Usina de açúcar (1910),
fábrica de pregos (1912), amideria e fecularia (1914), fábrica de velas e graxas (1916),
frigorífico (1920), fábrica de licores e seção cinematográfica (1922), fábrica de
curtumes e extrato de tabaco (1924), fábrica de rayon (1926).
Esses negócios ampliaram a extensão da organização, mas em grande parte
não apresentavam grandes potenciais de lucratividade. Foram criadas, também,
empresas fornecedoras de insumos e serviços para as demais companhias da IRFM,
sem que esses negócios apresentassem um potencial de geração de lucros relevantes
para a organização, como a companhia de seguros (1917) e a de navegação e
transporte (1919).
Conforme destacado por Donald Rust em um relato escrito em 1934, a grande
expansão da IRFM criava uma proteção às mudanças no ambiente. Assim, mesmo
que algumas unidades apresentassem prejuízos na época, essas perdas eram
compensadas pelos negócios lucrativos. Dessa forma, é possível identificar um perfil
defensivo em parte das expansões do grupo durante essa fase.
Apesar disso, é possível destacar a realização de pesquisas internamente, que
indicavam uma capacitação na busca e identificação de novas oportunidades
lucrativas. Em 1917, foram feitas experiências com farinha de milho para mistura à
farinha de trigo para produção de pães, reduzindo a dependência do produto
importado. Em 1924, identificou-se de forma pioneira o potencial econômico de
extração e refino do óleo de babaçu. No início da década de 1930, a Matarazzo
também desenvolveu pesquisas para a produção de álcool a partir de mandioca (a
empresa tinha plantações e uma fecularia). Como consequência desses estudos, foi
criada a IME. Já na década de 1950, foram desenvolvidos novos processos de
produção de celulose e, também, para a extração de óleo de café que seria uma
alternativa durante o período de entressafra do algodão.
A partir da década de 1930, no entanto, o perfil da indústria brasileira começou
a mudar (conforme discutido no Capítulo 4) e novas indústrias começaram a se
formar. Diferentemente da Votorantim, a Matarazzo pouco tirou proveito desse
processo. As expansões se mantinham diversificadas, mas baseada principalmente
nos negócios tradicionais do grupo.
Em 1937, quando o velho Conde falece e seu filho assume o comando, a IRFM
tinha projetos em andamento em diversos negócios: Fábrica de louças e ladrilhos em
São Caetano; Fábrica de ácido sulfúrico em São Caetano; Fábrica de papel em
154
Belenzinho; Hidrogenização de óleos na Água Branca; Fábrica de hidrogênio e
oxigênio em São Caetano; Fábrica de macarrão em São Paulo; Fábrica de seda
artificial com acetado em São Caetano; Processamento de algodão em Bauru e
Catanduva. Nota-se, por exemplo, que os negócios tinham baixo nível de sofisticação,
enquanto a Votorantim liderada por José Ermírio migrava para a indústria básica.
Quando a IRFM migrou para a promissora indústria de cimentos (que
atravessava um processo de nacionalização da produção) em 1947, inaugurando a
Companhia Paraiba de Cimento, a Votorantim já estava há mais de dez anos no setor,
com fábricas em São Paulo, Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Portanto, seguindo a proposição de Chandler (1990) em relação às indústrias de
capital intensivo, sem direcionar recursos significativos para o novo negócio, a
Matarazzo teria dificuldades de atingir uma posição dominante no setor uma vez que a
Votorantim já havia conseguido obter vantagens produtivas e de distribuição.
Dentre os mercados em que a Matarazzo atuava, é possível destacar os
investimentos na indústria química, que passou a apresentar um grande potencial de
crescimento (entre 1939 e 1963 a sua participação na composição da indústria
brasileira saltou de 9,8% para 15,5%, conforme discutido no Capítulo 4).
Em 1950, a IRFM montou uma nova unidade de produção de soda cáustica
para abastecer a produção de tecidos sintéticos. A fabricação em larga escala deste
insumo contribuiu, por sua vez, para a formação de uma fábrica de PVC no ano
seguinte. Três anos depois, era iniciada também a produção de bicarbonato de sódio
que levou à produção de acetileno que também era usado na fabricação do PVC. No
final da década, ainda faria uma parceria com a Dow Chemical para produzir
tetracloreto de carbono. Ou seja, a partir de recursos existentes, a IRFM seguiu
investindo e crescendo em uma indústria promissora, inclusive atraindo empresas
parceiras e com experiências na indústria para formar os novos empreendimentos.
Assim, com as mudanças na estrutura industrial brasileira, a indústria química passou
a apresentar uma possibilidade de crescimento para o grupo.
Apesar desse potencial, a Matarazzo seguiu durante as décadas de 60 e 70
com a sua estratégia de expansão diversificada, caracterizando um movimento
defensivo diante de um mercado que começava a ter presença de empresas
multinacionais. As evidências apontaram para uma carência na capacidade de criar
valor e expandir de forma versátil a partir deste período.
Portanto, constata-se que a versatilidade de Francesco Matarazzo foi crucial
para a formação do tripé industrial do grupo (Alimentos, Têxteis e Químicos) no início
do século XX. Todavia, em parte dos movimentos de expansão nas décadas seguintes
não foram encontradas evidências que sugerem a mesma consistência. Se por um
155
lado o investimento da indústria química e as pesquisas originárias das atividades
industriais do grupo possibilitaram a criação de valor em determinados momentos, o
processo de criação de valor da IRFM também se descolou muito dos recursos
existentes e se mostrou por vezes defensivo e com um timing inadequado, diante das
mudanças ocorridas no ambiente econômico e industrial brasileiro.
c) Capacidade de Levantar Recursos
A história do grupo mostra que a reputação construída por Francesco
Matarazzo possibilitou à organização conseguir ter acesso aos recursos necessários
para formar e expandir os negócios.
Em 1891, um ano após montar a Matarazzo & Irmãos em São Paulo,
Francesco viabilizou a criação de uma nova empresa com mais trinta e oito
investidores. Esse empreendimento absorveu os ativos da Matarazzo & Irmãos e
gerou lucro para Francesco que montou outra empresa com o irmão Andrea. Portanto,
antes mesmo de se tornar um importante industrial, constata-se que o empresário já
tinha a habilidade de atrair sócios e investidores para fomentar o crescimento dos seus
negócios.
Quando em 1900 o empreendedor vislumbrou a possibilidade de substituir a
importação de farinha pela construção de um grande e pioneiro moinho na cidade de
São Paulo, essa capacitação foi fundamental. Como a operação exigia o aporte de um
considerável montante de recursos financeiros, o Conde negociou um financiamento
com um banco inglês. Após a avaliação das principais oportunidades e riscos do
negócio, veio a resposta positiva:
“A proposta pode ser aceita, mas terá de ser o próprio Matarazzo a
proceder à operação de venda que sugere. Matarazzo vale o que
1
assina” (COUTO , 2004, p. 268).
Outra importante fonte de recursos financeiros no início da história da
Matarazzo foi conquistada através da abertura de casas bancárias. Como um ícone da
crescente colônia italiana no Brasil, as instituições criadas por Francesco em conjunto
com outros sócios se tornaram o principal meio pelo qual os imigrantes enviavam
dinheiro para a Itália. Assim, os bancos conseguiam movimentar valores significativos
e, através deles, Matarazzo conseguia crédito barato para realizar os seus
investimentos.
Ao longo de sua trajetória, a capacidade de atrair acionistas para a IRFM
também se manteve presente. No final de 1911, após a formação da holding, foram
emitidas no mercado vinte mil ações ao preço de cem mil réis cada uma, permitindo a
capitalização da empresa e a realização de novos investimentos. A mesma estratégia
156
foi utilizada para formar a Indústrias Matarazzo do Paraná quando, para viabilizar a
construção do moinho na cidade de Antonina, em 1914, foi realizada uma grande
subscrição de ações.
Mesmo durante a fase de declínio, a Matarazzo continuaria conseguindo a
captar recursos no mercado. Ao longo da década de 1950 foram realizadas sucessivas
subscrições de novas ações. Assim, o capital que era de 750 milhões de cruzeiros em
1952 saltou para 4,8 bilhões de cruzeiros em 1960. Em uma das emissões no qual
foram subscritos 1,6 bilhões de cruzeiros em ações, o anúncio da empresa no jornal O
Estado de São Paulo (1960) destacava:
“Subscreva ações preferenciais da S/A Indústrias Reunidas F.
Matarazzo e adquira segurança e tranquilidade. O Brasil ruma à
estabilidade financeira e econômica, e as Ações Matarazzo,
oferecendo uma renda anual garantida, nunca inferior a 17%.”
Nesse período de maior dificuldade, a empresa também conseguia atrair
empresas parceiras para viabilizar novos projetos. Entre as décadas de 1950 e 1970,
a Matarazzo realizou joint ventures nos setores têxtil, de químicos e alimentos.
Também nesse período, a empresa conseguiu se apoiar em sua reputação e
relação com o Estado para receber aportes do BNDE, que financiaram diversos
projetos de expansão. Esses empréstimos se tornaram notáveis a partir de 1966, com
financiamento para instalação de uma fábrica de celulose em São José dos Campos.
A partir daí, o suporte do Governo Federal se tornou muito marcante com apoio,
principalmente, a projetos no Nordeste através da SUDENE.
O programa do Governo para o desenvolvimento do Nordeste financiou, por
exemplo, a expansão da Cia Paraiba de Cimento Portland, que aumentou sua
produção de 400 para 1.400 toneladas diárias entre 1968 e 1972. Ainda através da
SUDENE, foi criada a Polynor para a fabricação de poliéster e fibra sintética na
Paraíba.
Finalmente, a empresa passou a realizar diversos desinvestimentos com o
objetivo de levantar recursos que incluiu a venda do edifício sede do grupo por setenta
e três milhões de cruzeiros em 1972. Nos anos que precederam o pedido de
concordata em 1983, as vendas de ativos e empresas realizadas pelo grupo haviam
somado 180 milhões de dólares.
Portanto, é possível verificar que a reputação construída pela Matarazzo ao
longo de sua história permitiu o acesso a diferentes fontes de capital, possibilitando
que a organização seguisse criando e ampliando os seus empreendimentos.
157
d) Julgamento
Conforme discutido anteriormente, o julgamento empreendedor envolve a
capacidade de avaliar previamente os riscos e incertezas de novos empreendimentos,
e assim evitar uma superexposição da organização ao risco.
As evidências sugerem que esse processo de avaliação e tomada das
decisões referentes aos novos negócios ficava a cargo do velho Conde, que
identificava as oportunidades e direcionava os rumos da organização. Entretanto, com
o aumento da complexidade do grupo após várias décadas de formação de novos
empreendimentos, não foi possível constatar a adoção de um processo de coleta de
dados, análise e tomada de decisão. Ou seja, não foi identificado que essa
capacitação de Francesco tenha sido desenvolvida pela organização. Pelo contrário,
alguns movimentos de expansão para novos mercados podem sugerir a inexistência
de um método sistemático de análise antes da implantação dos empreendimentos.
Em 1906, ainda na fase inicial das atividades industriais, a Matarazzo começou
a produzir fósforo, um negócio não relacionado com qualquer outra empresa do grupo.
Diferentemente dos outros mercados em que a empresa já atuava, o setor contava
com uma concorrência feroz de vinte e oito empresas, entre elas uma estrangeira, a
Fiat Lux. Assim, três anos depois, a empresa acabou abandonando o setor. Outro
exemplo similar ocorreu na segunda metade da década de 1920, quando foi fundada a
SA Industrial Matarazzo de Mato Grosso com o objetivo de industrializar e
comercializar pele e gordura de jacaré e de capivara, um empreendimento que gerou
prejuízo e foi abandonado em pouco tempo.
Finalmente, a compra de 50% das ações do Grupo Folha, em 1945, é outro
evento que sugere a ausência de avaliação consistente dos riscos e incertezas. A
aquisição possivelmente foi realizada com o intuito de oferecer uma rivalidade aos
jornais de Assis Chateaubriand, que havia se tornado um rival pessoal da família
Matarazzo. O Conde Chiquinho enfrentou muitas desavenças com os seus sócios
sobre a condução do jornal, e no ano seguinte à aquisição, acabou saindo da
sociedade.
Por fim, o relato do Entrevistado 1 sobre a transformação dos postos de
abastecimento (que eram basicamente mercearias para os funcionários das fábricas
Matarazzo) em supermercados (dando origem à rede Superbom), indica que não
houve um julgamento prévio sobre as questões críticas sobre o negócio.
“Então esse posto de abastecimento do Moinho Pastifício, me deu a
ideia de transforma-lo em um supermercado. [...] Transformei o posto
de abastecimento em supermercado sem pedir para ninguém. E
aquilo era como se fosse um desafio. Imagine você entrar dentro do
158
local, dezenas de operários para escolher os seus mantimentos. Ser
roubado, porque ainda hoje o pessoal rouba em supermercado.”
Vale destacar, no entanto, que alguns fatos identificados podem sugerir uma
intenção de evitar a exposição excessiva ao risco embora, mais uma vez, não tenham
sido obtidos fatos consistentes que indiquem que esses eventos tenham englobado
um processo de análise sistemática.
Os pontos mais consistentes foram identificados entre as décadas de 1950 e
1970 quando, já em uma fase de declínio, a IRFM passou a realizar parcerias com
outras empresas que tinham experiência e reputação em determinados mercados,
podendo assim mitigar riscos. Na indústria química, por exemplo, realizou joint
ventures com as americanas BF Goodrich para a fabricação de PVC (em 1951), a Dow
Chemical para a produção de tetracloreto de carbono (em 1959), e a Milles para a
produção de ácido cítrico (em 1972). Na fabricação de fibras sintéticas, realizou um
acordo com a japonesa Toray, a terceira maior produtora do mundo, que passou a
administrar em conjunto com a Matarazzo, uma fábrica montada pelo grupo brasileiro
no nordeste.
Outros fatos pontuais podem sugerir essa capacitação, embora tenham sido
identificados de maneira isolada. Constatou-se, por exemplo, que entre as décadas de
1920 e 1930, já existiam nas unidades do grupo equipes encarregadas de
“planejamento para o futuro”, cujo foco estava em verificar tendências de mercado,
identificar cenários possíveis e prováveis, selecionar investimentos, acompanhar
inovações tecnológicas, sugerir mudanças e ajustes. Apesar disso, não foi possível
encontrar evidências práticas da atuação desse grupo.
O desenvolvimento de pesquisas e estudos prévios ao lançamento de um novo
produto também poderiam indicar essa propensão, embora também tenham sido
identificados em momentos pontuais. Em 1932, por exemplo, a empresa conduziu, por
dezoito meses, pesquisas para o desenvolvimento de motores a álcool sem a
necessidade do uso de gasolina. O projeto não foi levado adiante, pois o
desabastecimento de gasolina ocorrido durante a Revolução Constitucionalista de
1932 havia sido superado. Em 1965, também foi identificada a realização de estudos e
produções experimentais de fios e tecidos com fibras sintéticas Polyamide e Polyester,
em mistura com fibras naturais que foram bem sucedidos, fazendo com que a
empresa decidisse ampliar as atividades no segmento.
159
7.1.2
Desafio da Navegação no Ambiente
Conforme discutido por Fleck (2009), o desafio da navegação está relacionado
com a capacidade de a firma de atuar em ambientes dinâmicos de forma a garantir a
captura de valor e a legitimidade organizacional. A análise realizada permite constatar
que a Matarazzo conseguiu construir uma legitimidade organizacional tanto na esfera
institucional quanto na organizacional. Por outro lado, a capacidade de capturar valor,
identificada na fase inicial do grupo, não foi observada à medida que a empresa foi se
diversificando. Ou seja, embora a IRFM seguisse criando novos negócios e ampliando
as suas atividades, os dados e evidências coletadas não indicam que a empresa
conseguiu capturar esse valor criado.
a) Captura de Valor
Desde que se estabeleceu no Brasil, Francesco Matarazzo demonstrou um
grande tino comercial que lhe deu condições de capturar valor com os seus negócios e
seguir crescendo. Quando começou a atuar como comerciante na região de Sorocaba,
ele implantou um sistema de compras e vendas a prazo. Ao mesmo tempo, passou a
percorrer a região comercializando os seus produtos. Assim, conseguiu ganhar escala
e passou a vender até mesmo para os seus concorrentes.
Quando começou a produzir banha de porco, ele implantou uma inovação ao
comercializá-la em latas, menores e mais próprias para o consumo do que as grandes
caixas de madeira utilizadas pelos seus concorrentes. Como resultado, o
empreendedor logo se tornou o principal produtor da região.
Nos primeiros anos do século XX, a Matarazzo iniciou suas atividades
industriais e, para isso, se valeu de estratégias visando a captura deste valor. Para
montar o primeiro Moinho de Trigo, usou o capital obtido na Inglaterra para adquirir
maquinários daquele país. Além de ter uma grande vantagem produtiva para a época,
a empresa ainda passou a comercializar sementes de trigo para incentivar o plantio e,
assim, garantir o insumo necessário para a produção (essa estratégia seria utilizada
outras vezes como na inauguração da Amideria Matarazzo em 1914). Na outra ponta
da cadeia, lançou três marcas visando atrair o público: Claudia - será sempre especial;
Tosca - será sempre superior; Olga - será sempre boa.
A criação de novos empreendimentos nos anos seguintes (tecelagem,
metalúrgica e fábrica de óleos) também criou uma organização mais autossuficiente.
Assim, a Matarazzo dependia menos de insumos importados do que outros
concorrentes,
estando menos
suscetível
às
oscilações
do
ambiente.
Essa
independência conquistada pelo grupo seria uma vantagem durante a Primeira Guerra
Mundial, atuando como um mecanismo de isolamento em favor da organização.
160
A tabela 7-1 ilustra a variação da importação dos insumos relacionados aos
principais mercados nos quais a IRFM atuava. Em todos eles houve queda do volume
de produtos importados que entraram no país, sendo que os tecidos de algodão e
insumos químicos, tiveram redução significativa.
Tabela 7-1 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de
toneladas métricas)
Itens
1909-1913
1914-1918
1.008
943
- 6%
Substâncias químicas e farmacêuticas
58
33
- 43%
Tecidos de algodão
13
5
- 62%
Produtos alimentícios
Variação
Como resultado, de acordo com o historiador Warren Dean, as unidades de
estamparia da Matarazzo foram as únicas a operar lucrativamente antes da Primeira
Guerra Mundial.
Outro mecanismo de isolamento utilizado pelo empreendedor para capturar
valor foi a manipulação de câmbio. Acionista de uma casa bancária, o Conde
Francesco passou a comprar moeda estrangeira em momentos de alta do mil-réis e
usar estes recursos para saldar os pagamentos de importação em momentos de baixa
da moeda nacional. Além disso, para facilitar a sua comercialização, tanto na
importação de insumos quanto na exportação de produtos alimentícios e têxteis, a
Matarazzo montou um escritório na cidade portuária de Santos. Em 1925, já tinha
outras unidades em Buenos Aires, Rosário e Nova York.
Conforme discutido no Capítulo 4, no final da década de 1920 a boa relação
dos importadores e comerciantes com os industriais começou a desparecer, afetando
os canais de distribuição e de captura de valor dos industriais. Assim, diante desses
atritos a IRFM instalou, em 1927, uma rede de armazéns atacadistas para venda
direta dos produtos do grupo: um em Juiz de Fora, três em São Paulo, um em Ribeirão
Preto, um em Campinas e outro em São José do Rio Preto.
Na mesma época, a organização conseguiu adquirir a patente do rayon, uma
seda artificial, cujo processo produtivo havia sido inventado há poucos anos. Com a
patente em mãos, a Matarazzo formou a Viscoseda, uma das maiores fábricas do
grupo, que iria fornecer o insumo para a indústria têxtil, em especial para as unidades
do próprio grupo. A IRFM manteria o monopólio sobre este produto até meados da
década de 1930, quando a patente expirou e a Votorantim, em parceria com a Klabin,
montou a Nitro Química.
161
Não conseguindo renovar a patente e diante de um novo concorrente, a
Matarazzo cortou o preço da seda artificial de quarenta para dez contos por tonelada
para penalizar a fábrica da Votorantim. Entretanto, o governou ameaçou aplicar uma
lei antitruste contra a empresa. Impedindo de concorrer por preço, a Viscoseda
passaria a ter dificuldades para continuar capturando valor.
O episódio da concorrência entre a Viscoseda e a Nitro Química denota uma
nova fase na qual o Brasil começava a atravessar uma segunda onda de
industrialização (começando pela Era Vargas e se intensificando no Governo JK). A
Matarazzo, assim como as outras empresas brasileiras passaram a enfrentar uma
concorrência que, até então, era praticamente inexistente. Conforme discutido no
Capítulo 4, até a década de 1930 a indústria não desenvolveu uma dinâmica própria
de acumulação de capital, sendo muito dependente do café. Ainda, como o crédito
bancário era escasso, os industriais em sua maioria atuavam de maneira passiva,
trabalhando com os preços correntes e sem agir de forma agressiva perante os outros
competidores.
Além disso, o perfil da indústria começava a mudar e se tornar mais sofisticado.
Entre 1930 e 1945, as indústrias tradicionais foram as que apresentaram menor
evolução Entre elas estavam dois dos principais negócios do grupo: produtos
alimentares que cresceram a uma taxa média de 2,9% ao ano e indústria têxtil, com
um crescimento de 6,5% ao ano. Enquanto isso, outras indústrias cresceram a taxas
anuais muito mais elevadas: indústria metalúrgica (24%), química e farmacêutica
(29,9%), automotiva (39%) e minerais não metálicos (16%).
Apesar dessa nova dinâmica, duas características da Matarazzo seriam
mantidas. A primeira é a persistência na ampliação do escopo de suas atividades, ao
contrário da Votorantim que intensificou os investimentos na indústria de cimento.
Conforme destacado no Relatório Anual de 1944, a empresa justificaria essa
estratégia de diversificação em virtude de um mercado brasileiro extremamente
limitado:
“A limitada amplitude do mercado interno, punha, infelizmente, limites
estreitos ao desenvolvimento de cada uma das nossas fábricas,
impedindo-nos de dar curso a programas de larga produção. Daí o
caráter multiforme da nossa atividade que, indubitavelmente, teria
dado resultados bem mais amplos na formação do complexo do
nosso aparelhamento econômico se o mercado interno tivesse
comportado o desenvolvimento de nossa atividade produtiva em um
número menor de setores ou em um único setor."
Além disso, apesar da incursão em novos mercados, como na indústria de
cimentos e celulose, os principais negócios do grupo ainda estavam relacionados à
indústria têxtil e à de alimentos. Isto porque, os investimentos realizados nessas novas
162
frentes não foram significativos o suficiente para alterar o portfólio do grupo.
Da
produção total do grupo em 1954, 35% era proveniente do setor de alimentação e 32%
de vestuário (este percentual chegou a ser de 51% durante a Segunda Guerra
Mundial).
Sendo assim, ao confrontar a mudança na dinâmica do ambiente com a
situação da Matarazzo na época, é possível constatar que o grupo não procurou fazer
as adequações necessárias para continuar capturando valor. Apesar do baixo
crescimento das indústrias tradicionais em relação a outras que vinham se formando,
a Matarazzo decidiu se manter fiel a seu principais mercados, mesmo com menor
lucratividade. O Relatório Anual de 1943 indicava que o grupo pretendia continuar
atuando em setores com grande escala, mesmo que isso implicasse em margens
reduzidas:
"Nossa propensão para uma política de remuneração ao patrimônio
da nossa Sociedade através de largas produções com reduzidas
margens de lucro, preferivelmente a uma atividade contida em limites
reduzidos e exercida com maior remuneração unitária.”
Após a Segunda Guerra Mundial, o grupo lançou um programa de
modernização das unidades têxteis entre 1945 e 1952. Aproveitando os bons
resultados obtidos no setor nos anos anteriores, esse plano permitiu um avanço
qualitativo das fábricas do grupo. A tabela 7-2 apresenta os avanços das unidades
têxteis no período, utilizando uma base 100 em 1939 para comparação:
Tabela 7-2 – Avanço das Unidades Têxteis do Grupo Matarazzo entre 1939 e 1952
Item
1939
1952
Produção de Fiações
100
615
Produção de Tecelagens
100
144
Total de empregados nos dois setores
100
95
Fonte: Relatório Anual Matarazzo 1952
Apesar disso, o Relatório Anual de 1952 já sinalizava uma preocupação com o
achatamento das margens, apesar do crescimento de 20% da produção do grupo
naquele ano. Um relato de Maria Pia sobre o método de gestão do Conde Francesco
sinaliza uma preocupação em formar novos negócios (criação de valor) em detrimento
da captura de valor, mostrando também certa falta de atenção à concorrência e aos
negócios correntes da empresa:
163
"Meu avô era realmente um gênio. Hoje, conhecendo melhor as
coisas, vejo que ele tinha um talento enorme para tudo que se
relacionava ao mercado. A preocupação dele era que o país
produzisse aquilo do que necessitava. Faltava produzir biscoito,
macarrão, etc.? Ele ia atrás. Com isso atraía o interesse de terceiros.
Ele achava ótimo ter concorrentes. Aí mantinha a produção antiga e
2
ia caçando novos produtos" (COUTO , 2004, p. 287).
Além disso, alocando os seus recursos em diversos negócios, a Matarazzo foi
incapaz de navegar em um ambiente mais competitivo e, assim, manter uma posição
dominante nos seus mercados. Números da indústria de descaroçamento (um dos
principais negócios do grupo) ilustram o problema enfrentado pela IRFM. Em 1933,
88% da produção nacional de algodão estavam nas mãos de produtores nacionais no
qual se destacavam a Votorantim (com produção de 7.506 toneladas anuais) e a
Matarazzo (com produção de 4.441 toneladas por ano). Em 1951, no entanto, a
liderança do setor estava na mão de grandes corporações estrangeiras. A argentina
Bunge y Born era a maior produtora com 20,92%, sendo seguida de perto pela
peruana Anderson Clayton 19,42%. Já a Matarazzo produzia apenas a metade do
volume dos seus principais concorrentes - 10,35%. A Votorantim, que vinha migrando
para a indústria de base, tinha neste momento apenas 0,73% do mercado (em 1957, o
Relatório Anual da Votorantim indicava que a indústria têxtil passava pela sua maior
crise das últimas décadas).
Consequentemente, a Matarazzo viu os seus resultados declinarem. Enquanto
que o indicador de tamanho de Fleck indicava uma relação faturamento/PIB Brasil de
0,30 ao final da Segunda Guerra, no início da década de 1960, ele era de apenas
0,11. Durante o período, a mesma tendência de queda também ocorreu na
lucratividade. Entre 1967 e 1969, a empresa divulgou três anos seguidos de prejuízo.
Apesar da deterioração dos resultados, um relato do Entrevistado 1 indica que
a reação da empresa foi tardia:
"O prédio Matarazzo só foi vendido porque o Matarazzo estava
endividado até a cabeça, na época. E o Estado pressionava. Uma
das pressões era que ele vendesse tudo aquilo que não era produtivo
ou economicamente favorável. Por isso que eu dei risada quando eu
falava em fábrica de pregos, fábrica de velas, gesso, etc. Porque tudo
isso era fruto daquela ideia inicial de ser autossuficiente. Mas que não
se justificava mais na época. Então, a fábrica de gesso não dava
lucro. A fábrica de velas não dava lucro. Mas obrigava a ter um
controle, uma despesa. E o prédio Matarazzo era chamado de
fantasma. Porque era muita coisa. Era muita despesa, para quem
está muito endividado."
164
b) Legitimidade
Ao longo de sua história, a Matarazzo mostrou evidências consistentes de que
conseguiu construir uma legitimidade tanto no ambiente institucional, quanto no
organizacional. A atuação do Conde Francesco como industrial e representante da
comunidade italiana no Brasil fizeram com que ele ocupasse posições de destaque em
diversas associações e se tornasse uma grande liderança. Status que foi de certa
forma, transmitido ao seu filho e neta.
Quando fundou o moinho de trigo, em 1900, Francesco já era um homem
conhecido e de reputação distinta. Era, por exemplo, diretor da Associação Comercial
de São Paulo. A partir da sua atuação como industrial, no entanto, é que ele ganha
uma grande legitimidade perante outros empresários, comerciantes e à população.
Um dos fatores que demonstra o poder legítimo conquistado pela família
Matarazzo está relacionado aos títulos concedidos aos membros da família. Em 1906,
Francesco recebeu da Coroa da Itália o título de Comendador. Com essa nomeação, o
empresário conseguiu realizar uma viagem para o seu país e angariar fundos para
construir uma escola italiana de ensino secundário no Brasil. Esse ato, por sua vez,
fortalecia ainda mais a sua legitimidade perante uma comunidade que era a principal
fonte de mão de obra para as suas fábricas. O reconhecimento dessa liderança seria
fortalecido por outras iniciativas, como na ocasião do fornecimento de capital para a
construção, em 1915, de uma ala completa no hospital Umberto I que era destinada à
colônia italiana de São Paulo.
Com a reputação de industrial e representante da comunidade italiana, o nome
Matarazzo se tornou presente na tradição e cultura paulistana, a ponto da frase
"Pensa que sou o Matarazzo?" aparecer com frequência nas conversas da cidade,
simbolizando a riqueza e poder do empresário. Ainda durante as primeiras décadas do
século XX, também era comum pais de família paulistanos levarem seus filhos à
Avenida Paulista para vê-lo saindo ou chegando pontualmente da Mansão Matarazzo
no seu imponente veículo Packard Vitoria. Aliás, foi dele o primeiro carro que rodou
pelas ruas da cidade. A primeira chapa de um automóvel em São Paulo, a P-1 de
1903, estava destinada a Henrique Santos Dumont, irmão do inventor do avião.
Porém, o Conde interviu junto à prefeitura e conseguiu ficar com a disputada placa.
Quando foi deflagrada a Primeira Guerra Mundial, Francesco Matarazzo estava
na Europa para se tratar de um problema de saúde. Ele decidiu ficar na Itália e
fornecer recursos financeiros para o seu país. Por esses serviços prestados, ele
receberia, em 1917, o seu famoso título de Conde, que nove anos depois se tornaria
hereditário e também seria utilizado pelo seu filho Chiquinho. Com esse título,
165
Matarazzo conquistava ainda mais credibilidade para transitar, dialogar e negociar
entre diversos stakeholders.
Ao final da Primeira Grande Guerra, a Revolução Bolchevique na Rússia
fomentou a sindicalização dos operários e aumentou as suas reinvindicações. Como
resultado desse engajamento, a indústria paulista vivenciou duas grandes greves em
um período de dois anos. Durante uma paralisação ocorrida em uma das fábricas da
IRFM, operários exaltados ameaçaram botar fogo nas instalações. Para contornar a
questão, o Conde Francesco saiu às pressas do escritório central e foi conversar com
os funcionários, demonstrando o seu poder de negociação e influência:
"Vim, porque soube que alguns pretendem queimar as fábricas,
ganha pão de todos. Por mim, tudo bem. Já trabalhei muito,
economizei bastante, posso viver confortavelmente sem elas. Mas
alguns de vocês podem me dizer quem irá empregá-los depois?”
(COUTO2, 2004, p. 110).
Em 1919, operários industriais em solidariedade aos colegas da São Paulo
Light Company que haviam cruzado os braços, aderiram ao movimento e fizeram uma
greve geral. Para contornar o problema, os principais líderes industriais se reuniram
para decidir o que fazer. Na chegada de Francesco ao encontro, Pereira Ignacio da
Votorantim faz uma saudação se referindo a ele como o "Príncipe da Indústria
Paulista".
Com essa liderança natural entre os industriais, o Conde Matarazzo se
manteria a frente de importantes associações. Em 1919, quando foi criado o Centro da
Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão de São Paulo (CIFTSP), ele foi fundador
e primeiro presidente. Em 1928, quando industriais e importadores enfrentavam uma
disputa de poderes, Francesco se aliou aos líderes da Klabin e da Votorantim para
formar uma associação independente dos comerciantes. Dessa forma, foi um dos
fundadores e primeiro presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo
(CIESP). Dois anos depois, seria criada a Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo, uma associação sindical patronal, quando, mais uma vez, ele assumiria o posto
mais alto. Através dessas entidades, o Conde ganhava ainda mais legitimidade para
reivindicar direitos para as indústrias e seus negócios.
Uma pressão exercida por ele sobre o Governo de São Paulo contribuiu para
que fosse eliminada, de forma pioneira, a incidência de impostos sobre exportação
através de uma reforma tributária. Esse fato ocorreu após uma entrevista concedida
ao jornal O Estado de São Paulo, em 1936:
“Precisamos aumentar a exportação. Contudo, a exportação continua
a ser tributada cada vez mais. [...] Essa tributação encarece os
produtos, diminuindo-lhes a as possibilidades de se manterem nos
166
mercados conquistados ou conquistarem mercados novos, pois, uns
e outros acabarão por ser tomados pelos produtos congêneres que
saem do país de origem sem a carga de impostos de exportação”.
Apesar dessa pressão, constata-se que a organização costumava manter uma
relação amistosa, embora parcimoniosa com o Estado. Ainda que fosse muito próximo
do Presidente de República Washington Luís (inclusive homenageando o presidente
eleito com um jantar oferecido em nome da colônia italiana em 1926), Matarazzo não
se opôs de maneira veemente quando o Getúlio Vargas depôs o também paulista Júlio
Prestes, sucessor de Washington Luís. Diferentemente de outros industriais que
ofereceram capital e até recursos fabris para o Governo Paulista que saiu derrotado na
Revolução Constitucionalista, a Matarazzo se manteve imparcial e alheia as conflitos.
Ferdinando, neto de Francesco e diretor do grupo entre as décadas de 1930 e 1950,
tratou sobre a relação da IRFM com o governo brasileiro:
"Na época de Getúlio não havia grande relacionamento. Tínhamos
um representante no Rio de Janeiro, que fazia os contatos.
Pessoalmente, meu avô tinha mais contatos com o governador e
autoridades locais. Ele não precisava de apoio de governo. Mas
mantinha e cultivava boas relações".
Além de uma posição de destaque perante a comunidade italiana, associações
industriais e o governo, a Matarazzo também conseguiu durante as primeiras décadas
do século XX influenciar mercados a seu favor. No ano de fundação do moinho, foi
encontrada uma evidência de uma denúncia contra um comerciante denominado
Ernesto Woog, que estaria falsificando a farinha de marca Olga, de propriedade da
Matarazzo. Essa atitude seria identificada em outros momentos. Em 1906, uma nota
no jornal destaca a falência de um empresário por requerimento da F. Matarazzo e
Cia. Seis anos depois, novamente a Matarazzo publica uma nota no jornal O Estado
de São Paulo apontando a falsificação do bacalhau de marca CRC (da qual era a
única revendedora autorizada) que estavam sendo vendidos por terceiros.
Em 1917, a Matarazzo foi acusada por um deputado federal paulista de
monopolizar a compra de cereais nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais, forçando o aumento dos preços. No mesmo ano, a Matarazzo, em conjunto
com outros industriais do setor têxtil, formou um comitê para definir uma tabela de
preços de algodão que seria praticada pelo mercado e comunicada quinzenalmente
para agricultores e fabricantes de tecidos. Ainda, conforme apontou o historiador
Warren Dean, a Matarazzo conseguiu atuar com monopólios e, até mesmo, na
formação de cartéis em negócios como a moagem de farinha e metalurgia. Segundo
Dean, dos principais negócios da organização, só não era possível identificar a
existência de cartéis na indústria têxtil que, inclusive, teria causado a renúncia de
167
Francesco à associação do setor. Para o autor, o Conde teria julgado que tinha
vantagens o suficiente para não querer formar conluios.
Durante a sua história, a organização ainda conseguiu conquistar legitimidade
perante os acionistas para captar mais recursos. Entre 1913 e 1920, a IRFM pagou ao
menos oito séries de dividendos. Com o seu bom histórico de remuneração, facilitou a
atração de sócios.
Mesmo após a morte do Conde, a Matarazzo continuaria mantendo sua
legitimidade. Seguindo uma ideia que havia sido idealizada por seu pai, Chiquinho
toma a frente do projeto para a criação da Faculdade de Ciências Econômicas da
Fundação Getúlio Vargas, uma instituição muito prestigiada entre os membros da elite
paulistana. Assim, além de prover recursos, intercedeu junto ao Governo para obter
mais recursos e encontrar um local para instalação da unidade em São Paulo. Em
1962, Chiquinho também foi agraciado pela prefeitura com o título de Cidadão Emérito
da Cidade de São Paulo.
Em 1979, o grupo conseguiu obter isenção de impostos para reavaliar os bens
integrantes do seu ativo imobilizado acima dos limites da correção monetária. O
pedido foi aprovado pela Comissão de Fusão e Incorporações de Empresas (COFIE),
órgão do Ministério da Fazenda. Para ajudar o grupo, o governo também intercederia
através do BNDE e do Banco do Brasil que forneceriam recursos para a empresa. Em
1981, dois anos antes do pedido de concordata, o BNDE concedeu um aval no valor
de US$ 40 milhões (Cr$ 2,7 bilhões) para garantir empréstimos a serem contratados
pela IRFM.
Na questão competitiva, conforme já foi discutido, a empresa começou a se
desfazer de diversas empresas a partir da década de 1950. Para contornar a situação
e manter sua relevância no mercado, a Matarazzo conseguiu atrair diversos parceiros
internacionais que ajudaram a sustentar a legitimidade do grupo. Foram estabelecidos
acordos nos principais negócios que garantiram, além de capital e tecnologia, maior
reputação para a organização.
Entretanto, à medida que o grupo ia declinando, verificava-se também uma
dificuldade de se manter a legitimidade no ambiente organizacional. Entre os fatos
identificados, destaca-se a dificuldade da organização em influenciar a relação com os
funcionários a seu favor.
Em 1946, foi anunciado um reajuste de cerca de 50% para os seus
funcionários. Por outro lado, o mesmo texto destacava que o preço dos principais
produtos vendidos pela empresa haviam tido um reajuste bem menor no ano anterior:
tecidos (10%); gordura hidrogenada (3%); farinha (17%); massas alimentícias tipo
168
superior (14%); açúcar filtrado (16%); sal (10%); e sabões (3%). Outros produtos ainda
reduziram de preço: óleo de caroço de algodão (-2%); e banha de porco (-15%).
Já em 1963, quando a organização já vinha em fase de declínio e se
desfazendo de vários negócios, o chefe do Departamento Pessoal comunicou um
aumento de 20% para todos os funcionários do grupo, independentemente da
empresa em que trabalhavam. Vale destacar que, nove anos antes, a empresa já
havia abolido o trabalho aos sábados para todos os cargos do escritório, além de
reduzir o período integral para apenas o meio dia para os funcionários das fábricas.
Com relação ao ambiente natural, foram encontradas poucas evidências para
fundamentar uma análise mais robusta, principalmente pelo fato de a empresa ter
pedido a concordata em uma época em que se começava a ter uma maior
preocupação em relação às questões naturais. Todavia, eventos ocorridos entre as
décadas de 1970 e 1980, mostram que a empresa enfrentou problemas nessa esfera.
No complexo químico de São Caetano do Sul, a poluição afetava gravemente a
população local. Assim, em 1974, moradores se reuniram com diretores para solicitar
a instalação de filtros na fábrica, mas não foram atendidos. Em meados da década de
1980, entretanto, a agravação do problema levaria a empresa a encerrar parte da
produção no local. No mesmo ano em que foi levantado esse problema, a fábrica de
cimentos na Paraíba recebeu protestos de moradores e da imprensa pelo excesso de
poluição e resíduos que afetavam a localidade. De acordo com as informações da
época, o aumento da poluição era reflexo da adoção do método de produção via seca.
Para amenizar o problema e evitar novos confrontos com a população, a fábrica teve
que começar a funcionar de noite.
7.1.3
Desafio da Gestão da Diversidade
Na medida em que uma organização cresce, aumenta a diversidade dos seus
negócios, tecnologia e recursos humanos. Assim, a IRFM, que chegou a ser composta
por cerca de duzentas empresas atuando em setores tão diversos, enfrentou ao longo
de sua trajetória um desafio de buscar e manter a sua integridade organizacional.
Essa tendência de fragmentação foi fortalecida pelos conflitos políticos originários dos
processos sucessórios e da dificuldade em se manter uma gestão eficiente com o
modelo centralizado que foi adotado durante décadas.
Os níveis de análise da gestão da diversidade foram: a diversificação dos
negócios, que envolve o grau de ampliação do escopo de atividades não relacionadas,
além da expansão geográfica do grupo; a capacidade de coordenação dos negócios e
169
manutenção da integridade organizacional; e em que medida foram feitos esforços
para a realização do compartilhamento de recursos entre as diferentes unidades.
a) Diversificação dos Negócios e Expansão Geográfica
Um traço que indica uma propensão à fragmentação da Matarazzo é percebido
através da própria forma pela qual se deu o seu crescimento. Desde a criação do
moinho de trigo em 1900, o grupo passou por uma fase de expansão e ampliação do
seu escopo de atividades.
Conforme já discutido, observa-se inicialmente uma diversificação relacionada
que se dava a partir do excesso de recursos produtivos da unidade já existente.
Posteriormente, no entanto, a organização seguiu crescendo, adquirindo e criando
empresas que ampliaram consideravelmente o seu escopo de atuação. O Conde
pretendia emancipar industrialmente o Brasil, e como a indústria era praticamente
inexistente no país, ele seguiu diversificando os negócios, criando empresas para
fornecer insumos e garantir a expansão do grupo. O relato do Entrevistado 1 reforça
essa tese:
“A Política do Velho Conde, depois seguida por Francisco Matarazzo
Jr, era de ser autossuficiente. Para abastecer de matéria-prima a
maioria de suas indústrias, dependendo o mínimo possível de
fabricantes nacionais e estrangeiros. Esse era o objetivo do Conde
Francesco Matarazzo. Ele não queria depender dos outros. Então, na
cabeça dele, sempre quando surgia um fio, surgia o algodão. Quando
surgia o algodão, surgia a madeira. Quando surgia a madeira, surgia
o descaroçador. E assim ele ia criando as indústrias para se
abastecer, sem depender dos outros e não correr risco de ter falta
disto ou daquilo.”
A figura 7-5 apresenta a composição da IRFM em 1925. Nota-se, por exemplo,
que na indústria de alimentos foram criadas novas empresas que apresentavam pouca
relação entre si, como a amideria, o frigorífico, a destilaria de álcool e as salinas. Sem
contar ainda, empresas de serviços e suporte às operações principais.
170
Figura 7-2 – Composição da IRFM em 1925
Fonte: Adaptado de Couto2, 2004, p. 100
Assim, a IRFM atingiu um nível muito maior de diversidade com o decorrer dos
anos sem, necessariamente, que essas unidades passassem a obter ganhos
produtivos significativos em relação à concorrência. Por outro lado, cada ampliação do
escopo de atividades trazia novas particularidades que precisavam ser compreendidas
e geridas, aumentando a complexidade da organização.
Além disso, a partir da Primeira Guerra Mundial o grupo passou a realizar uma
desconcentração geográfica, abrindo novas unidades fora da capital paulista. Primeiro,
realizou investimentos no Paraná, com um frigorífico e um moinho de trigo. Na década
de 1940, anunciou um plano para diminuir a concentração de suas fábricas têxteis em
São Paulo e abrir unidades no interior, sob o argumento de aproveitar mão de obra
que não era absorvida pela lavoura. Na mesma época, começou a investir no
Nordeste através da Cia Paraíba de Cimento Portland e, posteriormente, através de
unidades têxteis. O relato do Entrevistado 1 ainda aponta que com o objetivo de
ampliar sua participação no mercado internacional, a Matarazzo fez uma aquisição em
Barranquilla, Colômbia, de uma indústria têxtil completa, inclusive com rede comercial
própria distribuída pelo país com filiais em Bogotá, Cali, Medellín, Pereira e Letícia.
171
Outro fator que indica esse processo de fragmentação está relacionado ao
número de clientes atendidos pelo grupo. O Conde Matarazzo não procurou
desenvolver acordos com grandes empresas atacadistas. Sua escolha seguia a
mesma estratégia de ter o mínimo de dependência possível de terceiros. Por esse
motivo, na década de 1930 chegou a ter mais de 45.000 contas para gerenciar.
b) Coordenação e Integração
Com uma organização que foi expandindo o seu escopo por diversos
mercados, a Matarazzo optou por manter um controle centralizado em quase toda a
sua trajetória. Apenas no final da década de 1960, já com o grupo em dificuldades, é
que se começou a realizar adaptações significativas na estrutura do grupo.
Em 1911, Francesco formou oficialmente a IRFM. A partir deste momento,
todas as empresas criadas e adquiridas pelo grupo estariam abaixo da holding que
passaria a ter um Matarazzo como presidente único e, logo abaixo dele, dois diretores
que eram membros da família. Na gestão do Conde Francesco, seus diretores foram o
seu filho Ermelino e o seu irmão Andrea. Posteriormente, assumiram essa posição o
Conde Chiquinho, junto com o seu sobrinho Ferdinando que seria o principal braço
direito de Francisco Jr. quando este assumiu o comando da organização em 1937.
Ferdinando ficaria no grupo como principal diretor até meados da década de 1950,
quando seria substituído por Eduardo e Ermelino, filhos de Chiquinho.
Com essa hierarquia enxuta, as evidências coletadas indicam que grande parte
das decisões tinha que passar pelo Conde ou, pelo menos, por um de seus diretores.
Desde as decisões da compra de insumos, até aspectos rotineiros das unidades. Na
década de 1930, Francesco falou sobre a sua rotina de controle dos negócios:
"Eu conservo o hábito de receber a todos os chefes dos diversos
departamentos, diariamente neste gabinete, examinando lhes as
pastas e emitindo minha opinião sobre diferentes negócios. Tenho
uma vantagem sobre eles: minha memória continua a mesma amiga
fiel de cinquenta anos atrás. Enquanto os auxiliares fazem cálculos
com o auxílio do lápis ou da pena, eu os realizo mentalmente” (RUST,
1934).
Uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em homenagem
ao falecimento do Conde, corroboraria esse método de gestão centralizada:
"Esse grande mecanismo, por menos que pareça crível, era
pessoalmente dirigido, do alto, por Francesco Matarazzo [...] que
organizara de tal forma as engrenagens que com um esforço
relativamente pequeno, através de relatórios parciais e pela voz de
diretores dos departamentos, conhecia diariamente, as linhas
dominantes de seus negócios.” (ESTADÃO, 1937).
172
Em 1934, Chiquinho contratou um administrador profissional para estudar a
viabilidade de reorganização administrativa na empresa. Assim, alterações no
funcionamento das várias unidades passaram a ser conduzidas gradativamente.
Somente em 1937, quando o Conde Jr. assumiu a presidência, é que a reforma
administrativa foi definitivamente implantada:
“Completando a reforma administrativa iniciada três anos antes,
foram criadas as secretarias da Diretoria, Comercial, Técnicoindustrial e Administrativa. Os responsáveis de cada uma das
secretarias eram também procuradores da sociedade. Diretamente
subordinados às secretarias estavam os chefes de serviço, os
responsáveis pelas seções e subseções, que cuidavam
especialmente de pessoal, caixa, compras, assuntos legais,
exportações e importações, contabilidade, construções, estudos e
controle” (MATARAZZO, 1982, p. 77).
Apesar disso, o texto do livro comemorativo do grupo sugere que o Conde
Chiquinho não teria uma rotina muito diferente da de seu pai:
“Todos os dias pela manhã visitava uma de suas fábricas, onde
gostava de frequentar as oficinas, conversar com os encarregados,
passo a passo, pedindo explicações sobre o funcionamento das
máquinas. À tarde permanecia no Escritório Central. Até as 15:30
ficava na sala da Diretoria à disposição dos funcionários que
quisessem falar com ele para resolver algum problema setorial.
Depois, voltava para a sua sala particular, onde os diretores e demais
funcionários só deveriam comparecer se fossem chamados”
(MATARAZZO, 1982, p. 148).
O texto destaca um processo de controle extremamente delicado para ser
conduzido com sucesso. Conforme discutido anteriormente, a Matarazzo chegou a
englobar quase duzentas empresas que atuavam em setores distintos e, apesar do
complexo de Água Branca reunir parte delas, uma quantidade significativa estava
geograficamente distribuída. Assim, dificilmente seria possível realizar um processo
sistemático de análise e controle, a menos que o grupo dispusesse de um sistema de
informações robusto. Com dezenas de fábricas para visitar e chefes de unidades para
receber, se os Condes quisessem dar a mesma prioridade no acompanhamento de
suas unidades, não fariam mais do que três ou quatro visitas a cada uma delas por
ano. Um relato de Maria Pia não indica que o grupo dispusesse de métodos de
controles sofisticados:
“Controle exige olho! Por exemplo: meu pai dizia que nas unidades se
controlava o gasto por intermédio do vapor. Excesso de vapor no ar,
perda de dinheiro. A caldeira era a base do controle econômico da
2
unidade” (COUTO , 2004, p. 240).
Um relato de Donald Rust na década de 1930 corrobora essa hipótese:
173
"Com todas as suas atividades diárias, usa brevidade em negócios,
mas é raro ditar uma carta e, raramente, usa o telefone. Deve se
admirar que é difícil achar um estenógrafo em toda a indústria.
Homens, ganhando mais de 100 contos de réis por ano escrevem
suas cartas de mão própria, para serem depois copiadas em
máquinas de escrever e, muitas vezes, eles mesmo ocupam a
máquina. A correspondência interna é reduzia a um mínimo, e tudo é
expresso com o menor número de palavras possível, muitas vezes
tratando-se de uma dúzia, ou mais tópicos, em uma mesma folha de
papel” (RUST, 1934).
Conforme apontado por Chandler (1962), a concepção e execução de uma
estratégia gera uma pressão para a adaptação da estrutura organizacional. Quando
isso não ocorre, há uma perda de eficiência econômica. No caso da Matarazzo, os
fatos analisados indicam a ocorrência desse fenômeno. Apesar de toda a evolução da
organização que se tornou com grande vantagem o grande conglomerado industrial
brasileiro, não se encontrou evidências de mudanças significativas na estrutura da
IRFM. O Entrevistado 1 destaca a burocracia para a tomada de decisões simples:
"Eu me lembro de quando meus colegas precisavam dar um aumento
para um operário precisavam preencher uma folha do tamanho de um
bonde para justificar que o operário tal de 0,70 por hora, deveria
passar para 0,80. E não dava. Quanto tempo se perdia com isso?
Operário descontente. Quem é que sabe se esse funcionário merece
de 70 para 80? É aquele que tá lá no prédio Matarazzo? Você que
está ali vivendo o teu drama. Então nunca faça administração central.
Quer ter um controle? É outra coisa. Coloca três, quatro pessoas,
fazendo aquilo que o Conde Chiquinho fazia toda manhã. Saia da
casa dele. Um carro na frente com dois, três guardas, e lá ia ele para
uma fábrica. Lá na fábrica ele conversava, ficava sabendo como
estava indo, o que aconteceu, como é que aconteceu. E dez, onze
horas, ele ia para o escritório. Quando chegava lá, ninguém do
escritório sabia nada. E ele sabia um monte de coisa."
Essa situação seria mantida até década de 1970, já com a empresa
atravessando um longo período de declínio e com graves problemas financeiros. A
mudança foi realizada com o apoio de uma consultoria profissional e consistiu,
principalmente, na extinção das diretorias que vigoravam desde 1937 e na criação de
divisões de negócios. Com a mudança, um simples processo de faturamento que
demorava em média oito dias para ser realizado antes da descentralização passou a
ser executado na metade do tempo após a reestruturação. O depoimento do
Entrevistado 1 destaca esse processo:
“Surgiram, então, as divisões, que iriam substituir a administração
central: Divisão alimentícia, divisão química, divisão cerâmica e
cimento, divisão mineração e outras. Cada divisão abrangia um grupo
de fábricas e o estabelecimento do respectivo plano, com um diretor
técnico e um administrativo. Foi o fim da administração central”.
174
Outra questão identificada como crítica para a gestão da diversidade do grupo
foram as disputas políticas, principalmente nos processos de sucessão. Conforme
discutido por Mintzberg (1985), disputas internas surgem naturalmente podendo
repercutir em conflitos duradouros ou passageiros que, de acordo com a sua
intensidade, têm o potencial de reforçar o processo de declínio organizacional, uma
vez que a união dos esforços em busca de um propósito único torna-se praticamente
impossível de se atingir.
Nos relatos apresentados na biografia escrita por Ronaldo Costa Couto é
possível constatar a preocupação do Conde com relação a uma possível
fragmentação do grupo em unidades industriais dispersas. Possivelmente, isso
influenciou a decisão de definir apenas um herdeiro como responsável por dar
seguimento à gestão da IRFM, visando preservar a integridade e os rumos da
organização.
Entre 1882 e 1990, quando o comando do grupo esteve nas mãos da família,
houve três passagens de comando, sendo duas delas tumultuadas que trouxeram
conflitos políticos para a organização, gerando uma propensão à fragmentação do
grupo.
O primeiro sucessor natural de Francesco Matarazzo era Ermelino, o filho
brasileiro mais velho, que havia tido uma preparação na Europa e foi o principal gestor
da IRFM entre 1914 e 1920, quando seu pai se retirou na Itália para tratar de sua
saúde. Após a morte de Ermelino, em 1920, Francesco retomou o controle do grupo e
para ocupar o posto de novo sucessor nomeou Chiquinho, o penúltimo de seus treze
filhos.
Chiquinho nasceu em 1900 e havia acompanhado seu pai na viagem para a
Europa. Após a morte de seu irmão, passou a seguir o Conde no dia a dia dos
negócios, tornando-se Diretor da organização com apenas vinte e quatro anos. Em
1927, foi indicado oficialmente como sucessor através de um testamento oficial. É
importante destacar que com essa escolha, Chiquinho não recebia apenas o comando
do grupo. Cabiam a ele, também, os direitos acionários da IRFM, bem como a posse
da Mansão Matarazzo e de outras propriedades da família.
Diante dessas condições, os filhos Andrea, Attilio e Luiz Eduardo não
concordaram com a decisão do Conde e passariam quatro anos sem ratificar o
documento. Mesmo depois do acordo, outro fato indica que os conflitos internos não
haviam cessado.
Em 1935, incomodado com as críticas dos irmãos, Chiquinho decidiu
abandonar a empresa. Para ocupar o cargo vago, Francesco chegou a convidar o filho
caçula Luiz Eduardo, que recusou a oferta. Para contornar a situação, Francesco
175
consultou todos os filhos novamente para ratificar a decisão tomada anos antes,
obtendo a confirmação de que Chiquinho continuaria no comando. Por consequência,
Luiz Eduardo, Attilio e Andrea se retiraram da sociedade.
Portanto, por muitos anos a organização se viu envolvida em conflitos e,
possivelmente, disputas políticas que atuaram como forças que podem ter
enfraquecido a integridade da organização em uma fase importante de seu
crescimento.
A análise dos fatos relacionados à transição de poder do Conde Chiquinho
para a sua filha Maria Pia também evidenciam a propensão à fragmentação, como
resultado de disputas políticas dentro da IRFM.
Em meados da década de 1950, Ermelino e Eduardo, os filhos mais velhos do
Conde, já eram diretores no grupo e trabalhavam ao lado do pai. Maria Pia, por sua
vez, só começaria a atuar formalmente no grupo em 1975, vinte anos depois dos seus
irmãos. Apesar disso, em 1976 Chiquinho afastaria Ermelino e Eduardo do grupo e
Maria Pia assumiria a presidência no ano seguinte, depois da morte de seu pai. Após
receber o comando da IRFM, Maria Pia ainda teria que enfrentar batalhas judiciais
com seus irmãos que buscavam anular o testamento do pai.
Sendo assim, a transição de poder mais uma vez se deu em meio a um
ambiente conflituoso e de disputa de poder, que envolveu a saída de dois familiares
que tinham experiência e eram os principais diretores do grupo abaixo do Conde
Chiquinho.
Outros fatos também apontaram para a existência de grupos políticos na alta
cúpula da organização. Em 1969, buscando profissionalizar a gestão, o Conde
Chiquinho contratou um especialista de marketing e propaganda para assessorá-lo.
Por dois anos, o cubano Rene Picard, que tinha experiência na Procter & Gamble,
enfrentou a estrutura conservadora das empresas. Numa luta muito dificultada pela
máquina administrativa do grupo já que os homens de confiança temiam as suas
decisões e retardavam as execuções, pouco pode fazer e acabou deixando a
organização precocemente.
Um relato do Entrevistado 1 apresentado no histórico narrado no Capítulo 5
destacou a sua resistência em aceitar um cargo de nível mais alto na Matarazzo em
virtude das dificuldades que ele esperava encontrar para implantar ações de melhoria.
Para o depoente, os conflitos políticos existentes na alta cúpula minariam todos os
seus esforços de realizar as mudanças que ele havia empregado nas unidades que
geriu.
O depoimento do Entrevistado 1 também mostra um ambiente no qual o Conde
Chiquinho dava e cancelava ordens para subordinados diretos de Ermelino e Eduardo.
176
Nas palavras do depoente, fica evidente que isso contribuía para gerar um clima de
ciúme entre os envolvidos:
“Acima de mim, tinha os filhos do Conde Matarazzo, que eram
diretores gerais no prédio Matarazzo. E tinha o Secretário
Administrativo Geral, o Tesoureiro Geral. Todos eles eram superiores
e mim, a quem eu devia satisfação, porque eu era um diretor de uma
unidade. E acima dos filhos, então, vinha o Conde. Só que o Conde
dava ordem direto para mim. Eu tinha que transmitir para os filhos.
[...] Isso gerava uma situação minha muito difícil. Porque eu recebia
uma ordem do filho e o pai me falava:
- Por que você vai fazer aquilo?
- Porque seu filho mandou, sr. Conde.
- Não, você não faça.
- Mas Conde, ele é o meu chefe, como é que eu faço?
- Deixa comigo
Então, olha, imagina o que surgiu nisso [...] E sofria com isso porque
aí vinha o Eduardo:
- Ah! Queridinho do Conde. Chega aí queridinho.”
c) Compartilhamento de Recursos
Se por um lado a centralização da gestão dificultou um controle adequado da
organização e permitiu o surgimento de conflitos, por outro contribuiu para o
compartilhamento de recursos entre as diversas empresas da IRFM, principalmente
com relação aos serviços empreendedores de Francesco Matarazzo e sua habilidade
para levantar recursos.
Nos primeiros anos do desenvolvimento industrial do grupo, as novas unidades
eram criadas a partir de processos produtivos já existentes. Assim, Matarazzo utilizava
o mesmo espaço produtivo para abastecer suas unidades e produzir produtos para o
mercado. A seção de sacaria começou a fabricar tecidos toscos para o mercado. Nas
unidades de processamento de algodão, era realizada a desodorização do óleo para o
fornecimento de matéria-prima para a indústria química e fios para as tecelagens.
Outro evento que denota uma capacidade de compartilhar recursos foi
identificado em 1907 quando funcionários do Moinho em São Paulo entraram em
greve. Para contornar a situação e evitar a parada de produção, Francesco convocou
operários de uma filial em Ribeirão Preto. Assim, através do uso compartilhado de
seções fabris e uma capacidade de realocar funcionários, as fábricas Matarazzo
conseguiam apresentar vantagens produtivas em relação aos seus concorrentes.
A busca pelo compartilhamento de recursos seria fortalecida com a criação da
holding em 1911. Assim, à frente da IRFM o Conde passou a atrair acionistas e,
consequentemente, recursos financeiros para a sua organização, podendo distribuir
esses capital entre as empresas para realizar investimentos em modernização e
177
expansão. Com o intuito de fortalecer essa estratégia, Ermelino também colocou em
prática um plano para a construção de dois complexos industriais.
O primeiro foi a unidade de São Caetano, um distrito industrial construído em
1915 que englobava algumas unidades do setor químico. O local ainda contava com
uma vila operária para os funcionários. Anos mais tarde, seria instalada ali a
Viscoseda, uma das principais fábricas do grupo.
Cinco anos depois, a Matarazzo avançaria ainda mais na questão ao montar o
Complexo Industrial de Água Branca. Para lá, transferiu e reuniu grande parte de suas
unidades químicas além de depósitos, um almoxarifado central, uma oficina mecânica
e um laboratório químico. O complexo contava, ainda, com uma ferrovia própria para
agilizar o processo de embarque e desembarque de produtos.
Outra resposta classificada como saudável foi a criação da Casa Bancária
Matarazzo em 1945 com o objetivo de operar câmbio e oferecer suporte para as
empresas do grupo.
7.1.4
Desafio da Provisão de Recursos Humanos
O porte alcançado pela Matarazzo criou um grande desafio para atrair e reter
mão de obra qualificada. Em 1926, o grupo já empregava sete mil funcionários. Duas
décadas e meia depois esse número quintuplicou. Numa época em que praticamente
inexistiam cursos preparatórios de formação técnica e superior no Brasil, Francesco
Matarazzo foi buscar no exterior operários e engenheiros para trabalhar nas suas
fábricas. Entretanto, a mesma preocupação não foi verificada na preparação de uma
cúpula administrativa capaz de prover a organização com os serviços gerenciais
necessários para o seu crescimento.
a) Recursos Gerenciais
Conforme já discutido anteriormente, o comando do grupo Matarazzo se
manteve centralizado e ligado à família durante praticamente toda a sua trajetória
anterior ao pedido de concordata. Dessa forma, uma parte considerável do desafio de
prover recursos humanos para a organização esteve relacionada à antecipação das
capacidades gerenciais dos membros da família que atuaram no comando da IRFM.
Francesco Matarazzo teve que abandonar os estudos ainda jovem para se
dedicar ao trabalho. Já foi discutido que o Conde dispunha de capacitações
empreendedoras e comerciais que lhe possibilitaram construir e ampliar o seu império
durante os cinquenta e seis anos decorridos de sua chegada ao Brasil até o seu
falecimento. No entanto, faltava-lhe uma capacitação técnica e gerencial como a que
foi obtida por José Ermírio de Moraes na Votorantim. O próprio empreendedor
destacava esse seu perfil em uma entrevista concedida na década de 1930:
178
“Eu não estudei nada. Sou um ignorante. Os senhores é que sabem.
Durante cinquenta anos sempre tenho acertado. Muitos têm
trabalhado comigo: eles ficam com o dinheiro e eu me contento com a
1
experiência” (COUTO , 2004, p. 35).
Apesar da carência de uma capacitação gerencial, não houve por parte de
Francesco uma iniciativa de se cercar de pessoas com as competências necessárias
para a gestão corporativa. Pelo contrário, os seus diretores eram familiares que tinham
no próprio Conde a sua principal fonte de aprendizado e experiência, como uma
“universidade da vida” e cujas capacitações eram relacionadas principalmente às
atividades do comércio.
Ermelino, o filho que foi escolhido para ser o primeiro sucessor, começou a ser
preparado aos sete anos quando foi enviado para a Suíça, onde estudou até os
dezoito, além de realizar estágios na Alemanha, Inglaterra e França. Entretanto, não
prosseguiu com a formação superior, tendo realizado um curso de comércio em
Londres. Vale destacar que nesta época a organização era primordialmente
comerciária. Em 1901, com dezoito anos, Ermelino retornou ao Brasil para trabalhar
no grupo ao lado do pai, até assumir o comando da organização em 1914.
Andrea, irmão mais novo do Conde, era o outro principal gerente da Matarazzo
e conselheiro do presidente. Apesar da formação como advogado e de ter sido sócio
de Francesco desde o final do século XIX, voltou para a Itália para entrar na política,
sendo eleito senador. Da mesma forma que seu sobrinho, seu aprendizado na gestão
empresarial esteve diretamente ligada com a própria experiência comercial obtida
junto ao fundador do grupo.
O mesmo ocorreu com Francisco Jr. que viajou com o pai para a Europa com
quatorze anos e lá estudou até os seus dezenove anos, quando retornou para o Brasil
para ocupar o lugar de Ermelino, que faleceu em 1920. Constata-se, mais uma vez,
uma preferência por uma preparação europeia em detrimento da americana (como no
caso da Votorantim), sem também haver uma incursão no ensino superior ou
direcionado para a indústria ou para a gestão de negócios.
A escolha de Chiquinho para ocupar a posição que era de seu irmão mais
velho, não indica também uma preocupação com a capacitação gerencial do sucessor.
Mais do que uma decisão baseada no maior preparo profissional do herdeiro em
relação aos seus irmãos (se fosse esse o caso, possivelmente a escolha seria pelo
engenheiro Attilio, o único com formação superior entre os treze filhos do Conde), as
evidências indicam que um motivo fundamental sobre a escolha se deu pela maior
aproximação entre pai e filho e, principalmente, pelo interesse e dedicação de
Chiquinho nas atividades do grupo. No mesmo ano em que foi eleito diretor do grupo,
Chiquinho se casou com sua prima Mariângela, filha do Senador Andrea. Ou seja, é
179
mais um indicativo de que Francesco via no sucessor a possibilidade de manutenção
da integridade do grupo.
Até a morte de Francesco, Chiquinho teria dezoito anos de preparação ao lado
do pai, conhecendo as indústrias, os fornecedores, clientes, a rotina e os principais
processos dos negócios. Portanto, a preparação do corpo gerencial continuava a ser
orientada de acordo com a experiência e o conhecimento do Conde, conforme foi
destacado por Ronaldo Costa Couto:
“Trabalhando doze horas por dia como o mais humilde de seus
empregados, tornou-se a sombra do pai, acompanhando-o da
primeira hora da manhã até a noite, nas visitas às fábricas e nos
despachos no escritório” (COUTO2, 2004, p. 193).
Chiquinho, seguindo as mesmas práticas do pai, buscou manter ao seu lado os
seus familiares. Assim que assumiu, seu braço direito era seu sobrinho Ferdinando
que já era gerente do grupo. O comando do grupo ficou praticamente restrito aos dois,
até que em meados da década de 1950, Ferdinando se retirou da empresa e foi
substituído pelos filhos de Chiquinho, Ermelino e Eduardo. Vale ressaltar que quando
assumem, eles se tornam diretores de várias unidades, indicando realmente a
carência de gestores e a concentração total da direção entre os membros da família.
Portanto, não se verifica tanto na gestão de Francesco como na de seu filho
Chiquinho, uma preocupação em atrair e reter talentos com os serviços gerenciais
necessários para comandar o grupo. A alta cúpula do grupo se manteve enxuta, com
os principais cargos sendo ocupados por membros da família, sendo que os critérios
escolha do sucessor se mostraram principalmente afetivos e não profissionais. Além
disso, os sucessores não recebiam uma formação externa para trazer novos
conhecimentos ao grupo. Pelo contrário, a preparação e conhecimentos dos novos
gestores eram obtidos através da vivência e experiência com os pais. Um relato de
Milton Getúlio da Cunha, que se tornou diretor da Matarazzo na década de 1970
reforça essa análise e mostra que esse traço não ficou restrito aos membros da
família:
“Fui treinado a pensar e reagir como o conde Chiquinho” (VILELA &
RODRIGUES, 2013).
Um relato do Entrevistado 1 contribui para exemplificar essa relação de
subordinação inquestionável e de aprendizado entre o Conde e seus subordinados.
“Eu não podia falhar na minha fidelidade ao Conde. Tudo o que ele
fazia eu achava perfeito. Poderia até errar, mas o fazia como uma
perfeição que o erro desaparecia. Então eu tinha que obedecer
realmente.”
180
As evidências identificadas demonstram não só a falta de iniciativas para a
formação gerencial, como também, a ação reativa e não antecipada para a provisão
desses recursos.
Apesar de ter iniciado a preparação de Ermelino quando este era apenas uma
criança, Francesco não demonstrou ter elaborado um “plano B”, incluindo a formação
de outras pessoas capacitadas para assumir posições gerenciais na IRFM, visando
antecipar eventuais problemas. Assim, após a morte de Ermelino não havia na
organização outro sucessor preparado. Por isso, Francesco fez um convite a seu
irmão Andrea para ocupar o lugar que era de Ermelino, mas ele não aceitou, pois não
poderia ser sucedido pelos próprios filhos na direção da empresa. Mais tarde, haveria
uma cisão entre os irmãos, fazendo com que Andrea saísse do grupo junto com seu
filho Ciccillo (que também recusou um cargo na diretoria) levando, ainda, a seção
metalúrgica do grupo. Portanto, conforme já mencionado, ele acabou recorrendo ao
seu filho Chiquinho que praticamente não tinha experiência profissional formal.
Outros fatos indicam respostas falhas em relação à antecipação de recursos
gerenciais. Após a reestruturação iniciada em 1967, foram criadas seis divisões de
negócio. Para ocupar esses cargos, foram escolhidas pessoas que tinham pouca
experiência no grupo, já que foi identificado que todos os diretores tinham menos de
dois anos de casa. Nessa mesma época, contratou-se, também, um gerente de
marketing externo. Portanto, fazendo uma relação com a teoria de Fleck (2009), é
possível constatar que a contratação em massa de pessoas de fora da organização
pode ter contribuído para a redução da integridade organizacional.
O processo sucessório de Chiquinho também aponta para uma resposta tardia
à formação de recursos humanos. Conforme apontou o Entrevistado 1, havia um
problema de confiança do Conde em relação aos filhos, embora esses fossem os
diretores:
“Como ele podia dirigir uma indústria tão grande? Uma organização
tão grande, praticamente sozinho? Porque não confiava nem nos
filhos”.
Em decorrência das desavenças existentes, em 1975, o presidente acabou
tirando os dois filhos que estavam há vinte anos na sociedade e elegeu a filha mais
nova como sucessora que se tornaria presidente de um grupo em situação financeira
extremamente delicada apenas dois anos depois. Além disso, conforme destacado
pelo Entrevistado 1, a herdeira não havia sido preparada adequadamente para ocupar
a posição que lhe foi destacada:
181
“Maria Pia totalmente despreparada. Nunca havia participado da
administração. Não sabia nada de administração. E foi nomeada e
ocupou o escritório do Eduardo. Foi nomeada formalmente”
(ENTREVISTADO 1).
b) Equipe Técnica
Durante várias décadas do grupo, a Matarazzo contornou a carência de mão
de obra técnica no Brasil contratando pessoas de outros países. Sua preferência era
pelos seus compatriotas italianos, que formaram a principal massa de imigrantes que
chegaram a São Paulo durante o final do século XIX e as primeiras décadas do século
XX:
“O Conde costumava pagar a passagem de jovens italianos com
aptidões e habilidades exigidas pelas IRFM. [...] As IRFM chegaram a
ter mais de 80% de trabalhadores italianos ou filhos de italianos”
2
(COUTO , 2004, p. 112).
A preferência pela mão de obra italiana faria Francesco investir, em 1909, em
uma escola de ensino secundário voltado para essa colônia em São Paulo, indicando
a intenção de preparar melhor os seus potenciais empregados.
A preocupação de atrair e reter técnicos capacitados visava manter a qualidade
dos produtos e a modernização das plantas. Em 1942, o grupo tinha vinte mil
funcionários e seiscentos técnicos especializados. Nos dez anos seguintes, foram
contratados cinco mil funcionários e mais quatrocentos técnicos, mantendo a
proporção próxima a um técnico para cada mil operários. Em 1939, reforçando a
preocupação com a preparação técnica da organização, foi montado um Laboratório
Central, conectado aos laboratórios de diversas fábricas para atuar, entre outras
frentes, na preparação de químicos-pesquisadores. Oito anos depois, o grupo faria
uma parceria com o Sesi para a formação e capacitação dos trabalhadores da
Matarazzo. Um relato do Conde Matarazzo destacaria a preocupação em atrair e reter
técnicos em suas fábricas:
“Como fiz? Trabalhei. Desde o início, sempre. E confiei nos técnicos,
nos especialistas, preocupado, sobretudo, em adotar nos meus
estabelecimentos os sistemas mais modernos, as máquinas mais
perfeitas” (COUTO2, 2004, p. 37).
A oferta de mão de obra especializada aumentaria apenas a partir da Segunda
Guerra Mundial, quando o país atravessaria o segundo e mais intenso de
industrialização. Entretanto, Chiquinho continuaria dando prioridade à contratação de
profissionais estrangeiros para atuar nas empresas. Quando questionado como o
Conde Chiquinho administrava uma organização tão grande e diversificada, o
Entrevistado 1 explicou:
182
“A resposta é muito sábia: Formando equipe. Ninguém dirige nada
sozinho. Mas o poder está em formar uma equipe. Sem
apadrinhamentos. Sem nomear gente incompetente. Nomeando
aqueles técnicos que você não é. E sabendo dirigi-los, sabendo
coordenar esse trabalho dos técnicos, dos administradores. Não
deixando que nenhum fuja do foco. [...] Eu não concordava muito,
mas até certo ponto ele também estava certo, porque na época o
mercado brasileiro de técnicos ainda era muito pobre. Ele importava
muitos técnicos estrangeiros. Era a preferência dele. Então, o melhor
usineiro do Peru, ele trazia para o Brasil. O melhor diretor têxtil, ele
trazia da Inglaterra. E assim por diante. Ele nunca ia procurar um dos
melhores. O melhor. E pagava. Mas pagava de uma maneira brutal”.
Outro indicativo de que a organização teve dificuldades para formar os seus
funcionários foi identificado em 1975, quando a IRFM recebeu autorização permanente
do governo federal para funcionar aos domingos e feriados. De acordo com a
empresa, a carência de mão de obra especializada gerava esta necessidade de horas
extras.
Portanto, se por um lado a contratação de técnicos estrangeiros se mostrou
uma iniciativa positiva para prover a organização com recursos gerenciais capacitados
em um período no qual praticamente não existiam centros de formação, a
continuidade desse processo sinaliza duas dificuldades. A primeira em formar recursos
humanos dentro da organização a um custo mais baixo do que o realizado com
contratações externas - conforme apontado pelo depoente, isso trazia um custo muito
grande para a empresa.
Além disso, isso atuava também, como uma força contrária à manutenção da
integridade organizacional. No início do século XX, houve um grande fluxo de
imigrantes italianos que foram muito absorvidos pelas fábricas da IRFM. Entretanto,
conforme apontado pelo entrevistado, o Conde Chiquinho ia buscar profissionais em
diversos países, aumentando ainda mais a pressão sobre a diversidade de recursos
humanos da organização.
7.1.5
Desafio da Gestão da Complexidade
Conforme destacado por Fleck (2009), à medida que uma organização cresce,
ela se torna mais complexa, exigindo a resolução de problemas de forma sistemática.
As evidências coletadas sugerem a adoção de ações intuitivas, com ausência de um
processo sistemático de coleta de dados, análise, tomada de decisão e
implementação. Assim, com uma organização tão extensa e complexa, não foram
identificados fatores consistentes que indicassem uma propensão saudável nesse
desafio.
183
Nos primeiros anos de operação comercial e industrial, a engenhosidade
demonstrada por Francesco Matarazzo possibilitou ao empreendedor contornar dois
grandes obstáculos presentes no início de suas operações de banha de porco. A
primeira era a falta de escala. Para isso, buscou implementar sistemas de
comercialização à prazo, tanto na venda como na compra, incentivando a venda e
conseguindo comprar grandes volumes de insumos. O segundo tinha a ver com o fato
de ter que lidar com um produto perecível. Assim, passou a comercializar o produto
em latas de metal ao invés de caixas. A nova embalagem, além de conservar melhor,
tinha um volume mais adequado para o consumo familiar o que, contribuía ainda para
o giro do negócio.
Esses passos foram fundamentais para dar impulsão ao
empreendimento de Francesco.
Apesar desses eventos indicarem uma capacidade de imaginar os caminhos a
serem seguidos pela empresa, não há evidências de que isso ocorria de forma
sistemática. Pelo contrário, o sucesso obtido nessas primeiras fases parecem ter
contribuído para que a organização desenvolvesse um método ad hoc para solução de
problemas. Isto é, favorecendo a tomada rápida de decisões de maneira rápida e
intuitiva, sem gerar aprendizado para a organização.
A partir da criação da IRFM em 1911, o crescimento no número de
funcionários, a diversificação dos negócios e a expansão geográfica, além da questão
sucessória, aumentaram substancialmente a complexidade da organização. Com essa
nova configuração, fatos e evidências indicaram a dificuldade de lidar com os
problemas de forma sistemática.
Conforme já discutido, a IRFM preferia evitar a dependência de clientes e
fornecedores. Por esse motivo, chegou a ter 45 mil clientes durante a década de 1930,
criando um grande desafio para a organização, já que a tecnologia da época para a
gestão de tal quantidade de informações era precária. Além disso, grande parte das
compras costumava ser feita pelo Conde Francesco ou pelo seu filho que tinham que
ter o conhecimento diário sobre os preços e quantidades praticadas pela empresa:
“Outro fato interessante, que aumenta consideravelmente os lucros
anuais, é que o Conde Senior ou o Conde Junior, pessoalmente,
fazem, praticamente, todas as compras de matéria prima necessárias
nas fábricas. As compras que não podem fazer pessoalmente, são,
pelo menos, feitas com seu inteiro conhecimento, e diariamente, dos
preços e quantidades [...] A política da firma põe grande atenção em
comprar bem, talvez mais do que tentar vender por preço maior
possível" (RUST, 1934).
Essa centralização resultava naturalmente na falta de tempo para outras
questões cruciais. No relato de Ferdinando sobre as qualidades do seu avô
Francesco, é possível constatar uma evidência de um método ad hoc, com o Conde
184
tomando decisões de forma rápida, sem um processo de compreensão com
profundidade e detalhada sobre os assuntos:
"Era a capacidade de resolver assuntos. Qualquer problema que
levávamos a seu conhecimento era logo resolvido. Tinha facilidade
espantosa para tocar o barco. E muita liderança. Era um chefe.
Pessoas das melhores equipes do mundo inteiro, quando falavam
com ele, o chamavam de chefe. Porque tinha melhor cabeça que todo
mundo."
Essa mesma constatação de um modelo de decisão baseada nas percepções
do seu líder seria encontrada em um relatório redigido pelo BNDES, resultado de uma
avaliação técnica realizada na organização em 1977, após o falecimento de Francisco
Matarazzo Jr.:
“Quando do falecimento do Conde, a situação era caótica. As
avaliações de situações e decisões vinham sendo tomadas com base
na sensibilidade do Conde, cujos padrões de referência, como é
compreensível, revelavam-se absolutamente inadequados às
condições econômico-financeiras e sociais do Brasil dos anos 60 e
70, principalmente” (VEJA, 1983).
Um relato de 1971, feito por Ermelino, filho do Conde Chiquinho, sugere o
reconhecimento desse sistema na Matarazzo, em virtude da grande extensão que
organização atingiu:
“A Votorantim é uma enorme companhia, mas que atua em muito
menos setores do que nós. Assim, nós tivemos que agrupar setores
relacionados, o que nos deu uma administração ad hoc”. (REISS,
1980, p. 208)
O depoimento do Entrevistado 1 também destacou a existência de um método
“apaga incêndio” para a resolução de problemas, no qual as dificuldades nas diversas
unidades eram resolvidas de forma pontual:
"Eu fui talvez o único que percorreu, senão todas, 95% das unidades
dele. Eu era levado para elas a cada dificuldade que surgia na
respectiva unidade. Lá ia eu, como enviado do Conde Matarazzo,
para fazer o reprograma, colocar em ordem. E quando estava tudo
em ordem, quando eu ia descansar, ele me mandava para outro.
Então com isso, eu percorri praticamente todas, seja elas em São
Paulo, no Brasil todo e no exterior também."
Os próprios processos de sucessão ressaltam as soluções ad hoc. Quando
Ermelino falece, em 1920, a organização não tinha uma segunda opção, fazendo com
que Francesco recebesse uma recusa de seu irmão Andrea. Em 1935, com a saída de
Chiquinho que renunciou devido às pressões exercidas pelos irmãos, Francesco teve
mais um convite para ocupar o posto mais alto da organização recusado. Desta vez,
185
foi de seu filho mais novo, Luiz Eduardo. Sua solução foi fazer uma espécie de
plebiscito na família com o objetivo de gerar uma pressão sobre os filhos e trazer
legitimidade ao nome de Chiquinho. Entretanto, apesar do consentimento de todos, a
venda das ações por três dos filhos indicaria uma cisão na família.
Finalmente, é possível identificar como soluções ad hoc as iniciativas para
tentar contornar a situação financeira do grupo a partir da década de 1950. Entre os
diversos movimentos realizados com o objetivo de capitalizar o grupo, como os
lançamentos de ações no mercado, a venda de empresas e de ativos, não é possível
identificar uma tendência ou um plano definido de reestruturação do grupo. Os fatos
encontrados sugerem iniciativas visando a captação de recursos de forma rápida, sem
uma avaliação de quais negócios seriam mais promissores e deveriam permanecer no
portfólio do grupo. Vale destacar que além dos diversos empreendimentos fechados
ou vendidos pelo grupo, entre 1967 e 1977, a organização realizou leilões de
máquinas, equipamentos, veículos, materiais de escritório, resíduos e sucatas de
diversas unidades, como têxtil, químicos, alimentos e metalúrgica.
Na tentativa de interpretar os movimentos de desinvestimentos do grupo, não
foi possível constatar um padrão. A tabela 7-3 apresenta algumas unidades que foram
descontinuadas durante o período de declínio entre 1950 e 1980 (a refinaria foi a única
que foi vendida, as demais unidades foram fechadas). Conforme é possível perceber,
foram encerradas as atividades de importantes unidades dos três principais
segmentos do grupo.
Tabela 7-3 – Relação de Unidades Descontinuadas ou Vendidas Entre as Décadas de
1950 e 1970
Negócio
Indústria
Ano de
Encerramento
Ano de
Fundação
Usinas de açúcar
Alimentos
1953
1910
Pregos
Metalurgia
1957
1912
Alimentos em Conserva
Alimentos
1957
1945
Panificação
Alimentos
1959
1953
Desinfetantes e Esponjas
Química
1962
?
Pasta de Amendoim
Alimentos
1963
1946
Frigoríficos
Alimentos
1964
1920
Refeições Balanceadas
Alimentos
1967
1957
Cloroquim
Química
1970
1957
Refinaria de Petróleo
Química
1971
1934
Tecelagem de Piqueri
Têxtil
1972
?
Tecelagem Santa Celina
Têxtil
1972
1931
Viscoseda
Química
1977
1926
186
De acordo com o Entrevistado 1, Ermelino buscava se desfazer das unidades
não lucrativas e ficar com as mais modernas, especialmente no campo da química.
Entretanto, o Conde Chiquinho resistiu em fechar as fábricas deficitárias:
“As dificuldades econômicas começavam a mostrar a necessidade de
medidas duras. Foi quebrada a sua resistência para livrar-se de
indústrias menos econômicas e de um volume cada vez maior de
funcionários burocratas” (ENTREVISTADO 1).
Sendo assim, não é possível verificar em que mercados ou indústrias a
Matarazzo pretendia direcionar. Ou seja, em quais ela teria maiores capacidades de
captura de valor. Em uma reorganização que antecedeu o pedido de concordata em
1983 (gráfico 7-2), verifica-se a queda da relevância da indústria de alimentos e
química no grupo. As fabricas de tecelagem já não apareciam, pois a empresa estava
vendendo suas unidades para o grupo Severino Pereira.
Cabe destacar ainda que mesmo no setor de papéis e embalagens, o principal
do grupo, a Matarazzo já não ocupava posição de destaque. No mercado nacional de
Celofane, a empresa concorria apenas com a Votorantim que dominava o mercado
com 80% de participação.
Gráfico 7-2 - Composição de Faturamento da Matarazzo em 1980
Artefatos de
Cerâmica
3,91%
Óleos e
Derivados
21,57%
Cimento e
Mineração
2,67%
Papéis e
Embalagens
41,55%
Alimentos
17,38%
Indústrias
Químicas
12,71%
Agroindústria
0,20%
187
7.1.6
Gestão da Folga Organizacional
A folga organizacional atua como um pulmão diante das alterações do
ambiente, além de fornecer os recursos necessários para que uma organização cresça
de forma saudável. Identificou-se que a existência de folgas produtivas e de recursos
financeiros foi fundamental para que a empresa mantivesse a sua capacidade de
crescimento por décadas. Por outro lado, a ausência de folga de recursos humanos
contribuiu para a redução da integridade organizacional.
a) Recursos Produtivos
Um traço identificado ao longo da trajetória da organização foi a busca pela
ampliação das suas unidades fabris. De acordo com Couto2 (2004, p. 237), as fábricas
eram projetadas com reserva de espaço para eventuais ampliações. O Conde não as
via como algo imutável, acabado, definitivo. Dizia que num país em transformação e
de potencial enorme como o Brasil era preciso estar sempre preparado para mudar e
crescer. Assim, comprou o grande terreno da Zerrenner-Bulow Companhia no bairro
de Água Branca em São Paulo, e formou o seu principal complexo industrial onde, por
algum tempo, teria espaço de sobra para fabricar fábricas.
Conforme destacado por Penrose (1980), o crescimento atua como um
propulsor da folga uma vez que o processo de crescimento gera novos recursos não
utilizados que são somados ao conjunto de recursos existentes dentro da organização.
Sendo assim, o processo de diversificação relacionada identificada na Matarazzo a
partir do moinho de trigo gerou novos recursos que foram fomentando a criação de
novos negócios. Portanto, com essa relação entre os processos produtivos e
instalações preparadas para expansões, a Matarazzo gerava folga de capacidade
produtiva, podendo direcionar parte da sua produção para o mercado ou mesmo para
abastecer os seus negócios. As fábricas de processamento de algodão, por exemplo,
poderiam atender tanto a indústria têxtil como a de óleos e sabões.
Entretanto, à medida que a organização passou a criar negócios não
relacionados, esse crescimento passou a consumir os seus recursos ao invés de
produzir folga.
Evidências de folgas produtivas geradas através de crescimento por
mecanismos de reforço voltaram a ser identificadas durante a década de 1950 quando
a empresa realizou expansões na indústria química.
Além da folga em capacidade de produção, é possível destacar os
investimentos realizados com o intuito de formar um pulmão de recursos energéticos,
que historicamente foram um problema para toda a indústria, pela escassez e o alto
custo. A Matarazzo construía barragens e termoelétricas em suas terras objetivando
188
reduzir a sua dependência em relação à energia fornecida pelo governo. Esse
processo teve o seu ápice em 1954, quando após a instalação de termoelétricas em
decorrência de uma crise de energia que o Brasil começava a enfrentar, a Matarazzo
chegou a 56% de autossuficiência.
b) Recursos Financeiros
A reputação construída pelo Conde Matarazzo possibilitou que a organização
desenvolvesse uma folga financeira para criar e desenvolver novos negócios. Essa
facilidade de obter os recursos foi destacada pelo Entrevistado 1:
“Mas veja bem, quando você traz o melhor técnico da Inglaterra,
coloca numa indústria sua no Brasil, o que você adquire da
Inglaterra? Credibilidade. As autoridades de lá ficam sabendo. Porque
imagina, o melhor técnico está saindo do país, tá lá no Matarazzo.
Puxa vida Matarazzo. Esse cara é bom. Esse cara vai fazer o
Matarazzo crescer. Você ganha notoriedade lá. Aí você precisa do
banqueiro de lá. Você vai lá buscar o dinheiro e você consegue com
facilidade. Você adquire um nome.”
Vale destacar, no entanto, a existência de folga financeira gerada com os
lucros excedentes. De acordo com Reiss (1980, p. 33), entre 1911 e 1930, 50% dos
lucros obtidos foram reinvestidos no grupo. A tabela 7-4 apresenta o resultado médio
anual no período.
Tabela 7-4 – Lucro Médio da Matarazzo Entre 1912 e 1929
Período
Lucro Médio
(em Contos de Réis)
1912 - 1913
4.800
1914 - 1919
7.300
1919 - 1920
3.300
1922 - 1923
6.800
1924 - 1929
16.200
Fonte: Reiss, 1980
Um fato que representa a existência desse pulmão de recursos durante a fase
de crescimento ocorreu na crise de 1929. Na época, Francesco recebeu a visita de
dois funcionários do Banco de Londres que, preocupados com a situação da IRFM,
oferecem créditos ao empresário. Todavia, o Conde recusou a oferta, pois julgava que
tinha os recursos necessários para enfrentar o período de turbulência.
Após a Segunda Guerra, no entanto, a situação começaria a se alterar. O
acirramento da competição e a redução do crescimento dos mercados nos quais a
189
Matarazzo mantinha os seus principais negócios achatariam as margens da
organização. O gráfico 7-3, elaborada a partir dos relatórios anuais do grupo indicam
essa perda de lucratividade ano a ano a partir da segunda metade da década de 1940.
Gráfico 7-3 – Margem líquida da IRFM entre 1943 e 1979
80,0%
70,0%
60,0%
50,0%
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
-10,0%
-20,0%
Por outro lado, como a empresa ainda tinha grande reputação, esse problema
foi contornado com a recorrente emissão de ações entre as décadas de 1950 e 1960.
Vale ressaltar, no entanto, que essa estratégia teve um preço a ser pago pelo grupo.
Para continuar atraindo novos acionistas, a Matarazzo teve que se comprometer com
percentuais representativos de seus lucros, conforme pode ser constatado em anúncio
de subscrição de ações de 1960 que promovia as seguintes vantagens:
“1. dividendo fixo e cumulativo de 12% ao ano pago semestralmente,
acrescido da bonificação anual mínima de 5%, que garante às ações
preferenciais uma remuneração mínima de 17% ao ano e a qual
poderá ser posteriormente beneficiada por deliberação da Assembleia
Geral Ordinária tendo em conta, em parte, eventual encarecimento do
custo de vida;
2. possibilidade de conversão, por sorteio, de até 50% das ações
preferenciais em ações ordinárias a partir de 1967.”
Essa capacidade de captar recursos através da emissão de novas ações é
retratada nos gráficos a seguir. O gráfico 7-4 apresenta a relação entre o capital social
da empresa e o PIB brasileiro. Diferentemente dos gráficos de tamanho e performance
apresentados anteriormente, que indicavam uma queda consistente a partir da
Segunda Guerra, nessa relação houve uma relativa manutenção do patamar médio
até o início da década de 1970.
190
Gráfico 7-4 – Capital Social em relação ao PIB brasileiro
0,50
0,45
0,40
0,35
0,30
0,25
0,20
0,15
0,10
0,05
0,00
A partir desse momento é percebido um esgotamento da capacidade da IRFM
de continuar se financiando através de capital próprio. O gráfico 7-5 mostra a relação
entre as dívidas de curto e longo prazo em relação ao ativo total da organização.
Gráfico 7-5 – Percentual das Dívidas Sobre o Ativo Total
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Com a queda da rentabilidade a partir do final da década de 1940, o grupo
também começou a recorrer a empréstimos para financiar os seus projetos. Apesar
disso, o nível de endividamento persistiu em patamares quase constantes até o
começo da década de 1970, justamente pela subscrição de ações que era realizada
em paralelo durante esse período. Depois de 1975, no entanto, o nível de
191
endividamento começou a subir substancialmente. Como consequência, em 1978, os
custos financeiros da IRFM já atingiam 20% do faturamento
c) Recursos Humanos
Conforme discutido na avaliação do desafio da gestão de recursos humanos, a
organização não conseguiu formar adequadamente os recursos gerenciais para
comandar o seu vasto e complexo empreendimento industrial. Foram identificadas
evidências que indicavam a acumulação de cargos pelos gestores. Verificou-se, por
exemplo, que o Conde Chiquinho e seu sobrinho Ferdinando eram responsáveis pela
direção de vários grupos, tendo inclusive que atender diversas reuniões de conselho
no mesmo dia entre essas várias companhias.
Apesar da criação das novas diretorias em 1937, o Conde Chiquinho e seu
braço direito, seu sobrinho Ferdinando, apareciam como diretores de várias das
unidades do grupo. Anúncios de assembleias com acionistas publicados na época
mostram que eles estavam presentes na maioria delas, como em uma única edição
que mostrou que as seguintes reuniões aconteceriam no dia 31 de agosto de 1954:
i.
10:00 - IME
ii.
11:00 - Santa Celina
iii.
14:00 - Salina
iv.
16:00 - IRFM
O mesmo ocorreu quando os filhos de Chiquinho assumiram uma posição no
grupo. Em 1954, Ermelino foi nomeado Diretor da Fazenda Amália. Dois anos depois,
ele e seu irmão, Eduardo, já eram diretores de outras unidades do grupo como a Casa
Bancária F. Matarazzo e a Agroindustrial Jequitaí. Eduardo também assumiu a
administração da Salina e das Indústrias Matarazzo do Paraná.
7.1.7
Resumo das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento
As evidências encontradas mostraram como as capacitações empreendedoras
desenvolvidas pela Matarazzo contribuíram para o seu crescimento e pioneirismo no
setor industrial brasileiro. Por outro lado, identificou-se também a dificuldade da
organização em responder aos desafios do crescimento de maneira saudável
conforme o seu tamanho foi aumentando e as condições do ambiente foram se
alterando. No decorrer da análise, verificou-se que muitas das respostas positivas
desenvolvidas no estágio inicial da organização passaram a perder força quando o
escopo de atividades ganhou uma dimensão muito maior, a partir das décadas de
1920 e 1930.
192
Assim, apresentam-se a seguir quatro fotografias que mostram a variação, ao
longo do tempo, do nível de propensão ao crescimento saudável da organização, de
acordo com o modelo dos Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional de Fleck
(2009). Tais divisões foram definidas com base em acontecimentos cruciais da história
da organização, do ambiente, e de acordo com as consistências das respostas
identificadas durante o processo de análise. Dessa forma, será possível obter uma
melhor compreensão da evolução das respostas aos desafios do crescimento ao longo
do tempo. As classificações das respostas serão apresentadas conforme legenda da
figura 7-3.
Figura 7-3 – Legenda do resumo das respostas aos desafios do crescimento
A primeira fase vai de 1881 até 1911, englobando a fundação dos primeiros
estabelecimentos comerciais, passando pela transição para a indústria, até a
formalização da IRFM. A segunda, por sua vez, segue até 1937 (ano de falecimento
do Conde Francesco) e inclui a construção do núcleo de Água Branca e o primeiro
processo sucessório da organização. O terceiro período contempla a primeira metade
da gestão do Conde Chiquinho, quando houve mudanças substanciais no ambiente
industrial brasileiro. A quarta fase engloba a segunda metade da gestão de Chiquinho,
passando pela sucessão para a herdeira Maria Pia, até o pedido de concordata em
1983. Após a falência das principais empresas do grupo, não foi possível identificar
respostas saudáveis em nenhum dos cinco desafios.
a) Fase 1: Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911
Devido à limitação de informações desse esse período inicial, foi possível
classificar apenas as respostas referentes aos Desafios do Empreendedorismo e da
Navegação no Ambiente. Conforme pode ser observado na figura 7-4, as respostas
193
identificadas para esses desafios foram classificadas como saudáveis durante essa
fase.
Figura 7-4 – Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911
Destaca-se que os serviços empreendedores de Francesco Matarazzo
permitiram à organização ser uma pioneira no processo de industrialização pelo qual o
Brasil passou no início do século XX. Em um país onde tudo se precisava, e onde é
possível destacar a existência de um ambiente piedoso, a ambição e versatilidade
empreendedora do Conde permitiram que ele se estabelecesse como um importante
comerciante e, posteriormente, fizesse a migração para a indústria, fundando o
moinho de trigo e, a partir deste, expandisse os seus negócios para outras indústrias.
Destaca-se também a reputação construída por Francesco Matarazzo, que contribuiu
para a sua capacidade de levantar os recursos necessários à viabilização desses
empreendimentos.
As capacitações comerciais do empreendedor e as estratégias de compra e
venda a prazo empregadas por ele, também foram importantes para a captura de valor
e para dar escala aos negócios.
Além disso, embora a estratégia de diversificação ter sido de certa forma
comum nessa primeira fase de industrialização, a versatilidade para expandir os
negócios através do desequilíbrio de recursos possibilitou ao grupo desenvolver
vantagens competitivas durante os primeiros anos do século XX. Como o ambiente
industrial era incipiente e o mercado importava praticamente tudo o que consumia, a
Matarazzo conseguia suprir parte dos seus insumos através do seu conjunto de
empresas, o que contribuía para a captura de valor. Essa independência se mostrou
194
uma vantagem, por exemplo, durante a Primeira Guerra Mundial, quando houve uma
redução do comércio internacional, e a importação de insumos para as atividades
fabris declinou fortemente. A tabela 7-5 apresenta um resumo das principais respostas
empregadas pela organização durante essa fase.
Tabela 7-5 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911
Nível de
Resposta
Resumo
Empreendedorismo
Saudável
(+) Imaginação e visão para buscar novas oportunidades
lucrativas
(+) Crescimento baseado em mecanismos de reforço
(+) Grande facilidade para obter crédito junto a bancos e
novos acionistas
Navegação no
Ambiente
Saudável
(+) Movimentos proativos
(+) Uso de estratégias comerciais para captura de valor
Desafio
b) Fase 2: Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937
Após a formação da IRFM, a Matarazzo seguiu um processo de crescimento e
diversificação não relacionada, ampliando gradativamente o escopo de suas
atividades. A figura 7-5 apresenta a classificação das respostas aos Desafios do
Crescimento durante essa fase. Como é possível perceber, as capacitações
desenvolvidas contribuíram para que a organização seguisse crescendo e se
renovando. Por outro lado, a Matarazzo não conseguiu evitar as pressões de
fragmentação, inibindo, portanto, o desenvolvimento de uma propensão ao
crescimento saudável.
Figura 7-5 - Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937
195
A ambição por criar um império industrial aliada à capacidade de levantar
recursos continuou fomentando a criação de novos negócios. Contudo, nesse intenso
processo de formação de novos empreendimentos, foram constatados também,
movimentos de expansão defensivos, que não traziam capacidade de gerar
oportunidades lucrativas substanciais, mas que por outro lado, geravam uma
propensão à fragmentação.
Um fator identificado como positivo foi a legitimidade construída pelo Conde
Francesco, principalmente como líder industrial e comercial, e representante da
colônia italiana no país. Isso fica evidente nos títulos conquistados pelo empreendedor
e no papel de liderança na CIESP e perante outros industriais.
A menor dependência de insumos de terceiros também criou um mecanismo
de isolamento que contribuiu para a captura de valor, principalmente durante o período
da Primeira Guerra, quando houve escassez global de matérias-primas.
A organização também se beneficiou da folga financeira obtida principalmente
através do fácil acesso ao crédito, seja pela reputação construída pelo Conde, ou
pelas próprias casas bancárias criadas pelo grupo. Identificou-se, ainda, que os
complexos industriais de São Caetano e Água Branca geraram folga produtiva para a
expansão das fábricas, contribuindo para o processo de crescimento.
Com relação ao desafio da diversidade, ações identificadas como positivas
foram a formação da IRFM e dos complexos industriais. Com parte significativa das
fábricas situadas em uma mesma área, a coordenação dos negócios era facilitada.
Além disso, criavam-se condições para o compartilhamento de recursos produtivos.
Não se identificou, no entanto, o desenvolvimento de competências para lidar
com as novas questões de maneira sistemática. Na medida em que a IRFM cresceu,
aumentaram-se as interconexões entre as unidades, gerando complexidade. Para lidar
com esse processo, as ações foram predominantemente ad hoc que, por sua vez,
prejudicam a forma como a organização lidou com outros desafios.
Esse método de “apagar incêndio” foi identificado no processo sucessório que
acabou gerando conflitos organizacionais. Cabe destacar, ainda, a ausência de uma
preparação profissional industrial dos principais gestores do grupo. Chiquinho, por
exemplo, foi treinado diretamente pelo pai, no dia a dia dos negócios. Ainda, novos
negócios continuaram a ser criados sem que houvesse a avaliação necessária para a
identificação de oportunidades lucrativas e que também evitasse o excesso de
exposição ao risco da organização.
Portanto, as dificuldades em lidar com a complexidade, diversidade e com o
aprovisionamento de recursos humanos afetaram negativamente a manutenção da
196
integridade organizacional e, consequentemente, a capacidade da organização
crescer de forma saudável.
Portanto, é possível sugerir que com ambição, versatilidade e capacidade de
levantar recursos, a IRFM seguiu se desenvolvendo como uma organização
empreendedora que, contudo, se tornava carente em serviços gerenciais. A tabela 7-6
apresenta um resumo das principais respostas empregadas pela organização durante
essa fase.
Tabela 7-6 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937
Desafio
Empreendedorismo
Navegação no
Ambiente
Nível de
Resposta
Resumo
Saudável
(+) Ambição para ampliar cada vez mais o escopo de
atividades e preencher as lacunas do mercado
brasileiro
(+) Capacidade de levantar recursos contribuiu para a
formação de um império
Saudável
(+) Posições de liderança em associações industriais
(+) Integração produtiva como mecanismo de
isolamento
(+) Posição de liderança na indústria têxtil
(+) Formação da IRFM e dos complexos industriais
Gestão da
Diversidade
Atenção
(-) Início de um processo de diversificação não
relacionada contribuiu para a fragmentação
(-) Conflitos políticos envolvendo a questão sucessória
(+) Capacidade de atrair técnicos especializados
Gestão de Recursos
Humanos
Atenção
(-) Ausência de capacitação formal na alta gestão –
“universidade da vida”
Gestão da
Complexidade
Não
saudável
(-) Ações predominantemente intuitivas e não
sistemáticas
Gestão da Folga
Saudável
(+) Reinvestimento dos lucros
(+) As fábricas eram projetadas com reserva de espaço
para eventuais ampliações
c) Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955
Com a morte de Francesco Matarazzo, aos oitenta e três anos, coube ao seu
filho Chiquinho a missão de gerenciar o vasto império construído durante quase quatro
décadas, mas que não apresentava uma propensão para a autoperpetuação.
Conforme pode ser observado na figura 7-6, as respostas identificadas durante essa
fase indicam uma deterioração da capacidade da organização em responder aos
desafios do crescimento. Como resultado, a Matarazzo passou a desenvolver uma
propensão ao declínio organizacional.
197
Figura 7-6 – Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955
Entre as respostas identificadas como positivas no período anterior, verifica-se
a redução da capacidade de empreender e navegar adequadamente em um ambiente
dinâmico. A organização, que foi uma pioneira do processo de industrialização no
início do século XX, não conseguiu manter a mesma versatilidade a partir da segunda
metade da década de 1930, quando a indústria brasileira passou por transformações
que incluem o surgimento de novos setores e a chegada de novos competidores. Em
parte das respostas da Matarazzo em relação ao ambiente, identificaram-se
movimentos tardios e não fortes o suficiente para alterar a composição dos negócios
da organização, que continuou dependente dos setores têxtil e de alimentos.
Mesmo nos seus principais negócios a Matarazzo não conseguiu lidar com os
diversos stakeholders e continuar captando valor. O grupo não conseguiu manter
posições de liderança entre os principais mercados à medida que a dinâmica de
concorrência começou a mudar. Consequentemente, as margens de lucro reduziram
consideravelmente.
Apesar das dificuldades na condução dos negócios, destaca-se a capacidade
da empresa em continuar emitindo ações. Isso contribuiu para que a organização
continuasse a ter folga financeira, mesmo com a deterioração da lucratividade.
Cabe destacar que a manutenção de uma estrutura centralizada e burocrática
persistiu - promovendo a perda de eficiência no uso de recursos - assim como a baixa
efetividade na formação de equipes gerenciais capacitadas. A hesitação em se
desfazer de negócios deficitários e realizar uma reformulação na estrutura industrial do
198
grupo também demonstrava a propensão para soluções ad hoc, como já havia sido
identificado na fase anterior.
Portanto, a falta de habilidade da Matarazzo em criar e capturar valor
impediram que a organização conseguisse manter uma capacidade de crescer e se
renovar. Essa questão aliada ao baixo nível de integridade organizacional em
decorrência da falta de capacidade em prover recursos humanos adequadamente e
evitar as forças de fragmentação, criaram uma propensão ao declínio organizacional.
A tabela 7-7 apresenta um resumo das principais respostas empregadas pela
organização durante essa fase.
Tabela 7-7 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955
Desafio
Nível de
Resposta
Resumo
(+) Ambição para continuar expandindo os
negócios do grupo
Empreendedorismo
Atenção
(+) Realização de parcerias com grandes
multinacionais
Navegação no
Ambiente
Atenção
Gestão da Diversidade
Atenção
(-) Dificuldade em competir na nova dinâmica do
mercado com perda da posição de liderança
nos principais negócios
(+) Compartilhamento de recursos
(-) Gestão centralizada e burocrática
(+) Retenção de técnicos especializados
Gestão de Recursos
Humanos
Atenção
Gestão da
Complexidade
Não saudável
Gestão da Folga
(-) Movimentos míopes ou com timing
inadequado, como no caso da indústria de
cimentos
Atenção
(-) Poucos diretores responsáveis pelo
gerenciamento de várias empresas
(-) Hesitação em se desfazer de negócios
deficitários
(+) Capacidade de emitir ações retardou o
aumento do nível de endividamento
(+) Autossuficiência energética
(-) Redução das margens de lucro
d)
Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983
As evidências coletadas indicaram que a Matarazzo não conseguiu reverter a
situação de declínio iniciada ainda durante a década de 1940. Com respostas pouco
saudáveis, a organização não soube contornar os novos desafios, o que culminou com
199
o seu fracasso, na gestão da terceira geração e cerca de cem anos após a sua
criação, conforme destacado na figura 7-7.
Figura 7-7 – Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983
A persistente ambição e a capacidade de levantar recursos continuaram sendo
traços marcantes da organização, mesmo em uma fase onde a IRFM perdia cada vez
mais espaço na indústria nacional. Assim, nos anos que precederam o pedido de
falência, identificaram-se, ainda, iniciativas de criação de novos negócios. Além disso,
apesar dos recorrentes problemas com fábricas deficitárias e negócios que eram
descontinuados, a Matarazzo continuava a mostrar uma forte reputação ao conseguir
financiamentos junto ao governo e fazer parcerias com empresas multinacionais.
A descentralização iniciada no final da década de 1960 se mostrou tardia e
ainda envolveu a contratação em massa de diretores externos, afetando a integridade
organizacional. Um novo processo sucessório ainda gerou, mais uma vez, conflitos
políticos e fragmentação da organização. A escolhida para o comando foi Maria Pia. A
filha mais nova do Conde Chiquinho, que não havia sido preparada para a posição, foi
nomeada em detrimento dos irmãos que eram diretores da Matarazzo desde a década
de 1950.
Durante o período ainda se constatou iniciativas visando a descontinuação de
negócios. Entretanto, não foi possível identificar uma estratégia clara para esses
movimentos. Isto é, quais negócios eram prioritários e quais deveriam ser desfeitos.
Assim, constata-se mais uma vez a dificuldade da Matarazzo em conseguir resolver os
problemas de forma sistemática.
200
Finalmente, a capacidade de levantar recursos através da emissão de ações se
esgotou, elevando consideravelmente o nível de endividamento e as despesas
financeiras e eliminando a folga financeira. A tabela 7-8 apresenta um resumo das
principais respostas empregadas pela organização durante essa fase.
Tabela 7-8 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983
Desafio
Empreendedorismo
Nível de
Resposta
Atenção
Resumo
(+) Persistência de uma ambição empirebuilder e
capacidade de levantar recursos
(-) Expansões míopes ou convencionais
Navegação no
Ambiente
Atenção
(+) Manutenção de reputação junto ao Estado e
multinacionais
(-) Movimentos predominantemente defensivos
(-) Descentralização tardia
Gestão da Diversidade
Não saudável
(-) Conflitos políticos envolvendo o novo processo
sucessório
(-) Nova sucessora não foi capacitada
formalmente para o cargo
Gestão de Recursos
Humanos
Não saudável
Gestão da
Complexidade
Não saudável
(-) Reestruturação dos negócios conduzida sem
uma estratégia definida
Gestão da Folga
Não saudável
(-) Elevação do nível de endividamento
(-) Baixo nível de capacitação interna de gestores
e contratação demasiada de executivos
externos
201
7.2
Análise das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento
Dona de uma história centenária, a Votorantim se mantém atualmente como
um dos principais grupos industriais do país. Com atuação principalmente em
commodities, a sua origem remete ao início do século XX quando Antônio Pereira
Ignácio montou os primeiros descaroçadores de algodão no interior de São Paulo. Em
1918, ocorreria o marco histórico da aquisição da fábrica têxtil Votorantim que é
considerada a data oficial de fundação da organização.
Embora desde a década de 1910 já tivesse uma participação expressiva na
indústria têxtil, a expansão mais vigorosa começaria a partir da década de 1930, com
a entrada na indústria cimenteira sob o comando de José Ermírio de Moraes, genro do
fundador. Com o início da exploração e processamento de metais entre as décadas de
1950 e 1970, o crescimento ganharia impulso, conforme pode ser observado no
gráfico 7-6. Após um período de maturação entre os anos 80 e 90, a Votorantim teve
um novo ciclo de crescimento no século XX, quando iniciou um processo de
internacionalização. Após a crise deflagrada em 2008, no entanto, a organização
começou a enfrentar um período de declínio.
A análise das respostas da Votorantim aos desafios do crescimento,
apresentada nesta seção, buscará identificar os traços organizacionais desenvolvidos
pela organização e compará-los à teoria em questão, com o objetivo de verificar em
que medida esses fatores contribuíram para que a empresa desenvolvesse uma
propensão para a autoperpetuação ou para a autodestruição.
Gráfico 7-6 – Evolução do Tamanho da Votorantim entre 1952 e 2013
1,60
1,40
1,20
1,00
y = -6E-09x6 + 1E-06x5 - 7E-05x4 + 0,0021x3 - 0,0285x2 + 0,1513x - 0,124
R² = 0,91
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
-0,20
Tamanho = Faturamento/PIB
Performance = Lucro Líquido/PIB
202
7.2.1
Desafio do Empreendedorismo
Os serviços empreendedores são condições necessárias para a criação de
valor e o crescimento contínuo de uma organização. A análise da Votorantim à luz das
dimensões do empreendedorismo propostos por Penrose (1980) indica uma
propensão ao desenvolvimento desses serviços empreendedores em grande parte da
sua trajetória, contribuindo para o crescimento e renovação da organização.
Entretanto, evidências indicaram que nas últimas décadas a organização tem tido
dificuldade em manter parte dessas capacitações.
a)
Ambição
Ao longo da história da Votorantim é possível perceber fortes evidências de
ambição empreendedora que levaram à expansão dos negócios e formação do
conglomerado. Esse perfil pode ser identificado desde os primeiros passos do
fundador, que veio de Portugal para o Brasil ainda criança e aos quatorze anos, com o
retorno do pai ao país natal, ficou no Brasil para trabalhar e conquistou a sua
emancipação. Com dezoito anos, Pereira Ignácio já havia montado o primeiro
comércio, expandindo a operação em 1895.
Assim como no caso da Matarazzo, a transição para a indústria do grupo
Votorantim iria ocorrer no início do século XX, quando Pereira Ignácio fundou as
primeiras unidades de descaroçamento de algodão. Em 1905, a ambição do
empresário o levaria para os EUA para trabalhar e conhecer essa indústria mais a
fundo. Quando retornou, trouxe consigo novos conhecimentos e equipamentos para
fundar a Fábrica de Óleos Santa Helena. Nos anos seguintes, abriria treze novas
unidades de descaroçamento no interior de São Paulo.
Todavia, é em 1918 quando deu o seu mais ambicioso passo quando adquiriu
a companhia têxtil Votorantim, uma das principais fábricas do país e que comprava
fios das unidades de algodão de Pereira Ignácio. Com a aquisição, passou a deter
17% da capacidade de fabricação de tecidos de algodão em todo o Estado. Esse
movimento demarcou oficialmente a fundação do grupo Votorantim. É possível
constatar, portanto, que a ambição faz parte do imprinting da organização e se
disseminou ao longo de sua história.
Esse perfil ambicioso e com um propósito maior do que a simples busca por
oportunidades lucrativas é evidenciada em discurso feito por Pereira Ignácio em um
evento da comunidade portuguesa realizado na década de 1930:
"Encarei a minha tarefa aqui, desde o início com uma obrigação moral
para com a terra que me acolhera como se fosse seu filho. Não tive
nunca a preocupação única de ganhar dinheiro, pois entendi sempre
203
a indústria como um instrumento de bem servir à coletividade [...] O
industrial é o operário sem férias. O que ele faz e produz, produz e
faz muito mais para os outros do que para si mesmo. Depois de haver
montado as máquinas, nunca mais lhe é permitido descansar. Há
uma eclosão de deveres dentro dessa formidável tarefa humana. Os
lucros não lhe pertencem. Devem ser restituídos à obra que apenas
se renova ou se transforma" (ESTADÃO, 1938).
O comando do engenheiro José Ermírio de Moraes levaria o grupo a
ambicionar novas oportunidades de crescimento na indústria de base, onde colocaria
em prática a sua visão de “industrializar o Brasil”. Assim, entre as décadas de 1930 e
1970, a Votorantim ingressaria em novos mercados, com destaque para a fabricação
de cimentos onde se tornou líder de mercado pouco depois da Segunda Guerra
Mundial.
Nas unidades de Metais, que ficaram sob a alçada de Antônio Ermírio de
Moraes, a produção se manteve concentrada em uma fábrica, embora com aumentos
sucessivos de capacidade e de eficiência. Em 1978, pouco mais de vinte anos após a
inauguração da CBA, a produção já havia aumentado 700%. Durante esse período,
Antônio Ermírio chegou a reconstruir a CBA, pois julgou que a unidade era ineficiente
e produzia alumínio de baixa qualidade. A preocupação de Antônio Ermírio em
aprimorar a tecnologia e a qualidade dos produtos foi destacada pelo Entrevistado 7:
“Ele sempre comprava tecnologia. O que era de melhor ele colocava
na indústria dele. Então, por exemplo, a Alcoa instalou na instalação
dela um lote de bomba Morris que veio dos Estados Unidos, que era
a ponta de... Ele ia lá e comprava essa tecnologia. Aí o que fazia com
a gente que era engenheiro? Olha, a tecnologia tá aí na mão suas,
vocês vão ter que tirar desenho desse negócio todo, fazer análise
química do eixo, da bucha, do rotor. Não vou comprar mais não.
Agora aqui a gente vai fazer o seguinte, vai tirar desenho, vai pegar
esse projeto que está aí, que eu já comprei deles e tem uma outra
empresa nossa que era coligada, a metalúrgica que vai fazer esse
material daqui para frente. Eu não vou importar mais material de fora.
Então a gente começava por aí. Ele comprava tecnologia. Pagava
preço de ouro. Ele não perguntava quanto não. Mas em
compensação agora é minha.”
“Durante o mês, você trabalhava dois sábados. E num dos sábados lá
eu tava numa área e eu trabalhava até as 04:30 da tarde. E não sei
porque cargas d´água eu não saí e fiquei lá, tinha que fazer mais
alguma coisa, acompanhar um serviço lá e ele estava dentro da
fábrica.
Aí ele perguntou lá: - Tem algum engenheiro, tem alguém que possa
me dar uma informação?
Aí alguém falou: - Tem alguém aí, tem um engenheiro que está aí no
escritório, vou chamar ele.
Aí eu fui conversar com ele. Daí ele falou: - O problema é o seguinte,
eu comprei esse forno da Noruega e era para dar 500 toneladas, só
está dando 300, você me explicar por que não está dando as 500?
204
- Olha, porque o parafuso de introdução, o material que vai introduzir
no forno não tem o mesmo rendimento nosso brasileiro. Ele é muito
bonito, mas não é eficaz.
Ele falou... Olha bem para você ver o que ele falou para mim: - O
lance é o seguinte, você tem uma solução para isso?
Eu falei: - Olha, tenho. Eu tenho a reserva do outro forno que
funciona bem, posso jogar nesse forno que tá aí.
Ele falou: - Você pode começar?
Eu falei: - Mas doutor, espera aí. São 04:30 da tarde, não tem mais
ninguém dentro da empresa, só está eu aqui. Só está o pessoal que
está operando e eu tenho que arrumar e equipe e eu não tenho
autonomia para isso não. Eu sou engenheiro ainda.
Ele falou: - Não, não, não. Não esquenta a cabeça não. Daqui meia
hora eu coloco tudo na sua mão, o que você precisa.”
Sob o comando de José Ermírio Filho, a unidade de cimentos também seguiu
crescendo e melhorando a suas capacidades produtivas. Ao final da década de 1970,
o grupo tinha dezenove fábricas que produziam sete milhões de toneladas anuais e
atendiam 40% do mercado nacional, além de exportarem para países da África e da
América do Sul, consolidando a Votorantim Cimentos como líder absoluto da indústria
nacional.
Sendo assim, se por um lado essas expansões levaram a Votorantim a ampliar
os seus negócios, por outro, foram encontradas fortes evidências relativas à
preocupação do grupo em seguir investindo no aumento de capacidades das fábricas,
em avanços tecnológicos e na busca por maior eficiência, caracterizando uma
ambição de productminded. Essa percepção é corroborada pelo relato dos
entrevistados:
“A gente realmente busca maximizar resultados. Não tocaria em
chegar a ser perfeccionista, mas a busca incessante pela excelência
operacional. Procurar trabalhar com gente com qualidade e pouca
quantidade” (ENTREVISTADO 10).
“Se eu trabalho com cimento não adianta eu ter visão de fabricação
de automóvel. Eu tenho que imaginar um cenário de cimento onde eu
seja o melhor fabricante do mundo. Essa sempre foi a ótica que a
gente trabalhou. Como pesquisadores, vamos ser o fabricante de
cimento mais eficaz que tem no mundo, mais eficiente, enfim, o mais
competitivo. Sempre é esse o target, sempre é esse o objetivo”
(ENTREVISTADO 6).
“Nos anos 90, fim dos anos 90, a gente fez algumas fábricas de
cimento em tempo recorde. Nós fizemos uma fábrica aqui no Rio
Grande do Sul, ela foi feita em dezoito meses. Isso é um recorde
mundial. Ninguém faz uma fábrica em dezoito meses. No mínimo dois
anos para fazer, entre você cravar a primeira estaca, tendo a licença,
você demora dois anos para fazer uma fábrica de cimento. E a gente
tem o recorde de ter feito em dezoito meses e algumas fábricas, em
dezoito meses e vinte meses. Como a indústria de cimento é uma
indústria de capital intensivo, quando você decide que vai fazer e
começa a gastar dinheiro, você quer colocar essa fábrica para
vender, para rodar. Então tínhamos que fazê-la funcionar e funcionar
o quanto antes” (ENTREVISTADO 4).
205
Entre as décadas de 1980 e 1990, a organização não se mostrou tão propensa
a fazer movimentos mais fortes na indústria de base. Durante a década de 1990, o
lançamento do Plano Nacional de Desestatização abriu oportunidades de expansão
em negócios relacionados ao grupo. Entre as privatizações realizadas, destacam-se
as das siderúrgicas Usiminas e CSN, além da mineradora Vale do Rio Doce. Em 1991,
quanto foi questionado sobre os interesses da Votorantim nos processos de
privatização, Antônio Ermírio criticou:
“Tenho desafio diferente, não adianta fazer um grande negócio a
custa de capital de terceiros. Tem que suar pelo aquilo que você
quer. Não acredito em benesses”.
Em outra entrevista concedida em 1991 e ainda sobre o mesmo assunto,
complementou:
“Todo gigantismo é péssimo. Até empresa quando fica grande, fica
difícil de ser administrada.”
Portanto, percebe-se uma relutância de Antônio Ermírio em adquirir empresas
estatais, em parte devido ao gigantismo das empresas e em outra pela forma como se
conduziam as privatizações. Em 1993, participou do leilão da Companhia Siderúrgica
Paulista que acabou sendo arrematada pela Usiminas, também privatizada dois anos
antes. De acordo com José Pastore, seu amigo e biógrafo, o empresário lamentou a
perda da aquisição da Vale para o grupo liderado por Benjamin Steinbruch que já
havia comprado a CSN anos antes:
“Por conhecer profundamente o ramo de minérios, ele vislumbrava a
possibilidade de a empresa assumir um papel protagonista no
mercado mundial, como de fato ocorreu. Ele antevia ali um negócio
que comporia bem o perfil do Grupo Votorantim – dedicado às
matérias-primas e usuários de muitos minérios na produção de
metais”.
Dessa forma, com exceção do setor energético, a Votorantim não conseguiu
aproveitar essas oportunidades para crescer. Essa visão foi apoiada por um dos
entrevistados que na época trabalhava como auditor externo do grupo:
“Eu acho que lá atrás faltou um pouco mais de... Como a empresa é
muito sólida, muito conservadora, faltou, em alguns momentos,
arriscar um pouquinho no negócio. Querer investir. Você quer a Vale?
Você tinha condição de adquirir, uma participação, você tinha
condição. Quer a CSN? Você tinha condição de adquirir uma
participação. Acredito que o grupo seria um grupo completamente
diferente. Mas, de novo, é injusto eu falar isso daí, porque na época
eu também eu estava começando a carreira. Tinha muitas ideias,
mas não eram sólidas. Mas eu via aquilo lá e a gente ficava
indignado. E olha, eu era auditor, fiquei indignado quando não
comprou. Pô, por que não “bidou” a CSN? Por que você está
206
trabalhando, você é independente, mas você quer ver a empresa. Eu
não era nem funcionário, mas torcia para a empresa”
(ENTREVISTADO 11).
No século XX, a ambição da nova geração, que já comandava o grupo, levou a
Votorantim para a internacionalização. Esse movimento começou pela indústria de
cimentos através de aquisições nos EUA e Canadá, e se estendeu ao mercado de
metais com a aquisição de uma refinaria de zinco no Peru, além da expansão no setor
siderúrgica através da compra de usinas na Colômbia e na Argentina e a construção
de outra unidade em Resende, no Sul Fluminense. Outro movimento de destaque foi a
aquisição da Aracruz em meio à crise do subprime, tornando a VCP na maior
produtora mundial de celulose.
O mesmo ímpeto da área industrial foi identificado no setor financeiro. A BV
Financeira, braço do Banco Votorantim para o financiamento de bens e serviços,
cresceu rapidamente se apoiando no microcrédito. Somente em 2005, a carteira de
créditos cresceu 72%, chegando a quase R$ 3 bilhões.
Assim, nos seus mais de cem anos de história, a Votorantim atravessou o seu
período de maior expansão. O faturamento do conglomerado saltou de nove bilhões
de reais em 2001 para quarenta bilhões em 2008, com foco na expansão da
organização, em ampliar a sua presença mundial.
b)
Versatilidade
A versatilidade está relacionada com a capacidade de imaginar caminhos
viáveis e não convencionais a serem seguidos pela organização. Na história
centenária da Votorantim, que atravessou grandes mudanças no ambiente econômico
e industrial brasileiro, é possível apontar respostas versáteis que permitiram o
crescimento da organização.
Assim como Francesco Matarazzo, Pereira Ignacio imigrou para o Brasil e se
estabeleceu em Sorocaba, abrindo um comércio alguns anos depois, e as primeiras
unidades industriais no início do século XX. Apesar de ter realizado alguns
investimentos não relacionados nos anos seguintes (fábrica de cimentos, fonte de
água mineral e uma Cia. Telefônica), o grupo se manteria concentrado principalmente
na indústria têxtil.
A partir da década de 1930 quando a composição da indústria brasileira
começou a mudar, ganhando mais robustez, identifica-se a capacidade de visão de
José Ermírio de Moraes e Pereira Ignacio para buscar novos caminhos para a
empresa.
207
Assim,
diferentemente da
Matarazzo
que não realizou
investimentos
significativos para mudar o seu perfil industrial, a Votorantim conseguiu desenvolver
um novo motor para o seu crescimento na indústria de base. Esse processo começou
na indústria de cimentos com a fábrica Santa Helena inaugurada em 1936. José
Ermírio de Moraes ficou a frente desse processo, iniciando a prospecção das jazidas
da fazenda Rodovalho em 1933 e entrando no mercado no timing adequado.
Portanto, quando a indústria têxtil começou a perder relevância na economia e
as margens declinaram, a Votorantim já vinha consolidando a sua posição de
liderança na indústria de cimentos. Assim, tinha uma nova fonte de recursos para
realizar investimentos para a produção de alumínio, níquel e zinco. Portanto, a
Votorantim direcionou a sua atuação em indústrias com first mover advantages e
fortes barreiras de entrada, que exigiam grandes investimentos, recursos específicos e
alta capacidade técnica da equipe. Na carta direcionada aos seus filhos, José Ermírio
de Moraes destacou a importância dessa diversificação e investimento na indústria de
base:
“Foi sempre meu desejo diversificar os empreendimentos do nosso
Grupo industrial. Durante anos verifiquei que quem tem tudo num só
ramo de negócio, tem alguns anos bons e muitos anos maus. Sempre
baseei os nossos ramos industriais dentro do consumo de matériasprimas nacionais, não somente por serem necessárias ao
desenvolvimento do país, como também para evitar pedir favores ao
exterior, na obtenção de matérias-primas básicas necessárias ao
funcionamento da indústria”.
Outro ponto que destaca a capacidade para criar valor está relacionado com o
desenvolvimento de pesquisas e execução de projetos para aprimoramento da
qualidade do cimento e aumento da eficiência energética – a energia corresponde a
cerca de 40% do custo de produção do produto. Foi identificado, por exemplo, que em
1938 a fábrica Santa Helena já contava com um laboratório para análise da matéria
prima em todas as fases de produção.
Com o estouro da crise do petróleo, na década de 1970, as fábricas da
Votorantim começaram a alterar a sua matriz energética, deixando de usar óleo para
utilizar carvão mineral. O Entrevistado 6 discorreu sobre essa transição:
“No Brasil sempre se usou óleo e com a crise do petróleo de 1973, o
governo proibiu os grandes consumidores de petróleo - e aí a
indústria de cimento era uma dos maiores consumidoras de petróleo a usar petróleo importado. Resultado: havia um interesse em
promover o uso do carvão mineral brasileiro oriundo de Santa
Catarina e do Rio Grande do Sul. E aí o governo subsidiava o carvão
e esse subsídio significava um grande atrativo para a indústria de
cimento substituir o óleo por carvão já que 40% do custo de fabricar o
cimento é energia térmica. Então, se você reduzir, qualquer coisa que
208
você reduzir na energia térmica é um ganho muito expressivo para a
empresa. Então, a minha primeira missão foi estudar. Eu já entrei
como pesquisador para estudar a influência da cinza no carvão na
qualidade do clinquer que é a matéria prima que se usa para fazer o
cimento [...] Toda a indústria do cimento no Brasil buscou esse
mesmo caminho. Umas fizeram essa transição com mais problemas e
outras com menos. A diferença foi quem se dedicou mais e quem se
dedicou menos. Então, entre 79 e 84, eu trabalhei no Grupo Itaú, na
Cimento Itaú do Paraná, fazendo esse tipo de trabalho. Aí nós
introduzimos algumas técnicas novas que não existiam, que ninguém
fazia no Brasil que são técnicas de controle desses produtos. Isso
chamou a atenção da empresa e eu comecei a ser requisitado pelo
grupo todo.”
A utilização do carvão mineral ocorreu até meados da década de 1990, quando
o grupo passou por outra mudança, passando a utilizar o coque do petróleo, e que
também foi destacada pelos depoentes:
“Só que imagine, em 95, quando eu falei isso, até por esse diretor
que era tão incentivador.
Quando eu falei para ele: - Vamos trabalhar com material mais rico
em enxofre.
Ele falou: - Olha você quer quebrar a empresa.
Mas, veja, era um momento muito importante da empresa porque o
nível de diretoria conversava com a base. Ou seja, havia uma... como
que eu vou te dizer o termo correto... mas o diretor falava com o
funcionário do chão de fábrica. Então, havia um nível de confiança,
nível de relação poder-trabalho muito mais amigável naquela época.
Então o que acontecia. Eu era um pesquisador. Ele sabia que eu
existia. Mas ele me ouvia. Ele me criticava. Eu criticava ele. Tanto é
que quando ele disse que eu queria quebrar a empresa eu soltei: Quem vai quebrar a empresa é você, porque se você não fizer isso
nós vamos perder dinheiro.
Mas como a gente tinha uma certa relação aberta, ele não se ofendeu
com essa posição e refletiu, refletiu. Um belo dia ele chegou para
mim: - Olha, você não vai ter sucesso porque eu já li, ninguém fez
isso no mundo, que eu tenha conhecimento, então, não vai ter
sucesso. Mas como você já acertou outra vez eu vou te dar um forno.
Para você ver, um forno é uma linha de mil toneladas por dia, não é
uma coisa pequena, é uma fábrica de cimento” (ENTREVISTADO 6).
“Nós fizemos com uma agilidade incrível a mudanças das nossas
fábricas para queimar esse coque. Fizemos seminários, trouxemos
gente do exterior para ensinar também. É diferente, muito diferente
trabalhar com coque do que trabalhar com óleo. O óleo é uma
situação muito mais tranquila. Então fizemos seminários, coisas
técnicas. Tudo para em um ano a gente estar com essas fábricas
queimando esse coque. [...] O payback disso se deu em menos de
um ano” (ENTREVISTADO 4).
Portanto, atuando em negócios intensivos em energia, a Votorantim
desenvolveu uma capacidade técnica para desenvolver projetos de eficiência,
possibilitando o aumento de sua competitividade nos seus negócios.
No entanto, relatos dos entrevistados indicam que nos últimos anos houve
perda da capacidade técnica e, consequentemente, da versatilidade para criar valor
209
em seus negócios. Na análise da ambição, foi evidenciada uma mudança de uma
pretensão orientada para a melhoria do produto para a expansão do grupo
empresarial. As evidências sugerem que isso afetou essa versatilidade técnica do
grupo:
“Quando se conhece o negócio, você vê que a empresa está muito
bem. Mas, isso para mim não é o suficiente, porque ela poderia estar
bem melhor. O fato de você estar um passo na frente da concorrência
dá ânimo para a concorrência chegar até você, mas se você estiver a
cinco passos, a concorrência diz: não adianta, não adianta. Bom, eu
trabalho com essa perspectiva. Deixar a concorrência comendo
poeira. Como? Da maneira mais honesta possível. Com competência.
Você tem que ser mais competente do que os outros. Não tem jeito e
você não é competente por decreto. Você constrói. Não tem
transferência de know how por osmose. [...] Nós não temos tradição
de P&D. Não temos tradição. Porque o pessoal imagina P&D, com
uma maneira completamente diferente do que eu imagino. As
pessoas imaginam que P&D é você trabalhar com a universidade.
Isso também é. Mas P&D para mim, que eu trabalho desde que eu
entrei na empresa nisso, não é inventar um cimento novo todos os
dias. É inventar uma maneira nova de fazer o mesmo cimento todos
os dias. Ou seja, trabalhar com foco em competitividade”
(ENTREVISTADO 6).
O relato de Walter Schalka que foi presidente da Votorantim Cimentos entre
2005 e 2012 (ele havia sido contratado externamente) destacou que havia no grupo
uma preocupação central com a competitividade em custos do grupo. Embora
reconhecesse essa importância, ele destacou a necessidade de dar ênfase para o
mercado e para as questões comerciais:
“Nós temos um Premium Price no mercado. Hoje, uma das questões
que eu quero quebrar na Votorantim, é a história que cimento é
commodities. Cimento não é commodities, nenhum produto de
consumo é commodities. Cimento está commodities porque ninguém
construiu, construiu marca ao longo do tempo [...] A concepção
interna da Votorantim era um concepção muito voltada para a fábrica:
Nós precisamos produzir com custo baixo. Esse é o ponto. O único
ponto que tinha era esse. Ao produzir com um custo baixo,
naturalmente, nós vamos ter competitividade. O que eu digo é o
seguinte: fazer, produzir com custo baixo é uma condição necessária,
mas não é uma condição única. Nós temos que buscar outras
condições de competitividade. Nós temos que ter o melhor custo
logístico possível. Nós temos que estar muito mais próximos do
consumidor final. E tem um outro parâmetro: quem é nosso
consumidor final? A percepção que se tinha aqui dentro da
Votorantim era que o varejista era nosso consumidor final, quando
não é. O varejista é um net de distribuição, mas na realidade, o nosso
consumidor final é o cliente. Se o cliente chegar na gôndola, no
balcão e pedir: - Quero um cimento Votoran. E o cimento Votoran
custa poucos centavos acima do concorrente, nós vamos poder ter
uma margem melhor; eventualmente, o varejista vai ter uma margem
melhor, e nós vamos ter o cliente fidelizado. É por isso que nós
começamos ações que visam o consumidor final. Por isso que o ano
passado teve propaganda em televisão, porque nós queremos criar
210
no consumidor final a nossa segurança. Tem muitos players da
indústria, de outras indústrias que já fazem isso. Posso citar alguns
exemplos. A Tigre até recentemente, era a única em tubos e
conexões que se falava. Agora a Amanco começou a fazer a mesma
coisa, tentando quebrar esse espírito que a Tigre era a única de
produtos de qualidade”
A observação de Schalka, no entanto, vai de encontro ao que foi exposto pelos
funcionários, que sugerem uma recente perda dessa capacidade em decorrência
dessa reorientação do direcionado para as questões comerciais em detrimento do
técnico:
“A área comercial, por exemplo, ela cresceu enormemente, para
atender melhor os clientes. Mas a pergunta que eu fiz outro dia e que
ninguém me respondeu: Quando você tem o melhor produto, você
precisa ir até o cliente ou ele vem até você? Aí eu faço a segunda
pergunta: O melhor produto, ele é mais caro ou mais barato de se
fazer? Garanto para você que é mais barato. Porque você errou
menos. Então, veja, não pergunta para o grupo. Põe um monte de
gente para vender. Ora, se você não tem o melhor produto – não
estou dizendo que o nosso não é o melhor. Mas se você não tem o
melhor que o mercado perceba, você tem que forçar a venda, tem
que dar desconto. Agora se você tem de longe o melhor produto,
você não precisa fazer, você vende sozinho” (ENTREVISTADO 6).
“Então, aí eu estava falando de 2008 né, que daí foi quando o dr.
Antônio saiu e aí aproveitaram esse momento para começar uma
mudança, assim, na abordagem da CBA, principalmente com relação
aos clientes. Desde então que, essa parte eu não estava lá ainda,
mas eu ouvi falar bastante que entraram vários diretores novos. A
empresa foi incorporada à VM, então passou à responder ao
presidente da VM, que na época já era o João Bosco e começou a
ser mais importante a questão comercial mesmo, de prospectar
cliente de ter estratégias mais definidas por segmento. Isso começou
a ser mais forte. Isso foi evoluindo até que um marco importante foi,
eu entrei no começo de 2012, foi no fim de 2011 eles trocaram o
diretor comercial. Até então, o diretor comercial ainda era um dos,
como eu falo, uma das crias do dr. Antônio, ele tinha um estilo mais
antigo, mais paternalista. E aí esse diretor saiu e entrou um que era
totalmente voltado ao mercado. Ele veio da Vale e é o que está lá até
agora, como diretor, e ele é completamente voltado para mercado”
(ENTREVISTADO 7).
“Interessante fase vivemos em que os próprios empreendedores
estavam à frente dos negócios. Sabiam da importância quanto a
tomarem a decisão certa na compra dos equipamentos para as
futuras fábricas e estavam à frente ou acompanhavam de perto.
Sabiam da importância das manutenções dos equipamentos, pois os
conheciam, não apenas para resultados imediatos, mas também para
a perenidade dos negócios. [...] Me parece que hoje temos essa
deficiência. Falta conhecimento aos Diretores Presidente e outros que
por aqui passaram e passam. E alguns poucos dos acionistas da 3ª
geração estão mais distantes e se deixam levar por
aconselhamentos, às vezes, com visão apenas a parte financeira [...]
Eu acho que foi em 2004, 2005, alguma coisa assim, onde criaram
um tal do orçamento aonde que em determinado momento, você
terminou a verba orçada, terminou, para de fazer, eu não posso
estourar o orçamento. E o que aconteceu, houve a deterioração de
211
algumas fábricas. Algumas manutenções, elas não podem de forma
alguma, deixar de ser feitas, sob pena de você até arrancar um bom
resultado no ano, você arranca um bom resultado no ano, mas
depois, de repente a sua fábrica que foi feita para durar cinquenta
anos, bobeou, você não fez a manutenção que podia custar 1 milhão
de reais e você vai ter que fazer uma outra que vai custar 20”
(ENTREVISTADO 4).
Vale destacar que o Entrevistado 4, que atua no braço de cimentos do grupo,
citou a criação do método de orçamento justamente no período no qual Schalka
assumiu a presidência da VC. O Entrevistado 6 ainda reforçou esse fenômeno,
citando, a subutilização do centro técnico (um dos maiores Centros de Pesquisas e
Tecnologia da América do Sul) que começou a ser articulado após a formação da
diretoria técnica em 1999:
“É um laboratório central com recursos modernos, mas sem estrutura
humana para atender aqueles recursos. Você montou uma estrutura,
gastou um monte de dinheiro, mas você não pensou. [...] Foi feito
desconectado da realidade. Então, tinha esse dinheiro, comprou-se
um monte de equipamento, e aí? O equipamento está aqui. O que a
gente faz com isso. Ou seja, não foi construído em cima de um
projeto.”
Apesar dos avanços realizados pela empresa durante a década de 1980,
citados anteriormente, é possível constatar a existência de duas grandes janelas de
investimento. A primeira, entre as décadas de 1930 e 1970, quando foram criados os
principais negócios do grupo. A incursão no mercado de metais começou a ser
planejada na década de 1940 com a CBA que foi inaugurada em 1955. Em 1957, a
empresa havia adquirido também a CMM e a Companhia Níquel Tocantins que
iniciariam as suas operações em 1969 e 1978, respectivamente. Durante esses anos,
a Votorantim experimentou uma fase de grande crescimento, como é demonstrado no
gráfico de crescimento apresentado anteriormente. Esses empreendimentos, portanto,
foram planejados quando o grupo ainda estava sob o comando de José Ermírio de
Moraes.
Entre as décadas de 1980 e 1990, os principais movimentos foram realizados
em novos negócios não relacionados com as indústrias existentes, em movimentos
comandados pela nova geração dos Ermírio de Moraes. Na indústria de papel e
celulose, apesar de a empresa já vir atuando no setor, o grande movimento ocorreu
com a aquisição da Celpav e, posteriormente, da Papel Simão. Além disso, o grupo
expandiu suas atividades para a agroindústria, fundando a Citrovita. Na mesma época,
abriu o primeiro empreendimento fora da indústria, com a fundação do Banco
Votorantim.
212
Outro ponto a ser destacado foi a hesitação do grupo em expandir
internacionalmente. De acordo com seu amigo José Pastore, Antônio Ermírio nunca
cogitou investir no exterior. No final da década de 1980, chegou a ser procurado pelo
embaixador da União Soviética para instalação de uma subsidiária da Votorantim
naquele país e, de acordo com seu biógrafo José Pastore, o empresário assim se
pronunciou:
“Tive uma ótima impressão do embaixador. Vou analisar seu convite
com respeito e atenção, mas adiantei a ele que ainda temos muita
coisa a fazer para ajudar o Brasil”.
O objetivo principal e enraizado na organização de investir e contribuir para o
desenvolvimento do Brasil pode ter tido um peso na relutância de Antônio Ermírio em
partir para o exterior. Dessa forma, o processo de internacionalização do grupo só foi
iniciado em 2001, após o falecimento de José Ermírio Filho e Clóvis Scripilliti e a
passagem bastão de Antônio Ermírio para a nova geração. Nesse ínterim, no entanto,
é possível destacar a existência de movimentos estratégicos dos grandes players da
indústria de cimentos, o principal negócio do grupo.
A
mexicana
Cemex,
por
exemplo,
começou
o
seu
processo
de
internacionalização em 1992, com a aquisição de duas das principais cimenteiras
espanholas. Nos anos seguintes, faria outras aquisições na Venezuela, República
Dominicana e Colômbia, se tornando a terceira maior fabricante do mundo. Ainda
antes da virada do século, a empresa mexicana expandiria suas atividades para Ásia e
África, fazendo aquisições nas Filipinas, Indonésia e Egito. Já a francesa Lafarge se
tornou a maior produtora de cimento da América do Norte em 1980. Cinco anos
depois, iniciaria suas operações na África e, em 1994, chegaria até a Ásia com
operações na China e, posteriormente, na Índia e na Coreia do Sul. Assim, é possível
constatar que o passo dado pela Votorantim foi tardio. Esse entendimento também foi
destacado por um dos depoentes:
“O primeiro presidente da Votorantim Cimentos foi o engenheiro Vilar,
foi que a gente entrou em um processo de internacionalização e
apesar de nós sermos orgulhosos disso, nós entramos com atraso.
Quando nós entramos, esse movimento mundial, a gente demorou
um pouco a perceber que a gente ou entrava nisso ou a gente seria
engolido, a gente seria comido. Ou a gente compra ou a gente será
comprado. Então quando juntou a Votorantim Cimentos, em uma das
primeiras reuniões, eu lembro muito bem que isso fica claro, a
Votorantim tinha que seguir um caminho da internacionalização
porque os principais grupos, que eram os grupos concorrentes nosso
a nível mundial: o Grupo Heidelberg, o grupo Cemex e o grupo
Lafarge, ele já tinham comprado em diversos países, diversas
empresas de cimento. Quando a Votorantim acordou para isso, os
melhores projetos, as melhores plantas, o pessoal já tinha comprado.
213
Então foi a percepção da Votorantim Cimentos na época, que a gente
estava entrando um pouco atrasado” (ENTREVISTADO 4).
Por esse motivo, a organização realizou um processo de forte expansão a
partir de 2001 com a realização de investimentos na indústria de cimentos dos EUA.
Posteriormente, ampliou, também, os negócios no setor de metais e siderurgia.
Portanto, constata-se que, de certa forma, a organização perdeu nas últimas
décadas, sua versatilidade para encontrar oportunidades lucrativas - seja em
indústrias relacionadas ou através de expansões para outros mercados - no timing
adequado.
Com o atraso na expansão internacional, a empresa acabou realizando suas
principais aquisições entre 2001 e 2007, justamente no período de grande
aquecimento da economia mundial, no qual os preços das commodities subiram
significativamente puxados principalmente pelo forte apetite da economia chinesa.
Dessa forma, as aquisições foram realizadas em momentos de alta dos preços:
Cajamarquilla, no Peru em 2004; US Zinc, AcerBrag e Acerias Paz del Rio em 2007; e
Aracruz em 2008. O Anexo 9 apresenta o histórico do preço de commodities
relacionadas às operações da empresa, no qual é possível verificar o comportamento
dos preços.
Portanto, com esses movimentos em um período pré-crise e de alta dos
preços, a Votorantim acabou aumentando significativamente o seu nível de
endividamento. Assim, no momento de crise, o grupo acabou não conseguindo realizar
movimentos de expansão, diferentemente de outros tempos. Essa perda de
oportunidade em uma janela com ativos desvalorizados foi destacada por um dos
entrevistados:
“Mas, se você pegar o próprio planejamento da empresa indicava há
alguns anos atrás já, a questão de timing de aproveitar a crise
mundial onde demais empresas no mundo afora deram uma
desvalorizada por conta da queda de mercado e a gente estava
“bombando” aqui. Diversos delas foram feitos, de compras de
empresa, fusões, aquisições, etc. E na minha humilde opinião, igual
eu falei aqui embaixo na cadeia, eu acho que a gente participou muito
pouco desse processo. A gente muito mais assistiu do que qualquer
outra coisa. Foi uma perda de momento significativa. Não sei nem se
está rolando alguma coisa. Não sei. Mas a sensação que eu tenho é
essa. Igual você vê uma Lafarge e uma Holcim se fundindo e eu acho
que a gente meio que perdeu essa janelinha de oportunidade que a
crise gerou” (ENTREVISTADO 13).
214
c)
Capacidade de Levantar Recursos
Uma característica percebida ao longo da trajetória do grupo está relacionada à
austeridade na aplicação dos seus recursos. Isso fez com que em grande parte de sua
história, a Votorantim apresentasse uma aversão ao uso do capital de terceiros.
Assim, os lucros reinvestidos se tornaram a principal fonte para o crescimento da
empresa.
Esse perfil também está no imprinting da organização e remete à aquisição da
fábrica têxtil Votorantim por Antônio Pereira Ignácio em 1918. Como a empresa vinha
em grandes dificuldades financeiras, o empresário levantou capital para comprar a
fábrica de seus sócios e assim deter o controle sobre a unidade. Sendo o acionista
único da Votorantim, Pereira Ignácio pôde reinvestir todos os lucros para recuperar a
fábrica. Além disso, para capitalizar a empresa, começou a vender terrenos que tinha
na cidade de São Paulo.
Apesar da preferência pelo uso de capital próprio, a Votorantim desenvolveu
reputação para conseguir captar recursos no mercado com o intuito de viabilizar os
seus empreendimentos. Nos primeiros anos de operação da Nitro Química, os custos
de instalação em decorrência da alta complexidade do negócio aliados aos prejuízos
operacionais no início da operação drenaram todo o capital empregado pela
Votorantim e Klabin. Por isso, foi necessário captar empréstimos que totalizavam
sessenta mil contos de réis.
O complicado processo de instalação da CBA traria um resultado semelhante.
Com a necessidade de construir a usina hidrelétrica para abastecer a fábrica, Antônio
Ermírio teve que recorrer a financiamentos para conseguir completar ambos os
projetos. Como resultado, no início da operação as dívidas acumulavam dezesseis
meses de faturamento.
A partir deste momento, é possível verificar que a empresa passou a recorrer
ao BNDE para financiar seus projetos de expansão, sendo que nem todos os pedidos
foram bem sucedidos. A Votorantim acabou tendo dois projetos recusados pelo banco.
O primeiro relacionado à instalação da Companhia Níquel Tocantins, quando o motivo
alegado pelo BNDE foi a falta de capacidade técnica para instalação da unidade. Anos
depois, seria a vez do projeto referente à implantação da CMM ser recusado. Apesar
disso, a Votorantim colocou ambos os projetos em execução com capital próprio.
Outros projetos da época foram realizados com o apoio do BNDES, no entanto.
Entre eles, destaca-se a instalação de uma nova sala de eletrólise com capacidade de
produção de 80 mil toneladas anuais de alumínio em 1973. Com investimentos de 160
milhões de dólares, 30% dos recursos foram financiados pelo banco. No início da
215
década de 1980, também seriam captados recursos para o desenvolvimento de
projetos de racionalização de energia em fábricas de cimento.
A partir da década de 1990, a organização também conseguiria obter acesso
ao mercado de crédito internacional. Em 1997, captou US$ 600 milhões com o objetivo
de formar um colchão para atuar nos leilões de privatização. No mesmo ano, o Banco
Votorantim fez o lançamento de Eurobonds no valor de US$ 400 milhões. Entre 2005 e
2007, a Votorantim recebeu a classificação de investment grade das três principais
agências de risco (Moody´s, Fitch e Standard & Poors), obtendo novas perspectivas
de financiamento a juros mais baixos. Durante o processo de internacionalização, a
Votorantim também financiou os seus projetos principalmente através de capital de
terceiros.
O excesso de endividamento e a deterioração de algumas unidades do grupo
trouxeram alguns problemas em relação à capacidade do grupo de continuar
levantando recursos. Isso pode ser evidenciado em dois processos frustrados dos dois
principais negócios do grupo. Em 2013, um plano de abertura de capital da VC que
visava captar cerca de R$ 10 bilhões foi cancelado em virtude da baixa expectativa
diante de um mercado financeiro pouco aquecido no país. O capital seria utilizado para
a realização de novos investimentos no Brasil e no exterior.
No mesmo ano, o Banco Votorantim que vinha de anos sucessivos de prejuízo
e o Banco do Brasil (que já havia adquirido 50% das ações da empresa em 2009),
negociaram a aquisição de mais 25% de participação do banco estatal, mantendo,
ainda, 50,01% das ações ordinárias com a família Ermírio de Moraes para não
caracterizar uma estatização. Ou seja, a Votorantim receberia uma nova injeção de
recursos, sem perder o controle do negócio. Entretanto, divergências entre as partes,
acabaram cancelando o negócio.
d)
Julgamento
Conforme discutido anteriormente, a austeridade e a análise prévia dos
negócios estão no imprinting da Votorantim. Assim, é possível destacar evidências que
indicam a preocupação em avaliar os empreendimentos previamente.
Quando resolveu dar um passo mais largo na indústria de algodão e fundar a
Fábrica e Óleos Santa Helena, Pereira Ignácio foi para os EUA trabalhar como
operário em uma fábrica, onde pode conhecer a fundo os processos produtivos e os
equipamentos utilizados pelos americanos. Quando já tinha o conhecimento
necessário, voltou para o Brasil com máquinas que importou de lá.
Anos mais tarde, essa preocupação foi novamente percebida durante o
processo de aquisição da fábrica Votorantim. Antes da aquisição, Pereira Ignácio se
216
tornou arrendatário da unidade, podendo, assim, conhecer a fábrica, minimizando a
sua exposição ao risco do negócio. Três anos depois, faria a aquisição definitiva em
parceria com outros sócios. Durante o processo de compra, Pereira Ignácio foi para os
EUA buscar soluções para os problemas financeiros do grupo.
Portanto, as evidências indicam que Pereira Ignácio buscava coletar
informações sobre os empreendimentos, buscando analisar e compreender melhor
esses negócios para, aí sim, coloca-los em prática. Posteriormente, José Ermírio de
Moraes manteria a mesma prática quando realizou os investimentos na indústria de
base.
Na instalação da Siderúrgica Barra Mansa, por exemplo, a empresa começaria
fabricando apenas ferro-gusa, o mais simples produto siderúrgico. Com isso, seria
possível montar altos-fornos com a tecnologia existente no Brasil, o que implicava um
mínimo de importações. Apenas em meados da década de 1940, mais de cinco anos
após a inauguração da usina é que o grupo passaria a fabricar aço.
Os longos processos de implantação das unidades de metais também
evidenciam a austeridade e a capacidade desenvolvida pela Votorantim para avaliar
os seus empreendimentos e implantá-los no momento mais adequado. A CBA, que foi
a primeira das fábricas desse segmento, começou a ser planejada em 1941.
Entretanto, com as dificuldades em conseguir comprar tecnologias e equipamentos, o
negócio seria postergado. Quando finalmente foi possível encontrar um projeto viável,
ainda levaram-se três anos até o negócio ser iniciado.
A capacidade de julgamento também é evidenciada no processo de
implantação da CMM. Em 1957, a empresa adquiriu uma mina no Estado de Goiás,
iniciando os estudos geológicos para exploração e de potencial energético da região.
Em 1970, a Votorantim colocaria em funcionamento uma usina piloto. Três anos
depois, solicitaria um financiamento junto ao BNDE para colocar a “Niquelândia” em
produção. O objetivo da empresa era produzir cinco mil toneladas, volume suficiente
para suprir o consumo brasileiro. Todavia, o banco estatal queria que a empresa
produzisse vinte mil toneladas anuais. Julgando que o volume era muito alto para o
início do projeto, a Votorantim recusou a proposta e tocou o projeto com recursos
próprios, mantendo o plano de produção inicial.
Em 1969, na carta escrita por José Ermírio de Moraes aos seus herdeiros, o
empresário daria um forte direcionamento para que o grupo também evitasse um
excesso de exposição ao risco da organização:
“Desejo chamar a atenção de vocês, neste mais solene momento dos
meus 70 anos de vida, que nenhum negócio deve abranger mais de
50% dos nossos recursos. Quem não diversificar a sua produção,
217
mais cedo ou mais tarde terá anos difíceis e de sacrifícios inúteis.
Vejam o que está se passando agora com as grandes empresas
americanas, inclusive os produtores de petróleo que, possuindo o
maior e melhor negócio do mundo, já estão entrando no campo dos
fertilizantes, da metalurgia e dos produtos químicos, principalmente
da petroquímica.”
A partir do processo de internacionalização, no entanto, alguns fatos sugerem
uma redução dessa austeridade, resultando em movimentos que trouxeram para a
Votorantim um excesso de exposição do risco. Vale destacar que esses problemas
estão ligados mais às operações financeiras do que com as atividades operacionais do
grupo.
Aproveitando a expansão do crédito, a empresa realizou uma grande expansão
no início do século. Em 2003, a BF Financeira chegou a vinte e três pontos de venda
no país, fazendo a carteira de créditos crescer 72,4% no ano, atingindo R$ 2,9 bilhões.
Nos dois anos seguintes a empresa abriria mais trinta e quatro lojas, ganhando uma
grande participação no mercado de financiamento de veículos.
Após o estouro da crise, no entanto, a empresa começou a sofrer com o
aumento da inadimplência. Em 2012, o Banco Votorantim teve um prejuízo de R$ 1,9
bilhão. Foi o segundo resultado negativo seguido da companhia. Já a provisão para
créditos de liquidação duvidosa chegou a R$ 5,4 bilhões, mais de dois bilhões acima
do ano anterior. Esse problema foi destacado no Relatório Anual de 2012:
“A inadimplência no mercado de financiamento de veículos, no qual o
Banco possui forte presença, dobrou de patamar em 2011 (2,5% em
dezembro de 2010; 5,0% em dezembro de 2011) e atingiu 6,1% em
maio de 2012, recorde da série histórica do Bacen. Após 17 meses
de altas consecutivas, no segundo semestre e de 2012 a
inadimplência começou a ceder, mas encerrou 2012 ainda no elevado
patamar de 5,3%”.
Além disso, em 2013 o banco ainda teve que garantir uma fiança bancária
concedida a uma das empresas do Grupo X de Eike Batista. O empréstimo de R$ 548
milhões concedidos pelo BNDES à OSX, empresa de construção naval do grupo EBX,
venceu em novembro de 2011 e foi executado pelo banco estatal, fazendo com que o
Banco Votorantim tivesse teve que honrar o pagamento.
Outra evidência que sugere a carência da capacidade de julgamento está
relacionada à exposição com derivativos durante a crise de 2008, quando o grupo
precisou gastar R$ 2,2 bilhões para eliminar totalmente a sua exposição a derivativos
cambiais. Na mesma época, a VCP realizou a aquisição da Aracruz Celulose que
também havia reconhecido perdas de R$ 1,95 bilhão em decorrência da exposição
cambial. Portanto, em um período de crise e com redução do nível de crédito
218
internacional, a Votorantim obteve perdas financeiras significativas que reduziram,
inclusive, a sua capacidade de realizar investimentos.
Em 2009, esses episódios levariam à criação de uma Diretoria de Gestão de
Riscos subordinada ao Conselho de Administração da VPar com o intuito de oferecer
suporte na análise e gestão de riscos corporativos das diferentes unidades de negócio.
7.2.2
Desafio da Navegação no Ambiente
A análise dos fatos e eventos da Votorantim permite constatar o
desenvolvimento de uma capacidade de navegar em um ambiente dinâmico de forma
a garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. Parte disso está
relacionada ao fato de a Votorantim ter conseguido desenvolver uma estratégia de
campeãs do setor. Isto é, as principais empresas do grupo atingiram posições
dominantes em seus respectivos mercados. Além disso, Votorantim também realizava
movimentos estratégicos justamente em momentos econômicos mais complicados,
quando havia excesso de oferta de ativos a preços mais baixos. Apesar disso, fatos
recentes indicam, também, uma redução dessa capacidade, com a empresa ocupando
posições secundárias no cenário global em seus principais negócios.
a) Captura de Valor
Assim como no caso da Matarazzo, a Votorantim foi uma das pioneiras no
processo de industrialização brasileiro. Dessa forma, diante de um ambiente industrial
muito frágil, a companhia precisou desenvolver mecanismos para conseguir capturar
valor no mercado. Vale destacar, no entanto, que esses mecanismos agiam mais
como uma proteção em relação a uma possível escassez de recursos do que em
virtude de movimentos da concorrência - já foi discutido anteriormente que em muitos
mercados a competitividade entre as empresas só ocorreria de fato a partir da década
de 1930.
Pereira Ignácio desenvolveu o seu grupo industrial com base na indústria do
algodão. Inicialmente, procurou extrair óleos, mas com a concorrência muito forte da
Matarazzo, acabou transferindo a sua produção para o setor têxtil. Para garantir o
abastecimento, também desenvolveu estratégias para compra e venda a prazo com
preços pré-fixados das safras seguintes de algodão. Assim, conseguiu ganhar escala
e se tornar o principal produtor brasileiro entre a década de 1920 e a Segunda Guerra
Mundial.
Durante os anos 20, é possível constatar que Pereira Ignácio seguiu
estratégias similares às empregadas pela IRFM na mesma época: Após comprar a
fábrica têxtil Votorantim, construiu uma ferrovia particular para integrar a sua unidade
219
ao centro de Sorocaba, fazendo a integração com a ferrovia Sorocabana, facilitando,
assim, o escoamento de sua produção.
Durante a crise de 1929, quando também havia aumentado os atritos entre
importadores a atacadistas, a Votorantim criou centros de distribuição próprios, se
voltando para os mercados de Rio e São Paulo. A decisão significava confrontar os
comerciantes, mas era a única forma de garantir um volume de recurso capaz de
manter a produção.
Conforme já discutido, durante a década de 1930, o perfil da indústria brasileira
começou a mudar. O setor têxtil começou a perder relevância e outras indústrias
começaram a se formar. Diferentemente da IRFM que havia se diversificado e já
atuava em diversos setores, os negócios da Votorantim estavam concentrado na
indústria têxtil. Dessa forma, sob o comando do engenheiro José Ermírio de Moraes, a
empresa começou a migrar para a indústria de base. Portanto, destaca-se mais uma
vez que a Votorantim foi protagonista em uma fase importante da industrialização
brasileira.
O principal movimento estratégico foi feito na indústria cimenteira. No início da
década de 1930, a produção de cimentos no Brasil era praticamente inexistente e 80%
da demanda era atendida por produtos importados, o que trazia dificuldades para o
consumo, pois a vida útil do produto é de aproximadamente três meses. Já em 1960,
já não se importava cimento no país e a Votorantim havia se consolidado como o
principal produtor brasileiro.
Para conseguir isso, José Ermírio de Moraes adotou uma estratégia de first
mover. Ou seja, a Votorantim foi pioneira no investimento em produção e distribuição,
conseguindo obter economias de escopo e escala. Após montar a fábrica de cimento
Santa Helena em 1936, a Votorantim logo se preocupou em “ocupar espaços” no
mapa brasileiro. Em 1940, chegou ao Nordeste criando a marca Poty, com fabricação
em Pernambuco. Três anos depois, a expansão se daria para o Sul com a fundação
da Companhia Catarinense de Cimento Portland, marcando a presença do grupo nas
três regiões mais desenvolvidas do país. Para garantir a venda dos seus produtos,
junto com a instalação das fábricas, a Votorantim planejava a construção de centros
de distribuição. Em 1967, por exemplo, quando inaugurou a Cimento Portland Sergipe
em Aracaju, a empresa construiu depósitos nas cidades de Salvador, Feira de
Santana, Itabuna e Vitória da Conquista. Em 1974, a rede de distribuição de cimentos
e agregados do grupo chegariam a 129 unidades.
O mesmo destaque pode ser dado aos negócios de metais, nos quais a
Votorantim rapidamente se posicionou entre os principais produtores de alumínio,
níquel e zinco. Dessa forma, fica evidente o objetivo de colocar a Votorantim em
220
posição de destaque nos negócios em que atuava. Uma exceção a Siderúrgica Barra
Mansa que, embora pioneira, foi perdendo espaço na medida em que eram criadas
empresas estatais para atuar no setor como a Companhia Siderúrgica Nacional
(1941), a Acesita (1944) e a Usiminas (1956).
Na década de 1970, quando havia concluído os projetos de implantação dos
negócios no setor de metais, além de líder na produção de cimentos, a Votorantim
também produzia 36% do zinco e 85% do níquel no país e a CBA era a segunda maior
metalúrgica do Brasil, atrás apenas da Alcan.
No final da década de 1970, a economia brasileira começou a desacelerar e a
indústria nacional foi seriamente impactada. O vigor demonstrado pela construção civil
durante o governo militar perdeu força afetando diretamente a indústria cimenteira,
conforme destacado por um dos entrevistados:
“Na verdade, nos anos 70 e comecinho dos anos 80, eu acho que a
produção - você deve ter dados históricos guardados - a produção de
cimento no Brasil chegou a 26 milhões de toneladas. Foi um pico. A
partir daí passamos dez anos só caindo. O consumo que era 26
milhões de toneladas. Perceba o seguinte que esse consumo de 26
milhões de toneladas ele era um consumo de obras, não era o tal do
consumo formiga como foi os anos seguintes. O que é o consumo
formiga? O consumo formiga é cada um indo comprar um saquinho
de cimento que nem uma formiguinha, levando para casa para fazer
uma reforminha. Então nós saímos de um período onde eu tinha 26
milhões de toneladas, mas o brasileiro não comprava cimento para
fazer reforma, para um outro período em que a indústria parou de
fazer grandes obras e o grande comprador de cimento, o perfil
começou a mudar. O grande empreiteiro para o consumidor formiga.
Na verdade até hoje existe esse reflexo. As grandes obras são
poucas. Existe alguma ou outra meio monstruosa, mas as grandes
obras paralisaram depois dos anos 70. E aí o consumo de 26 milhões
de toneladas, em alguns anos... eu não lembro, precisar exatamente
até quando, mas se precisar eu tenho como encontrar isso daí, ele
caiu até 18 milhões de toneladas na década de 80” (ENTREVISTADO
4).
Apesar do baixo rendimento do setor, a Votorantim seguiu fazendo
investimentos e ampliando a sua participação na indústria através da instalação de
uma nova fábrica na Paraíba em 1983 e da aquisição, três anos depois, da Cimento
Santa Rita que tinha três fábricas no Estado de São Paulo. Dessa forma, em
momentos de dificuldade, a Votorantim buscava se fortalecer, mostrando uma
capacidade de navegação em um ambiente dinâmico.
“Aí eu acho que é onda está a inteligência do Antônio Ermírio. Ele
pegava esse período que estava estagnado, que não tinha... Ele
sabia que a economia estava estagnada, aí que ele crescia, cara.
Impressionante. Aí que ele fazia ampliação. Porque daí ele comprava
material a preço de banana. Daí quando ele queria crescer, ele
crescia exatamente na crise. Era uma filosofia impressionante, o
221
negócio dele. Porque daí ele sabia que tinha a disposição dele tudo
que ele precisava. Então tava em crise, tinha disponibilidade de tudo
o que ele precisava, que ele queria, o pessoal fornecia para ele. Mas
por quê? Porque ele tinha o dinheiro, ele bancava né”
(ENTREVISTADO 7).
Com os outros negócios também afetados, a Votorantim foi buscar no exterior
um destino para os seus produtos. Em meados da década de 1980, a exportação
passou a representar 60% das vendas da CBA. Esse processo persistiu até o
lançamento do Plano Real, quando 55% do níquel e 30% do aço eram vendidos para o
exterior. A expansão para o agronegócio também fortaleceu as exportações do grupo,
uma vez que a maior parte do suco de laranja produzido era exportada para o Japão,
EUA e Europa. Para realizar as operações, a empresa construiu três terminais de
exportação: um em Santos, outro nos Estados Unidos e o último na Bélgica. Em 1992,
foi criada e Votorantim Internacional, uma divisão específica para representar as
empresas do grupo junto a clientes estrangeiros.
Com a nova moeda lançada em 1994, o Brasil adotou o câmbio fixo, fazendo
com que o Real ficasse artificialmente valorizado em relação ao dólar. Com isso,
houve perda de competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Na mesma
época, o grupo teve que abandonar o setor têxtil. Antônio Ermirio de Moraes falou
sobre os problemas enfrentados pela Votorantim na época:
“Você não podia exportar, então tinha que limitar sua produção ao
mercado interno que também estava fraco. E além do mercado fraco,
o grande problema brasileiro é creditício. [...] Competir com juros
400% mais caro que os juros lá fora? Competir com os nossos portos
ineficientes e caros. Para competir, você tem que ter pelo menos
condições e igualdade. [...] Lá fora, não tomar dinheiro emprestado é
burrice, aqui é suicídio. Fazer empreendimentos com que tem uma
maturação de quatro, cinco anos para serem executados... Aqui você
tem do seu resultado, você tem que reaplicar pelo menos 90% para
fazer suas próprias expansões”.
A partir do final da década de 1990, a Votorantim começou a implementar
ações visando a captura de valor. Entre as iniciativas, destacam-se, por exemplo, os
processos visando aumentar a padronização dos produtos. A VCP, por exemplo,
passou a fazer o uso intensivo de técnicas de clonagem, trazendo maior uniformidade
às árvores, beneficiando o plantio, o corte, e o armazenamento e transporte. Na
indústria de cimentos, realizou a padronização do design gráfico das embalagens de
todas as linhas com o intuito de garantir a unidade e facilitar o reconhecimento pelos
consumidores.
222
Visando fortalecer a capacidade de exportação, a VCP e a Citrovita, realizaram
adequações nas suas estruturas logísticas, com o intuito de facilitar o escoamento da
produção.
Finalmente, a Votorantim conseguiu fechar contratos de fornecimento de
energia em condições mais vantajosas do que as que eram obtidas no mercado. Em
1996, Furnas e a Cia Níquel Tocantins anunciaram um acordo inédito para o
fornecimento de energia elétrica através de um contrato de três anos de duração. Foi o
primeiro acordo para a venda de energia da estatal para um consumidor industrial.
Vale destacar, que o forte movimento de investimento em energia criaria uma
forte proteção para a empresa, uma vez que em 2001 o país atravessaria um período
de escassez de energia. Em 2001, quando o Brasil passou por um racionamento, a
Votorantim lançou um novo programa de construção de hidrelétricas que visava elevar
a capacidade de geração própria de energia de 35% do seu consumo total para 60%.
No processo de internacionalização realizada pela VC, a Votorantim realizou
grandes investimentos na América do Norte, conquistando a liderança da produção de
cimento no Canadá e Região dos Lagos. No mercado interno, houve uma pequena
redução da participação que chegou a ser de 40% no final da década de 1970 e
passou para 35%.
Entretanto, do ponto de vista global, a entrada tardia no processo de
internacionalização, colocaram a empresa em um papel competitivo secundário. A
empresa está entre as vinte maiores produtoras, mas com um volume muito inferior às
líderes globais (ver Anexo 10), principalmente porque a indústria mundial vem
passando nos últimos anos por processos de integração. Em 2014, por exemplo,
Lafarge e Holcim anunciaram uma fusão, criando a maior empresa do mundo no setor,
com volume de produção dez vezes maior do que a empresa brasileira.
No setor de metais, o principal movimento foi realizado na produção de Zinco.
Com a aquisição das peruanas Cajamarquilla e Milpo e da US Zinc, a VM se tornou a
5a maior produtora global de zinco.
Na produção de níquel, a Votorantim divide a produção brasileira com a Anglo
American que iniciou suas operações na década de 1980. Com a aquisição da
Mineração Serra de Fortaleza, em 2003, a VM conseguiu atingir uma participação de
60% na produção nacional. Entretanto, devido à baixa demanda mundial, a empresa
paralisaria a produção nessa unidade em 2013. No nível internacional, no entanto, não
se situa entre as maiores produtoras do metal.
No alumínio, a CBA se consolidou como a maior produtora brasileira (foi a
fábrica brasileira que mais expandiu no período conforme apresentado na tabela 7-9)
e a maior fábrica integrada do mundo. No entanto, também na dimensão internacional,
223
a VM tem uma posição tímida em relação às principais fabricantes mundiais de
alumínio com uma produção de apenas 10% do volume das líderes.
Tabela 7-9 – Evolução da produção brasileira de alumínio primário segundo entre
2000 e 2009 (em mil t)
Fonte: BNDES (2009)
Portanto, verifica-se que assim como em cimentos, na indústria de metais a
Votorantim não conseguiu manter uma posição global de destaque - as listas com os
principais produtores de alumínio, zinco e níquel do mundo podem ser encontradas no
Anexo 11.
Uma exceção está relacionada à Fibria que se tornou a principal produtora de
celulose no Brasil (Anexo 12) e do mundo, embora esse negócio tenha um papel
menor do que os outros dois já citados. Esse movimento ainda marcou a saída da
empresa do ramo de papel, reafirmando a estratégia de investir em commodities:
“O grupo Votorantim teve uma decisão estratégica que foi acertada
que foi a saída do negócio papel. Então, a VCP era uma empresa de
celulose e papel e a Aracruz era uma empresa só de celulose. E a
gente viu que a nossa vocação e a vocação do grupo é para
commodity e o papel foge um pouco dessas características, porque
você já vai quase ao consumidor final. Você vai para um papel A4 e
tem toda uma cadeia de distribuição, a linha de produção, variedade
de produtos. É tão complexo que a gente falou: Não é para a Fibria”
(ENTREVISTADO 12).
Portanto, apesar dos aumentos de capacidade realizados, verifica-se que a
empresa não conseguiu adquirir uma posição mundial de destaque nos seus principais
negócios (Cimentos e Metais). Essa evidência se agrava quando se verifica a
composição da geração de caixa do grupo.
Conforme apresentado no gráfico 7-7, a Votorantim Cimentos responde com
mais da metade do EBITDA da VID, com a VM representando 20%.
224
Gráfico 7-7 – Composição do EBITDA da VID em 2012
Fibria
13%
Metais
20%
Cimentos
60%
Siderurgia
7%
b) Legitimidade
A história da Votorantim evoca a existência de figurar importantes da indústria
brasileira. Como líderes empresarias de suas respectivas épocas, ajudaram a trazer
legitimidade para o grupo no ambiente organizacional.
Esse traço é identificado desde os primeiros anos de atividades do grupo, sob
o comando de Antônio Pereira Ignácio. Ainda durante a década de 1910, ele se tornou
o principal fornecedor de fios de algodão para as fábricas têxteis, passando a ser
chamado de O Rei do Algodão. Com a sua ascensão industrial, a Votorantim, assim
como a IRFM, passou a fazer parte da liderança industrial de São Paulo. A empresa
concebeu junto com a Klabin e a Matarazzo, o manifesto que deu origem à CIESP e
José Ermírio de Moraes fez parte da primeira diretoria.
A aproximação com a Klabin levaria as empresas a criarem de forma conjunta
a Nitro Química para fabricar rayon que, até então, era monopolizado pela Viscoseda,
da IRFM. Vale destacar que antes da implantação da fábrica, José Ermírio
compareceu ao Conselho Federal de Comércio Exterior, onde lutou e conseguiu que a
fábrica recebesse tratamento tributário de um bem de capital e, assim, tivesse isenção
na tarifa de importação.
Nessa época, a Votorantim fez movimentos que ajudaram a trazer notoriedade
ao grupo. Em 1938, dois anos após o seu lançamento, o cimento Votoran foi utilizado
em uma das principais obras públicas de São Paulo, o Viaduto do Chá, ajudando a
fortalecer a percepção de qualidade do produto. Dois anos depois, firmou uma
parceria de vendas com a José Kalil, uma tradicional loja de comércio de tecidos da
Rua 25 de março, para a venda de grande parte de sua produção têxtil.
225
A partir da década de 1930, o nome Ermírio de Moraes ganharia um grande
destaque no cenário econômico e industrial brasileiro. Os membros da família
passaram a ocupar o cargo de presidência em importantes instituições como a
Bovespa (1950), Fiesp/Ciesp (1960), Sindicato Nacional da Indústria do Cimento
(1961) e Associação Brasileira de Cimento Portland (1967). Além disso, cabe destacar
que José Ermírio de Moraes chegou a ser Ministro da Agricultura e Senador por
Pernambuco durante a década de 60.
Durante a década de 1950, a organização enfrentou uma das principais crises
de sua história, com um desfecho favorável, indicando a construção de uma
legitimidade junto aos principais stakeholders do grupo. Nelson Teixeira, com mais de
sessenta anos de atuação no grupo, falou sobre o episódio:
“O momento mais difícil que eu passei na Votorantim foi no ano de
1954. Era um domingo à noite, assistindo à Televisão Tupi, a
programação foi interrompida com um anúncio que seria dada uma
mensagem do diretor da rede. Para minha surpresa foi deflagrada a
mais longe e infame de todas as campanhas, quando o jornalista
Assis Chateaubriand declarou que a Votorantim estava à beira da
falência. Posso afirmar que talvez tenha sido uma das piores noites
da minha vida, porque eu sabia que no dia seguinte teria uma
repercussão muito grande daquelas palavras, daquelas mensagens.
Mas, para minha surpresa, no dia seguinte foi uma das maiores
emoções da minha vida. Ao invés de ligações ou questionamentos,
nós tivemos a solidariedade de toda a comunidade, dos nossos
clientes, dos nossos fornecedores, dos banqueiros que hipotecaram
toda a solidariedade a nós, e dispostos a darem a nós a colaboração
e indignados com uma campanha tão torpe como aquela que tinha
sido lançada na noite anterior”.
Após o falecimento de seu pai, Antônio Ermírio de Moraes se alçou como
principal figura do grupo. Entre as décadas de 70 e 80, o empresário foi escolhido por
dez anos consecutivos como o maior líder empresarial do Brasil no balanço anual da
Gazeta Mercantil. Nessa época, destacam-se as aparições do empresário na mídia,
fazendo críticas e análises sobre os problemas brasileiros. Nas suas explanações,
costumava ainda atacar os bancos. Disse em 1983: "Vocês já viram qualquer pressão
contra os banqueiros?". Em 1984, criticou a criação da construção pelo governo, da
Aço Minas, que custaria mais de US$ 5 bilhões aos cofres públicos. Chegou-se, ainda,
a cogitar nos veículos de comunicação que Antônio Ermírio foi convidado para presidir
a Petrobrás no governo Tancredo Neves.
A influência conquistada e a força das análises e opiniões do líder da
Votorantim, porém, traria certas dificuldades junto ao governo. Durante muito tempo a
empresa se viu em meio a acusações de formação de cartel. Durante o governo
Collor, as críticas se acirraram e o presidente se referia a Antônio Ermírio como “o
226
homem dos cartéis”. Em 1991, o empresário chegou a ir ao encontro da ministra da
Economia, Zélia Cardoso de Mello, para apresentar os preços do cimento:
"- Vim mostrar a ela os reais valores cobrados no mercado interno
para que possa compará-los ao do exterior [...] A produção de
cimento está sendo comercializada a US$ 70 a tonelada, enquanto na
Argentina e no Uruguai, o similar custa US$ 110. Questionado sobre
a existência do cartel na época, Antônio Ermírio negou a existência
de conluios, embora tenha dito que: - Se conversa, se sabe os preços
dos outros".
As acusações de cartelização, no entanto, também são evidências que
mostram a capacidade da Votorantim em moldar a indústria cimenteira a seu favor.
Bonelli (1998) chegou a apontar que para manter a rentabilidade durante a década de
1980, a Votorantim conseguiu reajustar seus preços acima da inflação. Apesar de não
ter sido possível comprovar essa afirmação, evidências sugerem que desde que
assumiu a liderança do setor na década de 1950, a indústria cimenteira se manteve no
limite da capacidade produtiva, gerando momentos de escassez que podem ter
contribuído para pressionar os preços.
Em 1954, a indústria de cimento de São Paulo atravessou uma grande
escassez de oferta, fazendo com que o governo considerasse importar o produto para
satisfazer a demanda. Entretanto, um acordo entre o Sindicato dos Atacadistas de
material de construção e a Votorantim e outra fabricante, a Perus, garantiu o
suprimento em caráter emergencial para os distribuidores de cimento. No final da
década de 1970, quando a economia desacelerava, a indústria do cimento também
passou por uma nova escassez. Segundo José Ermírio de Moraes Filho, isso ocorreu
pela queda da rentabilidade do setor a partir de 1974, com o controle de preços feito
pelo governo. A previsão era de que em 1984 o déficit de produção chegasse a 4
milhões de toneladas. O depoimento de Valdemar Martinez, que atuou no grupo desde
a década de 1950 e foi assessor da diretoria, também corrobora essas evidências:
“O grupo nunca deixou de responder a essa necessidade de
crescimento, mas sempre havia defasagem entre a hora que nós
tínhamos os equipamentos prontos, funcionando e produzindo, e a
hora em que o mercado já estava precisando daquela produção.
Então nós tínhamos essas épocas em que o mercado precisava de
mais cimento do que nós tínhamos para vender. Nós e os outros
fabricantes. A política da Votorantim sempre foi a de manter a sua
participação no mercado, sempre de fazer com que a sua produção
crescesse na medida em que o consumo crescesse”
O histórico de produção e demanda de cimento no Brasil é apresentado no
Anexo 10, no qual se verifica a inexistência de excesso de oferta nessa indústria ao
longo das décadas.
227
Apesar de toda essa influência, os Ermírio de Moraes procuravam desenvolver
a sua organização o mais independente possível do governo. Dessa forma, não foram
encontradas evidências que demonstrem uma forte influência no ambiente
institucional, ou seja, na definição de leis, ou concessão de benefícios diretos ou
indiretos para o grupo. Pelo contrário, os relatórios da empresa atacavam fortemente
as vantagens oferecidas para as empresas multinacionais. Antônio Ermírio também
atacava constantemente as benesses concedidas para as empresas, destacando a
sua crença na competitividade. Em 1987, na solenidade 30 anos de sociedade de
Beneficência Portuguesa, o empresário falou:
“O incentivo é um convite à desorganização e à ineficiência”.
Esse estilo direto e pouco perfil político acabou pesando, também, no processo
de privatização da Vale. No início do consórcio formado pela Votorantim para a
aquisição da estatal, estavam Bradesco e CSN que acabaram criando um novo grupo
com participação da Previ. Antônio Ermírio chegou a reclamar com o presidente FHC
sobre a exagerada concentração de fundos públicos no consórcio Brasil. Assim, a
Votorantim ficou com a japonesa Mitsui como principal parceiro, que ajudou a frear o
ímpeto da empresa pela aquisição. Enquanto isso, Benjamin Steinbruch tinha ao seu
lado os principais fundos de pensão do Brasil, com grande poder aquisitivo.
Delfim Neto apresentou uma comparação entre os dois empresários que
destaca justamente esse perfil político de Steinbruch e que era carente por parte de
Antônio Ermírio:
“São perfis diferentes. O Antônio Ermírio, [apesar de ser] herdeiro,
pôs a mão na massa do negócio familiar, fez o bolo crescer e, se
preciso for, assume a direção de uma fábrica de cimento sabendo dar
ordens. Já o Steinbruch é hábil para fazer política dentro dos
conselhos de administração, sabe vender seu peixe no exterior e
tomar empréstimos lá fora, [o que lhe permite] crescer além de suas
possibilidades”.
No início do século XX, com o falecimento de José Ermírio de Moraes Filho e a
passagem de bastão, a Votorantim passaria a perder gradativamente a figura de um
grande líder que sempre marcou a história do grupo. Apesar disso, em 2005, a
organização recebeu o Prêmio IMD destinado a empresas de controle familiar com
comprovado nível de desempenho, sustentabilidade, presença internacional e de
grande responsabilidade social. Foi a primeira instituição latino-americana a receber a
premiação. Em 2008, foi incluída pelo Boston Consulting Group como uma das cem
companhias de países emergentes capazes de competir com multinacionais dos
países ricos.
228
Entretanto, a falta dessa figura pode caracterizar a perda de legitimidade que
culminou com um processo iniciado em 2007 pelo CADE contra a existência do
possível cartel na indústria de cimentos, o principal negócio do grupo. Apesar de a
empresa conviver por anos com afirmações envolvendo o assunto, um processo
formal só foi iniciado a partir desse momento, através de uma denúncia por um excoordenador comercial da VC. Em 2014, o órgão decidiu de maneira unanime pela
condenação da Votorantim e mais cinco empresas do setor. A multa foi de R$ 3,1
bilhões, sendo metade desse valor devido pela empresa da família Ermírio de Moraes.
A decisão ainda inclui a venda de ativos por parte das empresas para forçar a
competição no setor.
Vale destacar que, em 2012, o CADE já havia reprovado de forma unânime a
entrada da Votorantim na Cimpor ocorrida em 2010, devido ao excesso de
participação que a VC teria no mercado brasileiro.
7.2.3
Desafio da Gestão da Diversidade
A formação de um conglomerado industrial como no caso da Votorantim gera o
aumento da diversidade dos negócios, tecnologia e recursos humanos. Embora não
tenha atingido um porte tão grande como o da IRFM, a partir da década de 1930 a
Votorantim iniciou um processo de criação de negócios pioneiros na indústria
brasileira. Além disso, a expansão geográfica realizada das unidades de cimento
também contribuiu para o aumento da diversidade do grupo.
Entretanto, ao contrário da Matarazzo que optou por manter uma gestão
totalmente centralizada, a Votorantim realizou uma separação entre as indústrias e
regiões, embora as decisões estratégias seguissem uma congruência. Esse fato,
aliado à infusão de valores institucionais entre as diversas empresas contribuiu para a
manutenção da integridade organizacional. Por outro lado, a descentralização inibiu o
compartilhamento de recursos que passou a ser buscado apenas no final da década
de 1990. Dessa maneira, a Votorantim evitou a propensão à fragmentação, embora
não tenha sido possível apontar as respostas a esse desafio como totalmente
saudáveis.
Os níveis de análise da gestão da diversidade foram: A diversificação dos
negócios, que envolve o grau de ampliação do escopo de atividades não relacionadas,
além da expansão geográfica do grupo; a capacidade de coordenação dos negócios e
manutenção da integridade organizacional; e em que medida foram feitos esforços
para a realização do compartilhamento de recursos entre as diferentes unidades.
229
a) Diversificação dos Negócios e Expansão Geográfica
Diferentemente de Francesco Matarazzo que seguiu um acentuado processo
de diversificação de seus negócios, Pereira Ignácio concentrou grande parte dos seus
esforços na indústria têxtil. É verdade que ele chegou a adquirir uma empresa
telefônica em 1910 e a fazenda Rodovalho no ano seguinte, que tinha uma fábrica de
cimento instalada. Entretanto, as evidências sugerem que não foram investimentos
significativos para alterar a estrutura industrial do grupo.
Sendo assim, até meados da década de 1930, a Votorantim se manteve
primordialmente como uma fábrica têxtil, sendo a principal empresa fornecedora de
algodão do país. Com a aquisição da Votorantim e, posteriormente, das fábricas Bom
Retiro, Paulistana e São Bernardo, se tornaria também um dos mais importantes
grupos de fiação e tecelagem.
O grande processo de expansão e diversificação geográfica se daria a partir da
década de 1930 com a fundação da Siderúrgica Barra Mansa, a Fábrica de Cimentos
Santa Helena e a Companhia Nitro Química. Essa diversificação, conforme já
discutido, visava manter certa independência do grupo para o fornecimento de
insumos para os principais negócios do grupo: cimento, papel, metais e tecido
(embora este último começasse a perder relevância na organização).
A figura 7-8 apresenta a relação entre as empresas do grupo, na qual as setas
indicam o fornecimento de insumos de uma unidade para a outra.
Figura 7-8 – Estrutura industrial do grupo Votorantim na década de 1950
230
As fábricas de cimento exerceram uma pressão maior no processo de
diversificação. Ao invés dos demais negócios que ficavam concentradas em apenas
uma unidade fabril, as particularidades da indústria de cimento exigiam a expansão
geográfica e a implantação de fábricas próximas às jazidas e aos principais centros
consumidores do país. Dessa forma, a Votorantim seguiu investindo e implantando
fábricas nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro Oeste. No início da década de
1970, já eram nove plantas espalhadas pelo país.
A partir da década de 1970, o grupo iniciaria também um processo de
aquisições. Em 1977, comprou a Cimento Itau e suas seis unidades. Dois anos depois,
adquiriu outras duas fábricas, a Cauê e a Tocantins. Na década de 1980, a Votorantim
também faria mais duas aquisições. Dessa forma, o crescimento da unidade de
cimentos do grupo englobou a incorporação de outras companhias, aumentando a
diversidade de culturas e processos.
No final da década de 1980, a nova geração colocou em prática iniciativas
visando a diversificação do grupo. Assim, entrou pela primeira vez no setor de serviços
através do Banco Votorantim. Houve, ainda, o plantio de laranjas e a instalação de
uma fábrica de processamento de sucos, formando assim a Citrovita. Além disso,
expandiu suas atividades no ramo de papel e celulose através das aquisições dos
ativos da Celpav e, posteriormente, da Papel Simão. Os novos negócios, portanto,
destoaram do perfil construído nas décadas anteriores cuja atuação foi direcionada
para a indústria de base. Pouco após esses movimentos, o grupo faria uma redução
do seu escopo de atividades com a retirada da indústria têxtil.
A última fase de crescimento e diversificação foi a mais intensa e ocorreu na
primeira década do século vinte, sob o comando da nova geração que assumiu a
direção do grupo em 2001. O processo de internacionalização levou o grupo para
novos mercados nos seus principais negócios.
Na indústria de cimentos, foram realizadas aquisições principalmente no
mercado americano e, posteriormente na América do Sul e na Europa. Na Votorantim
Metais, o principal movimento se deu através da expansão das operações de zinco,
com aquisições no Peru, um dos maiores produtores mundiais do metal. Além disso, o
grupo realizou expansões no setor de siderurgia que historicamente havia se mantido
como um negócio secundário no grupo. Foram realizadas aquisições de usinas na
Colômbia e na Argentina. Ainda, foram construídas mais duas unidades no Brasil.
Finalmente, o grupo fez a aquisição da Aracruz, uma empresa que era maior do que a
Votorantim Papel e Celulose.
Um dos entrevistados relatou o impacto desse
crescimento na diversidade cultural da Votorantim Siderurgia:
231
“Mas ao mesmo tempo em que pegou uma galera com muito tempo
de casa, chegou uma galera muito nova de mercado. Pessoal da
CSN, Gerdau, Arcelor. [...] Então foi um momento que, se tinha uma
cultura na empresa mais antiga, uma galera mais velha, não muito
antenada e aí a gente recebe quase 50% dos funcionários formados
por diversas culturas siderúrgicas, de empresas que também tinham
velhas culturas. Para você moldar isso numa cultura única, isso leva
um tempo. Isso talvez tenha sido a parte mais difícil, do começo. Não
só técnico mas a parte cultural, entendeu. Cada um tem uma maneira
de pensar diferente ali. [...] E também não dá para ter nivelamento,
porque são caras que são papas da siderurgia. E tem uma questão
também é que são pessoas que já tem muita experiência com
siderurgia e não estão afim que qualquer um fale o que quer. Na
verdade, sempre tinham várias discussões em que os dois estavam
certos, mas eram pontos de vista diferentes. É a questão cultural.
Então, qual a cultura que é a nossa? Qual linha que a gente vai
seguir? A gente tem uma cultura que é puxada lá pelo lado da
valorização do profissional.[...] Acho que até hoje tem algumas
culturas diferentes. Mas hoje as pessoas se entendem. Vai ter uma
reunião de duração de uma hora e meia, a gente consegue sair com
uma hora e vinte, uma hora e meia. Mas antes não era uma hora e
meia, porque era tanta discussão que a gente saia com três, quatro
horas de duração. Então, essas culturas diferentes prejudicaram
bastante no começo. Se duas pessoas se conhecendo já dá trabalho,
imagina quarenta, cinquenta pessoas que conhecem, tem orgulho da
sua experiência em siderurgia, a formar uma cultura. Então acho que
talvez foi a parte mais complicada, mais complicada até do que a
parte técnica” (ENTREVISTADO 2).
Portanto, em um espaço de oito anos, o grupo fez diversos movimentos de
expansão por aquisições, incorporando novas pessoas e culturas, e atuando em
mercados até então desconhecido, aumentando a diversidade e a tendência de
fragmentação. Por outro lado, também se desfez de outros negócios como a Nitro
Química e a Votocel.
b) Coordenação e Integração:
Conforme discutido no tópico anterior, a Votorantim se tornou um grande
conglomerado industrial, com atuações em diversos negócios e com uma dispersão
geográfica que se acentuou nos últimos anos com o processo de internacionalização
do grupo. Dessa forma, a coordenação de um conglomerado de forma integrada como
a que se propôs a Votorantim envolve o desenvolvimento de respostas adequadas
para evitar a fragmentação entre as diversas unidades.
A preocupação em buscar mecanismos de controle foi identificada ainda na era
de Antônio Pereira Ignácio. Em 1910, quando vinha crescendo no ramo de algodão, o
empresário comprou a Companhia Telefônica Sul Paulista. Apesar de não ter sido
possível encontrar indícios de qual era o propósito principal para a aquisição, foi
verificado que o empresário implantou uma rede conectando cidades do interior de
São Paulo onde se encontravam as suas principais unidades de descaroçamento de
232
algodão. Ou seja, isso pode sinalizar a intenção de desenvolver um canal de
comunicação para facilitar a coordenação dos seus negócios.
Quando adquiriu a fábrica têxtil Votorantim em 1918, houve a preocupação de
Pereira Ignácio de realizar mudanças nos estatutos, de modo a estruturar a
administração e definir funções específicas para vários diretores. Cabe destacar que a
definição das posições de chefia foi um fator que permitiu ao grupo realizar os
processos sucessórios com menos ruídos dos que os observados na Matarazzo.
Em meados da década de 1930, Pereira Ignácio se afastou do dia a dia das
empresas, se encarregando de desenvolver estratégias e analisar os resultados,
enquanto José Ermírio se tornou o principal responsável pelas operações. A partir
desse momento, a administração da organização passa a ser dividida em seções de
acordo com a carteira de produtos comercializados.
Portanto, diferentemente da Matarazzo que manteve a gestão centralizada até
meados da década de 1960, a Votorantim já fez um movimento de descentralização
das operações assim que ampliou o seu escopo de atividades com a entrada nos
negócios químico, siderúrgico e de cimentos.
Quando empreendeu o principal processo de crescimento da Votorantim, a
partir da década de 1940, José Ermírio de Moraes passou a contar com o apoio dos
seus filhos que voltavam de seus estudos da Europa, e do engenheiro Clóvis Scripilliti,
seu genro. Assim, os negócios do grupo foram divididos entre os quatro que ficavam
responsáveis pelas operações dos negócios, conforme apresentado na tabela 7-10.
Tabela 7-10 – Divisão das operações da Votorantim entre os membros da terceira
geração
Indústria Têxtil
José Ermírio de Moraes Filho
Fábricas de Cimento do Sudeste
Votocel
Siderúrgica Barra Mansa
Antônio Ermírio de Moraes
CBA
Metalúrgica Atlas
CMM
Clóvis Scripilliti
Ermírio Pereira de Moraes
Empresas do Nordeste
Nitro Química
Reflorestamento para produção de carvão vegetal
233
Dessa forma, o grupo Votorantim buscou manter as empresas sob uma mesma
gestão, com direcionamentos estratégicos unificados, embora com decisões
operacionais descentralizadas, conforme destacado por Sérgio Picazio que foi
assessor da diretoria:
“Eles souberam dividir de tal forma a empresa fazendo com que cada
um tivesse o poder dentro da sua área, mas esse poder não era só
centrado numa pessoa sem que houvesse, vamos dizer, uma
dissociação entre um e outro: - Eu tomo as minhas decisões isoladas
e você toma as suas isoladas. Existe um gerenciamento, mas existia
sempre a unificação das ideias em conjunto. Sempre houve isso, e
talvez foi e está sendo até hoje o sucesso da empresa, porque se não
fosse isso, não sei. Para construir um império é difícil, mas para
derrubar não custa”.
Essa descentralização, por sua vez, poderia gerar uma perda da identidade
organizacional. Entretanto, as evidências coletadas mostram que houve uma infusão
de valores por toda a organização, que permitiram o processo de institucionalização,
fomentando a integridade do grupo. Foi possível verificar nas entrevistas com
funcionários das diversas unidades o compartilhamento de certas crenças.
Além disso, a formação de um mito em torno de José Ermírio de Moraes
também contribuiu para a institucionalização da organização. Isto fica evidente pela
forma como foi chamado por alguns depoentes que se referiam a ele como “Senador”,
lembrando a atuação política que o empresário teve durante a década de 1960. Além
disso, houve citações à carta direcionada por ele a seus filhos (anexo 5), com os
direcionamentos a serem seguidos pelos sucessores, conforme pode ser evidenciado
em um dos relatos:
“Então é um cara de muita visão. Essa cartinha ela é dada para todo
mundo que entra. Então, isso é muito legal. Você entrar numa
empresa que tem uma pessoa, tem um cara que você olha e todo
mundo mira” (ENTREVISTADO 2).
A referência, no entanto, não se restringe apenas ao “Senador”. A visão de
“industrializar o Brasil”, semeada pelo fundador do grupo, Pereira Ignácio, e muito
proclamada por Antônio Ermírio de Moraes, também é outro fator que incida a
existência de uma identidade única por toda a organização.
“Olha, o que me faz estar no grupo até hoje é uma admiração que eu
tenho e um orgulho, pela seriedade do grupo. Pela seriedade, por
honestidade e pelo fato deles acreditarem no Brasil, investirem no
Brasil. E, assim, é um grupo, na quarta geração eu não conheço
muito, eu trabalhei com membros da segunda e da terceira geração.
Você vê que a característica lá do José Ermírio, do Antônio Ermírio,
esses valores permeiam. Essa questão de seriedade, de ética. Isso é
muito forte” (ENTREVISTADO 12).
234
Finalmente, destaca-se a existência de valores morais e éticos difundidos pelas
empresas do grupo, que foram disseminadas principalmente pela imagem transmitida
pelos líderes da família. Os relatos obtidos nas entrevistas destacam a preocupação
com a valorização humana em detrimento ao fomento de um clima mais competitivo e
agressivo:
“A empresa é correta. Eu trabalho há 35 anos e nunca tive um dia de
atraso no salário. A empresa é extremamente correta. Ela faz tudo o
que ela pode para fazer com que o funcionário se sinta bem, naquilo
que depende da empresa” (ENTREVISTADO 6).
“O quanto eles valorizam mais as competências pessoais de
relacionamento, de ver se a pessoa é do bem mesmo, do que o
técnico, entendeu? Eu já vi muita gente sendo demitida, pessoas
boas, com potencial muito bom, mas que não eram muito boas de
relacionamento e que ia acabar pegando isso em algum momento e
as pessoas saíram da empresa. E eles deixam bem claro que os
desligamentos, quando acontece isso, são por causa de
comportamento. Então acho que isso é muito bom, ver que não
valorizam só o técnico a todo o custo. Eles valorizam muito a pessoa”
(ENTREVISTADO 9).
“A gente tem uma cultura que é puxada lá pelo lado da valorização do
profissional. Quando você compara com Ambev, compara até com
outras empresas que são mais, fomentam mais essa competição,
aqui, fomenta menos. E o que eu vejo aqui é o seguinte. É um trade
off: O ambiente político e o ambiente produtivo. Você vai no Senado,
então você um ambiente totalmente democrático, mas não
necessariamente você tem uma boa produtividade lá. Numero de leis
por hora, ou leis por dia, ou leis de educação por dia. Quero dizer, é
um ambiente muito democrático. Isso reduz a produtividade. Num
ambiente muito tirano, você tem boa produtividade, mas você tem
zero democracia. Mas se você toma a decisão errada, você vai
errado até o fim. Um ambiente que gera um clima de trabalho não
tão bom. Onde posicionar nessa régua aí? Não sei, acho que a
Votorantim tá muito para o lado humano, ainda. Em algumas
empresas, por exemplo, siderurgia, metais. Outras menos, de
cimentos. Um ambiente até um pouco mais agressivo”
(ENTREVISTADO 2).
Uma evidência dessa preocupação com a valorização do ser humano no
também foi identificada no Relatório Anual de 1972:
“Para o Grupo Ermírio de Moraes, o homem é o principal construtor
de seu progresso. Ele reconhece no elemento humano um fator
decisivo para o êxito de seus programas de trabalho. O Grupo Ermírio
de Moraes procura demonstrar reconhecimento aos fatores de sua
grandeza proporcionando a todos iguais oportunidades; a concessão
de bolsa de estudos aos funcionários, em nível médio e superior, tem
apresentado resultados excelentes, pelo incentivo aos que aspiram
melhores posições e progresso em sua vida profissional.”
235
A partir da década de 1990, o grupo começou a fazer mudanças na sua
estrutura, realizando o agrupamento das unidades e formalização de planos,
sinalizando a integração entre os negócios.
O ponto de partida se deu com a criação da Votorantim Cimentos em 1997.
Assim, foi formada uma nova estrutura dividida de acordo com as áreas de negócios
que tinham o suporte de comitês de gestão para o monitoramento das atividades do
grupo. Com a internacionalização da VC, buscou-se a padronização do processo de
produção através da criação do Votorantim Cimentos Production System – VCPS. De
acordo com relato de um dos funcionários que participou do processo, a existência de
procedimentos formais foi fundamental para contornar a resistência de americanos e
canadenses para a integração entre as unidades:
“A ideia da Votorantim é essa: nós temos um conhecimento de gestão
aqui no Brasil que deixa nossas plantas muito, muito organizadas,
sem emissão, baixo custo, cimento no silo, pessoas treinadas,
motivadas. Então, quer se pegar esse conhecimento e levar para
fábricas no exterior porque as compras no exterior são sempre
difíceis, sempre são fábricas normalmente muito mal operadas que
são compradas. Aliás, elas são vendidas por serem mal operadas.
Então, o desafio é pegar o sistema que funciona bem e implantar
nessas unidades para que dê o mesmo resultado que se tem no
Brasil. Esse é o grande objetivo, e assim que nasceu o VCPS em sua
primeira versão [...] Nós fomos para quatro plantas. Aliás, na época
três: Bowmanville, Detroit e Saint Marys, que existiam antes.
Suwanee veio depois. Fui eu e uma equipe de, mais ou menos, seis
pessoas, cada um especialista numa área: de gerenciamento da
rotina, tinha pessoa da padronização, tinha pessoa de segurança e
meio ambiente, tinha pessoa de manutenção, tinha um time
especializado em melhores práticas de equipamentos, etc. Então,
tinha diversos especialistas e fomos em cada planta para levar esse
jeito de ser da Votorantim para lá [...] Trouxemos muito canadenses e
americanos aqui pro Brasil, para a fábrica de Rio Branco e pra fábrica
da Cipasa. Eles não acreditavam quando chegavam lá e viam um
moinho pintado de branco, que não vazava, que não tinha nada sujo
no chão. [...] Por que pintar o moinho de branco? Porque assim é
possível você ver um vazamento (DAVID CANASSA) ”.
Paralelamente a essas iniciativas, o grupo passou por um processo de
profissionalização com a saída dos membros da família do dia a dia dos negócios.
Assim, os cargos de diretoria passaram a ser ocupados por profissionais da empresa
ou recrutados no mercado. Essa iniciativa visava evitar os conflitos políticos nos
processos sucessórios que passariam a ficar cada vez mais complexos com o
aumento do número de herdeiros. Com os sócios atuando no Conselho de
Administração, buscou-se a redução dos conflitos políticos para ocupação dos cargos
operacionais:
236
“Essa foi a grande mudança que eu percebi da segunda para a
terceira. A profissionalização das empresas. Então, a terceira geração
começou a sair da empresa, contratar profissionais, executivos de
mercado e cobrar resultados e cobrar performance. Essa foi a grande
diferença entre liderar, comandar e gerenciar para mais supervisionar
e gerenciar, mas de uma forma mais distante. Tentando influenciar e
definir muito mais estratégia do que as atividades executivas
operacionais. A operação, de fato, eles estão delegando e focando os
esforços em estratégia, em portfólio, em questões mais olhando o
grupo né. Continuidade, solvência, perenidade do grupo Votorantim”
(ENTREVISTADO 12).
Com a expansão e o aumento da diversidade de negócios, pessoas e
processos, identificou-se que a Votorantim lançou mão de iniciativas que visavam
evitar a tendência de fragmentação. Em 2006, foi desenvolvido o Banco de Dados de
Benchmark (BDB), no qual os principais indicadores de desempenho das plantas do
grupo passaram a ser consolidados e comparados com referências internas e
externas, com o intuito de identificar potenciais de melhorias operacionais.
Acompanhando a formação da nova estrutura foram colocadas em prática
novas ferramentas de controle e de excelência operacional, buscando, também, a
padronização de processos entre as diversas unidades:
“Então, começou já naquela época, na década de 90, a preocupação
em unificar conceitos. Unificar métodos de gestão. E isso era o mais
difícil na época, porque para você conhecer, como não tinha Skype,
telefone era muito caro, não tinha celular, você tinha que ir até a
unidade, as vezes ficar uma semana, duas semanas, três semanas,
aprendendo, treinando com a equipe para poder fazer a aplicação
daquela situação boa, daquela coisa boa que eles estavam fazendo e
trazer para a sua unidade.” (ENTREVISTADO 8).
Essas mudanças foram baseadas principalmente no modelo de governança
experimentado pela Fibria (a única empresa de capital aberto do grupo) conforme
destacado por um dos funcionários entrevistados:
“A Fibria sempre foi meio que um laboratório para o grupo Votorantim.
Não para ficar testando, mas as boas práticas sempre migram e são
compartilhadas com as demais empresas do grupo. Então, até pelo
fato dela estar na bolsa de São Paulo no nível mais elevado que
governança, que é o Novo Mercado, exige vários requisitos de
governança. Está no nível 3 de ADR na bolsa de Nova York, na SEC.
Isto nos obriga a ter um ambiente de controles, de compliance, de
governança, muito mais robusto, do que se tinha, ou do que se tem
das demais empresas do grupo. Então, foi uma coisa nova para o
grupo, mas é uma coisa que também ajuda eles a aprender. A
entender esses novos modelos de governança, a estar antenado com
as melhores práticas, com o que há de melhor em cada atividade da
companhia”.
237
Visando fortalecer os valores do grupo e manter as diferentes partes do grupo
unidas, foi lançado também o projeto Identidade Votorantim que buscou divulgar os
valores, a visão e a aspiração, além do lançamento do Código de Conduta.
No
entanto, apesar de ter sido possível identificar a manutenção de certos valores no
grupo, o relato de alguns funcionários mais antigos destacam que a hierarquização
afastou o comando da operação, prejudicando a integridade do grupo:
“É possível que com a profissionalização da administração, que está
realmente havendo, os valores da família, muito marcantes até agora,
isso se perca de alguma forma, o que seria uma pena [...] Hoje a
geração que comanda são acionistas que conhecem o seu gerente
geral, conhecem a diretoria que atende esse gerente geral, mas já
não desce nos níveis menores, porque nem tem tempo, porque é
muita gente, porque estão longe” (VALDEMAR MARTINEZ, 2003).
“Mas, a empresa hoje, ela não é mais aquela empresa de um tempo
[...] quando a alta cúpula da empresa conversava com toda a
estrutura. Hoje a empresa ela está, hierarquizada. Então, quem toma
decisão, fala só comigo com o nível abaixo dele. E sabe que a
comunicação, se você colocar dois ou três níveis ela chega na ponta
totalmente deteriorada. É por isso que a empresa hoje não é ousada.
Quem decide e quem tem a ideia, não fala mais. E aí você tem
intermediários no meio que por qualquer razão, está perdendo o
ângulo. [...] Eu vejo piorando. Eu vejo piorando. E digo o mais. Se a
empresa me perguntar hoje o que eu acho, eu acho que hoje nós
temos uma empresa surda. Que não ouve” (ENTREVISTADO 6).
c) Compartilhamento de Recursos
Conforme discutido anteriormente, a Votorantim cresceu descentralizando suas
operações. Isso ocorreu não só entre os diversos negócios, mas também entre
regiões, como no caso da Votorantim Cimentos. Para não correr o risco de perda de
eficiência, José Ermírio de Moraes Filho optou por descentralizar as decisões,
dividindo as empresas de cimento em quatro regiões. Assim, cada unidade lidava com
os seus problemas locais, cultivando uma rede de fornecedores e desenvolvendo
clientes com características próprias.
“A rigor tinha uma regional Nordeste digamos que elas eram unas,
vamos dizer assim, e tinha uma diretoria a parte que era um dos
ramos da família Ermírio de Moraes, que a rigor era o dr. Clóvis
Scripilitti. [...] Ele respondia pelo Nordeste e tinha uma gestão
absolutamente, isolada. Quero dizer. Eu falo absolutamente, é lógico,
a empresa era uma só. Mas os modelos de gestão decisórios,
interface e sinergia, era próxima a zero. E mesmo entre as fábricas
do Sul, Sudeste, do Norte, etc, havia uma grande estanqueidade ao
ponto que eu posso dizer que eu que já era daquela época, tinha
fábricas que eu não conhecia. Só para você ter uma ideia da pobreza
da coisa, vamos dizer assim porque realmente nós deveríamos ter,
muito mais, como somos mais modernamente, mais nos últimos anos
238
que tem se procurado ser realmente uma empresa unificada”
(ENTREVISTADO 10).
Dessa forma, não havia compartilhamento entre recursos entre as diferentes
unidades. Pelo contrário, as empresas chegavam até a competir entre si em
determinados mercados, conforme delato apresentado a seguir:
“Então nós tínhamos quatro diretorias distintas, cuidando das
mesmas coisas. E a gente falava que era o jogo Cidade contra
Cidade, já ouviu falar do Silvio Santos? Jogo cidade contra cidade ia
competir na televisão, uma cidade contra a outra, uma querendo
mostrar que sua cidade era melhor. Cidade contra cidade na
Votorantim Cimentos – esse é um exemplo meu – é uma diretoria
competir com a outra. Na verdade naquela época, não unia esforços.
Eu fazia meu projeto na Cimento Itaú que a Votorantim comprou na
região de Minas, na região Centro Oeste, eu fazia esse projeto mas a
gente lutava, de certa forma, para fazer melhor do que o pessoal fazia
aqui no Sul. E lutava contra o pessoal do Nordeste”
(ENTREVISTADO 4).
Portanto, até a criação da VC, as regiões tinham duplicidade de funções, sem
ganho de sinergias entre as operações. Assim, a empresa acabava não capturando
todo o potencial gerado com o tamanho de suas operações. Por outro lado, essa
descentralização além de ter possibilitado os ganhos de eficiência, não gerava
aumento de complexidade, justamente por não haver a necessidade do gerenciamento
da interconexão entre as partes.
Com as mudanças na estrutura organizacional encabeçadas pela nova
geração, vieram diversos movimentos visando integrar as empresas, unificar conceitos
e padronizar processos, através da formação da VID, concentrando as atividades
industriais sob uma mesma holding:
“A VID só para você tentar entender bem, assim, imagina uma
empresa de capital aberto que tem que submeter as aprovações ao
Conselho de Administração. A mesma coisa é com as unidades de
negócio da Votorantim. Elas são empresas por si só e elas tem que
submeter as aprovações, as coisas que ela quer à VID, que é o
conselho de administração, mas centralizada um único acionista.
Antes, a VID tinha um papel também de replicação de modelos de
gestão. Então, ela acabava reunindo as unidades de negócio,
buscando padronizar algumas coisas. E fora isso ela tinha uma
influência maior no negócio de demandar informações. Me passa
informações financeiras. Então, tinha diversos reports periódicos que
tinham que ser feitos para a VID” (ENTREVISTADO 13).
Em 2002, foi criado, também, o SGV. Essa gestão centralizada envolveu a
gestão de um caixa único para o direcionamento dos investimentos de acordo com as
prioridades estratégicas. Os entrevistados destacaram essas mudanças:
239
“Essas quatro regiões continuaram até 1997. Em 1997 o que
aconteceu. Era internet, mil novidades em termos de tecnologia e
velocidade da informação. Então, nessa época é que houve
realmente a possibilidade de ter uma diretoria só e não ficar com as
coisas espanadas. Tentar juntar em termos de força, em termos de
compras, tentar juntar a força de compras da Votorantim Cimentos
para fazer uma concorrência que ia ao mercado. Ao invés de um
comprar uma coisa e o outro da outra região fazer uma concorrência,
fazer essa paralela ou semi paralela. A partir daí é que se juntou uma
força de compras em projetos de expansão para começar a fazer as
concorrências comuns, para todas as áreas. Antes disso, não era
possível. O Nordeste para agente aqui era do outro lado do mundo.
Hoje é o nosso quintal. Mas na época eles não sabiam dizer nem qual
fábrica direito que tinha no Nordeste. Não se sabia direito. Eram
administrações independentes” (ENTREVISTADO 4).
“Então esses números começaram a ficar muito grandes. Começaram
a se tornar importantes, a gestão sobre eles e a ideia, levei a ideia
para a minha gerência de criar um programa, que existe até hoje no
grupo Votorantim, o Banco de Dados da Mineração, de fazer a gestão
em cima desse programa que já tinha sido desenhado pelos próprios
funcionários da empresa, mas que estava assim meio apagado esse
programa. Eu, novamente, peguei esse gancho, essa oportunidade e
trouxe para dentro de Itaú de Minas e hoje para todo o grupo [...]
Então, no ano de 2000, o grande trabalho foi unificar a importância da
informação vinda da mina para você ter economia em combustível,
economia em matéria-prima, você estar trabalhando com qualidade
dessa matéria-prima e isso aconteceu no ano de 2000 quando eu
ainda era o supervisor da mineração. Em 2003, esse programa se
tornou bastante importante dentro da empresa. As unidades
começaram a me chamar para dar treinamento nas unidades e eu
comecei a viajar bastante” (ENTREVISTADO 8).
Em 2006, buscou-se intensificar o processo de compartilhamento de recursos
com a criação do Centro de Serviços Compartilhados com a proposta de integrar as
Unidades de Negócio da Votorantim Industrial e eliminar a duplicidade de funções nos
processos administrativos. Ao mesmo tempo, foi concluída a implantação do sistema
SAP em todas as empresas industriais do grupo, gerando a governança similar à da
Fibria:
“Então, assim, em função disso, a gente sempre teve legitimidade de
falar: olha, precisamos de um processo diferenciado, a gente precisa
investir em governança, a gente precisa investir em controle. E isso
daí foi nos distanciando um pouco das outras empresas do grupo
Votorantim. Foi nos distanciando, também, até uns três, quatro anos
atrás, porque a Votorantim, na mudança que teve lá há uns quatro
anos quando entrou o João Miranda, como diretor financeiro, ele
começou a ter um foco maior na abertura de capital que ia acontecer
com a VC. Foi colocar controles de Sox para que se quisesse abrir
capital nos EUA, já estaria preparado para isso. Então, a Votorantim
hoje, o delta que nós tínhamos de vantagem competitiva, com relação
à governança, diminuiu bastante nos últimos anos pelo trabalho que o
João Miranda, Caruzo, toda a equipe vem fazendo lá”
(ENTREVISTADO 11).
240
Apesar dos esforços em nível estratégico, os relatos de entrevistados que
atuam em nível operacional indicam, ainda, a carência dos esforços em ganhos de
sinergia:
“Acho que tem um potencial super, super grande, mas que não é
estimulado e não é priorizado, sabe. Acho que tem vários segmentos,
por exemplo: A CBA atua em construção civil, a Cimentos, claro, atua
em construção civil, a Siderurgia atua em construção civil. E não
existe nenhuma interação, até com relação ao mercado, entender o
mercado. A gente podia muito bem fazer um comitê de mercado de
construção civil e isso não acontece. Isso é um ponto falho que dá
para melhorar bem” (ENTREVISTADO 9).
“Tem um grupo, mas são grupos que tocam também a operação. É
um grupo que um diretor puxa outro diretor, puxa outro. A VID (que á
a Votorantim Industrial), a Central que fica ali na Amauri, ela fomenta
isso, então isso é uma coisa sistemática já. E aí tem um grupo na
área de suprimentos, tem uma na área de vendas, tem um de
manutenção, tem de logística e planejamento e alguns outros. Mas
acho que dá para ser melhor explorado isso. Acho que tem sinergias,
elas são fundamentais, mas ainda pode ser melhor explorado isso
pelo grupo. Porque é tão grande que são muitas sinergias. Então
você tem que mapear e não é um trabalho simples para você incluir
na sua rotina, é um trabalho complexo. Não pode ser 5% da sua
rotina. Então, eu vejo que deveria ter um departamento focado em
produtividade e sinergia” (ENTREVISTADO 2).
Além disso, no início de 2014 o grupo deu uma guinada em sua estratégia.
Vislumbrando a abertura de capital dos seus negócios, o grupo iniciou um processo de
descentralização de funções. Assim, as diretorias corporativas começaram a ser
extintas, eliminando, portanto, o compartilhamento de recursos, conforme destacado
pelos entrevistados:
“Hoje está passando por um processo de reestruturação. Antes nós
tínhamos para cada nicho de mercado, a Fibria que é celulose, a
Citrosuco que é a parte de sucos, temos a siderurgia, metais, tem até
o banco né. Hoje não existe mais o diretor superintendente. Antes
tinha o Conselho Administrativo, a VID que é a parte industrial, que
eu sou ligado e abaixo da VID, então, tinha os CEOs para que
comandassem cada negócio. Praticamente essa VID deixou de existir
e agora cada negócio tem ou o seu comitê ou o seu conselho,
dependendo de se ela tem ações externas ou não. E aí o que está
acontecendo. Ela está se enxugando, fazendo que a parte do
conselho fique mais próxima às partes de decisão. Acho que ela está
passando por um processo que é super positivo. Ela está reduzindo
essa distância entre a parte operacional e a... Acho que esse é o lado
que ela tirando um pouco da burocracia, botando as decisões mais
próximas ao negócio” (ENTREVISTADO 3).
241
7.2.4 Desafio da Provisão de Recursos Humanos
O pioneirismo mostrado pela Votorantim na indústria de base criou uma
necessidade de criar um corpo técnico capacitado para a instalação e aprimoramento
das fábricas e processos produtivos. Além disso, a descentralização gerou uma
pressão para a formação de gestores capazes de desenvolver os diversos negócios
do grupo. Em discurso feito no seu aniversário de setenta anos, José Ermírio de
Moraes ressaltaria a importância da formação de equipes dentro do grupo.
“Nós que descendemos e somos homens de trabalhos e realizações
– trabalho que não passa de um divertimento útil e não um feito
provocado por uma ambição desenfreada – dedicamo-nos a ele como
um dever arraigado em nosso cérebro, com entusiasmo e humildade,
não com servilismos. Trabalho realizado
com
a
melhor
compreensão e não com improvisos. Isso ninguém realiza sem uma
equipe bem formada, que entende as verdadeiras necessidades da
empresa. Essa equipe, posso afirmar que possuímos. Muitos dos que
as compõem aqui começaram de calças curtas, aqui estudaram, aqui
realizaram o seu ideal. Não é acumulação de lucros para gozo
pessoal, é para dar ao país o direito de ser alguém, respeitado e
admirado.”
Foi possível constatar que a preocupação de formar e reter mão de obra
qualificada está no imprinting da organização. Esse perfil foi construído principalmente
por José Ermírio de Moraes que estudou engenharia nos EUA e fez os filhos seguirem
os mesmos passos. Dessa forma, as evidências indicam que essa capacidade de
aprovisionar a organização com recursos humanos capacitados se perpetuou por
décadas. Entretanto, as informações coletadas sugerem que o caminho de
profissionalização e contratação em massa de executivos externos, iniciado na década
de 1990, pode contribuir para a redução da integridade da organização.
a) Recursos Gerenciais
Um aspecto positivo na gestão de recursos humanos está relacionado com a
preparação dos gestores da família, com formação profissional e um período longo de
aprendizado junto à geração sênior. José Ermírio de Moraes começou a trabalhar na
Votorantim em 1924, com vinte e quatro anos, após concluir a formação superior na
Colorado School of Mines. Durante dez anos trabalharia junto com o seu sogro até se
tornar o principal diretor do grupo, enquanto que Pereira Ignácio teria uma atuação
mais próxima de um conselheiro, com o monitoramento dos resultados e análise das
estratégias. José Ermírio teria esse suporte por mais vinte anos, até o falecimento do
fundador do grupo.
Processo similar seria empreendido na segunda transição de comando. Os três
filhos de José Ermírio foram preparados em escolas de engenharia nos EUA (José e
242
Antônio também foram para Colorado). Quando retornaram ao Brasil, tiveram que
realizar estágios não remunerados nas empresas do grupo para depois serem
alocados nos negócios nos quais seguiriam carreira. Antônio Ermírio de Moraes
relembraria o momento de sua chegada em uma entrevista para Roberto D´Ávila em
1997:
“Passei quatro anos e meio sem voltar para o Brasil, e quando voltei,
me lembro que no café, no meu primeiro dia de trabalho, meu pai já
estava sentado à mesa e disse: -Olha, nós vamos fazer uma
experiência com você. Você vai ficar um ano no grupo. Você não vai
ganhar nada. Se der certo você fica, se não der, no hard feelings. O
grupo não pode ter gente incompetente. Foi uma boa lição”.
Com cada filho à frente de uma operação do grupo, José Ermírio se manteria
como principal liderança do grupo e mentor de seus herdeiros por pelo menos doze
anos quando se licenciaria para ser senador. Dessa forma, verifica-se na história da
Votorantim uma preocupação em formar os sucessores de forma adequada e
selecionar aqueles mais capacitados para gerir a organização. Antônio Ermírio, em
mais de um momento, destacou a importância de um processo de sucessão bem feito:
“Você não faz uma sucessão em qualquer empresa por decreto. [...]
Você tem que fazer por competência. Então demora dez anos para
você organizar uma sucessão bem feita.”
“A sucessão começa nos bancos escolares. [...] A sucessão de uma
empresa se começa preparando os futuros dirigentes da empresa na
escola. E só os competentes terão o direito de administrar um
complexo como este.”
Dessa forma, a quarta geração começou a ser preparada ainda no final dos
anos 80, para que chegassem ao poder mais de uma década depois. O relato de um
dos entrevistados mostra que Antônio Ermírio proporcionou o mesmo processo pelo
qual passou durante as décadas de 1940 e 1950:
“O único filho que eu peguei foi o Luiz Ermírio, que fazia estágio
quando vinha da Universidade de Colorado. Todo filho dele que fez
engenharia foi estudar também na Universidade de Colorado, lá nos
EUA (eu estudei lá, você também vai estudar). Então o Luiz Ermírio
na minha época ia fazer estágio e eu acompanhava o Luiz. O Luiz
acompanhava a gente para saber o que estava acontecendo, como
era feito esse negócio todo. E tinha certa particularidade. As vezes a
gente saia para tomar uma cerveja ou outra em algum lugar:
- O Luiz, paga aí.
- Não, Paulinho. O papai só me dá a mesada tal. Eu não tenho direito
a mordomia não cara. Eu tenho a minha mesada aqui é de estagiário.
Ele tratava o filho dele como se fosse um camarada, entendeu? Ele
não tinha isso” (ENTREVISTADO 7).
243
Embora os filhos de Antônio Ermírio tenham seguido os passos do pai,
realizando seus estudos na Colorado School of Mines (escola referência em
engenharia e recursos naturais dos EUA), o mesmo não se verificou com os demais
herdeiros que se graduaram em faculdades de engenharia paulistanas. Percebe-se,
portanto, que embora o processo de planejamento da sucessão tenha se mantido, o
mesmo não ocorreu com o nível de capacitação obtida pela nova geração.
Com a decisão de profissionalizar o grupo, a quarta geração acabou se
retirando do dia a dia dos negócios. Assim, houve o afastamento das principais
lideranças da Votorantim, e uma parte significativa dos líderes deixou de ser formadas
internamente - apesar de a FGV ter desenvolvido uma MBA executivo exclusivo para a
Votorantim no ano de 2000. Em 2012, dezoito pessoas passaram a atuar em cargos
de liderança na Votorantim. Destas, apenas metade dos profissionais ascendeu
internamente. O restante foi trazido de outras empresas. Esse processo foi destacado
por alguns dos entrevistados.
“Ela está tempo a tempo sendo uma empresa cada vez mais
profissionalizada e mais voltada a resultado. Não atoa, se você pegar
a nossa diretora de gestão, o nome já é totalmente indicativo, é ex
diretora de recursos humanos da Ambev” (ENTREVISTADO 13).
Essa preferência pela contratação de profissionais externos para ocupar os
principais cargos de liderança fica evidente nos nomes dos presidentes dos principais
Votorantim Cimentos
negócios do grupo, apresentados a seguir:
1997 - 2005: Luiz Vilar de Carvalho
Origem: Interno
2005 - 2012: Walter Schalka
Origem: Externo (Dixie Toga - Embalagens)
2012 - 2014: Walter Dissinger
Origem: Externo (BASF)
Votorantim
Siderurgia
Votorantim Metais
244
2002 - 2012: João Bosco Silva
Origem: Externo (Alcan)
2012 - 2014: Tito Martins
Origem: Externo (Vale)
2008 - 2014: Albano Chagas
Origem: Externo* (Arcelor e CSN)
2012 - 2014: Carlos Rotella
Origem: Interno
* chegou na Votorantim em 2006
Ainda, João Miranda, que se tornou CEO da holding no início de 2014, chegou
ao grupo apenas em 2009, após ter seguido carreira no setor financeiro. Miranda
substituiu Raul Calfat que está no grupo desde a aquisição da Papel Simão, no início
da década de 1990.
Vale ressaltar, que os presidentes contratados não tinham necessariamente
experiência anterior no negócio, como fica evidente no caso da VC. Walter Schalka
que sucedeu Luiz Vilar (que tinha mais de três décadas de atuação na unidade de
cimentos do grupo), veio do setor de embalagens, sem ter nenhum conhecimento
sobre o ramo, conforme ele mesmo destacou:
“Eu cheguei na Votorantim Cimentos sem conhecer absolutamente
nada de cimentos. Eu tinha feito duas visitas à fábrica com o Fábio
Ermírio, várias conversas no escritório, mas não conhecia
profundamente cimento. Então, foi criado para mim um programa de
integração que eu achei fantástico. Eu passei durante dois meses
conhecendo todo o negócio da empresa. Os primeiros quinze dias, eu
passei sentando em sala de aula, aprendendo como se faz cimento,
todas as variáveis do cimento. Depois eu visitei várias fábricas, vários
CDs – centros de distribuição, eu visitei várias usinas de concreto,
conversei com muitas pessoas, conheci cada uma das áreas da
empresa, logística, finanças, comercial, industrial. Esse processo
para mim foi muito rico para que eu tivesse um aprendizado rápido e
pudesse gradativamente entender a dinâmica da indústria como um
todo”.
De acordo com Correa e Mano (2007), a passagem de bastão de Vilar para
Schalka não saiu do modo planejado. O plano inicial previa que Schalka permaneceria
durante oito meses apenas acompanhando a rotina da companhia antes de tornar-se,
245
de fato, o presidente. Entretanto, a transição teve de ser antecipada em dois meses
porque os acionistas perceberam que havia certa queda-de-braço entre os dois. A
saída foi empossar rapidamente Schalka e transferir Vilar para o conselho de
administração do grupo.
Essas mudanças acabaram influenciando o direcionamento das estratégias do
grupo. Já foi discutido, por exemplo, que a definição de uma política de orçamento no
ano de 2005, prejudicou o plano de manutenção das fábricas, conforme relato do
Entrevistado 4. Outro trecho de uma das entrevistas destaca a mudança de perfil dos
gestores, que deixaram de ter mesma capacitação de antes, prejudicando as
discussões técnicas, que se mostraram muito importantes para o crescimento da
Votorantim.
“Perdeu-se praticamente tudo. Alguns remanescentes como eu, mais
poucos contados no dedo estão na empresa. Então foi a pior coisa
que a empresa fez. Porque ela melhorou realmente em algumas
coisas. Mas ela não fez preservando o que era bom. E isso para mim
é o maior risco para o futuro da empresa. [...] Pouquíssima gente é de
carreira. Agora é tudo gente do mercado. [...] Muitos de outros
setores. Outros setores completamente diferentes. Então, veja, se
você vai comandar uma empresa de cerveja, no mínimo espera-se
que você conheça o negócio cerveja, saiba como se faz a cerveja.
Não ouviu falar. Tem que saber como que faz. Por que? Você vai
saber as dificuldades, na hora de estabelecer os pontos críticos,
colocar uma pessoa. Não digo CEO, né. CEO é uma pessoa que olha
a estratégia né. Mas, do nível operacional para baixo, não é
admissível. Pelo menos para mim que sou técnico. Como que eu vou
discutir com uma pessoa que eu tenho que dar satisfação, se a
pessoa não conhece a minha linguagem. Ele não vai me entender e
eu não vou entender ele” (ENTREVISTADO 6).
Vale destacar que uma evidência percebida como fundamental para a
institucionalização da organização e para a retenção dos talentos foram as lideranças
construídas ao longo da história do grupo. Essa importância é destacada no trecho a
seguir:
“O que eu percebi, uma coisa que eu percebi a vida inteira: o pessoal
trabalhando muito. Muita gente de muitos anos de firma. É uma
espécie de uma lealdade quase que assim, quase que de veneração
pelos acionistas. Uma coisa que a vida inteira eu acabei
presenciando isso daí dentro da empresa. Acho que é pelos contatos
que eles têm. Depois fui vendo, durante toda a minha vida dentro da
empresa, que é uma empresa que tem muita confiança nas pessoas.
A Votorantim tem uma confiança cega” (NILDO BENEDETTI).
Com o falecimento de José Ermírio de Moraes Filho em 2001 e o afastamento
de Antônio Ermírio por problemas de saúde, anos depois, o grupo acabou perdendo
246
essa referência. No trecho a seguir, apresenta-se um relato do entrevistado 6 que
destacou a perda desse DNA:
“A Votorantim até 90, até 2000, quem tocava a Votorantim, eram
pessoas antigas da empresa. Aquelas pessoas tinham o DNA da
família Moraes. Aquelas pessoas que realmente não tinha sábado,
não tinha domingo. Elas eram casadas com a empresa. A partir
desse momento, a empresa achou que tinha que oxigenar. Isso está
certo. A empresa precisa se renovar. Ela precisa se oxigenar. Mas o
que eu sinto, é que a empresa tinha coisas espetaculares e outras
não tão boas. E o que ocorreu a partir desta data. Não se manteve o
que era bom e melhorou-se outras coisas que não eram boas. Mas a
base que era tecnologia, que era a dedicação, que era a cultura
Votorantim, ela se perdeu. Então antes você não era promovido se
você não tivesse competência. Hoje, bastou você chegar com um
diploma, você está ocupando um cargo que quem está abaixo, não
aceita, não concorda. Então hoje nós temos uma estrutura que, na
minha opinião, não goza da credibilidade. Isso é ruim para o futuro.”
b) Recursos Operacionais
Como no caso da Matarazzo, a carência de mão de obra especializada no país
fez a Votorantim buscar funcionários capacitados no exterior.
Isso ocorreu
principalmente na indústria cimenteira. Junto com os equipamentos comprados da
dinamarquesa FL Smidth para a instalação da fábrica Santa Helena, José Ermírio de
Moraes contratou o engenheiro responsável para formar uma diretoria técnica para a
unidade de cimentos. Nos anos seguintes, outros técnicos nórdicos seriam trazidos
para compor o grupo. O dinamarquês Anker Hoffmann, que trabalhou por mais de três
décadas no grupo, relatou como foi contatado e recrutado pelo também dinamarquês
Jorge Forman Daspol, quando trabalhava na Suécia:
“Fui chamado por telefone, uma noite entre o Natal e o Ano Novo de
1945. Eu peguei o telefone e outro respondeu assim: - Aqui é Daspol.
[...] Eu estou aqui em paz, enviado pelo meu chefe da Votorantim. E
eu estou aqui e preciso arrumar alguns engenheiros que vão comigo
para tomar conta das instalações elétricas, e torres mecânicas. Mas
especialmente pensei em você porque você conhece muito bem.
Então eu convido você a voltar comigo”.
O mesmo processo foi feito na instalação da Nitro Química. Junto com a fábrica
que foi inteiramente importada dos EUA, José Ermírio também trouxe técnicos
americanos para instalá-la no Brasil e trabalharem no grupo.
Dessa forma, a Votorantim conseguiu antecipar as necessidades de recursos
humanos capacitados a medida que ia crescendo. Além disso, o grupo conseguia reter
o seu corpo técnico. Foi possível verificar nas entrevistas que a Votorantim era
reconhecida por manter profissionais de carreira, por um longo período no grupo:
247
“A Votorantim nunca foi muito de trocar funcionário. Eu entrei aqui em
81; quando eu vim para cá eu entrei no lugar de um senhor que fazia
serviço externo. Serviço de boy, serviço bancário. Ele tinha mais de
30 anos de Votorantim. Eu vim para substituir. Então, quer dizer, ele
mesmo falou: -É uma missão grande que eu vou te deixar. Porque eu
tenho 30 anos de vitória” (CARLOS CONFORTE).
Esse destaque dado pelos funcionários sobre os anos de firma é corroborado,
também, pela preocupação demonstrada pela Votorantim em reter os seus
empregados. O trecho do Relatório Anual de 1981, quando a economia brasileira
enfrentava dificuldades destaca a manutenção dos empregos:
“É essa a nossa maior satisfação – observamos que conseguimos
enfrentar com sucesso o grande fantasma que rondou a quase
totalidade das indústrias no período: o desemprego. O número de
nossos funcionários, que em 1980 registrou a cifra de 50.524, em
1981 aumentou para 52.304”.
Dez anos depois, Antônio Ermírio de Moraes falaria sobre o primeiro processo
de demissão em massa feito pelo grupo, que ocorreu durante o Governo Collor:
“É preciso resistir. Nós resistimos brilhantemente durante nove anos
(entre 1981 e 1990). No décimo ano veio o Plano Collor número 1 e
aí não foi possível. Foi a primeira vez que tivemos que demitir. E digo
o mais. Foi a experiência mais dolorosa da minha vida. Pois, quando
você demite, comete injustiças”.
Vale destacar, que o conhecimento era obtido, principalmente, através de
aquisição ou do desenvolvimento interno das tecnologias e disseminação entre os
colaboradores. Não fazia parte do perfil da Votorantim realizar treinamentos externos,
conforme relato apresentado a seguir:
“Lá ele não era muito a favor disso não (de treinamentos), de tirar a
engenheirada da área e ir para congresso. A filosofia dele é a
seguinte: -Eu não forneço mão de obra para terceiro. Porque se você
começa a fazer muito treinamento fora, ou ia para outro lugar, você
acaba contaminando, você acabava fazendo amizade com pessoas
de outros lugares” (ENTREVISTADO 7).
Dessa forma, com a retenção do seu corpo técnico, a Votorantim prezou pela
formação e desenvolvimento interno de seus funcionários. A partir da década de 1970,
foram citadas iniciativas visando a transferência de know how entre unidades da
Votorantim Cimentos. Parte significativa dessa mão de obra acabou sendo formada na
unidade de Rio Branco no Paraná, uma das principais e mais antigas do grupo. A
unidade que absorveu parte da mão de obra da Cimentos Itau, adquiridas anos antes,
foi a pioneira no desenvolvimento dos processos de racionalização de energia e esse
conhecimento passou a ser disseminado entre as demais fábricas.
248
“Nesse ínterim, outras fábricas, ou seja, outras regionais, tinham
interesse em transferir aquele know how que a gente desenvolveu lá
na Itaú Paraná para as demais unidades. Então mesmo naquela
época, a gente já começou a fazer um trabalho corporativo. Não
existia corporação mas a gente já começou a fazer um trabalho
corporativo. Como? Transferindo know how e dando treinamento para
as pessoas e fazendo missões” (ENTREVISTADO 6).
De acordo com os relatos dos entrevistados, essas unidades também
formaram a principal base de recursos humanos que foram trabalhar nas fábricas
adquiridas no exterior. Conforme já discutido, após a aquisição, a Votorantim mandava
uma equipe de técnicos para trabalhar na modernização e aperfeiçoamento das
fábricas, com o objetivo de coloca-las no mesmo patamar das unidades brasileiras. De
acordo com os relatos apresentados a seguir, a VC aproveitava ainda os seus
recursos humanos para que eles assumissem posições de liderança das fábricas no
exterior.
“Mas uma coisa que eu tenho assim, muito prazer, é que a gente
acabou ao longo dessas quatro décadas formando muitos
profissionais. Formando muitos profissionais e hoje estão espalhados
pelo mundo afora. Tem gente na “VCINE” que a gente chama, que é
Norte América, a Votorantim Cimentos da Norte América, que é EUA
e Canadá. Tem muita gente espalhada pelo Brasil e até um
pouquinho nas outras regiões do mundo aí. Além de a gente ter uma
maciça participação de formação nos quadros do Sul. Quando
tivemos um projeto de Vidal Ramos que rodou há três anos atrás e
mais a moagem de Imbituba que rodou também simultaneamente há
três anos atrás, as duas em Santa Catarina, eu diria para você que
100% das equipes foram montadas pela gente aproveitando
profissionais de casa. Santo de casa, aqui do Sul mesmo. Isso é uma
coisa bem importante.[...] Em Cimentos, a Votorantim mandou sim,
ela assumiu digamos, imediatamente, toda a operação da VCINE e
expatriou muita gente, bastante gente e desse bastante gente,
novamente, não há como negar que a grande maioria saiu aqui do
Sul. Porque como o Sul tinha as equipes mais prontas, com mais
experiência, etc, era mais ou menos natural que tivesse mais gente
disponível, digamos assim. Disponível no sentido de preparada para
ser expatriado. E isso aconteceu” (ENTREVISTADO 10).
“As que estão em funcionamento já entram, ela já entra já com os
padrões, com os processos e pessoas que já estão trabalhando na
unidade. Já as novas, o que que eles fazem, eles pegam, a
Votorantim ela busca o pessoal geralmente mais de base da região.
Então, nas unidades que eu participei que Xambioá e Vidal Ramos,
através do Senai eles fizeram uma seleção na região, treinaram as
pessoas para estar entrando na fábrica, através do SESI/SENAI.
Então, treinaram as pessoas para preparar elas para o startup da
unidade. E, geralmente, as pessoas de liderança elas vem, em
alguma maioria, ou pessoa sênior de algum lugar já na indústria, da
indústria que eu digo em geral, ou da própria Votorantim que é levado
para o local. Geralmente, dá-se preferência para pessoas da
Votorantim. Ou seja, uma promoção de alguém que sai de um cargo
de liderança e de chefia, uma supervisão, alguma coisa assim, vai
para um cargo de gerência lá. Outro que já estava numa gerência de
área vai para uma gerência de fábrica. E assim vai. Ou já era um
249
gerente de alguma fábrica e passa para gerente daquela fábrica. Ou
seja, a liderança geralmente nessa primeira etapa, ela é aproveitada
já da própria Votorantim. Tenta-se aproveitar as pessoas internas e aí
você aproveita também todos os padrões” (ENTREVISTADO 5).
Com a expansão geográfica e de escopo de suas atividades, nos últimos anos
a Votorantim desenvolveu programas incentivando o desenvolvimento e retenção de
talentos, além da disseminação dos valores do grupo.
O Sistema de Liderança Votorantim, criado em 2005 com o objetivo de
desenvolver profissionais de destaque na organização, foi reformulado em 2007 e
passou a envolver também outros níveis funcionais, gerando o Sistema de
Desenvolvimento Votorantim (SDV). As duas principais iniciativas do SDV são o
Movimenta e a Academia de Excelência.
O primeiro é uma universidade corporativa que visa o desenvolvimento das
habilidades pessoais e gerenciais e o aperfeiçoamento técnico dos funcionários da
Votorantim. No ano de lançamento quatro mil colaboradores foram treinados, num total
de setenta mil horas/aula. O anexo 6 apresenta a evolução do número de horas
trabalhadas por funcionário. Esse processo foi destacado pelos entrevistados:
“Uma das coisas mais interessantes dos treinamentos que eu to
participando pelo menos, é que é com gente de todas as empresas
do grupo, então você acaba fortalecendo o networking, assim, dentro
do grupo também. Eu não faço treinamento só com o pessoal da
CBA. Eu faço treinamento com várias pessoas de várias empresas
diferentes. [...] Esses treinamentos não tem nada a ver com a área
que eu trabalho, entendeu. É como se fosse um programa de trainee
mesmo. Faço treinamento de gestão de projetos, gestão financeira,
gestão de pessoas, essas coisas, entendeu. É bem abrangente”
(ENTREVISTADO 9).
“É esse que chama Academia de Excelência que fica em São Paulo e
tem os programas. Então, quando você está na empresa você tem
uma carteira de capacitações que você tem que fazer a cada ano.
Você tem uma visão de quatro anos, mais ou menos. Por ano,
quantos treinamentos você tem que fazer. E isso é ministrado, é
coordenado pelo DHO que é ligado a essa Academia de Excelência,
mas é feito interno. [...] Já existe um programa e junto com o gestor,
ele define mais ou menos dentro desse convívio que vai tendo e aí
tem já tem um programa definido de quais são as capacitações que
você tem que ter e aí define, nesse ano você tem esse rol de
capacitações para você fazer. Só para você ter uma ideia, você se
desloca daqui, vai para São Paulo, fica por conta da empresa, você
tem todos os custos. Tem um custo envolvido aí que a empresa paga
por isso. E essa é a grande diferença, não são todas as empresas
que fazem isso. Nesse período que eu fiquei como CSN eu tinha
algumas capacitações, mas não desse nível estratégico para a área
de gestão. Ela foca muito isso, capacitação e ordenação para a parte
de gestão”.
250
A segunda iniciativa busca organizar e incentivar a mobilidade dos funcionários
entre setores e regiões, através do programa chamado Movimenta. Por meio dele, as
vagas abertas ficam a disposição entre os profissionais de todas as empresas,
conforme destacado pelos depoentes:
“Existe um processo chamado Movimenta, não sei se você já estudou
sobre isso. Movimenta é o seguinte: Cada unidade dessa, quando
aparece uma vaga ou uma função para ser ocupada, é disseminada
dentro do grupo, de todos os grupos, Votorantim Siderurgia, aparece
para todos os funcionários, via e-mail e você pode se candidatar.
Então tem umas regras para você se candidatar. Isso eu achei muito
legal. Isso é um outro diferencial porque em empresas grandes não
tem isso, é muito difícil porque uma estratégia de promoção das
pessoas é muito localizada, muita política é definida em cada
empresa. Na Votorantim esse acesso, por exemplo, se aparecer para
mim uma oportunidade que me interessa, que possa ganhar mais ou
ter um GS, um padrão mais alto numa empresa da Cimentos, eu
posso entrar e participar do processo. Então, esse é um exemplo que
eu to te dando, de como ela trata. Todos tem acesso às
movimentações” (ENTREVISTADO 3).
“Existe um processo que é chamado Movimenta. Então, você é um
profissional do grupo Votorantim. As oportunidades elas são
compartilhadas. Então, tem uma vaga na VM, todo mundo está
sabendo. Todo mundo que tem interesse e pode concorrer a uma
vaga. E há uma preferência de profissionais do grupo Votorantim.
Essa troca de profissionais, ela é saudável e é incentivada”
(ENTREVISTADO 12).
Apesar das iniciativas, os números mostram que muitos dos funcionários são
contratados externamente. Em 2012, das 165 vagas disponibilizadas pelo programa,
98 (60%) foram preenchidas com recursos internos, sendo o restante dos profissionais
recrutados no mercado. Ou seja, a movimentação interna representou apenas 0,2% de
um universo de quase 44 mil funcionários. No mesmo ano, a rotatividade foi de 19%,
com quase sete mil funcionários sendo desligados da empresa e o tempo médio na
empresa foi de sete anos (anexo 6). Embora não tenha sido possível encontrar dados
referentes aos outros anos para efeito de comparação, os relatos dos entrevistados
aliados a esses números sugerem que o grupo tem tido dificuldade em reter pessoas
nos últimos anos.
7.2.5
Desafio da Gestão da Complexidade
A descentralização da gestão e a divisão das empresas de cimentos em
regiões independentes colaboraram para a redução da complexidade organizacional.
Além disso, as evidências coletadas sugerem a adoção de processos sistemáticos de
soluções problemas, envolvendo a coleta de dados, análise, tomada de decisão e
implementação em grande parte da trajetória do grupo. Todavia, o mesmo nível de
251
gestão da complexidade e de resolução de problemas de forma sistemática não foi
constatado na história recente.
Quando decidiu dar um passo para avançar na produção de algodão,
construindo a Fábrica Santa Helena, Pereira Ignácio foi para os EUA trabalhar e
conhecer a fundo o negócio e as técnicas de produção. Essa iniciativa marca,
portanto, a intenção de estudar e analisar as melhoras alternativas para o seu
empreendimento antes de fazer a sua implantação. Iniciativa parecida seria realizada
no momento da aquisição da fábrica têxtil Votorantim, o grande passo seguinte que
seria dado pelo empreendedor. Como a empresa enfrentava problemas financeiros,
Pereira Ignácio retornou para os EUA, desta vez para buscar soluções para contornar
a situação financeira da fábrica. Retornando ao Brasil, decidiu refazer uma reavaliação
de ativos, comprar a parte de seus sócios e por em prática mudanças estatuárias, que
incluíram o reinvestimento sistemático dos dividendos. Em 1997, Antônio Ermírio
destacou a importância de manter o controle sobre os negócios para que fosse
possível reinvestir os lucros para impulsionar o crescimento dos empreendimentos.
“Todo e qualquer empresário no Brasil nasce como uma empresa
familiar, mas a meta dele final é realmente abrir o capital. Isso é uma
questão de tempo. Mais uma duas gerações a Votorantim estará
aberta. Ninguém se mantém fechada a vida inteira [...] Mas no
começo você tem que concentrar para poder colocar o foguete em
órbita”.
Portanto, constata-se que solução de problemas de forma sistemática está no
imprinting da Votorantim. Com a chegada de José Ermírio ao grupo, com
conhecimentos técnicos e formação superior, esse processo seria fortalecido, com a
implantação de projetos pioneiros no país.
Nos principais negócios criados pelo grupo nas décadas seguintes, foi possível
verificar a preocupação em resolver os problemas de forma sistemática. Na formação
da siderúrgica, por exemplo, José Ermírio prospectou jazidas de minério na região de
Sorocaba, onde estavam concentradas as suas principais unidades. Entretanto,
concluindo que as minas do local eram limitadas, decidiu implantar a fábrica no sul do
Estado do Rio de Janeiro. O empresário havia trabalhado anteriormente em Minas
Gerais prospectando as jazidas do Estado e, assim, concluiu que seria possível
comprar minério da região e leva-lo até Barra Mansa. Ou seja, houve uma coleta e
análise de dados, considerando as implicações futuras para o empreendimento, que
acabaram levando o grupo para uma nova localidade.
A implantação da CBA, por sua vez, levaria quatorze anos e envolveria a busca
por soluções tecnológica nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa, quando
finalmente o grupo conseguiria adquirir o projeto completo de uma fábrica. Não havia,
252
no entanto, disponibilidade de energia para a construção da unidade na região de
Sorocaba. Diante das respostas negativas da Light, a solução foi contratar uma
empresa de engenharia para construir uma usina própria de geração. Todavia, a
contratada acabaria entrando em falência. Por isso, a Votorantim assumiria a obra,
iniciando, assim, o desenvolvimento de uma grande expertise em energia. Assim,
passaria a construir as próprias usinas para suprir grande parte de sua demanda
energética. Além disso, ainda na década de 1950, Ermírio Pereira de Moraes passaria
a prospectar e comprar as primeiras terras para reflorestamento, com o intuito de
plantar eucaliptos e produzir carvão vegetal.
Por consequência dessas iniciativas, em 1990, o custo do quilowatt-hora
produzido pelas hidrelétricas da Votorantim era de oito centavos de dólar, enquanto
que o fornecido pela Eletrobrás era de trinta e dois centavos. Na CBA, o consumo de
energia no processo de eletrólise era 7% inferior à média mundial. Na parte química, o
consumo era 28% inferior ao restante do mundo.
“Onde fomos buscar esses ganhos de energia? Estudando, refletindo,
procurando visitar outros” (ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES).
A implantação da CBA traz outra evidência que destaca a fuga de soluções de
“apaga incêndio”. Quando percebeu que a fábrica estava operando de forma
ineficiente, Antônio Ermírio decidiu coloca-la abaixo e construí-la de novo. Assim, em
dois anos ela estaria funcionando novamente, com uma produção quatro vezes
superior em relação ao volume da sua inauguração.
“Difícil modernizar uma empresa. Precisa trabalhar 12 horas por dia
para conseguir cumprir o plano. Se bastasse dar a ordem, entraria as
07:00 e sairia as 07:30 da Votorantim, todo o dia” (ANTÔNIO
ERMÍRIO DE MORAES).
Os relatos de funcionários também indicam um processo sistemático para
desenvolver tecnologias e implementar projetos. O entrevistado 6 que descreveu os
projetos de eficiência produtiva desenvolvidos pelas fábricas de cimentos, destacou
que desde que entrou no grupo, na década de 1970, havia um processo de análise exante à execução dos projetos:
“Não faz parte da nossa política, desistir. A gente não começa um
projeto sem que ele tenha sido avaliado nos critérios econômico,
científico e estratégico” (ENTREVISTADO 6).
O consultor técnico Nildo Benedetti também narrou uma experiência que
passou na Finlândia quando foi conhecer um processo produtivo para que depois
trouxesse para o Brasil de forma pioneira:
253
“Depois teve um projeto de mina subterrânea que teve que ser feito
lá. Eu passei cinco meses lá na Finlândia fazendo um estágio. Ah,
para mim foi uma experiência boa porque eu aprendi muito. Eu fui lá
para aprender, então eu tive contato com pessoas que sabem bem do
que estão falando. [...] A mina era um trabalho novo para mim e um
trabalho novo também no Brasil, porque a mineração de calcário
subterrânea era uma mina pioneira na época. Não havia outra de
calcário aqui no Brasil. Por isso eu tive que ir para a Finlândia. E eu
fiz estágio de cinco meses lá” (NILDO BENEDETTI).
A Votorantim também conseguiu desenvolver um método sistemático para
coordenação e acompanhamento dos resultados. Apesar da descentralização da
gestão ter contribuído para amenizar a complexidade do conglomerado, ainda havia
uma pressão para coordenar as diversas unidades que englobavam cada uma das
divisões. Em épocas nas quais não haviam sistemas informatizados, os relatos dos
funcionários indicam para a elaboração de um método que possibilitava ao gestor
receber informações das fábricas e compará-los com padrões. Isso exigia um
processo sistemático de manipulação dos dados e síntese de informações.
“Todos os dias, às oito horas em ponto, eu informava ao doutor Clóvis
a situação de todas as fábricas da Votorantim no Nordeste. Então, na
época, você não tinha comunicação, não tinha computador, não tinha
nada disso. E nós tínhamos um sistema de rádio. Por eles as fábricas
informavam as produções, as saídas, e eu diariamente repassava os
dados para o doutor Clóvis Scripilliti. Não existiam férias nem nada,
ligava até quando estava no exterior” (HENRIQUE SILVEIRA).
“O doutor José acompanhava todas as fábricas e, com bastante
cuidado, com bastante atenção. Só que ele recebia muito papel, não
dava tempo de ler tudo. Então, a gente desenvolveu formas de
acompanhar os grandes números, e preparava relatórios nos quais
esses grandes números eram anotados e comparados com
anteriores, comparados com padrões” (VALDEMAR MARTINEZ).
Os movimentos de aquisição de outras empresas, que começaram a ser
realizados durante a década de 1970 também levaram ao desenvolvimento
sistemático para a integração dos novos negócios. O relato do entrevistado 4
demonstra a visão interna do processo de aquisição. Já Mario Fontoura apresenta a
visão de alguém que trabalhava em uma empresa comprada pela Votorantim. Em
ambos os trechos, fica evidente a preocupação em analisar e conhecer as fábricas
com o objetivo de e trazer novos conhecimentos para o grupo.
“A compra dessas novas fábricas, nós tínhamos o nosso diretor
presidente, o engenheiro Vilar, era um diretor técnico. Ele conhecia
profundamente a parte técnica de uma fábrica de cimentos. Fora
também uma grande expertise também na parte administrativa,
financeira, etc. Então, na hora que você vai comprar uma empresa no
exterior, ele mandava equipes para analisar, então a escolha de
fábricas tinha a ver com análise de mercado, análise das condições
254
da fábrica e do que poderia ser feito no sentido de melhorá-las.
Decidiu fazer a compra aí então... alguns projetos de melhorias,
alguns brasileiros foram expatriados para os EUA e Canadá afim de
concretizar essas melhorias, afim de colocar o padrão de que a gente
se orgulhava, o padrão da Votorantim Cimentos e espalhar isso nas
nossas fábricas no exterior também” (ENTREVISTADO 4).
“Pela função de químico chefe, houve um evento interessantíssimo.
No primeiro momento de entrada física, digamos, da Votorantim, os
dois diretores da época, Senhor Castorino Rodrigues, que era um
gerente, diretor-geral, digamos, aqui no Paraná, da Votorantim; e
Jorge Luís de Carvalho, que era diretor das fábricas, foram a Itaú do
Paraná e procuraram exatamente o químico chefe, que
coincidentemente era eu. E nós passamos o primeiro dia,
praticamente no primeiro dia, fomos nós três debatendo sobre... Eu
explicando todos os procedimentos e os detalhes da Itaú do Paraná.
E passamos, realmente, um longo dia, aliás, eu lembro bem. E
algumas novidades para eles, que nós fazíamos” (MÁRIO
FONTOURA).
Um ponto de atenção foi identificado no processo de profissionalização
empreendido pelo grupo neste século. Já se apresentou algumas consequências
negativas desse processo, como a contratação maciça de executivos, redução da
capacidade técnica e a perda da liderança institucional como a exercida por Pereira
Ignácio e por José Ermírio de Moraes e seus filhos.
Além disso, em um período de pouco mais de uma década, o grupo realizou
várias mudanças em sua estrutura. Em um primeiro movimento criou diretorias
corporativas e colocou as empresas do grupo sob uma mesma gestão, dividindo-as
em cinco unidades de negócio: Industrial, Negócios, Finanças, Novos Negócios e
Energia. Além disso, foram criadas diretorias corporativas visando o compartilhamento
de recursos.
Nos anos seguintes, as duas últimas seriam extintas, chegando-se à estrutura
apresentada na figura 7-9.
255
Figura 7-9 – Estrutura Organizacional da Votorantim em 2010
Conselho de
Administração
Conselho de
Família
Conselho do
Instituto
Votorantim
Participações
(VPAR)
Diretorias
- Auditoria
- Gestão de Riscos
- Instituto Votorantim
- Jurídico
- Relações Institucionais
Votorantim
Novos Negócios
(VNM)
Votorantim
Industrial (VID)
Votorantim
Finanças (VF)
Diretorias
Corporativas
Votorantim
Cimentos (VC)
Votorantim
Siderurgia (VS)
Fibria
Citrovita
Votorantim
Metais (VM)
Votorantim
Energia (VE)
Fonte: Adaptado de Votorantim, Relatório Anual 2010
A partir de 2013, no entanto, a organização fez um movimento contrário. As
diretorias corporativas começaram a ser desfeitos e cada empresa da VID começou a
se estruturar e desenvolver os próprios departamentos, seguindo o modelo de
governança praticado pela Fibria, conforme destacado pelo entrevistado pela
organização:
“Após utilizarmos um modelo centralizado, que permitiu capturar
significativas sinergias entre as empresas, disseminar as melhores
práticas e criar um padrão único de gestão, consideramos estar
prontos para a promoção de um modelo mais descentralizado e mais
apropriado ao novo momento de nossos negócios, cada vez mais
complexos e de escala global. Com essa nova governança, ao
mesmo tempo em que garantimos a preservação de nossos valores,
tornamos as companhias mais ágeis em suas decisões e mais
eficientes em suas operações” (VOTORANTIM, 2014).
Dessa forma, a Votorantim chegou a um modelo mais descentralizado,
apresentado na figura 7-10.
256
Figura 7-10 - Estrutura Organizacional da Votorantim em 2014
Fonte: Votorantim (2014)
Esse processo de descentralização vem sendo implementado de empresa em
empresa e sinaliza uma intenção de estruturar os negócios e prepara-los para a
abertura de capital, conforme destacado nos relatos a seguir:
“Você tinha uma holding que fazia a gestão e em alguns casos
operava para as unidades de negócios. Agora não mais. As
empresas vão ter independência. Por exemplo, você tinha uma área
de RH que era corporativa. Ajudava VC, VM, VS. Não vai ter mais.
Você tinha uma tesouraria que cuidava do caixa de todas as
empresas, com exceção da Fibria. Isso não vai ter mais. As empresas
vão ter que estruturar a sua tesouraria. Por que qual é o objetivo? O
que os acionistas estão percebendo? Que esse ambiente de
governança da Fibria, ele é muito positivo. Ele torna o processo mais
transparente, a prestação de contas, ela é mais robusta. Então, é
esse movimento que eles estão fazendo. Eles estão aprimorando os
controles dessas empresas, dando autonomia para executar algumas
atividades que até então não executavam, e aí o acionista vai
participar do conselho de cada empresa. Elas devem migrar para um
modelo muito parecido, que hoje existe na Fibria. A VC é a que está
mais adiantada. Até mesmo porque ela queria abrir capital. E aí na
sequencia,
eles
vão
estudar
as
próximas
empresas”
(ENTREVISTADO 12).
“A Votorantim Cimentos ela acabou adiando agora, por questões de
mercado, etc., a abertura de capital dela. Mas ela já está se
estruturando tal qual uma empresa de capital aberto, para depois
quando abrir capital só continuar jogando o que já está tudo
formatado. Então, nessa reformulação mudou-se o papel da VID com
relação à gente. A VID passou efetivamente, hoje em dia, a ser o
nosso conselho de administração. Então, report para a VID, etc.,
reduziram bastante e agora todas as informações são demonstradas
e apresentadas via conselho, via reuniões específicas de acionistas.
A VID continua fazendo o papel de acionista único. [...] As conversas
257
sempre foram no sentido de vamos nos preparar para ter um modelo
de gestão robusto, independente de sermos de capital aberto ou não,
mas que nos possibilite tomar a decisão no momento em que a gente
achar adequado de ah, vamos abrir o capital. Então, a empresa foi
evoluindo para ter um modelo de gestão excelente e isso já era
alinhado a criar essa possibilidade para ela, entendeu. E aí, no
momento que se decide vamos abrir capital, você tinha mais alguns
ajustes para fazer, mas já tinha muita coisa adiantada. Mas se você
falar: A criação de uma área de finanças robusta há dez anos atrás, já
era um caminho a ser percorrido porque não tem como abrir capital
de uma empresa que não tem informações financeiras robustas.
Então, teve toda a estruturação de uma área de finanças, você
começou a criar uma área de gestão de riscos. Em 2011, como eu
falei, você teve lá a implementação da Sox. São confortos que você
vai dando ao mercado para num momento de abertura de capital
você já estar respaldado.” (ENTREVISTADO 13).
Não foram encontradas evidências consistentes dos motivos que levaram às
mudanças do direcionamento nesse curto espaço de tempo - de um modelo
centralizado para o oposto. O comunicado da empresa coloca a mudança como algo
planejado e fruto de um novo cenário de competição global. Relatos sugerem que está
relacionado à iniciativa de preparar as empresas individualmente para a abertura de
capital. Essas mudanças de estrutura, no entanto, acabaram gerando um movimento
de um pêndulo, no qual a Votorantim busca a melhor governança possível para o
grupo. Assim, as recorrentes alterações em um curto espaço de tempo acabam
fomentando
o
aumento
da
complexidade,
podendo
fazer
com
que
essa
descentralização traga outras consequências para o grupo.
Uma delas está relacionada ao risco da possível perda da identidade da
organização, uma vez que diferentemente de outros tempos, os executivos à frente
dos negócios não são mais os membros da família e sim executivos contratados no
mercado. Vale destacar que, em 2012, a Votorantim vendeu a sua sede central para o
Governo do Estado de São Paulo. Assim, os escritórios que ficavam nesta sede se
dispersaram entre as demais unidades do grupo.
O outro está relacionado às perdas de sinergias em decorrência do
compartilhamento de recursos entre as unidades, reduzindo parte dos esforços
realizados desde a implantação do SGV em 2002.
7.2.6
Gestão da Folga Organizacional
Uma organização pode se utilizar de seu excedente de recursos para crescer
de uma forma saudável e também ter uma proteção diante das oscilações do
ambiente. A análise da trajetória da Votorantim mostra que o grupo conseguiu
desenvolver e trabalhar com a gestão da folga para realizar seus movimentos de
258
expansão, principalmente em épocas de crise. Entretanto, nos últimos anos foram
encontradas, também, evidências que sugerem a redução dessas folgas.
a) Recursos Produtivos:
Uma preocupação de José Ermírio de Moraes na sua missão de contribuir para
a industrialização brasileira foi a de formar um complexo industrial independente do
Estado, através da integração entre as fábricas.
Três unidades teriam um papel fundamental nesse processo: A Siderúrgica
Barra Mansa que produzia aço, a Metalúrgica Atlas (a “fábrica das fábricas”), que tinha
o objetivo de produzir grandes equipamentos e estruturas para as unidades do grupo,
e a Ibar que produzia tijolos especiais para os fornos de cimento. Dessa forma, a
Votorantim passou a desenvolver e construir parte da estrutura de suas fábricas
internamente.
Além disso, concomitantemente aos processos de expansão das fábricas, a
Votorantim
seguiu
investindo
em
capacidade
energética,
aumentando
a
autossuficiência desses negócios que são intensivos no uso de energia. A empresa
chegou em 2014 com trinta e três usinas hidrelétricas e autossuficiência de 70%.
“Então, um quilo de alumínio é quase que um gerador de energia. Se
você desintegrar ele, 1 kg de alumínio, você está gerando 15 KwH.
Por isso, que quem vai fazer alumínio tem que ter uma usina, tem que
ter as usinas particulares. Se ele comprar energia, ele não consegue
fazer, ter o rendimento dele. Ele praticamente tinha 60% de geração
dele [...] Ele como era de Votorantim, ele já tinha a terra dele ali. Uns
5 mil alqueires disponíveis, uma fazenda, aquele negócio todo ali. E
ali para o lado de Juquiá, ali para o lado, como é que chama aquela
região de São Paulo ali, uma região de São Paulo que vai para o
Paraná... Então, ele tinha mais ou menos agregadas ali umas cinco
usinas pequenas, não era usinas grandes. Ele já tinha uma usina. Por
isso que ele segregou ali. Como Minas não tinha disponibilidade de
energia e ele já tinha energia lá, ele foi fazer lá. Como tinha a Fepasa,
a integração com a rede ferroviária era mais ele trazer o minério de
Minas do que fazer lá em Minas Gerais. Ele falou o minério pode vir
transportado tranquilo, o problema meu aqui é energia e energia eu
tenho em São Paulo que é Mairinque. É em Alumínio que era próxima
a Mairinque e que a energia dele vinha de Votorantim, que ele tinha
usina em Votorantim e usina que ele aproveitou do rio juquiá, naquele
lado ali de São Paulo. Ali ele fez várias usinas e agregou o sistema
dele. Então o problema básico dele, do porque ele não fez em Minas
Gerais foi problema de demanda de energia” (ENTREVISTADO 7).
Dessa forma, a organização conseguiu desenvolver um processo de
crescimento baseado em folgas produtivas, conforme é demonstrado na figura 7-11.
As expansões produtivas das unidades de produção de cimento e de metais geravam
um mecanismo de reforço que se dava através do aumento da capacidade energética
e das fábricas fornecedoras de material refratário e de equipamentos. Essa expansão,
259
por sua vez, intensifica o desequilíbrio de recursos da organização, fomentando o
crescimento através do motor do crescimento contínuo.
Figura 7-11 – Expansão da Votorantim através de mecanismos de auto reforço
Finalmente, a Votorantim também buscou a verticalização dos seus negócios,
conseguindo acesso à matéria-prima, ficando menos dependendo do mercado. Essa
estratégia ficou evidente no caso da CBA que se tornou a maior fábrica integrada de
alumínio do mundo. Na siderurgia, a Votorantim também comprou jazidas de minério
em Minas Gerais, no ano de 1955. Ainda a partir da década de 50, expandiu a atuação
na indústria química, produzindo produtos utilizados pela Nitro Química e também pela
CBA no processo de fabricação do alumínio. Ainda, instalou unidades de fabricação de
ácido sulfúrico em fábricas de cimento para racionalizar a produção.
A mesma preocupação foi constatada na implantação da Citrovita e da VCP.
Junto com a construção da fábrica de processamento de suco, a Votorantim comprou
áreas para o plantio e fornecimento de ao menos 50% de sua produção. Para garantir
a outra metade, o grupo lançou um programa para financiar os agricultores da região.
Na ampliação do processo de produção de celulose, através da aquisição da Celpav, a
empresa também conseguiu ter autossuficiência na produção de celulose.
“O ponto forte dela é a industrial de transformação total, desde a
matéria prima, até o produto final. Esse era o ponto forte dele. O
segundo ponto forte dele é que ele fazia, é que ele conseguia fazer o
alumínio abaixo do preço das outras, devido a ele ter a energia dele,
entendeu. E o terceiro que ele tinha a tecnologia dele. Por exemplo,
ele tinha a Metalúrgica Atlas que fornecia o material para ele. A
siderúrgica de Volta Redonda que fornecia aço para ele. Deixa eu
tentar lembrar o negócio todo aqui. Coque, que era redutor, que ia
fazer alumínio, ele pegava da Petrobrás a preço de banana, preço
bem barato” (ENTREVISTADO 7).
Um fato recente pode, no entanto, sinalizar para a queda na gestão da folga
produtiva. Em 2014, a exaustão da mina de bauxita em Poços de Caldas fez com que
o grupo passasse a recorrer a terceiros para não paralisar a sua produção de
alumínio. Isto porque, com a interrupção de outorgas de lavra pelo governo, a
260
companhia não conseguiu licença para exploração. Vale destacar que a última
expansão realizada pela CBA ocorreu em 2008 e as vendas estão próximas da
capacidade máxima. O mesmo pode ser observado na produção de zinco, que chegou
ao nível atual também antes da crise e tem pouca capacidade ociosa.
A tabela 7-11 apresenta uma relação entre as capacidades produtivas e o
volume vendido em 2012.
Tabela 7-11 – Resumo da capacidade e vendas da VM
Capacidade de
Produção ao Ano (mil t)
Vendas (mil t)
% Ocioso
Alumínio
475
448
6%
Zinco
730
672
8%
34
25%
Níquel
1
45
1
Desse total, 25 mil são de níquel eletrolítico e 20 mil de níquel contido em mate de níquel
b) Recursos Humanos
Um dos aspectos identificados no perfil da Votorantim foi a preocupação na
formação de recursos humanos qualificados para o negócio. As evidências
apresentadas a seguir podem sugerir que houve em determinados momentos a
formação de um excedente de recursos humanos para a organização.
Diferentemente da Matarazzo que carecia de membros da família preparados
para assumir o negócio, o processo sucessório da Votorantim permitiu a formação de
profissionais que puderam levar adiante o processo de expansão do grupo. Vale
destacar que a própria presença de José Ermírio como diretor e se reportando à
Pereira Ignácio durante uma época em que a indústria era incipiente e a formação
técnica e gerencial era quase que inexistente, gerava uma vantagem de capital
humano em relação à concorrência.
Na expansão das fábricas de cimentos, a Votorantim conseguiu formar um
pulmão técnico através da contratação de engenheiros dinamarqueses que, por sua
vez, desenvolveram profissionais internamente no grupo. Com essa equipe, a
empresa conseguiu realizar expansões por cerca de trinta anos. Entretanto, a partir da
década de 1930, a formação de recursos humanos não acompanhou o crescimento da
organização, criando o gargalo para a expansão das empresas de cimento. A solução
encontrada pelo grupo foi adquirir concorrentes que o grupo julgava que tinham boas
fábricas e equipes qualificadas. Dessa forma, através das aquisições realizadas nas
décadas de 1980 e 1990, a Votorantim conseguiu absorver mão de obra especializada
ao mesmo tempo em que continuava crescendo:
261
“Até que o gargalo do crescimento passou a ser a oferta de
conhecimento humano, de pessoas capazes de tocar uma fábrica.
Porque pessoas com esse perfil não são fáceis de serem localizadas
no mercado, são empreendedoras, são pessoas que acabam fazendo
às vezes do dono. Então, a Votorantim passou a comprar outras
fábricas como a Cimento Itau e a Cimento Santa Rita. Fábricas que já
vieram prontas, em funcionamento, com o seu pessoal administrativo
já contratado. Quer dizer, só trocou o acionista” (VALDEMAR
MARTINEZ).
Três dos entrevistados durante a pesquisa entraram no grupo através da
aquisição da Cimentos Itau. No primeiro relato apresentado a seguir, o funcionário
destaca a formação de uma equipe forte e que era até excedente para as
necessidades operacionais das empresas. No trecho seguinte, verifica-se que após o
processo de integração, funcionários da Cimento Itau foram absorvidos e assumiram
posições de supervisão e gerência nas fábricas da Votorantim.
“Ao mesmo tempo em que a estrutura que foi montada de
profissionais da Itau, era uma estrutura bastante forte, bastante
competente. A Itau do Paraná estava preparando uma equipe de
profissionais para entrar nessa licitação e operar essa moagem. Ela
estava inclusive preparada para operar uma moagem que foi
instalada em Itaipu, para a Itaipu. Para ser... feita a obra da barragem
de Itaipu. Essa moagem foi montada, não por nós. Mas pelo próprio
consórcio de Itaipu, Brasil-Paraguai, nunca chegou a operar. Mas a
Itaú do Paraná estava preparando uma equipe de profissionais para
entrar nessa licitação e operar essa moagem E, também esse fato
que eu estou citando, ele foi um motivo que por um bom período, a
estrutura era um pouco até excedente à necessidade de profissionais
para dividir depois com essa segunda opção” (MÁRIO FONTOURA).
“No final de 76, virada para 77, o Grupo Votorantim comprou o
controle acionário do Grupo Itaú. Comprou todo o ativo do Grupo Itaú.
Portanto, naquela oportunidade eu fui comprado, digamos. Isso foi
uma mudança que em alguns casos, foi mais importante, em outros
foi pouco importante. E no nosso caso como nós estávamos aqui em
Rio Branco do Sul, muito próximos da maior fábrica, uma das maiores
fábricas que eles tinham que é em Rio Branco do Sul e Itaú era em
um município chamado Itacuruçu que é aqui ao lado. Isso fez com
que eu e os colegas que trabalhavam na Itaú tivessem uma
integração, uma interferência diretamente imediata, questão do dia
seguinte com o grupo Itaú. Com o Grupo Itaú não, com a Votorantim.
Esse foi o primeiro, da minha carreira de cimentos, foi o primeiro que
teve uma importância grande porque de um dia para o outro passei a
entrar em um grupo muito maior do que eu estava antes. E também
eu imediatamente assumi a gerência da fábrica de Itacuruçu, que eu
estava trabalhando” (ENTREVISTADO 10).
Durante o processo de crescimento e internacionalização experimentado pela
Votorantim Cimentos, os relatos dos entrevistados indicaram também que engenheiros
e supervisores formados internamente foram expatriados para assumir funções nas
novas fábricas, sinalizando a existência de folga de recursos. No entanto, a
262
contratação de muitos executivos no mercado denota a carência de profissionais com
esse perfil dentro do grupo, e consequentemente, pode sinalizar a ausência de folga.
No ramo siderúrgico, que também apresentou um grande crescimento com a
construção de duas novas usinas no Brasil e aquisições na Argentina e Colômbia, os
relatos de dois entrevistados mostraram que houve uma necessidade de contratação
em massa de profissionais, conforme relato apresentado a seguir.
“Em 2006/07, ela vendia uma quantidade ano. E hoje ela está
vendendo duas, três vezes. Mais que dobrou. Então esse boom, esse
crescimento, eu acho que isso, demanda... Alguns departamentos
não cresceram. Não pensam como empresa grande. Ainda pensam
como empresa pequena. Como uma coisa meio caseira. Então essa
necessidade de profissionalismo, talvez demorou um pouco. Para a
empresa, na verdade ela foi empurrada. Quando uma empresa
cresce rápido assim em tão pouco tempo, dificilmente ela está
preparada para esse crescimento tão rapidamente. [...] Então, essa
época foi tumultuada. Nova para todo mundo que estava ali,
principalmente porque todo mundo tem muito tempo de casa. Mas ao
mesmo tempo que pegou uma galera com muito tempo de casa,
chegou uma galera muito nova de mercado. Pessoal da CSN,
Gerdau, Arcellor. Gerdau foi a que comprou várias empresas né.
Então, várias culturas juntas ali. Então foi um momento que, se tinha
uma cultura na empresa mais antiga, uma galera mais velha, não
muito antenada e aí a gente recebe quase 50% dos funcionários
formados por diversas culturas siderúrgicas, de empresas que
também tinham velhas culturas. Para você moldar isso numa cultura
única, isso leva um tempo. Isso talvez tenha sido a parte mais difícil,
do começo. Não só técnico mas a parte cultural, entendeu. Cada um
tem uma maneira de pensar diferente ali” (ENTREVISTADO 2).
.
Portanto, esses indícios podem sugerir que a formação dos serviços gerenciais
da organização não acompanhou o crescimento do grupo durante o processo de
internacionalização em algumas das unidades.
c) Recursos Financeiros
A formação de um “pulmão” financeiro para realizar as expansões e,
principalmente, para enfrentar os momentos de crise, foi identificada como um traço
marcante na trajetória do grupo. Os primeiros indícios que sugerem essa afirmação
remetem à aquisição da fábrica Votorantim em 1918. Com as dificuldades enfrentadas
pelo novo negócio, Pereira Ignácio vendeu terrenos, comprou a parte de seus sócios e
aplicou recursos próprios para trazer liquidez à empresa. Além disso, optou pelo
reinvestimento sistemático dos lucros para trazer estabilidade aos negócios.
Assim, a Votorantim institucionalizou a prática de reter os lucros, criando folga
para crescer com o mínimo de dependência de capitais de terceiros e de outros
acionistas. Com os lucros provenientes do setor têxtil, José Ermírio de Moraes obteve
os recursos necessários para empreender no setor de cimentos. Até o novo negócio
263
se estabilizar, as evidências coletadas sugerem que as fábricas têxteis continuaram
fornecendo o capital necessário para a operação e expansão das novas unidades.
No início da década de 1950, quando o setor têxtil começou a declinar, a
Votorantim já era líder na fabricação de cimentos e os resultados provenientes dessa
operação começaram a ser direcionados para os projetos no ramo de metais. Um
trecho do Relatório Anual de 1952 destaca essa estratégia:
"Devido ao elevado valor dos empreendimentos em que estamos
empenhados, a Diretoria não julgou conveniente a distribuição de
dividendos, concordando que sejam empregadas, para o
desenvolvimento de seu campo industrial, todas as rendas e
proveitos obtidos durante o ano de 1952."
Vale ressaltar, que em uma época em que o governo federal tinha grande
influência na economia brasileira, a Votorantim teve dois projetos de financiamento
recusados pelo BNDE: a de produção de níquel e a de zinco. Ainda assim o grupo
conseguiu implantá-los se utilizando de recursos próprios.
As aquisições realizadas na indústria de cimentos no final da década de 1970 e
durante os anos 80 também apontam para a formação de um excedente de recursos
financeiros. Sem precisar se endividar, a Votorantim fez aquisições estratégicas em
períodos de fraco desempenho econômico e da construção civil, se consolidando
como principal produtor nacional com participação de 40%.
A Votorantim começou a lançar mão da utilização de capital de terceiros
durante a segunda metade da década de 1990, quando foi ao exterior para captar US$
600 milhões com o objetivo de formar um colchão de liquidez a fim de evitar surpresas
nos leilões de privatização do setor elétrico. A intensificação da utilização de
financiamentos ocorreria durante o processo de internacionalização da VID, conforme
pode ser visualizado no gráfico 7-8. Com a alavancagem, a Votorantim conseguiu uma
folga financeira para crescer. Entretanto, a crise econômica de 2008 trouxe resultados
financeiros negativos. O prejuízo para cobrir as suas operações com derivativos foram
de cerca de quatro bilhões de reais (incluindo as despesas da Fibria).
Com isso, houve uma abrupta elevação da dívida. Em 2012, a relação dívida
líquida / EBITDA chegou 3,6 - próxima ao limite estabelecido pelas agências de
classificação de risco (quatro vezes), embora haja uma mudança do perfil da dívida
com uma parcela cada vez menor dos débitos vencendo no curto prazo.
264
Gráfico 7-8 – Evolução do endividamento da VID (em milhares de Reais)
R$ 25.000
R$ 20.000
R$ 15.000
R$ 10.000
R$ 5.000
R$ 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
-R$ 5.000
Dívidas CP
Dívidas LP
Dívida Líquida
Ainda, no ranking dos quinze maiores prejuízos do Brasil em 2011, divulgado
pela Revista Exame, estavam duas das empresas do grupo. A Fibria ficou em primeiro
lugar com um resultado negativo de US$ 832,7 milhões e a CBA ficou em décimo
primeiro com prejuízo de US$ 267,1 milhões.
Ao mesmo tempo em que a Votorantim viu seu endividamento se elevar, os
resultados financeiros pioraram. O gráfico 7-9 apresenta a evolução do lucro líquido no
qual é possível verificar um movimento de declínio.
Gráfico 7-9 – Evolução da Margem Líquida da Votorantim
5.000.000
4.000.000
3.000.000
2.000.000
1.000.000
2004
-1.000.000
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Lucro atribuído aos acionistas controladores
Dividendos
Lucro Reinvestido
2012
2013
265
Vale ressaltar que mesmo passando por um fase de crescimento e,
posteriormente de declínio, a VPar chegou a distribuir um volume considerável de
dividendos. Em 2004, apenas 40% do lucro líquido foi retido. Nos dois períodos mais
recentes, os dividendos distribuídos foram superiores aos lucros gerados. Destaca-se,
ainda, que em 2012 a VID teve um lucro de oitenta e sete milhões de Reais e distribuiu
785 milhões em dividendos.
Portanto, sem conseguir melhorar significativamente a relação entre geração
de caixa e dívida, e com baixa lucratividade, a Votorantim ficou sem folga financeira
para realizar investimentos após a crise, conforme já discutido anteriormente. No
gráfico 7-10 apresenta-se a queda do patamar de investimentos do grupo. Verifica-se,
ainda, que a Votorantim teve que se desfazer de outros negócios para gerar caixa.
Entre as vendas destaca-se a saída na participação na VBC por 2,6 bilhões em 2009 e
na Usiminas por R$ 2,4 bilhões em 2011.
Gráfico 7-10 – Evolução dos investimentos da Votorantim (em bilhões de Reais)
7,7
4,6
4,7
4,5
4,4
3,9
3,9
3,1
3
2
0,9
2005
1
2006
0,7
2007
Capex
7.2.7
2,4
1,9
2008
2009
0,6
0,4
2010
Aquisições
2011
2012
0,3
2013
Desinvestimentos
Resumo das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento
A análise dos fatos e eventos da trajetória da Votorantim demonstra que o
grupo desenvolveu traços que o permitiram responder adequadamente aos desafios
do crescimento em grande parte de sua história, contribuindo para o seu crescimento
de forma saudável. Entretanto, as evidências também apontaram dificuldades em
manter o mesmo nível de respostas nos últimos anos.
Apresentam-se a seguir quatro fotografias que mostram a variação, ao longo
do tempo, do nível de propensão ao crescimento saudável da organização, de acordo
com o modelo dos Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional de Fleck (2009).
266
Tais divisões foram definidas com base em acontecimentos cruciais da história da
organização, do ambiente, e de acordo com as consistências das respostas
identificadas durante o processo de análise. Dessa forma, será possível obter uma
melhor compreensão da evolução das respostas aos desafios do crescimento ao longo
do tempo. As classificações das respostas serão apresentadas conforme legenda da
figura 7-3.
A primeira fase vai de 1900 até 1918, englobando a fundação dos primeiros
descaroçadores de algodão até compra da fábrica de tecidos Votorantim. A segunda,
por sua vez, percorre toda o período da gestão de José Ermírio de Moraes, desde sua
chegada ao grupo, até o seu falecimento em 1973. O terceiro período contempla a
gestão da terceira geração, entre 1973 e 2001, enquanto a quarta fase engloba a
última sucessão e o início da profissionalização da gestão, até os dias atuais.
a) Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918
Devido à limitação de informações sobre esse período inicial, foi possível
classificar apenas as respostas referentes aos Desafios do Empreendedorismo e da
Navegação no Ambiente. Conforme pode ser observado na figura 7-12, as respostas
identificadas para esses desafios foram classificadas como saudáveis durante essa
fase.
Figura 7-12 – Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918
267
Participando do processo de industrialização do Brasil, a Votorantim
desenvolveu serviços empreendedores para encontrar oportunidades lucrativas e
desenvolver seus negócios na indústria têxtil, onde se tornou a principal
descaroçadora de algodão do país. Nessa fase, destaca-se a ida de Pereira Ignácio
aos EUA para trabalhar como operário em fábricas de descaroçamento com objetivo
de adquirir conhecimento e experiência para, então, retornar ao Brasil e instalar a
fábrica Santa Helena. Essa busca pelo desenvolvimento de expertise se tornaria um
importante atributo da Votorantim, reforçando sua capacitação em criar valor nos seus
negócios.
Os seguidos investimentos em novas unidades pelo interior de São Paulo
permitiram que a organização rapidamente se estabelecesse como a principal
empresa do setor e Pereira Ignácio fosse reconhecido como o “Rei do Algodão”.
Ressalta-se também a adoção de táticas comerciais como o fornecimento de
sementes para os agricultores, como forma de garantir o abastecimento e permitir o
ganho de escala. A tabela 7-12 apresenta um resumo das principais respostas
empregadas pela empresa durante essa fase.
Tabela 7-12 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918
Nível de
Resposta
Resumo
Empreendedorismo
Saudável
(+) Ambição para ser uma das pioneiras no
processo de industrialização
(+) Busca de novos conhecimentos e equipamentos
nos EUA
Navegação no
Ambiente
Saudável
(+) Liderança na produção de algodão
(+) Estratégias comerciais para captura de valor
Desafio
b) Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento entre 1918 e 1973
A entrada de José Ermírio de Moraes no grupo durante a década de 1920
contribuiu para que a Votorantim crescesse e se diversificasse a partir dos anos 30,
consolidando os seus negócios na indústria de base. Conforme apresentado na figura
7-13, as evidências encontradas destacam que a organização desenvolveu uma
propensão ao crescimento saudável durante o período.
268
Figura 7-13 – Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973
Na medida em que o perfil econômico do país começou a se alterar e a
indústria ganhou mais robustez, José Ermírio de Moraes soube antecipar os
movimentos e direcionar a Votorantim para a indústria de base. Assim, a empresa foi
pioneira em setores com first mover advantages e participante ativa de uma nova
etapa da industrialização nacional.
Dessa forma, quando as margens da indústria têxtil minguaram, a unidade de
cimentos do grupo já era líder no país e se tornou assim a principal fonte de lucros
para fomentar o crescimento da organização. Vale destacar que à medida que criava
novos negócios, a Votorantim direcionava seus recursos com o objetivo de posicionálos entre os líderes de mercado, demonstrando a sua capacidade de capturar valor e
de navegar no ambiente. Cabe destacar que somente após a consolidação do negócio
de cimentos, é que a Votorantim intensificou os seus esforços para se posicionar na
indústria de metais.
Destaca-se, ainda, a reputação construída por José Ermírio de Moraes. Com a
participação na liderança de instituições empresariais, a Votorantim ganhou
legitimidade no ambiente organizacional, embora não tenham sido encontradas
evidências de que influenciou o ambiente institucional a seu favor.
Portanto, respostas positivas em relação ao Empreendedorismo e Navegação
no Ambiente permitiram que a organização conseguisse crescer e se renovar.
269
A antecipação e formação das necessidades de recursos humanos gerenciais
e técnicos também se mostraram positivas durante o período. O processo sucessório
com a formação profissional dos herdeiros e a divisão da estrutura organizacional
entre negócios e, também regionais, contribuiu para evitar a fragmentação do grupo.
Por outro lado, com a descentralização, houve um baixo nível de compartilhamento de
recursos. Apesar disso, a análise indica que a infusão de valores entre as diversas
unidades contribuiu para a integridade da Votorantim. Destaca-se, por exemplo, o mito
criado em torno de José Ermírio de Moraes, identificado como “o Senador” entre os
funcionários de todas as empresas do grupo.
A empresa demonstrou capacidade na gestão da folga organizacional, tanto no
aspecto produtivo como no financeiro. Unidades como a Metalúrgica Atlas e a
Siderúrgica Barra Mansa forneciam as estruturas e equipamentos para as principais
fábricas do grupo, contribuindo para a formação de um motor de crescimento contínuo.
A política de austeridade e retenção de lucros também possibilitou a criação de um
colchão de recursos que foram utilizados para a expansão dos negócios.
Finalmente, foi identificado o desenvolvimento da capacitação para resolver
problemas de forma sistemática. O processo de criação da CBA, assim como o
episódio da total reconstrução da fábrica após a constatação de que produzia alumínio
de baixa qualidade, são fortes evidências disso. Destaca-se também o processo
sistemático para monitorar os resultados das unidades e compara-los com padrões de
referência a fim de acompanhar o desempenho dos negócios.
Vale ressaltar que a capacidade em lidar adequadamente com o desafio da
gestão da complexidade também contribuiu para as respostas saudáveis nos demais
desafios.
A tabela 7-13 apresenta um resumo das principais respostas empregadas pela
empresa durante essa fase.
270
Tabela 7-13 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973
Desafio
Nível de
Resposta
Resumo
(+) Ambição de “industrializar o Brasil”
Empreendedorismo
Saudável
(+) Imaginação e visão para direcionar o grupo para
novas indústrias
(+) Austeridade no planejamento de novos
empreendimentos
(+) Movimentos proativos em indústrias com first
mover advantages
Navegação no
Ambiente
Saudável
(+) Posição de líder nos seus principais negócios
(+) Liderança da família Ermírio de Moraes no meio
empresarial
(+) Infusão de valores por toda a organização
Gestão da
Diversidade
Atenção
(+) Estratégia una com operações descentralizadas,
evitando o aumento da complexidade
(-) Baixo nível de compartilhamento de recursos
Gestão de Recursos
Humanos
Gestão da
Complexidade
Saudável
Saudável
(+) Preparação formal dos sucessores
(+) Formação de um corpo técnico capacitado
(+) Análise sistemática dos novos empreendimentos
e desenvolvimento de tecnologias
(+) Sistema de controle e análise de resultados
(+) Reinvestimento dos lucros
Gestão da Folga
Saudável
(+) Investimentos em geração de energia
(+) Produção interna de máquinas e equipamentos
para as fábricas do grupo
c) Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000
Em meados da década de 1970, a Votorantim já tinha completado sua
transformação de uma empresa do setor têxtil para um conglomerado da indústria de
base. A partir desse momento, já sob o comando da terceira geração, identificou-se
uma hesitação para empreender e expandir.
A figura 7-14 apresenta a classificação das respostas para esse período, no
qual se verifica que isso afetou a capacidade da empresa de crescer e se renovar e,
portanto, de manter a sua propensão à longevidade saudável.
271
Figura 7-14 – Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000
Enquanto que entre as décadas de 1930 e 1970 o grupo demonstrou suas
capacitações empreendedoras através de expansões pioneiras na indústria de base,
nesse terceiro período verifica-se a redução do nível de ambição para crescer.
As implantações dos principais negócios planejados ainda na gestão de José
Ermírio foram finalizadas durante os anos 70. A partir daí, verifica-se uma janela de
duas décadas sem o aproveitamento de determinadas oportunidades lucrativas.
Destaca-se, por exemplo, a internacionalização tardia da unidade de cimentos. Além
disso, a Votorantim teve pouca participação no processo de privatização de empresas
estatais que atuavam em negócios relacionados ao grupo, como siderurgia e
mineração. A empresa não participou dos processos de privatização das siderúrgicas
CSN e Usiminas. Além disso, apresentou dificuldades de navegação ao perder o leilão
de aquisição da Vale do Rio Doce.
Vale ressaltar que as expansões capitaneadas pela quarta geração foram
realizadas em negócios não relacionados, mas não alteraram o perfil do grupo que
continuou a ter nas indústrias de cimentos e metais os seus principais motores de
crescimento.
Sobre a questão da ambição para crescer e expandir, é pertinente uma
reflexão sobre o peso que o direcionamento dado por José Ermírio de Moraes através
da carta escrita para os herdeiros pode ter tido. Na ocasião, o empresário apontava
que o futuro do grupo estava em três negócios principais. Conforme pode ser
observado em trecho destacado a seguir, o empresário definiu a posição na qual a
Votorantim se encontrava ao final da década de 1970 como um destino traçado:
272
“Tendo em vista os principais setores da produção nacional, procurei
colocar o nosso grupo dentro do que havia de melhor para a
organização, ficando assim traçado o nosso destino. Por isso, temos
condições, sem medo da concorrência, nos seguintes ramos:
alumínio, zinco e níquel; cimento; papel e celulose”.
A carta carregava não só as palavras de um pai, mas uma estratégia de
sucesso que havia colocado a Votorantim no topo da indústria nacional. Nas fortes
palavras do empresário, fica evidente a intenção de diversificar para reduzir a
dependência de uma única indústria sem, no entanto, ampliar demasiadamente o
escopo de atividades do grupo. Antônio Ermírio também chegou a destacar as
deficiências do “gigantismo” e como uma empresa extremamente grande se torna
difícil, senão impossível, de ser administrada. Portanto, pode-se constatar uma
preocupação dos gestores em consolidar os seus negócios e evitar o crescimento
desenfreado que prejudicou a administração da Matarazzo, por exemplo, que
enfrentava graves problemas financeiros à época.
É possível perceber que, neste caso, a institucionalização de valores trouxe um
aspecto negativo para a Votorantim, uma vez que promoveu rigidez e afetou a
capacidade de crescimento da organização.
Por outro lado, destacam-se durante essa fase os projetos de eficiência
energética, que envolveram o uso do carvão mineral e, posteriormente, do coque do
petróleo, e que trouxeram maior competitividade às operações do grupo (intensivas
em energia) e contribuíram para o desenvolvimento de uma forte capacitação técnica
da organização.
A Votorantim respondeu adequadamente aos desafios da diversidade quando
iniciou a criação das holdings industriais, permitindo a integração entre unidades e
compartilhamento de recursos. Essa iniciativa contribuiu para fortalecer ainda mais a
integridade organizacional. Entretanto, evidenciou-se que houve uma queda no nível
de capacitação dos novos sucessores em relação às gerações anteriores, sinalizando
um ponto de atenção em relação ao desafio de recursos humanos.
Um fator positivo está relacionado às aquisições realizadas no setor de
cimentos. Observou-se que a organização mantinha um processo sistemático para a
aquisição de novas unidades, buscando absorver os técnicos qualificados e os bons
conhecimentos das unidades adquiridas. Cabe destacar, finalmente, que mesmo
durante a estagnação da década de 1980, quando as fábricas de cimento viram quase
metade de suas capacidades ficarem ociosas, a Votorantim manteve investimentos de
expansão e aquisição, contribuindo para a geração de folga produtiva.
A tabela 7-14 apresenta o resumo das respostas aos desafios do crescimento
durante esse período.
273
Tabela 7-14 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000
Desafio
Nível de
Resposta
Resumo
(+) Projetos de eficiência energética
Empreendedorismo
Atenção
(-) Pouca participação no processo de privatizações
(-) Internacionalização tardia
Navegação no
Ambiente
(+) Antônio Ermírio sucede o pai como um dos
principais empresários do país
Saudável
(+) Expansão durante a crise
(-) Processo de privatização da Vale do Rio Doce
Gestão da
Diversidade
Saudável
(+) Criação de holdings e coordenação integrada
entre as unidades
(+) Retenção dos funcionários durante a crise
Gestão de Recursos
Humanos
Atenção
Gestão da
Complexidade
Saudável
Gestão da Folga
(+) Absorção de técnicos das empresas adquiridas
(-) Redução da capacitação dos sucessores
Saudável
(+) Processo sistemático para aquisição e absorção
de fábricas de cimento
(+) Expansão da capacidade produtiva durante o
período de retração da economia
(+) Formação de colchão de recursos financeiros
para participar da privatização do setor elétrico
d) Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014
No início do século XXI, uma nova geração foi alçada ao poder e a Votorantim
iniciou um processo de profissionalização e internacionalização visando recuperar a
entrada tardia no mercado internacional. O intenso crescimento durante esse período
gerou fortes pressões sobre a empresa que não conseguiu manter um nível saudável
de respostas aos desafios do crescimento, conforme se observa na figura 7-15.
Figura 7-15 – Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014
274
O processo de internacionalização foi iniciado em 2001 com aquisições de
fábricas de cimentos nos EUA e Canadá e se estendeu pelas indústrias de celulose e
metais. Assim, a Votorantim conseguiu quadriplicar o seu faturamento em um período
de cinco anos. Esse movimento destaca a ambição da nova geração em colocar a
organização em uma posição de destaque global.
Por outro lado, as evidências indicaram que ao mesmo tempo houve uma
deterioração da capacidade técnica do grupo, inclusive afetando a manutenção de
algumas unidades produtivas. Isso sinaliza, portanto, a perda de uma capacitação
importante desenvolvida ao longo da história do grupo e fonte de criação de valor.
Apesar dos esforços diante de uma competição que já há algum tempo deixava
de ser apenas nacional e se tornava global (especialmente em commodities), o grupo
não conseguiu se posicionar como líder mundial nos seus principais negócios – apesar
das posições de destaque em zinco e celulose, essas unidades respondem por uma
parcela menos importante na composição das receitas. Além disso, a VPar se tornou
altamente dependente dos resultados da unidade de cimentos.
Foi identificada a preocupação da liderança em colocar em prática ações
visando disseminar e fortalecer a cultura, e manter a integridade de uma organização
em forte crescimento. Apesar disso, nesse processo também foram realizadas
contratações em massa de executivos para comandar as operações, contrastando
com o perfil histórico de formação interna de seu pessoal. Identificou-se também o
aumento do nível de rotatividade de funcionários. As evidências coletadas sugerem
que isso contribuiu para um baixo nível de resposta na gestão da diversidade e de
recursos humanos.
Vale destacar, ainda, que as principais aquisições foram realizadas em
períodos de economia aquecida e de alta dos preços dos ativos. Além disso, foram
financiadas principalmente através de recursos de terceiros. Por isso, após a crise
mundial a empresa passou a ter uma alta relação de dívida e geração de caixa. Com
resultados muito dependentes da indústria de cimentos e sem folga financeira, a
Votorantim não conseguiu repetir movimentos de outras épocas e realizar
investimentos em períodos de crise.
Finalmente, em um espaço curto de tempo a Votorantim passou a conduzir
mudanças antagônicas em sua estrutura. Inicialmente buscou a centralização, com a
criação de diretorias corporativas. Posteriormente, os gestores deram uma guinada
para a descentralização, onde as diversas unidades de negócio passam a operar de
forma independente. Esse é um indicativo da redução da capacidade da organização
em lidar com os problemas de forma sistemática e responder adequadamente ao
275
desafio da complexidade. A perda dessa capacitação, por sua vez, também afetou
negativamente os demais desafios.
Tabela 7-15 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014
Desafio
Empreendedorismo
Nível de
Resposta
Atenção
Resumo
(+) Expansão internacional do negócio de cimentos
e celulose
(-) Redução da capacidade técnica
Navegação no
Ambiente
Gestão da
Diversidade
Atenção
(±) Posição mundial dominante em celulose e zinco,
mas secundária em cimentos, alumínio e níquel,
em comparação com os principais players
(-) Baixo nível de influência no ambiente
institucional
Atenção
(+) Iniciativas visando o compartilhamento de
recursos e disseminação da cultura Votorantim
(-) Perda das grandes lideranças institucionais
Gestão de Recursos
Humanos
Não saudável
Gestão da
Complexidade
Não saudável
(-) Parte significativa dos executivos contratados no
mercado e não mais formados internamente
(-) Aumento do nível de rotatividade
(-) Efeito “pêndulo” na formalização da estrutura
(+) Autossuficiência energética
Gestão da Folga
Atenção
(-) Aumento do nível do endividamento e redução
da lucratividade
(-) Baixa capacidade de investimentos desde a
crise
276
8 CONCLUSÃO
O sucesso e o fracasso organizacional é uma questão chave no estudo de
gestão das organizações. Apesar disso, ainda há pouco consenso sobre os fatores
que levam empresas a crescer e se perpetuar, enquanto outras declinam e morrem.
Dessa forma, o presente trabalho se propôs a identificar as respostas dos
grupos Matarazzo e Votorantim ao longo de suas trajetórias e compará-los aos
Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional propostos por Fleck (2009). Para
isso, foram coletadas evidências a partir de biografias, relatórios corporativos,
reportagens, entrevistas e relatos de funcionários que permitiram remontar o histórico
com os principais fatos e eventos de cada uma das organizações.
Realizou-se
também um estudo detalhado sobre a evolução da indústria e da economia brasileira,
sem o qual não seria possível analisar adequadamente os padrões de respostas das
organizações. Assim, foi possível desenvolver uma análise longitudinal de cada uma
das empresas e interpretar os seus movimentos levando-se em consideração as
condições do ambiente relevante.
Considera-se que a questão inicial da pesquisa foi respondida, podendo ser
compreendido como os grupos Matarazzo e Votorantim responderam aos desafios do
crescimento.
Os itens a seguir irão apresentar as conclusões sobre cada estudo de caso, as
principais diferenças identificadas entre as organizações, além das contribuições do
estudo e sugestões para trabalhos futuros.
8.1
Considerações Finais Sobre a Matarazzo
A organização formada pelo Conde Francesco Matarazzo foi pioneira e
protagonista do processo de industrialização nacional. Expandindo o seu escopo de
atividades por setores como alimentos, químico e têxtil, a IRFM se manteve como o
principal grupo industrial brasileiro por décadas, mas a partir da década de 1940 se viu
diante de um processo de declínio irreversível, que culminaria com um pedido de
concordata em 1983. As evidências mostraram que a Matarazzo não conseguiu
responder adequadamente aos desafios do crescimento e, por isso, não desenvolveu
uma propensão ao crescimento saudável e à longevidade de longo prazo.
Francesco Matarazzo aportou em um Brasil rural e com uma população
crescente, onde tudo se precisava. Dotado de capacitações empreendedoras, o
empresário colocou a IRFM na vanguarda do processo de industrialização,
aproveitando-se
das oportunidades
existentes
em
um
ambiente piedoso
e
preenchendo as lacunas do mercado com os produtos Matarazzo. Com um forte tino
277
comercial e legitimidade perante outros empresários, o Conde conseguiu transferir
para sua organização uma capacidade de navegar no ambiente. Assim, com folga de
recursos financeiros e produtivos, a IRFM cresceu e se renovou durante as primeiras
décadas do século vinte.
O crescimento direcionou o grupo para indústrias diversas e levou à criação de
mais de duas centenas de empresas. Esse intenso processo de expansão gerou uma
grande diversidade de pessoas, tecnologias e negócios e, portanto, uma forte pressão
de fragmentação foi exercida sobre a organização. Pode-se dizer que se sustentar a
integridade de uma organização gigantesca é uma tarefa complexa atualmente, era
um desafio ainda maior em um período no qual o gestor dispunha de poucas
tecnologias e ferramentas para lhe auxiliar.
Identificou-se que a Matarazzo não conseguiu desenvolver as capacitações
necessárias para gerir essa crescente complexidade e manter a integridade
organizacional. Com uma estrutura centralizada, os processos de análise e tomada de
decisão se mantiveram intuitivos e não sistemáticos, gerando ainda uma gestão pouco
eficiente. Os reconhecidos problemas envolvendo os processos sucessórios fornecem
uma ilustração da dificuldade da Matarazzo em responder adequadamente ao desafio
da diversidade, enquanto que a carência na formação de um corpo gerencial
qualificado denota a baixa efetividade em lidar com desafio de recursos humanos.
Dessa forma, respostas pouco efetivas em parte dos desafios impediram que a
Matarazzo sustentasse a sua integridade e desenvolvesse uma propensão à
longevidade saudável.
Verificou-se através da descrição do ambiente relevante que a partir do
Governo Vargas a indústria brasileira sofreu uma transformação, que envolveu a
chegada de novos competidores e uma mudança do seu perfil. Antes pioneira, a
Matarazzo não conseguiu se renovar. Os recursos empregados não foram suficientes
para alterar o perfil industrial ou para fortalecer a posição dos negócios. Assim, em
pouco tempo as empresas do grupo passaram a ter papel secundário nos seus
mercados de atuação, afetando sua capacidade de crescimento.
Portanto, identificou-se que a partir da década de 1940, quando o ambiente se
tornava mais competitivo e desafiador, a Matarazzo já sinalizava uma propensão a
autodestruição que se confirmou com o pedido de concordata cerca de quatro
décadas depois.
278
8.2
Considerações Finais Sobre a Votorantim
Também pioneira da industrialização brasileira, a Votorantim ainda se mantém
como um dos principais grupos industriais do país. Apesar de sua história ser
usualmente contada a partir de 1918 e remeter a José Ermírio de Moraes como
primeiro grande líder, constatou-se que a trajetória do grupo começou a ser construída
pelo imigrante português Antônio Pereira Ignácio no início do século vinte, através da
formação das primeiras unidades de descaroçamento de algodão no interior de São
Paulo.
Em poucos anos, a expansão das unidades colocaria a organização de Pereira
Ignácio em uma posição de liderança na indústria têxtil. Posteriormente, já com a
presença de José Ermírio de Moraes, o grupo iniciaria uma mudança definitiva nos
seus negócios, migrando para a indústria de base e se lançando de forma pioneira em
negócios com first mover advantages (no qual se destaca a participação no setor de
cimentos). Assim, a Votorantim se colocava mais uma vez na vanguarda das
transformações da indústria nacional.
Dessa forma, a transferência de capacitações empreendedoras para a
organização, aliada à capacidade de captura de valor levaram ao crescimento. Ao
mesmo tempo, respostas efetivas contribuíram para a sustentação da integridade
organizacional, no qual se destaca a infusão de valores por todas as empresas do
grupo e a forte capacitação gerencial. Destaca-se, ainda, a importância da folga de
recursos financeiros, obtida através da política de reinvestimento dos lucros - prática
institucionalizada ainda na fase inicial da organização. Dessa forma, foi possível
constatar que a Votorantim conseguiu desenvolver um padrão de respostas adequado
aos desafios do crescimento, o que levou a uma propensão ao crescimento saudável
por décadas.
A partir de 2001 uma nova geração da família Ermírio de Moraes lançou um
audacioso plano de expansão. Essa iniciativa visava recuperar a internacionalização
tardia e a baixa participação no processo de privatização durante a década de 1990,
que geraram estagnação após um longo período de crescimento. Com uma agressiva
estratégia de aquisições a Votorantim quadruplicou o seu faturamento em cinco anos,
passando a atuar de forma global. O rápido crescimento, contudo, exerceu uma
pressão de fragmentação sobre a organização e respostas pouco efetivas indicam que
a empresa não conseguiu sustentar a integridade organizacional.
A Votorantim passou a recorrer demasiadamente à contratação de executivos
externos para comandar os negócios. Ao mesmo tempo, identificou-se a dificuldade
em gerir a crescente complexidade e projetar uma estrutura adequada para conduzir
os negócios, com tentativas antagônicas de se buscar a estrutura mais adequa da,
279
que criaram movimentos de pêndulo. Além disso, um impacto negativo na capacidade
técnica do grupo e um baixo nível de folga financeira também sinalizam uma redução
da capacidade de crescimento e renovação.
Portanto, nos últimos anos, respostas menos efetivas fizeram com que a
empresa deixasse de apresentar uma propensão à autoperpetuação, gerando um sinal
de alerta sobre o futuro da Votorantim.
8.3
Principais Diferenças Identificadas
Pioneiras do processo de industrialização brasileiro, a Matarazzo e a Votorantim
guardam semelhanças em suas origens. Fundadas por imigrantes europeus que se
estabeleceram na região de Sorocaba no final do século dezenove, ambas as
organizações tiveram na indústria têxtil a base inicial para a expansão dos seus
negócios. O Conde Matarazzo e José Ermírio de Moraes também estiveram à frente
das instituições industriais e foram os criadores da CIESP. Entretanto, é possível dizer
que as principais semelhanças se restringem a esses pontos e que notáveis
diferenças foram cruciais para que as organizações seguissem caminhos diferentes.
Se
por
um
lado
ambas
as
organizações
carregaram
fortes traços
empreendedores, é possível destacar um perfil empreendedor distinto em cada uma
delas. A Votorantim se destacou pela sua contínua capacidade de adaptação, se
mantendo por décadas na vanguarda do processo de industrialização nacional, sendo
pioneira na indústria de base. Dessa forma, sua estratégia esteve relacionada à
exploração de novas alternativas (exploration). A Matarazzo continuou replicando um
modelo comercial/industrial, para abastecer o mercado brasileiro com uma grande
variedade de produtos, seguindo uma estratégia de replicação das competências
existentes (exploitation).
A Votorantim desenvolveu uma identidade própria, através da infusão de
valores e da criação de mitos organizacionais. Assim, os funcionários se sentiam parte
de uma organização com caráter único e demonstravam uma grande admiração e
lealdade perante a família Ermírio de Moraes. Portanto, a Votorantim gerenciou de
forma ativa o seu processo de institucionalização, contribuindo para a sustentação da
integridade organizacional à medida que a organização se expandia.
O mesmo processo não foi observado no caso da Matarazzo. Sua competência
distinta estava concentrada na exploração de oportunidades lucrativas e a liderança do
Conde não foi suficiente para manter a integridade das diversas partes da IRFM. A
ideia do Conde Matarazzo em manter a unidade da organização através da escolha de
280
um herdeiro único acabou gerando o efeito contrário ao desejado. Assim, conflitos
internos surgiram e contribuíram para a fragmentação do grupo.
Diferentemente da Matarazzo, a Votorantim planejou e colocou em prática um
processo sucessório que evitou a criação de coalisões políticas e ainda contribuiu para
a capacitação profissional dos recursos gerenciais. José Ermírio de Moraes se tornou
engenheiro nos EUA e seus filhos seguiram o mesmo caminho. Essa formação foi
fundamental para o desenvolvimento de um know how técnico e para a expansão dos
negócios em indústrias mais complexas. Na Matarazzo, por sua vez, não houve a
mesma preocupação com a capacitação dos membros da família, no qual o
aprendizado era obtido principalmente no dia a dia dos negócios, sendo que a própria
experiência do Conde Matarazzo estava relacionada mais ao comércio do que à
indústria.
A Votorantim desenvolveu uma capacitação para solucionar problemas de
forma sistemática. Esse traço começou a ser construído por Pereira Ignácio, que foi
aos EUA aprender sobre o negócio de algodão. O complexo projeto da CBA, décadas
depois, é outro exemplo que destaca a institucionalização da capacidade de gerir a
complexidade
e
resolver
problemas
gerando
aprendizado
organizacional.
A
Matarazzo, por sua vez, se mostrou menos efetiva nesse ponto, com a predominância
de soluções ad hoc e por vezes intuitivas.
As organizações ainda conceberam estruturas distintas. A Matarazzo
centralizou os seus negócios, o que contribuiu para o aumento da burocracia e uma
gestão menos eficiente. A Votorantim, por outro lado, conseguiu manter uma
estratégia una, mas com operações descentralizadas, evitando assim, o aumento da
complexidade organizacional.
8.4
Contribuições do Estudo
A condução de pesquisas através do método de estudos de caso permite que
se busque validar uma teoria através da compreensão de eventos reais. Portanto, o
presente estudo contribuiu para a confirmação da aplicabilidade do referencial teórico
proposto por Fleck (2009). O uso dos arquétipos do sucesso e fracasso organizacional
possibilitou compreender como dois grupos industriais diversificados responderam aos
desafios do crescimento e como essas respostas influenciaram a propensão para o
crescimento saudável ou não saudável.
Além disso, o extensivo processo de levantamento de informações permitiu
reconstruir a história de dois dos mais notáveis grupos industriais do país. Assim, as
281
narrativas históricas apresentadas neste trabalho fornecem uma base de informações
que pode ser utilizada em trabalhos futuros.
Finalmente, embora seja limitada a duas organizações, a presente pesquisa
poderá instruir empresas diversificadas e com perfis similares às da Votorantim e da
Matarazzo sobre a importância de desenvolver respostas adequadas aos desafios do
crescimento visando evitar o declínio organizacional. Os resultados encontrados
durante a análise permitem destacar os seguintes pontos no que diz respeito à gestão
de organizações diversificadas:
a) O monitoramento contínuo da ameaça de declínio é um aspecto extremamente
relevante. Respostas rápidas e adequadas podem inibir a geração de mais
pressões negativas sobre os demais desafios, evitando assim a propensão para a
autodestruição. Para isso, avaliações qualitativas como as que foram empregadas
nesta pesquisa contribuem para identificar sinais de atenção. Além disso, o
indicador
de
tamanho
e
desempenho
também
utilizado
neste
trabalho
complementa a avaliação, fornecendo um parâmetro quantitativo.
b) O crescimento relacionado baseado em mecanismos de reforço contribui para a
geração de folga organizacional, fomentando um novo processo de crescimento. A
expansão não relacionada, por sua vez, embora seja um possível caminho para o
crescimento de empresas diversificadas, não apresenta esse potencial de ganhos
do desequilíbrio de recursos, podendo ainda resultar na eliminação da folga.
c) A diversificação pode contribuir para evitar um excesso de exposição ao risco de
uma organização e permitir o crescimento. Entretanto, se a alta cúpula não
empregar os recursos necessários nas unidades de negócio para que estas
continuem capturando valor, elas correm o risco de se tornarem irrelevantes em
seus respectivos mercados, podendo se transformar em fardos para todo o grupo.
d) Não há uma estrutura ideal para a gestão de empresas diversificadas. Uma
organização diversificada pode ser gerida de forma descentralizada sem gerar
fragmentação, através da institucionalização de valores e formação de mitos entre
as empresas do grupo. Vale destacar a importância da atuação da alta gestão em
evitar a formação de coalisões políticas e disputas por poder e recursos.
e) A formação e retenção de recursos humanos é um aspecto crucial na gestão de
empresas diversificadas na medida em que se aumenta a diversidade de negócios,
tecnologias e processos. Os profissionais formados internamente contribuem não
só para transferir os conhecimentos e disseminar as melhores práticas do grupo.
Experiências adquiridas internamente ajudam a manter a integridade e evitar que
se fique alterando demasiadamente o modelo de governança, gerando
movimentos de pêndulos que geram desperdícios de recursos e tempo.
282
f)
O crescimento acelerado, embora muitas vezes desejado, pode se transformar em
uma armadilha, trazendo maiores riscos ao futuro de uma organização ao
aumentar a pressão dos desafios da gestão da diversidade e de recursos
humanos, enfraquecendo a integridade organizacional.
8.5
Propostas Para Pesquisas Futuras
O presente estudo analisou duas organizações brasileiras. Por isso, sugere-se
a condução de novas pesquisas que abranjam outras empresas diversificadas, para
que se dê continuidade a essa linha. O grupo Cosan com negócios nas áreas de
energia, alimentos, logística e infraestrutura é um potencial objeto de estudo. A
Ultrapar, tradicional empresa da indústria química que adquiriu uma rede de farmácias,
em 2013, também pode a vir a ser uma opção.
Através de um ponto crítico identificado na trajetória da Votorantim a respeito
da velocidade com que a empresa cresceu no início do século XXI, é possível apontar
outro possível caminho para pesquisas futuras. Sendo assim, propõe-se estudar e
avaliar em que medida é possível crescer rápido de maneira saudável. Dois grupos
brasileiros podem ser apontados como potenciais objetos de estudo que também
abrangeriam essa questão: o Grupo EBX e a Hypermarcas.
Finalmente, uma questão que se mostrou importante para a análise foi o modo
como as organizações se estruturaram para conduzir os seus negócios. A Matarazzo
manteve uma gestão centralizada em grande parte da sua história. Pereira Ignácio e
José Ermírio de Moraes fizeram o oposto. Nos últimos anos, no entanto, a Votorantim
vem alterando continuamente a sua estrutura organizacional. Após passar por um
processo visando a integração, virou em direção contrária, separando as empresas e
eliminando as diretorias corporativas. Portanto, pode-se pesquisar a relação entre as
estruturas organizacionais e o desempenho de empresas diversificadas.
283
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O Estado de São Paulo2. 13 de novembro de 1986 – pag. 5. Disponível em:
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http://www.fibria.com.br/pt/. Acesso em abril de 2014
http://www.vcimentos.com.br. Acesso em abril de 2014.
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300
ANEXOS
ANEXO 1 – Tabela de Fatos e Dados
301
ANEXO 2 – MAPA VISUAL DA MATARAZZO
1890
AMBIENTE
FAMÍLIA
GRUPO MATARAZZO
ALIMENTOS
ALGODÃO E TÊXTIL
1905
1910
Comércio
1920
1925
1930
Ermelino M.
1917: Francesco 1920: Morte de
recebe o título Ermelino
de Conde
Matarazzo
1891: Abre
um comércio
em Sorocaba
1911:
Criação da
IRFM
1939 - 1945: Segunda
Guerra Mundial
Chiquinho M.
1915: Monta
o distrito de
São Caetano
1927: Chiquinho é
eleito o sucessor
1930: Monta uma
fábrica de massas
e biscoitos
1913: Fundação
da Tecelagem
Belenzinho
1901: Fundação
da Tecelagem
Mariângela
METALURGIA E CERÂMICA
1902: Inicia a
produção de latas
para embalagens
1902: Produção de
óleo de algodão e
sabão
1916: Compra a
Fábrica s Plamplona
(graxas, óleos e velas)
1917: Compra a
Metal Graphica
Aliberti
1937: Morte de
Francesco
Matarazzo
1933: O grupo
chega a 170
empresas
1920: Inaugura o
Complexo Industrial
de Água Branca
1917: Inaugura 1920: Inaugura
o Moinho de o frigorífico
Antonina
Jaguariúva
1900: Monta o
Moinho de trigo
Matarazzo
1902: Inicia a
produção de soda
cáustica
1931: Compra a
fábrica de tecidos
Santa Celina
1926: Inaugura a
Viscoseda para
produzir rayon
1934: Monta uma
refinaria de
petróleo
1927: Compra uma
fábrica de louças
1924: Fábrica de
óleo de mamona é
a maior do país
1939: Construção
do Edifício
Matarazzo
1944:
Produção de
margarina
1939: Exportação de
fios e tecidos para
os portos platinos
1939: Monta um
laboratório Central
1939: Monta a
fábrica de Louças
Cláudia
1931: Instala uma
fábrica de óleo de
algodão em João Pessoa
1940: Inaugura
uma fábrica de
celulose
PAPEL, CELULOSE E
EMBALAGENS
OUTROS NEGÓCIOS
1945
Têxtil
1898: Constrói a
Vila Matarazzo na
Av. Paulista
1893: Fábrica
de banha de
porco
1940
Francesco Matarazzo
Alimentos
1890: Ermelino
vai estudar na
Europa
1935
1929: Depressão
econômica
1914 - 1918: 1ᵃ
Guerra Mundial
Francesco Matarazzo
QUÍMICOS
ÓLEOS E DERIVADOS
1915
1904: Instalação do
Centro Industrial do
Brasil (CIB)
1888: Abolição da
escravatura
PRINCIPAL LIDERANÇA
PRINCIPAL NEGÓCIO
1900
Fósforos
Banco
Seção Cinematográfica
Fábrica de Pregos
Sociedade de Navegação Paulista Matarazzo
302
1950
AMBIENTE
1955
1945: Suicídio de
Getúlio Vargas
1960
1956 - 1961:
Governo JK
PRINCIPAL LIDERANÇA
1964: Golpe
Militar
1980
1986: Plano
Cruzado
Alimentos
1964: Encerra as
operações dos
frigoríficos
1956: Lançamento dos
1970: Fundação
tecidos Matarazzo da Polynor
Boussac
1983: Pedido
de concordata
2014
Profissional
1996: Demolição
da Mansão
Matarazzo
2007: Venda
do terreno da
Mansão
1994: Grupo
chega a 5 mil
funcionários
1977: Fecha
a Viscoseda
1971: Venda da
refinaria
1954: Plantação
1959: Extração de
de dendezeiros
óleo de café
na Bahia
1951: Monta a
fábrica de Artefatos
de Papel
1958: Criação da
Milprint para
produzir embalagens
1976: Criação da
Agromat para produção
de óleo de algodão
1970: Arrenda uma
jazida de calcário
em São Paulo
1947: Compra a
Cia Paraiba de
Cimento Portland
Banco
Sociedade de Navegação Matarazzo
Pasta de Amendoim
Conservas
Rede Superbom
2006: Vende a
fábrica de
sabonetes
2013:
Fechamento
da Celosul
1971: Monta a
Sincarbon para produzir
papel copiativo
Pregos
OUTROS NEGÓCIOS
2010
2008: Crise do
subprime
1991: 40% de
ociosidade
nas unidades
ÓLEOS E DERIVADOS
MINERAÇÃO E CIMENTO
2005
1976: Inauguração de
Pastifício em São José
METALURGIA E CERÂMICA
PAPEL, CELULOSE E
EMBALAGENS
2000
1994: Plano Real
1977: Morte de
Chiquinho Matarazzo
1954: Monta uma
panificação
1958: Criação da
Cloroquim
1995
Papel, Celulose e Embalaganes
1972: Venda
do edifício
Matarazzo
1951: Criação da
Geon do Brasil
para fabricar PVC
1990
Maria Pia Matarazzo
1950: Grupo
chega a 37 mil
funcionários
1945 - 1952: Plano
de modernização
das unidades
1985
1973: 1° choque do
petróleo
1961: Chiquinho
torna-se cidadão
emérito de SP
ALIMENTOS
QUÍMICOS
1975
Têxtil
FAMÍLIA
ALGODÃO E TÊXTIL
1970
Chiquinho Matarazzo
PRINCIPAL NEGÓCIO
GRUPO MATARAZZO
1965
1982: Vende
as unidades
do RS
303
ANEXO 3 – MAPAS VISUAIS DA VOTORANTIM
1890
AMBIENTE
1900
1888: Abolição da
escravatura
PRINCIPAL LIDERANÇA
PRINCIPAL NEGÓCIO
FAMÍLIA
1905
1910
1915
1904: Instalação do
Centro Industrial do
Brasil (CIB)
1920
1925
1914 - 1918: 1ᵃ
Guerra Mundial
1935
Comércio
1884: Pereira Ignacio
chega ao Brasil
1945
1939 - 1945:
Segunda Guerra
Mundial
José Ermírio de Moraes
Algodão e Têxtil
1904: Pereira Ignacio vai
para os EUA estudar o
negócio de algodão
1905: Fundação da
fábrica de Óleos
Santa Helena
1916: José Ermírio de
Moraes vai fazer
faculdade nos EUA
1925: José Ermírio
torna-se diretor da
Votorantim
1918: Aquisição da 1922: Constrói a
Ferrovia Votorantim
Fábrica T êxtil
- Sorocaba
Votorantim
1911: Aquisição da
fábrica de cal e
cimento Rodovalho
CIMENTO
1940
1929: Depressão
econômica
Antônio Pereira Ignácio
ALGODÃO E TÊXTIL
1923: Incêncdio na
fábrica Rodovalho
1929: Constrói
centros de
distribuição próprios
1936: Fundação da
Fábrica Santa Helena
e do cimento Votoran
1935: Fundação da Cia.
Nitroquímica em
parceria com a Klabin
QUÍMICOS
1938: Fundação da
Siderúrgica Barra
Mansa com 3600 t/ano
SIDERURGIA
1941: Estudos
iniciais para fábrica
de alumínio
METAIS
OUTROS NEGÓCIOS
1930
1892: Abre um
comércio em
Botucatu
1910: Compra a
Companhia Telefônica
Sul Paulista
1918: Adquire uma
fonte de água mineral
(Água Platina)
304
1950
AMBIENTE
1945: Suicídiode
Getúlio Vargas
FAMÍLIA
1960
1956 - 1961:
Governo JK
1953: Instala a
Cia de Cimento
RIo Branco (PR)
PAPEL E CELULOSE
AGROINDÚSTRIA
BANCO
1964: Golpe
Militar
1980
1985
1973: 1° choque do
petróleo
1990
1995
1994:
Plano
Real
1986: Plano
Cruzado
2000
2005
1997:
Privatização
da Vale
2010
2014
2008: Crise do
subprime
José Filho e Antônio Ermírio de Moraes
4ᵃ geração
1988: Antônio Ermírio é
eleito o maior empresário
do país pela 10ᵃ vez
1973: Morte de
José Ermírio de
Moraes
1951: Morte de
Pereira Ignácio
CIMENTO
METAIS
1975
Cimento
1950: É o terceiro
maior exportador de
algodão de São Paulo
SIDERURGIA
1970
Têxtil
TÊXTIL
QUÍMICOS
1965
José Ermírio de Moraes
PRINCIPAL LIDERANÇA
PRINCIPAL NEGÓCIO
1955
1958: Formação
da Cia Industrial
Igarassu
1955: Adquire
jazidas de minério
em Lafayete (MG)
1955: Inauguração da
CBA com produção
de 5 mil t/ano
1969: Detém 10% do
mercado têxtil
brasileiro
1993:
Retira-se
do setor
1918:
Aquisição
1967: Instala
a Cia
de Cimento
Portland Sergipe
1977: Aquisição da
Cimento Itaú, a
principal concorrente
1967: Compra a
parte da Klabin na
Nitro Química
1977: Fundação da
Nitrofluor para fabricar
ácido fluorídrico
1975: A produção
chega a 160 mil
t/ano
1969: Inicia a
produção de
zinco na CMM
2010: Antônio
Ermírio deixa o
Conselho
1981: Atinge a
autossuficiência no
consumo de carvão
2001: Início do
processo de
internacionalização
1988: Fundação da
Nordesclor para produzir
THT, em Suape (PE)
2011: Venda
da Nitro
Química
2007: Adquire uma
usina na Argentina e
outra na Colômbia
1989: A produçã o
chega a 400 mil
t/ano
2003: A CBA se torna a maior
fábrica integrada do mundo
com produção de 340 mil t/ano
1981: Começa a
produção da Companhia
Níquel Tocantins
1987: Adquire
os ativos da
Celpav
1989: Fundação
da Citrovita
1991: Fundação do
Banco Votorantim
1999: Lança suas
ações na bolsa
de NY
2008: Adquire a
Aracruz
2010: Anuncia
uma fusão com a
Citrosuco
2008: Vende
49,99% das
ações parao BB
305
306
ANEXO 4 – ÁRVORE GENEALÓGICA MATARAZZO
Fonte: Couto1, 2008, p. 314
307
FRANCESCO MATARAZZO E FILHOS
Fonte: Rodrigues & Vilela (2013)
“?” – sem informações sobre a data de falecimento
308
ANEXO 5 – Carta de José Ermírio de Moraes Para Seus Filhos
Fonte: Acervo Memória Votorantim
309
310
ANEXO 6 – Gestão de Recursos Humanos Votorantim
Fonte: www.votorantim.com.br
311
312
ANEXO 7 – Série Histórica do PIB Brasil
Fonte: Grigorovski (2004) e Ipeadata (2014)
Ano
PIB
Moeda
1941
56.845.962.691.100,00
Mil Réis
1942
64.271.523.000,00
Cruzeiro
1943
81.310.546.990,00
Cruzeiro
1944
105.513.119.160,00
Cruzeiro
1945
125.114.080.280,00
Cruzeiro
1946
160.012.901.380,00
Cruzeiro
1947
178.500.000.000,00
Cruzeiro
1948
207.400.000.000,00
Cruzeiro
1949
241.900.000.000,00
Cruzeiro
1950
281.500.000.000,00
Cruzeiro
1951
348.800.000.000,00
Cruzeiro
1952
410.200.000.000,00
Cruzeiro
1953
489.500.000.000,00
Cruzeiro
1954
671.200.000.000,00
Cruzeiro
1955
814.699.999.980,00
Cruzeiro
1956
1.028.900.000.000,00
Cruzeiro
1957
1.249.500.000.000,00
Cruzeiro
1958
1.555.000.000.000,00
Cruzeiro
1959
2.319.600.000.000,00
Cruzeiro
1960
3.182.200.000.000,00
Cruzeiro
1961
4.652.700.000.000,00
Cruzeiro
1962
7.452.200.000.000,00
Cruzeiro
1963
13.375.800.000.000,00
Cruzeiro
1964
26.213.600.000.000,00
Cruzeiro
1965
42.662.000.000.000,00
Cruzeiro
1966
62.789.000.000.000,00
Cruzeiro
1967
82.783.000.000,00
Cruzeiro Novo
1968
115.171.000.000,00
Cruzeiro Novo
1969
151.400.000.000,00
Cruzeiro Novo
1970
194.315.303.824,00
Cruzeiro Novo
1971
258.296.115.417,00
Cruzeiro
1972
346.580.797.177,00
Cruzeiro
1973
511.834.251.175,00
Cruzeiro
1974
745.136.153.841,00
Cruzeiro
1975
1.049.517.572.083,00
Cruzeiro
1976
1.633.963.079.798,00
Cruzeiro
1977
2.492.977.884.176,00
Cruzeiro
1978
3.617.245.645.792,00
Cruzeiro
1979
5.961.236.013.013,00
Cruzeiro
1980
12.507.806.000.000,00
Cruzeiro
1981
24.015.788.000.000,00
Cruzeiro
313
1982
48.680.718.000.000,00
Cruzeiro
1983
109.386.334.000.000,00
Cruzeiro
1984
347.886.015.000.000,00
Cruzeiro
1985
1.307.718.616.000.000,00
Cruzeiro
1986
3.502.630.801.000,00
Cruzado
1987
11.103.965.772.000,00
Cruzado
1988
80.782.983.199.000,00
Cruzado
1989
1.170.387.103.582,00
Cruzado Novo
1990
31.759.185.000.000,00
Cruzeiro
1991
166.786.498.000.000,00
Cruzeiro
1992
1.762.636.611.000.000,00
Cruzeiro
1993
38.767.064.000.000,00
1994
349.204.679.000,00
Real
1995
705.641.000.000,00
Real
1996
843.966.000.000,00
Real
1997
939.147.000.000,00
Real
1998
979.276.000.000,00
Real
1999
1.065.000.000.000,00
Real
2000
1.179.482.000.000,00
Real
2001
1.302.136.000.000,00
Real
2002
1.477.182.000.000,00
Real
2003
1.699.148.000.000,00
Real
2004
1.941.498.000.000,00
Real
2005
2.147.239.000.000,00
Real
2006
2.369.484.000.000,00
Real
2007
2.661.344.000.000,00
Real
2008
3.032.203.000.000,00
Real
2009
3.239.404.000.000,00
Real
2010
3.770.850.000.000,00
Real
2011
4.143.013.000.000,00
Real
2012
4.402.537.000.000,00
Real
2013
4.840.000.000.000,00
Real
Cruzeiro Real
314
ANEXO 8 – Relação dos Presidentes da República
Fonte: Wikipedia
Nº
Presidente
Início do
mandato
Fim do
mandato
1
Manuel Deodoro da
Fonseca
15 de
novembro
de 1889
23 de
novembro
de 1891
Floriano Vieira Peixoto
23 de
novembro
de 1891
15 de
novembro
de 1894
Prudente José de Morais e
3
Barros
15 de
novembro
de 1894
15 de
novembro
de 1898
4
Manuel Ferraz de Campos
Sales
15 de
novembro
de 1898
15 de
novembro
de 1902
5
Francisco de Paula
Rodrigues Alves
15 de
novembro
de 1902
15 de
novembro
de 1906
6
Afonso Augusto Moreira
Pena
2
Partido
Floriano Vieira Peixoto
Nenhum
(militar)
nenhum
Partido
Republicano
Federal
PR Federal
Partido
Republicano
Paulista
PRP
Partido
15 de
14 de junho Republicano
novembro
de 1909
Mineiro
de 1906
PRM
15 de
14 de junho
novembro
de 1909
de 1910
Vice-presidente(s)
Partido
Republicano
Fluminense
PRF
Manuel Vitorino
Pereira
Rosa e Silva
Silviano Brandão
Afonso Pena
Nilo Procópio
Peçanha
nenhum
7
Nilo Procópio Peçanha
8
Hermes Rodrigues da
Fonseca
15 de
novembro
de 1910
Partido
15 de
Republicano
novembro
Conservador
de 1914
PRC
9
Venceslau Brás Pereira
Gomes
15 de
novembro
de 1914
15 de
novembro
de 1918
Partido
Republicano
Mineiro
PRM
Urbano Santos da
Costa Araújo
Morreu antes de tomar
posse
Partido
Republicano
Paulista
PRP
Delfim Moreira da
Costa Ribeiro
—
Rodrigues Alves
10
Delfim Moreira da Costa
Ribeiro
(interino)
15 de
novembro
de 1918
28 de julho
de 1919
11
Epitácio Lindolfo da Silva
Pessoa
28 de julho
de 1919
15 de
novembro
de 1922
12
Artur da Silva Bernardes
15 de
novembro
de 1922
15 de
novembro
de 1926
13
—
15 de
Washington Luís Pereira de
novembro
Souza
de 1926
Júlio Prestes de
Venceslau Brás
Pereira Gomes
nenhum
Partido
Republicano
Mineiro
PRM
24 de
Partido
outubro de Republicano
1930
Paulista
PRP
Não assumiu por causa
Delfim Moreira da
Costa Ribeiro
Bueno de Paiva
Estácio Coimbra
Fernando de Melo
Viana
Vital Soares
315
Albuquerque
da Revolução de 1930
Augusto Tasso Fragoso
Isaías de Noronha
João de Deus Mena
Barreto
(Junta Governativa
Provisória de 1930)
24 de
outubro de
1930
3 de
novembro
de 1930
Nenhum
(militares)
14
Getúlio Dornelles Vargas
3 de
novembro
de 1930
29 de
outubro de
1945
Aliança
Liberal
AL
15
José Linhares
(interino)
29 de
outubro de
1945
31 de
janeiro de
1946
Eurico Gaspar Dutra
31 de
janeiro de
1946
31 de
janeiro de
1951
Partido
Social
Democrático
PSD
Nereu Ramos
17
Getúlio Dornelles Vargas
31 de
janeiro de
1951
24 de
agosto de
1954
Partido
Trabalhista
Brasileiro
PTB
João Fernandes
Campos Café Filho
18
João Fernandes Campos
Café Filho
24 de
agosto de
1954
8 de
novembro
de 1955
Partido
Social
Progressista
PSP
nenhum
19
Carlos Coimbra Luz
(interino)
8 de
novembro
de 1955
11 de
novembro
de 1955
20
11 de
novembro
de 1955
31 de
janeiro de
1956
nenhum
Nereu de Oliveira Ramos
(interino)
Partido
Social
Democrático
PSD
21
Juscelino Kubitschek de
Oliveira
31 de
janeiro de
1956
31 de
janeiro de
1961
Partido
Social
Democrático
PSD
22
Jânio da Silva Quadros
31 de
janeiro de
1961
25 de
agosto de
1961
Partido
Trabalhista
Nacional
PTN
23
Pascoal Ranieri Mazzilli
(interino)
25 de
agosto de
1961
7 de
setembro
de 1961
Partido
Social
Democrático
PSD
nenhum
24
João Belchior Marques
Goulart
7 de
setembro
de 1961
1 de abril
de 1964
Partido
Trabalhista
Brasileiro
PTB
nenhum
25
Pascoal Ranieri Mazzilli
(interino)
2 de abril
de 1964
Partido
15 de abril
Social
de 1964 Democrático
PSD
26
Humberto de Alencar
Castelo Branco
15 de abril
de 1964
15 de
março de
1967
27
Artur da Costa e Silva
15 de
31 de
—
16
nenhum
nenhum
Aliança
Renovadora
Nacional
ARENA
João Goulart
nenhum
José Maria Alkmin
Pedro Aleixo
316
março de
1967
agosto de
1969
—
Aurélio de Lira Tavares
Augusto Hamann
Rademaker Grünewald
Márcio de Sousa Melo
(Junta Governativa
Provisória de 1969)
31 de
agosto de
1969
30 de
outubro de
1969
28
Emílio Garrastazu Médici
30 de
outubro de
1969
15 de
março de
1974
29 Ernesto Beckmann Geisel
15 de
março de
1974
15 de
março de
1979
30
João Baptista de Oliveira
Figueiredo
15 de
março de
1979
15 de
março de
1985
—
Tancredo de Almeida
Neves
31
José Ribamar Araújo da
Costa Sarney
15 de
março de
1985
15 de
março de
1990
32
Fernando Collor de Mello
15 de
março de
1990
29 de
dezembro
de 1992
33
Itamar Augusto Franco
Cautieiro
34
Fernando Henrique
Cardoso
35
Luiz Inácio Lula da Silva
36
Dilma Vana Rousseff
Morreu antes de tomar
posse
Nenhum
(militar)
nenhum
Augusto Rademaker
Aliança
Renovadora
Nacional
Adalberto Pereira dos
ARENA
Santos
Partido
Democrático
Social
PDS
Aureliano Chaves
José Ribamar Araújo
Partido do
da Costa Sarney
Movimento
Democrático
Brasileiro
nenhum
PMDB
Partido da
Reconstruçã
o Nacional
29 de
1 de janeiro
PRN
dezembro
de 1995
de 1992
Partido da
Social
1 de janeiro 1 de janeiro
Democracia
de 1995
de 2003
Brasileira
PSDB
1 de janeiro 1 de janeiro Partido dos
de 2003
de 2011 Trabalhadore
s
1 de janeiro
em
PT
de 2011
exercício
Itamar Franco
nenhum
Marco Maciel
José Alencar
Michel Temer
317
ANEXO 9 – Histórico de Preços de Commodities
Cotação Internacional do Alumínio (US$)
Fonte: Ipeadata, 2014
3.000,0000
2.500,0000
2.000,0000
1.500,0000
1.000,0000
500,0000
1957
1959
1961
1963
1965
1967
1969
1971
1973
1975
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009
2011
0,0000
Cotação Internacional do Níquel (US$)
Fonte: Index Mundi, 2014
60000
50000
40000
30000
20000
10000
set/13
mai/12
jan/11
set/09
mai/08
jan/07
set/05
mai/04
jan/03
set/01
mai/00
jan/99
set/97
mai/96
jan/95
set/93
mai/92
jan/91
set/89
mai/88
jan/87
set/85
mai/84
0
May 1989
Apr 1990
mar/91
Feb 1992
jan/93
Dec 1993
nov/94
Oct 1995
Sep 1996
Aug 1997
jul/98
jun/99
May 2000
Apr 2001
mar/02
Feb 2003
jan/04
Dec 2004
nov/05
Oct 2006
Sep 2007
Aug 2008
jul/09
jun/10
May 2011
Apr 2012
mar/13
Feb 2014
318
Cotação Internacional do Zinco (US$)
Fonte: Index Mundi, 2014
4500
4000
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
319
ANEXO 10 – Informações da Indústria de Cimentos
Maiores Produtores de Cimento do Mundo
Fonte: Global Cement Directory, 2013
#
Empresa/Grupo
País
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
Anhui Conch
Lafarge
Holcim
CNBM
HeidelbergCement
Italcementi
Cemex
Taiwan Cement Corp
China Resources
Sinoma
UltraTech
Taiheiyo
Tianrui
Eurocement
Jidong Development
Shanshui
Buzzi
Cimpor
Votorantim
Siam
Jiangsu Jinfeng
Jaypee
Vicat
Yatai Group
VICEM
BBMG Corp
Dangote
Titan
Fars and Khuzestan Cement Co
India Cements Ltd
China
France
Switzerland
China
Germany
Italy
Mexico
Taiwan
China
China
India
Japan
China
Russia
China
China
Italy
Portugal
Brazil
Thailand
China
India
France
China
Vietnam
China
Nigeria
Greece
Iran
India
Capacidade
(Mt/ano)
217
205
174
128
90
80
76
64
59
53
49
43
42
40
37
36
36
35
35
31
31
27
25
22
22
21
20
20
18
15
Número de
Plantas
26
134
117
80
100
60
55
6
17
4
23
11
11
30
9
21
32
36
25
6
7
17
15
6
9
18
4
13
10
9
320
Maiores Produtores de Cimento do Mundo com Informações dos Relatórios Anuais e
websites das empresas
Fonte: Global Cement
#
Empresa/Grupo
País
Capacidade (Mt/ano) Número de Plantas
1 Lafarge
France
2 CNBM
China
3 Holcim
Switzerland
4 Anhui Conch
China
5 Jidong Development
China
6 HeidelbergCement
Germany
7 Sinoma
China
8 Cemex
Mexico
9 Shanshui
China
10 China Resources
China
11 Taiwan Cement Corp
Taiwan
12 Italcementi
Italy
13 Votorantim
Brazil
14 UltraTech
India
15 Buzzi
Italy
16 Tianrui
China
17 Eurocement
Russia
18 Cimpor
Portugal
19 Intercement
Brazil
20 Jaypee
India
21 Vicat
France
22 PT Semen Indonesia
Indonesia 28.5
23 Titan
Greece
24 Siam
Thailand
25 Asia Cement Corp (ACC) Taiwan
26 Dalmia Bharat
India
27 VICEM
Vietnam
28 Dangote
Nigeria
29 Oyak Cement
Turkey
30 India Cements Ltd
India
224
221 218
209 130
122
100 95
93 74
71 68
57
51
45
43
40
38
38
33
30
25
24
24 22 21
21
18
16
161
147
43
103
57
17
53
22
22
39
42
16
39
39
12
17
13
13
4
7
6
5
9
321
Maiores Produtores de Cimento do Brasil
Fonte: Sindicato Nacional da Indústria do Cimento, 2013
Grupo
Votorantim
João Santos
Intercement
Lafarge
Cimpor
Holcim
Ciplan
Itambé
Outros
Produção
24.360
7.161
6.632
6.061
6.004
4.630
2.414
1.678
9.869
%
35,4%
10,4%
9,6%
8,8%
8,7%
6,7%
3,5%
2,4%
14,3%
322
Evolução do Consumo do Cimento no Brasil (em mil toneladas)
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
Fonte: Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (2013) e Ipeadata, 2014
Relação Produção x Consumo de Cimento no Brasil
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
1950
1960
1970
Produção (mil t)
1980
1990
2000
Consumo aparente (mil t)
Fonte: Sindicato Nacional da Indústria do Cimento, 2013
2010
323
ANEXO 11 – Líderes Mundiais na Produção de Metais
Alumínio
Fonte: About.com
Produção
Empresa
País
Rusal
Rússia
4,127
Rio Tinto
Inglaterra / Austrália
3,829
Alcoa
EUA
3,669
Chinalco
China
3,127
Norsk
Noruega
1,705
Dubai Aluminium
Emirados Árabes
1,386
China Power
China
1,381
BHP Billiton
Austrália
1,249
Shandong Xinfa
China
1,016
Aluminium Bahrain
Bahrein
0,881
(milhões de toneladas)
Níquel
Fonte: About.com
Produção
Empresa
País
Norilsk
Rússia
286
Vale
Brasil
206
Jinchuan
China
127
Glencore
Suíça
106
BHP Billiton
Austrália
83
Sumitomo
Japão
65
Eramet
França
54
Anglo American
Inglaterra
48
Sherritt
Canadá
35
Minara
Austrália
30
(mil toneladas)
324
Zinco
Fonte: Nystar (2012)
Empresa
Produção
(mil toneladas)
Nyrstar
1.125
Korea Zinc Group
1.055
Hindustan
761
Xstrata AG
636
Votorantim
600
New Boliden
461
Shaanxi
338
Huludao Zinc
335
Glencore
302
Teck
291
325
Anexo 12 – Maiores produtores brasileiros de celulose
Fonte: BNDES (2010)
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