MODERNIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: O EMPODERAMENTO
SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DAS AUDIÊNCIAS
PÚBLICAS*
MODERNIZATION OF PUBLIC ADMINISTRATION: THE SOCIAL
EMPOWERMENT AS A TOOL FOR EFFECTIVE PUBLIC AUDIENCES
Ricardo Hermany
Diogo Frantz
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo colaborar para a compreensão do fenômeno de uma
nova estrutura de modernização da Administração Pública através da participação e de
estruturação do social na era da informação, dada a influência das novas tecnologias nas
sociedades, destacando o paradigma tecnológico da “sociedade em rede” e,
consequentemente a necessidade de resgatar a participação na esfera local, de forma que
se possa tirar verdadeiro proveito da revolução das tecnologias na Administração
Pública. Assim, temos por finalidade apresentar uma abordagem a respeito das novas
tecnologias, tendo como destaque as audiências públicas eletrônicas. Por conta disso, o
presente trabalho enfatiza a necessidade de (re) valorizar a participação social,
reestruturando os espaços e as instituições de decisão local, que devem ser redefinidos,
de forma que coincidam com as instâncias de decisões significativas, fomentando a
efetiva participação do indivíduo nas questões que lhe dizem respeito, enfatizando o
desenvolvimento tecnológico como contributo no espaço social. A partir de então, a
necessária articulação do local, interligando a administração pública aos cidadãos na
sociedade como uma rede comunicacional de decisões e de informações; e, por fim,
gerando a cidadania ativa pelo empoderamento social e local.
PALAVRAS-CHAVES: TECNOLOGIA; EMPODERAMENTO; AUDIÊNCIAS
PÚBLICAS ELETRÔNICAS; MODERNIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA; PODER LOCAL.
ABSTRACT
This paper aims to contribute to understanding the phenomenon of a new structure for
the modernization of Public Administration through participation and social structure in
the information age, known the influence of new technologies in societies, highlighting
the "network society" technological paradigm and therefore the need to rescue the
participation at the local level so that it can take real advantage of the technology
revolution in Public Administration. Thus, we intended to present an approach about
new technologies, highlighting electronic public audiences. For this reason, this paper
emphasizes the need to (re) enhance social participation, restructuring the spaces and
*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
8069
institutions of local decision that must be redefined so that they coincide with the
instances of significant decisions, encouraging the active participation of individuals
about issues that concern them, emphasizing the technological development as a
contribution in social space. Since then, the necessary relationship of the locate, linking
the government to society as a network communication of net decisions and
information, and, finally, creating an active citizenship by the social and local
empowerment.
KEYWORDS: TECHNOLOGY; EMPOWERMENT; ELECTRONIC PUBLIC
AUDIENCES; MODERNIZATION OF PUBLIC ADMINISTRATION; LOCAL
AUTHORITY.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho enfatiza a necessidade de (re) valorizar a participação social,
reestruturando os espaços e as instituições de decisão local, que devem ser redefinidos,
de forma que coincidam com as instâncias de decisões significativas, fomentando a
efetiva participação e empoderamento do indivíduo nas questões que lhe dizem respeito.
Assim, tem por finalidade apresentar uma abordagem a respeito do direito, enquanto
meio de implementação de audiências públicas eletrônicas municipais, onde tendo como
escopo o aumento da participação dos cidadãos nas audiências públicas via eletrônica
em, vista da necessidade de maior participação desses atores sociais nessas
prerrogativas.
Sendo assim, o tema Governo Eletrônico nasce sob a chancela da multidisciplinaridade,
materializando a conexão direta entre aspectos destacados das áreas das Ciências
Sociais Aplicadas, onde se encontra o Direito, e da Tecnologia com a Informática.
Diante das mudanças globais, sociais, econômicas e políticas, as cidades estão
requerendo novos modelos de gestão, bem como modernos instrumentos,
procedimentos e formas de ação, a fim de permitir que os gestores urbanos tratem das
mudanças da sociedade local. Por um lado, é necessário encontrar respostas e soluções
rápidas para problemas cujas causas ficam muitas vezes fora da esfera de influência do
administrador público, mas cujas consequências precisam ser enfrentadas pelo poder
local. Por outro lado, é uma tarefa essencial explorar e disponibilizar as chances e
oportunidades relacionadas a tais transformações, em favor tanto da administração
pública, quanto da própria população.
1 A RESTRUTURAÇÃO (DO) SOCIAL NA ERA DA INFORMAÇÃO
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Para trabalhar com os conceitos trazidos por Castells, importante que se esclareça que o
seu ponto de partida para a análise da influência das novas tecnologias na sociedade é o
final do século XX, momento em que, segundo ele, ocorreu "a transformação de nossa
'cultura material' pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza
em torno da tecnologia da informação"[1] . De acordo com o autor:
Como tecnologia, entendo, em linha direta com Harvey Brooks e Daniel Bell, "o uso de
conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma
maneira reproduzível". Entre as tecnologias de informação, incluo, como todos, os
conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e
hardware), telecomunicações /radiodifusão, e optoeletrônica. Além disso,
diferentemente de alguns analistas, também incluo nos domínios da tecnologia da
informação a engenharia genética e seu crescente conjunto de desenvolvimento e
aplicações.[2]
Como se observa, a partir dessa (nova) cultura informacional, pode-se perceber a
constituição de uma "forma específica de organização social em que a geração, o
processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de
produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período
histórico".[3]
Vive-se, atualmente, numa sociedade em que os lugares já não representam mais o
grande referencial para a identificação do funcionamento de centros de decisões que
irão interferir diretamente em todo o mundo. O espaço físico, do lugar, transformou-se
em espaço de fluxos.[4] Esses fluxos passariam a constituir a própria sociedade,
podendo apresentar-se como "fluxos de capital, fluxos de informação, fluxos de
tecnologia, fluxos de interação organizacional, fluxos de imagem, sons e símbolos".[5]
Os fluxos definem-se como a expressão dos processos responsáveis por dominar a vida
econômica, política e simbólica das pessoas. O suporte material para esses processos
dominantes da sociedade são todos os elementos responsáveis por sustentar os fluxos e
propiciar a sua articulação em tempo real. Castells[6] propõe que existe uma nova forma
espacial peculiar às práticas sociais, responsáveis por dominar e moldar a sociedade,
transformando-a em uma rede, conforme as palavras do autor:
o espaço de fluxos. O espaço de fluxos é a organização material das práticas sociais de
tempo compartilhado que funcionam por meio de fluxos. Por fluxos, entendo as
seqüências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre
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posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas
econômica, política e simbólica da sociedade.[7]
Verifica-se, assim, que o espaço dos fluxos apresenta-se como uma maneira de
constituição da sociedade que passa, então, a ser caracterizada por mecanismos que se
ligam uns aos outros, formando nós, ou seja, "centros de importantes funções
estratégicas e centros de comunicação".[8] Portanto, em uma rede, não existe um lugar
por si mesmo, as posições se definem através de intercâmbios entre os fluxos da rede.
Nesse sentido, a rede de comunicação torna-se uma configuração espacial
imprescindível, já que os lugares não desaparecem, tudo acaba sendo absorvido pela
rede.[9]
O que passa a constituir a sociedade é, portanto, a rede de relações por meio das quais o
exercício do poder ocorre, situação que pode determinar a limitação do acesso aos
meios de decisão dos processos que envolverão toda uma sociedade.
Observa Castells que:
A infra-estrutura tecnológica que constrói a rede define o novo espaço como as
ferrovias definiam as "regiões econômicas" e os "mercados nacionais" na economia
industrial; ou as regras institucionais de cidadania específicas das fronteiras (e seus
exércitos tecnologicamente avançados) definiam as "cidades" nas origens mercantis do
capitalismo e da democracia. Essa infra-estrutura tecnológica é a expressão da rede de
fluxos, cuja arquitetura e conteúdo são determinados pelas diferentes formas de poder
existentes em nosso mundo. [10]
A partir desses fluxos é que se verifica onde está concentrado o poder e como serão
decididas as mais diversas questões envolvendo a humanidade. Esse espaço de fluxos
pode ser caracterizado por um lugar, não precisa estar apenas constituído por uma
abstração de conexões, embora:
[...] A sua estrutura lógica o seja. Está localizado [o espaço de fluxos] em uma rede
eletrônica, mas essa rede conecta lugares específicos com características sociais,
culturais, físicas e funcionais bem definidas. Alguns lugares são intercambiadores,
centros de comunicação desempenhando papel coordenador para a perfeita interação de
todos os elementos integradores na rede. Outros lugares são os nós ou centros da rede,
isto é, a localização de funções estrategicamente importantes que constroem uma série
de atividades e organizações locais em torno de uma função chave na rede. A
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localização no nó conecta a localidade com toda a rede. Os nós e os centros de
comunicação seguem uma hierarquia organizacional de acordo com seu peso relativo na
rede. Mas essa hierarquia pode mudar dependendo da evolução das atividades
processadas. Na verdade, em alguns casos, alguns lugares podem ser desconectados da
rede, e seu desligamento resulta em declínio imediato e, portanto, em deteriorização
econômica, social e física. As características dos nós dependem do tipo de funções
desempenhadas por uma rede determinada.[11]
Locais são ligados por meio dessa rede social que acaba por estabelecer uma hierarquia
entre os diferentes lugares de acordo com as condições de processamento de informação
que apresentam. Em contrapartida, ao mesmo tempo em que o espaço de fluxos pode
determinar quais os centros ou nós mais importantes de acordo com determinada
hierarquia, pode ocorrer o simples desligamento de um desses locais, fator que culmina
com a sua completa exclusão da rede. Para Castells a teoria do espaço de fluxos
estabelece que as sociedades devem se organizar "de maneira assimétrica em torno de
interesses dominantes específicos a cada estrutura social".[12]
Nesse sentido, na medida em que ocorre a determinação de padrões a serem seguidos
pela elite dominante, verifica-se, também, a falta de mobilização por parte de grupos
dominados:
[...] Grupos da sociedade que, embora constituam maioria numérica, vêem (se é que
vêem) seus interesses parcialmente representados apenas dentro da estrutura do
atendimento dos interesses dominantes. A articulação das elites e a segmentação e
desorganização da massa parecem ser os mecanismos gêmeos de dominação social em
nossas sociedades. O espaço desempenha papel fundamental nesses mecanismos. Em
resumo: as elites são cosmopolitas, as pessoas são locais. O espaço de poder e riqueza é
projetado pelo mundo, enquanto a vida e a experiência das pessoas ficam enraizadas em
lugares, em sua cultura, em sua história. Portanto, quanto mais uma organização social
baseia-se em fluxos aistóricos, substituindo a lógica de qualquer lugar específico, mais a
lógica do poder global escapa ao controle sociopolítico das sociedades locais/nacionais
historicamente específicas.[13]
No momento em que se observa que essa lógica de organização por meio de fluxos
apresenta-se como um apelo à não preservação da identidade do local é que se passa a
questionar o quanto esta nova estruturação da sociedade apresenta-se de forma benéfica
e quais os mecanismos que podem ser avaliados para que não ocorra um processo de
desvalorização de uma cultura e das características de uma comunidade. De acordo com
Castells, verifica-se que uma "[...] tendência importante da distinção cultural das elites
na sociedade informacional é a de criar um estilo em todo o mundo, consequentemente
substituindo a especificidade histórica de cada local". Ocorre um ritual, que é adotado
pela elite em qualquer parte do mundo, formando "uma cultura internacional cuja
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identidade não está ligada a nenhuma sociedade específica, mas aos membros dos
círculos empresariais da economia informacional em âmbito cultural global".[14]
Neste contexto, o autor alerta para o fato de que:
[...] As pessoas ainda vivem em lugares. Mas, como a função e o poder em nossas
sociedades estão organizados no espaço de fluxos, a dominação estrutural de sua lógica
altera de forma fundamental o significado e a dinâmica dos lugares. A experiência, por
estar relacionada a lugares, fica abstraída do poder, e o significado é cada vez mais
separado do conhecimento. Segue-se uma esquizofrenia estrutural entre duas lógicas
espaciais que ameaça romper os canais de comunicação da sociedade. A tendência
predominante é para um horizonte de espaço de fluxos aistórico em rede, visando impor
sua lógica nos lugares segmentados e espalhados, cada vez menos relacionados uns com
os outros, cada vez menos capazes de compartilhar códigos culturais. A menos que,
deliberadamente, se construam pontes culturais, políticas e físicas entre essas duas
formas de espaço, poderemos estar rumando para a vida em universos paralelos, cujos
tempos não conseguem encontrar-se porque são trabalhados em diferentes dimensões de
um hiperespaço social.[15]
Num processo em que a vida em uma comunidade pode ser prejudicada pela
hipervalorização de uma estrutura que funciona por meio da edificação de âmbitos de
alcance limitados à maioria das pessoas, ou seja, reservados apenas aos grandes centros
de decisão econômica, política e social, deve-se agir com uma postura de crítica e de
enfrentamento das situações que atualmente acontecem.
Há que se atentar, contudo, que a estruturação social dessa configuração em redes não é
nada simples. Pode-se muito bem verificar a situação de desvalorização do local em
favor do global, num contexto em que ao local estaria reservado o papel de ficar
estacionado em termos de progresso tecnológico. Mas outras situações também podem
ocorrer: o local pode simplesmente ser caracterizado pelo aperfeiçoado mediante a
adoção de novas tecnologias; no entanto, essa inovação pode se dar sem o devido
respeito à identidade da comunidade e sem trazer desenvolvimento para essa. Outra
hipótese que pode ocorrer é a valorização de algum ponto do local em detrimento do
restante que não se apresenta como interessante para a economia global.[16]
Assim, pode-se concluir que a complexidade da sistemática da nova estruturação social
traz consigo uma situação paradoxal; pode, muitas vezes, excluir incluindo e, outras
tantas vezes, incluir excluindo. Outras vezes, pode simplesmente ocorrer a conexão ou a
desconexão de determinado local. Quanto a este fato, manifesta-se Castells, fazendo
alusão à Internet:
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O que caracteriza a lógica de interconcexão embutida na infra-estrutura baseada da
Internet é que os lugares (e as pessoas) podem ser tão facilmente desligados quanto
podem ser ligados. A geografia das redes é uma geografia tanto de inclusão quanto de
exclusão, dependendo do valor atribuído por interesses socialmente dominantes a
qualquer lugar dado.[17]
O risco que está presente, neste cenário de espaço de fluxos, é a utilização do local
somente quando interesse ao global, pois - diante desta perspectiva - o local poderia
ficar esquecido. Como os fluxos se processam por meio de redes, no momento em que
esses não são alcançados por determinada região ou localidade, ela pode ficar
"desligada" das informações e das decisões que são tomadas em âmbito global.[18] Esse
processo é caracterizado, segundo Castells, por:
Um novo dualismo urbano [que] está surgindo da oposição entre o espaço de fluxos e o
espaço de lugares: o espaço de fluxos, que conecta lugares à distância com base em seu
valor de mercado, sua seleção social e sua superioridade infra-estrutural; o espaço de
lugares, que isola pessoas em seus bairros em decorrência de suas chances exíguas de
acesso a melhores locais (por causa de barreiras de preço), bem como à globalização
(por causa da falta de conectividade adequada). Isso é, contudo, apenas uma tendência
estrutural, porque as pessoas reagem efetivamente contra sua exclusão e afirmam seus
direitos e valores, muitas vezes usando a Internet para resistência e em apoio a seus
projetos alternativos [...]. Entretanto, na ausência de mobilização social e de políticas
norteadas pelo interesse público, as redes fragmentadoras, conseqüência da
desregulação excessiva das telecomunicações e da Internet, ameaçam contribui para
uma nova e fundamental clivagem social: a divisão digital global.[19]
Num contexto em que o mundo digital - das novas tecnologias em geral - passa a
direcionar, inclusive, os padrões de comportamento, podendo gerar opiniões e
consensos, conclui-se que, ou se busca a inclusão nessa nova estrutura social, ou se
estará fadado a uma exclusão informacional.
Muitas vezes, pode até ocorrer a união de regiões e locais para estruturar uma forma de
integração nas redes globais, até porque é preciso entender que a cidade global não é
apenas um lugar, mas um processo, por meio do qual se conectam em uma rede global
os centros de produção e de consumo, juntamente com os atores sociais.[20]
Salientam Borja e Castells[21], nesse sentido, que:
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[...] El espacio de los flujos está globalmente integrado, el espacio de los lugares está
localmente fragmentado. Uno de los mecanismos esenciales de dominación en nuestro
tiempo histórico es el predominio del espacio de los flujos sobre el espacio de los
lugares, que da lugar a dos universos distintos en los que se fragmentan, diluyen y
naturalizan las tradicionales relaciones de explotación. Las ciudades sólo podrán ser
recuperadas por sus ciudadados en la medida en que reconstruyan, de abajo a arriba, la
nueva relación história entre función y significado mediante la articulación entre local y
global [22].
Logo, uma alternativa para resgatar o valor da opinião de cada cidadão, o valor de cada
local é uma reestruturação das comunidades que venha acompanhada de um processo
que busque harmonizar local e global. Nesse contexto, faz-se necessário compreender
os processos que envolvem a relação entre local e global, o que se pode realizar com o
auxílio de Castells.
[...] De um lado, as elites globais dominantes que habitam o espaço de fluxos tendem a
ser formadas por indivíduos sem identidades específicas ("cidadãos do mundo"); ao
passo que, de outro lado, as pessoas que resistem à privação de seus direitos
econômicos, culturais e políticos tendem a se sentir atraídas pela identidade comunal.
Nesse contexto, devemos ainda acrescentar mais uma camada à dinâmica social da
sociedade em rede. Juntamente com aparatos do Estado, redes globais e indivíduos em
si próprios, existem também comunidades formadas a partir da identidade de
resistência. [23]
Assim, para fazer frente a essa estruturação da sociedade com base em fluxos que
circulam numa rede global e que podem, assim, representar a estruturação de ligações
desvinculadas das origens, das tradições do local, surge uma cultura de resistência. Tal
resistência é caracterizada pela busca da reestruturação das exigências locais e da
valorização do espaço comunitário mitigado pelo espaço dos fluxos.
Nesse diapasão, a identidade do território encontra-se nos governos locais e regionais,
aparecendo no mundo todo como atores importantes, em termos de representatividade e
intervenção. Afinal, estão bem mais posicionados, e por isso conseguem se ajustar às
"incessantes variações dos fluxos globais".[24]
Como bem explica Castells:
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[...] As comunidades locais construídas por meio da ação coletiva preservadas pela
memória coletiva, constituem fontes específicas de identidades. Essas identidades, no
entanto, consistem em reações defensivas contra as condições impostas pela desordem
global e pelas transformações, incontroláveis em ritmo acelerado. Elas constroem
abrigos, mas não paraísos [25].
Faz-se necessário buscar a organização em comunidades porque o poder da informação
pode gerar a exclusão diante da concentração de fluxos nas mãos de alguns, mas pode
também representar o grito de resistência de pequenas comunidades, não somente
buscando a inclusão em processos tecnológicos, mas, especialmente, preservando o
local dos ataques de destruição da cultura, das tradições, da paisagem, da história em
geral.
De acordo com Castells:
A nova forma de poder reside em si nos códigos da informação e nas imagens de
representação em torno das quais as sociedades organizam suas instituições e as
pessoas constroem suas vidas e decidem o seu comportamento. Este poder encontra-se
na mente das pessoas. Por isso o poder na Era da Informação é a um só tempo
identificável e difuso. Sabemos o que ele é, contudo não podemos tê-lo, porque o poder
é uma função de uma batalha ininterrupta pelos códigos culturais da sociedade. Quem,
ou que quer que vença a batalha das mentes das pessoas sairá vitorioso, pois aparatos
rígidos e poderosos não serão capazes de acompanhar, em um prazo razoável, mentes
mobilizadas em torno do poder detido por redes flexíveis e alternativas. Tais vitórias
podem ser efêmeras, pois a turbulência dos fluxos de informação manterão os códigos
em constante movimento. Por isso as identidades são tão importantes e, em última
análise, tão poderosas nessa estrutura de poder em constante mutação - porquanto
constroem interesses, valores e projetos, com base na experiência, e recusam-se a ser
dissolvidas estabelecendo uma relação específica entre natureza, história, geografia e
cultura. As identidades fixam as bases de seu poder em algumas partes da estrutura
social e, a partir daí, organizam sua resistência ou seus ataques na luta informacional
pelos códigos culturais que constroem o comportamento e, consequentemente, novas
instituições.[26]
Vive-se numa sociedade caracterizada pela adoção de novas tecnologias de informação,
as quais não são apenas ferramentas que devem ser aplicadas, mas processos que devem
ser construídos. Nesse sentido, usuários e criadores podem acabar se confundindo, e os
usuários podem acabar assumindo o controle da tecnologia, como aconteceu com a
internet. No entender de Castells "pela primeira vez na história, a mente humana é uma
força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo".[27]
8077
Assim, se as pessoas do local tiverem acesso a esse poder da informação, poderão
utilizá-lo para propiciar a preservação e a reestruturação das comunidades e para evitar
e reverter um processo de exclusão no tocante aos novos mecanismos que movem a
sociedade. Ladislau Dowbor ressalta, no mesmo sentido, a importância da informação e
da constituição de uma organização em redes que faça o poder local participar:
O que se apresenta como linha de trabalho, portanto, é um trabalho simultâneo de
reforço da organização dos sistemas locais de informação, e de organização das redes
que deverão valorizar esta informação e gerar efeitos multiplicadores. E a filosofia do
trabalho, dentro de uma visão de informação compartilhada, consiste em gerar,
sistematizar e circular a informação tendo como principal referencial a utilidade que
este esforço representa para os próprios atores sociais que desenvolvem o trabalho.[28]
Dowbor defende que a comunidade, o espaço local, é que pode resgatar o que a
globalização afastou/destruiu. Em vez de relegar e deixar totalmente abandonado o
espaço local, esse pode auxiliar a reestruturar a sociedade e reconstruir valores
imprescindíveis para que se possa pensar em participação e em desenvolvimento de uma
sociedade mais proporcional em distribuição desse novo poder que surge com a
sociedade em rede.[29]
O local e o global podem, assim, trabalhar em busca de um equilíbrio, porque será
extremamente necessário que o local tenha acesso às tecnologias e informações que são
processadas em âmbito global, mas sem que isso interfira em toda a estruturação de sua
identidade. Deverá ser mantida a identidade das pequenas localidades para que a
interface entre local e global possa, de forma harmônica e sem deixar seqüelas, ser
organizada:
Não há dúvida que para muitos o tema da comunidade "cheira" a passado, a bom
selvagem de Rousseau. Na realidade, basta atentar para o fato da pessoa hoje, para ser
cidadão, precisar pertencer a uma instituição, ter um emprego, para sentir a dimensão da
perda de cidadania ao se desarticular o espaço comunitário. Na linha dos aportes de
John Friedmann, o "empowerment", ou recuperação de cidadania, através do espaço
local, do espaço de vida do cidadão, é essencial. Caminhamos para a reconstituição das
comunidades, em outro nível, incorporando e capitalizando as próprias tecnologias hoje
desagregadoras.[30]
Assim, nesse primeiro momento, a intenção do presente texto foi a de analisar o quanto
os fluxos de informação podem trazer malefícios, proporcionando exclusão e
8078
desestruturação do local em privilégio do global. Mas, também, de defender o quanto a
inovação em informações e tecnologias, nas comunidades, pode propiciar um processo
de intercambiação entre local e global, no qual ambos serão valorizados. Diante dessa
perspectiva, percebe-se que no âmbito local é que reside a possibilidade não somente de
fazer frente a um processo de globalização negativa, que simplesmente descarta a
cultura do local, mas também de desencadear um processo de fomento da participação e
do maior conhecimento para a tomada de decisões. No momento em que se implementar
o espaço local, incentivando e possibilitando o acesso à informação, poder-se-á pensar
em efetiva democratização nesta sociedade caracterizada por novas tecnologias de
informação.
1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS
Como decorrência dos direitos de cidadania, temos como direito a participação, aqui em
especial no que tange à esfera pública, onde cada cidadão deve buscar sua integração.
Essa participação deve acompanhar de forma eficaz o que está sendo realizado e
discutido nesse locus, tanto no âmbito Executivo como Legislativo, para que cada
cidadão possa participar do planejamento das políticas públicas e, consequentemente,
intervir de forma argumentativa nesses espaços de participação.
Decorrente desses direitos, temos as audiências públicas que são canais de "participação
administrativa aberta aos indivíduos e a grupos sociais determinados, visando à
legitimidade da ação administrativa, formalmente disciplinada em lei", com a finalidade
de expressar as preferências e tendências dos segmentos, e que seja capaz de "conduzir
o Poder Público a uma decisão de maior aceitação consensual" para a sociedade[31].
Assim, o fundamento prático da realização da audiência pública consiste do interesse
público em produzirem-se atos legítimos, do interesse dos particulares em apresentar
argumentos e provas anteriormente à decisão, e, pelo menos em tese, também do
interesse do administrador em reduzir os riscos de erros de fato ou de direito em suas
decisões, para que possam produzir bons resultados.
As audiências públicas não devem ser consideradas como mera formalidade a ser
cumprida pelo Estado-administração, mas devem ser canais de abertura democrática,
com a finalidade de qualificar a gestão pública, visto serem um instrumento de consulta
aos cidadãos administrados, onde o governo possa visualizar o que pretende a sociedade
em termos de investimentos, programas e ações políticas, e, principalmente, informar
pedagogicamente todos os dados contábeis, financeiros, orçamentários e operacionais
do poder Estatal, inclusive à avaliação de resultados e verificação do cumprimento de
metas determinadas no processo de planejamento. Dessa forma, podemos afirmar que as
8079
audiências públicas permitem aos cidadãos fiscalizar, acompanhar e decidir sobre as
ações governamentais futuras e, em andamento.
Em vista de a audiência pública estar intimamente ligada às práticas democráticas,
constitui-se em um exercício de poder pelo povo junto à Administração Pública, pois
através desse mecanismo o cidadão não mais é visto como mero administrado, mas
como um "parceiro do administrador público"[32]. Mas é através da Lei de
Responsabilidade Fiscal que a realização das audiências públicas tornou-se prática
obrigatória em todos os níveis de Administração, abrangendo a integralidade das leis
orçamentarias. Com a previsão de forma expressa, o instituto tem-se difundido como
elemento fundamental de gestão, incorporando-se à agenda de debates e difundindo as
discussões sobre a formulação de políticas públicas.
A previsão na Lei de Responsabilidade Fiscal relaci¬ona-se de forma efetiva com a
ideia de controle social no âmbito das decisões públicas lato sensu, pois envolve tan¬to
a etapa desenvolvida no âmbito do Poder Executivo, de essência administrativa, quanto
o processo legislativo específico de elaboração das leis orçamentárias, sendo a audiência
pública fase específica e imprescindível para a regularidade da tramitação legislativa.
Quanto à etapa administrativa, a audiência pública é exigida em duas hipóteses
distintas: no controle das metas fiscais e na elaboração das leis orçamentárias.
De fato, é nas leis orçamentarias (PPA, LDO, LOA) que a participação da população
mostra-se, conforme referido, obrigatória tanto na fase de elaboração, coordenada pelo
Poder Executivo, quanto na discussão dos respectivos projetos de lei, o que acontece no
Poder Legislativo, caracterizando uma discussão especial relativa a essas matérias.
Contudo, é fundamental analisar a extensão e a profundidade das discussões realizadas
nas audiências públicas, pois de nada adianta transformá-las em simples ato formal para
atender ao disposto na citada Lei, tendo em vista que essas audiências, da forma vaga
como estão previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, podem legitimar as decisões
tomadas pelo corpo tecnocrático que compõe a Administração, especialmente em nível
federal, pois poderão servir como fóruns de aclamação de decisões pré-formuladas, o
que não contribui para a concretização do direito social.
Nesta ótica, não é suficiente a realização das audiências, se estas não vêm
acompanhadas de uma efetiva participação da cidadania, representada pelas entidades,
mas principalmente de forma direta. Soma-se a isso a necessidade de estas audiências
servirem para o esclarecimento da população acerca dos inúmeros fatores determinantes
da elaboração orçamentaria, inclusive quanto aos limites de gastos específicos com
educação e saúde, previstos na Carta Constitucional, sem olvidar os demais dados
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relativos às finanças públicas, que devem servir de base para a elaboração destes
projetos.
Este último aspecto deve-se materializar, dentre outras formas, através de indicadores
de desempenho a serem inseridos nos projetos orçamentados, o que permite um efetivo
controle das decisões pêlos cidadãos, pois, além de oportunizar uma melhor avaliação
da necessidade da inclusão dessas propostas como políticas prioritárias, servirá para o
posterior acompanhamento da execução orçamentaria. O plano plurianual, por exemplo,
que abrange um quadriénio, deixa de traduzir mera carta de intenções e passa a se
constituir num instrumento hábil para uma gestão planejada e passível de controle
social.
Neste novo paradigma, as obras públicas devem, em sua totalidade, estar inseridas nos
instrumentos de planejamento orçamentário, o que reduz o âmbito da discricionariedade
e, por conseguinte, facilita o acompanhamento ao longo da gestão. As políticas
públicas, com a exigência das audiências, tanto no Executivo quanto no Legislativo,
passam a ser planejadas com a população, que terá conhecimento prévio dos programas
que serão desenvolvidos a longo prazo, através do plano plurianual e, a curto prazo,
através das leis de diretrizes orçamentarias, e dos índices de desempenho a serem
atingidos, o que permite uma gestão mais transparente e passível de controle social. A
partir do planejamento, será mais fácil o acompanhamento e a posterior cobrança pela
responsabilidade em sua execução.
No entanto, é preciso avançar em relação ao regimento interno dos Poderes Legislativos
das diferentes esferas da Federação, a fim de permitir que tais audiências sirvam, de
fato, para a construção compartilhada de políticas públicas, não se constituindo apenas
em foros homologatórios de complexas peças resultantes do trabalho tecnocrático.
Dentre os aspectos a serem salientados, destaca-se a atual impossibilidade de os
cidadãos apresentarem emendas aos projetos, o que é competência exclusiva dos
parlamentares, situação que, além de desestimular a participação da sociedade, restringe
a eficácia do controle e da co-gestão.
Após breves comentários acerca das audiências públicas, deve-se ressaltar um ponto
muito importante que leva ao cabo esse trabalho, a forma de realização dessas
audiências públicas que, notadamente, são realizadas apenas formalmente, e não
substancialmente, com ampla discussão e participação. Isso permite-nos afirmar que não
é suficiente, para a construção de um direito social, traduzido pela legitimação das
decisões públicas a partir de uma qualificação do relacionamento entre Estado e
sociedade, a existência de novos mecanismos, se forem aplicados com uma visão
dogmático-reducionista. De nada adianta existir audiência pública como requisito de
validade para as leis orçamentárias, se essas forem meramente cartoriais, resultantes de
convocações em espaços de publicações legais na imprensa, além de analisarem
8081
projetos fechados, sem a possibilidade de emendas populares, a partir de deliberações
por aclamação.[33]
Mas o principal fator impeditivo para a legitimação do processo orçamentário a partir da
efetiva participação da cidadania ainda está nas restrições que a população encontra em
participar das audiências públicas nas esferas mais distantes da Federação,
principalmente a nacional. Nestas, a concepção de um direito social caracterizado pela
apropriação do espaço público estatal de parte da sociedade permanece ainda distante,
principalmente em face da dificuldade material de presenciar os processos decisórios.
Para atingirmos os resultados propostos por esse instrumento, é preciso garantir o maior
número possível de representação. Para tanto, é fundamental a realização das audiências
públicas em datas e horários que facilitem o comparecimento da população em, locais
de fácil acesso, com ampla divulgação e efetivo chamamento da população, e etc. Mas,
todos esses aspectos resultam no esvaziamento da participação, visto serem obstáculos à
promoção da efetiva participação.
Para tanto, a proposta alternativa seria a realização de audiências públicas eletrônicas,
onde essas se iniciariam em hora e lugar definidos anteriormente, e após
permanecessem abertas on-line em sites do Poder Executivo ou Legislativo, e , em
locais de fácil acesso, onde após algum período de tempo fossem encerradas novamente
no local de abertura. Certamente isso, oportunizaria maior participação e eficiência nas
audiências públicas.
Entende-se, assim, como essencial novos canais de aberturas e estratégias de
participação, tema que será proposto adiante, sob a perspectiva do Governo Eletrônico,
que surge como um novo canal de participação, capaz de transformar as audiências
públicas nessa nova perspectiva.
3 E-GOVERNO: UMA NOVA PERSPECTIVA DE GESTÃO PARTICIPATIVA
O uso das novas tecnologias da informação pelos governos na prestação de serviços e
informações para cidadãos, fornecedores e servidores constitui o que se convencionou
chamar de e-governo ou governo eletrônico. No Brasil, a melhor estratégia para
disseminação do uso da Internet na função pública e a definição de qual é o papel do
Estado no setor vêm sendo objeto de crescente debate, e, paralelamente, uma série de
iniciativas já foram introduzidas em todos os níveis de governo.
8082
A inovação de instrumentos de gestão, proporcionada pelas novas tecnologias da
informação e comunicação, atingiu também a esfera governamental e suas diversas
instâncias. Tal evolução proporcionou avanços em termos de participação,
transparência, interatividade e cidadania, os quais resultaram numa nova figura - o
governo eletrônico[34]. Essa virtualização do ambiente governamental, e sua
consequente apropriação do espaço cibernético, possibilitaram que os diversos atores
envolvidos, especialmente cidadãos e setor privado, aperfeiçoassem suas interações com
o governo, passando a ampliar o espectro de nós que formam a rede do governo. Esse
processo pode ser mais bem visualizado através da consecução de seus objetivos: a
implementação de infraestrutura de comunicação de dados; a modernização da gestão
administrativa e dos sistemas de informação; a prestação dos serviços públicos; a
transparência nas ações governamentais; e a racionalização dos gastos públicos. Mas a
proposta desse trabalho é implementação de audiências públicas eletrônicas.
Nesse sentido, a emergência de novas tecnologias de informação e de comunicação tem
sido objeto de grande atenção por parte dos governantes na medida em que afeta o
processo de tomada de decisões. O reconhecimento de que o surgimento desses fatores
exige mudanças na condução de governos democráticos e na forma de relacionamento
entre o setor público e a sociedade civil tem suscitado um amplo debate em torno de
como utilizar as novas tecnologias, em particular a Internet, para colocar em prática as
mudanças requeridas pelo novo ambiente.
As tecnologias de informação e de comunicação, de fato, abriram oportunidades para
transformar o relacionamento entre governo, cidadãos, sociedade civil organizada e
empresas, contribuindo para alcançar a boa governança, especialmente na dimensão
transparência. A tecnologia da informação auxilia a implementação da política pública a
tomar a decisão, mas também favorece o monitoramento da implementação, o controle
da política e a avaliação dos resultados, em termos da aplicação dos recursos, mas,
principalmente, na efetividade da política implementada. Ainda, em e-administração,
pode-se incluir a integração de políticas públicas entre as várias esferas de governo.
Dessa forma, reconhecendo as novas potencialidades relacionadas à ampliação dos
atores sociais envolvidos na gestão pública, a literatura vem crescentemente enfatizando
o tema de "governança" (governance), salientando novas tendências de administração
pública e de gestão de políticas públicas, particularmente a necessidade de mobilizar
todo conhecimento disponível na sociedade em benefício da melhoria da performance
administrativa e da democratização dos processos decisórios locais. De acordo com a
concepção de governança urbana, a melhoria da qualidade de vida nas cidades não é
negócio exclusivo de governo, mas sim tarefa e responsabilidade compartilhada entre
todas as organizações e os cidadãos que constituem o tecido institucional e social da
cidade.[35] Assim, a proposta de audiências públicas eletrônicas pode se tornar uma
nova ferramenta de mobilização da opinião pública, capaz de inovar o campo das
8083
audiências públicas, sendo uma forma de qualificar
participação.
4 A NESSESSIDADE
INOVADORAS
DA
ABERTURA
DAS
e esse instrumento de
POLÍTICAS
PÚBLICAS
No contexto das políticas públicas, o poder local necessita de modelos de gestão
inovadores, para que os gestores urbanos tratem das mudanças que a sociedade exige.
Dessa forma, a informação se torna um recurso estratégico cada vez mais importante
para a gestão urbana participativa. Como veremos adiante, o tema governo eletrônico
está na pauta da discussão sobre a aplicação das tecnologias de informação e
comunicação no setor público já há algum tempo, sendo explorado nas suas várias
dimensões, ou seja, como recurso tecnológico; comunicacional; de prestação de serviço;
como dispositivo informacional; para a democracia eletrônica, entre outras.[36]
O conceito de governo eletrônico não se restringe apenas à incorporação de novas
tecnologias para ampliar a capacidade de conexão entre governo e cidadão. As relações
dentro do próprio governo também se reinventam. O governo, nas suas mais diferentes
instâncias, passa a atuar em rede. Cada Poder, cada esfera, e seus respectivos
desdobramentos, trabalham como extensões, atuando como nós desta rede de governo.
O advento do governo eletrônico é resultado da aproximação dos nós entre todos os
atores: governo eletrônico, cidadãos, empresas, terceiro setor. Este conceito pode ser
mais bem visualizado a partir do estabelecimento dos objetivos do governo eletrônico:
implementação de infra-estrutura de comunicação de dados, integrando as redes de
todos os envolvidos no processo; a modernização da gestão administrativa e dos
sistemas de informação; a prestação online ao cidadão de todos os serviços públicos; a
adoção de transparência nas as ações governamentais que não exijam sigilo;
racionalização dos gastos públicos; e a disponibilização de computadores em locais
específicos que permitam que o cidadão acesse os serviços do governo através da
internet. Objetivos que pressupõem que o governo eletrônico precisa funcionar em
rede.[37]
Dentre as diversas tecnologias da informação que acabam por impulsionar este
processo, é a Internet aquela que se destaca como instrumento de interação entre os
vários setores da sociedade, e ainda, como principal responsável pelo desenvolvimento
de uma infraestrutura governamental que abre espaço para novos, serviços, negócios e
atividades. Assim ao incorporar essas novas tecnologias da informação e comunicação à
sua máquina administrativa, as organizações governamentais conectam-se entre si,
proporcionando interatividade das informações e deflagrando o governo eletrônico[38].
Cabe aqui uma determinação pontual: o conceito de governo abrange a gestão do poder
público em seus três poderes e nas três esferas (municipal, estadual e federal), enquanto
8084
"eletrônico" refere-se aos "qualificativos digitais". Assim, tem-se que governo
eletrônico é "um governo qualificado digitalmente, por ferramentas, mídias e
procedimentos, [...]".[39]
Nesse sentido, o desenvolvimento de programas de governo eletrônico tem como
princípio a utilização das modernas tecnologias de informação e comunicação (TICs)
para democratizar o acesso à informação, ampliar discussões e dinamizar a prestação de
serviços públicos com foco na eficiência e efetividade das funções governamentais. No
Brasil, a política de governo eletrônico segue um conjunto de diretrizes que atuam em
três frentes fundamentais: junto ao cidadão; na melhoria da sua própria gestão interna; e
na integração com parceiros e fornecedores.[40]
Assim, ao se utilizar as TICs para o relacionamento com os cidadãos, a ação dos
governos passa a ter incidência sobre as práticas e visões de cidadania existentes na
sociedade civil. Consequentemente, essa incidência não é mecânica, nem pode ser
considerada de maneira determinista. "Muito menos há neutralidade nas relações
estabelecidas. Mesmo que se valha de formas relativamente semelhantes, no nível do
aparato técnico e tecnológico, as práticas de relacionamento entre governo e cidadãos
podem assumir diferentes conteúdos" e, com isso, influenciar distintamente os
processos de prática de cidadania. "A qualidade e profundidade das relações
estabelecidas, em termos individuais e coletivos, interagem com os processos sociais
mais amplos". O escopo dessas relações vai desde a relação individual do cidadão com
o governo, em busca de serviços públicos, até as relações de governança entre governos
e a sociedade organizada. Então, "para se compreender as possibilidades de
relacionamento entre governos e indivíduos ou a sociedade organizada por meio da
Internet do chamado governo eletrônico é preciso deslocar o olhar para além dos
recursos tecnológicos" oferecidos e situá-lo sobre processos sociais concretos em que os
cidadãos e a sociedade interagem com o Estado na disputa pela construção de direitos.
"Trata-se, portanto, de evitar a redução do tema a um objeto meramente técnico, que
despolitiza o problema". A saída é estabelecer como ponto de referência os direitos de
cidadania para disputar o conteúdo e as formas de gestão dos usos das TICs na relação
entre governos e cidadãos. Não é de "melhores práticas" que se fala, mas de conquista
de direitos.[41]
As possibilidades de promoção da cidadania por meio da Internet podem ser entendidas
como aquelas que permitem a facilitação do acesso e o exercício de direitos. "É possível
estabelecer uma tipologia de direitos que podem receber impactos do uso de portais ou
websites governamentais", como: direito à informação de interesse particular; direito
aos serviços públicos; direito ao próprio tempo; direito a ser ouvido pelo
governo; direito ao controle social do governo; direito à participação na gestão
pública.[42]
O direito a ser ouvido pelo governo "materializa-se tanto em nível individual,
favorecendo o contato do cidadão com o governo, quanto em termos coletivos, por meio
8085
de canais de contato com a sociedade organizada". Sua abrangência também incorpora
desde demandas particulares até aquelas envolvendo direitos coletivos e difusos.
Para a promoção desse direito é possível empregar recursos de interatividade como
ouvidorias pela Internet, centrais de atendimento eletrônico ou telefônico, fóruns
eletrônicos, pesquisas de opinião e avaliação de serviços públicos via Internet. A
existência de canais permanentes de contato voltados a assegurar ao cidadão o direito a
ser ouvido é um recurso que não garante necessariamente que os cidadãos e suas
organizações intervenham sobre as ações dos governos. Entretanto, cria condições
preliminares e um ambiente propício para que o exercício do direito à participação
cidadã e ao controle social do governo sejam efetivados.[43]
O controle social do governo está diretamente associado à promoção da transparência,
ao permitir o acompanhamento da formulação de políticas e das iniciativas de governo
pelos cidadãos e por suas organizações. "Cria condições para o estabelecimento de
relações de confiança entre governados e governantes e legitima as ações destes
últimos. Por outro lado, requer a existência de mecanismos de prestação de contas dos
atos governamentais". Diante disso, a categoria de direitos promovidos pelo uso da
Internet, inclue as iniciativas que permitem essa prestação de contas e sua apropriação
pela sociedade. Portanto, "incorpora iniciativas de acesso de cidadãos a informações
sobre as ações do governo, fundadas na noção de direito à informação pública
permitindo-lhes acompanhar, avaliar e controlar o desempenho governamental".
Podem-se citar como exemplos disso: a publicação de demonstrativos financeiros,
relatórios de atividades de órgãos públicos, planos de governo, andamento de obras e
divulgação de licitações.[44]
Ao contrário do controle social do governo, de caráter basicamente coletivo, a
participação cidadã materializa-se pela ação individual dos cidadãos ou de suas
organizações, enquanto atores sociais dotados de projetos próprios. Iniciativas de
comunicação interativa entre governos e cidadãos que permitam a estes intervir de
alguma forma, na gestão dos serviços e das políticas públicas, em tese podem
materializar-se e fortalecer o direito à participação política no âmbito do governo.
Incluem-se aqui as possibilidades de "participar de processos de discussão coletivos por
meio de recursos de interatividade presentes nos portais, as possibilidades de opinar
sobre projetos do governo e até mesmo as experiências de votação por meio da
Internet", ainda não disseminadas. Ainda podem ser classificadas nessa categoria as
ações de divulgação e estímulo à atuação em processos participativos promovidos pelo
governo, como, por exemplo, o Orçamento Participativo, as audiências públicas, as
consultas e as orientações sobre os requisitos para participação.[45]
Sendo assim, a tendência da formulação do conceito e da prática em governo eletrônico
é abordá-lo na perspectiva do uso da Internet e, mais especificamente, na criação e
disponibilização de sites. Como recurso de conectividade e comunicação, a Internet e o
site são, atualmente, indispensáveis. Não obstante, alguns autores[46] convergem sobre
8086
o tema ao afirmarem que um governo eletrônico não se institui somente pelo uso da
Internet. É necessário promover transformações de forma interligada e com influências
recíprocas, visando propiciar um ambiente informacional adequado. Essas ações
voltam-se para: a) mudanças organizacionais; b) mudanças nos processos de trabalho; c)
substituição do aparato tecnológico; d) mudanças culturais.[47]
Essas mudanças remontam às argumentações da reforma do aparato do Estado e do
modelo de administração pública. Dessa forma, Joia[48] afirma que "o sucesso de
governo eletrônico anda pari-passu, com o sucesso da reforma do próprio Estado, sendo
dois conceitos complementares".
O princípio fundamental e relevante das mudanças necessárias é a "qualidade dos
serviços prestados na perspectiva do usuário", ou o foco no cidadão. "Um site do
governo eletrônico descolado do processo de transformação das práticas no âmbito
interno das organizações estatais corre o risco de reproduzir práticas burocráticas com
outra interface". Nesse sentido, pode-se adotar a definição de governo eletrônico como a
"contínua otimização da prestação de serviços do governo, da participação dos cidadãos
e da administração das relações internas e externas através da tecnologia, da Internet e
dos novos meios de comunicação".[49]
A noção de governo eletrônico é um objeto ainda em disputa. Abordagens mais
conservadoras tendem a depositar sobre ele expectativas de aporte de maior eficiência e
alcance na participação e no controle social, nos moldes em que a sociedade já se
organiza. Trata-se, portanto, de uma visão de modernização conservadora das relações
entre sociedade civil e governos, em que a participação é instrumentalizada em função
da eficiência alocativa ou da construção ideológica de legitimação de governos[50].
Em termos das ações dos governos para estimular a participação cidadã por meio da
Internet, o ponto de partida é o entendimento da informação como direito do cidadão,
bem público e fundamento para o acesso a uma série de outros direitos, dispondo de um
caráter de promotora de uma "alavancagem" destes. A participação e o controle social
sobre o governo dependem da circulação de informação. Não se trata, no entanto,
unicamente de uma questão de montante de informação veiculado, mas também da
forma de sua apresentação, de maneira a atingir um público amplo e de fortalecer
processos políticos. A Internet pode funcionar como "um canal a mais" na relação do
Estado com o cidadão, sem ser capaz de substituir outras formas de relacionamento.[51]
Nesse sentido, a cidadania é beneficiada pela absorção desse processo evolutivo das
tecnologias na esfera governamental, colocando a Internet como principal responsável
por essa democratização das relações entre o Estado e o cidadão, "possibilitando a
inversão total da relação de ex parte principis para ex parte populis, acabando com os
últimos vestígios do segredo e do poder invisível". Os Poderes Judiciário, Legislativo e
8087
Executivo mais contribuirão para o fomento da cidadania quanto mais estiverem
aparelhados e se utilizarem dessas tecnologias: "A Internet se transformará na grande
ONG virtual. Seremos partícipes da governabilidade".[52]
Os institutos eletrônicos interpõem-se então, como verdadeiro objeto de favorecimento
para interconexão entre governo e cidadão, oportunizando maior participação social na
gestão governamental. O cidadão inscreve sua identidade neste sistema, afastando a
padronização de condutas, outrora sedimentadas, que tinham fulcro na postura
dominante do governo, quaisquer que fosse sua esfera. Nesta proposição, a tendência
autoritária governamental conhece a variável da transparência e da comunicação. As
relações entre as partes, cidadão e governo, reinventam-se em intensidade, extensão e
confiabilidade.[53]
Dessa forma, ao introduzirem as modernas tecnologias da informação em seu âmbito, as
sociedades democráticas ampliam a possibilidade de transparência nos atos dos
governantes, "permitindo o exercício da participação de todos. Através dos recursos
tecnológicos tornou-se viável o acompanhamento do cidadão em momentos decisivos
do País," como na elaboração e votação de leis, decretos, emendas; na fiscalização da
aplicação dos recursos financeiros; nas decisões do Supremo Tribunal Federal.
Consoante a isso, a privacidade da Internet se "diluirá" na transparência e
disponibilidade de dados e das ações públicas.[54]
Em síntese, o governo eletrônico representa uma nova maneira de gerenciar e ofertar o
serviço público, ou seja, "a transformação dos serviços governamentais e da
governança, visando ao beneficio dos consumidores e cidadãos, é o alvo principal do
governo eletrônico".[55] Dessa forma, o governo eletrônico se insere em um contexto
que evidencia sua importância segundo três fatores: o crescimento das expectativas dos
clientes; a globalização e o progresso tecnológico; e a reforma/reinvenção do governo.
O primeiro e o último fatores estão diretamente relacionados com a dimensão da
governança e com a prestação de serviço, evidenciadas pelo governo eletrônico.[56]
Sendo assim, pode-se compreender que o governo eletrônico é muito mais que um site.
Ele pode ser concebido como recurso, forma e meio de relação entre organizações do
Estado e a sociedade civil; uma relação que visa, permanentemente, superar a lógica do
guichê de atendimento, onde a razão é monológica. De forma coerente, um governo
eletrônico, baseado na relação dialógica entre Estado e cidadão, só se efetiva se a
desconstrução dos guichês for uma iniciativa adotada em todo o aparato do Estado. O
governo eletrônico deve inserir-se no contexto das transformações nas organizações do
Estado e representá-las em seu site, entendendo o site do governo eletrônico como um
recurso de atendimento ao cidadão.[57]
5 CIDADANIA ATIVA E EMPODERAMENTO SOCIAL LOCAL
8088
A cidadania ativa está vinculada a uma sociedade específica e que também deve gerar
nos seus membros um sentimento de pertencimento e reconhecimento das necessidades
humanas e básicas suas e do outro. No entanto, na prática tal premissa não é tão
simples, pois há de se ter certas reservas e cautelas com os discursos disseminados na
sociedade contemporânea, assim como compreender o quanto distantes estão as pessoas
de se identificarem pertencentes a uma comunidade, não considerando os seus
semelhantes como "mero estranhos".
Dentro da atual conjuntura, observa-se que a globalização tem contribuído
sistematicamente para romper com as fronteiras estatais por um lado; já de outro lado,
tem criado mecanismos de distanciamento e aumento significativo das desigualdades
sociais entre as sociedades contemporâneas, pois, o ritmo vivido nesse contexto
fragiliza as estruturas e instituições sociais de cada sociedade[58].
Ao se falar em redes devemos ter em mente, nas visões delineadas no presente
ensaio, as relacionamentos dentro de um ideário democrático, participativo e de
cidadania ativa. Numa primeira concepção podemos vislumbrar o entendimento de Rose
Marie Inojosa, que nos ensina que:
[...] rede é parceria voluntária para a realização de um propósito comum. Implica, nesse
sentido, a existência de entes autônomos que, movidos por uma idéia abraçada
coletivamente, livremente e mantendo sua própria identidade, articulam-se para realizar
objetivos comuns. As redes se tecem através do compartilhamento de interpretações e
sentidos e da realização de ações articuladas pelos parceiros.[59]
Ou seja, para a autora se nota o respeito pela autonomia do sujeito (ou ente),
articulando-se para objetivos comuns do grupo, desempenhando ações que vinculam os
parceiros ao requerido objeto almejado. Ao se manter a identidade própria, nota-se a
permanência do ideário de horizontalidade no trato gestacional dos laços que se ligam
os atores sociais dentro da rede.
Castells nos ensina que "em uma rede, por definição, não tem centro, mas
apenas nós de diferentes dimensões e relações internodais que são frequentemente
assimétricas. Entretanto, em última instância, todos os nós são necessários para a
existência da rede."[60]
8089
Entende-se com isso que não há um centro único e propulsor da rede, mas
pequenos núcleos "nós" capazes de fomentar e emitir decisões para os outros pontos da
rede. Quando se fala em redes, é de notar que não há dirigismos, sob pena de cairmos
em centros de controle, os quais não permitiriam o livre desempenho das atividades,
servindo para obstruir a devida comunicação.
Na atualidade, é imprescindível, dentro de uma política pública que busque a
emancipação social local (empoderamento), que a atuação seja horizontalizada em rede.
Afinal, em ambientes em que haja dirigismos coativos, não haverá a devida expressão
da vontade dos atores sociais que compõem o tecido formativo das redes sociais.
O termo empoderamento é visto sob a ótica de um verbo transitivo e
intransitivo. Labonte[61] nos ensina que o verbo empoderar, transitivamente, pode ser
visto com o significado de "dar poder a outros" e, intransitivamente, como um processo
de aumento de auto estima e influência sobre a vida das próprias pessoas.
Antes de qualquer coisa, devemos salientar que empoderamento social local está
vinculado ao capital social, não sendo sinônimos de uma mesma coisa. Primeiro se
devem afastar as dúvidas de que capital social não é sinônimo de empoderamento. O
capital social é um dos catalisadores passíveis de interagir na construção de um maior
empoderamento social. Veja nas palavras de Durston:
El empoderamiento ha sido definido como el proceso por el cual la autoridad y la
habilidad se ganan, se desarrollan, se toman o se facilitan (STAPLES, 1990).
Alternativamente, el énfasis está en que el grupo y las personas protagonizan su propio
empoderamiento, no en una entidad superior que les da poder (SEN, 1998). Es la
antítesis del paternalismo, y la esencia de la autogestión mediante la pedagogía
constructivita, que construye sobre las fuerzas existentes de una persona o grupo social sus capacidades - para <<potenciarías>>, es decir, aumentar y realizar esas fuerzas
potenciales preexistentes.[62]
Prossegue o autor delimitando que é em ambientes com maior capital social que
podemos vislumbrar uma amplitude de possibilidades de empoderamento social na
consecução de ideários favorativos frente aos detentores do poder político. É através da
organização, do associativismo e da ampliação de redes de inter-relação social que as
comunidades podem desempenhar melhor seu papel na construção de sua emancipação
social.
8090
Nesse sentido podemos citar o professor Ferdinand Cavalcanti Pereira que nos
ensina que:
Empoderamento significa em geral a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos
quando participam de espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos
direitos sociais. Essa consciência ultrapassa a tomada de iniciativa individual de
conhecimento e superação de uma situação particular (realidade) em que se encontra,
até atingir a compreensão de teias complexas de relações sociais que informam
contextos econômicos e políticos mais abrangentes. O empoderamento possibilita tanto
a aquisição da emancipação individual, quanto a consciência coletiva necessária para a
superação da "dependência social e dominação política". Enfim, superação da condição
de desempoderamento das populações pobres, as quais, segundo Nyerere (1979), não
podem se desenvolver se não tiverem poder.[63]
A criação de redes na formação de maior capital humano, gerado através do
capital social, permite uma maior construção do empoderamento social local no trato da
res publica. Não se procura mais a manutenção do status quo ante, mas a participação
efetiva dos atores sociais na construção de maior vínculo associativo no que lhes diz
respeito.
CONCLUSÃO
Tal perspectiva, visa colocar o governo ao alcance de todos, ampliando a transparência
das suas ações e incrementando a participação cidadã por meio eletrônico nas
audiências públicas.
Acredita-se que a utilização da Internet como ferramenta de abertura democrática é um
instrumento capaz de realizar a prestação de serviços com eficiência e eficácia, pois
representa um caminho para melhorar os serviços prestados aos cidadãos. Por meio
desses expedientes, julga-se ser possível atender a demandas mais específicas da
população, permitindo que ela possa ter uma participação mais efetiva na gestão
pública, tanto definindo prioridades quanto fiscalizando e controlando as ações do
governo.
Dessa forma, só é possível falar de governança eletrônica como uso das tecnologias da
informação e comunicação (TICs), aplicado à relação entre governo e sociedade
organizada a partir do entendimento das possibilidades tecnológicas ofertadas pelos
recursos do chamado "governo eletrônico". Em que pesem diferenças de enfoque, todos
os autores compartilham a mesma noção de governo eletrônico como aplicação
8091
intensiva das TICs aos processos de prestação de serviços e relacionamento dos
governos com os cidadãos pela intermediação eletrônica, contínua e remotamente.
Portanto, o surgimento do governo eletrônico serve como forma de ampliar a
institucionalização da cidadania, que é seu pressuposto essencial, e essa tendência teve
seu salto quântico quando da virtualização do ambiente governamental. Podemos
afirmar, que essa reconfiguração de E - Governo não pressupõe um novo instituto, pois
o governo ainda continua sendo o mesmo; apenas amplia as possibilidades de
participação do cidadão no atendimento às suas necessidades. Dessa forma, a
formatação eletrônica das audiências públicas certamente seria um diferencial
participativo e qualitativo e, em consequência, agregaria rapidez e resolutividade nas
ações governamentais que atingiriam mais transparência e controle social,
desburocratizando a Administração Pública e tornando-a mais aberta e interativa com a
sociedade.
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[1] CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v.1. 6.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002,
p. 67.
8095
[2] CASTELLS, Ibidem, p. 67.
[3] CASTELLS, Ibidem, p. 65.
[4] CASTELLS, op. cit., p. 501.
[5] CASTELLS, Ibidem, p. 501.
[6] CASTELLS, Ibidem, p. 501.
[7] CASTELLS, Ibidem, p. 501.
[8] CASTELLS, Ibidem, p. 502.
[9] CASTELLS, op. cit., p. 502.
[10] CASTELLS, Ibidem, p. 502.
[11] CASTELLS, op. cit., p. 503.
[12] CASTELLS, Ibidem, p. 504.
[13] CASTELLS, Ibidem, p. 504-505.
[14] CASTELLS, op. cit., p. 506.
[15] CASTELLS, Ibidem, p. 517-518.
[16] "[...] O fenômeno da cidade global não pode ser reduzido a alguns núcleos urbanos
no topo da hierarquia. É um processo que conecta serviços avançados, centros
produtores e mercados em uma rede global com intensidade diferente e em diferente
escala, dependendo da relativa importância das atividades localizadas em cada área visà-vis a rede global. Em cada país a arquitetura de formação de redes reproduz-se em
centros locais e regionais, de forma que o sistema todo fique interconectado em âmbito
global. Os territórios em torno desses nós desempenham uma função cada vez mais
subordinada, à vezes, perdendo a importância (ou até mesmo a função)" (Castells, 2002,
p. 470-1).
[17] CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios
e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 196.
[18] CASTELLS, 2003, Ibidem, p. 196.
[19] CASTELLS, 2003, op. cit., p. 197-198.
[20] CASTELLS, 2002, op. cit., p. 476.
[21] BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Local y global: la gestión de las ciudades en
la era de la información. 5.ed. Madrid: Santillana, 2000, p. 67.
8096
[22] Tradução livre: "[...] O espaço dos fluxos está globalmente integrado, o espaço dos
lugares está localmente fragmentado. Um dos mecanismos essenciais de dominação no
nosso tempo histórico é o predomínio do espaço dos fluxos sobre o espaço dos lugares,
que dá lugar a dois universos distintos nos quais se fragmentam, diluem e naturalizam
as tradicionais relações de exploração. As cidades somente poderão ser recuperadas por
seus cidadãos na medida em que reconstruam, de baixo para cima, a nova relação
histórica entre função e significado mediante a articulação entre local e global".
[23] CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v.1. 6.ed. São Paulo: Paz e Terra,
2002, p. 419-420.
[24] CASTELLS, 1999, op. cit., p. 421.
[25] Castells, 1999, Ibidem, p. 422.
[26] CASTELLS, 1999, op. cit., p. 423-424.
[27] CASTELLS, 2002, op. cit., p. 69.
[28] DOWBOR, Ladislau. Redes de informação de gestão local. São Paulo: mar. 2001.
Disponível em: <http://ppbr.com/ld/infomunic.asp> Acesso em: 24 ago. 2009.
[29] DOWBOR, Ladislau. Da globalização ao poder local: a nova hierarquia dos
espaços. São Paulo, jun. 1995. Disponível em: <http://ppbr.com/ld/5espaco.asp>
Acesso em: 24 jul. 2008.
[30] DOWBOR, 1995, Ibidem.
[31]MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito de participação política:
legislativa, administrativa, judicial (fundamentos e técnicas constitucionais de
legitimidade). Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 129.
[32]SOARES, Fabiana de Menezes. Direito administrativo de participação de
participação (cidadania, direito, Estado e Município). Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p.
169
[33] HERMANY, Ricardo. (Re)discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do
direito social de Gurvitch. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2007.
[34] O desenvolvimento de programas de Governo Eletrônico tem como princípio a
utilização das modernas tecnologias de informação e comunicação (TICs) para
democratizar o acesso à informação, ampliar discussões e dinamizar a prestação de
serviços públicos com foco na eficiência e efetividade das funções governamentais. No
Brasil, a política de Governo Eletrônico segue um conjunto de diretrizes que atuam em
três frentes fundamentais: junto ao cidadão; na melhoria da sua própria gestão interna; e
na integração com parceiros e fornecedores. O que se pretende com o Programa de
8097
Governo Eletrônico brasileiro é a transformação das relações do Governo com os
cidadãos, empresas e também entre os órgãos do próprio governo de forma a aprimorar
a qualidade dos serviços prestados; promover a interação com empresas e indústrias; e
fortalecer a participação cidadã por meio do acesso a informação e a uma administração
mais eficiente. Disponível em: http://www.governoeletronico.gov.br/o-gov.br. Acesso
em: 04 de abril de 2009.
[35] PUTNAM, R. Bowling alone: the collapse and revival of american community.
New York: Simon & Schuster, 2001; SCHERER-WARREN, I. Cidadania sem
fronteiras: ações coletivas na era da globalização. Rio de Janeiro: Hucitec, 1999;
CASTELLS, M. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e
cultura, v. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
[36] RIBEIRO, C.A. Op. cit., p. 74.
[37] POMAR, C.; HOESCHL, H.C.; GARCIA, T.H.B.; COELHO, C.R. O governo
eletrônico respondendo às propensões da presença da administração pública no
ciberespaço. In: II CIBERÉTICA, Simpósio Internacional de Propriedade Intelectual,
Informação e Ética; VIII ENIDJ, Encontro Nacional de Informação e Documentação
Jurídica, Florianópolis, 2003, p. 2.
[38] POMAR, C.; HOESCHL, H.C.; GARCIA, T.H.B.; COELHO, C.R. O governo
eletrônico respondendo às propensões da presença da administração pública no
ciberespaço. In: II CIBERÉTICA, Simpósio Internacional de Propriedade Intelectual,
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Jurídica, Florianópolis, 2003,
[39] HOESCHL, H.C. Cenário evolutivo: o futuro do governo eletrônico. Revista
Consultor Jurídico, 22 out. 2002, p. 11.
[40] BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Governo Eletrônico.
2008. Disponível em: <http://www.governoeletronico.gov.br/o-gov.br>. Acesso em: 19
set. 2008.
[41]VAZ, J.C.; MARTINEZ, F.; CARTY, W. Usar a Internet no orçamento
participativo. In: Dicas - Idéias para a Ação Municipal, n. 214, 2004. Disponível em
<http://polis.org.br/publicacoes/dicas/241209.html>. Acesso em: 19 set. 2008.
[42] VAZ, J.C. Governança eletrônica:... Op. cit.
[43] VAZ, J.C. Governança eletrônica: para... Op. cit.
[44] Idem, ibidem.
[45] VAZ, J.C. Governança eletrônica: para... Op. cit.
[46] JOIA, L.A. O que é governo eletrônico. Fundação Getúlio Vargas. Instituto Pólis,
2002. Disponível em: <http://wwwpolis.org.br/publicacoes/artigos>. Acesso em: 19 set.
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2008; SOARES, A.P.F.M. Instrumentos gerenciais utilizados na administração pública
com foco no cidadão. Dissertação (Mestrado) - Fundação Getúlio Vargas, 2002.
[47] SOARES, A.P.F.M. Op. cit.
[48] JOIA, L.A. Op. cit.
[49] FERGUSON, M. Estratégias de governo eletrônico: o cenário internacional em
desenvolvimento. In: EISENBERGER, J.; CEPIK, M. Internet e política: teoria e
prática da democracia eletrônica. Belo Horizonte: UFMG, 2002, p. 105.
[50] VAZ, J.C. Governança eletrônica: para... Op. cit.
[51] VAZ, J.C.; MARTINEZ, F.; CARTY, W. Usar a Internet no orçamento
participativo... Op. cit.
[52] ROVER, A.J. (Org). Direito, sociedade e informática. Limites e perspectivas da
vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2000, p. 36.
[53] POMAR, C.; HOESCHL, H.C.; GARCIA, T.H.B.; COELHO, C.R. Op. cit., p. 5.
[54] ROVER, Op. cit., p. 32.
[55] FERGUSON, M. Op. cit., p. 120.
[56] Idem, p. 106.
[57] RIBEIRO, C.A. Op. cit., p. 80-81.
[58] BAUMAN, Zygmund. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução de
Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2005, p.58.
[59] INOJOSA, Rose Marie. Redes e redes sociais: versão preliminar. São Paulo:
FUNDAP, 1998, p. 1-2.
[60] CASTELLS, 2002, op. cit.
[61] LABONTE, R. Health promotion and empowerment: reflections on professional
practice. Health Education Quarterly, v. 21,1994, p. 253 - 268.
[62] DURSTON, J. Capital social. Parte Del problema, parte de La solución. Su papel
en La persistencia y en La superación de La pobreza en América Latina y El Caribe.
Documento de Referência, Santiago de Chile: Comisión Econômica para America
Latina y Caribe, 2001, p. 187.
[63] FERDINAND, Cavalcanti Pereira. O que é empoderamento? Disponível em
http://www.fapepi.pi.gov.br/novafapepi/sapiencia8/artigos1.php. <acesso em 10 de Jul,
2008>
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