Para o Curso – Sistema Nervoso – o aluno deverá adquirir as competências relacionadas aos tópicos das páginas 21,22,23,55 e 56, do livro ―Anóxia Neonatal e seqüelas neurológicas‖ (2005) da Ed. Átomo. O texto do livro encontra-se à disposição, a seguir. ANÓXIA NEONATAL E SEQUELAS NEUROLÓGICAS Carolina Araújo Rodrigues Funayama Ribeirão Preto (SP) 2005 8 Agradecimentos Este texto é resultado da dedicação de profissionais envolvidos com a problemática da anóxia neonatal, seu diagnóstico, suas seqüelas, e principalmente sua prevenção, na geração de conhecimentos e aplicação em nível assistencial. São equipes integrantes de programas de pós-graduação strictu senso da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e de Ambulatórios especializados do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Agradecemos profundamente a estas equipes, nas pessoas de seus responsáveis por ocasião do desenvolvimento deste projeto. Profa. Dra. Maria Valeriana Leme de Moura Ribeiro – Setor de Neurologia Infantil, Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica. Programa de Pós-Graduação em Neurologia. Prof. Dr. Arthur Lopes Gonçalves – Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Departamento de Pediatria e Puericultura. Programa de PósGraduação em Pediatria. Prof. Dr. Sérgio Pereira da Cunha. Setor de Obstetrícia. Departamento de Ginecologia e Obstetrícia. Programa de Pós-Graduação em Ginecologia e Obstetrícia. Prof. Dr. Ricardo Gorayeb – Setor de Psicologia Clínica. Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica. Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental. Prof. Dr. Júlio César Daneluzzi – Centro Médico Social de Vila Lobato. Departamento de Pediatria e Puericultura. Programa de PósGraduação em Pediatria. Prof. Dr. João Monteiro de Pina Neto – Genética Clínica. Departamento de Genética. Programa de Pós-Graduação em Genética. Carolina Araújo Rodrigues Funayama 9 Conteúdo INTRODUÇÃO MORTALIDADE POR ANÓXIA NEONATAL 11 CRITÉRIOS PARA DIAGNÓSTICO DE ANÓXIA NEONATAL 18 A ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA PERINATAL (EHI) 21 FISIOPATOGENIA DA EHI 22 SEMIOLOGIA DA EHI EM RECÉM-NASCIDO DE TERMO 31 CLASSIFICAÇÃO DA EHI NO RECÉM-NASCIDO DE TERMO 34 EHI EM NASCIDOS DE TERMO COM BAIXO PESO PARA IDADE GESTACIONAL 40 INCIDÊNCIA DA EHI NO RECÉM-NASCIDO DE TERMO 42 DISTRIBUIÇÃO DE FATORES MATERNOS E OBSTÉTRICOS NOS GRUPOS COM ANÓXIA NEONATAL E CONTROLE 45 VALOR PROGNÓSTICO DOS ANTECEDENTES MATERNOS E OBSTÉTRICOS PARA PARALISIA CEREBRAL E ATRASO NEUROMOTOR 48 ÍNDICE DE APGAR E EHI 49 ÍNDICE DE APGAR VERSUS CLASSIFICAÇÃO DA EHI COMO VALOR PROGNÓSTICO NEUROLÓGICO 50 EHI E SEQUELAS NEUROLÓGICAS 51 FATOR HERDABILIDADE NO APARECIMENTO DA CRISE NEONATAL DA EHI 54 COMO EVOLUI A HIPOTONIA DA EHI 55 UM ESTUDO SOBRE DESENVOLVIMENTO NEUROMOTOR DISSOCIADO- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL PARA O ATRASO NEUROMOTOR 57 EHI ENTRE AS CAUSAS DE PARALISIA CEREBRAL 59 O DIAGNÓSTICO RETROSPECTIVO DA EHI 73 CONSIDERAÇÕES FINAIS 75 SUGESTÕES PARA MEDIDAS DE PREVENÇÃO DA ANÓXIA FETAL E NEONATAL 77 10 INTRODUÇÃO A anóxia perinatal ainda desperta interesse científico e político-social neste início do século XXI, uma vez que continua situando-se entre as causas mais freqüentes de óbito neonatal no mundo, e nos sobreviventes deixa seqüelas que podem ser graves, requerendo ações preventivas em seus diversos níveis. O presente volume trata da conseqüência da anóxia perinatal sobre o sistema nervoso: a encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI), que será tratada em tópicos de interesse clínico. Inicia focalizando a questão da mortalidade por anóxia neonatal, e, em seguida, apresenta em recorte dados de estudos desenvolvidos, que elucidaram questões como a caracterização das manifestações clínicas da asfixia sobre o sistema nervoso central do recém-nascido de termo, a relação entre asfixia verificada ao nascimento e seqüelas neurológicas, a hipotonia durante o desenvolvimento, como diagnóstico diferencial, a incidência da EHI no HCRP e o diagnóstico etiológico da paralisia cerebral, com enfoque na prevenção primária das deficiências. 11 1. MORTALIDADE POR ANÓXIA NEONATAL Para a análise de informações sobre mortalidade, devem ser levadas em consideração questões como o consenso e a confiabilidade nas notações das causas do óbito, metodologia para medidas de desigualdade em saúde, entre outras. No sentido do consenso, além das questões taxonômicas, observa-se a preocupação com o enfoque da notação dirigida para fins de estratégias de prevenção. Nesse sentido, Wigglesworth (1980) sugere a identificação de óbitos perinatais baseada em uma classificação segundo a qualidade das condutas obstétricas e neonatais. O Centro da Organização Mundial da Saúde (OMS) para Classificação de Doenças em Português (Laurenti & Mello Jorge, 1981) propôs uma listagem mais ampla, incluindo complicações maternas, obstétricas e fetais. A Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE, 1991) elaborou uma classificação, agrupando os códigos do Código Internacional de Doenças (CID) segundo causas afins: 1- reduzíveis por adequado controle da gravidez; 2- reduzíveis por adequada atenção ao parto; 3- reduzíveis por diagnóstico e tratamento precoces; 4- parcialmente reduzíveis; 5- não evitáveis; 6- outras causas. Carvalho & Silver (1995), em estudo realizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, analisaram a concordância entre as anotações nos atestados de óbito ocorridos entre 1986 e 1987, e as causas definidas a partir da análise do prontuário do recém-nascido. Estas foram anotadas segundo os critérios modificados pela OMS (1981), e classificadas segundo a proposta do SEADE (1991). Observaram concordância de apenas 38% entre as anotações 12 antigas e as modificadas e constataram que, com a revisão dos prontuários, complicações maternas aumentaram 12,8 vezes, e complicações relacionadas à placenta, cordão, trabalho de parto ou parto, 6,2 vezes. Levando-se em consideração tais ressalvas, procedemos às observações que se seguem, incluindo-se fontes governamentais ou estudos pontuais de diversos autores. Comparando-se as taxas de mortalidade neonatal precoce (menos de 7 dias) somadas à tardia (7 a 28 dias) por 10000 nascidos vivos1, nos últimos anos do século XX, verifica-se a partir de fonte da OMS e em pesquisas pontuais (Parras, 1994; Kaempfer et al, 2000; Bussaw et al, 2001; Alvares Ponce et al, 2002; Jekova, 2002), que as diferenças continuam alarmantes segundo o nível de desenvolvimento, sendo estimadas taxas como 6,6 no Canadá, 9 na Espanha, 46 nos Estados Unidos, 82 na Bulgária, 471 na Índia, 1180 no Kênia. Na América Latina, o Haiti e a Bolívia detêm as maiores taxas, 1048 e 600 respectivamente, sendo as menores em Cuba, estimadas em 39, e no Chile em 60/10000. No Brasil, obtivemos em estudos na última década, estimativas de taxas de mortalidade neonatal por 10000 nascidos vivos, de 127 em Porto Alegre (RS) (Miura, Failace & Fiori, 1997), 130 em Juiz de Fora (MG) (Neves, 2001), 156 na área Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ) (Leal & Szwarcwald, 1996), 169,9 em Goiânia (GO) (Morais Neto et al, 2001) e 202 em Belo Horizonte (MG) (Lansky, França e Leal, 2002). No Estado de São Paulo, Kilstajn et al (2003) estimam taxas próximas às citadas nas diversas cidades do Sul, Sudeste e Centro, sendo 170/10000. 1 estas taxas referem-se a taxas globais, e não diferenciam os grupos nascidos a termo do pré-termo, nem AIG do PIG. 13 Considerando-se a taxa de mortalidade entre 7 e 28 dias/10000, segundo estimativas do Ministério da Saúde, Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI), Base de Dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as estimativas demográficas da mortalidade infantil para as regiões Norte, Nordeste (exceto Mato Grosso do Sul) e para o Estado de Minas Gerais vêm reduzindo, exceto para a região CentroOeste, como evidenciado na Tabela I. Tabela I - Taxa de mortalidade neonatal tardia nas grandes regiões brasileiras (em dez mil nascimentos) Regiões 1991 1996 1998 Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 45 92 35 31 33 40 71 32 28 34 43 58 31 24 36 Fontes Base de Dados do SIM, SINASC e IBGE Rede interagencial de informações - Ministério da Saúde Estas taxas globais por países, estados ou municípios, no entanto, são diferentes segundo os diversos indicadores de risco para as doenças infantis, bem como segundo análise da distribuição espacial em uma mesma região. Goldani et al (2001), por exemplo, referem que a área mais pobre da cidade de Ribeirão Preto (SP) apresentou contínuo acréscimo na mortalidade infantil no período observado. Concluem que as áreas pobres desta cidade apresentam taxas de mortalidade infantil mais elevadas quando comparadas a áreas mais privilegiadas, e que o nível de desigualdade social urbana, representado pela distribuiçäo do salário do chefe de família, 14 apontou piora contínua da saúde das crianças residentes na área pobre da cidade em detrimento às outras áreas. Esta desigualdade é registrada também por Ribeiro (2003) em diversas regiões brasileiras, principalmente no Nordeste, e por outros autores nacionais, anteriormente citados, em diversas localidades do país. Entre outros países, onde há diferenças marcantes nas classes sociais, Rivera (1994) e Victora (2003) registram o fato na Bolívia, Pattinson (2003), na África do Sul. Alguns dos fatores de risco para a mortalidade neonatal são apontados pelo Ministério da Saúde da Nicarágua, em boletim no ano de 2003. Refere que, devido à problemática da mortalidade perinatal, realizou um diagnóstico situacional da atenção obstétrica e perinatal em 21 hospitais de sua rede de serviços, encontrando como causas principais associadas a altas taxas de mortalidade perinatal os problemas de organização de serviços, falta de controle, de gerenciamento e de manutenção de equipamentos, debilidades no sistema de informação e registro, além de insuficientes insumos médicos. Neste sentido, propõe diretrizes para intervenção. Outros fatores têm sido apontados, como o analfabetismo materno, por exemplo. Em extensivo estudo sobre as medidas de desigualdade em saúde, Szwarcwald, Bastos & Andrade (2002) encontraram em recém-nascidos com peso inferior a 2500g taxa de mortalidade neonatal de 98/1000 entre filhos de mães analfabetas, contra 9/1000 entre os de mães com nível superior de escolaridade. Em relação ao coeficiente de mortalidade entre recémnascidos com peso de 2500 ou mais, o Grupo Técnico de Informações de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES), obteve coeficiente de 27/10000 nascidos vivos no triênio 1997 a 1999. Neste triênio, o banco de dados consistiu no processamento de todas as Declarações de Óbitos e Nascidos 15 Vivos, coletadas nos Cartórios de Registro Civil dos municípios paulistas, realizada pela SEADE, em parceria com a SES. Quando se avaliam as causas de óbito neonatal, a anóxia neonatal, apontada como "asfixia ao nascimento", encontra-se entre as principais causas em todos os países. Segundo a OPS, no final do século XX, as causas perinatais nas américas foram responsáveis por 38% das mortes abaixo de 5 anos, sendo 41% decorrentes de problemas na gestação e parto, das quais, a asfixia perinatal responde por 21%. Nos países desenvolvidos, a taxa de óbitos por malformações congênitas e por doença da membrana hialina, iguala ou supera pouco a de asfixia ao nascimento. Segundo dados recentes da OMS (WHO, 2003), a freqüência de óbito decorrente de asfixia ao nascimento é maior na primeira ou segunda semana. Há diferenças que variam desde menos que 10% dos óbitos, como observados na Áustria, a mais de 60%, como constatados na Nicarágua e Venezuela. Diante da alta freqüência da asfixia neonatal como causa de óbito, consideramos de grande interesse o conhecimento da sua real dimensão em nosso meio. Rotta & Lago (1984), em estudo epidemiológico hospitalar sobre doenças neurológicas neonatais no Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS), entre os anos de 1979 e 1980, encontraram diagnóstico de anóxia neonatal em 37 (5,6%) de 650 recém-nascidos, incluindo nascidos pré-termo, com morbidades neonatais. Moura-Ribeiro & Gonçalves (2004) encontraram 32 (50,8%) recém-nascidos com anóxia neonatal entre 63 com afecções neurológicas em nascimentos de termo consecutivos de fevereiro a julho de 1998. A utilização de dados em hospitais públicos entre os pacientes não conveniados ou não pagantes fornece um recorte da situação das classes sociais menos favorecidas. No Hospital 16 das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP), no qüinqüênio 19821986, de 16674 recém-nascidos vivos, 1114 (6,68%) apresentaram asfixia perinatal, e destes, 288 (17,3%) foram a óbito neonatal. Entre o total de nascidos vivos, dois terços eram nascidos pré-termo ou tinham peso abaixo de 2500g (Funayama, 1990). Estudando especificamente recém-nascidos pré-termo, Mauad Filho et al (1995) avaliaram 359 gestações assistidas na Clínica Obstétrica do HCRP, em 1991. Relatam incidência de 11,4% de nascimento pré-termo, e destes, 58% com idades entre 34 e 36 semanas gestacionais. Entre os nascidos com 28 semanas ou menos, houve 95% de óbitos, ocorrendo desde poucos minutos até dois dias de vida. Concluem que o pré-termo ainda continua apresentando altos índices de morbimortalidade, e que deve ser assistido por uma equipe especializada, com o intuito de entender e minimizar os danos decorrentes da imaturidade funcional. Nos primeiros anos deste século XXI, a taxa de nascimento pré-termo vem aumentando e constitui-se na principal causa da alta taxa de mortalidade por afecções perinatais, principalmente os de baixo peso esperado para a idade gestacional, como apontado por Serafim (2002) e Kilsztajn et al (2003). A ocorrência de anóxia em recém-nascidos pré-termo está relacionada, em parte, à vulnerabilidade do cérebro imaturo ao ambiente extra-uterino, estando os procedimentos para a manutenção da vida em unidades de tratamento intensivo (UTIs) longe de substituir a unidade materno-feto-placenta. Entretanto, fatores antenatais podem estar envolvidos, levando à agressão hipóxica ou isquêmica ainda antes do nascimento. Bejar et al (1988, 1990) encontrou lesões antenatais em 10% de uma amostra de recém-nascidos pré-termo de gravidez única, e em 17 30% em gemelares monocoriônicos, por ultra-sonografia nas primeiras 72 horas. Em relação à gestação de gemelares, a equipe de gestação de alto risco do HCRP tem realizado pesquisas no sentido de evitar o nascimento de prematuros extremos. Uma conduta conservadora, acompanhando o crescimento do feto vivo até a gestação atingir pelo menos 32 semanas, adotada pela equipe de gestação de alto risco do HCRP, foi benéfica para a prevenção de problemas relacionados à prematuridade, e de seqüelas neurológicas. Dez crianças com idade mediana de 42 meses, cujo irmão gêmeo foi a óbito no segundo ou terceiro trimestre de gestação, foram examinadas sob o aspecto neurológico (Funayama et al, 2002). Entre as dez crianças, apenas uma desenvolveu leve monoparesia crural, decorrente de intercorrências neonatais. Entre as cinco que tiveram placentação monocoriônica, nenhuma apresentou síndrome da transfusão feto-fetal. A prevenção do nascimento pré-termo, bem como de suas complicações em vários aspectos do desenvolvimento, tem sido focalizada com preocupação, principalmente considerandose a crescente incidência em todo o mundo (Greer et al, 1999; Lems et al, 1993; Kok et al, 1998; Buiatti,1998; Martins, Linhares & Martinez, 2000; Lemons et al, 2001; Isotani et al, 2002; Linhares et al, 2002; Pereira & Funayama,2004). Estudo de extensa casuística brasileira aponta para problemas sociais como mães primíparas, mães sem companheiro e o hábito de fumar entre os principais fatores de risco de nascimento prétermo (Barbieri et al, 2000). Medidas de educação continuada têm sido tomadas pelas sociedades médicas, além da participação cada vez mais consciente da comunidade (Alencar Jr, 2001; WHO, 2003) 18 2. CRITÉRIOS PARA DIAGNÓSTICO DE ANÓXIA NEONATAL A palavra anóxia, aplicada à fisiopatogenia do processo que ocorre em nível tissular, torna-se inapropriada uma vez que o que ocorre é uma redução do suprimento de oxigênio, o que deveria ser chamado então hipóxia. Entretanto, a terminologia consagrou-se, em função dos vários relatos e lendas sobre asfixia por afogamento e enforcamento, situações que literalmente estão de acordo com o fenômeno de anóxia, ou seja, falta de oxigênio à tentativa de respiração. Manteremos aqui a terminologia consagrada. Dessa forma, segundo Courville (1950), o que hoje chamamos de anóxia neonatal por intercorrências no parto, no século XVIII foi denominada ―sufocação no recém-nascido‖ por Roederer em 1760, ―asfixia neofitorum‖ por Ehrhart em 1785, ―asfixia neonatorum‖ por Regnier em 1789, e ―morte aparente no recém-nascido‖ por Löfler em 1792. Quando se estuda anóxia perinatal, uma das dificuldades que se colocam prontamente são os indicadores para o diagnóstico. Em relação aos indicadores relacionados ao nascimento, como afirmou Virgínia Apgar em 1953, inicialmente, recorria-se ao intervalo de tempo entre o nascimento e a primeira respiração ou o primeiro choro para considerar-se o diagnóstico de anóxia neonatal. Porém, outros elementos mais objetivos eram necessários para avaliar a condição do concepto. Assim, Apgar (1953) apresentou um escore de avaliação do estado do concepto, que conhecemos por seu nome, propondo a observação de 5 parâmetros após 60 segundos do nascimento: freqüência cardíaca, irritabilidade reflexa, tonicidade global, esforço respiratório e cor da pele, estabelecendo um valor 19 mínimo de zero e máximo igual a 2 para cada parâmetro; considerou que um índice menor que 3 no 1o minuto implica em ―pobre condição‖ do concepto. Observe-se que em sua proposta, Apgar não se refere estritamente à anóxia, mas ao estado ou nível de depressão do recém-nascido. Como observam Crawford, Daves & Pearson (1973) e Crawford (1982), o baixo Índice de Apgar revela depressão no estado geral do neonato, que tanto pode ser devida a uma hipóxia, como a drogas depressoras do sistema nervoso, a traumatismos ou à inibição laríngea por estimulação com o cateter, por exemplo. Por outro lado, os critérios diagnósticos de asfixia têm sido variáveis, ora focalizando-se em medidas de monitorização ultra-sonográfica durante a gestação (Nomura et al, 2003) ou intra-parto (Cleirici, Luzietti & Di Renzo, 2001), ora considerando-se os fatores de risco de asfixia, levando-se ou não em conta a condição de nascimento do concepto, como por exemplo a medida do pH sanguíneo (Sykes et al, 1982; Francisco et al, 2000). Para Marx, Nahajan & Miclat (1977), o pH arterial do concepto só é útil imediatamente ao despreendimento fetal, pois no primeiro minuto e nos seguintes atinge valores variáveis, dependentes do tipo de atendimento utilizado. Para Sykes et al (1982), a medida do pH arterial não se constitui bom indicador de asfixia, pois somente em 19% daqueles com Índice de Apgar menor que 7 no 5o minuto, o pH foi menor que 7,10 e o excesso de base maior ou igual a 13 mmol/l, imediatamente ao parto. A relação entre cardiotocografia e pH inferior a 7,20 (p = 0,001) foi observada recentemente por Francisco et al (2000). A experiência clínica tem mostrado, no entanto, que o escore de Apgar não é um guia certo para a asfixia, e que nem a asfixia é a única causa de acidemia, pois variações rápidas no pH sanguíneo podem ocorrer por variações na perfusão fetal, seja 20 pela mudança na hidrostática após rompimento das membranas, seja pelo esforço no canal do parto, como ligado à motilidade e esforço para o choro imediato. Crawford (1982) sugere que e o diagnóstico de ―asfixia‖ deve ser baseado em um senso comum de apreciação das características da gravidez, trabalho de parto e procedimentos pós-natais imediatos, como a necessidade de entubação orotraqueal. Assim, a partir das ponderações acima apresentadas, para os estudos realizados com crianças nascidas de termo no HCRP, considerou-se anóxia neonatal a ocorrência de ambos os eventos: 1- História perinatal desfavorável, com um ou mais fatores de risco de sofrimento fetal intrauterino; 2- Índice de Apgar inferior a 7 no primeiro minuto após o nascimento. Duas questões foram respondidas em estudos realizados no período de 1982 a 1990 no HCRP: uma sobre a caracterização das manifestações clínicas da asfixia sobre o sistema nervoso central do recém-nascido de termo (Funayama, 1985; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1991), e a outra sobre a relação entre asfixia verificada ao nascimento e seqüelas neurológicas (Funayama, 1990; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1997). Mais recentemente, estudou-se no HCRP o diagnóstico etiológico da paralisia cerebral, com enfoque na prevenção primária das deficiências (Funayama et al, 2000; Caram, 2002). 21 3. A ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA PERINATAL (EHI) A relação entre a anóxia perinatal e as manifestações neurológicas dela decorrentes tem sido objeto de estudos desde meados do século XVIII, sejam estas manifestações no período imediato ao nascimento, isto é, EHI, ou sejam posteriormente, apresentando-se como retardo no desenvolvimento neuromotor (RDNM) ou paralisia cerebral (PC), caracterizada pelas seqüelas motoras por lesão em vias piramidais, gânglios da base ou cerebelares. Em 1983, Fenichel, com base em dados de sua própria casuística e em literatura dos países desenvolvidos, observou que entre recém-nascidos de termo, 5% sofrem algum grau de anóxia. Destes que sofrem anóxia, cerca de 5% apresentam comprometimento cerebral, isto é, EHI. Não fez referência à freqüência de seqüelas neurológicas. Em relação à EHI no recém-nascido de termo, os estudos de Brown et al (1974) e Volpe (1976) destacaram-se na descrição da semiologia neurológica da fase aguda. Mas foi a proposição de uma classificação para a EHI perinatal apresentada por Sarnat & Sarnat (1976), que, passando a ser utilizada amplamente, permitiu comparação entre os diversos serviços, em todo o mundo, quanto a sua incidência, seus indicadores de prognóstico e caracterização de suas seqüelas. Em relação à EHI no recém-nascido pré-termo, as intercorrências hemodinâmicas, com alta taxa de hemorragia peri ou intra-ventricular, não possibilitam a caracterização semiológica clínica para a EHI, que muitas vezes mostra-se assintomática, detectada apenas por ultra-sonografia. 3.1 FISIOPATOGENIA DA ENCEFALOPATIA HIPÓXICOISQUÊMICA (EHI) 22 A hipóxia aguda cerebral no recém-nascido, decorrente de condições patológicas maternas, obstétricas e/ou do próprio concepto, ocorre mais freqüentemente no contexto do fenômeno isquêmico determinado por hipofluxo cerebral (Lou, Lassen & Friis-Hansen, 1977). A hipóxia isolada, sem isquemia é mais rara, ocorrendo, por exemplo, na síndrome de aspiração de mecônio (Madi et al, 2003), a que está mais sujeito o recém-nascido póstermo (McMahon, Kuller & Jankowitz, 1996) ou por refluxo gastro-esofágico após cesariana (Zhao, Zhang & Wang, 1996). Cabe lembrar, portanto, que as lesões cerebrais não são comumente decorrentes de fenômeno puramente hipóxico, sendo a isquemia o principal fator, o que levou à utilização do nome ―encefalopatia hipóxico-isquêmica‖, ou como Rosemberg (1974) bem denominou, ―encefalopatias circulatórias pré e perinatais‖. Na situação mais comum de isquemia por hipofluxo, as áreas mais freqüentemente prejudicadas correspondem às zonas limítrofes das artérias cerebrais anterior, média e posterior, principalmente em territórios parietais posteriores, tal como ocorre em estados hipoglicêmicos (Volpe & Pasternak, 1977). O território carotídeo é o principal acometido. O envolvimento da artéria cerebral posterior deve-se provavelmente à sua origem embriológica no sistema carotídeo e a comunicante posterior de grosso calibre no cérebro imaturo, sendo somente durante a vida embrionária tardia ou fetal precoce, que a parte distal desta artéria começa a receber contribuição sanguínea da artéria basilar (Rosemberg, 1974). No encéfalo, além do infarto em zonas limítrofes, observa-se comprometimento seletivo neuronal em áreas corticais e tronco, oligodendroglial subcortical e periventricular, além do status marmoratus nos núcleos da base, descrito por Vogt, em 1920, segundo Courville (1950). Os achados cerebrais foram descritos a partir de estudos em macacos (Windle, 1963; Myers, 1975), de 23 necropsia (Rosemberg, 1974; Nakamura et al, 1986), e têm sido possível diagnosticar in vivo por meio de exames por imagem, sendo o mais recente, ressonância magnética com espectroscopia (Fan et al, 2003; Khong et al, 2003). Quanto ao período em que ocorre o dano neuronal, existe variabilidade regional. Por exemplo, em culturas organotípicas de células em meio livre de glicose, o período para o dano de neurônios hipocampais foi mais precoce do que o dos corticais, sendo o dano na zona CA1 em 7 minutos, na CA3 e nas camadas corticais II, III, V e VI em 30 minutos, e camada IV em 60 minutos. Ocorrem também diferentes períodos para o dano neuronal ou glial, dependendo da interação, se neurônio-neurônio ou glia-neurônio, sendo, por exemplo, em 7 minutos a ativação microglial subjacente a áreas hipocampais isquemiadas (Bernaudin et al, 1998). Marin-Padilla (1997) apresenta estudo abrangente anatomopatológico cortical das lesões hipóxico-isquêmicas, e também hemorrágicas, perinatais relacionadas à evolução para disfunção epiléptica focal. Refere que ocorrem mudanças na substância cinzenta após comprometimento da substância branca, mesmo que a circulação cortical permaneça intacta, observando-se, por exemplo, reconstrução desordenada do neuropilo, e grandes neurônios, com longos dendritos cobertos por espinhas. Quanto à vulnerabilidade dos astrócitos à agressão hipóxicoisquêmica, em cultura de células gliais, Zhao & Flavin (2000) demonstraram que os astrócitos do hipocampo são mais vulneráveis, com morte em 2 horas após hipóxia e hipoglicemia, que os astrócitos corticais, que morrem em 8 horas. Na medula espinhal, Sladky & Rorke (1986) descreveram 21 casos (2,3%) entre 900 necrópsias consecutivas ocorridas até o quarto dia de vida. Padrões distintos de lesão foram observados: no recém-nascido pré-termo – infarto em zonas limítrofes e hematomielia dissecando para o parênquima, sendo os segmentos 24 lombossacrais os mais acometidos e a região central da medula completamente necrótica, com relativa preservação da periferia; No recém-nascido de termo – necrose neuronal difusa, com prejuízo neuronal maior ventromedial. O cérebro imaturo apresenta particularidades, que devem ser consideradas quando se tomam os achados em cérebros maduros como modelo fisiopatogênico: - O compartimento intracelular está em franco processo de produção e regulação de fatores ligados ao crescimento e especializações funcionais. Há menor número de sinapses. O compartimento extracelular é maior, tendo-se que considerar, portanto, um terceiro espaço com valores de pH diferentes do intravascular (Greene & Rosén, 1995). 2. Quanto à vasculatura, além da vulnerabilidade decorrente da constituição incompleta das camadas da parede vascular, o endotélio capilar se apresenta mais permeável por serem as células ainda espaçadas. As ―tight junctions‖ amadurecem por volta do período final da gestação a termo e, mesmo no adulto, os vasos da substância branca permanecem mais permeáveis do que os da substância cinzenta (Tagaya & Del Zoppo, 1997). 3. As áreas corticais mais prejudicadas pela hipóxia isolada são as mais amadurecidas no período em que ocorre o evento (Barth et al, 1984). 4. No período final da gestação, coincidem maturação e maior vulnerabilidade em neurônios motores inferiores (medula espinhal), proprioceptivos bulbares, núcleos de nervos cranianos do tronco, o diencéfalo, núcleos da base e córtex nas zonas de projeções primárias, como a sensoriomotora (áreas 4, 3, 1, 2 de Brodmann, pré e pós-rolândicas). Nestas áreas, os pontos mais seletivamente atingidos, por serem mais sensíveis a hipóxia, são os que concentram maior número de receptores NMDA de glutamato, como as camadas III, V e VI corticais, a CA1 hipocampal, as 25 células de Purkinje, o putamen e caudado (Ikonomidou et al, 1989). 5. A oligodendróglia também concentra grande proporção de glutamato, provavelmente por troca com a cistina intracelular. Este mecanismo e a alta vulnerabilidade da oligodendróglia aos radicais livres são possíveis causas da leucomalácia periventricular ou subcortical do pré-termo (Oka et al, 1993; Volpe, 2001). 6. As vias glutamatérgicas, excitatórias, estão mais maduras no recém-nascido que as gabaérgicas, inibitórias (Moshé, 1987). A resposta à falta de oxigênio nas terminações sinápticas é a de intensa liberação de aminoácido excitatório (Ikonomidou et al, 1989). Por outro lado, foi demonstrado que os neurônios gabaérgicos (inibitórios) em neocórtex de rato de 6 dias de idade, em sistema de cultura, são os primeiros a apresentar sinais de morte celular, quando submetidos à hipóxia (Romijn, Ruijter & Wolters, 1988). Portanto, os mecanismos que culminam em convulsão, evento freqüente na EHI perinatal, se devem a eventos decorrentes da hipóxia, como o excesso de neurotransmissores excitatórios, maior vulnerabilidade dos neurônios inibitórios e limitação na produção dos neurônios inibitórios devido à imaturidade. O Kainato, outro receptor ionotrópico de glutamato, ligado ao sódio, pode ter o seu papel em recém-nascidos: óxido nítrico e prostaglandinas participam da vasodilatação induzida pelo kainato em suínos recém-nascidos (Bari, Louis & Busija, 1997). O papel do kainato é enfoque atual entre os estudos relacionados à hipóxia, principalmente às crises no cérebro imaturo. Tandon et al (2002) referem que, em ratos maduros, crises induzidas por ácido kaínico aumentam com repetidas doses e deixam grave dano hipocampal, mas que em ratos imaturos as crises tendem a reduzir com doses repetidas e nenhum dano histológico foi notado em qualquer dos ratos expostos a crises recorrentes. Sugerem que no rato imaturo ocorra redução no número de receptores kaínicos (downregulation) com o processo de indução pelo ácido kaínico, e 26 que a redução na densidade dos receptores de glutamato pode se dever, em parte, a falta de perda neuronal e baixa intensidade de crises nesses animais. Diante destes achados, o kainato revela-se como um fator de proteção no animal imaturo. Em modelos experimentais, houve nas últimas décadas grande avanço nos estudos sobre as alterações bioquímicas provocadas pela hipóxia e isquemia. Porém, especificamente sobre o período perinatal, os modelos em animais imaturos ainda vêm se aperfeiçoando. Após o processo isquêmico inicial, decorrente do hipofluxo cerebral, em período variável, dependente de características teciduais, ocorre a reperfusão, durante a qual há dois momentos importantes, críticos no processo metabólico da área central, da isquemia e da área de penumbra (que se encontra próxima à área central da isquemia). A primeira ocorrência é a hiperperfusão, em que o fluxo sangüíneo cerebral atinge valores superiores aos pré-isquêmicos (Hossman & Kleihues, 1973). Nesse período há novo aporte de oxigênio e glicose para os tecidos, bem como os demais componentes sanguíneos. A demanda metabólica é intensa. Pode ocorrer quadro de vasoparalisia, com pequena diferença venosa e arterial de oxigênio, ao que Lassen (1966) chamou de ―perfusão de luxo‖. A segunda ocorrência é o fenômeno do ―no reflow‖ (Ames, Wright & Kowada, 1968), ou seja, há queda do fluxo sangüíneo cerebral, para valores inferiores aos pré-isquêmicos (―misery perfusion‖ de Lassen, 1966). Na hipóxia isolada, sem isquemia, o aporte cerebral de glicose mantém-se, ou ainda, pode ser maior, por elevação no fluxo sangüíneo cerebral decorrente da vasodilatação induzida pela maior concentração de CO2. Por outro lado, pode haver alentecimento no processo de difusão facilitada da glicose na membrana celular, em decorrência da redução, induzida pela hipóxia, na atividade da proteína carreadora da glicose. Na 27 isquemia, a redução do aporte de glicose ocorre em decorrência do hipofluxo e também devido ao alentecimento no processo de difusão. Seja na hipóxia ou isquemia, a demanda de glicose tecidual é acentuada em decorrência do metabolismo intenso. A via glicolítica, sob condição hipóxica, aumenta a produção de ácido lático, e produz apenas dois mols de ATP por mol de glicose. A hipoglicemia induz a célula à busca de outras fontes energéticas. No tecido nervoso humano imaturo a captação dos corpos cetônicos é três vezes maior do que no tecido maduro, embora a síntese hepática dos corpos cetônicos ainda esteja baixa no período neonatal. Entretanto, estas alternativas energéticas são mais dependentes de O2 do que a glicose sendo, portanto, a glicose a principal fonte energética cerebral, mesmo em situação de hipóxia (Greene & Rosén, 1995). Em animais maduros, estados hiperglicêmicos promovem importante aumento dos radicais hidroxilas livres tanto na fase isquêmica como na de reperfusão (Wei et al, 1997), observando-se aumento também na área infartada (Quast et al, 1997). Há evidências, entretanto, segundo estes mesmos autores, que a hiperglicemia favorece a saída de cálcio da célula na agressão isquêmica. No animal imaturo, a condição fisiológica de menor taxa de captação cerebral de glicose pode ser um mecanismo limitante do dano tecidual, em caso de hiperglicemia (Levene, Hornberg & Williams, 1985). O processo de morte neuronal na isquemia inclui também a apoptose, além da necrose, que constitui o evento maior. Genes inibidores de apoptose celular como a bclx-L da família bcl2, podem proteger o neurônio contra a apoptose, no desenvolvimento normal do sistema nervoso como também da morte celular induzida por isquemia, por exemplo (Farlie et al, 1995; Macaya, 1996; Parsadanian et al, 1998). Além da ativação de enzimas reparadoras de DNA, há evidências de que a ativação da via MAPK/ErK ½ (mitogen- 28 activated protein kinase/extracellular signal related kinase) pode proteger o astrócito da isquemia (Jiang et al, 2002). Estas kinases são ativadas em resposta a estímulos extracelulares e mostram especificidade diferencial para seus substratos. As alterações bioquímicas que ocorrem no processo citotóxico têm sido extensivamente elucidadas nas duas últimas décadas (Sampaio et al, 1996; Bari, Louis & Busija, 1997; Parsadanian et al, 1998), e são resumidas como se segue. Na isquemia ocorre redução do aporte de O2 e de glicose. Reduzindo-se os níveis de ATP por falta de O2, desencadeia-se uma série de mecanismos de proteção e de agressão. Entre os de proteção energética, há maior eliminação de íons H+ para equilíbrio ácido-básico interno, ativação de enzimas e moléculas que mantêm a integridade das membranas e outros componentes da célula, como adenosina A1, aumento do glutation, vitaminas A, E e C, proteossomas e enzimas que participam no processo antioxidante: superóxido dismutase, catalases, peroxidases, glutation peroxidase, glutation transferase, por exemplo (Floyd, 1997). A falha na bomba de sódio e potássio leva à despolarização das membranas com abertura de canais de sódio e cálcio voltagem dependentes. Na terminação pré-sináptica desencadeia-se intensa liberação de glutamato, a partir da qual eventos danosos ocorrem, e que podem levar à morte da célula (excitotoxicidade), da seguinte forma: Na membrana pós-sináptica há hiperestimulação dos receptores de glutamato ionotrópicos: AMPA (quisqualato) que está acoplado principalmente a canais de sódio, e o NMDA, a canais de cálcio. Ocorre intensa passagem de sódio e cálcio para o espaço intracelular. A maior concentração de sódio intracelular atrai água para dentro da célula, contribuindo para a piora do edema citotóxico. O aumento da concentração de íons cálcio no espaço intracelular induz atividades enzimáticas muito acima da 29 capacidade fisiológica: as proteases, como a óxido nítrico-sintetase produzindo óxido nítrico a partir do aminoácido L-arginina; fosfolipases A2 e C que quebram lípides de membrana produzindo o ácido aracdônico e as endonucleases, catalizando reações orna sti. Na mitocôndria, o cálcio induz distúrbios na produção de energia, liberando radicais de oxigênio livres. Além do óxido nítrico e oxigênio, outros radicais são liberados nas reações como os de hidroxila, cobre e ferro, que se liberam da ferritina e da hemoglobina. Estes reagem desordenadamente com constituintes da membrana celular, levando à desintegração. O ferro livre também cataliza reações que acentuam a produção de radicais hidroxilas, fazendo aumentar a acidose e esta, por sua vez, favorece mais liberação de glutamato para a fenda sináptica. Produtos liberados para o meio extracelular, como o óxido nítrico e íons H+, chegam à fenda sináptica, e estimulam a liberação de mais glutamato na terminação pré-sináptica, aumentando o risco excitotóxico (Levene, Hornberg & Williams, 1985). Em animais adultos, tanto no período de isquemia como no de reperfusão, mas principalmente neste, acentua-se a produção de radicais livres em decorrência do suprimento energético, que propicia superoxidações (Kumura et al, 1996; Garnier et al, 2001). A enzima xantina-oxidase utiliza o oxigênio para converter hipoxantina (derivada do ATP) em xantina e esta, através da xantina-oxidase, para ácido úrico, reação que libera mais radical de O2 livre. Os radicais hidroxilas livres foram detectados em maior proporção na área de penumbra do que na área central, e este aumento se fez em estágio mais tardio (Soleski et al, 1997). Em modelos experimentais, e também em recém-nascidos humanos, foi demonstrado que inibidores da ciclooxigenase (catalizadora de reações do ácido aracdônico, que produzem as prostaglandinas e tromboxane), como a indometacina, reduzem o fluxo basal (Pourcyrous et al, 1994). 30 Assim, desde o transporte nas membranas, síntese orna st, função mitocondrial e os mecanismos gênicos podem estar afetados. Células que apresentam mais proteínas carreadoras de cálcio como a calbindin-D 28K parecem ser mais resistentes à morte (Orrenius & Nicotera, 1994). A inervação colinérgica pode estar envolvida na modulação da concentração de cálcio livre intracelular, enquanto a inervação não colinérgica exerce seu efeito através de mecanismo dependente de AMP cíclico (Koike, Tanaka & Ito, 1994). As células gliais de algumas regiões do cérebro normal também expressam receptores NMDA. Entretanto, após a isquemia, ocorre expressão funcional do subtipo 2B no hipocampo, onde normalmente não é detectado (Krebs et al, 2003). A condição de acidose parece ter influência crucial no dano dos astrócitos em cultura (Swanson, Farrel & Stein, 1997). O processo pelo qual a isquemia focal conduz a mudanças inflamatórias na vasculatura inclui a agressão hipóxica, a liberação de citocinas, a geração de trombina e a resposta celular, tudo modulado por reperfusão (Del Zoppo, 1997). Nos vasos, as membranas das células endoteliais sofrem ação do ácido aracdônico e radicais livres, comprometendo, assim, a barreira hemato-encefálica. Ocorre também ação do Ca+ que aumenta durante a hipóxia endotelial e parece ser dependente de superóxido e geração de peroxinitrito, e não da abertura de canais de cálcio voltagem-dependentes (Ikeda et al, 1997). Estudo em células endoteliais e astrócitos (Tsang et al, 2001), por meio de hibridação in situ, demonstrou altos níveis de sítio de expressão do gene da citocina endotelin –1. As citocinas hematolinfopoiéticas têm um papel nas funções regulatórias relacionadas à morfogênese e à maturação celular no sistema nervoso central e periférico (Mehler & Kessler, 1997), regulando o fenótipo celular durante o desenvolvimento (Hu, Peterson & ren, 1997). As citocinas também promovem 31 emigração de leucócitos do lúmen vascular para a área lesada e são produzidas no sítio do infarto incipiente (Kogure et al, 1996). Na situação de hipóxia, as citocinas têm sido apontadas como indutoras do dano neuronal via óxido nítrico. Hu et al (1997) sugerem que o óxido nítrico esteja envolvido em mecanismos consistentes com o de apoptose, por evidenciar fragmentação do DNA em culturas de células neuronais humanas submetidas à agressão hipóxica. O mecanismo apoptótico foi demonstrado também na necrose neuronal ponto-subicular no período perinatal (Brück et al, 1996). E-selectin, um grupo de moléculas reguladas pelas citocinas TNF e IL1, participa na adesão leucocitária ao endotélio e nos eventos inflamatórios que se seguem à isquemia, surgindo também em tecidos não isquêmicos (Morikawa et al, 1996; Hara et al, 1997). A formação de trombina e conseqüente aumento de fibrinogênio e fibrina nos vasos no sítio da isquemia são considerados a principal causa do impedimento da reperfusão da área isquemiada. Os ativadores de plasminogênio são agentes fibrinolíticos. Enzimas proteolíticas, como a urokinase (u-PA) e o ativador de plasminogênio tecidual (t-PA), que quebram a continuidade da lâmina basal, são requeridas para iniciar a migração de células endoteliais no desenvolvimento normal. O tPA exerce relativa seletividade trombolítica em virtude de sua acelerada geração de plasmina, clivando assim o fibrinogênio. O seu principal risco, no entanto, é o de hemorragia cerebral (Haring & Del Zoppo, 1997). 3.2 SEMIOLOGIA NEUROLÓGICA EM RECÉM- NASCIDO DE TERMO COM EHI A caracterização da EHI no recém-nascido de termo fez parte de um projeto de avaliação longitudinal, iniciado em 1981 (Funayama, 1985; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1991). 32 Para o projeto, toda criança nascida a termo, com Índice de Apgar inferior a 7 no 1o minuto e com intercorrências maternas ou obstétricas, foi avaliada pela autora dentro das primeiras 48 horas, diariamente até a alta hospitalar e depois aos 3, 6, 9 e 12 meses, anualmente até 6 anos de idade. O critério para inclusão foi rigoroso, pois a caracterização clínica da EHI demanda observação de sinais concorrentes de intercorrências metabólicas, ou doenças pré-natais, adquiridas ou hereditárias. Entre 15 de maio de 1982 e 15 de maio de 1983, nasceram vivas no HCRP 3351 crianças. O diagnóstico de anóxia neonatal grave foi atribuído a 89 recém-nascidos (2,65%), de acordo com os critérios estabelecidos por Drage et al (1966), utilizando-se os Índices de Apgar inferiores a 3 no 1o minuto de vida, além da história materna ou obstétrica desfavorável. Entre os 89 recém-nascidos (Funayama, 1985; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves 1991), foram incluídos no trabalho 23, aos quais se atribuiu Índice de Apgar inferior a 3 no 1o minuto e igual ou menor que 6 no 5o minuto após o nascimento. Estes foram comparados a um grupo de 23 controles com Índice igual ou superior a 7 desde o primeiro minuto. No grupo controle, não foram incluídos antecedentes maternos, obstétricos ou fetais, que constituíssem fatores de risco para anóxia aguda, nem aqueles com alguma suspeição de doenças genéticas. Os dois grupos eram coincidentes do ponto de vista estatístico quanto ao nível sócio-econômico, idade materna, ordem gestacional, tabagismo, estado nutricional e utilização de medicamentos no período gestacional. O protocolo, utilizado para avaliação neonatal e seguimento, reúne provas neurológicas propostas por diversos autores (Lefèvre, 1950 e 1972; Paine, 1960; Prechtl & Beintema, 1964; Diament, 1967; Zdanska-Brinken & Wollanski, 1969; Brazelton, 1973; Diament, 1976; Sant’Anne Dargassies, 1977, 1979 e 1980). O 33 procedimento de avaliação foi descrito detalhadamente, e, posteriormente publicado (Funayama, 1996; Funayama, 2004). Da avaliação até 28 dias de vida, os dados a seguir foram ressaltados. As provas mais freqüentemente alteradas (qui-quadrado p= 0,001), nos recém-nascidos anóxicos, no período de 24 a 48 horas, quando comparadas aos controles, foram relacionadas a: 1perturbações do sono, vigilância, choro, motilidade espontânea e provocada, correspondentes à inspeção geral; 2- resistência à abertura palpebral, manobra do cachecol, balanço das mãos e sustentação cervical, correspondentes à pesquisa do tono; 3- sucção, deglutição, pontos cardeais e preensão palmar, correspondente à pesquisa dos reflexos primários. Houve predominantemente hipotonia global, mais acentuada em nível escapular e cervical, e hiporreflexia também global, de predomínio em membros superiores. A hipotonia em região de cintura escapular foi mais acentuada do que na pélvica, conforme evidenciado pela análise das freqüências de respostas anormais à prova do cachecol e da medida do ângulo dos adutores das coxas entre os recém-nascidos com EHI grau II (qui-quadrado, p<0,05). Este achado localiza a lesão predominantemente em zona limítrofe de artéria cerebral anterior e média, como demonstrado em estudos por imagem (Volpe, 1977) e anatomopatológicos (Rosemberg, 1974; Chimelli, 1983; Rosemberg, 1998). À reavaliação neurológica ao final de 72 horas, 4 dos 23 recém-nascidos (17,7%) encontraram-se com exame neurológico normal, 13 (56,5%) melhorados e 5 (21,7%) com sinais de piora em pelo menos um dos itens avaliados. O exame neurológico no 7o dia de vida permaneceu alterado em 7 pacientes (30,4%), com melhora à inspeção geral, mantendo-se, porém, a hipotonia e hiporreflexia globais; em dois pacientes (8,6%), constatou-se hemiparesia de predomínio braquial direito. 34 No 28o dia de vida, alterações neurológicas ainda foram detectadas em 4 de 5 recém-nascidos que permaneceram hospitalizados além do 7o dia. Três persistiram com hipotonia global, dos quais um com hemiparesia de predomínio braquial direito, e um recém-nascido já manifestava hipertonia nos quatro membros, com predomínio crural direito. Entre os recém-nascidos com exame normal até o 7o dia, apenas um se mostrou suspeito de alteração neurológica no 28o dia, dos 18 casos avaliados. Este apresentou ausência do reflexo de colocação, e na pesquisa do reflexo de marcha, cruzamento dos membros inferiores, com bloqueio que não se desfez espontaneamente. Cabe observar que, se houve um período de hipertonia de adutores, este foi transitório, pois essa criança examinada posteriormente, aos 12 e 47 meses, não apresentou alterações neurológicas. Assim houve alta especificidade (94%) para o exame neurológico no recém-nascido nesta amostra, para o desempenho no final do primeiro mês. Nesta avaliação durante o primeiro mês, surge a questão sobre o tempo que decorre para a transformação da hipotonia em espasticidade nos membros, pois é a forma espástica da paralisia cerebral a mais comum, decorrente de lesão hipóxico-isquêmica. Este tema será discutido mais adiante, no tópico 6. Pode-se afirmar, portanto, que no primeiro mês ainda predomina a hipotonia global, nos recém-nascidos que permanecem hospitalizados. 3.3 CLASSIFICAÇÃO DA EHI NO RECÉM-NASCIDO DE TERMO EHI GRAU I OU LEVE A EHI na série de 23 casos do HCRP (Funayama, 1985; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1991) ocorreu de forma 35 leve em 7 (30,4%). Destes, apenas dois meninos apresentaram sinais de irritabilidade, evidenciados por tremores, choro estridente, sono superficial e agitado, e curta latência para respostas reflexas. O quadro que predominou nesses pacientes foi leve hipotonia, particularmente de cintura escapular, associado a normo ou hiporreflexia. Na série de Sarnat & Sarnat (1976), constituída por 21 recém-nascidos, o grau leve, que chamou de estágio 1, foi caracterizado principalmente por hipertonia e irritabilidade, e o período de normalização ocorreu nas 24 horas seguintes. Estes autores também valorizam, na classificação, achados de hiperexcitabilidade autonômica, sendo no grau leve a exacerbação simpática, com midríase, palidez e piloereção. Inclui também o traçado normal no eletrencefalograma, como critério de classificação do grau leve. Segundo Amiel-Tison (1977), na EHI grau leve pode haver alterações do tono muscular global, associadas à hiperexcitabilidade, sem alteração da consciência ou dos reflexos. Há em regra normalização completa ao curso da primeira semana. Porém, a excitabilidade, hipotonia dos extensores cervicais e as hemissíndromes podem persistir além da primeira semana. Schlager (1982) encontrou nas primeiras 72 horas de vida hipertonia e irritabilidade em 7 de 16 recém-nascidos, 15 dos quais nascidos a termo com Índice de Apgar 0 a 3 no primeiro minuto. As manifestações de irritabilidade ocorreram em menor número de casos na amostra do HCRP, e não se encontraram recém-nascidos com hipertonia na primeira semana. Para Fenichel (1983), no grau leve, os sintomas da encefalopatia são máximos nas 24 horas e diminuem rapidamente: não há alteração da consciência, exceto nas primeiras horas ou após o nascimento; o achado característico é o ―jitteriness‖ que descreve como um estado de hiperalerta, com longos períodos de vigília, e abalos espontâneos ou desencadeados pelo manuseio do recém- 36 nascido, em geral de baixa freqüência e alta amplitude, rizomélicos, e mandibulares; o tono está preservado, excetuando leve hipotonia dos extensores cervicais; os reflexos fásicos são normais ou levemente hiperativos, com clono de pés inesgotável. Não ocorrem convulsões neste grau. Segundo Levene, Hornberg & Williams, 1985, o grau leve se caracteriza por aumento na irritabilidade e hiperalerta com algum grau de hipotonia e pobre sucção, com recuperação completa em 3 dias. Diferenciou-se, portanto, a EHI grau I do grau II pelo excelente estado de alerta no grau I, não havendo ainda consenso quanto ao tono e reflexos. EHI GRAU II OU MODERADA A EHI na série de casos do HCRP (Funayama, 1985; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1991) ocorreu na forma moderada em 12 dos 23 casos (52,2%), com comprometimento da vigilância por pelo menos 24 horas e sinais de irritabilidade em 5. No 7o dia, não se observaram sinais de irritabilidade, exceto mãos fechadas na maior parte do tempo de exame em 3 recém-nascidos, dos quais apenas um assim permaneceu até o 28o dia pelo menos. No sétimo dia, sete pacientes ainda apresentavam exame neurológico alterado, todos com sucção fraca e dificuldade para a deglutição, hipotonia global, predominante na cintura escapular e, ainda, hemissíndrome em dois. Manifestações epilépticas isoladas foram observadas em 3 dos 12 recém-nascidos. Essa cifra é inferior a observada por outros autores que evidenciaram convulsões em 50 % dos casos. Aumentando a casuística do HCRP para 40 recém-nascidos com EHI grau II, em continuação ao mesmo projeto, a proporção de recémnascidos com convulsões perinatais subiu de 0,25 para 0,37. 37 A menor taxa de convulsões nesta casuística do HCRP pode estar relacionada à menor gravidade da EHI. Este é o grupo em que há consenso entre os autores na caracterização: rebaixamento no estado de consciência, dificuldade de sucção e deglutição, podendo haver convulsões isoladas ou repetitivas. Além disso, segundo Fenichel (1983), esse estado letárgico mantido de forma persistente pode ser modificado com a tentativa de acordar o bebê, que se mostra excitável, com os abalos típicos do ―jitteriness‖, e para Sarnat & Sarnat (1976) pode ocorrer exacerbação do sistema parassimpático, com miose e aumento na eliminação de mecônio. Nos pacientes do HCRP com encefalopatia moderada, o quadro dominante foi de hipotonia global com redução do nível de alerta. Em 10 (25%) dos 40 casos associou-se irritabilidade. Entre estes 10, manifestações convulsivas ocorreram em 7. As crises convulsivas foram mais freqüentes no grupo com hiperexcitabilidade em relação ao grupo hiporreativo, como representado na Figura 1. 10 1 30 sem crise com crise 4/5 3/5 2/5 1/5 hip orr eat ivi da de exc ita bil ida de 0 Fig.1 - Proporção de casos com e sem crises segundo a presença de hiperexcitabilidade ou hiporreatividade em neonatos com EHI grau II. No topo, o número total de casos em cada grupo. Importante diferenciar estado de hiperexcitabilidade com irritabilidade e estado de hiperexcitabilidade sem irritabilidade. Entende-se irritabilidade como uma manifestação de desconforto, que pode ser decorrente de dor ou outra percepção 38 sensorial desagradável ao recém-nascido. Na EHI, o estado de hiperexcitabilidade costuma ser sem irritabilidade, sem expressão de dor, enquanto nos casos de hemorragia intracraniana, infecções meníngeas e outros estados dolorosos, o fácies expressa o desconforto e pode se constatar então irritabilidade. A observação sistemática de recém-nascidos com grau moderado tem levado à necessidade de considerar uma subclassificação em: 1- moderada mínima: o recém-nascido apresenta ciclo sono-vigília, reflexos osteotendíneos hipoativos ++ /+++, reflexos primitivos prontamente obtidos, porém hipoativos; 2- moderada média: o recém-nascido encontra-se em depressão do estado de consciência, sem aparente estado de vigília e ainda respirando sem auxílio de ventilador, os reflexos osteotendíneos estão hipoativos +/+++, os reflexos primitivos se apresentam com longa latência de resposta; 3- moderada máxima: difere da anterior pela necessidade de ventilação assistida – excetuando-se as situações de ventilação artificial por problemas pulmonares. Esta sugestão para subdivisão do grau II necessita, entretanto, ser testada em uma amostra de recém-nascidos com EHI. EHI GRAU III OU GRAVE Entre os 23 recém-nascidos estudados no HCRP (Funayama, 1985; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves 1991), um nasceu em apnéia e em midríase paralítica, não apresentando mudança no quadro até o óbito no 6o dia de vida. Nasceu, portanto, em fase avançada da EHI III. Quando se ampliou a amostra, totalizando 11 recém-nascidos com grau III, observou-se que, com os critérios de irresponsividade a estímulo algésico, hipotonia e hipo ou arreflexia, utilizados para esta classificação, todos foram a óbito ainda no berçário. 39 Volpe (1976) relata três fases distintas na caracterização do que se pode concluir tratar-se da EHI grave, ou evolução de um grau II máximo, anteriormente sugerido por nós, para grau III. Nessa descrição, Volpe dá ênfase a um período de alerta aparente, chamando a atenção para o risco de interpretação errônea de melhora neurológica do recém-nascido: nas primeiras 12 horas, observa-se estupor ou coma, alterações respiratórias, podendo levar à manutenção artificial da respiração, estando preservados os movimentos oculares e resposta pupilar à luz. Refere ainda hipotonia global acentuada, e no período entre 6 e 12 horas iniciam-se as convulsões em cerca de 50 % dos casos. Entre 12 e 24 horas, há melhora aparente do estado de consciência, mas pioram as manifestações, com períodos de apnéia. Entre 24 e 72 horas, piora o nível de consciência, ocorrendo parada respiratória, sinais de distúrbios oculomotores e pupilares, podendo-se observar ainda abaulamento de fontanela e afastamento de suturas. Sarnat & Sarnat (1976) referiram mudanças nos estágios com o passar das horas: 7 dos 21 recém-nascidos estudados mudaram do estágio 1 para o 2, sendo que o estágio 1 durou de uma hora e meia a dezoito horas, e o estágio 2, de quatro a seis dias. Destas crianças, porém, nenhuma evoluiu para o grau 3 e somente uma das 7 apresentou leve atraso no desenvolvimento, detectado aos 9 meses de idade; nos demais, o exame neurológico mostrava normalidade aos 6 meses de idade. Quatro dos 21 recémnascidos evoluíram do estágio 2 para o 3, sendo que um evoluiu para óbito aos 27 dias, 3 para paralisia cerebral diplégica espástica e um com atraso importante no desenvolvimento aos 6 meses. A literatura a respeito, incluindo os trabalhos desenvolvidos no HCRP, não se refere a mudanças de estágio, no sentido de piora da EHI; pelo contrário, observa no grau leve melhora na totalidade dos casos, e no grau moderado ou grave progressiva melhora ou persistência do quadro neurológico. 40 Na série do HCRP, óbitos entre os que tiveram EHI grau moderado foram observados somente após a alta do berçário. Entre aqueles com EHI grave o óbito ocorreu em idades que variaram de 1 hora a 45 dias. A inclusão da hipotonia global no grau I, defendida por Fenichel (1983), Amiel-Tison (1977) e Levene, Hornberg & Williams (1985), como se fez também no HCRP, com excelente recuperação do recém-nascido ao longo da primeira semana, superpõe-se ao estágio 2 de Sarnat & Sarnat (1976). Esta modificação do critério, em relação à proposta de Sarnat & Sarnat (1976), decorre do fato de que estes recémnascidos, como ocorreu também aos da casuística de Sarnat, evoluíram sem qualquer seqüela neuromotora ou cognitiva. As implicações orna stica da classificação da EHI serão mais adiante comentadas. Na tabela II estão sumarizados os itens para classificação da EHI no recém-nascido de termo. TABELA II – Critérios para classificação da EHI no recém-nascido de termo DIAGNÓSTICO DO GRAU DA EHI GRAU I GRAU II GRAU III Normal Torpor Coma ESTADO DE CONSCIÊNCIA TONO MUSCULAR REFLEXOS Hipo ou Hipertonia Hipotonia Hipotonia Normo ou Hiperativos Hipoativos Ausentes CONVULSÕES < 1% 60% 80% até 1 semana variável não relatado RECUPERAÇÃO - EHI EM CRIANÇAS NASCIDAS A TERMO DE BAIXO PESO PARA A IDADE GESTACIONAL (PIG) Alterações no peso e crescimento fetal podem refletir doenças maternas ou fetais e estas têm sido estudadas principalmente por Doppler (Costa, 2000; Franzin et al, 2001; Hata et al, 2000). 41 Enfoque específico nas artérias cerebrais do recém-nascido PIG por análise do Doppler-velocimetria sugere alterações cerebrais anteriores (Muniz, Netto & Gonçalves, 2003). Alterações no desempenho neurológico de recém-nascidos PIG têm sido relatadas e relacionadas particularmente a mudanças no tono e reatividade em estudos semiológicos clínicos (Sant-Anne Dargassies, 1977 e 1979; Gherpelli, Ferreira & Costa, 1993) e por vídeo-eletrencefalografia (Padula, 1999). Entre 94 recém-nascidos avaliados e diagnosticados como EHI (Funayama, 1990; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1997) foram detectados 13 com peso ao nascer inferior a P10, na curva de crianças nascidas no HCRP, estabelecida por Sala (1977). Destes, 8 pertenciam ao grupo com EHI I e 5 EHI II. Entre os controles, sem EHI foi detectado hiperexcitabilidade em um recémnascido AIG. Entre os 13 PIG, observou-se hipotonia restrita aos extensores cervicais em dois, e em nenhum hipotonia generalizada. O número de casos com hiperexcitabilidade comparando PIG e AIG intragrupos EHI não foram diferentes, como evidenciado na tabela III: TABELA III – Distribuição dos casos segundo a presença de hiperexcitabilidade Hiperexcitabilidade Hipertonia PIG AIG Hipotonia PIG TOTAL PIG AIG AIG EHI I 1 9 0 0 8 35 43 EHI II 1 9 0 0 5 35 40 EHI III 0 2 0 0 0 11 11 Não houve particularidades que diferenciassem as alterações nos recémnascidos PIG daquelas descritas para os graus I e II da EHI perinatal. Nessa amostra, a hiperexcitabilidade ocorreu em ¼ das crianças AIG e em 1/6 das PIG, diferentemente do que se observa na literatura. Embora com estes achados não se possa afirmar que a condição de PIG levou a mudanças em tono, reflexos ou 42 excitabilidade neonatal, esta condição deveria ser considerada no diagnóstico diferencial da EHI leve ou moderada. Na metodologia para investigação de recém-nascidos PIG, poderão ser consideradas, em novos trabalhos, variáveis como PIG proporcionado (ou simétrico) e desproporcionado (ou assimétrico) em relação ao peso e estatura. No PIG proporcionado, tanto o peso como a estatura, são inferiores ao P10 esperado para a idade gestacional ao nascimento. No PIG desproporcionado, há deficiência apenas no peso (Balcazar e Haas, 1990; Goldenberg & Cliver, 1997). Outro aspecto a ser considerado é que o exame nas primeiras 48 horas apresenta alterações fisiológicas do ―choque do nascimento‖, descritas por Escardó & Coriat (1960), que se constituem de hipotonia leve generalizada, com preservação dos reflexos fásicos, podendo ocorrer hipoatividade reflexa primitiva, exceto sucção. Na prática clínica, estes achados podem se superpor ao da semiologia da EHI grau I, mas se diferenciam da EHI grau II, na qual ocorre hipoatividade reflexa fásica, mas também nos reflexos primitivos, além de letargia. De acordo com Riesgo et al (1996), o choque do nascimento não é influenciado pelo modo de nascimento vaginal ou cesariana, e constataram seu desaparecimento até 24 horas em 70% dos recém-nascidos que o apresentaram. 3.5 SOBRE A INCIDÊNCIA DA EHI PERINATAL NO RECÉM-NASCIDO DE TERMO A partir da caracterização da EHI, e algum consenso sobre a sua classificação, foi possível comparar a sua incidência entre diversos países e regiões. Três trabalhos realizados no HCRP, nas décadas de 1980 e 1990, apresentam os valores de incidência da EHI (Funayama, 1990; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1997; Espir Filho, 1996 e 1998). Na década de 1980, foi observada a incidência geral de 4,68 por 1000 nascidos vivos, incluindo-se recém-nascidos de termo e pré-termo. 43 TABELA IV – Distribuição da EHI segundo o grau e incidência em alguns centros Alicante Edmonton EHI Espanha Canadá GRAU Gonzales de Dios & Robertson &Finer Moya 1991-1995 1976-1985 Leicester Leeds Ribeirão Preto UK UK Brasil Levene et al Docherty &Congdon Espir Filho 1983-1985 1980-1983 1992-1995 % N % N I 30 75 79 34,9 II 5 12,5 119 III 5 12,5 TOTAL 40 100 INCIDÊNCIA* N GRAU II GRAU III GERAL - 1,4 1,4 11,9 % N % N % 80 63,5 14 37,8 35 50,7 52,7 24 19,0 15 40,6 25 36,2 28 12,4 22 17,5 8 21,6 9 13,1 226 100 12 100 6 37 100 69 100 1,8 0,5 - 1,1 1,0 6,0 1,3 0,7 3,3 2,9 0,9 8,1 Incidência por 1000 nascidos vivos a termo. Na década de 1990, os dados observados por Espir Filho (1996) podem ser comparados a outros países, pois estes apresentam separadamente os dados segundo o total de nascidos vivos de termo. Desta forma pode-se observar que no HCRP a incidência é próxima a de países desenvolvidos (Tabela IV). 44 45 4. DISTRIBUIÇÃO DE FATORES MATERNOS E OBSTÉTRICOS NOS GRUPOS COM ANÓXIA NEONATAL Ao exposto anteriormente, acrescentando-se dados sobre antecedentes maternos e obstétricos observados, pôde–se esquematizar as relações entre esses antecedentes e a presença ou não de EHI (Funayama et al, 1996). Alguns antecedentes maternos e obstétricos (Figura 2) foram comparados entre um grupo de recém-nascidos com anóxia neonatal sem EHI (N=216), e outro de recémnascidos sem anóxia neonatal (N=62), nascidos no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP). O grupo com anóxia neonatal foi definido pela história obstétrica desfavorável e Índice de Apgar menor ou igual a 7 no primeiro minuto pós-nascimento, e o grupo considerado sem anóxia neonatal, definido apenas pelo Índice de Apgar acima de 7 no primeiro minuto. Este estudo evidenciou alta proporção, nos grupos com anóxia (sem EHI), com diferença significativa (p<0,05), quando comparado ao grupo sem anóxia, quanto à ocorrência de pré-eclâmpsia, trabalho de parto por período superior a 12 horas, descolamento prematuro de placenta, período expulsivo após dilatação total do colo igual ou superior a 15 minutos e parto pélvico (fig.2). Nesta amostra, a idade materna e o número de gestações não apresentaram diferença significativa entre os grupos. Os fatores com muito baixa freqüência não puderam ser comparados entre os grupos – a hipertensão arterial, circular e prolapso de cordão. Deve ser observado que na literatura todos os antecedentes maternos e obstétricos considerados para esta análise são fatores de risco, cuja relação com a anóxia neonatal já está definida em estudos precedentes (Largo et al, 1989; Adamson et al, 1995). Portanto, o que se propôs neste trabalho foi a caracterização de uma amostra do HCRP em um determinado período, no sentido de constatar aqueles fatores que são mais freqüentes em nosso meio. A comparação entre 216 recém-nascidos com anóxia sem EHI e 78 com EHI (Funayama et al, 1996) nascidos no HCRP, não resultou em diferença significativa (p>0,05). Entretanto, não se encontrou na literatura a respeito a comparação dos fatores maternos e obstétricos, anteriomente mencionados, entre grupos 46 com anóxia sem EHI e grupos com EHI. Na Figura 2 são apresentadas as freqüências dos antecedentes nos referidos grupos. Circular de cordão Prolapso de cordão Parto pélvico Bolsa Rota >12h Expulsivo >15min Mecônio no líquido amniótico EHI Com anóxia/ Sem EHI Sem anóxia Trabalho Parto >12h Descol. prematuro placenta Pré-eclâmpsia Hipertensão arterial crônica Gestações >3 Primigesta Idade materna >30 anos Idade materna <23 anos 0 20 40 60 80 100 Fig. 2 - Freqüências dos fatores maternos e obstétricos nos grupos estudados 47 Quando se considerou o índice definido pelo número de fatores por gestante, houve uma correlação significativa com o grau da EHI (r=0,96). Houve, portanto, efeito danoso pela somação de fatores, cujos índices por grau de EHI foram apresentados na figura 3. 2,5 2 1,5 1 0,5 0 SA CA EHI I EHI II EHI III Fig. 3 – Número de fatores de risco por gestante em cada grupo. SA – sem anóxia CA – com anóxia sem EHI Pode-se concluir, portanto, que a comparação das proporções isoladas de fatores materno-obstétricos de risco para anóxia perinatal, entre os três grupos com EHI, não resulta em diferença significante em nível de 5%, e isto leva a sugerir que o fator tempo de hipóxia, mais do que a causa subjacente dessa hipóxia, deve ser o responsável para o desencadeamento da encefalopatia. Ficou demonstrado também que a presença de mais de um fator na mesma gestante correlaciona-se em crescente com a gravidade da EHI. 48 5. FATORES COM VALOR PROGNÓSTICO PARA A EVOLUÇÃO NEUROLÓGICA TARDIA NA HISTÓRIA DE RECÉM-NASCIDO COM ANÓXIA. Uma análise do valor prognóstico dos fatores envolvidos na produção da EHI e suas seqüelas foi realizada (Funayama et al, 1996), como se segue. 5.1 VALOR PROGNÓSTICO DOS ANTECEDENTES MATERNOS E OBSTÉTRICOS Existe aparente controvérsia em pesquisas que relacionam antecedentes maternos ou obstétricos e paralisia cerebral. Os resultados, como ocorre a qualquer pesquisa, dependem do método utilizado. Estudos retrospectivos, pareando grupos de paralisia cerebral com crianças sem paralisia cerebral, incluem inevitavelmente uma amostra-controle sem quaisquer antecedentes de risco para anóxia neonatal e, conseqüentemente, acabam por confundir fatores de risco para anóxia com risco de paralisia cerebral. No sentido de evitar este viés, verificou-se no grupo de crianças que sofreram anóxia, nascidas no HCRP, se existem diferenças entre aquelas que evoluíram com paralisia cerebral e as que evoluíram sem paralisia cerebral quanto aos fatores maternos e obstétricos. Assim, para analisar os antecedentes maternos e obstétricos – mesmos citados na tabela anterior, um grupo de 29 crianças que apresentaram EHI grau II perinatal foi subdividido em dois, sendo um com 16 crianças que desenvolveram seqüelas motoras e outro com 13, sem seqüelas motoras. Comparando-se os antecedentes maternos e obstétricos das 16 crianças que desenvolveram seqüelas motoras com os antecedentes das 13 sem seqüelas motoras, não 49 houve diferença significante, em nível de 5%, entre os dois grupos, exceto pela maior proporção de mães com idade superior a 30 anos no grupo com seqüelas. Em trabalho mais recente (Caram, 2002), a distribuição da faixa etária na época do parto, de mães de crianças que evoluíram com paralisia cerebral, evidenciou curva com dois picos, sendo um entre 16 e 20 anos e outro entre 25 e 42 anos. Este perfil é diferente da população geral que evidencia predomínio da idade das parturientes entre 20 e 24 anos. O aparecimento da idade mais jovem no grupo com paralisia cerebral traz preocupação, em função do aumento crescente do número de adolescentes grávidas (Gallo, 1995; Costa et al, 2002; Yazlle et al, 2002). Em Ribeirão Preto, estado de São Paulo, Yazlle et al (2002) relatam que de 1992 a 1996 houve elevação gradual no número de adolescentes grávidas, principalmente depois dos 14 anos, quando houve crescimento de 104,2% para os partos nesta idade, 48,8% aos 15 anos, 36,1% aos 16 anos, 14,0% aos 17 anos, 52,8% aos 18 anos e, praticamente, não houve aumento entre aquelas com 19 anos de idade. Nas adolescentes, os diagnósticos obstétricos mais freqüentes foram: problemas do feto ou placenta que afetam a conduta materna (7,9%), desproporção fetopélvica (6,0%), problemas com cavidade amniótica e membranas (5,0%), hipertensão complicando o parto e puerpério (3,5%) e trabalho de parto prematuro ou falso (3,4%). 5.2 ÍNDICE DE APGAR E ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA (EHI) Em estudo realizado no HCRP (Funayama, 1985; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1991), 7 entre 12 pacientes com encefalopatia grau I e III nos quais não se encontraram alterações, apresentaram Índice de Apgar variando de 1 a 3 no 1o minuto, 5 a 6 no 5o minuto, e 6 a 10 no 10o minuto. Em apenas 1 dos 6 em que se constatou respiração espontânea entre 15 e 20 minutos, a encefalopatia foi grau I; nos demais, moderada. A casuística deste estudo foi ampliada (Funayama, 1990; Funayama, MouraRibeiro & Gonçalves, 1997) para se avaliar a relação entre Índice de Apgar e EHI. Foram incluídos todos os recém-nascidos com Índice de Apgar inferior a sete desde o primeiro minuto, nascidos entre 1982 e 1986. 50 Dada a importância dos questionamentos sobre prognóstico neurológico, é pertinente apresentar a Tabela V. TABELA V – Encefalopatia hipóxico-isquêmica e Índice de Apgar. ÍNDICE DE APGAR NO PRIMEIRO E QUINTO MINUTOS 3 – 6 e >5 EHI <3 e >5 ou 3-6 e 3-6 <3 e < 6 (moderada) (grave) (leve) TOTAL N % N % N % N % AUSENTE 143 92,3 52 67,5 21 33,9 216 73,5 GRAU I 11 7,1 17 22,1 11 17,8 39 13,3 GRAU II 1 0,6 7 10,0 23 37,1 31 10,5 GRAU III 0 0,0 1 1,4 7 11,3 8 2,7 155 100 77 100 62 100 294 100 TOTAL Chama atenção a ausência de EHI em 92% dos casos com Índice de Apgar variando de 3 a 6 no 1o minuto e acima de 5 no 5o minuto, e em 34% dos casos com índice inferior a 3 no 1o minuto e inferior a 6 no 5o. Tal achado corrobora a necessidade de se valorizar para avaliação prognóstica, não o Índice de Apgar, mas as manifestações neurológicas da EHI, assunto do próximo tópico. 5.3 - ÍNDICE DE APGAR VERSUS ENCEFALOPATIA HIPÓXICOISQUÊMICA (EHI), COMO VALOR PROGNÓSTICO PARA SEQÜELAS NEUROLÓGICAS Levene et al (1986) compararam o valor prognóstico do Índice de Apgar com o dos sinais de EHI. Estes autores demonstraram que o Índice de Apgar menor ou igual a 5 no 10o minuto é o mais sensível de seis diferentes Índices de Apgar testados, obtendo 43% de sensibilidade e 95% de especificidade. Porém, este parâmetro foi menos sensível do que os sinais neurológicos da encefalopatia moderada ou grave, cuja sensibilidade foi de 96%. Pode-se concluir, portanto, que um exame neurológico anormal no recém-nascido prognostica melhor anormalidades futuras do que o Índice de Apgar inferior a 5 no 10o minuto, o que é corroborado por autores como Freeman e 51 Nelson, 1988. Lipper et al (1986), preocupados com uma melhor caracterização da semiologia neonatal da EHI e seu valor prognóstico, propuseram um sistema de escore considerando dezessete itens do exame neurológico, seis dos quais relacionados ao tono muscular. Correlacionaram o escore com o desempenho neurológico das crianças aos 12 meses de idade e encontraram sensibilidade e especificidade acima de 80%. O método, entretanto, não tem sido empregado em rotina de atendimento, diferentemente do que ocorre à classificação da EHI. 5.4 EHI E SEQÜELAS NEUROLÓGICAS Considerando a importância da classificação da EHI para prognóstico neurológico, são apresentados em esquema (Figura 4) os resultados do estudo longitudinal que acompanhou até a idade de 6 anos (mediana de 47 meses) crianças que tiveram EHI perinatal (Funayama 1990; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1997). Estes achados referem-se unicamente a recém-nascido de termo com EHI intraparto ou perinatal. Nesta casuística, não foram encontrados casos com déficit auditivo ou visual isolados, ocorrendo sempre associados à alteração no desenvolvimento motor postural ou à paralisia cerebral. 52 EHI grau I EHI grau II Exame neurológico 15normal até 96h 10 N=15 100% 80% Exame neurológico Exame neurológico normalizado persistiu anormal 3 2 4 até 7 dias mais de 7 dias até 7 dias N=13 N=16 20% 12,5% 25% Sem seqüelas motoras e Sem seqüelas cognitivas Epilepsia 0 Atraso no desenvolvimento 7,5% Epilepsia 6% 55% Paralisia cerebral Fig.4 - Evolução da EHI Epilepsia 31% Observou-se também que a epilepsia não ocorreu isoladamente como seqüela de EHI perinatal. Todos os casos que evoluíram para epilepsia apresentaram também alterações neuromotoras, fosse como atraso no desenvolvimento ou como paralisia cerebral. Estes achados sugerem que no grau I da EHI, houve um fenômeno hipóxicoisquêmico reversível, que embora levasse a algumas crises neonatais, não deixou seqüelas. Sugerem também que as lesões acometem áreas motoras e nestas podem produzir atividade epileptogênica, desenvolvendo epilepsia focal sintomática. Estes achados estão de acordo com os de Watanabe et al (1982), Gherpelli et al (1992) e Robertson & Finer (1993). Estes não observaram recidiva de crises epilépticas entre as crianças com EHI que evoluíram com exame neurológico normal. Como ocorreu à deficiência sensorial e à epilepsia, a deficiência cognitiva também somente foi observada em crianças com seqüelas neuromotoras (Funayama, 1990; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1997): entre as 16 crianças que apresentaram seqüelas motoras, 10 evoluíram com paralisia cerebral, e 6 com atraso no desenvolvimento neuromotor sem paralisia cerebral. Nesta casuística, as crianças com graus I e II sem seqüelas motoras, avaliadas através do teste de Terman & Merrill, tiveram medidas de QI variando de 82 a 112 (médio-inferior a médio-superior). Estes 53 dados estão de acordo com os achados de Robertson & Finer (1985 e 1993) e Robertson, Finer & Grace (1989), estudando casuística maior no Canadá. Entretanto, metodologia de avaliação neuropsicológica desenvolvida mais recentemente para crianças permite maior acuidade na detecção de alterações mais sutis. Maneru & Junque (2002) afirmam que em EHI moderada sem seqüelas motoras, alterações podem ser observadas particularmente em funções frontais e de memória. 54 6 - A INFLUÊNCIA DO FATOR HERDABILIDADE NO APARECIMENTO DA CRISE NEONATAL DA EHI A presença de diferentes susceptibilidades de crianças com EHI para convulsões neonatais levou ao estudo seguinte, a respeito da questão da influência genética no aparecimento das crises. A influência do fator herdabilidade no aparecimento da crise neonatal da EHI foi avaliada em trabalho realizado por Espir Filho (1996), com a colaboração do Professor Calógeras Barbosa, especialista em Genética de Populações da Universidade Federal de São Carlos (SP). Utilizando-se de um modelo que investiga epilepsia apenas nos pais, neste trabalho não se obteve associação entre herdabilidade e crises por EHI. Por outro lado, a freqüência de epilepsia observada em familiares do lado materno foi digna de nota nesta casuística e em outro estudo recente, de Caram (2002). Pode se cogitar que este achado se deve a maior susceptibilidade destas mulheres a complicações obstétricas, fato este bem estudado (Lorenzato et al, 2002), ou se haveria para essa ocorrência de crise algum tipo de herança materna. 55 7. COMO EVOLUI A HIPOTONIA DA EHI NO RECÉM-NASCIDO DE TERMO Os estudos sobre a evolução neurológica da EHI no recém-nascido de termo (Funayama, 1990; Funayama, Moura-Ribeiro & Gonçalves, 1997) trouxeram informações sobre as transformações que ocorrem na atividade reflexa e tônica no eixo corporal e membros. O seguimento da EHI, desde a fase aguda, permitiu identificar, entre 10 crianças que evoluíram com paralisia cerebral, uma criança com espasticidade aos 28 dias, e nas outras 9, a espasticidade foi encontrada até o terceiro mês, sendo 6 tetraespásticas e 3 hemiparéticas. Não se detectaram, nesta casuística, casos com paralisia cerebral, forma hipotônica ou flácida, nem coreoatetósica isoladamente como seqüela de EHI. Até os 30 meses, das 6 tetraespásticas 4 passaram a apresentar movimentos coreoatetósicos, passando desde então a serem classificados como forma mista. Estes achados estão de acordo com os de Hanson, Berenberg & Byers (1970), sendo que nenhum outro estudo a respeito foi localizado. É reconhecida a associação entre persistência da hipotonia e evolução para coreoatetose, que pode manifestar-se em sua maioria até os 3 anos, mas em raros casos até 14 anos (Burke, Fahn & Gold, 1980). Esta forma tem sido observada como seqüela de impregnação bilirrubínica nos núcleos da base. Entretanto, em extensa casuística de 219 crianças com paralisia cerebral discinética pura, Foley (1992) encontrou 26% relacionadas ao kernicterus e, de 115 nascidos a termo restantes, 2/3 eram pequenos para a idade gestacional, sugerindo ser este um fator de vulnerabilidade cerebral à asfixia nestes casos. A literatura sobre o tema não se refere à caracterização do atraso no desenvolvimento postural isoladamente, sem a presença de paralisia cerebral. A observação de 6 crianças que apresentaram atraso postural sem sinais semiológicos de lesão piramidal, extrapiramidal ou cerebelar, mostrou boa evolução, uma vez que o exame normalizou em sua maioria no segundo semestre de vida (Funayama, 1990). Nestas, o atraso caracterizou-se por persistência de reflexos como o tônico cervical assimétrico, Moro, preensão palmar, falta de força para elevação do tronco em decúbito ventral e incapacidade de mudar decúbito. Duas delas adquiriram 56 marcha independente com 18 e 22 meses respectivamente. Convém acrescentar aqui que o baixo número de casos incluídos neste estudo evolutivo deve-se não somente à falta aos retornos, em torno de 30%, mas também à presença de problemas concorrentes a EHI que apareceram ao longo do primeiro ano, como doenças infecciosas, desnutrição e um caso de mucoviscidose na amostra inicial de 40 casos com EHI grau II. 57 8. UM ESTUDO SOBRE DESENVOLVIMENTO NEUROMOTOR DISSOCIADO – DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL PARA O ATRASO NEUROMOTOR Illingworth (1958) chamou a atenção para a condição de atraso unicamente para a marcha independente, com normalidade em todos os outros setores do desenvolvimento. A esta condição denominou desenvolvimento motor dissociado. Esse foi um tema polêmico, ora atribuído à condição patológica como hipotonia, ora associado ao engatinhar atípico, especialmente ao de nádegas, em crianças hígidas. Como diagnóstico diferencial para a seqüela de EHI, no sentido de esclarecer se haveria crianças com atraso na marcha em nosso meio, como única manifestação clínica, sem atraso em outros setores do desenvolvimento, foram estudados dois grupos de crianças (Minami, 1999; Minami, Funayama & Daneluzzi, 2001), sendo um do Centro Social Comunitário de Vila Lobato em Ribeirão Preto (SP), de área urbana (N=93), e o outro, do Centro Médico Social Comunitário ―Januário Theodoro de Souza‖, da cidade de Pradópolis (SP), que atende predominantemente população rural (N=84). Aplicou-se nessas crianças o protocolo então em uso no Setor de Neurologia Infantil para acompanhamento neurológico ambulatorial, acrescido de um protocolo específico para observações sobre o engatinhar atípico, durante o período de 6 meses de idade até o início da marcha independente. Observou-se que nestas regiões de Ribeirão Preto, seja área rural ou urbana, as crianças adquirem a marcha sem apoio em média aos 12 meses de idade, com igual desempenho dos dois grupos, exceto por leve atraso das meninas da área urbana, embora ainda na faixa de normalidade. Deve ser salientado que ambas as amostras estudadas provinham de duas populações atendidas em programa de puericultura de excelência. A Figura 5 representa a distribuição das amostras urbana e rural quanto ao período de início da marcha independente (mediana em meses) segundo o padrão do engatinhar (Minami, 1999), não se observando diferença significativa entre os dois grupos (P<0,05). Não se encontraram crianças, nesta casuística, com desenvolvimento motor dissociado. Tais achados nos permitem maior acuidade no diagnóstico de hipotonia em lactentes. 58 Fig. 5 - Início da marcha sem apoio segundo o padrão do engatinhar em crianças de zona urbana e rural. (Adap. de Minami, 1999). 59 9. EHI ENTRE AS CAUSAS DE PARALISIA CEREBRAL Dois trabalhos nos últimos cinco anos trouxeram informações sobre o lugar da EHI como causa de paralisia cerebral, quando esta é diagnosticada em um hospital terciário ou em uma unidade de atendimento para estimulação precoce da mesma região. O primeiro (Funayama et al, 2000) foi realizado a partir da implementação do protocolo de atendimento ambulatorial de Neurologia Infantil no HCRP, e selecionou 35 crianças com paralisia cerebral diagnosticada entre 1986 e 1998, com idade mediana de 21 meses. O segundo (Caram, 2002), resultou de um estudo conjunto com o Setor de Genética Clínica do HCRP, sob coordenação do Prof. Dr. João Monteiro de Pina Neto. Este, realizado na Associação de Pais e Amigos do Excepcional (APAE) da cidade de Batatais (SP), foi um estudo transversal, de 21 crianças com idade inferior a 48 meses com paralisia cerebral diagnosticada durante a pesquisa. Ambos incluíram grupos distintos, sem crianças em comum, e em ambas as casuísticas os nascidos pré-termo corresponderam a 50% da amostra. No grupo do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP), o diagnóstico da causa da paralisia cerebral foi definido em 25 dos 35 casos, entre os quais 6 (24%) foram EHI. Na Associação de Pais e Amigos do Excepcional de Batatais (SP), 15 dos 21 pacientes tiveram causa definida, entre os quais 12 (80%) foram EHI. A partir destas observações, concluiu-se que a EHI continua situando-se entre as principais causas de seqüela neurológica em crianças em nosso meio, como ocorre em países de baixo grau de desenvolvimento, apontado por Weiner, 2003. Observa-se que no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP) as doenças genéticas foram diagnosticadas em 60 proporção maior em relação ao grupo da APAE, onde predominou a EHI como causa da paralisia cerebral (Tabela VI). TABELA VI – Causas definidas de paralisia cerebral em duas amostras hospitalar e institucional comunitária Causas da paralisia cerebral HCRP APAE N N Fatores pré-natais Trissomia parcial 9p Lissencefalia tipo I (S.Miller-Dieker) Paquigiria e displasia cortical Hidranencefalia Esquizencefalia (lábio aberto bilateral ) Infecção congênita 13 1 1 2 Fatores perinatais Leucomalácia periventricular ―Bright‖ tálamo (hiperdensidade talâmica) Hemorragia intraventricular e hidrocefalia Encefalopatia hipóxico-isquêmica ao nascer Hiperbilirrubinemia + tétano neonatal Hiperbilirrubinemia 9 2 1 1 4 1 2 1 1 9 12 5 6 1 Fatores pós-natais Meningite meningocócica 1 Sem causa definida (paralisia cerebral provável) 10 6 Total 35 21 Tal fato deve-se provalvelmente às diferenças nas procedências das crianças nas duas amostras. As crianças do HCRP são procedentes de diversas regiões 61 brasileiras, propiciando, portanto, diversificação maior no diagnóstico. A amostra da APAE é restrita a regiões próximas e reflete melhor a situação regional das causas de paralisia cerebral, destacando-se a EHI. Cabe observar que ambas as amostras dispuseram dos mesmos recursos diagnósticos, com participação, em ambas as instituições, de especialistas em Pediatria, Neurologia Infantil e Genética Clínica. A análise das tabelas VII a X, de Caram (2002), traz a questão da ocorrência peri ou pré-natal da EHI, bem como outros dados que apontam as dificuldades de definição diagnóstica. TABELA VII – Paralisia cerebral provável, sem causa esclarecida em 10 casos atendidos no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP) IDADE GESTAÇÃO 1O ATEND DURAÇÃO PARALISIA CEREBRAL ANTECEDENTES MATERNOS 8 anos termo tetraespástica Sem int. 12 anos termo tetraespástica 3 anos pré-termo diplegia OBSTÉTRICOS EXAMES NEONATO Sem int. Parto Domiciliar Sem int. Demorou chorar Sem int. Sem int. Sem int. Incubadora 29 d. Sem exames RM – infarto parietal E. Sem exames 9 meses termo tetraespástico Sem int. Sem int. Sem int. TC – atrofia Parietais 2 anos termo tetraespástica Sem int. Sem int. Sem int. TC – infarto parietal D. 9 meses termo tetraespástica Sem int. Sem int. Sem int. CMV- IgG 1/64. 17 meses gemelar A tetraespástica Sem int. Sem int. Sem int. CMV – IgG 1/64 21 meses pré-termo paraparética espástica Sem int. Sem int. Sem int. TC – normal 20 meses pré-termo mista Sem int. Sem int. Sem int. RM- hipossinal em putamem E (calcificação?) 9 meses termo mista Sem int. Sem int. Sem int. Hemaglutinação p/ Rubéola 1/8 RM – normal RM – Ressonância Magnética de crânio Citomegalovirus E – Esquerda Sem int. – Sem intercorrências TC – Tomografia computadorizada de crânio d.-dias CMV – 62 TABELA VIII – Diagnósticos definidos no grupo com distúrbios motores da Associação de Pais e Amigos do Excepcional de Batatais-SP (Reprodução autorizada por Caram, 2002) DIAGNÓSTICO DEFINIDO TERMO PRÉ-TERMO TOTAL ETIOLOGIA 1 Provável genética Grupo distúrbios motores Síndrome neuro genética (?) 1 Paralisia cerebral por insulto hipóxico ou isquêmico pré ou perinatal 6 6 12 Ambiental Paralisia cerebral por malformação isolada A/E + insulto hipóxicoisquêmico neonatal - 1 1 Ambiental Paralisia cerebral por kernicterus 1 - 1 Ambiental TOTAL 8 7 15 63 TABELA IX – Dados para discussão sobre etiologia no grupo de distúrbios motores da APAE de Batatais (SP) – nascidos a termo (Reprodução autorizada por Caram, 2002) CASO PARALISIA NO CEREBRAL ANTECEDENTE MATERNO OBSTÉTRICO EXAMES ETIOLOGIA CT: Normal A/E NEONATO Parto Cesáreo 4435g GIG 28 F Hemiparesia D 20 anos Sangramento 43 Semanas TPB 3d. gestação. Ganho Feto transverso peso > 15 Kg 30 M Hemiparesia D 34 anos Parto Cesáreo + Sd. West Hipertensão art. Gestação TPB 3d. Sucção débil 1a semana CT: Hemiatrofia cerebral E com extensa porencefalia 45 F Sd. Criança Hipotônica 23 anos TPB 1d. HIV: Negativo CT: Atrofia frontotemporal EIM: Negativa A/E Tetraparesia 47 M Microcefalia 19 anos Sem pré-natal Parto Normal Sem investigação A/E 54 M Sd. Criança Hipotônica 20 anos Parto Normal CT: Normal A/E RM: Normal EIM: Negativo Kernicterus (?) Parto Normal TPB 1d. 19 anos Sangramento no início da Parto Normal gestação Avós, pai, irmã: epilepsia Descolamento 58 M Hemiparesia D 20 anos prematuro da Sangramento placenta durante gestação Parto Cesáreo Sd. Criança 56 F Hipotônica Sd. Cerebelar Tetraparesia Microcefalia 60 M Epilepsia Focal Sintomática 33 anos Hemiparesia 68 M Epilepsia Focal 29 anos Tabagismo Trauma abdominal BI= 33mg/dl Ex-sanguíneo TPB 8d. Irmã caso 19. 2350g PIG TPB 3d. Sucção débil 1a semana. RM: porencefalia EHI ou AVC território da artéria (pré e/ou cerebral média E. perinatal) Atraso mielinização. Corpo caloso afilado. Apgar 1o min Ventilação mecânica Convulsões TPB 24d. Início sucção 20d. Poligráfico: encefalopatia difusa e epileptogênese ativa EHI perinatal Parto Cesáreo TPB 1d. CT: Paquigiria e poucos sulcos cerebrais. Malformação Parto Cesáreo TPB 3d. 18 anos Parto Cesáreo Bolsa rota >12h Tetraparesia 64 M Microcefalia Sd. West 4335g GIG TPB 3d. EHI perinatal US: Discreta EHI OU AVC dilatação ventricular (pré-natal?) RM: Atrofia cerebral 64 Sintomática Sangramento difusa e assimetria ventricular. TPB – Tempo de permanência no berçário. EIM – Erros inatos do metabolismo. PIG – Pequeno para a idade gestacional. GIG – Grande para a idade gestacional. RM – Ressonância magnética de crânio. US – Ultrasonografia de crânio. TC – Tomografia computadorizada de crânio. EHI – Encefalopatia hipóxicoisquêmica. AVC – Acidente vascular cerebral. D – Direita. E – Esquerda. D – Dias. A/E – A esclarecer. Sd. – Síndrome. M – Masculino. F – Feminino. A – Anos. EIM – Triagem urinária para erros inatos do metabolismo. 65 TABELA X – Dados para discussão sobre etiologia no grupo de distúrbios motores da APAE de Batatais (SP) – nascidos pré-termo (Reprodução autorizada por Caram, 2002) CASO PARALISIA CEREBRAL ANTECEDENTE MATERNO OBSTÉTRICO EXAMES ETIOLOGIA NEONATO SEXO 12 F Hemiparesia D 30 anos Ganho de peso > 15Kg Parto cesáreo 36 semanas 2730 g TPB 2d. 13 M Hemiparesia D Epilepsia focal Sintomática 43 anos Epilepsia Uso FB+CBZ Sangramento Um natimorto Bolsa rota 20h Parto normal 34 semanas Apresentação pélvica Mecônio 1400 g. Apgar < 3 1o minuto Ventilação mecânica. TPB 30d. Tetraparesia 14 anos Tabagismo Parto normal Ganho de peso 28 semanas 6.3 2 0 20 M 1450 g TPB 44d. Sucção 31d. RM: perda de substância branca sub-cortical E. Atrofia no quadrante posterior e peri-rolândica E. US, CT e RM Porencefalia HCE. EIM: negativa CT: Atrofia frontal Hidrocefalia leve EIM: negativa EHI ou AVC (Sem dados perinatais) EHI ou AVC Pré ou perinatal ? EHI ou AVC? Pré ou perinatal? K g Sangramento 21 M 71 M 73 M Tetraparesia Epilepsia focal sintomática 27 anos Pielonefrite crônica Tetraparesia Microcefalia Epilepsia focal sintomática 21 anos Sífilis na gestação tratada 5o mês; Pré-eclâmpsia Tetraparesia 21 anos Infecções urinárias repetidas Parto cesáreo 32 semanas Apresentação córmica Parto normal 36 semanas Mecônio Parto normal 30 semanas Mecônio 1750g Ventilação mecânica TPB e Sucção 60d. CT: Normal 2530g PCR Ressuscitação Apgar 1o min Ventilação mecânica; Convulsões TPB 24d. Sucção 20d. 1o Poligráfico: encefalopatia difusa e crises gráficas. 2o Poligráfico: encefalopatia difusa e atividade focal RM: leucomalácia periventricular 1400g Odor fétido Ventilação mecânica TPB 60d. Sucção 40d. US neonatal: áreas leucomalácia US 6 meses: Porencefalia A/E EHI Perinatal? EHI ou AVC Intra-útero ou perinatal? TPB – Tempo de permanência no berçário. EIM – Erros inatos do metabolismo. PIG – Pequeno para a idade gestacional. GIG – Grande para a idade gestacional. RM – Ressonância magnética de crânio. TC – Tomografia computadorizada de crânio. US – Ultra-sonografia de crânio. EHI – Encefalopatia hipóxico-isquêmica. AVC – Acidente vascular cerebral. D –Direita. E – Esquerda. D – Dias. A/E – A esclarecer. Sd. – Síndrome. M – Masculino. F – Feminino. A – Anos. EIM – Triagem urinária para erros inatos do metabolismo. 66 Observa-se que, entre os 10 casos do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP) sem etiologia definida, 9 não apresentaram na história clínica qualquer intercorrência e, destes, em 3 os exames de imagem sugeriram lesão que poderia ter ocorrido no período intrauterino ou pós-natal; em 2 os exames não auxiliaram e 2 outros não realizaram exames de imagem. Outra questão a ser observada é a dificuldade na detecção tardia de infecções congênitas. Não somente detecção tardia, mas também a detecção na fase aguda, ou ao longo da gravidez constituem ainda desafios para as pesquisas laboratoriais na atualidade, como apontado por Bale (2002), e em nosso meio, por Duarte, Quintana & Paschoini (1998), referindose especialmente à toxoplasmose congênita. Avanços no sentido de pesquisas em genomas virais, como na Rubéola (Katow, 1998) e PCR para Toxoplasma gondii (Romand et al, 2004) têm ocorrido; porém o alto custo e homogeneização das técnicas para uso clínico ainda são questões a serem resolvidas. Da análise individual dos casos da APAE de Batatais (SP), apresentados nas tabelas seguintes, observa-se que, excluindo-se uma criança com malformação por defeito de migração neuronal cortical, e duas com kernicterus provável, nas demais crianças a hipótese diagnóstica foi na direção da EHI. A decisão entre EHI peri ou pré-natal merece análise. Confirmação do evento no período pré-natal somente foi possível com a realização do exame complementar por imagem cerebral na primeira semana. Os avanços observados hoje na resolução de imagens ultra-sonográficas permitem o diagnóstico de lesões isquêmicas e outras de natureza circulatórias ainda no período intrauterino. Quanto mais precoce este exame, mais precisa será a informação sobre o período do evento hipóxico-isquêmico em relação ao nascimento. Cowan et al (2003) encontraram entre recém-nascidos de termo com EHI apenas 1% de lesões antenatais diagnosticadas por ressonância magnética, e 3 em 21 67 casos diagnosticados por necropsia. Entre recém-nascidos sem EHI, mas com crises perinatais, 3% tiveram lesão antenatal. No entanto, embora ainda difíceis de serem identificados, os fatores pré-natais que podem levar a problemas circulatórios cerebrais são numerosos (Rosemberg, 1974, p.188-190), e certamente, uma acuidade maior ao longo da gravidez e mesmo antes da mesma em relação à saúde materna poderá contribuir para a identificação e prevenção destas lesões. A ultra-sonografia transfontanelar deve ser, portanto, um exame obrigatório no período pré e perinatal. No período perinatal, como observado por Banker & Larroche (1962), em exames anatomopatológicos, e depois por Pfister-Goedeke & Boltshouser (1982), primeiros a identificar as lesões por ultrasonografia, as cavitações na leucomalácia periventricular ocorrem em torno da 2a a 3a semanas após a agressão hipóxicoisquêmica. Assim, este exame realizado nos primeiros dias pósnatais pode revelar o período de ocorrência da lesão com alto grau de certeza. No recém-nascido pré-termo, a ultra-sonografia vem sendo amplamente utilizada para o diagnóstico de lesão hipóxico-isquêmica, leucomalácia quando periventricular identifica ou principalmente subcortical. Esta a ocorre principalmente em pré-termo abaixo de 35 semanas, ocasião em que a freqüência de hemorragia peri ou intra-ventricular é alta (Rosemberg, 1974; Larroche, 1986; Paneth et al &, 1994; Kliemann, Lancelotti & Rosemberg, 2002). A ocorrência de leucomalácia periventricular em recém-nascidos brasileiros foi observada por Torre (1997) em 6,9%, sendo 3% concomitantes com hemorragia peri ou intraventricular. Entre recém-nascidos com cistos subependimários, um achado importante foi a alta incidência de malformações congênitas associadas (Fekete et al, 2002). Cistos periventriculares têm sido encontrados também associados a cardiopatias congênitas (Robain & Rosemberg, 68 1974; Mahle et al, 2002) e várias outras intercorrências clínicas, cirúrgicas e doenças de causa genética, tendo sido demonstrados por Gilles & Murphy (1969) em 104 de 196 casos que foram a óbito por causas extracerebrais. Cabe ainda lembrar que achados incomuns no exame ultra-sonográfico encefálico podem ocorrer, relacionados ou não à EHI, como hiperecogenicidade talâmica (Gherpelli, 2002; Paczko et al, 2002) e em núcleos da base (Wang, 2001). A especificidade do método ultra-sonográfico, entretanto, ainda necessita de verificação no âmbito da clínica. É importante lembrar que as fases iniciais das lesões em substância branca periventricular, bem descritas por Rosemberg (1974), como ―a palidez e rarefação do neuropilo aliadas a discreta ativação macro, microglial e macrofágica e o de focos de necrose incompleta circundados por zona de necrose de coagulação‖ podem passar despercebidas em estudos ultra-sonográficos, uma vez que somente têm sido registradas as cavitações. Desta forma, como afirmam Bozinski et al (1985), a ausência de sinais de lesão em exames ultra-sonográficos, no decorrer do primeiro ano, não significa que as estruturas tenham normalizado. Assim, mesmo com imagens normais, disfunções decorrentes de tais lesões podem ocorrer. As seqüelas decorrentes da leucomalácia no pré-termo podem se manifestar como paralisia cerebral tipo paraparético espástico ou diplégico, por serem estas lesões predominantemente periventriculares, acometendo vias piramidais que controlam a motricidade em membros inferiores. Estudos semiológicos clínicos criteriosos em crianças nascidas pré-termo têm trazido contribuições para a compreensão e detecção precoce de alterações neurológicas em seus diversos aspectos (Gaetan & Moura-Ribeiro, 2002; Olhweiler, Silva & Rotta, 2002). O SPECT (tomografia computadorizada com emissão de fóton único) é um outro exame que tem sido testado para 69 diagnóstico de lesões perinatais. Em estudo de Haddad et al (1994), o SPECT não se mostrou superior à ultra-sonografia ou ressonância magnética para identificar lesões como a leucomalácia periventricular e lesões hemorrágicas. Este exame parece ser empregado melhor na fase crônica, sequelar da EHI. Entre outras condições clínicas para diagnóstico diferencial com a EHI estão os infartos isquêmicos circunscritos, sendo os mais freqüentes os de artéria cerebral média (MouraRibeiro et al, 1999; Niemann et al, 1999; Rotta et al, 2002; Akman et al, 2003). Registrados em cerca de 10% das patologias neonatais na Espanha por Garaizar & Prats-Vinas (1998), observados com detalhes na semiologia clínica (Moura-Ribeiro et al, 1999; Rotta et al, 2002; Nowak-Gottl et al, 2003), manifestam-se, inicialmente, em sua maioria, com crises convulsivas. Quanto à etiologia, o infarto no recém-nacido vem sendo melhor diagnosticado com os avanços na investigação hematológica e genética. Merece destaque no trabalho de Caram (2002) o achado de malformação cerebral, Chiari do tipo IV, por exame de ressonância em casos com evidências inequívocas de EHI. Este achado nos coloca em alerta para a necessidade de confirmação diagnóstica, através da imagem, quando estamos diante de EHI diagnosticada clinicamente. O diagnóstico diferencial com lesões decorrentes de infecção congênita também se faz necessário, dada a alta freqüência destas doenças em nosso meio, e pelas dificuldades de detecção no período pré e perinatal (Funayama, Costa e Nostri, 2002). Imagem cerebral por tomografia computadorizada de crânio (TC) no neonato, ou nos primeiros meses, pode sugerir infecção congênita pela presença de calcificações e outras alterações como atrofia e malformações de diversos tipos, dependendo do período gestacional em que ocorreu a infecção fetal. As malformações, portanto, podem decorrer de agentes 70 patogênicos como o citomegalovírus, como descrito por Marques-Dias et al (1984). Nesta casuística (Caram, 2002), a paralisia cerebral permaneceu sem diagnóstico etiológico em 4 recém-nascidos de termo e em 1 pré-termo, constituindo ¼ da amostra total. Piovesana et al (2001), na Universidade Estadual de Campinas (SP), não encontraram etiologia em 37% das crianças com paralisia cerebral hemiplégico em estudo retrospectivo, no qual classificam os achados em tomografia computadorizada de crânio os graus de comprometimento cerebral. Nieman et al (1999), em estudo na Alemanha, chamam a atenção para a sídrome do anticorpo antifosfolípide, pois entre crianças com paralisia cerebral hemiplégica encontrou 7 entre 9 famílias com esta síndrome. Como mencionado anteriormente, a etiologia de infarto no recém-nascido ou na criança vem sendo melhor diagnosticada, com os avanços laboratoriais em áreas de hematologia, genética e imunologia. Entretanto, os eventos intraparto são ainda recentemente discutidos quanto a sua real contribuição para o risco de paralisia cerebral, buscando-se um consenso internacional (Maclennan, 1999). Cabe lembrar ainda outras causas de estado letárgico ou coma no período neonatal, por exemplo apnéias e convulsões por causas diversas da EHI (Funayama, Galina, Moura-Ribeiro, 1989; Funayama, Ferlin e Belucci,1997); hipotonia por doenças neuromusculares, genéticas (Funayama et al, 1993; Caldas, 2000; Paro-Panjan & Neubauer, 2004); erros inatos do metabolismo (Moura-Ribeiro & Funayama, 1985; Moura-Ribeiro et al, 1987; Funayama, Sales, Pinhata,1998; Mitanchez & Valayannopoulos, 2004). Em condições com curso progressivo, como nas doenças degenerativas, o comprometimento neuromotor não deve ser rotulado como PC, mesmo quando se constatam sinais de lesões em vias piramidais, núcleos da base ou cerebelares. 71 Sumarizando, devem ser levadas em consideração para o diagnóstico de EHI perinatal, portanto, alterações nos três momentos perinatais: 1. Problemas durante o trabalho de parto, sejam maternos ou fetais; 2. Índice de Apgar inferior a 7 no primeiro minuto; 3. Exame neurológico nas primeiras horas com sinais de hipotonia e hiporreflexia. Para caracterização da EHI é necessária a presença dos três itens, sendo que apenas um ou dois deles não são suficientes. Entretanto, para considerarmos o diagnóstico EHI, de certeza, como causa de paralisia cerebral ou atraso neuromotor, é necessário acrescentar o exame de imagem encefálico compatível com EHI (Figura 6). 72 Fig. 6 – Critérios para considerar o diagnóstico de EHI como causa de paralisia cerebral ou atraso neuromotor. 73 10. O DIAGNÓSTICO RETROSPECTIVO DA EHI Uma situação que ocorre com freqüência na prática clínica é a necessidade de se estabelecer o diagnóstico retrospectivo de EHI perinatal. Informações isoladas sobre más condições do recém-nascido ao nascimento, baixo Índice de Apgar ou trabalho de parto prolongado têm baixa correlação com seqüelas, e a informação de que o bebê ficou ―roxinho‖ ao nascer é o pior parâmetro a ser correlacionado com EHI e muito menos com seqüelas. A própria Apgar mencionou a fraqueza deste item no seu Índice, em 1953. Assim, a partir das discussões até aqui apresentadas, a inclusão das seguintes informações para o diagnóstico retrospectivo de EHI provável parece plausível: 1- considerar a informação da mãe sobre intercorrências no trabalho de parto e acrescentar: a – tempo de permanência no berçário, que deve ser superior a 4 dias para deixar seqüela do tipo paralisia cerebral; 2período de início da sucção, pois esta se encontra hipoativa ou ausente, pelo menos nos primeiros dias quando há EHI grau moderado e maior tempo para o grau grave (Figura 7). X – Dados sem possibilidade de coleta adequada em anamnese Fig. 7 – Diagnóstico retrospectivo da EHI – dados clínicos 74 Deve ser lembrado, entretanto, que o diagnóstico retrospectivo da EHI precisa incluir as intercorrências maternas ou obstétricas de risco para a hipóxia fetal. Apenas a classificação da EHI mostra-se insuficiente, além de considerar-se ainda o seu diagnóstico diferencial com outras doenças, como exposto no item anterior. Como demonstrou Caram (2002), entre 19 crianças nascidas com problemas dismórficos sem EHI, dez apresentaram intercorrências neonatais, como dificuldades de sucção e permanência no berçário por mais de dois dias. Estas crianças, entretanto, não tiveram problemas obstétricos. Outra questão é a obtenção de informação correta, se o evento ocorreu no período pós-natal, perinatal ou intra-uterino. Lesões no período intrauterino devem ser consideradas, e são talvez freqüentes em nosso meio, como observou Caram (2002). Nesses casos, somente o exame de imagem poderá auxiliar no diagnóstico diferencial, como já mencionado anteriormente a propósito do período neonatal. A tomografia computadorizada de crênio auxilia na detecção de calcificações e malformações, que afetam formato de ventrículos e dimensões de espaços liquóricos. Para malformações corticais, lesões corticais ou subcorticais sutis e doenças neuroectodérmicas, a ressonância magnética de crânio (RM) é mais apropriada (Johnston, 2003). Yoon et al (2000) observaram que SPECT em pacientes com antecedente de EHI perinatal mostrou lesões não observadas por RM em áreas cerebelares, tálamo e núcleos basais. 75 11. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos apresentados neste texto permitiram, inicialmente, situar a EHI do recém-nascido de termo em nosso meio, no panorama mundial neste final do século XX. Sua incidência no recém-nascido de termo no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP), nos últimos anos da década de 1990, aproxima-se daquelas referidas por hospitais de ensino em países de primeiro mundo, como ocorre também à sua posição relevante como causa de paralisia cerebral. A caracterização clínica da EHI no recém-nascido de termo foi detalhadamente estudada e discutida frente às propostas da literatura. No presente texto, procedeu-se à análise sobre a necessidade do diagnóstico diferencial com o quadro clínico do recém-nascido pequeno para a idade gestacional, sem EHI, no sentido de estudo de variáveis que interferem nos resultados obtidos a cerca da semiologia clínica da EHI. Acrescentaram-se também sugestões para o diagnóstico retrospectivo da EHI, com base nas evidências de critérios diagnósticos bem definidos. O valor prognóstico da EHI, comparativamente a fatores de risco de anóxia neonatal, relacionados aos antecedentes maternos, obstétricos e do neonato, foi valorizado. Sobre a evolução da hipotonia presente na EHI, apesar da pouca literatura pertinente e da pequena casuística de crianças com paralisia cerebral nos estudos aqui apresentados, chamou-se atenção para o aparecimento dos sinais de lesão do sistema piramidal até o terceiro mês e do aparecimento mais tardio dos distúrbios do movimento. No sentido do diagnóstico diferencial da evolução da EHI, discutiu-se também a busca de crianças com desenvolvimento neuromotor dissociado, observando-se sua ausência em uma amostra de 93 crianças. 76 Os estudos sobre a EHI no recém-nascido pré-termo iniciaram-se com a verificação das dificuldades diagnósticas de fatores causais de paralisia cerebral. Os procedimentos de avaliação dos setores do desenvolvimento aqui focalizados, bem como procedimentos de avaliação apresentados na literatura brasileira, não foram padronizados para a população de nascidos pré-termo.Os conhecimentos obtidos até o momento permitirão estabelecer comparações entre amostras de crianças nascidas a termo com e sem EHI. 77 12. SUGESTÕES PARA MEDIDAS DE PREVENÇÃO DE SEQÜELAS NEUROLÓGICAS DECORRENTES DA ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA FETAL E NEONATAL Sobre as políticas de prevenção em saúde infantil, segundo o Comitê Executivo da OPS, sua proposta de ações (OPS, 2003) se baseia nas propostas da OMS para a saúde da criança e do adolescente, nas recomendações e documentos básicos da Sessão Especial sobre as Crianças, da ONU em 2002, na abordagem do ciclo de vida baseada na implementação corrente de estratégias para o cuidado integrado em adolescência, adulto e gestante, e na Estratégia Global da OMS para a alimentação da criança. Também estão estas ações baseadas nas resoluções da OPS sobre o manejo integrado de doenças infantis (IMCD), tendose em conta as recomendações do seu Grupo de Conselho Técnico, um grupo de especialistas chamados a atuar junto à OPS. Esta questão tem recebido no Brasil atenção especial de vários setores políticos, sociais e científicos, que têm realizado trabalho de educação continuada da área médica e outros profissionais de saúde, mantendo atualizados os conhecimentos bem como liderando as diretrizes em condutas em todos os níveis de prevenção, diagnóstico e de terapêutica, junto a equipes profissionais e junto às famílias, comprometidos com o planejamento da vigilância da saúde materno-infantil, e em relação às crianças com deficiências, detecção precoce das seqüelas motoras, cognitivas e psicossociais. A análise dos resultados das pesquisas citadas neste texto permite sugerir ou reafirmar algumas contribuições para o planejamento de medidas preventivas da anóxia fetal ou neonatal e suas seqüelas neurológicas. Estas são apresentadas com algumas observações, a seguir, em tópicos segundo os tipos de atendimento. 78 1. Enfoque na atenção primária Em razão dos achados entre crianças com paralisia cerebral, de mães com idade muito jovem ou avançada, multíparas e história de sangramento uterino, durante a gravidez, e em função do aumento na freqüência de nascimentos pré-termo, e neste contexto, focalizando o stress materno durante a gestação: 7 Reforçar os programas de prevenção de gestação na adolescência por meio de orientações em escolas, meios de comunicação – especialmente TV, centros religiosos, centros médicos. 8 Verificar pontos de intensificação de assistência médica e social às gestantes com idade inferior a 19 e superior a 30 anos, com atenção especial ao período do parto. 8.3 Estudo criterioso das necessidades médicas individuais. 8.4 Citar na ficha de pré-natal as causas que levaram a dificuldades em gravidezes e partos anteriores. 8.5 Garantia de permanência na escola para as adolescentes, e garantia de alfabetização para as analfabetas. 8.6 Oferta de trabalho, caso a gestante esteja desempregada. 8.7 Assistência jurídica necessária, tornando ciente as gestantes sobre seus direitos e respectivas garantias, em relação ao seu trabalho, eventuais pensões, licença maternidade, garantia de emprego, estabilidade, etc. 9 Introduzir nos programas de atendimento pré-natal assistência médica e social domiciliar aos demais componentes da família para apoio efetivo à gestante. 10 Informatizar os dados da gestante e torna-los disponíveis às equipes envolvidas. 79 Em razão do subdiagnóstico de uso de bebida alcoólica durante a gestação, nos serviços que não dispõem de serviço social e equipes para visitas domiciliares – para averiguação de hábitos e vícios nos membros da família. Introduzir na ficha do atendimento médico, independentemente de gravidez, e também na ficha do pré-natal, interrogatório mais eficaz para o diagnóstico de uso de álcool. Atualmente, dispõe-se do T-ACE com versão para o português (Fabbri, 2002). Em função da necessidade de atendimento multiprofissional, organizar ficha única de atendimento, com todas as informações nas áreas envolvidas: Desenvolver no profissional que fará o primeiro atendimento à criança capacitação para diagnóstico baseado em evidências clínicas. 2. Para a atenção secundária Em razão da constatação de que a EHI ocorre em decorrência do tempo entre o início do evento hipóxico ou isquêmico e as medidas de resolução do parto, seja qual for a causa. Proporcionar à parturiente segurança, oferecendo a oportunidade de conhecer a equipe que irá realizar seu parto. Disponibilidade de ultra-sonografia durante o período gestacional, exames de análises clínicas e outros complementares que se fizerem necessários, durante o período gestacional, com presteza nos resultados e condutas subseqüentes. 10.3 Atenção ao parto com disponibilidade de equipe bem treinada e aparelhagens, como a cardiotocografia e ultra-som-Doppler. Como ocorre a outras especialidades médicas, com possibilidade de participação do primeiro atendimento, poupando encaminhamentos para nível terciário, e aumentando a resolutividade no atendimento secundário. 80 Tornar rotineiros os atendimentos médicos especializados em Neurologia Infantil e Genética Clínica para o estabelecimento do plano diagnóstico e terapêutico nestas áreas, para a criança. 3. Para a atenção terciária A partir dos fatos evidenciados nos níveis primário e secundário Investimento nas pesquisas para detecção precoce do sofrimento fetal 10.4 Atenção às grávidas de risco, com atendimento diferenciado durante todo o período da gestação, parto e pós-parto, com manutenção dos serviços de atendimento em hospital terciário para estes casos. 10.5 Acesso da parturiente de risco a especialistas e equipe treinada, além do acesso a exames especiais. Investimento contínuo na capacitação de equipes multiprofissionais visando 10.6 Diagnóstico e tratamento adequado das doenças e intercorrências gestacionais (gestante e feto) e no neonato. 10.7 Estudos de novos procedimentos educacionais e de reabilitação de gestantes de risco. Investimento no estudo da detecção precoce de alterações em áreas de semiologia clínica e laboratorial nas áreas de Pediatria, Genética Clínica e Neurologia Infantil, por meio de 10.8 Capacitação de profissionais médicos para detecção inicial de alterações semiológicas. 10.9 Recursos para laboratórios com infra-estrutura áudio-visual e de informática, para registro e análise do exame neurológico. 81 10.10 Recursos para laboratório de genética clínica, para incremento no diagnóstico. Recursos diagnósticos para o planejamento da reabilitação e prevenção de seqüelas na criança. 10.11 Provimento de exames de imagem funcional do sistema nervoso em hospitais-escola. Investimento contínuo na capacitação de equipes multiprofissionais para avanços em procedimentos educacionais e de reabilitação 10.12 Organização, em hospitais-escola, de serviços especializados e multiprofissionais integrados, de projetos para atualização no uso de técnicas e domínio de novas tecnologias. 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