Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 809.962 - RS (2006/0007992-0)
RELATOR
RECORRENTE
ADVOGADO
RECORRIDO
ADVOGADO
:
:
:
:
:
MINISTRO LUIZ FUX
COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO - CORSAN
OSVALDO ANSELMO REGINATO E OUTROS
JARBAS SANTOS DE ALMEIDA
SÉRGIO AUGUSTO SCAGLEA DE OLIVEIRA
DECISÃO
ADMINISTRATIVO. CORTE NO FORNECIMENTO DE
ÁGUA. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO. HIPÓTESE DE
EXIGÊNCIA
DE
DÉBITO
DECORRENTE
DE
RECUPERAÇÃO
DE
CONSUMO
NÃO-FATURADO.
ALEGAÇÃO
DE
DÉBITO
PRETÉRITO.
CONSTRANGIMENTO E AMEAÇA AO CONSUMIDOR.
CDC, ART. 42.
1. A concessionária não pode interromper o fornecimento de água/
energia elétrica por dívida relativa à recuperação de consumo
não-faturado, apurada a partir de débito pretérito, em face da
essencialidade do serviço, posto bem indispensável à vida. Entendimento
assentado pela Primeira Turma, no julgamento do REsp n.º 772.489/RS,
bem como no AgRg no AG 633.173/RS.
2. É que resta cediço que a "suspensão no fornecimento de energia
elétrica somente é permitida quando se tratar de inadimplemento de
conta regular, relativa ao mês do consumo, restando incabível tal
conduta quando for relativa a débitos antigos não-pagos, em que
há os meios ordinários de cobrança, sob pena de infringência ao
disposto no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.
Precedente: AgRg no Ag nº 633.173/RS, Rel. Min. JOSÉ
DELGADO, DJ de 02/05/05." (REsp 772.486/RS, Primeira Turma,
Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 06.03.2006).
3. Uma vez contestada em juízo dívida apurada unilateralmente e
decorrente de débito pretérito, não há que cogitar em suspensão do
fornecimento, em face da essencialidade do serviço, vez que é bem
indispensável à vida. Máxime quando dispõe a concessionária e
fornecedora dos meios judiciais cabíveis para buscar o ressarcimento
que entender pertinente, sob pena de infringência ao disposto no art. 42,
do Código de Defesa do Consumidor.
4. In casu, o litígio não gravita em torno de inadimplência do usuário no
pagamento da conta de água/energia elétrica atual(Lei 8.987/95, art. 6.º,
§ 3.º, II), em que cabível a interrupção da prestação do serviço, por isso
que não há cogitar suspensão do fornecimento de água/energia elétrica
pelo inadimplemento.
5. Recurso especial a que se nega seguimento (CPC, art. 557, caput).
Trata-se de recurso especial interposto pela COMPANHIA RIOGRANDENSE
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DE SANEAMENTO - CORSAN, com fulcro no art. 105, III, alíneas ''a" e "c"', da Carta Maior,
no intuito de ver reformado o v. acórdão prolatado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, que restou assim ementado:
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇO
PÚBLICO ESSENCIAL. SUSPENSÃO DO ABASTECIMENTO DE
ÁGUA POR FALTA DE PAGAMENTO. Tratando-se a água, por um
lado, de bem público naturalmente à disposição de todos, e, de
outro, concedida a órgão público em monopólio para o efeito de
melhor controlar sua qualidade e administrar seu fornecimento a
todos, descabida é a suspensão por falta de pagamento. Ademais,
dispõe o credor de meios próprios e adequados para cobrança da
dívida.
RECURSO PROVIDO.UNÂNIME
Noticiam os autos que JARBAS SANTOS DE ALMEIDA impetrou mandado de
segurança, objetivando a reativação do fornecimento de água do seu imóvel em razão do atraso
no pagamento de duas faturas mensais, porquanto caracterizado débito pretérito.
O juízo de primeiro grau denegou à segurança inferindo que continuidade do
serviço não implica no seu fornecimento de forma gratuita. Inconformada, a ora recorrida
interpôs recurso de apelação.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por unanimidade, proveu o
mencionado apelo, nos termos da ementa supratranscrita.
Na presente irresignação especial, sustenta a recorrente, COMPANHIA
RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO, a existência de violação ao artigo 6º, § 3º, II da Lei
8.987/95, além de apontar dissídio jurisprudencial com julgados do E. STJ. Defendeu a legalidade
do corte de água em face de dívida decorrente da constatação de inadimplências nos pagamentos
mensais da mencionada conta de água.
Não foram apresentadas contra-razões.
Realizado o juízo de admissibilidade positivo do apelo extremo, na instância de
origem, ascenderam os autos ao E. STJ.
Relatados. Decido.
Prequestionada a matéria federal ventilada e restando demonstrado o dissídio
jurisprudencial, impõe-se o conhecimento do presente apelo nobre.
Cinge-se a controvérsia à possibilidade de corte no fornecimento de água de
usuário que não adimpliu conta relativa à débito pretérito.
Deveras, o acórdão hostilizado se manifestou nos termos dos precedentes desta
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Corte de Justiça, senão vejamos:
Outrossim, a CORSAN poderá se socorrer das medidas judiciais
adequadas para exigir o pagamento do débito do consumidor.
Ademais, o art. 42 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que:
“Art. 42 - Na cobrança de débitos, o consumidor
inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a
qualquer constrangimento ou ameaça”.
Assim, mesmo na hipótese de inadimplência e irregularidades na
medição, o consumidor não poderá sofrer ameaça ou
constrangimento com a suspensão de seu fornecimento, em face de
se tratar de serviço de natureza essencial, sob pena de configurar
ato abusivo do órgão responsável e de violação ao princípio da
dignidade humana (art. 1º, inc. III, da CF).
A situação sub judice não versa sobre inadimplemento de conta regular, mas
antes da cobrança de diferença de consumo pretérito, para os quais há os meios ordinários de
cobrança, por isso que a estagnação do serviço implica infringência ao disposto no art. 42, caput ,
do Código de Defesa do Consumir, verbis :
Na cobrança de débitos o consumidor inadimplente
não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo
de constrangimento ou ameaça.
Nesse diapasão, insta colacionar o eminente acórdão, nos autos do REsp
772486/RS, Primeira Turma, da lavra do i. Min. Francisco Falcão, publicação no DJ de 06.03.06:
"PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO.
AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO
POR
DANOS
MORAIS.
SUSPENSÃO.
FORNECIMENTO
DE
ENERGIA
ELÉTRICA.
DÉBITOS
PRETÉRITOS.
IMPOSSIBILIDADE.
RECURSO
ESPECIAL
INTERPOSTO COM FULCRO NO ART. 105, INCISO III, LETRA
"C", DA CF/88. DIVERGÊNCIA NÃO CONFIGURADA.
I - A suspensão no fornecimento de energia elétrica somente é
permitida quando se tratar de inadimplemento de conta regular,
relativa ao mês do consumo, restando incabível tal conduta quando
for relativa a débitos antigos não-pagos, em que há os meios
ordinários de cobrança, sob pena de infringência ao disposto no
art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. Precedente: AgRg no
Ag nº 633.173/RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 02/05/05.
II - É inadmissível o apelo especial manifestado pela alínea "c" do
permissivo constitucional que deixa de demonstrar a existência de
suposta divergência jurisprudencial, nos moldes estabelecidos pelo
art. 255 do RISTJ c/c o 541, parágrafo único, do CPC.
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III - Recurso especial improvido.
No mesmo sentido, o julgado no AgRg no AG 633173/RS, da Primeira Turma, da
lavra do i. Min. José Delgado, publicado no DJ em 02.05.05:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. INEXISTÊNCIA DE
OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO, DÚVIDA OU FALTA
DE FUNDAMENTAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO. CORTE NO
FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. CABIMENTO NO
CASO DO ART. 6º, § 3º, II, DA LEI Nº 8.987/95.
IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DO ABASTECIMENTO NA
HIPÓTESE
DE
EXIGÊNCIA
DE
DÉBITO
PRETÉRITO.
CARACTERIZAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO E AMEAÇA AO
CONSUMIDOR. CDC, ART. 42. DISSÍDIO PRETORIANO
NÃO-COMPROVADO.
1. Agravo regimental contra decisão que desproveu agravo de
instrumento.
2. O acórdão a quo entendeu pela proibição do corte no
fornecimento de energia elétrica por débitos antigos, em face da
essencialidade do serviço, uma vez que é bem indispensável à vida,
além do que dispõe a concessionária e fornecedora dos meios
judiciais cabíveis para buscar o ressarcimento daqueles.
3. Argumentos da decisão a quo que se apresentam claros e nítidos.
Não dão lugar a omissões, obscuridades, dúvidas ou contradições.
O não-acatamento das teses contidas no recurso não implica
cerceamento de defesa, uma vez que ao julgador cabe apreciar a
questão de acordo com o que ele entender atinente à lide. Não está
obrigado o magistrado a julgar a questão posta a seu exame de
acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre
convencimento (art. 131 do CPC), utilizando-se dos fatos, provas,
jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que
entender aplicável ao caso. Não obstante a oposição de embargos
declaratórios, não são eles mero expediente para forçar o ingresso
na instância especial, se não há omissão do acórdão a ser suprida.
Inexiste ofensa aos arts. 165, 458 e 535, II, do CPC quando a
matéria enfocada é devidamente abordada no voto a quo.
4. Com relação ao fornecimento de energia elétrica, o art. 6º, § 3º,
II, da Lei nº 8.987/95 dispõe que “não se caracteriza como
descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de
emergência ou após prévio aviso, quando for por inadimplemento
do usuário, considerado o interesse da coletividade”. Portanto,
havendo o fornecimento de energia elétrica pela concessionária, a
obrigação do consumidor será a de cumprir com sua parte, isto é, o
pagamento
pelo referido
fornecimento,
sendo
possível,
verificando-se caso a caso, uma vez não realizada a
contraprestação, o corte.
5. Hipótese dos autos que se caracteriza pela exigência de débito
pretérito, não devendo, com isso, ser suspenso o fornecimento, visto
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que o corte de energia elétrica pressupõe o inadimplemento de
conta regular, relativa ao mês do consumo, sendo inviável, pois, a
suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos, em
relação aos quais existe demanda judicial ainda pendente de
julgamento, devendo a companhia utilizar-se dos meios ordinários
de cobrança, não se admitindo qualquer espécie de
constrangimento ou ameaça ao consumidor, nos termos do art. 42
do CDC.
6. Não se conhece de recurso especial fincado no art. 105, III, “c”,
da CF/88, quando a alegada divergência jurisprudencial não é
devidamente demonstrada, nos moldes em que exigida pelo
parágrafo único, do art. 541 do CPC, c/c o art. 255 e seus §§ do
RISTJ.
7. Agravo regimental não provido"
Com efeito, uma vez contestada em juízo dívida apurada unilateralmente e
decorrente de suposta inadimplência da ora recorrida em relação ao pagamento de débito
pretérito, não há que se cogitar em suspensão do fornecimento, em face da essencialidade do
serviço, vez que é bem indispensável à vida. Máxime quando dispõe a concessionária e
fornecedora dos meios judiciais cabíveis para buscar o ressarcimento que entender pertinente.
Diante do exposto, NEGO SEGUIMENTO ao presente recurso especial, com
fulcro no art. 557, caput , do CPC.
Publique-se. Intimações necessárias.
Brasília (DF), 1º de dezembro de 2006.
MINISTRO LUIZ FUX
Relator
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