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Falta de água e esgoto mata uma criança a cada 19 segundos
Mundo tem 1,1 bilhão sem acesso a água e 2,6 bilhões sem
saneamento
A falta de acesso a água e saneamento mata uma criança a cada 19 segundos,
em decorrência de diarréia, afirma o Relatório de Desenvolvimento Humano
(RDH) 2006, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). O estudo, intitulado “Além da escassez: poder,
pobreza e a crise mundial da água”, também mostra que, no ritmo atual, o
mundo não conseguirá cumprir a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio que prevê reduzir pela metade, até 2015, a proporção de pessoas que
não desfrutam desses recursos.
As estimativas do relatório apontam que há 1,1 bilhão de pessoas sem acesso
a água limpa, e que, dessas, quase duas em cada três vivem com menos de
dois dólares por dia. Cerca de 2,6 bilhões de habitantes moram em domicílio
sem esgoto, dos quais 660 milhões sobrevivem com menos de dois dólares
por dia. “A crise da água e do saneamento é, acima de tudo, uma crise dos
pobres”, resume o relatório.
Enquanto um habitante de Moçambique usa, em média, menos de 10 litros
de água por dia, um europeu consome entre 200 e 300, e um norteamericano, 575 (em Phoenix, no Arizona, o volume ultrapassa 1 mil). “No
Reino Unido, um cidadão médio usa mais de 50 litros de água por dia dando
a descarga — mais de dez vezes o volume disponível para as pessoas que
não têm acesso a uma fonte de água potável na maior parte da zona rural da
África Subsaariana. Um norte-americano usa mais água em um banho de
cinco minutos do que um morador de favela de país em desenvolvimento usa
num dia inteiro”, compara o relatório.
População com acesso a água potável e saneamento
(em %, em 2004)
Saneamento
Água
100
80
60
40
20
0
Países
Árabes
Ásia do
Leste e
Pacífico
América Sul da Ásia África Países ricos
Latina e
Subsaariana
Caribe
Os efeitos do problema, conseqüentemente, recaem mais sobre os que têm menor renda.
Sobretudo por falta de água potável e saneamento, são registrados anualmente 5 bilhões de
casos de diarréia nos países em desenvolvimento. Anualmente, essa doença tira a vida de
1,8 milhão de crianças menores de 5 anos — 4.900 por dia. É a segunda principal causa de
morte na infância, só atrás de infecções respiratórias. Ainda que possa ser evitada com
medidas simples, a diarréia mata mais do que tuberculose e malária, seis vezes mais que os
conflitos armados e, entre as crianças, cinco vezes mais que a Aids.
“Água limpa e saneamento estão entre os mais eficientes remédios preventivos para reduzir
a mortalidade infantil”, diz o RDH. O quadro atual dos países desenvolvidos, que entre o
final do século 19 e o começo do século 20 registraram uma rápida evolução nessa área, é
um forte indicativo disso: a morte de crianças de menos de 5 anos representa menos de 1%
dos óbitos nessas regiões. No mundo, representa 20%. Na África Subsaariana e no sul da
Ásia, 33%.
Por ter relação tão estreita com outras áreas do desenvolvimento humano, a meta dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relacionada a recursos hídricos e instalações
sanitárias é crucial para que os outros Objetivos também sejam cumpridos. Para atingi-la,
será preciso, até 2015, assegurar acesso a água a mais 900 milhões de pessoas e saneamento
a 1,3 bilhão. Em geral, o mundo está avançando, mas essas metas não serão atingidas
dentro do prazo se for mantida a tendência atual.
As projeções do RDH 2006 apontam que, no ritmo atual, o compromisso será atingido em
2016 (água) e 2022 (saneamento). Esses números gerais, porém, não revelam as
dificuldades ainda mais agudas em algumas regiões — sobretudo na África Subsaariana. A
América Latina já cumpriu a meta da água e deve cumprir a de saneamento.
Quando as metas serão atingidas
(se m antida a tendência atual)
Água
2076
Saneamento
2042
2022
2019
2016
2018
Sul da Ásia
2019
2014
2013
Já atingida
Já atingida
Mundo
2040
Ásia Oriental
e Pacífico
América
Latina
Países
Árabes
África
Subsaariana
Mesmo dentro das regiões, o desempenho é desigual. Mantida a atual tendência, 55 países
não cumprirão a meta de reduzir pela metade a proporção da população com acesso a água
potável e 74 não alcançarão a meta de saneamento. Mas os Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio, salienta o relatório, “devem ser encarados como um patamar mínimo de
abastecimento, não como um teto”. Mesmo que as metas sejam atingidas, ainda haverá 800
milhões de pessoas sem acesso a água e 1,8 bilhão sem saneamento em 2015.
O custo financeiro para avançar no setor não é desprezível: reduzir pela metade a proporção
de pessoas sem acesso a esses benefícios, como prevê a meta do Objetivo de
Desenvolvimento do Milênio ligada a água e saneamento, requer US$ 10 bilhões ao ano se
for usada uma tecnologia de baixo preço. Para universalizar o acesso são necessários de
US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões, dependendo da tecnologia.
O valor de US$ 10 bilhões, porém, é menos do que o mundo gasta com armas em cinco
dias e menos da metade do que os países ricos desembolsam com garrafas e copos de água
mineral. “É um pequeno preço a pagar para um investimento que pode salvar milhões de
vidas jovens, liberar as pessoas de doenças que lhes tiram a saúde e gerar um retorno
econômico que impulsionará a prosperidade”, argumenta o relatório.
O texto aponta que, de fato, manter a tendência atual custará ainda mais caro — mesmo em
termo financeiros. “Permitir que o déficit de água e saneamento continue custaria nove
vezes mais do que resolvê-lo”, compara o RDH. Só o sistema de saúde dos países em
desenvolvimento economizaria US$ 1,6 bilhão ao ano. O custo total do déficit, estimam os
autores do relatório, chega a US$ 170 bilhões — mais do que o Produto Interno Bruto
(PIB) da Argentina, ou 2,6% do PIB de todos os países em desenvolvimento somados. O
prejuízo é de US$ 23,5 bilhões na África Subsaariana (5% do PIB da região), US$ 29
bilhões para a América Latina, US$ 34 bilhões para o Sul da Ásia e US$ 66 bilhões para a
Ásia Oriental.
O que fazer?
A falta de água não é uma decorrência da escassez, sustenta o relatório. “A escassez física
de água, definida como quantidade insuficiente de recursos para satisfazer a procura, é uma
das características inerentes à questão da segurança da água em alguns países. Mas as
situações de penúria absoluta ainda são a exceção, e não a regra. A maioria dos países
dispõe de água suficiente para satisfazer as necessidades domésticas, industriais, agrícolas e
ambientais. O problema está na gestão”.
O RDH 2006 defende, nesse sentido, um Plano de Ação Global, liderado pelos países do
G8, que concentre os esforços para a mobilização dos recursos e coloque a água e o
saneamento no centro da agenda de desenvolvimento. O texto sugere como referência os
fundos de combate a doenças como Aids e tuberculose, com pouca burocracia.
Um ponto crucial para essa ação seria a adoção da água como um direito humano básico.
“Todos deveriam dispor de pelo menos 20 litros de água por dia, e as pessoas pobres
deveriam obtê-la gratuitamente”, recomenda o relatório do PNUD. “Devem ser
estabelecidos indicadores de referência claros para o progresso em direção à meta, com a
responsabilização dos governos nacionais e locais e também dos fornecedores de água”.
Outro pilar importante é estabelecer um piso para os investimentos públicos. “Os governos
deveriam ter como objetivo um mínimo de 1% do PIB para a água e o saneamento”, e
precisam agir para reverter a desigualdade, adverte o relatório. Esses investimentos devem
seguir um plano nacional, com estratégias bem definidas, para acelerar o progresso nessa
área.
Os países desenvolvidos, em contrapartida, precisam elevar sua contribuição para o setor.
Segundo o RDH, a ajuda ao desenvolvimento caiu em termo reais na última década, e os
fluxos de recursos precisam duplicar: é necessário aumentar a ajuda entre US$ 3,4 bilhões e
US$ 4 bilhões por ano.
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