ACIDENTE DO TRABALHO Fernanda Pereira Costa, adv. Ailza Santos Silva, est. Sumário: I- Introdução II- Conceito III. Responsabilidade civil do empregador pelo acidente do trabalho IV- Competência para apreciar a indenização por acidente do trabalho. I. INTRODUÇÃO O Direito do Trabalho é o ramo do Direito que visa assegurar melhores condições de trabalho, bem como condições sociais ao trabalhador, de modo que este possa prestar seus serviços em um ambiente salubre, e, através de seu salário, ter uma vida digna para que possa desempenhar seu papel na sociedade. Com o advento da Revolução Industrial, no século XVIII, houve a necessidade de se criarem normas para melhorar o ambiente de trabalho. A partir de então, o Direito, com seu poder sancionador e disciplinador, passa a exigir que certas condições mínimas devam ser observadas pelo empregador. Essa preocupação do Direito com a proteção do trabalhador, fruto da evolução tecnológica e de suas conseqüências na saúde, refletiu também no Brasil, tanto que a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), complementada pela Portaria n.º 3214/78, trata do tema em seus arts. 154 ao 201. Ao seu turno, a Carta Magna também possui esse enfoque protetivo, quando preceitua em seu art. 7º, XXII, in verbis: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII: redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. O presente artigo dará enfoque especial ao acidente do trabalho, no concernente à responsabilidade civil do empregador e a competência para julgamento. II. CONCEITO Uma das grandes dificuldades encontradas ao se deparar com o tema “acidente do trabalho” é a de se atingir uma adequada conceituação. O ordenamento jurídico pátrio, objetivando resolver o impasse, definiu o acidente do trabalho, no art. 19 da Lei 8.213/91, ao preceituar, in verbis: “Art. 19: Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do Art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”. O acidente do trabalho também pode ser considerado como aquele evento único, subitâneo, imprevisto, bem configurado no espaço e no tempo e de conseqüências geralmente imediatas. O QUE SE EXIGE É O NEXO DE CAUSALIDADE E A LESIVIDADE. Há que se ressaltar também, que a lei brasileira enumera algumas situações que são equiparadas ao acidente do trabalho. Trata-se do disposto no art. 21 da Lei 8.213/91, que colaciona: “Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de 2 companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. § 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho. § 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior. ANTONIO LOPES MONTEIRO e ROBERTO FLEURY DE SOUZA BERTAGNI1, resumem a questão sustentando que quando o empregado estiver à disposição do empregador, independentemente do local e dia, em horário de trabalho e no ambiente da empresa, mesmo sem estar efetivamente trabalhando (períodos destinados a refeições e a outras necessidades fisiológicas), verificando-se o acidente, este assume a natureza de acidente do trabalho. 1 MONTEIRO, Antonio Lopes, BERTAGNI, Roberto Fleury de Souza, Acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 14) 3 III. RESPONSABILIDADE ACIDENTE DO TRABALHO CIVIL DO EMPREGADOR PELO Diante da legislação especial a respeito do acidente do trabalho, houve muita discussão se ainda permanecia a responsabilidade civil do empregador, já que a obrigatoriedade do pagamento do seguro acidentário indicava a correspondente cobertura dos danos mencionados2. De fato, na vigência do Decreto n. 24.637/34, havia previsão expressa excluindo a responsabilidade civil do empregador. O Decreto-Lei n. 7.036/44 iniciou a correção do problema, prevendo o concurso da reparação civil, quando o acidente resultasse de dolo do empregador ou de seus prepostos. A jurisprudência ampliou a interpretação do dispositivo, equiparando ao dolo a culpa grave do empregador, que culminou na Súmula 229 do STF em 16/12/63 (após a súmula 229, a CR dissipou as dúvidas a respeito, art. 7º, XXVIII). Em sintonia com o dispositivo constitucional, o art. 121 da Lei n. 8.213/91 prevê que “o pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente de trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”. O seguro social obrigatório, entretanto, não exime o empregador do dever de diligência, de garantir o direito ao ambiente de trabalho saudável e à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Assim, quando o empregador descuidado dos seus deveres concorrer para o evento do acidente com dolo ou culpa, por ação ou omissão, fica caracterizado o ato ilícito3, gerando o direito à reparação de natureza civil, independente da cobertura acidentária. A rigor, a 2 A responsabilidade do INSS é objetiva e surge independente de haver ou não culpa do empregador ou do empregado na ocorrência do evento de que resultem seqüelas que levem à incapacidade do último e que tenha acontecido durante o período conceituado como laborativo; são motivos que determinam a concessão do benefício acidentário correspondente. Ou seja, havendo prova de que o interessado é empregado no conceito da lei acidentária, que a causa do acidente tem relação com a atividade laborativa e dele restaram seqüelas incapacitantes, estão preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício e será obrigação do INSS pagá-los em retribuição à contribuição recolhida pelo empregador para essa finalidade; afinal, o seu empregado é um bem pessoal que faz parte de sua empresa. 3 Código Civil, 2002, Art. 927: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Parágrafo único: “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Art. 186: “aquele que, por ação ou omissão, voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. 4 causa do acidente, nessa hipótese, não decorre do trabalho, mas do descumprimento dos deveres ilegais atribuídos ao empregador. Muito se discute acerca da responsabilidade do empregador quando da ocorrência do acidente do trabalho. Alguns sustentam a teoria da responsabilidade objetiva, vez que o empregador, ao contratar seus funcionários, deve responsabilizar-se pela integridade física destes, dispondo a estes um meio ambiente de trabalho saudável, e que por ocasião do rompimento do vínculo empregatício, deva retornar ao mercado do trabalho com a mesma capacidade que possuía. Para os defensores dessa teoria, não há que se indagar acerca do grau de culpa do empregador, bastando que o acidente ocorra para fundamentar o pedido de indenização por acidente do trabalho. Noutro norte, em maior número e em sintonia com a Carta Magna, há os defensores da teoria da responsabilidade subjetiva. O inciso XXVIII do art. 7° da Constituição, prevê que a responsabilização do empregador por acidente sofrido por seu empregado se dará na forma subjetiva tão somente. Assim está esculpido o texto de tal dispositivo, in verbis: “Art. 7° São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXVIII: seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”. O elemento culpa é condição sine qua non para que o resultado dano, por intermédio de uma conduta com o mínimo de causalidade, efetive-se. Se a conduta é o primordial elemento que configura a responsabilidade, a culpa então é o que pode ser designado, ao lado do nexo de causalidade, de pressuposto obrigatório, ou mínimo, do ato ensejador de indenização. A culpa consubstancia-se como a não execução de um dever de observância mínima pelo agente. JÚLIO BERNARDO DO CARMO4 afirma que tratando-se de Responsabilidade Subjetiva, “era mister a ocorrência de dolo ou culpa no ato do agente para possibilitar a obrigação de ressarcir o dano causado a outrem. Inexistente a culpa, quer direta ou indireta, real ou presumida, esvaece de tudo a responsabilidade civil”. Da mais pura emanação do direito civil constitucional, ou seja, interpretando o direito civil à luz da Constituição, percebe-se que o empregador 4 CARMO, Júlio Bernardo do. O dano moral e sua reparação no âmbito do direito civil e do trabalho. Belo Horizonte, RTM, 1996, p. 27. 5 somente será responsabilizado por acidente de trabalho sofrido por empregado seu, quando ficar comprovado a culpa ou dolo do primeiro. A exigência de estabelecer o nexo causal funda-se no fato de que ninguém pode responder por dano a que não tenha dado causa. Por todo o exposto, e analisando-se as divergentes correntes existentes, verifica-se que somente haverá responsabilização civil subjetiva do empregador por acidente de trabalho, não tendo se falar em responsabilidade objetiva, sob pena de se quedar inconstitucional. IV. COMPETÊNCIA PARA APRECIAR A INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO Questão que se manteve tormentosa por longa data, e que hoje, restou pacificada pela Emenda Constitucional n° 45, que alterou a redação do art. 114 da Constituição, é com relação à competência para o julgamento do pedido de indenização oriundo de acidente do trabalho. A competência material da Justiça do Trabalho está inscrita no inciso I e VI do novo art. 114 da CF, que estabelece que toda e quaisquer ações decorrentes de uma relação de trabalho é de competência da Justiça Trabalhista, dentre as quais, as relativas a dano moral ou patrimonial. O art. 114 da Constituição Republicana, preceitua, in litteris: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I. as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (...) VI. as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho” (...) Mister ressaltar que, antes mesmo da aprovação da EC 45, a Súmula 736 do STF5 já reconhecia a competência da Justiça do Trabalho para decidir e julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. 5 Súmula 736 STF: “Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir a segurança, a higiene e saúde dos trabalhadores”. 6 O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, já vinha decidindo, reiteradamente, tal como o TST, no sentido de compete à Justiça do Trabalho decidir sobre pleitos de indenização por dano moral decorrente do descumprimento das normas de segurança e saúde dos trabalhadores. Confira-se o julgado: “É competente a Justiça do Trabalho para apreciar e decidir o pedido de reparação de danos morais causados ao empregado por ato ilícito do empregador, ainda que decorrente de acidente do trabalho, vez que são inconfundíveis os fatos geradores do direito. A indenização por acidentes do trabalho é devida pela simples exposição do empregado ao risco durante a prestação de serviços (culpa objetiva)”. TRT 3ª R. – RO 81.114. Dessa forma, quando a discussão envolver questões que envolvam a relação de trabalho, seja acidente do trabalho, seja indenização por danos materiais ou morais, é competente a Justiça do Trabalho. Sub censura. Fernanda Pereira Costa, adv. Ailza Santos Silva, est. MARÇO DE 2006 RKL ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA SC 7