A ARTICULAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM NO SEGUNDO WITTGENSTEIN. Fabrício Ferreira Cunha Prof. Drª Mirian Donat (Orientadora) RESUMO O presente trabalho busca mostrar de que maneira a linguagem se apresenta ao indivíduo no segundo Wittgenstein, tendo por base a esta pesquisa os primeiros aforismos do autor, em sua obra Investigações Filosóficas onde Wittgenstein demonstra como insuficientes os argumentos do autor do Tractatus Logico-Philosophicus para responderem à questão da linguagem. Diz Wittgenstein que o problema maior não é saber o que a linguagem é, mas sim como ela funciona. Este concepção da linguagem no segundo Wittgenstein tem por base alguns conceitos que se relacionam, dando significado à linguagem, a saber, o uso, regras e os jogos de linguagem, o que caracteriza a linguagem como relação entre indivíduos que fazem uso dos mesmos jogos de linguagem, ou seja, indivíduos que compartilhem das mesmas “formas de vida”, onde a linguagem flui naturalmente, onde o significado das palavras não é dado ostensivamente, em uma relação direta com os objetos ao qual se refere como assim queria no Tractatus, mas encontra-se no acento a qual o significado se torna evidente dentro dos infindos modos de vida. Palavras-Chave: uso, significado, jogos de linguagem. 681 O primeiro objetivo de Wittgenstein em uma de suas mais importantes obras, intitulado Investigações Filosóficas é colocar em cheque e demonstrar como insuficiente a teoria sobre a linguagem de sua não menos importante obra, o Tractatus Lógico-Philosophicus. No tractatus, Wittgenstein defende a linguagem como se tivesse o papel de um espelho que reflete a todo e qualquer objeto que se possa falar, como se só pudéssemos falar de um objeto ostensivamente, diretamente a aquele objeto para conhecermos seu significado. Assim a linguagem teria como papel denominar cada objeto ostensivamente, como se cada objeto no mundo tivesse sua representação única na linguagem, buscando assim erradicar, por assim dizer, toda e qualquer contradição na linguagem, pois se cada sentença tivesse seu sentido único e irrevogável (assim como as palavras) teríamos, como queria o autor do tractatus, uma linguagem formal perfeita. Já no inicio das Investigações Filosóficas, Wittgenstein cita Santo Agostinho, que parte do mesmo pressuposto do “autor do Tractatus” sobre a linguagem, tomando a compreensão acerca dos objetos e sentenças se dão pela intenção de se indicar algo, ostensivamente, pelos signos da pronuncia ou gestos, partindo Wittgenstein deste ponto para iniciar sua teoria, usando a descrição de Agostinho como plano de fundo para pintar um novo cenário, mostrando que a linguagem não deve ser entendida como ela é, como queriam os lógicos, mas deve ser compreendido em seu funcionamento, e já no § 2 nos dá um exemplo desta funcionalidade, onde um construtor A se comunica com seu ajudante B, quando antes da representação direta com os objetos (vigas, lajotas...) está a intenção do construtor para com aqueles objetos, não simplesmente denominando-os. De acordo com Wittgenstein, Podemos nos representar que a linguagem no § 2 é toda a linguagem de A e B; na verdade toda linguagem de um povo... (I.F. § 6); - Mas quando grito lajota, o que quero realmente é que ele deve me trazer uma lajota! (I.F. § 19) 682 Vemos aqui claramente como a intenção sobrepõe se ao significado direto, quando Wittgenstein diz “o que quero realmente...” é toda a intenção para com o objeto e não simplesmente seu apontamento. O autor se serve de alguns termos que lhe auxiliaram e servirão de base a toda teoria das Investigações, que lhe dará suporte para avançar em seu pensamento e no desenvolvimento de todo âmbito da linguagem que ele se propõe tratar. Wittgenstein coloca o desenvolvimento da linguagem através do uso da linguagem entre os indivíduos, ou como nas palavras do autor (I.F. § 53) “...o uso dos signos desta ou daquela maneira foi ensinado aos homens que usam esta linguagem”. Este uso da linguagem define seu significado e a compreensão mútua entre indivíduos que fazem uso desta mesma linguagem, a partir do que o autor define como “jogos de linguagem”. Posso dizer então que indivíduos que compartilham dos mesmos jogos de linguagem, fazem uso dos mesmos jogos de linguagem, se entendem, se compreendem e encontram a significação do que se refere. Mas para se entrar em um “jogo” é preciso conhecer suas “regras”, sendo este mais um termo que Wittgenstein usa para a elucidação de seu pensamento. O autor entende por „regras‟ o ordenamento da linguagem necessária à compreensão entre os indivíduos que fazem uso dos mesmos jogos de linguagem. Temos ao que parece, uma rede que entrelaça todos estes termos, a saber, uso, regras e jogos de linguagem, fazendo da linguagem significativa e compreensiva, não simples sons ou movimentos sem sentido. E é na relação entre os indivíduos que estes termos se completam, que encontram seu significado e seu sentido dentro do uso desta palavra nas mais variadas formas de vida, descartando, por assim dizer mas não completamente, seu significado ostensivo, mas compreendendo toda uma intenção com apenas uma única palavra. Vejamos agora como estes termos se relacionam. 683 Quando um pai ordena ao seu filho “Leve este pacote, pois está mais leve”, que significados temos por leve? Se, para o “autor do Tractatus” este sentença seria, no mínimo, dita de forma errada, ou sem nenhum significado, para o autor das Investigações Filosóficas, a palavra “leve” pode ser compreendida em seus diversos usos, ora de uma maneira, ora de outra. “Leve este pacote...” então tem como significado, primeiramente como uma ordem, a de levar o pacote, por alguma necessidade daquele momento pelo pai e pelo filho, “... pois está mais leve” temos uma obstruidade que o pai vê no filho que o impossibilite de levar outro pacote por ser mais pesado, por exemplo. Neste exemplo podemos analisar, dentro de um mesmo uso de palavras, significações diferentes que, só podem ser identificadas como diferentes pelo uso que se fez, pelo querer dizer em que cada palavra teve dentro das regras que pai e filho fizeram em comum. Ora, se pai ou filho compreendessem apenas uma aplicação da palavra leve, teriam se entendido? Em outro caso, o pai simplesmente apontaria ao pacote a ser carregado e dizer “Leve!”, o que poderia ter entendido o filho? Ou que simplesmente o pacote é leve ou que fosse uma ordem de carregar o pacote a outro lugar. O que vai definir sua aplicação é seu uso naquele dado momento, e de como as regras da linguagem se aplicam entre pai e filho nesta situação. Podemos voltar ao primeiro exemplo que Wittgenstein nos expõe, que a palavra “lajota” traz entre trabalhadores que estão construindo uma casa. Entre eles, basta-se dizer “lajota” para compreenderem “traga-me uma lajota”, pois estão inseridos em um mesmo jogo de linguagem, fazendo uso das mesmas regras, pertencentes a mesma “forma de vida”. É circulando dentro das formas de vida que a linguagem se articula entre os indivíduos, que a linguagem evidencia o significado do que se pretende dizer, distanciando-se do significado ostensivo que o autor do Tractatus defende. O querer dizer pelos indivíduos depende da interação entre os indivíduos para ganhar certa significação, ou seja, que pode ser entendido por aqueles que 684 compreendem a articulação da linguagem, aqueles pertencentes às mesmas formas de vida. Como poderia o trabalhador fazer-se entender, ao dizer „lajota‟ ao seu ajudante, se este não compreendesse os mesmos jogos de linguagem do primeiro, se não estivesse inserido em seu modo de vida. Não poderia. Nas palavras de Wittgenstein, Pode-se, para uma grande classe de casos de utilização da palavra “significação” explica-la assim: A significação de uma palavra é seu uso na linguagem. E a significação de um nome elucida-se muitas vezes apontando ao seu portador. (I.F. § 43) O significado gira em torno das formas de vida a qual se apresenta ao indivíduo, faz-se significar a partir do uso das palavras num determinado jogo de linguagem estabelecida por regras que a própria forma de vida define ao que se quer fazer entender e ao que entende, formando assim uma espécie de circulo lingüístico que se articula entre os indivíduos. Segundo Arley Moreno, Não é necessário, segundo Wittgenstein, empreender a análise da proposição para desvendarmos a plenitude de seu significado, ainda que uma só palavra possa se prestar a múltiplas interpretações. O Significado só nos aparecerá sendo indeterminado, ao nível da linguagem natural, quando assumirmos um ponto de vista privilegiado, justamente aquele do tractatus, o do olhar omnisciente, que é unificador e que não está engajado em nenhuma forma de vida particular. (1985, p67) 685 Temos neste ponto talvez a maior das contraposições de Wittgenstein ao “autor do tractatus”, sendo este significado proposto no Tractatus, um significado tão direto ao objeto quanto seu significado em uma sentença, imutável, o que não acontece nas investigações, onde a significação se encontra sempre em contato com o uso que se faz da palavra que está sendo dita, sempre se compreendendo dentro de uma forma de vida, e sobre determinadas regras que se articulam nas formas de vida. Voltemos ao exemplo de Wittgenstein. Quando os trabalhadores se comunicavam, um solicitando ao outro as ferramentas e materiais necessários ao trabalho, estavam preocupados com o emprego das palavras, do uso correto, das regras do jogo de linguagem a qual estavam inseridos? Não. O que determina então que se fez o uso correto dos jogos de linguagem pertencentes aquelas formas de vida? Aqui se vê a aplicação da linguagem no dia a dia dos indivíduos, que usam a linguagem a fim de dar maior dinâmica ao andamento do projeto no querer dizer “traga-me uma lajota” gritando apenas “lajota”. Simplesmente porque a linguagem se articula entre os indivíduos através do uso desta regra, não lhes foi imposto antecipadamente que, ao dizer „lajota‟ o ajudante deva lançar uma lajota ao outro, ele simplesmente tinha em mente que o desejo dele era que lhe fosse entregue uma lajota, pois já havia feito uso desta regra, talvez em outros casos, com outras ferramentas ou objetos. Assim também em toda e qualquer forma de vida seguirá suas regras em seus jogos de linguagem, tendo aqui o que há em comum em todas as formas de vida, suas próprias regras de linguagem que lhes caracterizam e lhes dão sentido necessário á compreensão daqueles inseridos em seu modo de vida. , entrando aqui o ultimo termo de Wittgenstein, apontando certo parentesco lingüístico neste ou naquele modo de vida, define como „aparentados‟ os jogos de linguagem e suas regras. Cito Wittgenstein: 686 Em vez de indicar algo que é comum a tudo aquilo que chamamos de linguagem, digo que nao há coisa em comum com estes fenômenos, em virtude da qual empregamos para todos a mesma palavra, - mas sim que estão aparentados uns com os outros de muitos modos diferentes e por causa desse parentesco ou desses parentescos chamamolos todos de “linguagens”. (I.F. § 65) É assim cada classe de trabalhadores, cada lar, cada ambiente possui suas regras e cada indivíduo se depara com estas formas de vida a cada instante. O ajudante observa que sempre que uma ferramenta é solicitada lhe é dita apenas o seu nome, lhe entrega o objeto a qual o nome faz referência. Dentro daquela forma de vida se torna uma regra a ele. Sempre que me é dito uma palavra devo entregar-lhe o solicitado. Se, em um caso remoto, um construtor estivesse sozinho em sua obra, e só lhe tivesse o contratante a lhe ajudar, e este contratante fosse um médico que está reformando sua casa, o construtor grita ao médico “Lajota!”, este iria apontar para a pilha de lajotas e repetir “sim, eis as lajotas!”, logo em seguida o construtor lhe diria, “sim, me traga as lajotas”, automaticamente o médico assimilaria o ato de dizer a palavra lajota a necessidade de lhe entregar uma lajota, e desta forma não mais o construtor precisará usar de toda formalidade gramatical para pedir ao seu ajudante os materiais que necessita. O médico automaticamente se insere neste jogo de linguagem, a qual fez uso de uma determinada regra que lhe é próprio para a sua compreensão, neste caso, ouvir a palavra solicitada lhe significará trazer-lhe o objeto ao construtor. Concluindo, podemos perceber como a linguagem se articula dentro da própria linguagem, através dos jogos de linguagem a qual participa os indivíduos, definido suas regras com um único objetivo, fazerse entender por esta articulação entre jogos de linguagem, regras e o uso destas regras na relação indivíduo-indivíduo, que fazem o uso destes jogos, das mesmas formas de vida. E se deparado a qualquer forma de 687 vida, o homem se adapta a aquela linguagem, a aquelas regras pois necessariamente fará uso da mesma linguagem que lhe é, em primeiro momento estranho, mas que se tornará tão natural quanto aos modos de vida a qual ele pertence e toda a articulação da linguagem que esta compreende. „Não há palavra alguma que tenha sido usada uma única vez por um único indivíduo‟, ou seja, necessariamente a linguagem se faz entre indivíduos, não é algo isolado, característico do homem, mas essencial do homem, que estão a todo momento compartilhando e apreendendo novas formas de vida, se inserindo em novos jogos de linguagem, fazendo uso de novas regras da linguagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1999. MORENO, Arley R. Wittgenstein: ensaio introdutório. Rio de Janeiro, Taurus, 1985. SPANIOL, Werner, Filosofia e método no segundo Wittgenstein. São Paulo, Loyola, 1989. PERLOFF, Marjorie. A escada de Wittgenstein, São Paulo, EDUSP, 2008. HACKER, P. M. S. Wittgenstein: sobra e natureza humana, São Paulo, Editora Unesp, 1999. 688