INSTRUTOR SURDO: FOCALIZANDO AS PRÁTICAS DE ENSINO DA
LÍNGUA BRASILEIRAS DE SINAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Autoras: Karen Santos Lopes; Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
INTRODUÇÂO
Com relação à educação de alunos surdos nota-se que os meios de inclusão
empregados atualmente pouco têm contribuído para a aprendizagem dessa clientela, gerando
uma escolarização insuficiente; a aprendizagem oferecida não se mostra igualitária entre
surdos e ouvintes, as práticas realizadas em sala de aula com tais alunos não se atentam às
suas singularidades, deixando os alunos surdos às margens do processo de escolarização,
como já vem acontecendo ao longo da história.
Conforme Góes (1996), o aluno surdo enfrenta complexas demandas adicionais por
apresentar uso restrito da língua utilizada nas atividades de sala de aula, dessa forma além da
perda auditiva, o grande cerne das implicações da surdez está nas dificuldades de aquisição de
linguagem e nas formas de interação que os sujeitos surdos terão com o mundo, por serem
privados da audição tais indivíduos necessitam de recursos visuais, de uma língua que
favoreça essa singularidade.
Apesar da necessidade de uma língua que contemplasse os aspectos visuais levando
em consideração a especificidade dos sujeitos surdos na sua forma de comunicação, somente
no ano de 2002 é que esses sujeitos puderam contar com uma língua oficializada pela Lei
10.436, de 24/04/2002. No texto da lei, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida
como meio de comunicação e expressão, como um sistema linguístico de natureza
visual-motora com estrutura gramatical própria, oriundo de comunidades de pessoas suras do
Brasil. O mesmo texto também afirma que também devem ser garantidas, por parte do poder
publico, e em geral e em empresas concessionárias de serviços públicos, formas
institucionalizadas de apoiar o uso e a difusão dessa língua. Atribui em especial, essa
responsabilidade as instituições e serviços públicos de Educação e de Assistência a Saúde,
estabelecendo que os sistemas de educação federal, estadual e municipais devem garantir a
inclusão do estudo da Libras sem curso de formação de educadores de profissionais que
atuam junto a surdez. (SANTOS, 2007)
Nesse momento, observa-se que a língua de sinais passa a ser respeitada como uma
língua própria da comunidade surda e, portanto seus membros adultos têm importantes papeis
educacionais na divulgação dessa língua as crianças surdas.
A partir do reconhecimento da Libras como uma língua é que notamos movimentos
educacionais que privilegiavam o ensino dessa língua diante de uma visão discursiva, a
ênfase dada a linguagem como constitutiva do sujeito passa a ser um fator determinante na
adoção de novos métodos educacionais.
Os estudos que privilegiavam a linguagem como atividade discursiva nos levam a
olhar de outra maneira para o trabalho prático com as crianças surdas, Nessa perspectiva, a
linguagem assume um papel essencial na elaboração das formas do pensamento, assim a
atividade discursiva define pela ação do sujeito sobre e com a língua.( GUARINELLO, 2007)
Será então imerso as relações sociais que a criança agirá sobre o mundo e sobre o
outro se apropriando das significações impressas nesse processo. Trata-se, portanto, de uma
atividade que exige a ação do sujeito em meio as suas próprias construções de conhecimento.
Será o outro quem atribuirá sentido e significados a linguagem da criança, resignificando suas
interpretações.
Isso destaca a grande diferença entre as teorias que privilegiam a fala, por meio de um
ensino enfadonho, mecanicista de uma que olha o sujeito diante de suas singularidades não
desconsiderando suas limitações, mais buscando outros fatores que o coloque como sujeito
social, e, portanto passível de aprendizagem.
Na perspectiva discursiva, a constituição da linguagem é um processo vivido
ativamente por sujeitos engajados em atividades socioculturais, nas quais o adulto é o
medidor entre a criança e o objeto linguístico.
Cabe ainda destacar que muitas vezes os problemas de linguagem apresentados por
essas crianças, geralmente não são decorrentes apenas da surdez, mais sim da maneira como
elas são inseridas na linguagem, portanto um trabalho que privilegie as formas de aquisição da
linguagem, partindo de concepções que ela é constitutiva do processo do desenvolvimento do
seres humanos deve ser valorizado.
Neste aspecto a proposta bilíngue tem sido foco das discussões acerca da valorização
da identidade desses sujeitos, considerando suas necessidades linguísticas e ressaltando uma
aprendizagem que tenha por excelência a Libras como base.
A proposta bilíngue surgiu baseada nas reivindicações dos próprios surdos, pelo
direito a sua língua e das pesquisas linguísticas sobre a língua de sinais. Ela é uma abordagem
educacional que contempla o direito linguístico da pessoa surda de ter acesso aos
conhecimentos sociais e culturais em uma língua na qual tenham domínio, respeitando, ainda,
os aspectos culturais, sociais, metodológicos e curriculares inerentes à condição de surdez.
(SKLIAR, 1997) De fato, estudos vem apontando que esta proposta é a mais apropriada ao
ensino das crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de sinais e se baseia no
conhecimento dela para o ensino da língua majoritária, neste caso o Português,
preferencialmente na modalidade escrita.
Na adoção do bilinguismo deve se optar pela apresentação simultânea ou sucessiva de
duas línguas (a língua de sinais e a língua da comunidade majoritária). Neste aspecto,
percebe-se a importância de um profissional competente a proporcionar uma boa solidificação
na língua de sinais da criança para que depois ela possa perpassar todas as exigências do
ensino, assim como também a aprendizagem do português na modalidade escrita sem grandes
problemas. (GUARINELLO 2007, MOURA, 2000) Deve se considerar, portanto, as
particularidades e a materialidade da língua de sinais e os aspectos culturais a ela associados
(SVARTHOLM, 1994).
Quanto à modalidade da língua escrita cabe ressaltar que também há as suas
discrepâncias, podendo ser esta ensinada tanto na modalidade escrita quanto pela fala.
Svartholm (1994) pesquisadora Sueca, defensora do modelo bilíngue, afirma que na
Suécia a língua Majoritária é ofertada na modalidade escrita, por ser capaz de promover o
conhecimento linguístico necessário para que o individuo construa suas habilidades de língua.
A implantação da proposta bilíngue possibilita que a autoestima dos surdos melhore,
assim como também o nível de leitura e escrita, mas principalmente que sejam fornecidas aos
surdos as mesmas oportunidades dadas aos ouvintes.
Nos modelos bilíngues, para que as crianças surdas venham a adquirir a língua de
sinais como primeira língua, é necessário que elas sejam expostas a usuários competentes
dessa línguas, ou seja adultos surdos fluentes, que vão responder tanto pela exposição como
pelo ensino da gramática para as crianças surdas.
O contato com adultos surdos se faz de suma importância, pois por meio dessa relação
é que a criança surda terá garantido o seu acesso a língua de sinais, o que ajudará também na
formação de sua identidade, é nesse aspecto que o instrutor surdo tem se mostrado como um
profissional essencial pois será ele quem tecerá os primeiros gestos na criança surda para que
ela se abra as relações com o mundo.
A fim de regulamentar a lei 10.436 o decreto 5.626/05, de Dezembro de 2005, elenca
novos elementos: define atribuições, prevê profissionais específicos para atuarem junto a
educação de surdos.
Nesse sentido começa a se perguntar quem seria o profissional mais adequado a se
ensinar a Libras aos alunos surdos, tendo em vista a sua relevância aos aspectos constituintes
dos seus desenvolvimentos e de sua identidade.
Perlin e Quadros (1997) ressaltam a importância do envolvimento de membros da
comunidade surda nessas discussões, pois uma escola inclusiva sem adultos surdos seria mais
uma forma de desarticular suas comunidades.
Vindo ao encontro das legislações vigentes, o Decreto 5.626/05, de Dezembro de
2005, trata do direito das pessoas surdas ao acesso as informações por meio da Libras, do
direito dessa comunidade a uma educação bilíngue e da formação de professores e Libras e de
Interpretes de Libras dentre outras providencias. Há nesse decreto uma capitulo destinado a
formação do professor/instrutor de Libras o que demonstra a importância e atualidade do
presente trabalho, visto tratar de um tema relativamente recente que requer estudos
aprofundados e leis a seu favor, para que possa adquirir maior reconhecimento.(SANTOS,
2007)
De acordo com os últimos documentos brasileiros, é considerado instrutor surdo
aquele que tem pleno domínio da língua de sinais para poder transmiti-la a seus alunos surdos
e/ou ouvintes (BRASIL, 2005). Este tem se mostrado fundamental a esse processo, pois como
cita Lacerda (2000), na medida em que a condição linguística especial do surdo é respeitada,
aumentam as chances de ele desenvolver-se e construir novos conhecimentos de maneira
satisfatória, em contraponto a uma integração escolar sem qualquer cuidado especial.
No entanto, apesar das propostas bilíngues enfatizarem sua importância junto a
educação desses alunos, não são poucos os projetos implantados que não contratam esse
profissional.
São muitas as razões e justificativas para esses acontecimentos, que vão desde a falta
de uma formação adequada, que contemple as necessidades pedagógicas do educando à falta
de informação consistente sobre quem será esse profissional no ambiente escolar e quais as
suas reais contribuições no desenvolvimento linguístico da criança surda.
De acordo com Gurgel (2004), os instrutores surdos são pessoas que fazem parte das
associações de surdos e assumem o papel do ensino a crianças surdas e ouvintes (familiares e
interessados). Podemos afirmar então, que na maior parte das vezes esses sujeitos ensinam
pela própria experiência e contato com a língua, sem nenhuma formação específica.
Faz necessário então discutirmos sua relevância, por se tratar de um profissional, cuja
responsabilidade recairá no ensino da língua de sinais a indivíduos com atraso significativo de
linguagem, podemos dizer que são responsáveis na constituição do sujeito surdo.
Desde o nascimento, o bebe humano é colocado em relações peculiares com os adultos
que estão ao seu redor, o que determina que todo o seu contato com a realidade (incluindo
aqueles relacionados às funções biológicas mais elementares) seja socialmente mediado. É
nesse processo que a criança inicia-se no meio social, cultural e também linguístico. Dessa
forma, sua subjetividade, e todo o seu processo de desenvolvimento é medido por seus
familiares, por meio da linguagem.( LACERDA e LODI, 2009).
No caso da criança surda, este processo esbarra-se no primeiro contato, a criança ao
estar privada da audição, não poderá partilhar da mesma língua que seus familiares,
reduzindo-se as possibilidades de interação e compressão, de si, do outro e do mundo que a
cerca. Como consequência desse atraso de linguagem, observa-se a dificuldade de
organização do pensamento, de suas ações, realização de novas aprendizagens, compreensão
de conceitos entre outras tão essenciais a vida cotidiana.
Para que o desenvolvimento de uma criança surda ocorra de forma similar ao de uma
criança ouvinte, deve ser oferecidas oportunidades para que ela possa interagir com
interlocutores que lhe insiram em relações sociais significativas por meio de uma língua que
favoreça a sua condição linguística. Será por meio das interações estabelecidas com e pela
criança que ela poderá desenvolver funções superiores e enfim constituir-se sujeito da
linguagem (LACERDA e LODI, 2009).
Por esse motivo, as autoras afirmam ser necessário à criança surda o estabelecimento
de relações com surdos e/ou ouvintes fluentes na língua de sinais para que venham a ter um
desenvolvimento análogo ao de uma criança ouvinte no que se refere ao desenvolvimento de
linguagem.
O adulto neste caso assume uma postura fundante nesse processo, por meio dele as
crianças assimilam ativamente aquelas habilidades que foram construídas pela história sócial,
internalizam as regras cotidianas, assimilam os diferentes papeis que cada um ocupa em seu
círculo de relações, será através das intervenções do adulto que os processos psicológicos
mais complexos também começaram a se formar.
O adulto neste caso assume uma postura fundante nesse processo, por meio dele as
crianças assimilam ativamente aquelas habilidades que foram construídas pela história sócial,
internalizam as regras cotidianas, assimilam os diferentes papeis que cada um ocupa em seu
círculo de relações, será através das intervenções do adulto que os processos psicológicos
mais complexos também começaram a se formar.
É nesse sentido que Vygotsky (1984) afirma que o desenvolvimento do psiquismo
humano é sempre mediado pelo outro, que indica, delimita e atribui significado á realidade.
Por intermédio dessas mediações, os membros imaturos da espécie humana vão pouco a
pouco se apropriando dos modos de funcionamento psicológico, do comportamento e da
cultura, enfim, do patrimônio da história da humanidade e de seu grupo cultural.
Em síntese na perspectiva Vygostskiana o desenvolvimento das funções intelectuais
especialmente humanas é mediado socialmente pelos signos e pelo outro. Ao internalizar as
experiências fornecidas pela cultura, a criança reconstrói individualmente os modos de ação
realizados externamente e aprende a organizar os próprios processos mentais. (REGO, 2010)colocar a página.
Desse modo o instrutor surdo se mostra ser indispensável ao processo do
desenvolvimento da criança surda, a medida que a maioria são filhos de pais ouvintes que
desconhecem ou pouco conhecem a língua de sinais. Será o instrutor surdo (o outro), aquele
que tecerá junto a criança a forma mais primitiva e essencial do humano, a linguagem.
Podemos dizer então, que a criança surda mesmo estando ela imersa as relações
sociais, quando privada do contato com adultos fluentes em LIBRAS , pouco poderá agir
sobre o meio, suas atividades são restringidas pela limitação linguística. Sua ação sobre o
meio também é limitada uma vez que não pode discutir opinar, formular hipóteses com os
demais membros do seu grupo social.
Partindo desses pressupostos Vygotsky, acrescenta que o desenvolvimento e a
aprendizagem estão inter-relacionados desde o nascimento da criança, desde muito cedo a
criança através da interação com o meio físico e social, já realizam uma série de aprendizados.
Deste modo muito antes de entrar na escola, já construiu uma série de conhecimentos do
mundo que a cerca.
Será então o instrutor surdo o profissional responsável pelo desenvolvimento
linguístico da criança surda e com isso também pela expansão e generalização na formação de
conceitos pela mesma que devido a sua limitação linguística, esse processo também se mostra
em desvantagem quando equiparado ao de uma criança ouvinte.
Frente a isso as estratégias utilizadas pelos instrutores surdos devem ser
cuidadosamente escolhidas, uma vez que as experiências conceituais vivenciadas pela criança
surda são reduzidas.
Frente isso as estratégias utilizadas pelos instrutores surdos devem ser cuidadosamente
escolhidas, uma vez que as experiências conceituais vivenciadas pela criança surda são
reduzidas. Os instrutores surdos serão os responsáveis pela necessidade imediata da criança na
descoberta do mundo, é nesse sentido que são necessárias práticas que contemplem uma
relação dialética, contextualizada em contrapartida com práticas sistematizadas.
O processo de formação de conceitos, fundamental no desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores, é longo e complexo, pois envolve operações intelectuais dirigidas
pelo uso de palavras (tais como: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade
para comparar e diferenciar). Para aprender um conceito é necessária, além das informações
recebidas do exterior, uma intensa atividade mental por parte da criança. Por tanto, um
conceito não é aprendido por meio de um treinamento mecânico, nem tampouco pode ser
meramente transmitido pelo professor ao aluno: “O ensino direto de conceitos é impossível e
infrutífero. Um professor que tenta fazer isso geralmente não obtém qualquer resultado,
exceto o de verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança, semelhante a de um
papagaio que simula um conhecimento dos conceitos correspondentes, mas que na realidade
oculta um vácuo”. (VYGOSTSKY, 1984) colocar página.
Vygotsky ainda ressalta, que se no meio ambiente não houver desafios, exigências e
estimulações ao intelecto da criança, esse processo poderá se atrasar ou mesmo não se
completar, sou seja, poderá não chegar a conquistar estágios mais elevados de raciocínio. Isso
quer dizer que o pensamento intelectual é uma conquista que depende não somente do esforço
individual, mas principalmente do contexto em que o individuo se insere que define, aliás, seu
ponto de chegada.
Com base nesses pressupostos teóricos, nos preocupa a realidade que tem sido
observada no ensino de língua de sinais atualmente, apesar das constantes ênfases dadas a um
ensino que prime pela dialogia, contextualização e significação em torno de uma língua, ainda
assim observamos práticas que permanecem distanciadas desses elementos.
Estudos como o de Teixeira (2004); Lacerda e Caporali (2001); e Gurgel (2004), tem
mostrado que os insucessos escolares vivenciados pelos profissionais surdos ao longo de sua
trajetória escolar têm impactado suas estratégias e seus modos de pensar pedagógicos no
ensino da língua de sinais. Não são poucas as experiências que mostram a língua Portuguesa
muito presente nesses momentos. Como exemplo, destaca-se o uso de práticas que focalizam
a aprendizagem de léxico de palavras, nomeação, repetição memorização desprovidas de
qualquer contextualização e direcionamento a faixa etária dos alunos ensinados.
Pereira (2008) também constatou que os educadores de língua de sinais carecem de
conhecimentos teóricos consistentes para embasar suas práticas, observou ainda que a
reprodução de estratégias vem acontecendo sem uma devida reflexão por parte desses
profissionais, ocasionando uma reprodução de aulas de tradução de Libras para a língua
Portuguesa.
Barbosa (2000) acredita que a exploração das relações dialógicas em torno da língua
de sinais deve ser um recurso valioso no ensino dessa língua, por meio de atividades como
contação de histórias, piadas e outros gêneros que podem ser trabalhadas de maneiras
criativas colocando em questão para as crianças surdas as diferentes formas de dizer,
determinadas por diferentes situações comunicativas.
A organização curricular dessa disciplina também tem sido foco de vários outros
estudos como o de Silveira (2008), intitulado “O ensino de libras em escolas gaúchas para
surdos: um estudo de currículos”, no qual a autora buscou trazer contribuições para o
currículo da disciplina de língua de sinais na educação escolar de surdos.
Ao comparar o currículo de diferentes escolas, constatou-se uma grande diversidade,
em algumas havia a repetição de conteúdos de uma série para outra, sem qualquer articulação.
Em outros já era possível notar uma preocupação direta com questões de identidade surda,
cultura surda, em outras eram abrangidos conteúdos que não diziam respeito nem a libras,
nem a cultura surda. Os dados nos permite verificar os aspectos positivos e negativos dos
currículos que tem sido concebido atualmente, nos fazendo refletir em torno das práticas que
daí são geridas.
Esses exemplos nos permitem refletir como a língua de sinais tem sido ensinada fora
de seu valor discursivo, empobrecendo-a e interferindo nos modos de linguagem e
significação pela criança surda. Conforme Bakhtin (1986) para que o ensino de uma língua se
torne efetivo este deve proporcionar reflexividade sobre a mesma, permitindo que o aprendiz
crie sentido sobre sua aprendizagem.
É referente a tais aspectos que o presente estudo se faz importante uma vez que são
escassos os trabalhos que abordam o ensino de libras a crianças em idade pré- escolar, ainda
mais quando se refere as práticas adotadas.
Pretende-se no decorrer dessa pesquisa destacar a importância da imagem no ensino a
crianças surdas, sendo este um recurso indispensável ainda mais a esta faixa etária que
necessita de um apoio concreto que respalde seu processo de apropriação da língua e seus
significados, como também o uso de atividades contextualizadas, lúdicas e apropriadas a esse
público.
METODOLOGIA
Esta pesquisa trata-se de um estudo de caso que é parte do trabalho final de conclusão
de curso da autora, intitulado Instrutor Surdo: Reflexões Sobre as Práticas de ensino da
Língua Brasileira de Sinais.
Neste trabalho, será apresentado a parte referente a entrevista realizada com uma
instrutora surda que atua em uma Escola Municipal de Educação Infantil ( EMEI) localizada
em uma cidade de médio porte no interior de São Paulo. Torna-se relevante apresentar que
esta escola faz parte de uma proposta de inclusão bilíngue da rede que atende aos alunos
surdos, oferecendo-lhes oportunidades de serem educados por meio do uso da língua
brasileira de sinais como L¹. Neste espaço são oferecidas oficinas de Libras três vezes por
semana. O termo Oficinas, ainda que usado para se referir a cursos ou espaços de curta
duração é usado aqui com fins de diferenciar-se dos trabalhos realizados em sala de aula,
mesmo que esse tenha um caráter permanente.
Optou-se por uma entrevista semiestruturada individual com a instrutora com fins de
que ela pudesse discorrer sobre suas práticas de ensino com maior desenvoltura diferente do
que ocorre em um questionário fechado no qual cabe o sujeito de pesquisa sintetizar suas
informações. Essa dialogia que a entrevista semiestruturada permite, possibilita a criação de
diversos sentidos dependentes do contexto, das relações que se estabelecem entre os
interlocutores revelando e apagando aspectos importantes das experiências sociais. (Freitas,
2002).
A entrevista foi gravada em áudio e vídeo para que o depoimento apresentado em
Libras fosse posteriormente analisado, pretendeu-se com isso reconhecer o desenvolvimento
como um processo dinâmico, em constante fluxo, dando conta da continuidade dos fatos, uma
vez que a realidade é vista como um processo em constante movimento. (Lacerda, 2003) A
profissional foi entrevistada individualmente com a presença de um intérprete, a entrevista foi
filmada e transcrita para o português para melhor compreensão e análise dos dados.
Após a entrevista, a vídeo gravação foi transcrita no qual por meio desse instrumento
foi possível identificar os temas dominantes que foram reunidos para a discussão a seguir.
Foram realizadas categorias de análise para que fosse possível recortar alguns trechos
da entrevista por palavras, expressões ou frases que reúnam em si um sentido pertinente a
certo conteúdo. Identificados os temas foi realizado uma análise apoiando-se nos materiais
teórico de referência, focalizando os aspectos explicativos e reflexivos sobre o presente
depoimento.
RESULTADOS E DISCUSSÔES
1. O uso de imagens e brincadeiras
“Fui percebendo que só falar não adiantava. Como eles são muito pequenos, com idades entre
dois a seis anos, eles se dispersam muito. Então as atividades tem que ser lúdicas e muito
visuais.”
“O trabalho do corpo humano, as crianças prestaram mais atenção. As brincadeiras dos cincos
sentidos. Eu trouxe várias coisas para eles sentirem o cheiro, tocarem e adivinharem. Tudo
bem lúdico.”
No primeiro trecho analisado, a própria fala da instrutora surda já evidencia a necessidade
do uso de imagens e momentos lúdicos como um importante recurso motivacional e atrativo.
A partir do relato observa-se a pluralidade existente em sala de aula, com alunos com idades
que variam entre si, o que torna a adoção de estratégias algo a ser analisado diante da
realidade encontrada.
Nesse sentido, atividades que expressem a visualidade e que transpareçam ser estratégias
mais condizentes as singularidades apresentadas por esses sujeitos se fazem necessárias. A
pedagogia visual tem mostrado ser um importante recurso metodológico para esses fins
constitui-se como um novo campo de estudos que pode colaborar para uma educação que não
só beneficie o sujeito surdo, mas que amplie as possibilidades de aprendizagem para todos.
Essa centralidade da visualidade precisa, na educação de surdos, perpassar pela elaboração do
currículo, pelas estratégias didáticas, pela organização das disciplinas, com envolvimento de
elementos da cultura artística, da cultura visual, do desenvolvimento da criatividade plástica e
visual pertinente às artes visuais, além do aproveitamento dos recursos de informática,
fortemente visuais, favorecendo, assim, uma valorização da concepção de mundo constituído
por meio da subjetividade e da objetividade com as “experiências visuais” dos alunos surdos
(PERLIN, 2000).
Campello (2007) também defende a exploração do visual como um importante recurso
na educação de crianças surdas, refere-se a semiótica imagética: um novo campo que explora
a visualidade a partir do qual podem ser investigados aspectos da cultura surda, da
constituição da imagem visual presentes nos surdos, os chamados ‘olhares surdos’, que
podem ser cultivados também como recursos didáticos. Não se trata do uso de gestos ou
mímica, mas de um trabalho com signos em língua de sinais, explorando as características
visuais dessa língua: o uso dos braços, dos corpos, os traços visuais como expressões
corporais e faciais, mãos, dedos, pés, pernas com uma significação mais ampla, na perspectiva
de uma semiótica imagética (MARTINS, 2010; CAMPELLO, 2007).
Na segunda fala, observa-se o uso de atividades que permitem o uso da expressão, a
exploração do movimento e a correlação entre o objeto concreto aos seus significados, sem a
necessidade de memorização e repetição de sinais, mas denotando um ensino da língua de
sinais de forma fluída , natural e contextualizada.
Segundo Vygotsky, 1991 é no processo de apropriação da linguagem que a criança passa a
organizar seu pensamento, planejar ações, e representar em sua mente os objetos de forma
diferente do real; o brincar, uma prática social fundamental para a constituição dos sujeito
possibilita a emergência da linguagem de forma natural, além da interação entre os “falantes”
de uma mesma língua.
O brincar permite à criança não apenas a compreensão do mundo adulto, mas permeia
seus desejos, perpassa por dimensões afetivas, possibilita uma ação simbólica, permite
generalizações, dentre outros aspectos. Ainda segundo o autor a brincadeira cria uma zona de
desenvolvimento proximal, em que emergem inúmeras capacidades como abstração,
compreensão de papéis sociais, significações. (Vygotsky, 1991).
Perceber tais aspectos enriquece as práticas de ensino da língua de sinais a crianças
surdas, pois uma vez que se trata de indivíduos com um atraso significativo de linguagem o
uso de imagens e brincadeiras tornam-se importantes recursos potencializador da linguagem,
contribuindo para a organização do pensamento, memória, e expressão, aspectos importantes
para a constituição dessas crianças como sujeitos.
2. Ensino contextualizado da língua de sinais
“É importante contextualizar as atividades. Por exemplo: Quando trabalhei com os animais,
eu explorei tudo que dizia a respeito a eles. Depois eu fui para os cincos sentidos que também
tem haver com a questão do corpo humano (...)”.
“Eu comecei mostrando para eles por meio de figura os diferentes tipos de árvores. Também
exploramos ao redor da escola, pois nesse espaço tem bastante árvores. Mostrei tem árvores
sem flores, sem frutas, grandes, pequenas, rasteiras (...)”.
A fala acima trata de várias estratégias que a instrutora surda utilizou com os alunos. O
que chama a atenção nesse relato é quando observamos como a sua aula é planejada, de modo
que um assunto seja gerador do outro. Cabe ressaltar que um dos temas abordados, os
animais, partiu do interesse dos próprios alunos, o que novamente nos permite a refletir sobre
a perspectiva de aula dinâmica, construída pelo interesse, e participação do grupo.
Para a criança surda a contextualização do conteúdo é algo fundamental, pois uma vez
sem uma língua, os conceitos e experiências trazidos pela criança surda a escola são
constituídos apenas de recortes, fazendo-se necessário então, uma aula estruturada e
contextualizada de modo que essa criança consiga compreender a sequência do que é lhe
apresentado conseguindo também reorganizar seu pensamento e internalizar os significados
do que lhe foi apresentado.
Ao mesmo tempo que falamos em estrutura, essa estrutura deve contemplar apenas um
bom planejamento e reflexão por parte do instrutor surdo sobre as práticas que melhor se
adequariam aquele grupo, não devendo ser confundida com uma organização estruturalista e
fechada do conteúdo.
Esse modo nos permite refletir sobre o uso da língua em funcionamento, posto em
uma relação dialógica. Nesse sentido, Bakhtin (1998) referencia a língua da seguinte forma: A
vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interromper, ouvir,
responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa todo e com toda a sua vida: com
os olhos, com os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo, os atos, com as suas
ações, aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida
humana.
Compreender a construção da língua, em emergência nas relações sociais é algo que
deve ser contemplado pelas práticas de ensino da língua brasileira de sinais. As estratégias
utilizadas devem demonstrar uma língua viva, apresentando a criança surda seus usos e
funcionamentos sociais. A criança com isso terá a oportunidade de vivenciar um conceito por
meio de uma cadeia de relações e significados com o outro, e dessa forma vir a apropriar-se
de sua língua de forma natural.
A segunda fala diz respeito a proposta de trabalhar as árvores frutíferas, esse momento
através da fala da instrutora mostra a necessidade de atividades que não só integrem a
proposta apresentada a faixa etária desses alunos, mas que também propicie momentos de
interação com os seus pares, de elaboração de conceitos como onde eu estudo, o que tem na
minha escola, por que é necessário a preservação deste lugar.
O que se pretende trazer com esse trecho é que uma atividade nunca deve ser limitada,
mas ela deve propiciar momentos que desencadeie reflexões por parte dos alunos, e que por
assim fazer eles consigam organizar seus pensamentos generalizando-os para outros aspectos
da vida. Diante de tais aspectos tem se observado, que no sistema educacional o instrutor
surdo atua também como educador, auxiliando no desenvolvimento dos processos cognitivos
dos alunos surdos, possibilitando uma comunicação entre os pares, em que estes possam
dividir suas alegrias, preocupações e dúvidas, dentro do espaço escolar (GURGEL, 2004).
CONCLUSÕES
O exercício de boas estratégias de ensino da língua de sinais é algo que se faz
necessário uma vez que discutir as práticas de ensino como língua materna à crianças surdas
tem sido incipientes ainda mais no que tange o instrutor surdo.
Acrescenta-se que compreender as práticas que tem sido concebidas no âmbito da
proposta bilíngue é de suma importância para que possamos discutir os modos de fazer e
contribuir de alguma forma para a formação desses novos profissionais. Os dados analisados
possibilitaram a visualização do processo de aquisição de Libras por uma criança surda no
Ensino Infantil. Os episódios apresentados revelaram alguns momentos em que o uso da
Libras emerge em meio a brincadeiras, e permitiram a reflexão acerca de aspectos relevantes
em tais eventos.
É de extrema relevância que a criança surda, desde a mais tenra idade, entre em
contato com usuários fluentes em Libras; embora ainda seja difícil encontrar experiências
escolares nesse sentido, a escola ainda é o local mais apropriado para esses fins, pois
possibilita interação com os seus pares , o contato com profissionais surdos que sirvam de
modelos para a construção de suas identidades e o avanço rapidamente na apropriação dessa
de sua língua.
Através do uso de imagens, brincadeiras e um ensino contextualizado conforme se
pode observar nos episódios acima apresentados, esses recursos tem se apresentado como
estratégias bastante adequadas para o ensino de Libras as crianças surdas dessa faixa etária; se
bem conduzida, podem promover avanços rápidos com relação ao aprendizado da língua (que
lhe dará acesso aos demais conhecimentos), além da interação entre pares, fundamental para o
desenvolvimento da linguagem e significação do mundo e de si própria e, consequentemente,
de sua subjetividade.
Vale ressaltar ainda que um espaço destinado exclusivamente ao ensino da Libras é de
suma importância para que a criança surda se torne usuária efetiva da língua; iniciativas
escolares com programas bilíngües mostram-se bastante adequadas nesse sentido
Adequar o ambiente escolar as especificidades da criança surda deve ser parte
integrante do processo inclusivo; uma vez que a educação infantil é a base para todo o
aprendizado acadêmico do sujeito surdo. Espera-se, a partir do conhecimento e reflexão
dessas práticas, que possamos contribuir para ações futuras de formação e atuação desses
profissionais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto 5.626. Regulamenta a lei 10.436, de 24 de Abril de 2002, que dispõe sobre
a Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS, e art.18 da lei 10.098, de 19 de dezembro de
2000.Publicada no diário oficial da união de 22/12/2005.
CAMPELLO, A.R.S Pedagogia Visual / Sinal na Educação dos Surdos In : Quadros, R.
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