INSTRUTOR SURDO: FOCALIZANDO AS PRÁTICAS DE ENSINO DA LÍNGUA BRASILEIRAS DE SINAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Autoras: Karen Santos Lopes; Cristina Broglia Feitosa de Lacerda INTRODUÇÂO Com relação à educação de alunos surdos nota-se que os meios de inclusão empregados atualmente pouco têm contribuído para a aprendizagem dessa clientela, gerando uma escolarização insuficiente; a aprendizagem oferecida não se mostra igualitária entre surdos e ouvintes, as práticas realizadas em sala de aula com tais alunos não se atentam às suas singularidades, deixando os alunos surdos às margens do processo de escolarização, como já vem acontecendo ao longo da história. Conforme Góes (1996), o aluno surdo enfrenta complexas demandas adicionais por apresentar uso restrito da língua utilizada nas atividades de sala de aula, dessa forma além da perda auditiva, o grande cerne das implicações da surdez está nas dificuldades de aquisição de linguagem e nas formas de interação que os sujeitos surdos terão com o mundo, por serem privados da audição tais indivíduos necessitam de recursos visuais, de uma língua que favoreça essa singularidade. Apesar da necessidade de uma língua que contemplasse os aspectos visuais levando em consideração a especificidade dos sujeitos surdos na sua forma de comunicação, somente no ano de 2002 é que esses sujeitos puderam contar com uma língua oficializada pela Lei 10.436, de 24/04/2002. No texto da lei, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida como meio de comunicação e expressão, como um sistema linguístico de natureza visual-motora com estrutura gramatical própria, oriundo de comunidades de pessoas suras do Brasil. O mesmo texto também afirma que também devem ser garantidas, por parte do poder publico, e em geral e em empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e a difusão dessa língua. Atribui em especial, essa responsabilidade as instituições e serviços públicos de Educação e de Assistência a Saúde, estabelecendo que os sistemas de educação federal, estadual e municipais devem garantir a inclusão do estudo da Libras sem curso de formação de educadores de profissionais que atuam junto a surdez. (SANTOS, 2007) Nesse momento, observa-se que a língua de sinais passa a ser respeitada como uma língua própria da comunidade surda e, portanto seus membros adultos têm importantes papeis educacionais na divulgação dessa língua as crianças surdas. A partir do reconhecimento da Libras como uma língua é que notamos movimentos educacionais que privilegiavam o ensino dessa língua diante de uma visão discursiva, a ênfase dada a linguagem como constitutiva do sujeito passa a ser um fator determinante na adoção de novos métodos educacionais. Os estudos que privilegiavam a linguagem como atividade discursiva nos levam a olhar de outra maneira para o trabalho prático com as crianças surdas, Nessa perspectiva, a linguagem assume um papel essencial na elaboração das formas do pensamento, assim a atividade discursiva define pela ação do sujeito sobre e com a língua.( GUARINELLO, 2007) Será então imerso as relações sociais que a criança agirá sobre o mundo e sobre o outro se apropriando das significações impressas nesse processo. Trata-se, portanto, de uma atividade que exige a ação do sujeito em meio as suas próprias construções de conhecimento. Será o outro quem atribuirá sentido e significados a linguagem da criança, resignificando suas interpretações. Isso destaca a grande diferença entre as teorias que privilegiam a fala, por meio de um ensino enfadonho, mecanicista de uma que olha o sujeito diante de suas singularidades não desconsiderando suas limitações, mais buscando outros fatores que o coloque como sujeito social, e, portanto passível de aprendizagem. Na perspectiva discursiva, a constituição da linguagem é um processo vivido ativamente por sujeitos engajados em atividades socioculturais, nas quais o adulto é o medidor entre a criança e o objeto linguístico. Cabe ainda destacar que muitas vezes os problemas de linguagem apresentados por essas crianças, geralmente não são decorrentes apenas da surdez, mais sim da maneira como elas são inseridas na linguagem, portanto um trabalho que privilegie as formas de aquisição da linguagem, partindo de concepções que ela é constitutiva do processo do desenvolvimento do seres humanos deve ser valorizado. Neste aspecto a proposta bilíngue tem sido foco das discussões acerca da valorização da identidade desses sujeitos, considerando suas necessidades linguísticas e ressaltando uma aprendizagem que tenha por excelência a Libras como base. A proposta bilíngue surgiu baseada nas reivindicações dos próprios surdos, pelo direito a sua língua e das pesquisas linguísticas sobre a língua de sinais. Ela é uma abordagem educacional que contempla o direito linguístico da pessoa surda de ter acesso aos conhecimentos sociais e culturais em uma língua na qual tenham domínio, respeitando, ainda, os aspectos culturais, sociais, metodológicos e curriculares inerentes à condição de surdez. (SKLIAR, 1997) De fato, estudos vem apontando que esta proposta é a mais apropriada ao ensino das crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de sinais e se baseia no conhecimento dela para o ensino da língua majoritária, neste caso o Português, preferencialmente na modalidade escrita. Na adoção do bilinguismo deve se optar pela apresentação simultânea ou sucessiva de duas línguas (a língua de sinais e a língua da comunidade majoritária). Neste aspecto, percebe-se a importância de um profissional competente a proporcionar uma boa solidificação na língua de sinais da criança para que depois ela possa perpassar todas as exigências do ensino, assim como também a aprendizagem do português na modalidade escrita sem grandes problemas. (GUARINELLO 2007, MOURA, 2000) Deve se considerar, portanto, as particularidades e a materialidade da língua de sinais e os aspectos culturais a ela associados (SVARTHOLM, 1994). Quanto à modalidade da língua escrita cabe ressaltar que também há as suas discrepâncias, podendo ser esta ensinada tanto na modalidade escrita quanto pela fala. Svartholm (1994) pesquisadora Sueca, defensora do modelo bilíngue, afirma que na Suécia a língua Majoritária é ofertada na modalidade escrita, por ser capaz de promover o conhecimento linguístico necessário para que o individuo construa suas habilidades de língua. A implantação da proposta bilíngue possibilita que a autoestima dos surdos melhore, assim como também o nível de leitura e escrita, mas principalmente que sejam fornecidas aos surdos as mesmas oportunidades dadas aos ouvintes. Nos modelos bilíngues, para que as crianças surdas venham a adquirir a língua de sinais como primeira língua, é necessário que elas sejam expostas a usuários competentes dessa línguas, ou seja adultos surdos fluentes, que vão responder tanto pela exposição como pelo ensino da gramática para as crianças surdas. O contato com adultos surdos se faz de suma importância, pois por meio dessa relação é que a criança surda terá garantido o seu acesso a língua de sinais, o que ajudará também na formação de sua identidade, é nesse aspecto que o instrutor surdo tem se mostrado como um profissional essencial pois será ele quem tecerá os primeiros gestos na criança surda para que ela se abra as relações com o mundo. A fim de regulamentar a lei 10.436 o decreto 5.626/05, de Dezembro de 2005, elenca novos elementos: define atribuições, prevê profissionais específicos para atuarem junto a educação de surdos. Nesse sentido começa a se perguntar quem seria o profissional mais adequado a se ensinar a Libras aos alunos surdos, tendo em vista a sua relevância aos aspectos constituintes dos seus desenvolvimentos e de sua identidade. Perlin e Quadros (1997) ressaltam a importância do envolvimento de membros da comunidade surda nessas discussões, pois uma escola inclusiva sem adultos surdos seria mais uma forma de desarticular suas comunidades. Vindo ao encontro das legislações vigentes, o Decreto 5.626/05, de Dezembro de 2005, trata do direito das pessoas surdas ao acesso as informações por meio da Libras, do direito dessa comunidade a uma educação bilíngue e da formação de professores e Libras e de Interpretes de Libras dentre outras providencias. Há nesse decreto uma capitulo destinado a formação do professor/instrutor de Libras o que demonstra a importância e atualidade do presente trabalho, visto tratar de um tema relativamente recente que requer estudos aprofundados e leis a seu favor, para que possa adquirir maior reconhecimento.(SANTOS, 2007) De acordo com os últimos documentos brasileiros, é considerado instrutor surdo aquele que tem pleno domínio da língua de sinais para poder transmiti-la a seus alunos surdos e/ou ouvintes (BRASIL, 2005). Este tem se mostrado fundamental a esse processo, pois como cita Lacerda (2000), na medida em que a condição linguística especial do surdo é respeitada, aumentam as chances de ele desenvolver-se e construir novos conhecimentos de maneira satisfatória, em contraponto a uma integração escolar sem qualquer cuidado especial. No entanto, apesar das propostas bilíngues enfatizarem sua importância junto a educação desses alunos, não são poucos os projetos implantados que não contratam esse profissional. São muitas as razões e justificativas para esses acontecimentos, que vão desde a falta de uma formação adequada, que contemple as necessidades pedagógicas do educando à falta de informação consistente sobre quem será esse profissional no ambiente escolar e quais as suas reais contribuições no desenvolvimento linguístico da criança surda. De acordo com Gurgel (2004), os instrutores surdos são pessoas que fazem parte das associações de surdos e assumem o papel do ensino a crianças surdas e ouvintes (familiares e interessados). Podemos afirmar então, que na maior parte das vezes esses sujeitos ensinam pela própria experiência e contato com a língua, sem nenhuma formação específica. Faz necessário então discutirmos sua relevância, por se tratar de um profissional, cuja responsabilidade recairá no ensino da língua de sinais a indivíduos com atraso significativo de linguagem, podemos dizer que são responsáveis na constituição do sujeito surdo. Desde o nascimento, o bebe humano é colocado em relações peculiares com os adultos que estão ao seu redor, o que determina que todo o seu contato com a realidade (incluindo aqueles relacionados às funções biológicas mais elementares) seja socialmente mediado. É nesse processo que a criança inicia-se no meio social, cultural e também linguístico. Dessa forma, sua subjetividade, e todo o seu processo de desenvolvimento é medido por seus familiares, por meio da linguagem.( LACERDA e LODI, 2009). No caso da criança surda, este processo esbarra-se no primeiro contato, a criança ao estar privada da audição, não poderá partilhar da mesma língua que seus familiares, reduzindo-se as possibilidades de interação e compressão, de si, do outro e do mundo que a cerca. Como consequência desse atraso de linguagem, observa-se a dificuldade de organização do pensamento, de suas ações, realização de novas aprendizagens, compreensão de conceitos entre outras tão essenciais a vida cotidiana. Para que o desenvolvimento de uma criança surda ocorra de forma similar ao de uma criança ouvinte, deve ser oferecidas oportunidades para que ela possa interagir com interlocutores que lhe insiram em relações sociais significativas por meio de uma língua que favoreça a sua condição linguística. Será por meio das interações estabelecidas com e pela criança que ela poderá desenvolver funções superiores e enfim constituir-se sujeito da linguagem (LACERDA e LODI, 2009). Por esse motivo, as autoras afirmam ser necessário à criança surda o estabelecimento de relações com surdos e/ou ouvintes fluentes na língua de sinais para que venham a ter um desenvolvimento análogo ao de uma criança ouvinte no que se refere ao desenvolvimento de linguagem. O adulto neste caso assume uma postura fundante nesse processo, por meio dele as crianças assimilam ativamente aquelas habilidades que foram construídas pela história sócial, internalizam as regras cotidianas, assimilam os diferentes papeis que cada um ocupa em seu círculo de relações, será através das intervenções do adulto que os processos psicológicos mais complexos também começaram a se formar. O adulto neste caso assume uma postura fundante nesse processo, por meio dele as crianças assimilam ativamente aquelas habilidades que foram construídas pela história sócial, internalizam as regras cotidianas, assimilam os diferentes papeis que cada um ocupa em seu círculo de relações, será através das intervenções do adulto que os processos psicológicos mais complexos também começaram a se formar. É nesse sentido que Vygotsky (1984) afirma que o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro, que indica, delimita e atribui significado á realidade. Por intermédio dessas mediações, os membros imaturos da espécie humana vão pouco a pouco se apropriando dos modos de funcionamento psicológico, do comportamento e da cultura, enfim, do patrimônio da história da humanidade e de seu grupo cultural. Em síntese na perspectiva Vygostskiana o desenvolvimento das funções intelectuais especialmente humanas é mediado socialmente pelos signos e pelo outro. Ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura, a criança reconstrói individualmente os modos de ação realizados externamente e aprende a organizar os próprios processos mentais. (REGO, 2010)colocar a página. Desse modo o instrutor surdo se mostra ser indispensável ao processo do desenvolvimento da criança surda, a medida que a maioria são filhos de pais ouvintes que desconhecem ou pouco conhecem a língua de sinais. Será o instrutor surdo (o outro), aquele que tecerá junto a criança a forma mais primitiva e essencial do humano, a linguagem. Podemos dizer então, que a criança surda mesmo estando ela imersa as relações sociais, quando privada do contato com adultos fluentes em LIBRAS , pouco poderá agir sobre o meio, suas atividades são restringidas pela limitação linguística. Sua ação sobre o meio também é limitada uma vez que não pode discutir opinar, formular hipóteses com os demais membros do seu grupo social. Partindo desses pressupostos Vygotsky, acrescenta que o desenvolvimento e a aprendizagem estão inter-relacionados desde o nascimento da criança, desde muito cedo a criança através da interação com o meio físico e social, já realizam uma série de aprendizados. Deste modo muito antes de entrar na escola, já construiu uma série de conhecimentos do mundo que a cerca. Será então o instrutor surdo o profissional responsável pelo desenvolvimento linguístico da criança surda e com isso também pela expansão e generalização na formação de conceitos pela mesma que devido a sua limitação linguística, esse processo também se mostra em desvantagem quando equiparado ao de uma criança ouvinte. Frente a isso as estratégias utilizadas pelos instrutores surdos devem ser cuidadosamente escolhidas, uma vez que as experiências conceituais vivenciadas pela criança surda são reduzidas. Frente isso as estratégias utilizadas pelos instrutores surdos devem ser cuidadosamente escolhidas, uma vez que as experiências conceituais vivenciadas pela criança surda são reduzidas. Os instrutores surdos serão os responsáveis pela necessidade imediata da criança na descoberta do mundo, é nesse sentido que são necessárias práticas que contemplem uma relação dialética, contextualizada em contrapartida com práticas sistematizadas. O processo de formação de conceitos, fundamental no desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, é longo e complexo, pois envolve operações intelectuais dirigidas pelo uso de palavras (tais como: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar). Para aprender um conceito é necessária, além das informações recebidas do exterior, uma intensa atividade mental por parte da criança. Por tanto, um conceito não é aprendido por meio de um treinamento mecânico, nem tampouco pode ser meramente transmitido pelo professor ao aluno: “O ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero. Um professor que tenta fazer isso geralmente não obtém qualquer resultado, exceto o de verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança, semelhante a de um papagaio que simula um conhecimento dos conceitos correspondentes, mas que na realidade oculta um vácuo”. (VYGOSTSKY, 1984) colocar página. Vygotsky ainda ressalta, que se no meio ambiente não houver desafios, exigências e estimulações ao intelecto da criança, esse processo poderá se atrasar ou mesmo não se completar, sou seja, poderá não chegar a conquistar estágios mais elevados de raciocínio. Isso quer dizer que o pensamento intelectual é uma conquista que depende não somente do esforço individual, mas principalmente do contexto em que o individuo se insere que define, aliás, seu ponto de chegada. Com base nesses pressupostos teóricos, nos preocupa a realidade que tem sido observada no ensino de língua de sinais atualmente, apesar das constantes ênfases dadas a um ensino que prime pela dialogia, contextualização e significação em torno de uma língua, ainda assim observamos práticas que permanecem distanciadas desses elementos. Estudos como o de Teixeira (2004); Lacerda e Caporali (2001); e Gurgel (2004), tem mostrado que os insucessos escolares vivenciados pelos profissionais surdos ao longo de sua trajetória escolar têm impactado suas estratégias e seus modos de pensar pedagógicos no ensino da língua de sinais. Não são poucas as experiências que mostram a língua Portuguesa muito presente nesses momentos. Como exemplo, destaca-se o uso de práticas que focalizam a aprendizagem de léxico de palavras, nomeação, repetição memorização desprovidas de qualquer contextualização e direcionamento a faixa etária dos alunos ensinados. Pereira (2008) também constatou que os educadores de língua de sinais carecem de conhecimentos teóricos consistentes para embasar suas práticas, observou ainda que a reprodução de estratégias vem acontecendo sem uma devida reflexão por parte desses profissionais, ocasionando uma reprodução de aulas de tradução de Libras para a língua Portuguesa. Barbosa (2000) acredita que a exploração das relações dialógicas em torno da língua de sinais deve ser um recurso valioso no ensino dessa língua, por meio de atividades como contação de histórias, piadas e outros gêneros que podem ser trabalhadas de maneiras criativas colocando em questão para as crianças surdas as diferentes formas de dizer, determinadas por diferentes situações comunicativas. A organização curricular dessa disciplina também tem sido foco de vários outros estudos como o de Silveira (2008), intitulado “O ensino de libras em escolas gaúchas para surdos: um estudo de currículos”, no qual a autora buscou trazer contribuições para o currículo da disciplina de língua de sinais na educação escolar de surdos. Ao comparar o currículo de diferentes escolas, constatou-se uma grande diversidade, em algumas havia a repetição de conteúdos de uma série para outra, sem qualquer articulação. Em outros já era possível notar uma preocupação direta com questões de identidade surda, cultura surda, em outras eram abrangidos conteúdos que não diziam respeito nem a libras, nem a cultura surda. Os dados nos permite verificar os aspectos positivos e negativos dos currículos que tem sido concebido atualmente, nos fazendo refletir em torno das práticas que daí são geridas. Esses exemplos nos permitem refletir como a língua de sinais tem sido ensinada fora de seu valor discursivo, empobrecendo-a e interferindo nos modos de linguagem e significação pela criança surda. Conforme Bakhtin (1986) para que o ensino de uma língua se torne efetivo este deve proporcionar reflexividade sobre a mesma, permitindo que o aprendiz crie sentido sobre sua aprendizagem. É referente a tais aspectos que o presente estudo se faz importante uma vez que são escassos os trabalhos que abordam o ensino de libras a crianças em idade pré- escolar, ainda mais quando se refere as práticas adotadas. Pretende-se no decorrer dessa pesquisa destacar a importância da imagem no ensino a crianças surdas, sendo este um recurso indispensável ainda mais a esta faixa etária que necessita de um apoio concreto que respalde seu processo de apropriação da língua e seus significados, como também o uso de atividades contextualizadas, lúdicas e apropriadas a esse público. METODOLOGIA Esta pesquisa trata-se de um estudo de caso que é parte do trabalho final de conclusão de curso da autora, intitulado Instrutor Surdo: Reflexões Sobre as Práticas de ensino da Língua Brasileira de Sinais. Neste trabalho, será apresentado a parte referente a entrevista realizada com uma instrutora surda que atua em uma Escola Municipal de Educação Infantil ( EMEI) localizada em uma cidade de médio porte no interior de São Paulo. Torna-se relevante apresentar que esta escola faz parte de uma proposta de inclusão bilíngue da rede que atende aos alunos surdos, oferecendo-lhes oportunidades de serem educados por meio do uso da língua brasileira de sinais como L¹. Neste espaço são oferecidas oficinas de Libras três vezes por semana. O termo Oficinas, ainda que usado para se referir a cursos ou espaços de curta duração é usado aqui com fins de diferenciar-se dos trabalhos realizados em sala de aula, mesmo que esse tenha um caráter permanente. Optou-se por uma entrevista semiestruturada individual com a instrutora com fins de que ela pudesse discorrer sobre suas práticas de ensino com maior desenvoltura diferente do que ocorre em um questionário fechado no qual cabe o sujeito de pesquisa sintetizar suas informações. Essa dialogia que a entrevista semiestruturada permite, possibilita a criação de diversos sentidos dependentes do contexto, das relações que se estabelecem entre os interlocutores revelando e apagando aspectos importantes das experiências sociais. (Freitas, 2002). A entrevista foi gravada em áudio e vídeo para que o depoimento apresentado em Libras fosse posteriormente analisado, pretendeu-se com isso reconhecer o desenvolvimento como um processo dinâmico, em constante fluxo, dando conta da continuidade dos fatos, uma vez que a realidade é vista como um processo em constante movimento. (Lacerda, 2003) A profissional foi entrevistada individualmente com a presença de um intérprete, a entrevista foi filmada e transcrita para o português para melhor compreensão e análise dos dados. Após a entrevista, a vídeo gravação foi transcrita no qual por meio desse instrumento foi possível identificar os temas dominantes que foram reunidos para a discussão a seguir. Foram realizadas categorias de análise para que fosse possível recortar alguns trechos da entrevista por palavras, expressões ou frases que reúnam em si um sentido pertinente a certo conteúdo. Identificados os temas foi realizado uma análise apoiando-se nos materiais teórico de referência, focalizando os aspectos explicativos e reflexivos sobre o presente depoimento. RESULTADOS E DISCUSSÔES 1. O uso de imagens e brincadeiras “Fui percebendo que só falar não adiantava. Como eles são muito pequenos, com idades entre dois a seis anos, eles se dispersam muito. Então as atividades tem que ser lúdicas e muito visuais.” “O trabalho do corpo humano, as crianças prestaram mais atenção. As brincadeiras dos cincos sentidos. Eu trouxe várias coisas para eles sentirem o cheiro, tocarem e adivinharem. Tudo bem lúdico.” No primeiro trecho analisado, a própria fala da instrutora surda já evidencia a necessidade do uso de imagens e momentos lúdicos como um importante recurso motivacional e atrativo. A partir do relato observa-se a pluralidade existente em sala de aula, com alunos com idades que variam entre si, o que torna a adoção de estratégias algo a ser analisado diante da realidade encontrada. Nesse sentido, atividades que expressem a visualidade e que transpareçam ser estratégias mais condizentes as singularidades apresentadas por esses sujeitos se fazem necessárias. A pedagogia visual tem mostrado ser um importante recurso metodológico para esses fins constitui-se como um novo campo de estudos que pode colaborar para uma educação que não só beneficie o sujeito surdo, mas que amplie as possibilidades de aprendizagem para todos. Essa centralidade da visualidade precisa, na educação de surdos, perpassar pela elaboração do currículo, pelas estratégias didáticas, pela organização das disciplinas, com envolvimento de elementos da cultura artística, da cultura visual, do desenvolvimento da criatividade plástica e visual pertinente às artes visuais, além do aproveitamento dos recursos de informática, fortemente visuais, favorecendo, assim, uma valorização da concepção de mundo constituído por meio da subjetividade e da objetividade com as “experiências visuais” dos alunos surdos (PERLIN, 2000). Campello (2007) também defende a exploração do visual como um importante recurso na educação de crianças surdas, refere-se a semiótica imagética: um novo campo que explora a visualidade a partir do qual podem ser investigados aspectos da cultura surda, da constituição da imagem visual presentes nos surdos, os chamados ‘olhares surdos’, que podem ser cultivados também como recursos didáticos. Não se trata do uso de gestos ou mímica, mas de um trabalho com signos em língua de sinais, explorando as características visuais dessa língua: o uso dos braços, dos corpos, os traços visuais como expressões corporais e faciais, mãos, dedos, pés, pernas com uma significação mais ampla, na perspectiva de uma semiótica imagética (MARTINS, 2010; CAMPELLO, 2007). Na segunda fala, observa-se o uso de atividades que permitem o uso da expressão, a exploração do movimento e a correlação entre o objeto concreto aos seus significados, sem a necessidade de memorização e repetição de sinais, mas denotando um ensino da língua de sinais de forma fluída , natural e contextualizada. Segundo Vygotsky, 1991 é no processo de apropriação da linguagem que a criança passa a organizar seu pensamento, planejar ações, e representar em sua mente os objetos de forma diferente do real; o brincar, uma prática social fundamental para a constituição dos sujeito possibilita a emergência da linguagem de forma natural, além da interação entre os “falantes” de uma mesma língua. O brincar permite à criança não apenas a compreensão do mundo adulto, mas permeia seus desejos, perpassa por dimensões afetivas, possibilita uma ação simbólica, permite generalizações, dentre outros aspectos. Ainda segundo o autor a brincadeira cria uma zona de desenvolvimento proximal, em que emergem inúmeras capacidades como abstração, compreensão de papéis sociais, significações. (Vygotsky, 1991). Perceber tais aspectos enriquece as práticas de ensino da língua de sinais a crianças surdas, pois uma vez que se trata de indivíduos com um atraso significativo de linguagem o uso de imagens e brincadeiras tornam-se importantes recursos potencializador da linguagem, contribuindo para a organização do pensamento, memória, e expressão, aspectos importantes para a constituição dessas crianças como sujeitos. 2. Ensino contextualizado da língua de sinais “É importante contextualizar as atividades. Por exemplo: Quando trabalhei com os animais, eu explorei tudo que dizia a respeito a eles. Depois eu fui para os cincos sentidos que também tem haver com a questão do corpo humano (...)”. “Eu comecei mostrando para eles por meio de figura os diferentes tipos de árvores. Também exploramos ao redor da escola, pois nesse espaço tem bastante árvores. Mostrei tem árvores sem flores, sem frutas, grandes, pequenas, rasteiras (...)”. A fala acima trata de várias estratégias que a instrutora surda utilizou com os alunos. O que chama a atenção nesse relato é quando observamos como a sua aula é planejada, de modo que um assunto seja gerador do outro. Cabe ressaltar que um dos temas abordados, os animais, partiu do interesse dos próprios alunos, o que novamente nos permite a refletir sobre a perspectiva de aula dinâmica, construída pelo interesse, e participação do grupo. Para a criança surda a contextualização do conteúdo é algo fundamental, pois uma vez sem uma língua, os conceitos e experiências trazidos pela criança surda a escola são constituídos apenas de recortes, fazendo-se necessário então, uma aula estruturada e contextualizada de modo que essa criança consiga compreender a sequência do que é lhe apresentado conseguindo também reorganizar seu pensamento e internalizar os significados do que lhe foi apresentado. Ao mesmo tempo que falamos em estrutura, essa estrutura deve contemplar apenas um bom planejamento e reflexão por parte do instrutor surdo sobre as práticas que melhor se adequariam aquele grupo, não devendo ser confundida com uma organização estruturalista e fechada do conteúdo. Esse modo nos permite refletir sobre o uso da língua em funcionamento, posto em uma relação dialógica. Nesse sentido, Bakhtin (1998) referencia a língua da seguinte forma: A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interromper, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa todo e com toda a sua vida: com os olhos, com os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo, os atos, com as suas ações, aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana. Compreender a construção da língua, em emergência nas relações sociais é algo que deve ser contemplado pelas práticas de ensino da língua brasileira de sinais. As estratégias utilizadas devem demonstrar uma língua viva, apresentando a criança surda seus usos e funcionamentos sociais. A criança com isso terá a oportunidade de vivenciar um conceito por meio de uma cadeia de relações e significados com o outro, e dessa forma vir a apropriar-se de sua língua de forma natural. A segunda fala diz respeito a proposta de trabalhar as árvores frutíferas, esse momento através da fala da instrutora mostra a necessidade de atividades que não só integrem a proposta apresentada a faixa etária desses alunos, mas que também propicie momentos de interação com os seus pares, de elaboração de conceitos como onde eu estudo, o que tem na minha escola, por que é necessário a preservação deste lugar. O que se pretende trazer com esse trecho é que uma atividade nunca deve ser limitada, mas ela deve propiciar momentos que desencadeie reflexões por parte dos alunos, e que por assim fazer eles consigam organizar seus pensamentos generalizando-os para outros aspectos da vida. Diante de tais aspectos tem se observado, que no sistema educacional o instrutor surdo atua também como educador, auxiliando no desenvolvimento dos processos cognitivos dos alunos surdos, possibilitando uma comunicação entre os pares, em que estes possam dividir suas alegrias, preocupações e dúvidas, dentro do espaço escolar (GURGEL, 2004). CONCLUSÕES O exercício de boas estratégias de ensino da língua de sinais é algo que se faz necessário uma vez que discutir as práticas de ensino como língua materna à crianças surdas tem sido incipientes ainda mais no que tange o instrutor surdo. Acrescenta-se que compreender as práticas que tem sido concebidas no âmbito da proposta bilíngue é de suma importância para que possamos discutir os modos de fazer e contribuir de alguma forma para a formação desses novos profissionais. Os dados analisados possibilitaram a visualização do processo de aquisição de Libras por uma criança surda no Ensino Infantil. Os episódios apresentados revelaram alguns momentos em que o uso da Libras emerge em meio a brincadeiras, e permitiram a reflexão acerca de aspectos relevantes em tais eventos. É de extrema relevância que a criança surda, desde a mais tenra idade, entre em contato com usuários fluentes em Libras; embora ainda seja difícil encontrar experiências escolares nesse sentido, a escola ainda é o local mais apropriado para esses fins, pois possibilita interação com os seus pares , o contato com profissionais surdos que sirvam de modelos para a construção de suas identidades e o avanço rapidamente na apropriação dessa de sua língua. Através do uso de imagens, brincadeiras e um ensino contextualizado conforme se pode observar nos episódios acima apresentados, esses recursos tem se apresentado como estratégias bastante adequadas para o ensino de Libras as crianças surdas dessa faixa etária; se bem conduzida, podem promover avanços rápidos com relação ao aprendizado da língua (que lhe dará acesso aos demais conhecimentos), além da interação entre pares, fundamental para o desenvolvimento da linguagem e significação do mundo e de si própria e, consequentemente, de sua subjetividade. Vale ressaltar ainda que um espaço destinado exclusivamente ao ensino da Libras é de suma importância para que a criança surda se torne usuária efetiva da língua; iniciativas escolares com programas bilíngües mostram-se bastante adequadas nesse sentido Adequar o ambiente escolar as especificidades da criança surda deve ser parte integrante do processo inclusivo; uma vez que a educação infantil é a base para todo o aprendizado acadêmico do sujeito surdo. Espera-se, a partir do conhecimento e reflexão dessas práticas, que possamos contribuir para ações futuras de formação e atuação desses profissionais. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto 5.626. Regulamenta a lei 10.436, de 24 de Abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS, e art.18 da lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000.Publicada no diário oficial da união de 22/12/2005. CAMPELLO, A.R.S Pedagogia Visual / Sinal na Educação dos Surdos In : Quadros, R. M; Ronice. M; P, Gladis. (orgs). Estudos Surdos II. 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