UM ESPETÁCULO DE DANÇA COMO MEDIADOR SEMIÓTICO NA AULA DE ARTE Mary Fátima Gomes Rodrigues Fundação Regional Educacional de Avaré e-mail: [email protected] Laudo Rodrigues Sobrinho Universidade Metodista de Piracicaba e-mail: [email protected] Comunicação Oral Pesquisa Concluída O estudo em referência pretende ampliar a compreensão sobre a mediação semiótica realizada pelo professor de arte em sala de aula, com alunos do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual Pedro Bento Alves, de Arandú/SP. Para esse objetivo, foram investigadas as relações dialógicas no processo de interação aluno/professor/aluno através do espetáculo de dança “Samwaad: Rua do Encontro”. Tais indagações estão presentes no cotidiano da arte-educação visando inverter a situação de crianças que estão à parte de muitos dos bens culturais, embora estejam carregados do sentido que a linguagem, a arte, a educação e a cultura têm no real. Após o contato dos alunos com o espetáculo, ao se sensibilizarem com as histórias de vida de seus integrantes, mesmo que de forma embrionária e não muito clara, começaram a expor, através dos turnos dialógicos, suas percepções sobre o espetáculo, enfatizando a superação das adversidades, das difíceis condições concretas de vida enfrentadas pelos bailarinos, isto é, passaram a contextualizar e relacionar, com suas vidas, o espetáculo e a reportagem exibida em rede televisiva nacional. Nesse sentido, o desenvolvimento dos trabalhos e as estratégias didáticas elaboradas tiveram a intenção de demonstrar como os sujeitos se expressam de forma verbal sobre uma obra de arte, mais especificamente sobre um espetáculo de dança. Através da análise realizada, foi possível entender melhor como suas falas revelam e ocultam suas percepções e significações, criando e recriando sentidos dentro da complexa teia que a obra de arte possibilita. Elaboração artística é reprodução e produção cultural, marcada no tempo e no espaço, prenhe de sentidos reveladores e ainda por serem revelados. O produtor de arte está marcado pelo seu tempo, pelas relações concretas de vida social e histórica. A arte é expressão, é manipulação dos objetos materiais; é linguagem - instrumento e signo. A arte e a linguagem não são apenas um refletir a realidade – são também uma forma de reconstruí-la permanentemente, sendo que não são inodoras, insípidas e transparentes como substâncias que não deixam marcas. São ao mesmo tempo constituidoras e constituintes no ato de sua realização; refazendo relações, confirmando a ideia de que novos sentidos estão sendo criados incessantemente. Mikhail Bakhtin (2000) ensina que os sentidos nascidos em séculos passados nunca estão encerrados, existe uma multiplicidade inumerável de sentidos esquecidos, “todo sentido festejará o dia de seu renascimento (414).” Adota-se aqui a concepção de que a arte é cultura, portanto, produção humana articulada e indissociável do contexto onde é criada, produzida, admirada, interpretada e contestada. Denomina-se cultura o “conjunto dos resultados da ação do humano sobre o mundo por intermédio do trabalho” (CORTELLA, 1998, p.41). Como salienta Bueno (2002) “A arte também deve estar preocupada com as questões que envolvem a expressão pessoal de valores, sentimentos, relações interpessoais, cognição e significações, visto que envolvem subjetividade, já que somos seres de linguagem” (p.02). Nas mais diferentes épocas, o homem foi construindo historicamente sua visão de mundo e sua forma de relacionar-se socialmente. A arte como produção humana tem história, constrói história e não se esgota num só sentido ou numa só função, traz marcas do contexto histórico, social e político; traz a marca de quem a produz (ibid.). Ernest Fischer (1987) esclarece que a arte reflete uma condição humana de intercâmbio, de circulação de experiências e ideias, lembrando que Marx reconheceu que “toda arte é condicionada pelo seu tempo e representa a humanidade em consonância com as ideias e aspirações, as necessidades e as esperanças de uma situação histórica particular” (p.17). Nesse contexto é central na obra de Vygotsky (2010) os estudos sobre o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, - a linguagem, a escrita, o cálculo, a memória, o desenho, a lógica, a formação de conceitos, as produções artísticas – como complexas formas culturais, não emergentes das funções biológicas, mas com natureza social. Uma obra de arte vivenciada amplia a visão e leva a ver o mundo com outros olhos. Educação e desenvolvimento humano, portanto, são inseparáveis, pois ao incorporar os componentes da cultura e de seu meio social, cada homem constitui a si mesmo. Pela mediação semiótica, na escola e nas relações com a sociedade, o homem se apropria das produções culturais (materiais e intelectuais). Em meados de abril de 2012 foram iniciados os trabalhos com os alunos. Logo após, de posse das transcrições e as devidas seleções, procurouse a coordenação pedagógica na intenção de ouvir suas argumentações, bem como seu aceite. O planejamento das atividades seguiu o critério da linguagem artística da dança, através de sua gravação em vídeo, para apreciação e discussão sobre os aspectos que os alunos julgassem relevantes. Havia a intenção explicita de que as ações pudessem propiciar momentos de reflexão e expressão dos desejos. Este trabalho pode ser considerado uma Pesquisa Social que, segundo Minayo (2000), “[...] é penetrar num mundo polêmico onde há questões não resolvidas e onde o debate tem sido perene e não conclusivo” (p. 20). É intrinsecamente ideológica – comprometida – e veicula interesses e visões de mundo construídas na história. Não é neutra, pois norteada pelo arcabouço teórico que “[...] informa a escolha do objeto” (ibid. p.37) – no caso, a perspectiva histórico-cultural de Lev Semionovich Vygotsky- para quem a constituição do sujeito é social e suas ações são mediadas pelos signos - e as contribuições fundamentais de Mikhail Bakhtin sobre a linguagem, o sujeito, a dialogia, as relações entre o sujeito e a sociedade, pois, o ato do diálogo é um evento social interativo que acontece dentro de uma unidade de espaço-tempo, portanto, comunicação social manifestada rigorosamente pelo lugar onde se diz (2000). O que se fala esta sendo dito em um espaço físico - uma sala de aula, assim constitui-se um espaço dialógico e, portanto, polissêmico e polifônico. "Sabemos que cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória" (Bakhtin,1992, p.66). As palavras estavam carregadas de tantas significações quanto possibilitava o contexto. Formou-se uma comunidade discursiva – falou- se do espetáculo, de sua coreografia, do gênero musical, da hibridez dos estilos. As falas dos alunos foram permeadas por percepções inusitadas e principalmente aspirações, contradições, tristezas, alegrias, enfim, lembranças que suscitavam as experiências de vida, deixando explicitadas suas percepções, embora não de forma clara e assumida, de reversão de sua realidade; tomando consciência de suas vidas e da vida de outros. É o tipo de trabalho que se faz com a arte, que fundamenta e deixa expresso e explicito as intenções do professor em mudar a realidade das pessoas com quem trabalha. Procurando propiciar momentos de reflexão sobre a realidade e levando o aluno a tomar consciência desta, enfatizando que sempre há possibilidade de mudá-la. Não se trata de um posicionamento imparcial, é luta engajada, ideológica que postula a mudança do outro e sua própria mudança. Este trabalho pretendeu demonstrar que situações normais de sala de aula podem suscitar a riqueza da aprendizagem, se forem consideradas e trabalhadas de forma sistemática. Palavras Chave: Arte Educação; Semiótica; Vygotsky; Bakhtin. Linguagem Artística; Mediação REFERÊNCIAS BAKHTIN, M.. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992. _____________Estética da Criação Verbal. São Paulo: São Paulo. Martins Fontes, 2000. BUENO, Roberta Puccetti Polizio. A Arte na Diferença: Um estudo da relação arte/conhecimento do deficiente mental. Tese de doutorado Faculdade de Educação, Universidade Metodista de Piracicaba. Piracicaba, 2002. 217 p. CORTELLA, M. S. A Escola e o Conhecimento - fundamentos epistemológicos e políticos. São Paulo: Cortez, 1998. FISCHER, E. A Necessidade da Arte. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. MINAYO, M. C. de S. O Desafio do Conhecimento - pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo/Rio de Janeiro: ABRASCO/Hucitec, 2000. VYGOTSKY L.S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 2010.