Aspectos agronómicos de algumas castas tintas do actual encepamento da Bairrada Andrade 1, C. Almeida 1, J. Carvalheira 1, J.P. Dias 1 1 Estação Vitivinícola da Bairrada – 3780 Anadia, Portugal evb-anadia @drabl.min-agricultura.pt RESUMO Em talhões varietais da Estação Vitivinícola da Bairrada – Direcção Regional da Agricultura da Beira Litoral – observaram-se durante três anos (2001-2003) alguns parâmetros agronómicos das cultivares tintas Baga (a mais representativa da região), Camarate, Jaen, Castelão, Touriga Nacional, Aragonez e Syrah. Do ponto de vista vitícola, a cultivar Syrah, destacou-se, entre as observadas, pela óptima taxa de vingamento e pela maior produtividade manifestada. Em termos enológicos, com uma acidez média, uma riqueza antociânica relativamente próxima da Baga e os mais elevados teores de polifenóis totais, ela foi a detentora da maior riqueza sacarina do mosto. A Aragonez, de bago de peso elevado e de produtividade média, revelou dos valores mais baixos de acidez total, a par com elevadas riquezas sacarina, antociânica e polifenólica. A Touriga Nacional, mostrou das mais baixas taxas de vingamento registadas, contudo, boa produtividade e riquezas sacarina, antociânica e polifenólica. A Camarate com uma óptima taxa de vingamento, e baixa produtividade, deteve os mais elevados teores de acidez total. A Castelão, deteve, entre as cultivares observadas, a menor produtividade, dos menores valores de acidez total, e dos mais elevados teores de açúcar. A Jaen salientou-se pela óptima taxa de vingamento e de produtividade, a par de uma baixa acidez total e a menor riqueza em polifenóis totais. A Baga com bago de peso baixo e cacho de peso elevado, mostrou boa produtividade, deteve o mais baixo teor de açúcar, dos valores mais elevados de acidez total, a par da maior riqueza antociânica registada. O efeito ano, através do clima, representou um factor determinante nos parâmetros vitícolas e em alguns enológicos, pelo que a consistência dos resultados apresentados requerem a continuidade do estudo. Palavras chave: cultivar, fertilidade, rendimento, qualidade do mosto. 1 1. INTRODUÇÃO A aptidão de dada região para a cultura da vinha é definida principalmente pelas suas características edafoclimáticas sendo, porém, através de uma escolha criteriosa da casta ou do conjunto de castas constituintes do encepamento e do recurso a adequadas tecnologias culturais e enológicas que os vinhos dessa região são passíveis de atingir o mais elevado nível qualitativo (Clímaco et al, 1989). Branas, no artigo ” Le terroir: inimitable facteur de qualité ” (1993), refere o solo e o clima como os dois verdadeiros factores de originalidade de um vinho, considerando as castas de apátridas pela sua insuficiente capacidade de caracterizar a originalidade de um ”terroir ”, pese a indispensabilidade das mesmas nessa caracterização. A Bairrada, região desde longa data produtora de vinhos de reconhecida qualidade, tem sofrido nos últimos tempos alterações profundas, designadamente no tocante ao seu encepamento. Os actuais estatutos, recentemente regulamentados através do Dec. Lei 301/2003 de 4 de Dezembro, contemplam a introdução de castas nacionais oriundas de outras regiões vitícolas, a par de castas estrangeiras, cuja adaptação agronómica na região, carece de informação mais consolidada. O presente trabalho, inserido num estudo que se exige mais vasto do ponto de vista do comportamento vitícola e enológico, tem por objectivo contribuir para um melhor conhecimento agronómico de algumas cultivares tintas, algumas das quais ganham, cada vez mais, uma maior expressão relativamente às tradicionais da região. 2. MATERIAL E MÉTODOS O estudo, realizado no período 2001-2003, decorreu em talhões varietais da Estação Vitivinícola da Bairrada, plantados ao compasso de 2.20 m x 1.10 m. Incidiu sobre as tradicionais castas tintas Baga, Camarate, Jaen, Castelão, a par de outras de introdução mais recente na região, como Touriga Nacional, Aragonez e Syrah, todas enxertadas em 3309 C e em plena produção. Os campos varietais estão instalados em solos do tipo litólico não húmico de materiais arenáceos pouco consolidados, de reacção ácida, pobres em matéria orgânica, fósforo assimilável, magnésio de troca e boro solúvel, e medianamente providos em potássio assimilável. O clima é moderado, de influência mediterrânica, com Invernos suaves e Verões não muito quentes, pese embora a também influência atlântica. Anualmente, para cada casta, foram registados, planta a planta, num 2 total de seis plantas, alguns parâmetros vitícolas, os quais foram sujeitos a tratamento estatístico. Os parâmetros enológicos, também avaliados anualmente, são o resultado analítico, para cada casta, da colheita de uma amostra de 200 bagos à respectiva maturação tecnológica a qual, dadas as particularidades de maturação das várias castas em estudo, decorreu num intervalo máximo de quinze dias. Os dados relativos aos teores de antocianas e de polifenóis totais são apenas referentes ao ano de 2003. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Efeito do ano sobre os parâmetros vitícolas QUADRO 1 Efeito médio do ano sobre os diversos parâmetros de fertilidade, no período 2001-2003 Ano Percentagem de Nº de abrolhamento (%) inflorescências Nº de Taxa de Produção cachos vingamento (%) (kg/pl) 1.8 b 2001 66 b 12 b 12 b (%) 100 a 2002 82 a 19 a 18 a 88 b 3.15 a 2003 73 b 13 b 12 b 92 b 3.13 a Da apreciação do quadro anterior ressalta a influência média do ano sobre diversos parâmetros de fertilidade observados. Em 2001, registaram-se as menores percentagens de abrolhamento, os menores números de inflorescências e de cachos. Foi o ano em que a taxa de vingamento (nº cachos/nº inflorescências) foi de 100%, isto é, todas as inflorescências vingaram. Porém, foi o ano de menor produtividade por planta. Para tal, poderá ter contribuído o forte ataque de traça (Lobesia botrana) ocorrido durante o período de maturação. O ano de 2002, deteve a maior percentagem de abrolhamento, o maior número quer de inflorescências, quer de cachos, mas a menor taxa de vingamento. Para tal, poderão ter contribuído os elevados ataques de Botrytis cinerea em fases cruciais do ciclo vegetativo, designadamente no período de maturação, na sequência das elevadas 3 precipitações ocorridas naquela fase do ciclo, concretamente nos meses de Setembro/Outubro, em que os valores registados foram de 136.8 e 205.8 mm, respectivamente. O ano de 2003, não diferiu significativamente de 2001, à excepção dos parâmetros razão cachos/inflorescências e produtividades, valores estes semelhantes aos ocorridos em 2002 (P<0.05). Para estes mesmos valores terão contribuído as altas temperaturas registadas no período pós pintor, as quais contrariaram os efeitos nocivos de Botrytis cinerea que se instalara antes do pintor. 3.2. Percentagem de abrolhamento As percentagens de abrolhamento médias das diversas castas tintas constam do Quadro 2. Dele se infere que, no período 2001-2003, a casta Baga com a maior percentagem de abrolhamento média, não diferiu significativamente das castas Syrah, Castelão, Jaen e Touriga Nacional. Significativamente diferentes deste grupo, mas sem diferenças significativas entre si, as castas Aragonez e Camarate, detiveram as menores percentagens de abrolhamento. QUADRO 2 Percentagem de abrolhamento média, das diversas castas tintas Casta Percentagem de abrolhamento (%) Baga 88 a Syrah 84 a Castelão 81 a Jaen 80 ab Touriga Nacional 74 ab Aragonez 64 cd Camarate 55 d 4 3.3. Número de inflorescências No Quadro 3 apresenta-se o número médio de inflorescências, por planta, para as diferentes castas tintas. Da sua análise ressaltam dois grupos significativamente diferentes: O grupo com o maior número médio de inflorescências por planta, constituído pelas castas Touriga Nacional, Jaen e Syrah, e o grupo de menor número médio de inflorescências por planta, integrado pelas cultivares Aragonez, Baga, Camarate e Castelão. Comummente referida como de elevada fertilidade noutras regiões do país (Pedroso et al, 2000; Cardoso M., 1985) a Touriga Nacional, revelou também nas condições de estudo da Bairrada, nível de fertilidade elevado, de notoriedade tanto maior quando comparada com a casta Baga. Ao integrar o grupo das castas que evidenciaram maior fertilidade, a Syrah, não deixa de contrariar Galet que na sua obra “Précis d’Ampelographie Pratique ” (1998), a referencia como de baixa fertilidade. QUADRO 3 Nº médio de inflorescências, por planta, para as diversas castas tintas Casta Nº de inflorescências/ pl Touriga Nacional 21 a Jaen 19 a Syrah 18 a Aragonez 11 b Baga 11 b Camarate 10 b Castelão 10 b 3.4. Número de cachos e taxa de vingamento O número médio de cachos, por planta, para as distintas castas, pode ser apreciado no Quadro 4. São nele evidentes dois grupos significativamente diferentes, à semelhança do verificado para o número de inflorescências. O grupo constituído pelas castas Touriga Nacional, Jaen e Syrah, que detiveram o maior número médio de cachos por planta, entre 20 e 18, e o grupo constituído pelas variedades Baga, Aragonez, Camarate e 5 Castelão, onde o número médio de cachos/ planta oscilou entre 11 e 8. Da observação, no mesmo quadro, da relação nº de cachos /nº de inflorescências, por planta, verifica-se que as diferentes castas não evidenciaram quaisquer diferenças entre si, não obstante às cultivares Aragonez, Castelão e Touriga Nacional tenham correspondido as menores taxas de vingamento/ pl, com valores entre 86 e 89%. QUADRO 4 Nº médio de cachos, e taxa de vingamento, por planta, para as diversas castas tintas Casta Nº de cachos/ pl Taxa de vingamento/ pl (%) Touriga Nacional 20 a 89 a Jaen 18 a 96 a Syrah 18 a 100 a Baga 11 b 100 a Aragonez 10 b 86 a Camarate 8b 100 a Castelão 8b 89 a 3.5. Produção A produção média por planta, das diversas castas, consta do Quadro 5. Dele se constata que a casta Syrah, de expansão crescente na Bairrada, por vezes referida como pouco produtiva (Galet, 1998), com 3.67 kg/planta, foi de todas as cultivares em estudo a mais produtiva, apesar de estatisticamente apenas ter diferido das cultivares Camarate e Castelão, que se revelaram as menos produtivas, com apenas 1.95 e 1.33 kg/planta, respectivamente. A Baga, casta predominante da Bairrada, com uma representação de cerca de 90% do encepamento tinto, e tida como de boa produtividade, registou o valor médio de 2.28 Kg/pl. 6 QUADRO 5 Produção média, por planta, das diversas castas tintas Casta Produção (Kg/pl) Syrah 3.67 ab Jaen 3.28 abc Touriga Nacional 2.59 bcd Aragonez 2.38 bcd Baga 2.28 bcd Camarate 1.95 cd Castelão 1.33 d 3.6. Parâmetros qualitativos No Quadro 6 podem ser apreciados valores médios de parâmetros qualitativos à maturação tecnológica, relativos às diversas castas tintas, no período 2001-2003. QUADRO 6 Parâmetros qualitativos à maturação tecnológica das diversas castas tintas Parâmetros Baga Camarate Castelão Jaen Touriga Aragonez Syrah Nacional Peso cacho (g) 0.295 0.224 0.153 0.178 0.123 0.215 0.196 Peso bago (g) 1.52 2.14 2.53 1.86 1.80 2.13 1.7 Açúcar (g l-1) 189.4 199.7 210.1 197.4 208.2 211.6 221.3 Acidez total (g l-1 ac. tart) 7.23 7.33 5.50 5.23 6.67 5.40 6.33 pH l-1) (g ac. tartar. 3.22 3.19 3.3 3.36 3.27 3.36 3.29 Ácido málico (g l-1) 1.8 2.5 1.8 1.8 1.4 1.3 0.7 Ácido tartárico (g l-1) 5.0 5.6 4.3 4.1 5.2 4.6 6.0 7 Peso do cacho: As cultivares Baga, Camarate e Aragonez detiveram cachos de maior peso. Com cachos de pesos médios de 0.295, 0.224 e 0.215 g, respectivamente, destacaram-se das restantes, em particular das castas Jaen, Castelão e Touriga Nacional, respectivamente com cachos de pesos médios de 0.178, 0.153 e 0.123. A Syrah, com cacho de peso médio de 0.196 g, deteve uma posição, dir-se-ia intermédia, entre os dois grupos. Peso do bago: A casta Castelão com 2.53 g, sobressai, apesar de seguida de perto das cultivares Camarate e Aragonez, com 2.14 e 2.13g, respectivamente. Em oposição, a Baga, com 1.52 g, destaca-se pelo menor valor registado. Jaen, Touriga Nacional e Syrah, com pesos que oscilaram entre 1.86 e 1.70 g, situaram-se numa posição dir-se-ia intermédia. Açúcar: A cultivar Baga, de maturação tardia, com 189.4 g/l, destaca-se do conjunto das castas em apreço pelo seu menor teor de açúcar. Pelo maior teor de açúcar no mosto, sobressai a Syrah com 221.3 g/l, seguida das castas Aragonez, Castelão e Touriga Nacional, com valores de 211.6, 210.1 e 208.2 g/l, respectivamente. Camarate e Jaen, respectivamente com 199.7 e 197.4 g/l, ocupam um lugar intermédio. Acidez total: As castas Jaen, Aragonez e Castelão, ao deterem os menores valores de acidez total, confirmam referências de autores como Pedroso et al (2000), e Pinto M.S. (1998), que as definem como cultivares de baixa a média acidez. Em oposição, a cultivares Camarate (7.33) e Baga (7.23), foram as mais ricas em ácidos. Touriga Nacional e Syrah, com 6.67 e 6.33 g ácido tartárico/l, respectivamente situaram-se numa posição intermédia. pH: Jaen e Aragonez de maturação precoce, igualmente com 3.36, detiveram o maior valor de pH, seguidas da Castelão com 3.3, da Syrah com 3.29 e da Baga com 3.22; Camarate foi a que deteve o menor valor de pH, 3.19. Ácidos málico e tartárico: A casta Syrah, com 0.7, destacou-se pelos menores teores de ácido málico à maturação, seguida pelas castas Aragonez e Touriga Nacional As cultivares Baga, Jaen e Castelão detiveram os mesmos teores, 1.8, tendo a Camarate, com 2.5, evidenciado os mais altos valores de ácido málico à maturação. Antocianas e polifenóis totais: No Quadro 7 estão patentes os teores de antocianas e de polifenóis totais das diversas castas tintas, relativos somente ao ano de 2003, ano 8 considerado bom para a maturação das castas tintas, muito em particular para a Baga, “adepta” de anos quentes e secos. QUADRO 7 Teores de antocianas (mg/kg) e de polifenóis totais (DO280) das diversas castas tintas, em 2003 Parâmetros Baga Camarate Castelão Jaen Touriga Aragonez Syrah Nacional Antocianas 1752 1295 824 1117 1504 1331 1646 (mg/Kg) Polifenóis 49.2 44.9 51.1 40.3 50.5 55.9 55.9 totais Do mesmo quadro se infere que, em termos de antocianas, a Baga foi a detentora dos maiores teores, com 1752 mg/kg, seguida com alguma proximidade pelas castas Syrah e Touriga Nacional. Os menores teores, 824 mg/kg, foram registados pela Castelão. No que toca aos teores de polifenóis totais, a Syrah e Aragonez detiveram o valor mais elevado (55.9), seguidas da Castelão e da Touriga Nacional. Jaen e Camarate mostraram a menor acumulação de polifenóis totais, com valores de 40.3 e 44.9, respectivamente. 4. CONCLUSÕES Nas condições edafo-climáticas de estudo, a cultivar Syrah, destacou-se, entre as observadas, pela óptima taxa de vingamento e pela maior produtividade manifestada. Em termos enológicos, com uma acidez média, uma riqueza antociânica relativamente próxima da Baga e os mais elevados teores de polifenóis totais, ela foi a detentora da maior riqueza sacarina do mosto. A Aragonez, de bago de peso elevado e de produtividade média, revelou dos valores mais baixos de acidez total, a par com elevadas riquezas sacarina, antociânica e polifenólica. A Touriga Nacional, mostrou das mais baixas taxas de vingamento registadas, contudo, boa produtividade e riquezas sacarina, antociânica e polifenólica. A Camarate com uma óptima taxa de vingamento, e baixa produtividade, deteve os mais elevados teores de acidez total. A Castelão, deteve a menor produtividade, entre as cultivares observadas, dos menores valores de acidez 9 total, e dos mais elevados teores de açúcar. A Jaen salientou-se pela óptima taxa de vingamento e de produtividade, a par de uma baixa acidez total e a menor riqueza em polifenóis totais. A Baga com bago de peso baixo e cacho de peso elevado, mostrou boa produtividade, deteve o mais baixo teor de açúcar, dos valores mais elevados de acidez total, a par da maior riqueza antociânica registada. O efeito ano, através do clima, representou um factor determinante nos parâmetros agronómicos, pelo que a consistência dos resultados apresentados, sobretudo os relativos aos teores em antocianas e polifenóis totais, resultados somente de um ano, requerem a continuidade do estudo. BIBLIOGRAFIA Almeida C., 2000 - “Castas Regionais da Bairrada”, Edição da DRABL. Branas J., 1993 - “Le terroir: inimitable facteur de qualité ”, Le Progrès Agricole et viticole, nº4. Cardoso M., 1985 - “Castas Recomendadas – Vinho do Porto”, Edição da Casa do Douro. Clímaco et al., 1989 -“Seara Nova. Uma nova casta no encepamento da região do Oeste”, Ciência e técnica vitivinícola, Vol. VIII. Eiras Dias et al., - “Catálogo das castas, Região do Ribatejo, Oeste e Península de Setúbal”, MAPA Galet P.,1998 -“Précis d’Ampelographie Pratique ”. Pedroso et al., 2000 - “Castas recomendadas da Região do Dão”, Edição da DRABL. Pinto M. et al, 1998 - Os vinhos da Bairrada” 10