MODELOS DE PREVISÃO DE VAZÕES PARA A BACIA INCREMENTAL À UHE ITAIPU UTILIZANDO PREVISÃO DE PRECIPITAÇÃO DE CURTO PRAZO Francisco Martins Fadiga Jr 1 , João Eduardo Gonçalves Lopes 2 , José Rodolfo Scarati Martins 3 , Mario Thadeu Leme de Barros 4 e Raquel Chinaglia Pereira dos Santos 5 RESUMO Este artigo apresenta a descrição do modelo hidrológico SMAP e do modelo estocástico linear (MEL) desenvolvidos para a previsão em tempo real de vazões naturais médias diárias e semanais. Os modelos foram aplicados com sucesso na bacia piloto do rio Paraná, na previsão das vazões afluentes à UHE Itaipu em um horizonte de curto prazo de doze dias à frente, utilizando os dados hidrológicos observados na bacia incremental de Itaipu e as previsões de precipitação acumulada de 24 horas fornecidas pelo modelo meteorológico regional ETA (CPTEC/INPE). Os bons resultados obtidos com o emprego desses modelos a partir dos dados históricos de chuva observados mostram a aplicabilidade dos métodos desenvolvidos para a previsão de vazões naturais. Os resultados obtidos com a aplicação dos modelos em tempo real indicam uma queda no desempenho da previsão de vazão quando se considera a previsão de precipitação fornecida pelo modelo regional ETA. ABSTRACT This work presents the description of two real time flow forecast models based on climate and hydrological modeling: SMAP - Soil Moisture Accounting Procedure and MEL – Linear Stochastical Model. These models take into account precipitation forecast supplied by ETA regional meteorological model (Center for Weather Forecasts and Climate Research of the National Institute for Space Research). The models were sucessfully applied to Paraná River Basin, Brazil, in the incremental basin of Itaipu power plant. The results have shown good performance of both models when precipitation data collected at the basin where used as input data. The results have also shown worsening of real time flow forecasts when taking into account precipitation forecast supplied by ETA model. Palavras-chave: Modelos matemáticos, previsão de vazões, previsão meteorológica. 1 Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica. Rua Padre Garcia Velho, 73, cj. 44 - 05421-030 - São Paulo. Tel: (55 11) 3031.4790 Fax: (55 11) 3031.1431 e-mail: [email protected] 2 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária. Av. Prof. Luciano Gualberto, travessa 3 nº 380 - 05508-900 - São Paulo. e-mail: [email protected] 3 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues 120 – 05508-020 - São Paulo. Tel: (55 11) 3039 3211 Fax: (55 11) 3039 3262 e-mail: [email protected] 4 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária. Av. Prof. Luciano Gualberto, travessa 3 nº 380 - 05508-900 - São Paulo. Tel: (55 11) 3091-5586 Fax: (55 11) 3091-5423 e-mail: [email protected] 5 Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica. Rua Padre Garcia Velho, 73, cj. 44 - 05421-030 - São Paulo. Tel: (55 11) 3031.4790 Fax: (55 11) 3031.1431 e-mail: [email protected] INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta a síntese dos estudos elaborados para o desenvolvimento metodológico de modelos de previsão de vazões naturais médias diárias e médias semanais para o horizonte de curto prazo de doze dias à frente, aplicados à bacia do rio Paraná, no trecho situado entre as usinas hidrelétricas de Rosana, Porto Primavera e Itaipu, que compreende uma área de drenagem de 150 900 km2. Os estudos abordaram duas linhas distintas de modelação matemática: a modelação hidrológica física (modelo SMAP) e a modelação estocástica linear (MEL). É também desenvolvida e avaliada a abordagem de composição, na qual o resultado final do modelo de previsão é obtido a partir de uma combinação linear dos resultados individuais fornecidos pelos métodos SMAP e MEL. Os modelos desenvolvidos consideram a disponibilidade de informações hidrológicas na bacia analisada, em particular das previsões de precipitação fornecidas para o horizonte de dez dias à frente pelo modelo meteorológico regional ETA, operado pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Chou, 1996). CONCEITUAÇÃO DA MODELAÇÃO HIDROLÓGICA FÍSICA (MODELO SMAP) O modelo SMAP (Soil Moisture Accounting Procedure) é um modelo determinístico de simulação hidrológica do tipo transformação chuva-vazão. Em sua versão com discretização diária, o modelo é constituído de quatro reservatórios lineares hipotéticos, que representam as parcelas de escoamento sub-superficial (Ess), escoamento direto (Ed) e escoamento básico (Eb), bem como o acúmulo de água no reservatório do solo. A Figura 1 ilustra a concepção desta versão do modelo SMAP, onde Ep é a evaporação potencial (medidas padrão de Tanque classe A), Es2 é a parcela do escoamento superficial que alimenta o reservatório sub-superficial (Rssp) e Q é a vazão de escoamento. Na fase de aplicação do modelo SMAP à bacia incremental de Itaipu, constatou-se que as subbacias situadas na margem direita do rio Paraná, em particular a sub-bacia do rio Ivinheima, apresentam grandes planícies de inundação. Em função disso, a forma dos seus hidrogramas é diferenciada, existindo um grande atraso na ocorrência do pico das cheias devido ao grande armazenamento nessas planícies. Além disso, a fase ascendente do hidrograma tem duração maior que a fase descendente. Para permitir uma representação adequada dessas características, foi desenvolvida uma versão especial do modelo SMAP, inspirada no método de Dooge (Dooge, 1977) e Nash (Nash et al., 1970), acrescentando um reservatório linear hipotético (reservatório de superfície Rsup2) para representar o acúmulo da planície, em cascata com o reservatório da superfície e com defasagem no tempo. A representação esquemática da versão modificada do modelo SMAP é apresentada na Figura 2 a seguir. Figura 1: Ilustração do modelo diário SMAP. Figura 2: Ilustração do modelo diário SMAP na versão modificada. CONCEITUAÇÃO DA MODELAÇÃO ESTOCÁSTICA LINEAR O modelo estocástico linear (MEL) trata da previsão diária de vazões empregando a conceituação dos chamados modelos função de transferência. Nesse tipo de modelo, são utilizadas tanto informações passadas de vazão (parâmetros auto-regressivos), como observações de outros fenômenos - por exemplo, vazões e precipitações acumuladas a montante do ponto de interesse. A equação do MEL pode ser entendida como sendo uma expressão do tipo usualmente empregada na análise linear multivariada, onde os fatores independentes são os resíduos de vazão observada somados a outros como precipitações, a variável dependente é a vazão prevista. O modelo estocástico linear desenvolvido para a previsão de vazões naturais na bacia incremental de Itaipu é do tipo misto ou de função de transferência, utilizando tanto dados de vazão observada como de chuvas observadas e previstas para sua área a montante. Por se tratar da previsão de séries diárias de vazão, emprega-se a conceituação dos chamados modelos ARIMA, modelos auto-regressivos (AR), integrados (I) de médias móveis (MA). No caso da previsão das vazões na bacia incremental de Itaipu, empregou-se o modelo ARIMA (p,1,0). O modelo toma como variável dependente a série normalizada de vazões diárias naturais incrementais a Itaipu com um nível de diferenciação, e como variáveis preditoras as vazões naturais incrementais diárias normalizadas de “p” dias atrás com um nível de diferenciação, as vazões diárias normalizadas injetadas nos locais correspondentes aos postos fluviométricos de montante nas sub-bacias dos rios Ivinheima, Ivaí e Piquiri - de “k” dias atrás com um nível de diferenciação e as precipitações em “n” blocos de chuva média acumulada de “m” dias. Desse modo, o modelo pode ser escrito como: E(X’t) = φ1 X’t-1 + φ2 X’t-2 + ... + φp X’t-p + w1Pt-b + w2Pt-b-m + ... + wnPt-b-(n-1)m + ψ11Y’1,t-α1 + ψ12Y’1,t-α1-1 + ψ1kY’1,t-α1-k-1 + ψ21Y’2,t-α2 + ψ22Y’2,t-α2-1 + ψ2kY’2,t-α2-k-1 + ψ31Y’3,t-α3 + ψ32Y’3,t-α3-1 + ψ3kY’3,t-α3-k-1 Onde X’t é o resíduo da vazão incremental normalizada para o instante t, φi é o peso do resíduo da vazão incremental normalizada para o instante t-i, Pt-b é o bloco de precipitação acumulada de “m” dias, iniciando b intervalos de tempo antes do instante t, wi é o peso do bloco i de precipitação média acumulada, Y’i,t-αi-k é o resíduo da vazão injetada normalizada do posto fluviométrico i tomado αi - k intervalos de tempo antes do instante t, ψik é o peso do resíduo da vazão injetada normalizada do posto fluviométrico i para o instante (t - αi - k - 1). Os pesos φi, wi e ψik são estimados através de análise de regressão linear múltipla, utilizando o método dos mínimos quadrados para ajustar uma linha ao conjunto de observações passadas. CONCEITUAÇÃO DA MODELAÇÃO COMBINADA SMAP-MEL A modelação combinada SMAP-MEL desenvolvida e aplicada para a previsão de vazões na bacia incremental de Itaipu baseia-se em uma abordagem por composição, na qual o resultado final do modelo é obtido a partir de uma combinação linear dos resultados individuais fornecidos pelos métodos SMAP e MEL. Desta forma, os resultados de cada método são multiplicados por pesos que representam a influência do modelo no resultado final da previsão. Tais pesos são estabelecidos em função freqüência relativa, nos cinco últimos anos de dados, em que cada modelo foi responsável pela melhor previsão, considerando-se como indicador de desempenho o erro relativo calculado entre as vazões médias de 7 dias observadas e calculadas. A abordagem por composição é baseada na hipótese de que diferentes métodos de previsão podem oferecer informações complementares sobre a variável modelada. O objetivo dessa abordagem é o de minimizar os erros da previsão final em função da compensação dos erros das previsões individuais. TÉCNICA PARA CORREÇÃO DAS PREVISÕES DE PRECIPITAÇÃO FORNECIDAS PELO MODELO REGIONAL ETA O modelo regional ETA consiste em um modelo de simulação e previsão do estado atmosférico utilizado em aplicações de tempo e clima, que vem sendo operado desde 1996 no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Dentre as variáveis meteorológicas previstas pelo modelo está a precipitação acumulada em 24 horas, fornecida em uma grade regular com resolução espacial de 40km, iniciando-se às 12 TMG – Tempo Médio de Greenwich e estendendo-se por um horizonte de 10 dias (Chou, 1996). As análises realizadas para avaliação do desempenho das previsões de precipitação fornecidas pelo modelo ETA indicaram os seguintes aspectos a serem considerados quando da utilização destas previsões de chuva para a previsão de vazões: 1) há uma tendência do modelo em subestimar os valores de precipitação em eventos chuvosos, sobretudo no período compreendido entre outubro e março; 2) no período compreendido entre abril e setembro, os erros absolutos das previsões distribuem-se de maneira relativamente uniforme nas faixas de valores positivos e negativos; 3) há um declínio na qualidade das previsões quanto maior o horizonte considerado. Desta forma, empregou-se uma técnica para correção das previsões de precipitação fornecidas pelo modelo ETA, visando reduzir os efeitos dos erros existentes no processo de previsão de chuva sobre o processo de previsão de vazões. Método semelhante foi aplicado com relativo sucesso por Tucci et al. (2002). A técnica considera a hipótese de que o modelo de previsão ETA acerte na probabilidade ou tempo de permanência da chuva média prevista, mas erre na altura de precipitação prevista. Desta forma, dada uma altura de precipitação média prevista na bacia, esta pode ser correlacionada com uma altura de precipitação “corrigida” através de sua probabilidade de ocorrência. Os resultados obtidos com a aplicação desta técnica para correção das previsões de chuva indicam uma melhora no desempenho dos modelos de previsão de vazões quando comparado à situação de uso da chuva prevista sem correção, o que permite concluir que a correção das previsões de chuva agregou valor aos modelos de previsão de vazão. RESULTADOS OBTIDOS E CONCLUSÕES Os gráficos da Figura 3 e da Figura 4 a seguir apresentam, a título de ilustração, os resultados obtidos pelo modelo combinado SMAP-MEL na previsão de vazões médias semanais do 4º ao 10º dias na bacia incremental de Itaipu, considerando-se o uso da chuva observada e o uso da chuva prevista corrigida disponíveis na bacia no ano de 1996. Figura 3: Previsão de vazões médias semanais pelo modelo Figura 4: Previsão de vazões médias semanais pelo modelo combinado SMAP-MEL com o uso da precipitação combinado SMAP-MEL com o uso da precipitação observada. prevista corrigida. Observa-se que os bons resultados obtidos com o emprego deste modelo a partir dos dados observados de chuva mostram a aplicabilidade dos métodos desenvolvidas para a previsão de vazões naturais na bacia em análise. Nota-se, por outro lado, que os erros do processo de previsão de chuva interferem significativamente nos resultados da previsão de vazões, observando-se uma queda na performance dos modelos avaliados quando se consideram as previsões de precipitação fornecidas pelo modelo regional ETA. Destaca-se, a partir desses resultados, um grande potencial de melhora na performance das previsões de vazão em função de melhorias no processo de previsão de chuva na bacia. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Operador Nacional do Sistema Elétrico por possibilitarem o desenvolvimento desta pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, M.T.L. Análise de modelos multivariados para geração de séries mensais de vazões. 1984. 207p. Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1984. BRAS, R.L. Short-term forecasting and rainfall and runoff. Real time forecasting control of water resources systems. New York: Pergamon Press, 1980. CHOU, S.C. Regional ETA Model. In Climanálise - Boletim de Monitoramento e Análise Climática. Edição Comemorativa de 10 anos. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE/CPTEC, Cachoeira Paulista, SP, 1996. DOOGE, J.C.L. Problems and methods of rainfall-runnoff modelling. Math Models for Surface Water Hydrology. Willey, Cap6, pp 79-108, 1977. LOPES, J.E.G., BRAGA, B.P.F.; CONEJO, J.G.L. SMAP: a simplified hydrological model, applied modelling in catchment hydrology. Ed. V.P.Singh: Water Resources Publications, 1982. NASH, J.E.; SUTCLIFFE, J.V. River flow forecasting through conceptual models, Part I–a discussion of principles. Journal of Hydrology, V.10, p.282-290, 1970. TUCCI et al. Previsão de médio prazo da afluência de reservatórios com base na previsão climática. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002.