Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, começo por apresentar a
Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos, extensivos aos Senhores
Ilustres Juízes Conselheiros, aos colegas e aos Senhores advogados aqui
presentes.
Seja-me permitido uma palavra de agradecimento ao Senhor Conselheiro
Pinto Hespanhol, impulsionador da organização destes colóquios, pelo convite feito
ao Ministério Público para participar (neste colóquio) e dizer que foi para mim uma
honra tal convite.
Na preparação desta humilde intervenção chegou-se à conclusão de que
seria de interesse para todos nós introduzir neste colóquio e pôr à douta
apreciação de V.AS Ex.as, uma das questões com que nos confrontamos no dia a
dia e que é a descaracterização do acidente de trabalho, mais exactamente, no
que toca, a apurar se o trabalhador actuou com negligência grosseira.
Para encurtar caminho e também para não maçar Vªs EX.ªS com a leitura
da legislação que antecedeu a Lei 100/ 97 de 13 de Setembro, mas que no
fundamental se veio a projectar nesta, permitam-me recordar o art.º 7.º diploma
legislativo, o qual determina que :
“Não dá direito a reparação o acidente:
a) que for dolosamente provocado pela vítima ou provier de seu ou
omissão, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança
estabelecidas pela entidade patronal;
b)que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;”
Por seu lado o art. 8.º, n.º 2 do diploma que regulamentou aquela lei — o
decreto-lei n.º 143/99, de 30 de Abril — diz que se “entende por negligência
grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se
consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do
trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e
costumes da profissão”.
A este propósito Carlos Alegre em “Acidentes de trabalho e doenças
profissionais” , pag. 62 escreve que “ao qualificar a negligência de grosseira, o
legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, irreflexão, o impulso
leviano” , tendo tido, porém , o legislador “o cuidado de distinguir negligência
quanto à intensidade da vontade ou gravidade, no pressuposto de que a doutrina
costuma estabelecer três graus: lata, leve e levíssima”.
A negligência lata confina com o dolo e é a ela que o legislador se refere
quando fala em negligência grosseira.
Correspondendo a negligência grosseira à culpa grave, para que a mesma
se verifique é necessário que a conduta do agente se mostre altamente reprovável,
à luz do mais elementar senso comum.
Para que estejamos no âmbito de aplicação da alínea b) do n.º 1 daquele
art. 7.º é pois necessário:
- Um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de
prudência;
- Uma imprudência, pois, indesculpável, mas voluntária, embora não
intencional e
- Que esse comportamento seja a causa exclusiva do acidente.
Caso haja concorrência de culpa da entidade em pregadora, ou caso se
deva concluir que, mesmo sem aquele comportamento do trabalhador, o acidente
sempre se verificaria, fica pois arredada.
Por se me afigurar mais vantajoso, para a abordagem desta matéria,
colocaria agora, à consideração de V.as Ex.ª as o seguinte caso hipotético:
Um acidente de trabalho ocorrido num edifício em construção, com vários
andares.
Na altura do acidente a tarefa do trabalhador era colocar um passadiço e
guarda corpos nas bordaduras das lajes, estando a realizar tal tarefa ao nível de
quatro ou cinco andares.
O trabalhador, apesar de estar equipado com cinto de preensão e arnês de
segurança, com linha de vida e de ter participado no plano de formação, não tinha
colocado o arnês.
Existiam guardas de protecção e linhas de vida onde o trabalhador podia
prender o arnês.
A determinada altura desequilibra-se e cai.
E as questões que coloco são:
Pode-se dizer que o acidente foi exclusivamente devido a negligência
grosseira do trabalhador?
A entidade empregadora violou alguma norma de segurança?
Não se ignora a existência de Regulamentos vários, nomeadamente, no
que toca à construção civil, que obrigam a dar ao trabalhador condições de
segurança para a execução das suas tarefas?
Na hipótese apresentada será ou não de aceitar que a entidade
empregadora criou as condições de segurança necessárias à execução da obra?
A concluir-se negativamente,
- Como se justificará o equipamento atribuído ao trabalhador?
- De que serve a formação que entidade patronal deu ao trabalhador?
- Como se poderá justificar que não através de negligência grosseira, que o
trabalhador não tenha colocado o equipamento e prendido o mesmo à linha de
vida?
- Poder-se-á dizer que um trabalhador a trabalhar nas condições referidas
teve o comportamento de normal diligência?
Deixava, pois, à consideração dos presentes a hipótese colocada.
Outra questão que se me afigura de interesse, é referente à razoabilidade
de a nota de culpa dever conter o dia e hora exactos em que o trabalhador comete
determinada infracção, sob pena de que, a não ser assim, não pode organizar
devidamente a sua defesa.
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Proc-Geral Adj. Nelson Rocha - Supremo Tribunal de Justiça