Economia Política da Violência em Alagoas
Fábio Guedes Gomes1
"O sentimento de que as pessoas vivem com medo de serem assassinadas é um
exagero muito grande. Existe situação terrível nas favelas, mas na cidade não há
problemas, não tivemos problemas de segurança com turistas neste verão"
[Governador Teotônio Vilela, Jornal o Valor Econômico, março de 20122].
No final do ano passado foi realizado o II Ciclo de Debates Panorama de Alagoas 2013
– Geografia, Sociedade e Violência, promovido pelo Laboratório de Estudos Sócio Espaciais do
Nordeste do Instituto de Geografia, Desenvolvimento e Meio Ambiente [IGDEMA/UFAL].
Em uma da mesas que participamos discutiu-se “A violência Social e Econômica em
Alagoas: o conflito entre o patrimonialismo e a modernidade”. Foram apresentadas ideias e
alguns estudos sobre o tema da violência, com base nas estatísticas do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública e dados oficiais dos governos federal e estadual.
Mas o que nos chamou mais atenção com exceção daquilo que a sociedade inteira já
conhece? O que pode ser apresentado de novo nessa discussão sobre a violência em Alagoas?
Primeiramente, é preciso apresentar alguns dados consolidados. Por exemplo, entre
2001 e 2011 o número de homicídios no Brasil cresceu 17%, no Nordeste 84% e em Alagoas
171%. De 2001 a 2006, a média anual de óbitos por homicídio no estado foi de 1.121,
enquanto que entre 2007 e 2011 ela chegou a 1.990. A curva da violência indicada pelo
número de homicídios se altera de forma significativa a partir de 2006. Deduz-se, então, que
a explosão da violência no estado é um fenômeno novo, não sendo suficiente os argumentos
que remontam à uma cultura de violência desde os tempos coloniais. Que isso seja verdade,
mas tem pouca capacidade explicativa para o problema atual.
1
Professor da graduação e pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Alagoas, Tutor do Programa
de Educação Tutorial em Economia (FEAC/UFAL) e Membro do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas
para o Desenvolvimento.
2
http://cadaminuto.com.br/noticia/161650/2012/03/12/divida-menor-ajudaria-a-elevar-investimentos-dizgovernador
De acordo com a Organização Mundial de Saúde [OMS], a taxa "tolerável" de
homicídios por 100 mil habitantes é de 10. O estado de Alagoas tinha 29 homicídios/100 mil
habitantes em 2001. Em 2011 apresentamos 72,2, enquanto o Brasil sai de 27,8 para 27,1 e o
Nordeste de 21,9 para 36,3, respectivamente. Ou seja, um incremento de 146,5% para
Alagoas, 66% para o Nordeste e apenas 2,4% para o país. É nesse contexto que Maceió é
alçada à quinta cidade mais violenta do mundo e a primeira do Brasil, com uma taxa de 111,1
homicídios/100 mil habitantes.
Outro aspecto que nos chama atenção é que violência está vitimando não apenas
jovens entre 15 e 24 anos. Ela está disseminada entre todas as faixas de idade com exceção
daquelas de 0 a 14 anos e com mais de 60 anos. Isso é um indicador que revela que apesar do
tráfico de drogas e a introdução do crack no estado terem efeito devastadores e contribuírem
para os índices de violência, eles não podem ser apontados como únicas razões da explosão
dos homicídios.
No gráfico abaixo se evidencia que as maiores taxas de homicídios/100 mil habitantes
se encontram nas faixas de idade entre 15 e 34 anos. Nesse universo, 90% dos crimes vitimam
homens negros. Por sua vez, entre a população com mais de 35 e menos de 60 anos, as taxas
são maiores que as dos três estados mais violentos depois de Alagoas, como Espírito Santo
[47,4], Pará [42,7] e Paraíba [40]. Portanto, se excluirmos a população com menos de 15 anos
[910.361 habitantes, de acordo com o último censo do IBGE] e com mais de 60 anos [276.763],
quase dois terços da sociedade alagoana se encontram em extraordinária condição de
vulnerabilidade diante da escalada da violência no estado.
Na capital alagoana a taxa de homicídios/100 mil habitantes entre os jovens alcançou
o intolerável e inaceitável nível de 215,1, em 2011 [último dado consolidado]. Entre 2001 e
2006 a média se encontrava na casa de 87 homicídios/100 mil habitantes; entre 2007 e 2011
ela praticamente dobrou para 160 homicídios/100 mil habitantes. Ou seja, estamos num
processo de intensa dizimação de jovens entre 15 e 34 anos no estado, uma faixa de idade
com elevado potencial criativo e de capacidade de trabalho.
Outro elemento que importa: conforme a Organização das Nações Unidas [ONU] a
relação adequada do efetivo é de 1 policial para cada 250 habitantes. Apesar da constatação
de que temos um efetivo muito reduzido e que não ocorreu reposição adequada de homens
em anos recentes, essa relação em Alagoas é de 1 policial para cada 343 habitantes [somando
policiais civis e militares], de acordo com os dados do Anuário de Brasileiro de Segurança
Pública 2013. Essa situação é muito mais favorável que a média nordestina [431] e compatível
com a de estados como Paraíba [335], Sergipe [341], Pernambuco [366] e Bahia [381].
Paradoxalmente, nesses estados a violência não chegou a níveis extremos aos verificados por
aqui.
Em Pernambuco, por exemplo, as taxas de homicídios, na década de 1990, eram
absurdamente elevadas em termos absolutos e relativos. Nos últimos anos elas foram
estabilizadas. Então, o problema não é apenas de efetivo policial, apesar da importância de
lutarmos para alcançar a relação adequada apontada pela ONU. Ou será também problema
de gestão?
No domingo, dia 23/02, a Globo News exibiu o programa de Fernando Gabeira com
reportagem sobre a violência em Maceió3. Entre os entrevistados, policiais civis, militares,
moradores e o vice-governador do estado, José Thomas Nôno. A principal linha explicativa foi
o crescimento do consumo de crack no estado. Entretanto, outros aspectos explicativos não
passaram despercebidos. A estagnação econômica do estado foi um dos argumentos,
juntamente com a forte exclusão social. Parece que esses são dois ingredientes muito fortes,
mas pouco explorados até agora no debate sobre o problema.
Em artigos já publicados nesse espaço, e divulgados pelo Centro Internacional Celso
Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, defendemos a tese que a economia alagoana
nos últimos vinte anos, pelo menos, passa por u quadro de involução econômica relativa4. Isto
quer dizer que ao avaliarmos o seu desempenho em termos de crescimento da riqueza per
capita comparando-o com outros estados nordestinos, ficamos para trás. E esse movimento
não se reverteu no período mais recente5.
Portanto, tem razão o vice-governador quando em seu depoimento no programa da
Globo News colocou, literalmente, que
“Alagoas é um estado fraco economicamente, com um processo de distribuição
fundiária equivocado [...] esse estado também estagnou economicamente, passou
vinte e tantos anos sem atrair uma empresa nova, sem gerar empregos, então nós
definhamos economicamente de uma maneira muito acelerada e distorcemos
socialmente na razão direta desse definhar [...] esse clima de estagnação
econômica que vigorou durante certo tempo é um caldo de cultura extraordinário
para as drogas e tudo de ruim que ela traz" [Grifos nosso].
A exclusão econômica e social nas zonas rurais e o pífio desempenho no setor
industrial, agravado ainda mais pelos problemas que tem enfrentado o setor sucroalcooleiro,
transformaram a economia alagoana em um vagão descarrilhado da dinâmica recente do
Nordeste. Assim, as falas no programa de Fernando Gabeira vinculam, acertadamente, a
insuficiente capacidade de geração de emprego e renda no estado, a exclusão social elevada
e o tráfico de drogas como um mix explosivo que promoveu a escalada da violência em nossa
sociedade.
Esse mix se defrontou com uma situação muito precária das finanças públicas do
Estado alagoano na promoção de políticas de resgate da cidadania em áreas como educação,
saúde e a própria segurança pública. As possibilidades de investimentos são muito limitadas,
em razão, principalmente da limitada capacidade de arrecadação própria e o elevado peso
dos encargos financeiros da dívida pública com o governo federal [Lei 9496/97].
Nesse contexto, o governo federal teve que colaborar com 200 milhões de reais mais
os homens da força nacional. O efeito foi imediato e o número de homicídios doloso diminuiu
3
Basta acessar a página da Globo News no endereço específico http://g1.globo.com/globo-news/fernandogabeira/videos/t/todos-os-videos/v/fernando-gabeira-mostra-as-mazelas-da-cidade-mais-violenta-do-brasilmaceio/3168752/
4
Conferir em http://www.centrocelsofurtado.org.br/interna.php?ID_M=1112
5
Conferir nosso estudo publicado em evento realizado pelo Banco do Nordeste em 2012 em
http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/eventos/forumbnb2012/docs/sim1_mesa3_a_insercao_economia_
alagoana_recente_dinamica_crescimento_regional.pdf
21% de 2011 para 2012, a despeito do crescimento de 142% nos latrocínios no período. Como
as causas não são combatidas, os índices voltaram a crescer em 2013 e início de 2014.
Em suma, em um ambiente com limitadas possibilidades de geração de riqueza,
emprego e renda, com níveis de exclusão social vergonhosos e finanças públicas estaduais
muito comprometidas, os avanços do tráfico e consumo de drogas
foram apenas estopins suficientes para tornar Alagoas o estado mais violento do país e a sua
capital entre as dez do mundo, quando se observa as taxas de homicídios por 100 mil
habitantes. Além do mais, a violência, junto com outros aspectos, certamente já influencia,
diretamente, nas escolhas empresariais quando o assunto é Alagoas como destino de novos
investimentos e ampliação daqueles já instalados.
Por essas razões, e considerando a limitada competência na gestão da política de
segurança pública, esse problema não poderá ser resolvido somente com terapias
convencionais, como mais equipamentos, armas, efetivo e dinheiro para a área de segurança
pública, apesar da importância fundamental desses aspectos. Se o problema é estrutural,
teremos que resolvê-lo ou amenizá-lo, gradualmente, atacando suas raízes.
Com educação de qualidade e infraestrutura adequada das escolas estaduais, uma
rede de seguridade social abrangente e eficiente, uma política industrial consistente e
articulada com os movimentos recentes da economia nordestina, mais uma política agrícola e
fundiária séria, pode-se reduzir a pobreza vista como a escassez de oportunidades sociais e
contribuir, fortemente, para tirar o estado do quadro de baixo dinamismo econômico.
Fonte das informações e dados
ENASP.
Diagnóstico
da
Investigação
CNMP/CNJ/MinistériodaJustiça,2013.
de
Homicídios
no
Brasil.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013.
São Paulo: FBSP,2013.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2012.
São Paulo: FBSP,2012.
WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da Violência 2013–homicídios e juventude no Brasil. Centro
Brasileiro de Estudos Latino-Americanos/FLACSO Brasil,2013. Disponível em
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf
WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da Violência 2013–mortes matadas por armas de fogo.
Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos/FLACSO Brasil,2013. Disponível em
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/MapaViolencia2013_armas.pdf
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