Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85288-0061-6
Museu de Ciência: que falta faz a História?
Maria Gabriela de A. Bernardino*
Resumo: O distanciamento existente entre os Museus de Ciência (MC) e a História vêm sendo
discutido por alguns autores, estes apontam para a necessidade de superação do mesmo. O
papel de “humanização” das ciências se torna fundamental, pois apresenta uma forma
abrangente de conceitos, através de abordagens contextuais. Optar pela problematização
resultaria em maior compreensão e perspectiva histórica. Um reflexo desta ausência é a baixa
freqüência dos professores de História nos MC. De acordo com o levantamento feito no
Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) em 2008, somente 14 dos 165 professores
(8,48%) que participaram dos encontros preparatórios das visitas escolares eram de História.
Nesse sentido, o MAST propõe a trilha educativa “Quem somos?” que apresenta a ciência
como construção cultural, abordando aspectos políticos, sociais e econômicos. Discutimos
aqui, as potencialidades da HC nos MC para a formação de cidadãos críticos que saibam de
ciência, mas também sobre a ciência.
1. Introdução
Muitas vezes os museus de ciência, mesmo aqueles que possuem em seus acervos
museológicos, objetos históricos, deixam de abordar a ciência a partir de uma perspectiva
histórica e adotam em suas ações junto ao público quase que exclusivamente a apresentação
de fenômenos e a demonstração de leis científicas.
O distanciamento existente entre os Museus de Ciência e a História vem sendo discutido
por alguns autores. Estes apontam para a necessidade de superação do mesmo, tendo em vista
especialmente a relevância da História da Ciência(HC) para a Educação em Ciências. Dentre
as vantagens da HC no contexto da educação científica apontamos a superação da “retórica de
conclusões” e do cientificismo e a opção pela “problematização”, que humaniza as ciências.
No presente trabalho discutimos as potencialidades da abordagem da História da Ciência
nos Museus de Ciência para a formação de cidadãos críticos que saibam de ciência, mas
também sobre a ciência. A partir da análise de questionários aplicados a professores
participantes do “Visita Escolar Programada” do MAST, pudemos identificar uma baixa
freqüência de professores de história a esse espaço. Este dado nos permite refletir sobre os
reflexos da relativa ausência da HC nos MC e sobre a necessidade de superá-la.
*Estagiária do Museu de Astronomia e Ciências Afins/ MAST- Graduanda.
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
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Neste trabalho, a partir do caso do Museu de Astronomia (MAST) e da Trilha Educativa
“Quem somos?”, que apresenta a ciência como construção cultural e em constante
transformação, bem como influenciada por aspectos políticos, sociais e econômicos,
apresentamos uma possibilidade de introdução da História da Ciência nas ações educativas
promovidas por um museu de temática científica e suas potencialidades.
2. A Historia nos Museus de Ciência: considerações sobre distanciamentos e
aproximações
O distanciamento dos Museus de Ciência em relação a História no que se refere ações
voltadas para o público, situa-se no século XIX. Ela teria tido inicio no contexto de uma
mudança de foco, dos objetos para os processos, que caracterizou os museus de ciência (MC)
no século XIX e que foi responsável pela conformação do conceito moderno de museu,
pautado na divisão do espaço em reservas, exclusividade dos especialistas, e galeria de
exposições, área destinada ao público geral. (Van Praet, 2002)
Segundo Van Praet (2002), essa transferência de interesse representa o rompimento com
os limites da inventariação e descrição, ampliando-se em direção à abordagem dos processos
naturais e sociais como forma de aprofundar o domínio sobre a natureza e seu conhecimento.
No entanto, essa mudança se baseia em um dilema, calcado tanto na necessidade de se
proteger os objetos originais do perigo representado pelas exposições, cujas cenografias iriam
desarrumar o arranjo e a conservação das coleções; como na de se ampliar o aspecto
educacional dos museus, por meio da elaboração de exposições que buscavam divulgar os
novos conceitos e disciplinas interessadas no estudo dos processos.
Para abordar esse novo elemento nos Museus de Ciência, o patrimônio intangível, são
elaborados novos recursos. Resultado disso é o surgimento dos Centros de Ciência na década
de 1930, diferenciando-se pela não restrição à exposição de objetos e resultados, e por dar
testemunhos da ciência en train de se faire. Esses espaços passam a elaborar exposições
baseadas na demonstração de experiências e na interatividade, que nos anos de 1960 acaba
por adquirir o status de “modelo de animação”, influenciando o conjunto dos museus de
ciência e tecnologia. As novas estratégias pautaram-se, muitas vezes, na substituição dos
objetos históricos por aparatos didáticos, representando a diluição dos aspectos culturais e
históricos.
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A emergência do viés educativo dos museus no século XIX parece ter conturbado a
comunicação entre público e objeto. Nesse contexto, o público deixa de ter acesso aos objetos
autênticos e à observação do potencial desenvolvido pelo pesquisador no processo cientifico.
Os objetos autênticos, históricos, são substituídos por dioramas e o processo cientifico, por
sua vez é substituído pela apresentação atrativa das conclusões dos que elaboravam as
exposições. (VALENTE, 2002; VAN PRAET, 2002)
O distanciamento dos MC em relação aos objetos originais e à História é apontado com
preocupação por Jacomy (2007), para quem é impossível pensar a cultura sem memória ou
uma memória destituída de seu lado tangível – os objetos. Segundo este autor, enquanto os
Museus de Arte fizeram a opção pelas obras originais, históricas, de três dimensões; os
Museus de Ciência optaram pelo discurso.
A importância da perspectiva histórica nos Museus de Ciência e na educação em ciências
vem sendo discutida por alguns autores. Estes apontam para a necessidade de superação do
mesmo, tendo em vista especialmente a relevância da História da Ciência para a Educação em
Ciências. Nesse contexto, alguns estudos vêm defendendo a necessidade dos MC
contextualizarem a ciência histórica e culturalmente, desmistificando-a e ao mesmo tempo
tornando-a inteligível para o público.
Dentre as potencialidades do uso de uma abordagem histórica na educação científica,
destaca-se a superação de uma “retórica de conclusões” e de uma ideologia cientificista; e a
opção pela problematização, contribuindo para um melhor conhecimento da estrutura da
ciência, a medida que e a apresentação do processo histórico, ligado a aspectos culturais e
sociais, ajudaria a ver a ciência como uma construção humana coletiva e sujeita a
transformações (Mathews, 1994; Niño El-Hani, 2007). Deste modo, a educação científica não
estaria pautada apenas na transmissão de conteúdos científicos e nem mesmo restrita a
abordagem dos produtos finais da ciência, mas preocupada igualmente com seus processos de
construção. Assim, estaria comprometida com a formação de cidadãos críticos que saibam de
ciência, mas também sobre a ciência.
Outras possíveis contribuições ressaltadas pelos estudos que defendem a abordagem
da História da Ciência seriam as de possibilitar a criação de situações educativas mais
desafiadoras e estimular o desenvolvimento de habilidades e de pensamento crítico,
humanizar as ciências, conectando-as com preocupações pessoais, éticas, culturais e políticas;
promover uma compreensão mais profunda e adequada dos próprios conteúdos científicos e
de seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, promover a compreensão de certos episódios
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cruciais de HC (revolução cientifica, darwinismo), apresentar a ciência como mutável e,
consequentemente, o conhecimento cientifico atual como sujeito a transformações,
combatendo assim, a ideologia cientificista e permitir, por meio da historia, um conhecimento
mais rico do método cientifico, bem como a apresentação de mudanças aceitas na
metodologia. (Mathews, 1994).
Dados sobre o perfil dos professores que visitam os Museu de Astronomia e Ciências
Afins – MAST indicam uma freqüência muito baixa de professores de história a esse museu
de ciência. Os referidos dados foram coletados por meio da aplicação de um questionário
auto-administrado a professores que participaram do Encontro de Assessoria aos Professores
(EAP) promovido mensalmente pela Coordenação de Educação em Ciências. O EAP é a
atividade na qual os professores têm a oportunidade de conhecer a proposta metodológica
elaborada pela equipe da Coordenação de Educação e receber material de apoio referente às
trilhas oferecidas como proposta de visita orientada ao MAST, sendo também a oportunidade
de se obter sugestões acerca da utilização dos diferentes espaços do museu. (COSTA, 2007)
Nos encontros realizados ao longo do ano de 2008, além de apresentadas as opções das trilhas
educativas e os objetivos específicos de cada uma, um questionário auto administrado foi
aplicado aos professores participantes, no qual, entre outras questões, os mesmos eram
perguntados sobre quais seriam as disciplinas lecionadas por eles.
A coleta dos dados foi realizada ao longo do ano de 2008, período ao longo do qual o
questionário foi respondido por 165 professores. Por meio da análise dos dados, pudemos
identificar que apenas 14 dos 165 professores entrevistados eram de História, o que
corresponde a 8,48% do universo de professores. A baixa freqüência de professores de
História ao Museu de Astronomia nos permite pensar sobre os reflexos da relativa ausência da
História da Ciência nos Museus de Ciência e sobre a necessidade de superá-la. Esse dado nos
faz refletir sobre a inserção desses educadores, com ênfase nos professores de História, nestes
espaços de educação em ciências, uma vez que, por inúmeras razões já explicitadas nesse
trabalho, a Ciência e a História estão em posições indissociáveis.
O distanciamento dos museus de ciência em relação a História se reflete, inclusive, no
papel que esta instituição possui em relação à formação de profissionais em suas áreas
específicas. Enquanto que para um artista a freqüência aos museus de arte é imprescindível,
pois o contato com as obras é fundamental para sua formação, um cientista ou historiador da
ciência não é repreendido por não visitar museus ou centros de ciência. Isso só é possível
exatamente por que “Os museus de ciência possuem, em relação à História da Ciência, uma
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autonomia bem superior àquela que os Museus de Arte, em relação à História da Arte”
(Almeida, 2005)
Enquanto os Museus de Arte se voltaram ora à experiência estética, ora à religiosa;
dedicando-se à construção da memória e assumindo como missão “instituir a imortalidade”,
os MC tradicionalmente colocaram para si como missão a educação pública da ciência,
assumindo um viés quase que exclusivamente educativo e a-histórico, que busca fazer
compreender (ou até mesmo aceitar) os desenvolvimentos da ciência. (Almeida, 2005).
3. Desvendando a Trilha “Quem Somos?”: em busca da História nas ações educativas
em museus de ciência.
Seguindo a diretriz de inclusão da História da Ciência no Ensino de Ciências, a
Coordenação de Educação (CED) do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) propõe
a trilha educativa “Quem somos?”1. A referida trilha tem o desafio de transpor as
potencialidades educativas já vistas e relatadas sobre a inclusão da História da Ciência na
Educação em Ciências, mais precisamente nas ações educativas em um museu de ciência.
Salientando a importância da História como ferramenta base para a compreensão de
fatores e descobertas científicas, e apresentando a ciência relacionada a diversas condições, a
trilha pode ser apontada como um resgate da História na Ciência ou da Ciência na História,
dentro das atividades educativas do MAST.
Os objetivos específicos da Trilha “Quem Somos” estão pautados em promover a
compreensão de que o processo de construção científica como algo que sofre interferência de
valores políticos, econômicos, sociais e culturais; reafirmar a ciência como uma construção
cultural, possibilitar a experiência direta com os bens patrimoniais, como meio para
estabelecer relações entre aspectos científicos, sociais e históricos; despertar a curiosidade
sobre o processo de construção da ciência e refletir sobre a ciência como algo inacabado que
está em constante transformação.
A seguir, apresentaremos alguns dos espaços percorridos pela trilha “Quem Somos?” e
a forma como estes espaços e suas diversas possibilidades de abordagens se propõem a
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Essa trilha educativa faz parte da proposta metodológica “Trilhas Educativas: entre o MAST e a escola”,
concebida por Maria das Mercês Vasconcellos, Andréa F. Costa, Cecília M. P. do Nascimento e Flávia Requeijo.
A proposta visa estabelecer um continuum entre a atividade escolar e a museal, construindo uma forte relação
entre esses espaços e faz parte do Visita Escolar Programada, programa de ação conjunta com as escolas
concebido e realizado pela equipe da Coordenação de Educação em Ciências do MAST.
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motivar a reflexão e estabelecer uma relação de colaboração entre Ciência e História. A
Trilha possui recorte cronológico e temático.
A trilha “Quem Somos” nos apresenta diferentes formas de buscar a perspectiva
histórica dentro da ciência, com possibilidades que motivam o público a pensar em questões
sobre o processo de construção da ciência e visitas a determinados espaços que recuperam e
reaproximam Ciência e História. Visões de mundo e da ciência em diferentes tempos e
contextos, como na Antiguidade e na Idade Média .Discussões sobre os sistemas heliocêntrico
e geocêntrico, importantes nomes como Nicolau Copérnico, Tycho Brahe e Kepler, assim
como, suas respectivas e relevantes contribuições para a ciência, são enfatizadas dentro da
trilha. Obviamente os avanços científicos ocorridos através de Galileu e Newton também
merecem destaque nesta trilha.
Tendo as questões históricas como base, assim como a visão da ciência como projeção
de seu tempo e em constante processo de investigação, os visitantes se dão conta da
relevância destes aspectos para a compreensão e não a “aceitação” de fenômenos científicos.
A passagem pelas Lunetas Meridianas estimula o participante a refletir sobre o local
visitado e o que aquelas lunetas fazem ou fizeram ali, pois eram objetos fundamentais para
que se realizasse o Serviço da Hora. Desse modo, é estabelecida uma relação passado e
presente sobre a prestação do Serviço da Hora, feita pelo Observatório Nacional, que faz esse
serviço há mais de 150 anos. Porém, nos dias atuais esse serviço é prestado por conta de um
relógio atômico.
O momento mais aguardado pelos participantes da trilha é a visita a luneta 21, uma das
maiores lunetas do Brasil, local onde a trilha é encerrada. O objeto fica abrigado dentro de
uma grande cúpula, o cenário em si, já é um tanto quanto motivador para os participantes da
trilha. Os aspectos históricos dessa luneta são enfatizados, como sua construção alemã, sua
aquisição em 1910 e a sua instalação naquele lugar para uma suposta visita da rainha da
Bélgica em 1920. (COSTA, 2009).
Embora a visita a Luneta 21 só esteja prevista no roteiro da trilha “Quem Somos?” e
não da trilha “Onde Vivemos?”, a outra opção de trilha educativa oferecida às escolas inserida
no Visita Escolar Programada do MAST, que por sua vez enfatiza o Sistema Solar em escala
no campus do museu, os participantes da segunda opção mencionada, demonstram total
interesse em conhecer a Luneta 21, assim como seus aspectos históricos e científicos. Deste
modo, os visitantes fazem com que, mesmo informalmente, se abra espaço dentro da trilha
“Onde Vivemos?” para visitar a Luneta 21. O interesse dos visitantes, tanto alunos, quanto
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professores, nos faz refletir sobre o interesse destes acerca de objetos históricos e sobre a
importância destes objetos nas ações educativas de um museu de ciência que busca promover
um discussão integrada acerca do conhecimento científicos e suas formas e contextos de
produção.
4) Considerações Finais
A partir de perspectivas de alguns autores, a inserção da História da Ciência dentro da
educação em ciências apresenta grandes potencialidades. Contudo, o MAST propõe a trilha
“Quem Somos?” como tentativa de (re)aproximação e interação da História da Ciência dentro
da educação em museus de ciência , tendo como objetivo superar este distanciamento e
estabelecer uma educação abrangente. Defendemos aqui, a possibilidades de se estabelecer
um diálogo entre História e Ciência como fator fundamental para a formação de cidadãos e
uma educação capaz de ser compreendida através da abordagem histórica.
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