Texto 1 - Aristóteles e a Felicidade
por Larissa Cristina Rego Duarte
Fazendo parte de um projeto de humanidade, a felicidade sempre foi uma questão muito debatida desde a antiguidade, onde muitos pensadores refletiram
acerca do que era necessário para alcançá-la. Alguns filósofos acreditavam que o homem encontraria a felicidade sendo virtuoso, outros diziam que a
felicidade se aplicaria mais apropriadamente não ao momento particular da vida de uma pessoa, mas a uma vida inteira que tenha sido bem vivida.
No entanto, hoje o modo de vida capitalista coloca a felicidade diretamente ligada ao consumo desenfreado, produzindo uma ideia de felicidade calcada na
necessidade de aquisição de bens e cada vez mais efêmera. Produzindo uma sociedade que sofre diversas patologias, dentre elas a depressão, por não
acompanhar e não poder alcançar tal ideal.
Diferentemente dos antigos, a ideia de felicidade está, desta forma, relacionada não mais diretamente aos valores morais, mas sim ao poder de compra que
uma pessoa possui. Quem nunca ouviu falar: “Num dia infeliz, nada melhor do que sair às compras...”.
O conceito de eudaimonia entre os antigos.
O termo eudaimonia vem do grego e significa prosperidade, boa fortuna ou felicidade. A palavra é composta pelo prefixo “eu” (bem) e pelo substantivo
"daimon" (espírito). No pensamento grego antigo a felicidade era considerada um dom. Usufruir dos daimones – poderes divinos – era condição essencial
para que alguém fosse feliz. Um homem feliz (eudaimon) era aquele favorecido por um bom daimon, o mesmo que ter sorte. Logo, a eudaimonia requeria a
boa sorte.
Em contextos filosóficos eudaimonia tem sido tradicionalmente traduzida por "felicidade". No entanto, não se refere a um estado emotivo, e não há uma
concepção utilitarista de felicidade. Algumas propostas alternativas a traduzem por "viver bem" ou "florescimento". Mas o consenso mostrado é que
"felicidade" é adequada se o termo for apropriadamente compreendido no contexto filosófico da antiguidade.
Na imagem de Sócrates apresentada por Platão nos primeiros diálogos socráticos, o protagonista adapta a perspectiva de que a eudaimonia consiste em
viver uma vida justa, o que exige conhecimento, como apresentado em Górgias. Nas obras posteriores (por exemplo, na República), Platão continuou a
argumentar que a virtude é suficiente para a felicidade, e que os bens amorais não trazem eudaimonia. Portanto, para o homem ser feliz, segundo Platão,
ele tem que levar uma vida virtuosa.
Para Aristóteles a eudaimonia é o bem principal para os seres humanos, mas há diferenças consideráveis de opinião quanto ao que a consiste (Ética a
Nicômaco I.2, 1095a15-30). Ao contrário de Platão, Aristóteles até concordava que a virtude é uma condição necessária para a eudaimonia, mas sustentava
que não é suficiente. Dessa sua perspectiva, a eudaimonia aplica-se mais apropriadamente não a qualquer momento particular da vida de uma pessoa, mas
a uma vida inteira que tenha sido bem vivida.
Nos primeiros nove livros da Ética a Nicómaco, Aristóteles defende que uma vida feliz é a que envolve atividade social. As virtudes que caracterizam a
pessoa feliz são em si definidas como “estados de espírito” que resultam de certas interações que têm lugar nas relações com a sociedade. Mas, no livro X, o
argumento de Aristóteles é que uma vida voltada para a contemplação do teórico (theoria) é o gênero mais feliz de vida, e que a vida social até poderia
impedir este gênero, mas isso não quer dizer que o filósofo deva viver em isolamento, pois ele precisa da sociedade.
O mais importante é que cada um consiga atingir seu potencial pleno. Portanto, a felicidade é a meta da vida humana, tudo o que fazemos tem como
motivo principal a busca da eudaimonia. Para o filósofo, as atitudes amigáveis e a boa vontade que ofertamos a uma pessoa não têm por objetivo agradar a
essa pessoa, mas sim promover a nossa própria eudaimonia.
Referências Bibliográficas:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão de W. D. Ross. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores).
PLATÃO, Górgias, PA, Belém, Editora UFPA, 2ª edição, 2002.
PLATÃO. A República. Trad. Carlos Alberto Nunes. UFPR, 1976.
SCOTT, Carson. O que é eudaimonia? Universidade de Ohio. Disponível em: http://portal.filosofia.pro.br/o-que--eudaimonia.html
Texto 2 - Ética
Por Roberto Sarmento
Caminho do meio: condição fundamental para se atingir a felicidade maior, segundo Aristóteles. Em meio à diversidade de maneiras para tocar a vida, é
normal que busquemos uma melhor forma para vivermos bem e intencionalmente a caminho da felicidade. Seguramente o ser humano se posiciona frente
às situações cotidianas com alguma experiência, dele mesmo ou de alguma pessoa a quem ele creditou como um sábio e segue os ditos e
encaminhamentos, podendo ser do meio familiar ou simplesmente um amigo. Mas, analisamos nesse instante a capacidade pessoal de julgar e decidir,
independente de contribuições externas.
Para o mundo moderno, bem mais que o antigo, vale a palavra equilíbrio, o meio termo. Tantas são as expressões de pensamento que nasce da busca pelo
caminho certo ou menos errado. Assim, pode o homem atual, agir no julgamento com menor rigor em suas posturas e comportamentos e até a palavra
radicalismo soa mal. Qualquer tipo de postura fundamentalista assumida neste momento se torna perigosa, até porque não analisamos uma situação
específica, mas, a vida como um todo. Numa época de grandes e rápidas transformações como a nossa, refletir e ponderar pode ser uma questão vital.
Poucas palavras e perigosas palavras, tanto as primeiras, do radicalismo e as demais do caminho do meio, ambas tendem somente a despertar o
pensamento quanto à modalidade ideal para encaminhamento próprio às decisões.
Para Aristóteles a Justa Medida estava muito mais para a ação relacional do que para a atividade individual, de pouco adiantará conceber o equilíbrio
apenas para o pensamento sem o exercitar e o exercício no convívio com o outro. Nesse contato é que valerá a atividade de interagir usando métodos que
equilibrarão algumas atividades próprias do ser: o opinar, o discutir, o calar, o gastar, e tantos outros particípios que poderíamos apresentar como ações
humanas que, se devidamente ponderadas, resultarão em decisões radicais ou de caminho do meio, cabendo ao individuo a luta particular para uma busca
pelo bem comum, para que haja uma convivência mais harmoniosa e fraterna.
Aristóteles analisa três formas através das quais poderia se afirmar ser possível alcançar a felicidade: uma vida de prazeres ou gozos, uma vida com honra,
ou política, e uma vida como filósofo (contemplação). Aristóteles descarta as duas primeiras, uma vida de prazeres ou gozos é totalmente contrária à
virtude, pois premia o excesso, também descarta a honra como felicidade, pois esta não é uma coisa interior, mas sim uma coisa que é conferida à pessoa
por terceiros. Toda ação tende para um fim. Temos virtude porque agimos corretamente. Nada deve ser em falta ou em excesso, tudo no meio termo, ou
moderadamente. Aristóteles fala do homem ideal, que não se preocupa em demasiado, mas dá a vida nas grandes crises. Não tem maldade, não gosta de
falar, enfim é pouco vaidoso.
Na Ética a Nicômano, Aristóteles fornece a seguinte relação de vicio e de virtude:
- a mansidão é o ponto médio entre a iracúndia e a impassibilidade;
- a coragem é o ponto médio entre a temeridade e a covardia;
- a verecúndia é o ponto médio entre a imprudência e a timidez;
- a temperança é o ponto médio entre a intemperança e a insensibilidade;
- a indignação é o ponto médio entre a inveja e o excesso oposto que não tem nome;
-a justiça é o ponto médio entre o ganho e a perda;
-a liberalidade é o ponto médio entre a prodigalidade e a avareza;
-a veracidade é o ponto médio entre a pretensão e o autodesprezo;
-a amabilidade é o ponto médio entre a hostilidade e a adulação;
-a seriedade é o ponto médio entre a complacência e a soberba;
-a magnanimidade é o ponto médio entre a vaidade e a estreiteza da alma;
Nessas ações, a virtude ética é a justa medida que a razão impõe a sentimentos, ações ou atitudes, que sem o devido controle, tendem para o
excesso. A justiça é considerada por Aristóteles como a virtude ética mais importante. A virtude não é uma inclinação (o desejo é uma inclinação natural),
mas uma disposição. É um hábito adquirido ou uma disposição constante e permanente para agir racionalmente em conformidade com uma medida
humana, determinada pelo homem prudente. A tarefa da ética é orientar-nos para a aquisição desse hábito, tornando-nos virtuosos e, se possível,
prudentes. Esse hábito é o exercício da vontade sob a orientação da razão para deliberar sobre os meios e escolher os fins nas ações que permitam
satisfazer o desejo sem cair em extremos. Segundo o filósofo nos tornamos bons praticando atos bons:
... as adquirimos (as virtudes) pelo exercício, como também sucede com as artes. Com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las,
aprendemo-las fazendo; por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo esse instrumento. Da mesma forma,
tornamo-nos justos praticando atos justos, e assim com a temperança, a bravura, etc.
O desejo é paixão, passividade, submissão aos objetos exteriores que nos afetam e aos impulsos e inclinações interiores, determinados por nosso
temperamento. A virtude é ação, atividade da vontade que delibera e escolhe segundo orientação da razão, a qual determina os fins racionais de uma
escolha, com vista ao bem do agente, isto é, sua felicidade. Em si mesmos, os desejos não são bons nem maus; em si mesmas, as coisas desejadas não são
boas nem más. O desejo torna-se mau e o objeto torna-se mau quando não se submetem à medida racional; tornam-se bons quando se submetem a essa
medida. Por isso, diz Aristóteles, não nascemos bons, mas nos tornamos bons com os atos bons, pois atualizam nossa potencialidade para a razão e para a
felicidade. É porque a virtude é a medida ou o justo meio que a prudência (phrónesis) é a condição e coroamento de todas as virtudes: sabedoria prática
que lida com o contingente e com o tempo, com aquilo que pode ser de outra maneira e com aquilo que não há arte, isto é, regras preestabelecidas.
A prudência orienta a escolha, isto é, a deliberação racional porque é capaz de discernir o bom e o mau nas coisas e as relações convenientes entre meios e
fins. Portanto a virtude ética é: uma disposição interior constante que pertence ao gênero das ações voluntárias feitas por escolhas deliberadas sobre os
meios possíveis para alcançar um fim que está ao alcance ou no poder do agente e que é um bem para ele. Sua causa material é o éthos do agente, sua
causa formal, a natureza racional do agente, sua causa final, o bem do agente, sua causa eficiente, a educação do desejo do agente. É a disposição
voluntária e refletida para a ação excelente, tal como praticada pelo homem prudente.
Como Aristóteles, sabemos que a deliberação, o exame, cujo conceito é emprestado da prática política, não basta para constituir a virtude, pois a
deliberação não diz respeito ao fim, mas aos meios; em Aristóteles, a phronêsis torna-se Prudência, descola-se do “Ideal” platônico como télos (finalidade,
propósito), não diz mais respeito ao Bem, mas ao útil. Eis que a deliberação enquanto tal, pode ser posta a serviço do mal, da desmedida, a hýbris
(desmesura) grega.
Bibliografia
ARISTÓTELES. Ética a Nicômano Col. Os pensadores. (Vol 15). São Paulo, Ed. Abril, 1973.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia. São Paulo, Cia das letras, 2002.
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