EQUILÍBRIO, ESTATISMO E POLÍTICA ECONÔMICA BURGUESA FRENTE A CRISE1
Isabela Arana- Joaquín Morelli
Na reunião do G-20 em Seul, o documento assinado pelos representante dos países membros continuou
com a linha de compromissos para alcançar o “equilíbrio”, sem definir todavia uma linha clara no que diz
respeito ao funcionamento da economia mundial, em particular, em relação ao sistema financeiro, os fluxos
de capitais e as taxas de cambio das moedas.
A declaração surgida da reunião se debate sem um fim claro entre a regulação dos mecanismos
financeiros, que levaram ao estalo da crise, junto com a pretensão de assegurar o “livre mercado” e a livre
circulação de capitais.
Estas contradições nos termos para a economia burguesa se conseguiram devido a que o objetivo
fundamental que tem é o de alcançar o equilíbrio econômico em nível mundial supostamente atacando as
causas dos desequilíbrios gerados a partir da crise.
Justamente, esta declaração tenta resolver – sem êxito – profundas diferenças que não são só “teóricas”
mas na realidade, político-econômica, já que existem interesses muito diferentes (encontrados) entre, por
exemplo, os países com superávit de sua balança de pagamentos e os países com déficits.
Como disse o economista burguês Nouriel Roubini, “as reuniões do G-20 parecem ser mais as do G-0”,
porque a combinação das forças dos interesses doa principais participantes da reunião dão como
resultante uma força igual a zero.
Formalmente, as declarações destas instancias se centralizam ao refor de determinados desequilíbrios tais
como a divida pública e os déficits fiscais; a relação entre a poupança privada e a divida privada, e por
outro lado, os desequilíbrios no comercio exterior, seja na balança comercial e nos fluxos de inversão e
transferências. Para a análise que interessa aos quadros burgueses nos Estados, como opinólogos, é
fundamental levar em conta além das taxas de cambio as políticas fiscais e monetárias.
Agora, é importante remarcar aqui que esta divisão dos desequilíbrios em partes, para além da pertinência
de analisar os prazos e os casos especialmente graves de crise, tenta ocultar o caráter estrutural da crise
capitalista.
Analisamos em outra notas deste número o argumento de determinados setores burgueses na discussão
entre os países com superávit da balança comercial e os países com déficit, como o é a discussão de Pettis
com relação à China. Entretanto, esta não é a única expressão do problema dos desequilíbrios. Também,
tal como afirmam as diversas declarações emitidas pelas diferentes instituições supra-estatais, tem surgido
na superfície os graves problemas das taxas de cambio, desenvolvido em uma “guerra de moedas”. Outro
ponto de conflito é o dos fluxos de capital, que se destinam em massa aos países com maior taxa de juros
(países exportadores, que tentam manter “desvalorizada” sua moeda, como China, Brasil e Índia). Assim
mesmo tem que assinalar a questão dos déficits estatais.
Estes problemas e debates ressurgiram na recente reunião que mantiveram os principais chefes de
Finanças do G-20 onde ficaram manifestas as maiores rusgas (pujas) entre EUA e a UE e entre a
Alemanha, Grã Bretanha e França em particular e entre estes com a China. As discussões com relação a
como evitar o desequilíbrio e descalabro da economia mundial frente ao “risco sistêmico” que apresentam
os bancos não poderão ser solucionadas com supostas políticas regulatórias nem com supostas linhas de
recapitalização que já mostraram sua ineficácia ao exacerbar os problemas já existentes.
A atual crise capitalista não pode ser resolvida, desde o ponto de vista burguês, com uma mescla eclética
de linhas implantadas nos anos 30 ou 70, Uma vez que a economia política burguesa mostra a caduquice
(caducidad) histórica de suas colocações.
1
Artículo elaborado em setembro-outubro de 2011.
1
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE “EQUILÍBRIO” NA TEORIA
ECONÔMICA BURGUESA
Como vemos, os debates burgueses com relação à crise se reduzem a uma questão de somatória destes
desequilíbrios. É licito perguntar sobre o por que desta obsessão por alcançar esse “equilíbrio perdido”
que, dito de passagem, nunca se realizou. É que a noção burguesa de equilíbrio, tanto no econômico,
como no político, se refere mais a uma noção abstrata de estabilidade absoluta. Ou seja, é um conceito de
equilíbrio mais ligado a um dever ser abstrato que à realidade concreta.
Existem diversas definições, e leis associadas às mesmas, que na economia burguesa determinam estes
supostos “equilíbrios”. Um dos pioneiros em incursionar no campo da teoria do equilíbrio geral foi F.
Quesnay (1694-1774). Este economista francês partia da descrição de uma economia agrária de
subsistência. Quesnay colocava que uma nação se reduz a três classes de cidadãos: a produtiva, a classe
dos proprietários e a classe estéril. Realizou esta classificação a partir do lugar que ocupam os indivíduos
no processo de criação de riquezas. Neste esquemas os ingressos das três classes sociais estão vinculados
com a geração de riquezas sob a forma de bens de consumo que se produz com o trabalho da sociedade.
Daqui surgiu a noção de “estado estacionário”, em uma economia fechada, como um fluxo circular que se
repete cada período e que possibilita um equilíbrio econômico e social a partir da igualdade entre os
ingressos e os gastos de cada classe social.
Posteriormente, desde o liberalismo, Adam Smith (1723-1790) analisou o funcionamento do sistema
manufatureiro, nascido com a Revolução Industrial, onde existiriam três classes sociais: os donos de terras
(terratenientes), os trabalhadores e os empresários com seus respectivos ingressos monetários, ou seja,
renda, salário e benefícios. Adam Smith sustentava que o mercado tende naturalmente a um equilíbrio
econômico e social.
Segundo o economista escocês, a busca para satisfazer o próprio interesse beneficiaria a toda a sociedade
e estava limitado pelo próprio interesse do próximo. Os produtores tentariam obter o Maximo beneficio
mas, para consegui-lo, deviam produzir os bens que desejava a comunidade. Além disso, deviam
produzi-los nas quantidades adequadas, do contrário, um excesso daria lugar a um benéfico preço baixo,
enquanto que uma oferta muito pequena originaria um aumento do preço e finalmente um aumento da
oferta.
O mecanismo de Smith da “mão invisível” entrava em jugo assim mesmo no mercado dos fatores de
produção, assegurando a harmonia sempre que os fatores buscavam as rendas máximas possível. Se
produziriam os bens adequados aos preços adequados e o conjunto da sociedade obteriam a máxima
riqueza possível enquanto regesse a livre concorrência; entretanto, se fosse restringida a livre concorrência,
a “mão invisível” deixaria de funcionar e a comunidade arcaria com as conseqüências.
Desde essa concepção, o equilíbrio econômico seria algo natural em uma sociedade onde existiria uma
“mão invisível” que faria que os interesses particulares se corresponda com o interesse geral.
Sem duvida houve duas mudanças históricas transcendentais que questionaram o desenvolvimento destas
teorias do “equilíbrio geral”. A Revolução Francesa de 1789 e a situação da sociedade inglesa após a
sanção das Leis dos Pobres de Speenhamlnd (1795) questionaram de alguma maneira seus postulados
harmônicos e instalaram o problema da evolução da população na ciência econômica. Thomas Malthus
(1766-1843) formulou naquele período sua colocação sobre a “escassez dos recursos” ao considerar que
o ritmo de crescimento da população superaria o ritmo de crescimento da produção de alimentos. Um de
seus discípulos mais reconhecidos David Ricardo (1772-1823) cuja obra se centrou na disputa entre
proprietários de terras e empresários na teoria da renda diferencial (1817) onde os empresários, frente a
escassez de terras férteis na Inglaterra, deveriam pagar aos proprietários de terras, renda cada vez mais
altas por terrenos cada vez menos férteis para satisfazer as necessidades de uma população que
aumentava. Uma das principais tese de Ricardo consistia em considerar que o valor dos bens se divide em
duas proporções: a que constitui o beneficio e a que constitui a mão de obra, definindo ao capital atual
2
como trabalho anterior.
Ricardo, crítico da teoria do valor de Smith, sustentou entre suas teses principais que não se devia
confundir p trabalho investido na produção da mercadoria com o trabalho que se comprava na
mercadoria; que o valor só se achava determinado pelo trabalho investido e que a determinação do valor
por tempo de trabalho conservava sua plena vigência sob o capitalismo. Considerou o salário e o lucro
como duas partes do valor criado pelo trabalho, e chegou à conclusão de que a diminuição do salário
eleva o lucro e sua elevação reduz este último, reconhecendo desta forma a divergência de interesses entre
o proletariado e a classe dos capitalistas.
Jean B. Say (1767-1832) criticou duramente estas colocações de Ricardo pondo novamente o eixo do
estudo econômico nas teses da harmonia ao subtrair da economia a análise das classes sociais. Seu
principal aporte foi a lei dos mercados onde sustentou que toda oferta cria sua própria demanda2.
Posteriormente Schumpeter (1883-1950) retomou as colocações de Say ao sustentar que a produção
aumentaria não só a oferta de bens no mercado, senão normalmente também sua demanda. Neste sentido
considerava que a oferta cria o fundo do qual flui a demanda de seus produtos. Considerava que
demanda, oferta e equilíbrio som conceitos para descrever ralações quantitativas dentro do universo das
mercadorias e dos serviços, e em particular, que a demanda e a oferta agregam não só independência a
uma da outra, pois as demandas que compõem a demanda total do produto de uma indústria, ou
empresas, ou indivíduos, procedem das ofertas de todas as demais indústrias, ou empresas, u indivíduos,
e, portanto, aquela aumenta na maioria dos casos se aumentam estas ofertas, e descende se elas
diminuem. A partir destes argumentos conclui que as crises não achavam sua causa no fato de que a
sociedade houvesse produzido demais.
Walras, influenciado por Jevons, partia de consideras a economia como ciência matemática. Desde esta
idéia se esforçou por demonstrar empiricamente que os diferentes mercados estão interconectados como
se fossem um sistema de equações matemáticas compatíveis, de maneira que a igualdade entre o número
de equações e incógnitas possibilitaria uma solução onde se verifique o equilíbrio simultâneo dos
mercados.
Walras situava a empresa no centro da economia e se interessava por sua ação no marco de uma
competição entre agentes, assim como em uma independência de todos os mercados econômicos: os
percados de produtos (bens e serviços) e os de fatores de produção (trabalho, terra e capital).
Neste esquema Walras opinava que a solução ao problema do equilíbrio geral passava pela determinação
simultânea do preço dos bens e dos fatores de produção, supondo um mercado de concorrência perfeita
com pleno emprego. Estas idéias influenciariam posteriormente A. Marshall quem considerou que o
equilíbrio de mercado era estável, ou seja, que se o preço se separasse dele, tenderia a voltar ao mesmo,
como um pendulo oscila ao redor de seu ponto inferior.
O interesse na “estabilidade dos equilíbrios”, especialmente dos mercados, caracterizou aos integrantes da
Escola de Lausana, particularmente ao sucessor de Walras, Wilfredo Pareto. Uma versão mais
desenvolvida da teoria do equilíbrio é expressa pelo “Ótimo de Pareto” que postula que nenhum individuo
pode melhorar sua situação sem que piore a de algum outro. Para iesto é necessário que haja um sistema
de competição pura e perfeita. Este tipo de competição supõe o cumprimento de cinco condições:
atomicidade dos mercados (tantos compradores e vendedores onde nenhum deles possa influir
individualmente no preço do produto); transparência e perfeita informação (todo individuo conhece
perfeitamente quais são as condições do mercado); livre entrada e saída do mercado (não existem
restrições para que qualquer empresa possa produzir o que deseje); livre mobilidade dos fatores
produtivos (tanto o capital como o trabalho se dirigem aquela situação segundo o preço dos fatores), e
homogeneidade do produto (aos consumidores lhes dá igual a quem compra se todo os produtos são
iguais).
Junto ao austríaco Carl Menger e ao britânico Stanley Jevons, Walras foi considerado um dos fundadores
2
“A Treatise on Political Economy, or the production, distribution and consumption of wealth" (1803)
3
da corrente neoclássica e do marginalismo. Schmpeter considerava o equilíbrio de Walras como
indispensável para chegar a conhecer as relações fundamentais que tem lugar em um sistema econômico, e
sustentava que não é possível compreender o processo de desenvolvimento sem levar em conta as
condições que supõem a ruptura do equilíbrio estacionário. As característica fundamentais do estado
estacionário walrasiano segundo a visão schmpeteriana, é que se considera que a situação econômica se
repete, seja na esfera da produção, seja na esfera do consumo. Uma vez que a competição haja
conduzido ao sistem para a posição de equilíbrio, que coincide com a de Maximo rendimento, o processo
se repete em um ciclo sempre idêntico a si mesmo. Toda empresa deve produzir sempre os mesmos tipos
e as mesmas quantidades de bens, combinando sempre na mesma forma os fatores de produção3.
Para Schmpeter a ruptura deste estado estacionário e, como conseqüência, o inicio de um processo de
desenvolvimento, ocorre quando no âmbito da produção se introduz modificações que mudam
profundamente os sistemas produtivos anteriores. As mudanças podem ser do seguinte teor: 1) a
introdução de um novo bem, ou uma nova qualidade de um certo bem; 2) a introdução de um novo
método de produção; 3) a abertura de um novo mercado para uma industria determinada na consideração
de que os produtos esta industria não havia tido nunca acesso; 4) a conquista de uma nova fonte de
matérias primas ou de produtos semi elaborados; 5) o estabelecimento de uma nova organização de uma
determinada industria. Tais mudanças são denominadas inovações. As categorias fundamentais de seu
discurso são o conceito de inovação e o conceito de empresário. O empresário capitalista é quem acaba
continuamente com o estado estático e estacionário, modificando os processos produtivos mediante
inovações. O fator que causa a mudança é a inovação, que se considera que é fazer as coisas de maneira
diferente dentro do campo da vida econômica.4
O período entre guerras e a crise de 1929 questionaram profundamente estes argumentos. Foi neste
contexto que John M. Keynes (1883-1946) desenvolveu os postulados principais de sua obra
polemizando parcialmente com as idéias predominantes. Em sua critica da Lei de Say, Keynes sustentava
que a mesma só funciona quando um ato de poupança individual conduz inevitavelmente a outro paralelo
de inversão e que não é apropriado supor a existência de um elo que liga as decisões de abster-se do
consumo presente com as que provêem do consumo futuro. Para Keynes há um motivo especulativo que
favorece que uma massa de dinheiro que se gera na produção fuja para o setor financeiro a fim de obter
rendas mais seguras. Esta tese questiona a idéia de equilíbrio geral dos mercados baseada no livre jogo da
oferta e da demandam,presente nos esquemas anteriores. Keynes considerava que durante as crises, o
mercado não pode garantir o equilíbrio econômico, razão pela qual se requer a intervenção do estado para
favorecer as inversões, o produto e o emprego, a partir de estimular a demanda agregada via o consumo
público e privado, ainda que isto implique um aumento do nível geral de preços. Mais adiante, voltaremos
sobre esta colocação.
Décadas mais tarde, os postulados de Keynes foram questionados pelos neoclássicos. Um de seus
maiores expoentes é Milton Friedman que retomou os postulados da lei dos mercados de Say e a idéia de
equilíbrio geral.
Nos tópicos seguintes aprofundaremos e polemizaremos com tais postulados da economia política
burguesa para apreender melhor os debates atuais entre os diferentes funcionários e representantes das
correntes.
ALGUNS ELEMENTOS DE CRÍTICA METODOLÓGICA À ECONOMIA BURGUESA
A teoria marxista, diferente da economia política burguesa, toma a questão do equilíbrio como um
conceito contraditório. Equilíbrio e desequilíbrio são, na teoria econômica marxista, justamente não
excludente, senão que formam uma unidade diferenciada, como conceito dialético.
3
4
D. Guerrero, et al. Manual de economía, vol 1. 2001, pág 258.
Ibídem.
4
A razão principal que tem o marxismo para fazer uso deste tipo de conceitos é que justamente empreende
o estudo do fenômeno vivo, e, portanto contraditório, do capitalismo. Nesta formulação metodológica
consiste sua principal vantagem em relação às teorias econômicas burguesas, as quais se reduzem a uma
serie de deduções que se fazem a partir de um equilíbrio abstrato e estacionário. Para desenvolver esta
importante questão da noção de equilíbrio na economia burguesa tomaremos a critica que Henryk
Grossmann realizou em “Marx economia política clássica e o problema da dinâmica”, onde tenta elaborar
a noção de dinâmica da economia marxista a partir de explorar as contradições dos postulados dos
economistas burgueses.
O objetivo de elaborar uma teoria econômica que capte a dinâmica e contradição dos fenômenos
concretos foi possível para Marx a partir de uma critica das teorias econômicas dos clássicos como Smith
e Ricardo, a partir do método dialético, o qual busca capturar o concreto no pensamento. Nesse sentido,
as categorias postuladas pela economia política clássica, em particular a de valor, foram tratadas pro Marx
em suas contradições inerentes. Ou seja, para Marx os conceitos elaborados por estes economistas
tinham, como toda idéia dentro de nossa sociedade, uma parte mistificada e uma parte real. O objetivo
então, não era anular uma categoria mistificadora e trocá-la por outra, mas, explicar a conexão necessária
entre ambas e a partir disso assinalar o caráter aparente das mesmas. Para Marx os fenômenos monetários
não deviam ser tomados como os elementos principais dos fatos econômicos, mais sim como formas
reflexivas dos mesmos, e que o processo real que afeta as mercadorias devia ser buscado na produção,
atrás do “véu monetário”.
Entretanto, Marx estava longe de postular uma oposição categórica entre o “real e o aparente”. Marx
estabelecia a conexão entre mercadoria e dinheiro ao considerar que “a contradição oculta entre valor de
uso e valor de troca que existe no interior da mercadoria se faz palpável na oposição entre as mercadorias,
na qual uma é considerada por seu valor de troca e a outra por seu valor de uso.”
UMA BREVE INTRODUÇÃO AO PROBLEMA: O DUPLO CARÁTER DO TRABALHO E O
ERRO FUNDAMENTAL DA TEORIA ECONOMICA BURGUESA
Ao desenvolver o caráter contraditório da categoria mais comum da sociedade capitalista, a mercadoria,
Marx se introduz ainda mais na mesma analisando o caráter especial do trabalho como mercadoria. Desta
maneira Marx pode determinar o duplo caráter do trabalho, assinalando o fato de que este cria o valor de
um produto destinado ao mercado, e por sua vez cria um valor de uso necessário socialmente.
A partir desta distinção fundamental, a critica marxista à economia burguesa se dirige justo ao centro dos
objetivos ideológicos e políticos da mesma, como o é o da idéia de conseguir um “equilíbrio” abstrato, que
não é mais que o reflexo ideológico dos interesses de classe da burguesia e seu Estado.
O mesmo Marx dizia que o assinalamento do caráter contraditório do trabalho sob o capitalismo era um
descobrimento fundamental para a ciência econômica.
Este duplo caráter do trabalho assinala por sua vez o duplo caráter da mercadoria, o valor de troca e o
valor de uso das mercadorias. Esta dualidade das categorias econômicas se dá em Marx em todos os
níveis da exposição de sua teoria, desde os mais abstratos como a analise da mercadoria, como nos mais
concretos, como a analise das contradições entre capital fixo e circulante, etc. Esta metodologia dialética é
fundamental para empreender a analise da dinâmica do capitalismo, sem cair no estudo matematizado das
mudanças quantitativas de variáveis da economia burguesa, que dessa maneira segue sendo uma teoria
“estática”.
O importante é reconhecer aqui o ponto de apoio que tem os conceitos estáticos da economia burguesa.
Ou seja, encontrar onde se assenta sua concepção de equilíbrio. Em primeiro lugar mencionaremos o fato
assinalado por Grossman de que “a economia política clássica foi sempre uma teoria abstrata do valor de
troca”.
Isto no sentido de que seu desenvolvimento se encaminhou sempre se enfocando nos aspectos da
5
dinâmica da oferta e da demanda (circulação) em detrimento dos processos relacionados com a produção
de valor. E aqui podemos retomar o dito anteriormente sobre “a parte de verdade” das categorias
econômicas que a critica deve levar em conta. Marx assinalou que a expressão mais pura da dinâmica
capitalista era a da relação entre “valor de troca” e “aumento no valor de troca”. Esta lógica nascida da
visão que possui o agiota ou o comerciante se abstrai completamente da origem, não só do valor de troca,
senão, sobretudo da razão do aumento do valor. Como marxistas reconhecemos o valor central do
trabalho na produção e reprodução do valor, aspecto que, se bem os clássicos como Ricardo ou Smith
reconheciam, não desenvolviam em suas conseqüências para a análise do capitalismo. Mas, voltando ao
que nos ocupa, necessitamos determinar quais são as conseqüências deste pensamento abstraído da
centralidade do trabalho na noção de equilíbrio.
Tanto para Smith como para Ricardo o equilíbrio abstrato era um conceito fundamental em sua teoria.
Justamente, a teoria dos “preços naturais”, parte de um equilíbrio entre demanda e oferta que é só um
equilíbrio entre valores de troca, e que só reflete em todo caso, as flutuações dos preços ao redor dos
valores (fato existente e que a economia marxista desenvolve).
Como dizíamos mais acima, o que a analise clássica deixa de lado é o aspecto contraditório do valor,
neste caso, a outra cara da dinâmica dos preços, que não ocorre na superfície dos “intercâmbios
comerciais”, senão na profundidade da produção. O que nos interessa assinalar aqui é o fato de que uma
teoria econômica que absolutiza o valor de troca termina por deixar completamente de lado a fundamental
dinâmica do valor de uso das mercadorias, não pode compreender os fenômenos subjacentes ao mesmo
desenvolvimento capitalista ao longo de sua historia. A dinâmica dos valores de troca abstraída de sua
contraparte em relação ao valor de uso das mercadorias se converte então em um elemento estático que
pode descrever os movimentos dentro das margens estabelecidas para condições de reprodução dadas.
Desta maneira ficam de lado os aspectos relacionados com a reprodução ampliada e os fenômenos da
acumulação capitalista, os quais são centrais para compreender a dinâmica do capitalismo mais além da
conjuntura. Descartando o estudo da dinâmica dos valores de uso, ou seja, anulando a contradição que
está no centro da problemática do valor, o único que se elimina é a possibilidade de compreender um
fenômeno que se faz cada vez mais habitual e violento à medida que se desenvolve o capitalismo, como
são as crises. É assim como pela omissão que se faz da contradição inerente da categoria do valor no
capitalismo se termina operando uma oposição categórica entre equilíbrio e crise, que logo seria deduzida
como um postulado fundamental pelos economistas posteriores aos clássicos.
Justamente esta absolutização do valor é o que para Marx está na base do erro da teoria de Adam Smith,
que postula um equilíbrio entre oferta e demanda que determinaria os “preços naturais” das mercadorias,
como um equilíbrio de valores.
Em relação a Ricardo, esta absolutização da dinâmica do valor em detrimento daquela do valor de uso, se
expressava também no interesse de Ricardo em estudar a “renda liquida (neta)” – lucro entendido como
mais valor obtido da relação dos preços sobre os custos – e em menosprezar o estudo da “renda bruta”,
no sentido dos valores de uso necessários para sustentar a reprodução do trabalho.
Para Ricardo o fundamental era o estudo da uma teoria da distribuição dos valores. Inclusive postulava
que a determinação de uma relação matemática parte de uma totalidade dada que era o único objeto real
da ciência. Este tipo de fundamentos levara a teoria ricardiana a sua característica apriorista e dedutiva
própria da economia política clássica e de seus sucessores. Estes postulados denotam como foi
mencionado anteriormente, as profundas contradições da teoria ricardiana mesma, onde convivia uma
teoria do valor trabalho, com uma absolutização da dinâmica do valor acima do verdadeiro
comportamento complexo Fo valor. A partir disto se pode compreender a existência posterior das
opostas escolas reicardianas “de esquerda” (os igualitaristas), e “de direita”, que tentaram descartar
(desechar) as conseqüências da teoria do valor trabalho (no concreto, de que os trabalhadores não
recebem o produto total de seu trabalho) ressaltando o estudo dos fenômenos do mercado como o
intercambio. Como dizia depois o fundador da escola de Lausana, Leon Walras, a economia política “é a
6
teoria do valor e do intercambio do valor”, renegando assim a possibilidade ou o interesse de estudar a
produção e a distribuição do valor na economia.
Justamente, a teoria econômica burguesa começou a desenvolver, a partir das incongruências da teoria
clássica, um método que tinha por objetivo fazer da economia uma serie de postulados o mais abstrato e
formal que fosse possível, com o fim de ocultar toda relação com o processo concreto da produção e da
exploração do trabalho. Concretamente , e seguindo o objetivo de Ricardo, se tentou criar uma teoria da
distribuição baseada na dinâmica do mercado, para fundamentar a “teoria dos fatores”, segundo a qual
todos os fatores da produção (terra, capital e trabalho) são recompensados proporcionalmente a sua
intervenção na produção das mercadorias, sendo então o salário o pagamento total do trabalho realizado e
não uma parte do mesmo como postulava inclusive Ricardo.
Uma vez tirada (borrada) da teoria a questão do intercambio desigual entre capital e trabalho, era
necessário enunciar uma teoria do valor de acordo com a teoria dos fatores. Neste sentido se
desenvolveu, tal como mencionamos anteriormente, as teorias psicologistas do valor postuladas primeiro
pó J. B. Say e logo continuada pela escola marginalista.
Estas “teorias subjetivas do valor” postulavam a necessidade de medir a “utilidade subjetiva” dos produtos
e serviços. Desta maneira a teoria da utilidade marginal tentava converter a questão do valor em uma
questão psicológica. A respeito da cientificidade desta metodologia, quanto a medição certeira do valor
concreto produzido pelo trabalho, não havia mais preocupações. O importante é que esta escola já havia
construído uma teoria do valor na medida da teoria dos fatores de produção, e a partir dela, da
necessidade de um equilíbrio entre os mesmos (distribuição de acordo a sua “participação na produção”).
Justamente, a lei de Say e seu postulado de que a toda produção corresponde sua própria demanda,
como lei do equilíbrio fundamental da economia, também é subsidiária destas concepções.
Assim mesmo, em sua critica à teoria econômica burguesa, Grossmann sustentou que, a razão pela qual
todas as tendências dentro da teoria dominante fincaram o pé no caráter estático da economia, foi a
necessidade de justificar a ordem social atual como “razoável”, como um sistema que tende a se auto
regulamenta. Mas como vimos mais acima, os economistas burgueses clássicos desde Ricardo até Say,
começaram a fundamentar paulatinamente suas teorias em uma idéia de equilíbrio que se abstrai
particularmente do problema da exploração do trabalho e do intercambio desigual que a mesma
encarnava. Grossmann assinalava a respeito que:
“De qualquer maneira, se alguém busca estabelecer a direção especifica do conjunto da economia, deve
investigar não só as relações de intercambio a partir de variáveis dadas, senão também seu
desenvolvimento, crescimento e fenecimento ou (como disse Mayer) o ‘processo de formação do preço’.
Não basta olhar para as relações de intercambio, deve também estudar tanto o processo de produção
como o processo de circulação, ou seja, o processo como um todo. Desta maneira se clarifica o fato de
que as trocas positivas e negativas não se estabilizam até alcançar um grau zero, senão que assumem
valores definidos (por exemplo, a queda da taxa de lucro). Isto é, revelam a direção do movimento do
sistema como um todo, as tendências de seu desenvolvimento”5.
Grossmann pensa que a ênfase da economia política burguesa no conceito de “auto-regulação” tem a
intenção de desviar a atenção da realidade prevalecente no sistema capitalista, caracterizada pela
destruição caótica e frenética de capital; a quebra das empresas e fábricas; o desemprego massivo; as
crises monetárias e, a distribuição arbitraria da riqueza. Partindo destas considerações, Grossmann
considerava que se pode entender perfeitamente porque os conceitos de “estática” e “dinâmica”, que se
originaram na física teórica, foram introduzidos na teoria econômica burguesa sem nenhum tipo de
discussão sobre se tal divisão antagônica e mecânica da teoria estava justificada.
Neste sentido, Grossman conclui que:
“O insustentável de tal separação fica claro quando se considera que não existem processos ‘sem
movimento’ na economia: que a chamada economia ‘estacionaria’ se ‘ move’, e que é um processo
5
Grossmann, “A economía política clásica e o problema da dinâmica”.
7
circular. Daí que a caracterização distintiva das estáticas e das dinâmicas não podem descansar no fato de
que uma delas investigue o ‘não movimento’, e a outra os fenômenos moveis ou variável. Mais ainda,
caracterizamos como ‘estático’ a um processo econômico cinético que alcançou um completo equilíbrio
de seus movimentos, como resultado da persistência de todas as condições objetivas e subjetivas se
repetem interminavelmente, sem mudanças, de um período ao seguinte (um circulo). Conseqüentemente,
uma economia dinâmica se deve compreender, não como uma ‘economia em movimento’ (já que a
economia ‘estática’ também se move), mas sim como um processo econômico que não alcançou o
equilíbrio, ou seja, um processo que se move para o desequilíbrio enquanto passa o tempo, o que
simplesmente significa que as condições do processo econômico mudam de um período para o outro,
resultando na situação final do processo econômico – a estrutura econômica – também em mudança
permanente.6”
AS TENTATIVAS DE ATUALIZAÇÃO DA ECONOMIA BURGUESA AO PROBLEMA DA
DINÂMICA
Apesar das teorias do equilíbrio, foi o desenvolvimento do capitalismo o que pressionou mais aos
economistas burgueses para introduzir o problema da dinâmica em suas teorias econômicas. A maior
complexidade e os novos problemas que apareciam sob a forma da crise cada vez mais violentam
induziram aos economistas a considerar aspectos de movimento em suas teorias fundamentalmente
estáticas.
O primeiro deles foi J. S. Mill que quis introduzir “correções ao esquema estático”. Também
desenvolveram teorias como as de A. Marshall, que tentou levar adiante, como já mencionamos, uma
“teoria de equilíbrios parciais”, dependentes de um “equilíbrio fundamental”, o qual não era explicado.
Estas formas nas teorias acusavam a pressão das contradições do capitalismo que se expressavam de
forma cada vez mais violenta. No entanto, deixavam em pé seus postulados fundamentais em relação ao
problema do equilíbrio. Já vimos como a concepção se sustenta em determinada concepção de valor, pelo
que o abandono da idéia estática era praticamente impossível. É por isso que frente ao problema das
crises, as teorias burguesas começam a desenvolver uma serie de aditamentos teóricos que partiam de um
novo colorário da teoria do equilíbrio e que pode se resumir no seguinte: os fenômenos que alteram o
equilíbrio são de caráter externo ao sistema. Desta maneira, se mantinha em pé o edifício dedutivo da
teoria do equilíbrio e se podia, ao menos, tentar explicar o fenômenos recorrente das crises capitalistas.
Como disse Grossmann:
“Como teorias de equilíbrio, as teorias dominantes não podem, desde seus próprios princípios, derivarem
as crises generalizadas a partir do sistema, já que desde seu ponto de vista os preços representavam um
mecanismo automático de restauração do equilíbrio e para a superação das alterações. Qualquer tentativa
destas teorias para incluir algum dos momentos de alteração empiricamente provados acabaria chocando
com a seguinte contradição: uma aplicação consistente dos argumentos da teoria do equilíbrio (que eles
utilizam) pode somente explicar tais rupturas do equilíbrio como produzidas externamente, ou seja, como
mudanças nas variáveis econômicas dadas.7”
Se bem que os economistas acima mencionados tentaram levar adiante estas modificações, outros como
os da escola da utilidade marginal levaram a um extremo as conclusões abstratas da teoria do equilíbrio. O
passo seguinte dado por estas correntes foi o de levar ao extremo seu método de deduzir relações entre
variáveis dadas. Para estes economistas a evolução das formas de organização era inerente ao capitalismo,
mas consideravam que o estudo de tais mudanças ficava por fora do objeto de estudo da ciência
econômica, já que justamente a “noção de equilíbrio” não podia ser aplicada a tais mudanças. Para
autores como W. Jevons, “as leis de intercambio são análogas às leis que governam o equilíbrio de uma
6
7
Ibídem.
Ibídem, pág 68.
8
palanca”. Para F. Knight, a economia era uma ciência de “quantidades econômicas”, pelo que a tarefa da
mesma era a de estabelecer as relações entre as variáveis a partir de equações. Desta maneira se recorria
à “matematização” como critério de rigor para a economia, enquanto se abandonava o desenvolvimento
conceitual da seleção de alguns (não todos, por exemplo, a lei do valor trabalho) dos postulados da
economia clássica.
É claro que estas concepções tendem a agudiza a miopia própria da economia burguesa, ao estabelecer
como única possibilidade de movimento o estudo das mudanças de estado de uma variável no tempo.
Neste sentido a teoria do equilíbrio se vê fortalecida, já que todos os elementos da realidade que podem
impor relações de não equivalentes, e movimentos interdependentes não ficariam dentro da analise da
ciência econômica “matematizada”. Entre estes dois pólos começou a se desenvolver a idéia de uma
“auto-regulação”, que sendo externa ao desenvolvimento das variáveis econômicas, se sustentava em um
suposto mecanismo que, conduzido além das posições estacionarias, nunca podia ser alcançado, mas que
era a única razão pela qual uma economia que carece de um centro de comando não fique um caos.
Um elemento fundamental da critica marxista à concepção formal de equilibrio, é a que menciona
Grossman:
“O método estático não pode explicar um sistema que se expande ... o modo de pensar estático não pode
explicar o desenvolvimento dos novos estados sucessivos precisamente pela razão de que o equilíbrio da
analise estática não concebe o crescimento.8”
O conceito vulgar de equilíbrio próprio da teoria neoclássica, não pode então explorar o caráter dinâmico
do capitalismo, já que não considera o fato da ampliação do processo produtivo (reprodução ampliada –
acumulação capitalista). O equilíbrio “formal” de acordo com a “lei de Say” só é possível em uma
economia que não acumula, que não amplia a base de sua reprodução. Estas variáveis relacionadas com a
acumulação capitalista são deixadas de lado pela “matematização”. Um exemplo claro disto é constituído
pelo “paradoxo de Jevons” com relação ao uso da energia e das melhoras de eficiência tecnológica: dado
empírico de ampliação da reprodução do valor que não é interpretado como tal, senão como um
“paradoxo”, ou seja, uma contradição anunciada mas não resolvida.9
Exemplo deste pensamento absoluto foram as colocações de Haberler, para quem só o equilíbrio podia
ser interpretado como crescimento, enquanto que o equilíbrio era igual a crise. Esta oposição formal dos
aspectos do movimento real da economia justamente não conceitualiza a sucessão de fatos em sua
contradição.
Pelo contrario, para Grossmann a questão da totalidade era de fundamental importância. Dizia a respeito
da escola de Pareto que a mesma rompia com a idéia de totalidade, desmembrando-a em diferentes
setores individuais. Disse Grossman:
“As questões de equilíbrio de Pareto se desenvolveram a partir da conexão entre variáveis dadas,
excluindo o fator dinâmico do processo de produção ou em outras palavras, conseguindo a completa
des-dinamização do sistema.”10
De fato se pode dizer que até fins do século XIX se assistia a uma “bancarrota da escola matemática”. Os
equilíbrios matematizados de Walras e Pareto chegavam a postular como os que postulavam as “equações
de indiferença” de Pareto.
Vemos assim que estes métodos são basicamente dedutivos, já que partem de uma situação dada, e se
abstrai a mudança que gera o mesmo desenvolvimento econômico a partir de sua lógica. Método estático
que atribui a tarefa da mudança à “historia” entendida como relato e interpretação da sucessão de fatos
que acontecem.
8
Ibidem, pág 70-72.
9
O Paradoxo de Jevons, denominado asím pelo descubridor, William Stanley Jevons (ou também Efeito Rebote), afirma que à
medida que o aperfeiçoamento tecnológico aumenta a eficiência com a qual usa-se um recurso, o mais provábel é que aumente
o consumo desse recurso, antes que diminua. Concretamente, o paradoxo de Jevons implica que a introdução de tecnologías com
maior eficiència energética podêm, eventualmente, aumentar o consumo total de energía.
10
Grossmnann, op cit, pág 74.
9
A “CRÍTICA PRAGMÁTICA” DENTRO DA ECONOMIA BURGUESA
Analisar a ruptura de um setor dos economistas burgueses com a corrente “neoclássica”, é um ponto
importante, porque permite traçar o nexo entre as teorias do equilíbrio mais vulgares (por exemplo, dos
marginalistas) com as que propôs esta corrente “crítica-pragmática” burguesa na qual podemos englobar a
Hicks, Wicksell e Keynes, que foi determinante durante o século XX.
É importante assinalar que o que subjas (subyace) a esta ruptura foi a erupção violenta do problema da
crise na economia política burguesa. Tal ruptura com a noção de equilíbrio se expressa metodologicamente
na comprovação empírica das observações clássicas sobre a tendência à crise de sobreacumulación (em
Keynes “eficiência marginal dependente do capital”).
Daí que a busca de mecanismos “contracíclicos” é um objetivo melhor, próprio dos economistas do século
XX, uma vez que se desenvolvia uma nova ideologia sobre os fenômenos econômicos, que incluía a
possibilidade de crise, à qual só podia se enfrentá-la como ferramenta com a erupção do Estado nos
mecanismos do mercado.
Frente a estas aporias, alguns economistas burgueses começaram a estabelecer alinhamentos parciais
críticos com o fim de adaptar o pensamento neoclássico à realidade do capitalismo desenvolvido que se
fazia cada vez mais divergente a respeito de tais teorias do equilíbrio absoluto. Exemplo disto foi Hicks
que junto com outros economistas de sua epopca se viu obrigado a criticar a noção de equilíbrio estático
por ser “irreal”. Para Hicks, “o conceito de ‘estado estacionário da economia’ é uma das causas do
estancamento no desenvolvimento das ciências econômicas porque nega o problema das dinâmicas”. É
que, como vimos, as “equações de indiferença” de Pareto só são validas em uma economia estacionaria
onde não existe acumulação de capital, nem nenhuma outra mudança na situação dada.
Mas foram economistas que desenvolveram seus trabalhos depois da revolução russa e a instauração do
primeiro estado operário e das crises cada vez mais grave que começaram já ao final dos século XIX e
que se aprofundaram durante o século XX, os que começaram a desenvolver teorias que buscavam
assimilar a noção de crise sem alterar as bases monetaristas de sua teoria. Um expoente desta linha de
pensamento foi Knut Wicksell, economista sueco que ao final do século XIX tentou incorporar o
problema das crises à economia burguesa, tentando pensar novas ferramentas para mitigar seus efeitos.
Para Wicksell era um fato que a conexão da economia com o credito havia transladado o centro de
gravidade do sistema econômico para o monetário. É por isso que para ele a chave era atacar as
conseqüências cada vez mais nefastas das crises capitalistas mediante a regulamentação das taxas de juros
(estabelecendo assim uma “teoria monetária das crises”). Ou seja, postulava a necessidade de conseguir
um equilíbrio entre as balanças internacionais de pagamento junto com o nível geral dos preços, que
permaneceria constante. Neste sentido afirmava, dentro da mais rançosa tradição quantitativa, que se o
fluxo de dinheiro se estabilizava, as flutuações na atividade econômica desapareceriam e a prosperidade
podia continuar indefinidamente.
Knut Wicksell tentou, desde os mesmos fundamentos teóricos que seus predecessores, superar a
impotência das concepções estáticas sobre o equilíbrio capitalista que haviam sido questionadas pelas
recorrentes crises. Tentou faz-lo a partir de ensaiar uma síntese entre elementos da teoria marginalista de
Walras com os da economia política clássica de Ricardo. Em 1889, em seu trabalho mais importante
“Juros e Preço”, começou a traçar os fundamentos do que seria uma idéia de controle dos preços a partir
das manipulações feitas sobre a taxa de juros. Desta maneira diferenciava entre uma “taxa de juros
natural”, que correspondia ao suposto ponto de equilíbrio entre a oferta e a demanda (o que a fazia
“externa” ao mercado de capitais) e uma taxa de juros bancaria, própria do mercado de capitais. Estas
taxas determinavam, segundo Wicksell, todo o processo de acumulação, já que se ambas as taxas não se
igualavam, então tampouco o faria a demanda de inversão e a poupança. Neste sentido se, por exemplo, a
taxa de juros do mercado de capitais aumentava acima da taxa natural de juros, então diminuiria a
10
demanda de dinheiro para inverter e aumentariam as poupanças, diminuindo o consumo e toda a atividade
econômica. Evidentemente par Wicksell o necessário era conseguir uma expansão econômica, já que
alguns traços de estancamento se vislumbravam no horizonte dos primeiros anos do século XX.
Esta álgebra das taxas de juros (e da fantasmagórica “taxa natural”) tinha sua base na velha teoria
quantitativa do dinheiro. De fato, o conceito de “taxa natural de juros” parte da idéia de que existiria uma
certa quantidade de circulante que manteria os preços estáveis. Mas o importante nesta teoria é o lugar
que se atribui a ação dos bancos, ou mais ainda, dos governos no comando da economia. Para Wicksell
era fundamental que se incidisse através dos mecanismos monetários para solucionar ou minimizar os
problemas gerados pelo desenvolvimento do sistema capitalista. Nesse sentido, a política de emissão dos
bancos centrais era a ferramenta fundamental, ou seja, devia existir a quantidade de circulante exata (justa)
para o desenvolvimento equilibrado entre a oferta e a demanda. Agora, para Wicksell este ponto exato
(justo) se determinava pela taxa de juros com a qual os bancos emprestavam dinheiros: se esta taxa era
inferior à natural, se geraria um impulso à inversão (já que seria mais conveniente investir na produção do
que emprestar a juros), e no caso contrario se ela seria restringida. Se o que se requeria era gerar um
equilíbrio, a taxa de juros dos bancos devia ser igual à taxa natural, assim, os preços se manteriam
equilibrados (equilíbrio entre oferta e demanda).
Como se pode ver a aporía do ponto “ideal” de equilíbrio segue em pé, sobretudo porque seguem em pé
as teorias das que se deriva. Mas, já para tentar dar uma solução pratica a problemas que já não eram
apenas de índole teórica, senão de acuciante necessidade imediata, Wicksell dizia que a taxa natural de
juros não devia se fixar “quantitativa mente” senão que os bancos deveriam tatear o terreno
pragmaticamente, seguindo a regra de que se os preços permaneciam iguais, também a taxa de juros devia
manter-se assim, e se os preços aumentavam, também devia fazê-lo a taxa de juros bancaria e vice-versa,
mantendo-se idêntica até que se produza uma nova variação.
Esta “álgebra” derivada da teoria quantitativa do dinheiro seria de grande influencia sobre Keynes e
também sobre a escola austríaca “rival” deste. Desta maneira os governos capitalistas teriam uma
ferramenta para o controle dos ciclos econômicos, que começavam a ser uma forte preocupação para os
capitalistas de sua época, que já não acreditavam na mágica da mão do mercado.
A “TEORIA GERAL” DE KEYNES
A partir destes desenvolvimentos, e frente ao aprofundamento catastrófico da crise capitalista e da luta de
classes ocorrida no primeiro pós-guerra, surge a figura de J. M. Keynes. Este buscava incorporar o
problema da crise a analise da economia burguesa tentando superar as limitações que induzia a concepção
formal de equilíbrio e introduzindo, na linha de Wicksell, a necessidade da intervenção estatal no mercado
com o fim de contrabalançar as tendências à crise.
Keynes se opunha a alguns postulados da “teoria clássica” (à que igualava com o marxismo, ao qual
odiava visceralmente) deixando o fundamental em pé, a saber, a teoria quantitativa do dinheiro e as idéias
subjetivistas do valor. Poderia se dizer que criticou de forma pragmática algumas das teorias neoclássicas
mais desacreditadas, impondo a idéia da necessidade da intervenção estatal sob o conceito de “política
fiscal”. Afirmava que as políticas estatais nos campos fiscais e monetário podiam atenuar as severas e
destrutivas tendências à crise cuidando por sua vez de não alterar seus fundamentos, como a propriedade
privada. Particularmente Keynes devia reconhecer o fato de que a crise era um fenômeno que se havia
tornado (vuelto) a regra e não a exceção. Nesse sentido propôs conceitos como a “diminuição da
eficiência marginal do capital” que buscava descrever o fenômeno da queda tendencial da taxa de lucro, a
qual nos anos 20 já se manifestava na superfície do sistema capitalista. As políticas fiscais eram
importantes para Keynes justamente como atenuante, através do gasto fiscal, desta queda geral na
rentabilidade. O gasto do Estado que geraria um efeito multiplicador a partir do incremento na demanda
agregada, gerado pela abundancia de circulante tal como reza a teoria quantitativa. Este conceito de
11
multiplicador da demanda agregada foi quiçá o rasgo característico de sua teoria. Esta adaptação dos
fundamentos neoclássicos se vê em sua obra mais importante, “Teoria geral da ocupação, dos juros e do
dinheiro”, claramente baseada nos mesmos fundamentos da economia burguesa, mas incorporando,
através das idéias subjetivistas do valor, o elemento da crise, ausente nos neoclássicos.
Como dizíamos mais acima, Keynes buscava refutar a idéia da tendência natural ao equilíbrio. Postulava
que em todo caso, tal equilíbrio do livre mercado dependia de muitos fatores não reconhecidos pelo que
chamava a “teoria clássica”, pelo que concepções como a lei de Say “não eram de todo corretas”, já que
o equilíbrio entre oferta e demanda era só um caso excepcional e não a regra. No entanto, a critica de
Keynes estava presa das mesmas concepções que buscava superar, pelo que sua ruptura com Say era
mais uma inversão nos termos da famosa lei do equilíbrio. Se para Say a produção determinava a
demanda, para Keynes era a demanda a que determinava a produção. Como se pode ver neste
“paradoxo do ovo e da galinha”, o que segue fora é o problema da produção do valor, pelo que a lei de
Say segue intacta. Para Keynes tal “inversão nos termos” se produzia devido ao fato de que a propensão
a investir por parte dos capitalistas dependia da relação existente entre a taxa de juros e a taxa de lucro
para um determinado momento. Como podemos ver este conceito é claramente um calco do postulado
por Wicksell, pelo qual aquela álgebra da taxa de juros se mantinha inalterada na “teoria geral” de Keynes:
se a diferença entre as duas “taxas” é em favor da taxa de lucro, então haverá maior propensão ao
investimento. Mas, como o lucro depende da demanda (e aqui vemos outro postulado intacto da “teoria
clássica” na “teoria geral”), se os consumidores e os investidores se comportam sob as pautas “racionais”
estipuladas pela teoria clássica, e poupam devido a “taxa de juros muito altas” (ou a uma percepção
negativa por parte destes a respeito de seus ingressos, como também a uma possível baixa futura nos
preços) então se afetaria negativamente o lucro, pelo qual o problema inicial de taxas de juros maiores que
as taxas de lucro se retro alimentaria, gerando um circulo vicioso que Keynes chamaria do “paradoxo da
poupança (ahorro)”. Desta maneira uma “taxa de juros muito alta” reduziria a demanda agregada, já que
reduziria a demanda de capital para o investimento produtivo (demanda de investimento) e portanto
reduziria o emprego e a massa dos salários, pelo que se reduziria ainda mais o consumo (demanda de
consumo) gerando assim uma crise.
Desta maneira, como a necessária “propensão ao consumo” (que Keynes igualava ao investimento e ao
gasto estatal) não se estabeleceria através da mera ação do mercado, era fundamental para esta que
interviesse uma força que harmonizaria tais necessidades do sistema para evitar a crise. É assim então
como aparece a necessidade da intervenção estatal, já que só o Estado podia ter a força necessária para
modificar a situação dos mercados, afetando a pensada relação entre a taxa de juros e a taxa de lucro.
Rapidamente vejamos agora alguns conceitos importantes que ilustram esta questão. Em Keynes é
fundamental o conceito de demanda agregada, sobre tudo se colocamos no centro da analise as
perspectivas estatizantes (estatistas) que contem esta teoria.11
Para Keynes, a demanda de consumo, somada ao que chamava a “demanda inversão” (a intenção dos
capitalistas de investir) e o gasto estatal configuram a “demanda agregada”. Este conceito é utilizado para
definir uma curva que busca estabelecer o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda, em um gráfico que
representa a quantidade de “bens e serviços” que os habitantes, as empresas e as entidades públicas de
um país compram para diferentes níveis da taxa de juros (ou dos preços). O ponto onde a bissetriz do
gráfico corta a curva de demanda agregada seria, segundo este esquema, o ponto de equilíbrio entre a
oferta e a demanda. Assim mesmo, a pendiente desta curva, representa outro conceito fundamental do
keynesianismo que é a propensão marginal ao consumo (pmc). A propensão marginal ao consumo é
11
Na teoria keynesiana, a demanda efetiva é a variável essencial que determina o nível de emprego. Um conceito que Keynes
adiciona aqui é o de “preço de oferta global”, o qual se define para um nível dado de emprego, e é “o produto esperado que, aos olhos
dos empresários, é justo o suficiente para que valha a pena oferecer esse volume de emprego”. No é um preço no sentido corrente do
termo, mas o produto mínimo exigido pelos empresários para que aceitem contratar os trabalhadores que permitam obtê-lo. Como
pode se ver , nesta economia ao contrario, o trabalho necessita do capital, e não o capital do trabalho. A demanda efetiva é a demanda
antecipada que é igual a oferta global. Ao nível da demanda efetiva assim obtida lhe corresponde um nível de emprego determinado.
12
definida por Keynes como “a variação do consumo quando o ingresso possível varia em uma unidade, ou
seja, a relação entre uma variação no ingresso e a modificação correspondente no gasto em consumo". O
conceito oposto é a “propensão marginal à poupança (al ahorro) (pms). É claro aqui a persistência de um
rasgo próprio da economia neoclássica, a ideia de utilidade marginal, da que provem a matematização e o
caráter formal e fechado (dedutivo) que traz consigo o conceito.
É importante assinalar aqui a propensão marginal ao consumo, porque sontitui ao mesmo tempo o famoso
multiplicador. Então, fica assim “matematizada” a idéia de Keynes a respeito da relação (inversamente
proporcional) estabelecida entre poupança e investimento (ahorro e inversión).
Resumindo: a pmc é a pendiente da curva de “demanda de consumo”, que é por sua vez a mesma
pendiente da curva de demanda agregada. A demanda de inversão e o gasto estatal simplesmente “se
somam” à demanda de consumo, elevando a curva e dando a curva de demanda agregada. Esta pendiente
(pmc) é o que busca se aumentar, já que segundo a teoria burguesa, em situações de crise e estancamento
(de diminuição generalizada da eficiência marginal do capital, segundo Keynes), é necessário recuperar o
equilíbrio entre oferta e demanda mediante um incremento da pmc para melhorar o fluxo de inversões, e
do gasto estatal para comprar a oferta que não encontra demanda e conseguir alcançar a produção
potencial, ou seja, o pleno emprego dos recursos (capital, terra e trabalho).
Para que a política estatal possa conseguir isso, a teoria keynesiana estabelece duas classes de
mecanismos: o primeiro deles é o que chama a “política monetária”, que se baseia na alteração da relação
postulada pela economia burguesa12 entre as taxas de juros e a taxa de lucro em favor desta última. Se a
“eficiência marginal do capital” é maior que a “taxa de juros”, então aumentará a inversão e vice-versa.
Manipulando as taxas de juros pode se beneficiar a “demanda de inversão”. O outro mecanismo
empregado é o de “política fiscal”, ou seja, aumentar simplesmente o gasto público para solucionar a
oferta que não encontra compradores e o uso dos fatores de produção que permanecem ociosos.
Em ambos os casos o objetivo buscado pela política econômica keynesiana é chegar ao velho “equilíbrio”,
representado pelo ponto onde a curva de demanda agregada corta a bissetriz (ponto de equilíbrio entre
oferta e demanda). Segundo esta teoria, se em meio a uma crise, se aumenta o gasto estatal e a demanda
de inversão, mais pode aproximar-se o “ponto de equilíbrio entre oferta e demanda” (o ponto onde se
interceptam a “curva demanda agregada com a bissetriz) ao “pleno uso dos recursos” ou “produção
potencial” (a qual não tem relação necessária com as variáveis econômicas, de fato para Keynes pode
haver equilíbrio sem “pleno emprego”).
Desta maneira a teoria keynesiana continua sustentando uma concepção baseada na analise do consumo e
não da produção. A centralidade da pmc o demonstra claramente. Para Keynes, se a propensão para
consumir é débil e as oportunidades de inversão não são o suficientemente atraentes para os capitalistas,
então uma parte do ingresso que não se consome tampouco inverterá e a demanda efetiva se reduzirá pelo
que a economia se contrairá e o nível de emprego descenderá.
Mas, para além das vicissitudes desta “álgebra” dedutiva que propõe Keynes, o importante é remarcar o
fato de que como a poupança (el ahorro) e a inversão nem sempre estão em “equilíbrio” (equilíbrio de
Say), considera imprescindível a intervenção do Estado com o fim de assegurar o “nível de inversão
necessário” para aumentar a atividade econômica (melhorar o “multiplicador”) e garantir o pleno emprego.
Se bem que a “política monetária” já pensada por Wicksell ao final do século XIX continuava sendo uma
“ferramenta valida” para Keynes, considerava que na situação de estancamento generalizado da eficiência
do capital, era necessário priorizar as políticas de aumento do gasto público, isto é, a “política fiscal”.
Nesse sentido postulava ao menos três maneiras de financiar os novos gastos: aumentando os impostos,
emitindo mais papel moeda, ou recorrer ao endividamento fiscal. O endividamento fiscal demonstrou ser o
preferido pelos keynesianos que preferiram não alterar o valor da moeda, nem tampouco aumentar os
12
É importante notar a diferença que existe entre relação externa e indiferente que coloca tanto Wicksell como Keynes, e a
relação marxista entre taxa de juros e taxa de lucro, que se bem não é “necessária” é interna, já que em M arx o interesse é una dedução
de do lucro.
13
impostos, optando pelo recurso de pagar com os ingressos futuros (por impostos em uma economia que
devia crescer obviamente) as dividas do presente.
A CRISE CAPITALISTA: ESTATISMO E DECADÊNCIA IMPERIALISTA
Depois de repassar os mecanismos postulados pelo keynesianismo recorreremos a sua analise através de
algumas das ferramentas do marxismo. Mencionávamos mais acima que Keynes operava em sua teoria
com a igualdade entre gasto e inversão. Esta questão é muito importante já que determina todo o sentido
da teoria keynesiana como ideologia que regem as políticas econômicas estatistas que a burguesia aplicou
durante quase todo o século XX. A ideologia “estatista” se baseou nos conceitos teóricos onde é possível
confundir trabalho produtivo com improdutivo, dividas com ativos, etc. Tal confusão é possível desde uma
concepção subjetiva do valor e da aplicação de velha “formula trinitária” (a chamada igualdade dos fatores
de produção: terra, capital, e trabalho). Frente a isto diremos rapidamente que a lei do valor estabelece um
critério que diferencia entre gasto improdutivo, como o é o consumo das classes improdutivas ou o gasto
estatal, e inversão de capital. Isto é assim devido a que uma massa de dinheiro não atua como capital se
não é usada para valorizar e ampliar o valor do mesmo. Mesmo assim, podemos agregar que a partir
dessa idéia errônea da determinação do valor, também ocorre a confusão entre taxa de lucro e taxa de
juros (Wicksell falava só de “diferentes taxas de juros”, ainda que com gênese “muito diferentes”).
Como dizíamos, a teoria keynesiana busca um ponto de “equilíbrio” na curva de demanda agregada na
qual se alcance um equilíbrio (entre vários) entre oferta e demanda que por sua vez alcance o nível da
“produção potencial” (a “máxima utilização dos recursos”) e por fim o “pleno emprego”. Basicamente este
é o que sustenta o objetivo político do keynesianismo: ser a teoria que justifique ideologicamente e
estabeleça as políticas da burguesia como classe atrás de seu Estado para superar as ameaças da luta de
classes desatada com a decomposição do capitalismo e frente a ameaça que representava a URSS.
Agora, desde o ponto de vista da critica à economia burguesa, sabemos que o problema da teoria
keynesiana radica em sua deficiente concepção do valor, ou seja, que não concebe o valor em sua
contradição; como valor de troca e como valor de uso.. Mesmo assim, vimos como os mecanismos
keynesianos possuem uma rigidez derivada da absolutização dos fenômenos monetários (ao qual justapõe
certos princípios psicologistas, na tradição de Böhm-Bawerk e demais economistas vulgares) acima de
suas relações internas como produção do valor.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DO “EQUILÍBRIO EM MARX
As políticas econômicas propostas por Keynes são colocadas essencialmente ao redor dos fenômenos
monetários. Isto se deve naturalmente à visão que os economistas burgueses têm a respeito do problema
do valor. Para Marx a analise dos processos monetários que ocorrem na superfície do sistema só pode se
compreender adequadamente a partir das dificuldades que ocorrem na reprodução dos valores e da
acumulação.
Atrás das aparências, os problemas monetários na realidade são a expressão dos problemas inerentes à
economia de mercado e sua relação contraditória com as necessidades da produção e do consumo. Só a
partir de constatar as relações conflitavas entre “compradores e vendedores” como relações sociais
dentro das normas capitalistas de produção, é que se pode superar a busca infrutífera pelo equilíbrio entre
“oferta e demanda”. As contradições inerentes da produção e circulação, derivadas do duplo caráter do
valor das mercadorias (valor de uso/valor de troca), não podem ser analisadas desde um corpo conceitual
que esconde (elude) a questão das relações de produção. Por outro lado, também as faltas ou as
abundancias relativas de capital podem chegar a problemas econômicos, que também aparecerão para a
teoria burguesa como crise própria do sistema monetário, sobretudo se considera-se que através do
desenvolvimento do sistema financeiro e seu caráter especulativo que levou as expressões mais irracionais
14
da competição (competencia) capitalista a afetar fortemente as inversões.Os aspectos de verdade do qual
partiam as concepções de equilíbrio entre oferta e demanda da economia política clássica se fundamentava
no fato da flutuação dos preços ao redor dos valores que se da na dinâmica do mercado. Se bem que é
um fato que a soma dos valores deve ser igual à soma dos preços, as teorias do valor da economia
burguesa, que não reconhece o problema da realização do valor, absolutiza esta dinâmica ao conjunto do
sistema, deixando obvia a contradição entre valor de troca e valor de uso que está na base das crises
capitalistas. Daí que, a partir de tal absolutização surge a confusão de que intervindo externamente
(mediante medidas monetárias e ficais) e alterando assim o volume de oferta ou demanda se acreditava
que se pode regenerar o “equilíbrio” perdido pela economia em crise.
Esta visão parcial e reduzida aos atos de compra e venda, se relaciona com a visão estreita do processo
social de produção através dos olhos do interesse individual cuja maximização magicamente significaria a
asignación a cada individuo do equivalente de seu aporte ao processo de produção, gerando assim o bem
estar social. Longe disso, o processo social de produção é muito mais complexo e sob o capitalismo muito
mais contraditório já que, como disse Marx: “o próprio interesse privado é já um interesse socialmente
determinado e pode ser alcançado somente no âmbito das condições que fixa a sociedade e com os meios
que ela oferece; está ligado, por conseguinte à reprodução destas condições e destes meios.”13
A luta de todos contra todos que se gera sob a competição (competencia) capitalista não produz a ordem
necessária para o “equilíbrio” que busca a economia burguesa. O fato de que a lei do valor imponha pela
força um ponto ao redor do qual flutuem os preços e um nível de competitividade mínimo para os
capitalistas, não significa que as mesmas condições individuais desde as que os capitalistas realizam sua
atividade não caiam sob as condições gerais da produção social, as quais caem fora do controle deles, e
terminam sendo para os capitalistas uma dinâmica objetiva sobre a qual não têm uma incidência suficiente.
Esta perda de controle, esta alienação, anula toda pretensão de vontade subjetiva que realmente seja
significativa para a dinâmica da acumulação capitalista, a qual prossegue seu caminho em base a uma
lógica cega que, como descobriu Marx, leva a semente da crise estrutural do capitalismo.
Tudo o que ocorre na dinâmica dos mercados depende essencialmente da dinâmica da produção do valor
e da distribuição. É importante destacar que isto não significa que não exista nenhuma incidência dos
preços sobre o comportamento dos mercados, mas esta incidência terá que ver essencialmente com as
mudanças estruturais ocorridas na esfera da produção. Para Marx, longe de constituir o sistema de preços
um regulador da economia, são os preços os que refletem as forças que geram as necessidades de
produção determinadas pela sede de lucros da acumulação capitalista. Inclusive, a mesma lei do valor que
expressa estas forças internas da produção capitalista também pode ser vista como “regulada” pelas
necessidades sociais concretas (valor de uso) da população que supostamente escapam à lógica da
acumulação capitalista. Este último se expressa no fato de que a sociedade não pode deixar de produzir
nem de consumir, pelo que se garante a continuidade do processo de produção social, o qual é na
realidade um processo de reprodução ampliada da vida social.
Finalmente diremos que o aparente equilíbrio buscado pela economia burguesa só ocorre como uma força
imposta pela lei do valor (para além de suas flutuações eventuais), mas não de forma gradual e ordenada,
como uma tendência à reprodução sem interrupções, senão pelo contrario, expressando-se como mais ou
menos violentas interrupções da reprodução, que se eventualmente “alcança o equilíbrio” o faz a mercê da
destruição de capitais acumulados, com a carga de miséria e conflitos sociais inerente uma crise de
importância. Desta forma, o equilíbrio nunca pode ser “estacionário”, mas na realidade é um momento no
qual as contradições inerentes ainda não se desenvolveram o suficiente para fazer saltar pelos ares as
condições da acumulação capitalista. A forma adequada de ver ao “equilíbrio” buscado pela economia
burguesa desde os clássicos até Keynes e seus seguidores é a de uma erupção da lei do valor que não
equilibra de nenhuma maneira a contradição entre produção e consumo (baseada na dualidade do valor
entre valor de uso e valor de troca), senão que só restabelece uma dinamica relativamente previsível entre
13
K. Marx, Grundrisse t.I cap 2 p.84
15
a produção e a acumulação capitalista.
AS POLÍTICAS KEYNESIANAS E A CRISE CAPITALISTA
O problema da tendência inerente à crise que esconde a dinâmica da acumulação capitalista é justamente
um aspecto central da economia, que inclusive na economia burguesa foi incorporado quase por
contrabando pelas teorias burguesas mais pragmáticas que buscavam dar ferramentas para a resposta
burguesa à crise capitalista. De fato, se bem toda a tradição burguesa a partir de Malthus até Keynes não
reconhece a centralidade do trabalho como fonte do valor, é certo que teve que se adaptar ao fato de que
ao menos deviam contabilizar a ingerência dos salários para poder quantificar as magnitudes que
manejava sua “macroeconomia”.
O outro fato que a economia burguesa “teve que reconhecer” foi o da queda tendencial da taxa de lucro,
vista como um descenso paulatino da rentabilidade media dos capitais. Sem duvida, este reconhecimento
do problema básico da acumulação capitalista não se reconhecia como tal, e o atribuíam a problemas
como a baixa na fertilidade da terra (Malthus), ou das contradições nas relações entre produção agrícola e
industrial, etc.
Para Marx a lei da tendência decrescente da taxa de lucro era uma “lei fundamental” da dinâmica
capitalista. Agora, isto era assim porque em um modo de produção como este, baseado no antagonismo
entre os proprietários e os produtores, toda a produção está encaminhada a gerar um aumento quantitativo
da magnitude do valor em dinheiro contido no capital dos proprietários. Assim todo o sistema, toda a
produção, é só um meio para incrementar os lucros, o qual só poderia ser conseguido se fossem
reproduzidas as condições que permitem a sobrevivência da classe que produz e amplia o valor dos
capitais. Esta ampliação constante requer que para que a propriedade dos capitalistas siga sendo capital, e
não uma mera quantidade de dinheiro se aplique uma quantidade maior de força de trabalho, o que implica
por sua vez uma maior ampliação da produção e, portanto uma maior acumulação de capitais; e de novo
uma maior necessidade de extração de mais trabalho para valorizar as massa cada vez maior de capitais, o
que define um circulo vicioso que resulta na cada vez mais difícil utilização dos valores como capitais e, em
particular, a realização dos valores produzidos no consumo. É assim como o próprio êxito do sistema
capitalista em sua acumulação é o que define sua própria crise.
Este é o fenômeno que buscou ser explicado pro Keynes sem modificar suas concepções subjetivas sobre
o valor como “eficiência marginal decrescente dos capitais”. A esta tendência à crise que se havia feito
evidente em sua época, foi formada por Keynes como um problema a resolver através das alterações
externas da dinâmica da oferta e da demanda através da ação das políticas fiscais e monetárias que só os
Estados podia levar a cabo.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O VERDADEIRO CARÁTER DAS
POLÍTICAS ESTATISTAS DA BURGUESIA
Marx desenvolveu sua descoberta sobre a tendência decrescente da taxa de lucro em suas contradições
internas. Desta maneira desenvolveu a questão das contra tendências existentes no processo de
acumulação capitalista que evitavam que o sistema colapsara sob seu próprio peso no imediato. Henryk
Grossmann que estudou profundamente as implicações das contra tendências no desenvolvimento do
capitalismo, afirmava que:
“... a acumulação prossegue a um ritmo cada vez mais acelerado, devido a que o volume da acumulação
não se desenvolve em proporção ao nível da taxa de lucro senão em relação ao potencial possuído pelo
capital já acumulado.14” Grossmann se baseia para isto no que assinalava Marx, quando dizia que “para
além de determinados limites, um grande capital com uma taxa pequena de lucro acumula com maior
14
Grossmann, “Lei da acumulação capitalista…”.
16
rapidez que um capital pequeno com uma grande taxa de lucro.15”
Um elemento central no que coloca Marx sobre a crise de sobre acumulação inerente ao desenvolvimento
capitalista, é o fato de que para que o sistema não colapse de forma acelerada, a acumulação de capitais
deve crescer em uma progressão mais acelerada que a diminuição da taxa de lucro. Isto deve ser assim
porque quanto menor seja o consumo social em relação à produção social, mais mais-valia se acumulará,
simultaneamente, uma parte maior de mais valor deve ser convertida em capital variável (isto é, a evolução
(adelanto) de capital sob a forma de salários) para o que se necessita uma taxa de ampliação do capital
muito maior. Mas justamente – e aqui está a encerrona da lógica da acumulação do capital – tal
aceleração produziria finalmente uma queda quase absoluta da taxa de lucro devido ao aumento acelerado
da composição orgânica do capital. Ou seja, se faria realidade o colapso do capitalismo sob o próprio
peso de sua acumulação, de sua completa maturidade histórica.
Sabemos muito bem, entretanto, pelo mesmo estudo das contra tendências de Marx, e pela experiência
histórica concreta, que não existe um mecanismo cego que conduza diretamente para o colapso do
capitalismo (ainda que não está descartado um caminho mais ou menos indireto para a destruição da
economia e o retrocesso para a “barbárie”). De fato o processo de acumulação capitalista é retardado
pelas contra tendências estudadas por Marx, que determinaram o desenvolvimento do capitalismo até sua
fase imperialista. No entanto, já dentro desta fase madura do capitalismo, onde já não pode superar suas
próprias barreiras (como o atesta a competição de vida ou morte das economias capitalistas nacionais
pelo mercado mundial), quem sabe se poderia dizer que os “gastos de capital não produtivo”, ou seja, do
consumo dos valores ao não ser reproduzidos pelo trabalho, não são mais que diversas formas de
destruição de capital. As políticas destrutivas são levadas a cabo durante as guerras me forma direta, mas
também através das intervenções estatais na economia.
KEYNESIANISMO E DECOMPOSIÇÃO IMPERIALISTA
É significativo agregar que a critica marxista às políticas estatistas burguesas se fundamentou sempre na lei
do valor, o que lhe permitiu assinalar a confusão keynesiana entre “gasto e inversão”.
Paul Mattick, em seu livro “Marx e Keynes”, realiza uma critica às idéias estatistas keynesianas. Para este
autor, Keynes gera uma confusão ao enunciar a idéia de que o gasto deficitário pode ser financiado com
os ganhos (ahorros) que ele mesmo engendrou. Realiza neste sentido uma critica ao conceito de
multiplicador que afirma, cria a idéia de que
“ ... qualquer quantidade dada de ingresso adicional pode se multiplicar simplesmente ao se transladar de
um grupo de ingresso a outro ...”, quando na realidade “não multiplicação do ingresso mediante o gasto
inicial em si mesmo, ainda que pode haver produção de novo ingresso; e é somente uma vez que (en tanto)
que o gasto original leva a um aumento da produção que aquele pode aumentar o ingresso.16”
Igualmente, também critica a idéia do crescimento baseado no endividamento fiscal através do credito, já
que como passa com a especulação e o capital fictício, se cria representações de valores a partir da idéia
de que se materializaram como tais, quando isso depende do próprio desenvolvimento sem interrupções
do processo de acumulação de capitais.
É importante frisar, no entanto, que a analise de Mattick tende a absolutizar as questões do gasto estatal
devido à pressão do gasto armamentista durante a guerra fria17. Cremos que para além de haver refletido
em sua analise um fato de sua época, o problema do gasto improdutivo e o estatismo excedem em muito a
essa situação especifica. Prova disto é a incapacidade das políticas neo-ortodoxas (neoliberais) para
15
M arx, “O capital”, t.III, cap. 15.
16
Mattick, Grossmann, Keynes. Citado por D. Guerrero.
17
Por issta raçã Mattick lhe otorga um caráter de contratendência.
17
superar a questão do gasto estatal que além de dever-se a políticas estatais tem sua razão na pressão que
exercem os interesses monopolistas que são a base mesma do estatismo.
Para Mattick, nas políticas keynesianas existe uma obsessão pela incorporação de certos elementos de
redistribuição do ingresso, a partir do desvio de valores para a produção em setores não rentáveis.
Justamente, o que Mattick assinala é a igualdade que faz o keynesianismo entre inversão e consumo,
através dos conceitos derivados do multiplicador e a curva de demanda agregada. Para Mattick, nas
políticas keynesianas existe “um elemento de redistribuição do ingresso porque canaliza fundos para
esferas da produção não lucrativas.18”
Este desvio gera um efeito de crescimento na produção absoluta de bens que são consumidos de forma
“não lucrativa”, isto é, de capitais que não se reproduzem. É por isto que assinala que tal destruição de
capitais sob a forma de consumo, seria a razão pela qual pode se desacelerar a acumulação, o que
redunda finalmente em que a intervenção estatal signifique no curto prazo um atenuante à crise de sobre
acumulação já que “em vez de ser capitalizada, uma parte crescente do lucro social se dissipa em gasto
adicional do governo.19”
O problema com esta linha, levada adiante pelas políticas estatistas, é que no largo prazo se gera um
aumento inusitado da divida pública que, alterando todo o equilíbrio fiscal, produz um novo golpe sobre os
lucros, seja diretamente através dos impostos (que como se sabe são uma dedução das mesmas), ou
indiretamente, através da especulação financeira ao redor dos “bônus da divida soberana”, que
impondo-se como valores fictícios, significa de fato um desconto sobre o lucro sob a forma de juros.20
Durante os últimos 40 anos este último mecanismo foi o que mais se desenvolveu devido ao imenso auge
da especulação financeira ao redor não só do mercado de bônus soberano senãop também ao redor do
mercado de derivados financeiros. A analise desta importante questão, da ingerência do grande peso que
cobrou o capital fictício sobre o processo de acumulação na economia mundial, é parcialmente abordado
em outro artigo deste número.
Finalmente podemos agregar uma observação provisória acerca do problema das relocalizações. É um
fato que estas últimas se desenvolveram como uma forma de destruição de capitais. As deslocalizaciones
são uma política de curto prazo que só expressa a anarquia do capital, suas tendências destrutivas. A crise
atual mostra que a lógica do capital é seu próprio limite e que o capitalismo não pode levar suas tendências
até o final. As discussões abertas na “intelligentzia” burguesa em torno dos custos econômicos que lhes
trousse a política de deslocalizaciones e terceirizações em matéria de dinheiro, qualidade, etc., em
empresas como Toyota, Boeing, entre outras, ilustra esta tendência de curto prazo e demolidoras do
capital. O ponto fundamental, no entanto, é o mecanismo de financiamento daquelas. O alto custo de
inversões em capital fixo e a simultânea destruição de capitais já investidos em equipamentos, instalações,
etc., só pode ser “rentável” dentro da dinâmica do grande desenvolvimento do capital fictício acontecido
nas últimas décadas. Estas imensas inversões dificilmente foram amortizadas devido a que se apóiam na
expectativa sobre os lucros futuros que hoje podemos dizer, frente a esta crise, que nunca se realizarão. A
partir disto podemos dizer que o fenômeno das relocalizações possivelmente constitua, em certo grau, um
gasto improdutivo.
UM EXEMPLO DAS POLÍTICAS BURGUESAS FRENTE A CRISE ATUAL
O desenvolvimento cada vez mais ameaçador da crise capitalista começou a levantar as vozes dos
publicitários de diversos setores burgueses que, frente a incerteza e o pessimismo, buscam resgatar linhas
de ação e de pensamento econômico que expressem os interesses dos países ou facções da classe
18
Ibídem
Ibídem.
20
Ver en este número: “Crisis del sistema monetario mundial y desarrollo de las fuerzas productivas bajo la
descomposición imperialista”
19
18
dominante que representam.
O “periodismo econômico”, que levam adiante conhecidas figuras como Joseph Stiglitz ou Paul Krugman,
se converteu nos últimos anos na ponta de lança de toda uma linha política dirigida aos setores que, frente
aos golpes que sofrem frente a crise, devem ser convencidos a todo custo sobre as supostas
possibilidades de se reinventar o capitalismo.
Como exemplo do raciocínio estatista podemos citar as opiniões de economistas como J. Stiglitz que
realiza a anos uma publicidade sistemática das idéias estatistas neo-keynesianas. Frente a crise que
desabou a partir de 2008, muitos keynesianos como ele tiveram um tom mais profético e de advertência
que é tomado de forma completamente acrítica, não só pelos setores ligados à burocracia sindical, senão
também por parte de grupos que afirmam ser parte da esquerda. Em um artigo publicado intitulado
pomposamente “Para curar a economia” (To cure the economy), Stiglitz da uma imagem breve mais
fidedigna sobre a essência das políticas estatistas frente à crise. Evidentemente, o tom pessimista que
reflete a incerteza é claro quando afirma que “A crise econômica iniciada em 2007 continua, entretanto,
uma pergunta obvia ronda as cabeças de todos: por quê? Se não conseguimos uma melhor compreensão
das causas da crise não poderemos implementar uma estratégia eficaz de recuperação. E pelo momento
não temos nem um nem outro.”21
Ao começar sua analise caracteriza que se a crise estalou no setor financeiro por sua “imprudência
imperdoável”, as razões da mesma são de maior profundidade. Mas os elementos reais, que para este
economista definem a crise, não propõem um maior alcance, senão a recuperação e a imposição das
velhas “políticas estatistas”. Em primeiro lugar afirma que a atual é uma crise de “superprodução”, no
sentido sub consumista do termo, ao afirmar que “... EUA e o mundo foram vitimas de seu próprio êxito.
O acelerado aumento da produtividade no setor industrial superou o crescimento da demanda, o que
supuso uma redução do nível de emprego no setor. Isto implicava um deslocamento de mão de obra ao
setor de serviços.22”
Agrega a esta consideração uma questão adicional com o desemprego afirmando que este se deve
também a uma suposta diminuição do emprego industrial em países desenvolvidos, pela pressão das
vantagens comparativas dos países subdesenvolvidos.
Além desta última explicação superficial sobre o problema do desemprego no capitalismo, Stiglitz se
centra no sub consumo para se dirigir logo ao problema – tão caro ao keynesianismo – como é o da
demanda. Para Stiglitz há diversas razões pelas quais existe uma baixa na “demanda agregada”. Em
primeiro lugar devido à “concentração do ingresso” que produziria um deslocamento destes das “pessoas
que os gastam” para “pessoas que não os gastam”. Aqui diremos que, partindo se sua bagagem
keynesiana, iguala gasto com inversão, ao afirmar que “existe dinheiro, mas não se gasta”, quando na
realidade falamos de capitais imobilizados. Isto é claro quando, assombrado, afirma frente a falta de
inversões das empresas que
“As grandes empresas guardam (atesoran) uns quantos bilhões de dólares em reservas de efetivo, u seja,
que não é a falta de dinheiro o que as impedem de investir e contratar trabalhadores. Mas para algumas
empresas pequenas, quem sabe para muitas, a situação é muito diferente: estão tão necessitadas de fundos
que não podem crescer, e muitas se vêem obrigadas a minguar.23”
Esta concentração de capitais, que Stiglitz confunde com concentração de simples dinheiro, como o que
brinda o salário ao trabalhador, é na realidade a acumulação ou sobre acumulação de capitais que não
podem se reinvestir sem desaparecer (consumidos como gastos improdutivos em investimentos não
rentáveis) nas atuais condições do mercado. Evidentemente que esta afirmação se baseia em determinada
concepção rudimentar acerca do dinheiro (teoria quantitativa), mas é importante para assinalarmos a
rapidez com que saem à luz as limitações conceituais frente a um fato tão manifesto como a crise.
21
22
23
To cure the economy, outubro 2011.
Ibídem
Ibídem
19
Mas justamente, a partir desta confusão, o problema que se coloca deixa de ser o da operação adequada
e eficiente dos recursos da sociedade (os capitais reais e suas representações em dinheiro (dinerarias))
senão o da distribuição de tais recursos, que seja dito de passagem, são despojados de todo seu caráter
concreto e especifico que lhes dá seu valor de uso. A destruição de capitais mediante a repartição do
dinheiro, sob a forma de renda, subsídios, gastos estatal, e demais, é o primeiro grande mal entendido que
busca impor a política de endividamento keynesiano. Como vimos, a igualdade entre investimento e gasto
improdutivo é a operação fundamental para a justificação das políticas de gasto estatal propostas pelo
keynesianismo. Mas como vemos, a idéia de fomentar a demanda mediante o gasto (o famoso
“multiplicador”) parte basicamente desta idéia de que a crise tem um elemento de “sub consumo” por
“concentração de dinheiro em poucas mãos” e que seu remédio natural é a “redistribuição do dinheiro”,
confundindo-o com a riqueza real, material, da sociedade, acumulada sob a forma de capitais.
A mesma operação ocorre com as afirmações sobre o dinheiro existente nas reservas dos países
subdesenvolvidos que não se gasta, e nos cortes de gasto estatal em saúde e educação que os governos
capitalistas combinaram com as muito keynesianas políticas de subsídios ou injeções de capital no sistema
financeiro. É importante assinalar aqui também sobre a questão dos serviços sociais básicos de saúde e
educação como, a partir da lógica keynesiana, o “gasto” que se realiza nos mesmos estão dirigidos para
fomentar a demanda e não para cumprir com as necessidades de tais serviços. De fato, o destino concreto
desses gastos temina sendo uma consideração de índole “extra econômica” (“ética”, ou “política”) já que
desde a lógica do multiplicador da demanda agregada, não importa se o estado gasta os capitais
acumulados pela sociedade para armar um grande exercito invasor, ou para enterrar garrafas para logo
pagar para desenterrá-las (na imagem que usava Keynes para explicar sua política)24. Isto é importante,
porque na publicidade destes autores existe um grande componente demagógico que logo é posto de
contrabando como o centro das políticas keynesianas, quando na realidade, tudo se trata de manter a
dinâmica de concentração dos capitais iniciada pela crise, somada a uma nova relação de forças entre
capital e trabalho que beneficie ao primeiro com taxas superiores de exploração.
A partir de tais argumentos Stiglitz afirma finalmente que
“A receita para o mal que aqueja à economia global se deduz imediatamente a partir do diagnostico: faz
falta sólidos programas de gasto público que apontem para facilitar a reestruturação, promover o ahorro
energético e reduzir a desigualdade; e junto com isto, uma reforma do sistema financeiro internacional que
crie alternativas para a acumulação de reservas.”
Para além da essência burguesa das colocações que analisamos mais acima, que permanentemente
buscam ocultar o problema da origem do valor sobretudo frente a um momento como o da crise onde se
manifesta na superfície, surgem duas questões adicionais muito importantes. Como disse Stiglitz, existe um
problema com relação aos custos energéticos. Frente estes a única proposta é a do “ahorro” energético,
que se não redunda na mesma diminuição do consumo deve colocar ao menos um salto tecnológico que
permita resolver um problema estrutural do capitalismo e que não casualmente está intimamente
relacionado com a sobre acumulação (os gastos em matéria prima, fundamentais na industria da energia, se
tornam cada vez mais importantes na medida que progride a tendência à sobre acumulação pelo aumento
da composição orgânica do capital). No entanto, como o capitalismo em crise não está em condições de
realizar tal revolução tecnológica (as mesmas não podem ter causas “endógenas” referidas a um suposto
avanço da tecnologia por si mesma, senão que se deve a um determinado salto na produtividade das
24
“Quando existe desemprego involuntário (…) inclusive a construção de pirâmides, os terremotos e até as guerras podem
servir para aumentar a riqueza. (…) Se a Tesouraria (o Estado) se pusesse a encher garrafas velhas com bilhetes de banco, as
enterrasse a profundidade conveniente em minas de carvão abandonadas, que logo se cobrissem com escombros da cidade, e deixasse
para a iniciativa privada, de conformidade com os bens experimentados princípios do laissez-faire, o cuidado de desenterrar
novamente os bilhetes no teria por que haver mais desemprego e, com ajuda das repercussões, o ingresso real da comunidade e também
sua riqueza de capital provavelmente rebaixaria em boa medida seu nível atual. Claro está que seria mais sensato construir casas ou
algo semelhante; mas se existem dificuldades políticas e práticas para realizá-lo, o procedimento anterior seria melhor que não fazer
nada.” Keynes, Teoria Geral da ocupação, do juro e do dinheiro (1935).
20
forças produtivas), é previsível que o ahorro energético seja simplesmente uma das tantas formas da
carestia que a burguesia obrigará a manter às grandes massas.
A outra questão importante é a velada, mas às vezes forte critica a acumulação soba a forma de fundos
soberanos existente nos países subdesenvolvidos, esse “dinheiro que não se gasta”. Esta observação pode
significar um chamamento à expropriação de tais capitais por parte das potencias que podem “gastá-los”,
seja direta ou indiretamente. Quando Stiglitz fala de “alternativas à acumulação de reservas” se refere claro
à implementação de políticas de gasto público também nestes países carentes de capital em comparação
com os países imperialistas. É que a implementação de políticas de gasto publico ao estilo keynesiano em
países que não possuem um sistema financeiro próprio, nem uma indústria forte e que portanto não podem
decidir sobre suas economias, significa simplesmente a exposição extrema frente a força econômica das
potencias imperialistas, o que só pode redundar em uma maior penetração imperialista. Tomando um
exemplo autóctone, podemos dizer que a política econômica dos dois primeiros governos de Perón seja
um dos exemplos mais claros a respeito. Evidentemente tais dinâmicas ficaram mais complexas frente a
dinâmica da crise das relações inter estatais, a qual bullirá no cenário das disputas comerciais que gerará a
médio prazo o protecionismo e a intervenção estatal em geral.
A crise capitalista tende a abrir um manto com que se cobrem as verdadeiras causas da catástrofe social
do capitalismo. Mas é justamente nestes momentos quando a vanguarda da classe operária deve ahondar
e superar suas concepções próprias do senso comum e explorar os mecanismos reais da exploração para
finalmente aboli-los ao superar verdadeiramente a causa do atual desastre: o modo de produção
capitalista. Superar a ideologia estatista, tão arraigada em setores de massas e tão cara à esquerda, é uma
das tarefas a levar adiante pela nova geração de revolucionários para enfrentar a maior decomposição
imperialista.
21
22
CRISE DO SISTEMA MONETÁRIO MUNDIAL E DO DESENVOLVIMENTO
DAS FORÇAS PRODUTIVAS SOB A DECOMPOSIÇÃO IMPERIALISTA1
Isabela Arana- Joaquín Morelli
A crise que explodiu em 2008 tem particularidades que a fazem a mais profunda dos últimos sessenta
anos. Neste sentido podemos apontar como, dentro de suas particularidades, aparecem mudanças
fundamentais como o é, por exemplo, a crise do sistema monetário mundial. Na seguinte nota trataremos
de apontar como estes mudanças tem sua raiz no desenvolvimento anárquico do capitalismo em sua fase
imperialista.
É necessário apontar aqui, contra as visões monetaristas da economia, que justamente a fisionomia
particular do sistema monetário mundial está estreitamente ligada ao desenvolvimento explosivo do sector
financeiro especulativo, o qual cresceu explosivamente a partir da importante sobrevida que lhe deram as
catástrofes militares do século XX com sua imensa destruição de capital acumulado, a derrota do
movimento operário e o esmagamento e isolamento dos processos revolucionários iniciados desde
princípios do século. Daí que quando falamos do aprofundamento das contradições que gera a maior
importância das especulações financeiras (e o sistema monetário que corresponde, neste caso o dólar
flutuante como moeda mundial), realmente estamos partindo de reconhecer r como o desenvolvimento das
chamadas “forças contrarias” estão no fundo do aprofundamento das contradições. Como dizia Marx, o
crédito leva até o limite a natural elasticidade do processo de reprodução, isto é, leva até um máximo a
tensão entre o potencial desenvolvimento que permitem as forças produtivas e as barreiras que o próprio
capitalismo levanta diante si.
Acreditamos pertinente levar adiante esta analise sobre as particularidades do sistema monetário e sua
crise atual no sentido de continuação e aplicação da teoria do imperialismo de Lenin. Contra a visão
vulgar, a teoria leninista do imperialismo não assinala uma “opção política” dos países poderosos, mas o
desenvolvimento do capitalismo quando suas barreiras próprias o introduzem em uma crise estrutural.
Lenin estuda este fenómeno a partir de “contra tendências” (ou forças contrárias da queda tendencial da
taxa de lucro) descritas por Marx. Em particular, como dissemos mais acima, a respeito da extensão
inusitada do capital financeiro, expressada no maior poder dos bancos e a generalização da especulação.
A outra contra tendência que podemos verificar em seu grande desenvolvimento, é a da expansão do
comercio exterior a escala mundial, que não deve ser entendida somente como a extensão da troca de
mercadorias em nível mundial (coisa já existente desde o inicio do capitalismo), mas da exportação de
capitais e a criação de mercados capitalistas, própria da expansão colonial e que continuou, apesar de
estar elo mundo “já repartido” (questão que não diminuiu, mas que acentuou tal tendência). O imperialismo
pode ver-se então, como um desenvolvimento das contra tendências do capital, que como tais, adiam as
crise aumentando sua força destrutiva.
Aas forças centrífugas que liberaram esta crise tendem a destruir o sistema monetário estabelecido a partir
de 1944 e que se manteve, não sem importantes modificações, durante a segunda parte do século XX.
Com isto, naturalmente, se vê questionado todo o equilíbrio capitalista do pós-guerra. Por outra parte, a
eleição realizada neste artigo de desenvolver brevemente a historia e fisionomia do sistema monetário atual
foi tomada a partir de que consideramos o mesmo como o lugar donde se expressam condensados os
movimentos de todo o sistema capitalista em nível mundial. Longe de ver nisto o núcleo do capitalismo,
como creem os economistas burgueses monetaristas, cremos que nestas sombras projetadas do sistema
monetário se expressam movimentos fundamentais como a exportação de capitais à semi-colonias, à
concorrência inter-imperialistas (e suas particularidades de pós-guerra), o auge da especulação e a
acumulação de capital fictício, e incluso o processo de assimilação ao capitalismo que buscam impor os
países imperialistas sobre Rússia e China.
1
Artigo elaborado em agosto de 2011.
23
Por outra parte podemos dizer que a crise do sistema monetário baseado no dólar y em concreto, na
potencialidade da economia norte-americana, em realidade é a principal força “centrípeta” que hoje afeta
os EEUU como núcleo principal do capitalismo mundial. O sistema monetário em crise, constituído a
imagem e semelhança da economia norte-americana, fez marchar a seu ritmo a todo o mundo (incluídos
seus competidores) por mais de sessenta anos. Isto significou una vantagem estratégica adicional para os
EEUU que obteve os privilégios de senhorios sobre a economia mundial. No entanto, esta crise é a reação
proporcionalmente contraria dirigida justamente ao centro de sua economia. A diferença do
desenvolvimento da crise em Europa e Japão, que caem pelo peso de suas próprias contradições, no caso
da crise dos EEUU podemos dizer que é o peso das contradições de todo o sistema capitalista mundial o
que o leva ao desastre. Sua hegemonia se trocou finalmente em exposição à decadência e decomposição
históricas do capitalismo imperialista.
Finalmente queremos assinalar que este trabalho tenta colocar-se no debate aberto dentro do trotskismo a
respeito do problema do desenvolvimento das forças produtivas sob o imperialismo. Esta discussão dividiu
as fileiras do trotskismo, todavia o faz, já que a partir da mesma se determinam importantes questões
estratégicas. No centro do debate está à afirmação de Marx acerca de que: “Nenhuma formação social
desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que cabem dentro dela, e jamais
aparecem novas e mais elevadas relações de produção antes que as condições materiais para sua
existência tenham amadurecido dentro da própria sociedade anterior2”. Também Trotsky afirmava no
Programa de Transição que as forças produtivas (FP) estavam estancadas em 1938, o que definiria una
maturidade extrema de das condições objetivas para a revolução. Justamente, o que se encontra no centro
do debate com relação a das FP (Frente Popular?) é a questão da revolução, ou mais precisamente, de se
as condições para a mesma estão madura hasta até putrefação (o que definiria que a revolução é
“objetivamente possível” desde várias décadas) ou se, pelo contrário, a recuperação da economia
capitalista desmentiria tais afirmações, abrindo passo ao programa reformista.
De nossa parte, nos colocamos o objetivo de superar esta dicotomia absoluta em a que caiu o debate do
centrismo de pós-guerra, que tem mal interpretado de forma abstrata e falsamente histórica as posições de
Trotsky, e que em concreto levou a muitas correntes a todo tipo de posicionamentos unilaterais e
finalmente impotentes quando são levados a política.
O Sistema Financeiro no Pós-guerra. O desenvolvimento Do Sistema Financeiro Sob a
Hegemonia De EEUU: De Bretton Woods Ao Dólar Flutuante e O Auge Do Mercado De
Derivados.
A atual crise capitalista expõe de forma clara os fundamentos da crítica ao modo de produção baseado
na exploração assalariada. O desenvolvimento das forças produtivas no segundo pós-guerra teve
características derivadas das já vistas por Marx no século XIX, mas desenvolvidas em um grau nunca
antes visto.
O “giro monetarista” que a burguesia imperialista realizou no pós-guerra, do qual Bretton Woods é o
maior expoente, descreve una ideologia económica baseada no fetiche do capital que se valoriza a si
mesmo, é dizer, a preponderância de participação do capital. Por sua parte, a teoria monetarista burguesa,
deriva a totalidade dos fenómenos económicos de uma particular teoria do dinheiro que tem suas origens
nas bases mesmas da economia política de Ricardo, a “teoria quantitativa do dinheiro”. É por isto que
enquanto eles podem expor-se a serie de crises que o sistema capitalista sofre a partir de seus próprios
limites, é necessário encontrar um argumento que penetre nas questões fundamentais, a saber: que detrás
de toda fantasmagoria da teoria quantitativa do dinheiro, e de seu desenvolvimento nas modernas teorias
monetaristas, somente pode existir como amálgama que explique a miríada de fenômenos monetários o
funcionamento da lei do valor-trabalho. Mas para conquistar isto, é necessário por sua vez partir da crítica
2
C. Marx, Prefácio à contribuição da crítica da economia política.
24
marxista à teoria do dinheiro. Nesta crítica Marx define as “determinações” que sofre o dinheiro e que
configuram sua dinâmica contraditória (que esta na base das explosões periódicas que se veem na
superfície do sistema capitalista, mas que expressam por sua vez as contradições profundas do mesmo.).
Justamente, o poder analítico da teoria marxista no que se refere aos fenômenos monetários está na
descrição minuciosa que se pode fazer dos mesmos, a diferença do que ocorre na teoria burguesa, donde
nunca fica definido o papel do dinheiro, o funcionamento do capital, e as interações entre os diferentes
agentes capitalistas. As diferentes “determinações formais” do dinheiro explicam as distintas formas em
que se apresenta o valor em circulação (já que o dinheiro é a mercadoria universal que domina a
circulação das mercadorias). Justamente, neste momento, no qual a operação sobre o tempo é um
elemento qualitativo, o desenvolvimento do “conceito dinheiro”, explica o desenvolvimento da diversidade
de fenómenos monetários que a ideologia burguesa fetichista em descrições pragmáticas que carecem de
um eixo articulador.
Breve Explicação Das Determinações Formais Do Dinheiro Segundo Marx
A teoria marxista do dinheiro desenvolve, a partir do método dialético, as diferentes “determinações
formais” do dinheiro, ou se quiser suas diferentes funções, às quais ajudam a descrever os diferentes
momentos desta “mercadoria universal” dentro da fase da circulação. Para Marx3 o dinheiro cumpre três
funções: como medida de valor, como meio de circulação, e como dinheiro propriamente dito, seja como
meio de pagamento, ou meio de acumulação, ou dinheiro mundial. Como disse Marx:
“A primeira função do ouro consiste em proporcionar ao mundo das mercadorias o material para a
expressão de seu valor, ou bem em representar os valores mercantis como grandezas de igual
denominação, qualitativamente iguais e quantitativamente comparáveis. (…) Enquanto medida de
valor, o dinheiro é a forma de manifestação necessária da medida de valor próprio das
mercadorias: o tempo de trabalho”.
(Marx, 1999, p. 115).
Para cumprir esta função de medida de valor o dinheiro deve ser um tipo especial de mercadoria que
encarna a expressão geral de valor de todas as mercadorias, como uma mercadoria especial “existente ao
lado e à margem das demais mercadorias”.
O seguinte “momento” de desenvolvimento do conceito do dinheiro é do dinheiro em circulação
propriamente dito. Aqui o dinheiro tem assinalada a função de meio de troca, donde no somente se
expressa o valor que tem o dinheiro, mas o “preço provisório” com que as mercadorias chegam ao
mercado. Recordemos que preço não é igual a valor, já que o preço se encontra mediado pela
concorrência entre os capitais, situação donde se determina a taxa media de lucro. Como disse Marx:
“Nesta determinação de puro meio de circulação, a determinação do próprio dinheiro consiste somente
nesta circulação que ele efetiva tanto em sua quantidade está predeterminada4”.
Na circulação o dinheiro se converte em puro meio, e nesse sentido, está voltado para resto da
mercadoria como valor de troca frente ao valor de uso de cada uma daquelas. O dinheiro na fase de
circulação permite o desdobramento do ato de troca na compra e na venda. Marx disse que justamente a
circulação:
“… divide-se, nas antíteses de venda e compra, a identidade direta existente aqui entre dispor o
produto de trabalho próprio e adquirir o produto de trabalho alheio.5”
Estabelece-se assim uma diferença entre o momento da venda a compra que pode estender-se mais ou
menos no tempo. Este manejo de tempo entre vendas e compras é o que abre a possibilidade ao dinheiro
de converter-se durante a circulação em diversas formas de crédito, pelo que se abre a porta à criação
3
4
5
Contribuição da crítica da economia política.
O Capital, 1989, t. 1, p. 144.
Ibídem, p. 138.
25
fictícia de valores.
No entanto, enquanto se estabelece este excesso entre valor de cambio e valor de uso, e também entre
venda e compra, é importante sinalar que a unidade do ato de intercambio não se perde nunca. De fato
enquanto a mercadoria realiza seu “salto mortal”
(a venda se produz separada da compra) se a última se realiza em um tempo demasiado largo ou não se
realiza, a volta violenta à unidade de intercambio se coloca sob a forma de uma crise.
Por outro lado, é neste momento de dinheiro como meio de circulação propriamente dito donde, a partir
do desdobramento, o dinheiro pode ser também representado por signos de valor, por papelões que
representam um valor ausente no mesmo momento de intercambio, mas existente como garantia. Desta
maneira é possível o surgimento de papel moeda, ou billetes de curso legal. Como afirma Marx:
O fato que o próprio curso do dinheiro se desassocie do conteúdo real da moeda seu conteúdo nominal,
de sua existência metálica sua existência funcional, implica a possibilidade latente de substituir o dinheiro
metálico, em sua função monetária, por outro material, ou símbolos6”.
O desenvolvimento deste momento do dinheiro em circulação alcança inclusive formas que têm que ver
com valores não existentes que circulam como dinheiro, como ocorre com os créditos monetizados, como
são, por exemplo, os cheques e as letras de cambio.
Finalmente, o dinheiro cumpre a função de ser dinheiro em si mesmo, já seja como meio de acumulação,
como meio de pagamento e como dinheiro mundial. É dizer, falamos aqui do dinheiro “constante sonoro”,
não à estimativa do valor de uma mercadoria, ou circulação dos valores nos atos (desdobrados) que
compõem o intercambio, mas do dinheiro como mercadoria a ser trocada por outras mercadorias. É por
isto que esta mercadoria-dinheiro se pode guardar como reserva o que constitui acumulamento. Por outra
parte, sua segunda função como dinheiro propriamente dito é de servir de meio de pagamento de dívidas
ou de mercadorias como ocorre, por exemplo, no intercambio entre países. Justamente a partir de este
último caso o dinheiro propriamente dito adquire a função de equivalente mundial ante as mercadorias que
intercambiam os diferentes países no comercio internacional. Desta maneira, o dinheiro “propriamente
dito” é o meio aceito globalmente para definir os valores. Para Marx o ouro contém, oculto, toda a riqueza
material implantado no mundo das mercadorias.
Historicamente o papel de mercadoria dinheiro foi sempre do ouro, e em menor medida a prata. Somente
o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento da produtividade do trabalho (y por assim os
maiores requerimentos de dinheiro) fizeram do “dinheiro metálico” una base monetária no sustentável, que
foi substituído parcialmente pelo uso na função de equivalente mundial de papeis moedas emitidos pelos
bancos centrais dos países com as economias mais fortes, sendo o dólar estadunidense o mais importante
deles.
Estas distinções não são compreendidas pela economia burguesa que tem sempre a confundi-las, sobre
tudo a respeito das funções de meio de circulação com as de meio de pagamento, diferença que
poderíamos sintetizar dizendo que enquanto o dinheiro em circulação pode não ser intercambiado por um
equivalente (devido ao desdobramento no tempo entre a venda e a compra), no caso do meio de
pagamento, é imprescindível o intercambio por um equivalente, (gerando-se de volta a unidade do
intercambio ou a simultaneidade dos atos de venda e compra).
O Papel Do Crédito Na Produção Capitalista
O outro eixo fundamental é do crédito7. Tomaremos aqui algumas referencias importantes que Marx
desenvolveu a respeito dos juros do capital. É importante mencionar que para Marx o crédito aparece
como una “alavanca” que “acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a instauração do
mercado mundial”. É dizer, tem a importância de permitir a realização da missão histórica do capital. Mas
6
7
Ibídem, Libro 1º, cap 3.
Ver O Capital, tomo 3.
26
ao mesmo tempo esta alavanca “acelera as explosões violentas que são as crises”, a o forçar ao máximo a
elasticidade do processo de reprodução, devido ao simples fato de que os principais agentes no manejo
das grandes massas de capital não são já seus proprietários diretos, mas especuladores e banqueiros que
manejam a massa do capital social com um maior desembaraço. Convertem assim o sistema capitalista no
“mais puro e gigantesco sistema de jogo e especulação, reduzindo cada vez mais o número dos contados
indivíduos que exploram a riqueza social”. Mas ao mesmo tempo este movimento que acelera as
contradições do capital determina para Marx o estabelecimento da “forma de transição até um regime de
produção novo”, justamente devido a que a centralização e concentração dos capitais tendem a fazer que
a expressão “capital social” seja uma realidade cada vez mais imediata. Para Marx o papel do crédito é
então a tendência constante a romper as barreiras próprias do capital baseadas no carácter privado da
propriedade e o antagonismo da produção, tendência que não pode levar-se nunca até o final, gerando
contradições mais profundas que são a base da tendência a crises própria do capitalismo.
Dito isto podemos enunciar algumas características sobre o papel do crédito na economia capitalista.
Em primeiro lugar para Marx o crédito era um veiculo necessário da nivelação da taxa de lucro.
Em segundo lugar, contribui para a “redução dos custos de circulação”, economizando o custo do
dinheiro (metálico) ao ser diretamente omitido em grande parte das transações reais. Também se reduzem
seus custos ao acelerar-se sua circulação quando o substitui por papel. Também mediante o crédito se
acelera a “metamorfose mercantil”.
Uma terceira característica importante é a constituição das “sociedades por ações” que implica a
expansão da escala da produção pela centralização e concentração de capitais que permite, então, o
carácter mais bem “social” destas empresas constituídas por uma enorme quantidade de capitais privados.
Por outra parte, destaca o fato do aparecimento dos rentistas, mas sobretudo do aparecimento dos
“administradores de capital estrangeiro”, enfrentado a “todos os indivíduos realmente ativos na produção,
desde o diretor até o último trabalhador”, o qual implica um ponto de inflexão necessário para a futura
reconversão do capital em “propriedade dos produtores”. Outra característica que Marx assinala no
comportamento do capital sob o crédito é o fato de que os dividendos que pagam as empresas por ações
aos investidores são regulados pela taxa de juros, sem participar na nivelação da taxa general de lucro.
Desta maneira, o crédito funciona como uma contra tendência que tende a postergar a baixa da taxa de
lucro. Finalmente, assinala o importante fato de que os capitalistas que operam com o crédito podem
dispor do trabalho social sem arriscar seu capital, sua propriedade, mas a propriedade social, fazendo da
expropriação dos pequenos e médios capitalistas o núcleo mesmo da tendência a centralização dos
capitais.
Marx assinala, por outra parte, a constituição do “capital bancário” a partir da reserva monetária
(liquidez), e mais, os “títulos e obrigações”. Atualmente isto é o que se expressa com as distinções M1
(dinheiro líquido) e M2 y M3 (depósitos a prazo fixo, ações e bonos). O importante disto é que Marx
assinala o fato de que para os banqueiros todo crédito que surja de suas operações aparece para eles
como “juros sobre o capital”. É dizer, os bancos não diferenciam a respeito da origem de seus lucros o
fato de que somente una parte provem de riqueza “real” e que outra parte (cada vez mais importante a
medida que se desenvolvam as forças produtivas e o crédito) somente constituem o juro que provem de
una dívida que aparece como capital. Neste sentido se assinala como as operações com capital fictício
(bônus de dívida estatal por exemplo) são parte importante das operações dos banqueiros, ainda que em
realidade sejam somente representações nominais de capitais já gastos (créditos a Estados) ou de capitais
que existem na indústria ou o comercio. Neste sentido esta “acumulação” de capitais fictícios não soma em
nada para a “riqueza da nação”. De fato estes valores que se assentam sobre outros valores são cotizados
não a partir de, por exemplo, as melhoras na produtividade; mas a partir do que “se espera” que esses
capitais industriais ganhem em um futuro (caso das ações), ou pior ainda, dos impostos que se cobrarão
no próximo ano (caso da dívida pública).
27
Alguns Pontos Relevantes Sobre A Análise Marxista Dos Juros sobre Capital
Em primeiro lugar, nomearemos a complexa relação entre capital dinerário e capital real que se estabelece
a partir da existência de plétoras de capital dinheiro disponíveis fora da produção e do comercio. Marx se
pergunta duas coisas a respeito: se esta (excesso) de capital–dinheiro é um indicio de excesso de capital
real (produtivo ou comercial), e se, pelo contrario, sua eventual “estreiteza” tem que ver com uma escassez
real de capital, ou melhor, uma escassez de meios de circulação. Marx nos disse que os ativos financeiros
(títulos acionários, letras, etc.) tendem a cotizar e a aumentar seu valor com a baixa tendencial da taxa de
juros (baixa que é reflexo da baixa tendencial na taxa de lucro). Desta maneira este “dinheiro creditício”
sempre tenderá a crescer a níveis ilimitados. No entanto, por outro lado, Marx assinala com respeito do
crédito comercial.
Seu crescimento vai de mãos dadas com crescimento do capital industrial, pelo que a parte que intervém
como capital dinheiro imprestável representa em realidade aquele capital fixado o que se encontra no
processo de reprodução, e no capital sobrante ocioso. É por isto que a possibilidade de expandir o
crédito ao máximo equivale a utilização mais plena do capital industrial. Por outra parte, também as crises
fazem com que exista capital ocioso que a no é usado pelo encolhimento da base do processo de
reprodução.
Desta maneira, Marx nos disse que em todo aumento do capital dinheiro para financiamento equivale à
ampliação do processo de reprodução.
Outro tema importante é a situação do meio de circulação sob o sistema creditício. Além das aparências
que emergem da dinâmica do dinheiro creditício, Marx afirma que a massa de dinheiro sempre está
determinada pelos preços, além de que o crédito regule a velocidade de circulação do dinheiro. A massa
de circulante depende das necessidades do comercio e não o inverso. Desta massa de circulante há que
diferenciar o que efetivamente circula, da que permanece como reserva nos bancos. Esta proporção
variável entre as duas massas de circulante determina a taxa de juros, ou como se diz, a “abundancia”
(quando aumenta a quantidade de dinheiro no banco) ou a “escassez” (quando se reduzem as reservas do
banco). A taxa de juros se determina de acordo com a evolução destas proporções durante o ciclo
industrial. Por exemplo, em momentos de crises o juro é máximo, porque o que se requer é meios de
pagamento, dinheiro líquido. Justamente a respeito deste ponto, Marx assinala o fabuloso poder que
obtiveram os especuladores a partir da fixação das famosas “taxas de juros de equilíbrio” por parte dos
bancos centrais, os quais permitem alterar a determinação da taxa de juros segundo seja a conveniência
dos grandes financistas.
Em sua polêmica contra a “Escola da moeda” Marx y Engels assinalam fato de que toda modificação do
nível dos preços é “totalmente Independiente do fluxo e refluxo áureos e do tipo de juros”, ainda que entre
os dois últimos se tenha uma estreita vinculação, tal como mencionamos mais acima respeito da “escassez”
ou da “abundancia” de dinheiro. Marx discute aqui com uma teoria derivada da teoria quantitativa
ricardiana e afirma inclusive que, contrariamente, a redução da quantidade de ouro somente aumenta a
taxa de juros.
Finalmente citaremos a discussão de Marx respeito da relação entre o cambio e o fluxo de metais
preciosos a uma economia. Enquanto Marx analisa a dinâmica que se gera em um sistema monetário de
base metálica (e não um padrão baseado em um papel moeda como o dólar como é na atualidade),
algumas de suas apreciações podem ser de muita utilidade ao analisar a dinâmica do sistema monetário e
do sistema financeiro atual. É importante a menção que faz da afluência do dinheiro mundial (ouro na
época de Marx) a partir da qual se produzem fortes perturbações na economia quanto mais desenvolvido
esteja o sistema creditício (fala de uma “hipersensibilidade”), devido às flutuações que se produzem na
taxa de juros, pelo que o sistema de conjunto se arrisca à alta possibilidade de que se gerem corridas
(necessidade de transformação súbita dos ativos financeiros em dinheiro líquido). Por isso, para Marx,
enquanto o capital dinheiro é só uma espécie particular e marginal de capital quando se analisa ao sistema
28
capitalista em sua origem, sua dinâmica se converte na mais importante quando se trata de analisar ao
sistema bancário, e constitui uma parte fundamental da análise da reprodução ampliada do capital. Daqui a
conhecida ironia de Marx a respeito do sistema capitalista e seu desenvolvimento através do sistema
creditício, quando diz que o sistema monetarista (de base metálica) seria “essencialmente católico”, e o
sistema creditício “essencialmente protestante”, de modo que assim como o protestantismo não se pode
abandonar de seus fundamentos no catolicismo, tampouco pode o sistema creditício deixar sua base
monetária real.
Após retomar estes eixos fundamentais da crítica marxista a estes aspectos complexos e simultaneamente
“próximos à superfície”, vamos trabalhar a questão da historia recente do capitalismo, em particular dos
alinhamentos que se estabeleceram após a segunda guerra mundial e que hoje se encontram em uma
profunda crise.
O Fim Do Sistema De Bretton Woods E A Inflação
O sistema monetário baseado na convertibilidade ouro-dólar Breton Woods expressou em seus inicios a
situação do capitalismo mundial após a segunda guerra mundial, onde Europa estava devastada e os
EEUU se impunham, como a maior economia do mundo. A maior produtividade de sua economia, assim
como seu imenso tamanho, lhe permitiam produzir com igual, ou melhor, qualidade que seus concorrentes,
em maior quantidade e a menores custos. Esta era à base do dólar estadunidense que se expressou nos
acordos de 1944. A reconstrução do pós-guerra e a exportação de capitais fazia Europa, no marco da
existência da URSS e do surgimento da revolução na China, determinaram a recuperação do imperialismo
europeu, sob a “proteção” norte-americana. Ao fim de uns poucos anos, novamente o capitalismo se viu
envolto em novas crises derivadas da superacumulação. A expressão destas crises teve formas variadas,
começando pela típica crise de balança de pagamentos que começou a sofrer EEUU em seu papel de
emissor do dólar-ouro. Mas também se expressou em crises monetárias, em especial, em uma “espiral
inflacionaria” derivada justamente das contradições do dólar como papel moeda (signo de valor) e
dinheiro mundial convertível com o ouro.
Justamente a burguesia buscou atacar esta expressão inflacionaria da crise do capitalismo, que era o
problema que mais claramente se colocava. Uma causa imediata da espiral inflacionaria em nível mundial
se devia à relação insustentável de convertibilidade ouro-dólar. Basicamente, o aumento da produtividade
devido a desenvolvimento das forças produtivas ocorrido após a segunda guerra mundial, não se condizia
com a relativamente baixa produtividade que se obtinha na produção do ouro. Mas o ouro não ajusta seus
preços à produtividade de seu setor. O ramo da produção de ouro, em um sistema de convertibilidade
em ouro, não se ajusta à formação de preços que sofrem s demais ramos, já que sua demanda é
sustentada pelas mesmas necessidades de meios de circulação que têm o sistema capitalista, sobretudo em
épocas de expansão. Então, o que se gerava era um valor “artificialmente” alto do ouro, e preços cada vez
mais baixos (em ouro) do resto das mercadorias cujos ramos haviam conquistado melhoras substanciais na
produtividade. Disse Mandel a respeito:
“A expressão “preço do ouro”, que obviamente é um absurdo sob padrão ouro, toma um sentido indireto
quando falamos de um sistema baseado em papel moeda, donde se registram flutuações na massa
monetária e variações nos valores das diversas moedas nacionais nos finais das flutuações deste total. Se
não consideramos a tremenda inflação que ocorreu em escala universal durante a última metade do século,
vemos que os preços da maioria das mercadorias em términos de preços em ouro declinaram
consideravelmente” ¿Significa isto que sob um sistema monetário baseado no papel moeda atado ao
padrão ouro, cada expansão da massa monetária automaticamente causa aumentos nos preços? Isso só
seria certo se o total da produção e a produtividade do trabalho se mantivessem estáveis. “Apenas a
produção e a produtividade cresçam, a massa monetária total pode expandir-se consideravelmente sem
um incremento nos preços.”
29
A produtividade dos Estados Unidos abaixou em determinados ramos a respeito de seus concorrentes
Europeus e Japoneses. Isto gerou uma progressiva degradação de sua balança de pagamentos que passou
a ser deficitária. Desde já que o debilitamento de sua hegemonia no económico por parte de EEUU não se
deveu só ao comercio com seus concorrentes. Em realidade poderia dizer-se que o papel de centralizador
mundial da economia que começou a cumprir EEUU após a segunda guerra, expôs a sua economia às
contradições do sistema capitalista em nível mundial. Mas voltando às particularidades do assunto, é
necessário prestar atenção à questão da emissão de papel moeda sob um sistema como de Bretton
Woods. Enquanto não é certeza que a expansão nos meios de circulação conduza a um aumento dos
preços (como reza aquele ditado da teoria quantitativa ricardiana), quando falamos de papel moeda, pode
ocorrer que, se junto com a emissão de bilhetes , não existe uma ampliação da base produtiva e da
produtividade dos principais ramos, é possível que se gere um aumento generalizado dos preços. Isto
significaria tanto, que mais além das aparências de uma “inflação gerada pela simples emissão”, em
realidade a inflação se deva ao estancamento económico, e que a emissão adicional só amplifique o efeito
inflacionário inicial. É importante agregar aqui que este fenómeno ocorre principalmente nos países
imperialistas, já que as causas da inflação nas economias semicoloniais é muito mais complexa e em grande
parte é um fato derivado de seu caráter dependente (por exemplo, o caso da “inflação importada”).
É possível que a relação entre um estancamento da produtividade dos EEUU, relativa aos concorrentes
internacionais (Alemanha e Japão) em determinados ramos da economia, e a consequente queda em uma
balança de pagamentos deficitária, junto com a possibilidade de “senhorio” dos EEUU, de poder emitir
dinheiro papel moeda como se fossem meios de pagamentos internacionais, tenham configurado o núcleo
da espiral inflacionaria que começou a sofrer a economia mundial, e que se acentuou em fins dos anos´608.
Resta dizer como é que esta inflação se converteu em “patrimônio” do conjunto da economia. A
convertibilidade ouro-dólar, já seja em um sistema puramente “metálico”, como o que imperou até 1914,
ou em um sistema como de Bretton Woods (em que as reservas se compunham de una combinação de
ouro, dólares, libras esterlinas, e inclusive créditos internacionais), tem a particularidade de requerer o
ajuste do dinheiro circulante à quantidade de reservas, estabelecida por uma porcentagem disponível pelo
banco central (por ex. 25% do circulante está respaldado por reservas). El problema ocorre aqui quando
por um eventual déficit na balança de pagamentos no país emissor da moeda de reserva (como ocorreu a
fins dos anos´60) permite a este país saldar suas dívidas simplesmente com emissão de papéis, ou seja,
convertendo o papel moeda, desvalorizado pela simples impressão de papéis, como meio de pagamento
internacional. Desta maneira, estes dólares que entraram no mercado mundial ampliaram a existência de
dólares, não só como meio de circulação, mas também como reservas (o que é igual, como meio de
pagamento e como dinheiro mundial). Se produziu assim uma generalização até o conjunto dos países do
aumento da inflação que se gerou no país emissor do dólar.
Crise De Super-acumulación E Políticas Monetaristas
É importante recordar o fato de que a mesmas contradições internas da lógica do capital (as barreiras que
o mesmo capital levanta ante si, como dizia Marx)9 são a forças que em determinado momento no
permitem a continuidade da expansão da base económica. De fato estas barreiras se expressaram
repetidas vezes na historia capitalista através das crises dos sistemas monetários10. Podemos verificar isto
na existência da imensa acumulação de capitais e a consequente baixa tendencial da taxa de lucro. A
impossibilidade de superar esta barreira imanente comprometeu o capitalismo a tentar superar seus
8
E dizemos isto numa dimensão desde a qual se pode explicar desde a queda dos imperialismos coloniales europeios (França e
Inglaterra), até a destruição dos imperialismos alemão e japonês, asim como a “ paradoxica” reconstruição destos como países imperialistas
por parte dos EEUU em contra da URSS. Seu rol como potencia imperialista principal, como hegemón, expôs sua economía relativamente
sana respeito das europeias, à descomposição histórica do capitalismo.
9
10
30
problemas superdimensionando-os. Mandel afirmava em esse sentido que a economia de ocidente se
encaminhou à prosperidade em um oceano de dívidas, de créditos e de inflação de papel moeda. Isto é
algo que se fez muito mais palpável nas últimas décadas. Por outra parte, devemos recordar que uma das
razões profundas da crise do capitalismo é crise de superacumulação, cujas variadas expressões
configuram a fisionomia do imperialismo da segunda metade do século XX.
Respeito deste último foi através das políticas monetaristas estabelecidas na segunda parte do século XX
que se tentou recuperar a taxa de ganancia a costa de alterar a taxa de acumulação efetiva do capital. E é
que sob a pressão da super-acumulación, as possibilidades intrínsecas do sistema capitalista não permitiam
já aos mercados e os lucros crescerem o suficiente como para assegurar a utilização da capacidade
instalada (do capital acumulado que está imobilizado como capital fixo) que por sua vez determinara una
taxa de desemprego que não degenerou em uma crise social e política desestabilizadora dos regímenes
burgueses.
É por isto que os capitalistas, através de seus principais ideólogos, como Keynes, compreenderam no
século XX que no podiam deixa livremente às suas próprias determinações a dinâmica do sistema
capitalista. O estancamento no crescimento e na taxa de lucro não permite ao capitalismo reduzir o alto
desemprego ou inclusive realizar uma utilização plena da capacidade instalada. A intervenção estatal
através de políticas monetaristas que tendiam a gerar inflação e endividamento (próprias do
keynesianismo) foi uma solução pragmática e temporária entre a realidade da crise permanente do sistema
capitalista em sua declinação e os interesses da burguesia como classe. As políticas neokeynesianas
aplicadas no pós-guerra tiveram a intenção
De garantir um crescimento na base da expansão do crédito e o endividamento que, enquanto teve
vigência o padrão-cambio ouro, repercutiam diretamente na inflação dos preços em dólares.
Depois, e com a crise gerada pela “solução keynesiana”, a burguesia continuaria o intervencionismo
monetarista seguindo a teorias “neo-ortodoxas” de Friedman y Hayek (o que vulgarmente se conhece
como “neoliberalismo”), que postulavam una enganosa “volta ao libre mercado”, e que puseram como
objetivo acabar com a inflação, ainda que em realidade só eram a continuação do endividamento
keynesiano por outros meios.
Por que as Politicas Neokeynesianas Implicaram Crescimento Através Da Inflação Por
Endividamento
Após o estalar da crise de 1929-32 o capitalismo mostrou claramente sua incapacidade para prever a
crise da maneira que o havia feito em seu período de ascenso (por exemplo, como ocorreu na crise dos
anos 1870). A partir de 1914 em diante a crise do capitalismo se havia feito insuperável sem a destruição
de imensas somas de capital acumulado (tanto fixo como circulante). As políticas econômicas dos anos
`20, havia feito que o crescimento próprio da reconstrução do pós-guerra e do ascenso dos EEUU foi a
base para que as contradições do capitalismo explodissem novamente a partir da bolha especulativa
gerada no ascendente EEUU, mas que rapidamente se propagaria por todo o mundo a través de um
sistema monetário sumido na crise a partir da primeira guerra mundial.
Neste contexto de crise generalizada, que era a continuação sob formas das crises estruturais que o
capitalismo sofria já desde princípios do século XX, surgem a teorias burguesas baseadas na intervenção
estatal através de mecanismos monetários, como a teoria keynesiana.
O postulado keynesiano do multiplicador da demanda agregada é como se sabe um conceito destinado a
colocar o suposto papel motor da economia que teria o gasto estatal, ou melhor, a partir do endividamento
estatal. A partir de esta teoria aplicada desde princípios dos anos ’30, a política da burguesia se centrou
na intervenção estatal da economia, não só através da regulamentação, mas sobretudo através do
endividamento.
De fato, desde a política norte-americana do new deal (Novo Acordo), até o corporativismo fascista,
31
passando pelo estatismo francês e inglês dos anos ´30, o conjunto da burguesia fez entrar a economia
mundial em una espiral de endividamento a través do gasto estatal, na mesma medida em que aumentava o
protecionismo e acentuava a fratura de um mercado mundial que ainda não se havia podido recompor
depois da comoção da I Grande Guerra. Igualmente é importante assinalar o fato de que as tendências a
resolver o crescimento da economia a partir de capital fictício não começam só com o estatismo, mas que
vinham desenvolvendo-se sob a bolha especulativa da segunda parte da década de `20, donde ocorreu
um “boom creditício”.
O endividamento estatal dos ano30 tomou muito desta dinâmica, mas em uma escala muito maior e
destinada conscientemente ao esforço militarista que constituía um elemento de vital importância para o
imperialismo naqueles anos. Desta maneira os governos burgueses adotaram técnicas inflacionistas
keynesianas para a superação da crise. Como forma monetarista de controlar superprodução, estimulando
a demanda mediante o gasto público (em infraestrutura e equipamento militar), e controlando o
desemprego, da mesma forma e também com o subsidio direto (seguro de desemprego).
É importante fazer notar que o endividamento estatal não significava gasto no sentido corrente da palavra,
mas que se converteu em uma maneira de sustentar as grandes empresas e trustes que organizavam o
trabalho na preparação para a iminente segunda guerra mundial. Em todos os países imperialistas se deu o
caso das corporações automotoras, siderúrgicas, químicas, petroleiras, mineiras, e demais que cresceram
de forma espetacular de mãos dadas com o “gasto estatal” dos benefícios do “lobby” do Estado. A
concorrência capitalista estaria a partir daí muito mais mediada pela intervenção do Estado imperialista.
E é que justamente, o aumento sem precedentes do endividamento estatal propiciado pelas políticas
keynesianas foi o determinante de uma tendência permanente à inflação monetária11 que chegou a um
extremo nos anos ´60. O imenso desenvolvimento desta inflação e sua relação com o endividamento podia
ver-se na expansão artificial do crédito respaldado na emissão de títulos de dívida soberanos que
possuíam os bancos como garantia desses empréstimos. A inflação da segunda parte do século XX já não
aparece só como um aumento do circulante em papel moeda, mas que aparece sob forma de incentivos na
existência de capital fictício baseado na negociação dos títulos de dívida pública. Desta maneira começa a
generalizar-se o uso dos títulos de dívida como capital fictício, ou inclusive como capital dinheiro fictício,
configurando algo que depois seria o mais comum, o uso dos bônus de dívida como dinheiro, em suas
funções de meio de pagamento e de reserva.
Como disse Mandel:
“Ao contrário, diversas características da fase de decadência do capitalismo reforçam a tendência
inflacionista fundamental de nossa época. Falemos sobretudo das práticas de amortização acelerada, o
autofinanciamento e, em geral, a excessiva liquidez dos grandes monopólios. Esta liquidez tem como
consequência a alta dos preços, incrementando assim o volume da circulação monetária sem que este
dinheiro encontre uma contrapartida no mercado, já que a duração do ciclo de renovação real do capital
fixo não se reduziu nas mesmas proporções que a do ciclo de amortização financeira e contábil. Se estão
depositados no banco, estes efetivos reingressam no circuito monetário, estimulando assim a inflação do
11
Sobre o papel de inflação em relação ao nível dos salarios: “A inflação permanente, inclusive quando é mais ou menos
”moderada” ou ”congelada”, como acontece atualmente com os Estados Unidos (e como aconteceu com a Alemanha nazi), implica
sempre uma redistribuição da renda nacional.
Suas primeiras víctimas são os titulares de ingresos estáveis, mesmo como todas as capas de asalariados que não dispõem
dos meios e da força sindical necessarios para defender seus ingresos reais.
No entanto, quando a economía continúa em expansão geral, ista redistribuição não implica necessariamente uma
agravação absoluta do nível de vida dos trabalhadores (lo que no ocurrió, por ejemplo, en Estados Unidos, entre 1945 y 1958). Pero
implica que la parte correspondiente a los asalariados no produto social crescente é menor do que lhes houvese correspondido com
uma moeda estável. A inflação é neste caso um meio de neutralização relativa da força sindical, e não, como afirmam
imprudentemente os meios conservadores, o “resultado da pressão sindical”. E. Mandel: “TRATADO DE ECONOMÍA MARXISTA
–Tendência permanente à inflação monetaria”.
32
crédito. Ou são usados para a compra de papel do Estado a prazo curto ou mediano, que “financiam” os
déficits ou gastos orçamentários improdutivos, e criam assim a inflação pura y simple.12”
Depois da grande destruição das forças produtivas e de capitais que gerou a guerra, o capitalismo
encarou rapidamente uma expansão inusitada, que superou a reconstrução das potencias devastadas (ao
contrário de URSS e depois China), através da aplicação de muitas inovações tecnológicas e organizativas
na produção que, ou não haviam podido aplicar-se antes da guerra, ou que haviam sido desenvolvidas
durante a mesma.
Operou-se assim uma grande renovação do capital fixo e a reconstrução ampliação de toda a
infraestrutura danificada ou destruída na guerra.
No entanto, cabe perguntarmos aqui acerca da natureza desta recuperação capitalista, que tão somente
25 anos depois mostraria fortes sinais de esgotamento. ¿Foram os mecanismos da acumulação capitalista
do segundo pós-guerra similares a do capitalismo em plena expansão do século XIX? ¿Ou este
crescimento teve em sua dinâmica muito do “aprendido” nos anos do crescimento mediante o
endividamento que deformou completamente as economias da pré-guerra?
Em primeiro lugar retomaremos a caracterização de que a crise de super-acumulación, estrutural e
histórica do capitalismo engloba todas as manifestações parciais que se sucederam desde 1914 em diante.
De fato pode assinalar-se que o mesmo “boom de pós-guerra” configurou uma continuidade com os
mecanismos de endividamento implementados a partir dos anos ´30.
No entanto, esta continuidade teve suas modificações no fato de que a maior porção do endividamento
foi tomado pelas empresas privadas, as quais foram o motor da reconstrução em Europa da expansão da
economia de EEUU. Neste sentido foi a inflação do crédito o principal meio pelo qual se garantiu o
estímulo para o chamado “boom de pós-guerra”. Isto basicamente por duas razões: porque permitia
ampliar os mercados de consumo além da capacidade de pagamento dos assalariados e rentistas, e
sobretudo, porque permitiu às empresas expandir-se e crescer em seus investimentos a partir de imensos
créditos que colocar-se a estas empresas ante a possibilidade de fazer-se de quantidades de mais-valia
muito maiores às que lhes tinham correspondido de acordo com a grandeza de seu verdadeiro capital
acumulado. Desta maneira, o desenvolvimento da economia do pós-guerra foi real, e expressou um
crescimento da capacidade das forças produtivas, que redundou depois em um crescimento do mercado
mundial que permitiu por sua vez um maior desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo nas
semicolônias.
É possível dizer então que o capitalismo continuou desenvolvendo-se de forma anárquica através do
endividamento, o qual equivale a aquilo que afirmava Marx a respeito do funcionamento do crédito na
economia capitalista que aperta ao máximo a natural elasticidade do processo de reprodução, já que
permite os capitalistas dispõe de capitais estrangeiros e manejar-se de maneiras muito mais arriscadas. A
outra face de este crescimento foi em todo momento a permanente e crescente tendência inflacionaria,
expressão direta do endividamento estatal e privado da economia mundial.
Retomando então o fio da questão sobre os fatos que culminaram com o fim do padrão cambio
ouro-dólar de 1971, devemos analisar, a partir dos apontamentos que fizemos dos mecanismos de que se
valeu o capitalismo para desenvolver-se sem superar a barreiras insuperáveis da superacumulação, que
determinou o aguçamento da tendência decrescente da taxa de lucro, e finalmente uma nova queda em
direção à crise na ordem imperialista. Neste sentido se podem mencionar algumas contradições que
desenvolvidas dentro do chamado “boom” ocorrido entre 1945 y 1968, foram determinantes para seu
estancamento. Retomaremos aqui a Mandel, quem aponta varias tendências que conduziram à crise em
fins dos anos ´60. Em primeiro lugar apontava o aumento da composição orgânica do capital que
inevitavelmente ocorreria após a reconstrução da Europa y Japão, mas também relacionada com o
12
Ibídem.
33
encarecimento dos preços das matérias primas, em especial das necessárias para produzir energia, devido
a que desenvolvimento destes setores não era compatível com o grande desenvolvimento ocorrido nos
setores manufatureiros destinados ao consumo. Por outro lado também aponta o fato da generalização das
vantagens tecnológicas que proporcionavam lucros extras a determinadas empresas, o que por sua vez,
determinou um aumento do capital necessário para fazer inovações no que respeita à rotação dos capitais,
cuja aceleração melhora a taxa de lucro, também observou um freio na aplicação de estas melhorias
devidos em parte aos impedimentos que significam para o capital a existência de fronteiras nacionais.
Também aponta o aumento da tendência à crise de superprodução devido à saturação da capacidade de
consumo, que tardava em assimilar-se ao aumento na produtividade. O principal efeito negativo desta
tendência se expressava para Mandel em uma significativa baixa tendencial na ocupação da capacidade
instalada, principalmente nos EEUU. Por último, afirma que o fato reconhecido pelos próprios burgueses
de que a inflação se convertia cada vez más em um freio para o crescimento, já que não permitia a
execução de planos de investimento em grande escala. Em palavras de Mandel:
“a taxa negativa de juros “real”, a tendência a fazer mais duvidosos (e por ele mais difíceis) os projetos
de investimentos a longo prazo do ponto de vista dos cálculos das expectativas de lucros.13”.
Ao repassar estas contradições pode se ver como estão inter-relacionadas, e como ao ser uma expressão
das outras, fica claro porque não se pode domá-las por separado, com risco de cair na unilateralidade. A
forma em que as políticas imperialistas tentaram postergar o efeito crítico das mesmas pode servir para
explicar como prosseguiu com outros instrumentos o desenvolvimento do endividamento, que mais além
de formas particulares, continuou na mesma linha de postergar e aumentar as contradições inerentes e
intransponíveis do capitalismo.
O Sistema Monetário Depois De Bretton Woods
Definitivamente, o quadro que mostrava o capitalismo em fins dos anos´60 do século passado era o de
um sistema que sofria de crescentes dificuldades para sua expansão, e que se havia tornado dependente
da inflação e do endividamento (em especial para poder resolver os investimentos necessários).
A pressão inflacionaria criada pela insustentabilidade de Bretton Woods (envio de ouro a bancos centrais
por cada dólar emitido por EEUU) por parte de um EEUU que necessitava financiar seus déficits emitindo
moeda, foi resolvido de alguma maneira pelos EEUU com a desvalorização de 1971. Isto se pode ver na
ilustrativa frase de J. Connally, ministro de finanças de Nixon: “O dólar é nossa moeda mas é de vocês o
problema”. Isto era justamente o que apontou o economista norte-americano R. Triffin, e que se conheceu
depois como o “paradoxo Triffin”. Ante o grave problema inflacionário, a política da burguesia americana,
através do governo de Nixon, foi a de abolir a convertibilidade fixa do dólar com o ouro (estabelecida por
Bretton Woods) e permitir a “libre flutuação do dólar” com relação ao ouro. Isto teve um impacto direto,
tal como se esperava.
Aquele crescimento artificial que se dava apelando à inflação, testemunhava a maior emissão de
dólares-moeda mundial por parte de EEUU, continuou fundamentando-se no endividamento, mas
modificou parte de seu mecanismo a través da utilização massiva do “dinheiro de crédito”, ou seja, da
utilização de bônus soberanos (t-bonds) à maneira de dinheiro em dólares”. Foi esta expansão do dinheiro
de crédito o que freou a inflação em nível mundial (e que significou um giro monetarista ortodoxo) e
permitiu a continuidade do dólar como meio de pagamento e dinheiro mundial, já liberado do padrão
cambio com o ouro. Como no podia ser de outra maneira, estas mudanças não anularam, mas
aprofundaram aquela contradição do dólar como meio de circulação (os sectores que dependiam do
mercado de EEUU) e do dólar como meio de pagamento e dinheiro mundial (os que possuem dólares
como reservas).
Daí em mais as contradições do capitalismo imperialista expressadas em suas crises monetárias se
13
Ibídem
34
expressariam fundamentalmente através do desenvolvimento do dinheiro de crédito. No entanto, isto no
mudou da noite para o dia, sendo justamente os anos ´70 uma década em que a que a inflação continuou
se desenvolvendo. Mas significou uma mudança completa nas políticas econômicas que começariam a
estabelecer um “giro monetarista” na versão da Escola de Chicago de Milton Friedman em combinação
com as políticas mais estratégicas do monetarismo de linha keynesiana.
Em todo caso, o capitalismo se enfrentou de repente em princípios dos anos ´70 com a ressaca do
crescimento do “boom” de pós-guerra. A inflação, que os monetaristas apontaram como a causa e a por
sua vez o efeito de todas as crises, era em realidade a expressão superficial das contradições acumuladas
pelo capital, tanto dos problemas históricos não solucionados pelas duas guerras mundiais, como também
dos problemas gerados no pós-guerra. A instabilidade monetária era o sinal da crise, mas por sua vez foi
utilizada, a partir das políticas neokeynesianas dos anos ´50 y ´60, como o motor do crescimento. A
expressão da inflação denota seu caráter de simples manifestação quando se analisa junto com os demais
problemas típicos da crise capitalista como os problemas nas balanças de pagamentos, o aumento dos
custos para a ampliação da indústria, e o crescimento descontrolado dos índices de preços ao
consumidor. Ante tudo isto, a resposta burguesa se deu através de políticas monetaristas que tentaram
reduzir a quantidade de dinheiro circulante e de levantar as taxas de juros (partindo das noções mais
básicas de sua teoria quantitativa do dinheiro).
A espiral inflacionaria gerada nas primeiras décadas do pós-guerra se transformou finalmente em uma
explosão do crédito, e em especial do dinheiro creditício. Após a anulação do padrão cambio-ouro que
estabelecia Bretton Woods com o dólar norte-americano, as políticas monetaristas mais “ortodoxas” que
vinham dos ideólogos da Escola de Chicago, tentaram controlar a inflação na superfície do sistema
mediante políticas deflacionistas. No entanto, e como testemunha o “ato fundacional” da liberação do
padrão- cambio ouro que fundamentou a imposição das políticas monetaristas logo conhecidas como
“neoliberais”, o que realmente ocorreu foi que a espiral inflacionaria continuou se desenvolvendo através
da expansão do crédito e do endividamento estatal (primeiro nos estados semicoloniais, logo inclusive nos
estados imperialistas) e privado (tanto nas grandes corporações como nos consumidores individuais). O
fundamental é que as diferentes políticas burguesas denotam essa relação necessária entre, por um lado, os
limites internos da acumulação capitalista; e por outro, o crescimento da “grande quantidade de capital” e
o excesso de capacidade instalada. Por sua parte, o desemprego crescente e estrutural também está
relacionado com estes limites inerentes do capitalismo.
Desenvolvimento Da Especulação Financeira E O Desenvolvimento Dos Mercados De
derivados
O crescimento expansivo da “oferta de dinheiro” que propiciou o abandono do padrão câmbio ouro
mostrou desde o principio uma defasagem a respeito da capacidade de acumulação do capitalismo de
conjunto. Isto é, o aumento de grande quantidade de capital no se condizia com um aumento à
acumulação do capital. Este “dinheiro excedente” teve que reverter-se então em alguma forma que o
valorizasse ainda que fosse através de juros. É assim como a especulação financeira teve um forte impulso
com o novo esquema monetário. O crescimento do capital fictício através do endividamento e a criação de
títulos negociáveis com os mesmos foi o correlato da baixa que se expressava na taxa de lucros (a
princípios dos anos´70) e o aparecimento de uma grande quantidade de capitais que ou bem provinham da
retirada da atividade produtiva ou bem provinham das possibilidades que abria a partir de 1973 o dólar
flutuante e a especulação com valores sustentados em matérias primas (em especial o petróleo). Além
disso, nesses anos existia uma grande acumulação de dívidas em nível mundial. Esta acumulação logo
cresceu mais ainda com o aparecimento dos “petrodólares”, que eram grandes depósitos de valor,
propriedade dos países produtores de petróleo que foram usados pelos grandes bancos internacionais
para concessão de empréstimos volumosos aos Estados semicoloniais da Ásia e América Latina.
35
Assim como no período de vigência do padrão-cambio ouro, o Estado carregou una importância
fundamental no desenvolvimento das tendências inflacionarias após o “default-inadimplência” encoberto de
1971. A intervenção estatal continuou tendo uma importância similar continuando com a linha de
endividamento estatal. Procedeu-se a desenvolver a monetarização das dívidas soberanas, o qual colocou
à disponibilidade dos especuladores financeiros imensas somas de valor fictício que seriam a base para a
próxima etapa no desenvolvimento do capitalismo imperialista.
Como temos afirmado mais acima, o Estado é uma fonte primordial do dinheiro de crédito. A base destes
créditos está na mais-valia que o Estado pode embolsar no futuro mediante os impostos. Com certeza,
estes “valores” sustentados nas dívidas do Estado configuram o capital fictício por antonomásia (figura de
linguagem que significa a substituição de um nome por outro), já que se referem aos impostos que se
podem cobrar, os quais não guardam nenhuma relação com o uso que se deu aos capitais que o Estado
recebeu título de empréstimo. O mecanismo pelo qual se desenvolve este endividamento em uma nova
plétora (grande quantidade) de capitais que passam à disponibilidade dos especuladores o seguinte:
Especialmente nos países imperialistas ocorre que os bancos centrais transferem estes bônus de dívida aos
bancos comerciais sob a forma de letras comerciais que se intercambiam por títulos.
Como contraparte, o banco central também pode controlar esta “massa de valor” fictícia através da venda
de títulos em seu poder contra os bônus que inicialmente transferiu. Sob este mecanismo a dívida pública
se transforma em circulante aparentemente tão válida como o dinheiro real. Com certeza, que esta suposta
igualdade repousa abstração o ocultamento do fato de que todo crédito é essencialmente diferente do
dinheiro, em que representa em realidade um faltante, o qual se expressa no momento do pagamento da
obrigação que encarna.
A possibilidade destes desenvolvimentos fictícios de valor vêm dada pelo importante papel do crédito na
economia capitalista. Enquanto a acumulação de dinheiro que gera os capitais produtivos é a fonte decisiva
para o capital para empréstimo, também é certo que sem um sistema creditício a reprodução ampliada do
capital dependeria completamente da escala da própria acumulação do capital em questão. Através da
concentração de fundos acumulados se abre para os capitalistas a possibilidade de dispor do capital
acumulado pela sociedade. A partir desta situação, o capital dinheiro aparece também como uma
mercadoria, cujo valor de uso é fornecido a preço com juros. Após a transformação do capital em
mercadoria que rende juros, chega a vez da transformação do crédito e o investimento em mercadorias,
convertidas em ativos financeiros. A isto as teorias burguesas chamam “capitalização”.
Nesta expansão dos valores do circulante monetário via endividamento creditício se encontra a
possibilidade do capitalismo desenvolvido de aumentar a massa monetária a partir dos ativos financeiros.
Esta tendência expressa à necessidade do capital de ampliar a base de sua reprodução, neste caso, com a
possibilidade de estender-se mais além de seu carácter de mercadoria como expressão universal do valor
do resto das mercadorias. As possibilidades de desenvolvimento destes valores fictícios se encontram
justamente no fato de que, enquanto tem sua base real num direito de apropriação de parte da mais-valia
produzida, sua mesma lógica de valorização imanente (o efeito aparente do “dinheiro que produz
dinheiro”) faz que a determinação de sua cotização tenha um carácter aparentemente Independiente de
movimento dos valores, e que é determinado pela taxa de juros. Temos visto como a determinação
irracional do capital a partir de seu valor de uso, que determina o juro, pode às vezes contradizer
momentaneamente seu fundamento na lei do valor-trabalho (na confusão entre taxa de juros e preço do
dinheiro, própria da economia burguesa). Mas justamente, o central é este aspecto momentâneo do
mesmo, este tempo em que estes valores fictícios aparecem, se desenvolvem e desaparecem é por sua vez
a confirmação do limite fundamental para a lógica irracional de valorização do capital levada até sua última
expressão (D-D).
Mais acima desenvolvemos sinteticamente como durante a etapa decadente do capitalismo, ele continuou
a se desenvolver em um contraditório e instável a partir do endividamento, que teve sua expressão mais
palpável na inflação monetária estrutural, gerada principalmente pela intervenção distorcida do Estado na
36
economia. O que nos interessa chegado este ponto é mostrar os mecanismos que se sobressaíram após o
fim do padrão-cambio ouro em 1971.
Atualmente o desenvolvimento dos mercados de derivados impôs novas formas de desenvolvimento do
capital dinheiro que têm sido a base do crescimento da economia, particularmente nos últimos 40 anos.
Isto determinou um crescimento baseado no alavancamento especulativo, que criou imensas somas de
valores fictícios a partir de capitais relativamente pequenos.
Esta tendência que sempre acompanhou o capital, se desenvolveu muito mais sob sua fase imperialista.
Mas em especial, as últimas décadas do século XX, depois da liberação do dólar de sua paridade com o
ouro, foram momentos quando o desenvolvimento da especulação e dos capitais fictícios cresceu
enormemente.
Enquanto após a crise dos anos ´30 os capitalistas tentaram regular o desenvolvimento destas tendências
especulativas mais extremas, da qual os acordos de Bretton Woods foram uma pedra fundacional, foi a
impossibilidade de sustentar estas rigidez (a inflação galopante gerada pela paridade ouro-dólar) o que
levou novamente a “desregular” e a abrir o passo à especulação sob novas asas que lhe dava o fato de
que a moeda mundial era um papel moeda como qualquer outro, com una relação flutuante com o dinheiro
metálico. Enquanto isto dava a EEUU novas possibilidades para o desenvolvimento da especulação e a
possibilidade (ao menos no curto prazo) de super-endividar-se quase sem limites, ao controlar a emissão
do dinheiro mundial, os demais países imperialistas sob a hegemonia americana puderam superar as
pressões inflacionarias imediatas.
Como se citou anteriormente, o fundamental para o imperialismo após Bretton Woods era acabar com a
inflação. Isto teve seu reflexo ideológico no enaltecer das teorias monetaristas de Friedman, Hayek e
demais ideólogos da economia burguesa. O paradoxo, se quiser, é que esta resposta anti-inflacionária se
fazia fundamentalmente contra os postulados de outra teoria de cunho monetarista como a keynesiana, que
havia sido aplicada na arquitetura do sistema monetário mundial do pós-guerra, em especial concernente à
ideia de paridade fixa entre una moeda forte e o ouro.
No entanto não se passou muito tempo para que algumas das manifestações destrutivas destas
orientações “monetaristas” se expressassem (crises de dívida soberana nos anos `81-`82, crise
especulativa de 1987, etc.) pelo que se fez necessário novamente estabelecer “regulações” à atividade
bancaria comercial. Produto destas discussões surgiram os Acordos de Basileia-Suíça (1988), os quais
exigiam limites máximos para o alavancamento, e limites mínimos para os capitais de base com que podiam
operar os bancos.
A crise empurrou a “modificar” dos acordos de Basileia os quais, em sua segunda versão, tentam
contemplar os “novos instrumentos” especulativos, mas dando aos bancos um prazo de dez anos para
mudar modo de ação.
A Expansão Do Dinheiro De Crédito
A partir do desenvolvimento do sistema financeiro, e em especial do processo de “capitalização” das
dívidas, se gera a possibilidade de fazer com que todo tipo de ativo financeiro pudesse circular como
dinheiro. Desta forma, a determinação da taxa de juros começou ter um papel fundamental nas políticas
monetaristas que encararam os governos capitalistas. É um fato que no capitalismo desenvolvido o
dinheiro de crédito se converte na forma dominante de dinheiro, sem por isso ficarem anuladas as bases
reais do dinheiro como “mercadoria universal”. Desde já que isto no é nada novo; ocorre desde a época
de Marx com a especulação em volta das letras comerciais. No entanto a grandiosidade com que isto
ocorre na atualidade é inédita. Contudo, estes ativos financeiros que circulam como dinheiro (dinheiro
creditício) determinam seu preço em referencia à taxa de juros vigente. Desta maneira se chega ao
absurdo de que este “dinheiro” determina seu valor através da taxa de juros. O preço deste circulante
subirá ou abaixará de acordo a taxa de juros em uma relação inversamente proporcional, isto é, se a taxa
37
de juros cai, o valor dos bônus aumenta, e vice-versa. Isto porque as altas ou baixas de seu valor
dependem da magnitude do desconto que se faz ao vender o bônus antes de sua fecha de expiração. Se a
taxa de juros é alta, o “rendimento” para quem venda esse bônus antes de seu fechamento de expiração
será menor, porque será maior o desconto, e vice-versa.
Este funcionamento indireto, abstraído da lei do valor, é como todo juro, uma dedução do mais-valor
produzido efetivamente, pelo que finalmente o “valor” deste dinheiro creditício é só indiretamente similar
ao valor que tem o dinheiro real. O que és importante assinalar neste ponto é que este mecanismo
determina grande parte do valor que circula e se acumula segundo a contabilidade capitalista14. É
importante também apontar o papel fundamental do sistema bancário na criação destes valores fictícios já
que deles, e de seus próprios objetivos para fazer lucros, surgem as flutuações da taxa de juros, que
encontra aqui sua importância dentro dos mercados da atualidade. De fato, eis a suposta eficácia das
medidas monetaristas que encaram os governos burgueses ao subir ou baixar as taxas de juros para
controlar a “emissão monetária”, quando tentam controlar a inflação ou superar a deflação. É assim como
nos anos de boom económico (o50 e60) existia um aumento na quantidade de dinheiro, enquanto que nos
anos de recessão (o70 e80) existia uma contração do mesmo.
No entanto nos ano90, após a liberalização dos mercados financeiros que permitiu um explosivo
desenvolvimento do mercado de derivados, da maior abertura para entrada imperialista nas semicolônias e
nos países do e bloco socialista, foi que se desenvolveu um forte fluxo de investimentos imperialistas
baseadas em ativos financeiros (derivados, bônus, etc.). Nos EEUU, depois da saída da crise dos
primeiros anos da década de `90, se assistiu a um aumento do circulante. Entre 1980 e 1997, a
composição da massa de dinheiro variou substancialmente. Se considerarmos dividida em M1, M2, M315
e comparamos cada uma com o PBI, pode se ver que desde a última década do século XX a atualidade
M1 permaneceu constante, enquanto que M2 cresceu em um 100% M3 em um 145%. Não só isto, a
quantidade dos ativos M3 era em 2008 quase um 700% mais alta que a quantidade de ativos “líquidos”
M1.
Desta maneira, a expansão do “dinheiro creditício” continuou sendo una mera expansão de dívidas, mas a
um ritmo muito acelerado, o qual fez desta “abundancia de dinheiro” (e seu correlato de baixas taxas de
juros de referência que retroalimentavam o processo) um elemento fundamental das bolhas especulativas
que estalaram em diferentes oportunidades a partir da crise do “efeito tequila” em 1995, a crise dos “tigres
asiáticos” em 1997, a crise russa de 1998, e a crise das “pontocom” (Setor de informática) em 2001.
Estas seguidas crises que culminaram no estalido de 2008 expressam a natureza volátil desta acumulação
de valores fictícios. Isto ocorre por que estes ativos não possuem verdadeiro valor, senão que não é
através do fato de que são derivados dos juros constituem meros títulos de propriedade sobre mais-valia
ainda não existente (ou já gasta, como no caso dos bônus de dívida soberana). Isto o testemunha o fato de
que em momentos de tensão nos mercados de dinheiro estes valores caem quando sobe a taxa de juros ou
quando são postos à venda simultaneamente de forma massiva para ser convertidos em dinheiro líquido. A
pergunta que surge é ¿por que a destruição destes valores fictícios mediante a constatação de seu caráter
especulativo tem efeitos tão fortes sobre a economia? De fato, quando são destruídos estes capitais,
também são destruídos capitais reais que se valorizavam através da circulação destes valores fictícios. A
resposta a isto está novamente na importância do crédito na reprodução capitalista. A expansão destes
valores creditícios cumpre a função de levar a um extremo a elasticidade natural do processo de
reprodução. Desta maneira, sua presencia é constante e sua influencia se estende aos últimos rincões da
14
O fluxo de operações dos mercados de derivados teve um desenvolvimento explosivo durante as últimas duas décadas. Passaram
de ser 50 billões de dólares em 1995 á representar um valor de 500 billões de dólares em 2007. Esta cifra significa casi cinco veces o PBI
mundial dese ano.
15
Existem “ diversos grados de liquidez” dos depósitos. A forma mais líquida de todas é a que existe como dinhero contante e
sonante, como dólares, euros ou ouro. Estes são denominados ativos “ M1”. Logo, os depósitos á prazo fixo são denominados “ M2”.
Finalmente, os menos “ líquidos” de todos, são os bonos de dívida, as ações e todo tipo de derivados financeiros, os quais são denominados
“ M3”.
38
produção e da circulação capitalistas.
A Crise E A Contradição Do Dólar Como Meio De Circulação e Como Moeda Mundial
Como temos mencionado antes, o endividamento sob diversas formas foi uma tendência dominante no
desenvolvimento do capitalismo imperialista no segundo pós-guerra. Também mencionamos o fato
particular de que a partir da liberação do dólar referente a sua base metálica em 1971, o dinheiro
creditício teve uma expansão inédita na historia do capitalismo. Este auge explosivo do endividamento com
forma monetária teve desde então seu epicentro na economia dos EEUU, fazendo do dólar a moeda
mundial por sua vez o receptáculo do imenso processo de endividamento que crescia em nível mundial. Os
EEUU aumentaram sua dívida de forma violenta, chegando a perder sua condição de credor líquido em
1985. Sob todo este movimento existia o postulado de que a dívida pública dos EEUU (que já não se
convertia em “inflação”) podia aumentar-se sem limites. Para os capitalistas, isto se sustentava na forte
demanda que sempre tinham os títulos do tesouro (T-bonds) pelos investidores internacionais, pelo que as
taxas de juros sempre permaneciam baixas (ou eram baixadas por imposição do FED).
A isto se somam os benefícios arbitrários que EEUU pode exercer ao controlar a moeda de reserva
mundial. Mas além de algumas vantagens que obtém no processo técnico de circulação de mercadorias e
capitais, o principal benefício de EEUU é a possibilidade de liquidar suas dívidas subitamente através da
desvalorização. Claro que este tipo de manobras não acaba realmente com as dívidas contraídas, senão
que as faz “patrimônio” do conjunto da economia, ou seja, altera sua expressão como déficit em uma
diminuição geral do valor dos capitais em todo o mundo (com consequências nefastas para a economia), e
remove do centro da tempestade, ao menos por um tempo, os EEUU, fortemente expostos aos violentos
vaivéns do capitalismo em crise.
Este caos continha uma contradição intransponível para o sistema monetário baseado no dólar: o déficit
fiscal associado com o endividamento geral da economia começou a alterar a relação entre o dólar como
equivalente nacional e sua função como dinheiro mundial. Ao ser o dólar a moeda de reserva internacional
16
, a tendência geral que se desenvolveu durante mais de vinte anos, tinha que explodir em algum momento
fazendo imediato o perigo de uma desvalorização generalizada de ativos baseados no dinheiro de crédito
norte-americano.
No entanto dado importante é que um volume crescente das reservas deixou de acumular-se inclusive em
dólares, e com o auge da especulação, começou a acumular-se
em “ativos financeiros”, melhor dizendo, como capital fictício. À acumulação de títulos do tesouro, se
somaram nos últimos anos bônus emitidos por empresas dívidas hipotecarias ações e outros.
O crescimento da acumulação de ativos financeiros como reservas, como os T-bonds, implica um grave
perigo de default para o conjunto da economia mundial. Se recordarmos que o bônus sobre as rendas em
impostos de um estado está relacionado diretamente com a saúde de suas contas fiscais, o problema do
déficit norteamericano17 se converte em um problema que transcende amplamente as fronteiras nacionais.
Enquanto o Estado norte-americano “pagará” suas dívidas, tudo indica que começará a fazê-lo através da
utilização do privilegio de seu manejo discricional do dólar. Desta maneira, a bancarrota será generalizada,
16
O dólar é a moeda mais utilizada nas transações internacionais. Segundo Goldberg seu uso representa o 85% (sobre 200%),
enquanto que o euro o 39%. T ambém é a moeda na qual denominan-se a maioría dos preços mundiais. O mesmo autor estima que em março
de 2009 circulavam por afora dos EEUU 580.000 millões de dólares em dinhero físico. Em 2009 o 46% dos títulos de dívida se emitíam em
dólares; o 52% dos créditos internacionais se realizavam em dólares; e o 59% dos depósitos internacionais. Além, o dólar é demandado
como reserva de valor. Em 2007, 89 países tinham seus tipos de cambio fixados com respeito ao dólar, e outros 7 tinham suas economías
dolarizadas, ou baixo alguma forma de regime de convertibilidade (Goldberg, 2010).
17
Varios analistas adviertem que está disminuindo a capacidade fiscal dos EEUU com relação à envergadura da economía mundial.
Exemplo: o stock de dívida dos EEUU em 2011 equivale ao 99,5% do seu PBI; a dívida neta ao 72,4%, e o déficit do balanço primario ao
9% do PBI. mn 2011 a soma da dívida que vence e do déficit fiscal equivale ao 28,8% do PBI (IMF, 2011).
39
através da violenta desvalorização dos ativos do resto das economias do mundo.
Neste sentido alguns economistas falam que é possível que se esteja desenvolvendo um cenário de
desvalorização súbita de ativos como que previu nos anos´60 Robert Triffin, quando o preço-ouro do
dólar desapareceu em una desvalorização que exportou a dívida aos competidores através da
desvalorização dos ativos baseados em dólares.
A Crise Capitalista Mundial E A Faísca De 2008
Enquanto os acordos de Basileia cercaram de um cordão sanitário o núcleo dos bancos comerciais nos
países imperialistas, no determinaram limites para todos os novos instrumentos financeiros que se criaram a
partir do impulso que tiveram as ideias da Universidade de Chicago, entre outros. Entre estas novas
formas que adquiriu a especulação se encontravam os “bancos de investimento” e toda a arquitetura
especulativa dos mercados de derivados (que haviam aparecido em 1973, a partir dos futuros de matérias
primas da bolsa de Chicago). Já nos ano90, os bancos de investimento podiam operar quase sem capital
próprio, trabalhando com depósitos em curto prazo que a partir de complexos alavancamentos, podiam
oferecer altíssimos rendimentos aos investidores, que acetavam o alto risco dos investimentos que faziam
estes bancos. A partir disto os negócios de esta banca “desregulada” se expandiram de forma explosiva.
Já em 2007 os cinco maiores bancos de investimentos dos EEUU tinham uma valorização de seus ativos
que somavam mais de dois terços de todo o sistema bancário comercial dos EEUU. Algumas de estas
instituições operavam com capitais de base (equity) que eram ao menos trinta vezes menores que seus
ativos. Em comparação, os bancos comerciais operavam com capitais que representavam 12 vezes seus
ativos. Esta “banca nas sombras” apareceu nos anos´90. Operavam através dos chamados “bancos de
investimentos” com muito baixos ou nenhum recurso próprio, mas asseguravam a quem investiam com
depósitos neles altíssimos lucros graças a enormes manobras de alavancamento.
O “alavancamento”, é a base do negócio dos bancos, os quais justamente, recebem depósitos a curto
prazo aos que voltam baixas taxas de juros, e por sua vez emprestam a mais longo prazo com altas taxas
de juros. Enquanto a atividade do banco é normal, o banco pode fazer frente a suas obrigações de curto
prazo (pagamento de juros de prazos fixos, por ex.) sem maiores problemas. Mas se um banco deve
recorrer para pagar suas obrigações com seus clientes com seu próprio capital de base, então o banco
está com problemas. Os altos níveis de “alavancamento” característicos dos bancos de investimentos,
fazem com que qualquer interrupção em seus negócios (voláteis) redundem rapidamente com uma “corrida
bancaria”, ou seja, com a retirada abrupta dos depósitos e na cobrança imediata das obrigações
contraídas pelo banco.
“A partir da chamada crise subprime”, que foi a faísca que começou o incêndio, é amplamente conhecido
o fato da forte especulação que se deu no sector dos bienes raízes, donde também imensas massas de
capital foram investidas para obter ganhos especulativos, aproveitando as baixas taxas de juros devido à
“abundancia de dinheiro” (o velho mal-entendido da teoria quantitativa). O aumento da demanda de bens
imobiliários fez crescer o preço das mesmas, garantindo aos primeiros investidores ganhos e descontando
suas dívidas através delas. O repassar destas dívidas de mão em mão como forma de pagamento que fazia
crescer a bolha especulativa, cada vez mais termina como é de esperar-se, na falência daqueles que
chegam em último a nesse momento no “incrível negócio” da especulação, seja porque não cumpriu com
as irreais expectativas que existiam sobre os ganhos ou porque o custo de endividar-se aumenta devido ao
aprofundamento da crise (recessão). Mais ainda, a partir das grandes expectativas de ganhos rápidos, se
taxaram fortemente os “valores” dos derivados, os quais, dado o grande auge da especulação, tinham
também altas taxações.
El desenvolvimento do sistema financeiro a partir da incrementada de capitais excedentes, junto com a
livre flutuação do dólar, permitiram a criação de todo tipo de artifícios especulativos. Mas inclusive no
sector mais tradicional do mercado de ações começaram a aparecer possibilidades de investimento de
40
“alta rentabilidade e alto risco”, que acumulam grandes somas de capital de proprietários que são
literalmente enganados com estes negócios. Outro tanto é o que fazem os fundos de investimento (hedge
funds) os quais aumentam artificialmente sua cotização através da aquisição míope de ativos. O essencial
do capital financeiro se expressa então de forma acentuada nestas práticas usurarias que, dada à
magnitude das operações que levam a cabo, se tornam “relevantes para o sistema” (tal como se disse
sobre os bancos de investimento que quebravam em 2008), pelo que o conjunto da sociedade deve,
segundo os governos capitalistas, financiar seus socorros.
Todo este grande mercado de derivados foi o que permitiu depois o desenvolvimento das imensas bolhas
especulativas que haviam explodido ano após ano desde 1995 a la fecha. A crise financeira de 2008
mostrou que o risco próprio da banca de investimento se havia espalhado por todo o sistema bancário, já
que era a fonte de financiamento direta e indireta de inumeráveis atividades produtivas e comerciais. O
alcance do poder destrutivo deste Crash financeiro gerou como alcunha um novo termo: “toxicidade”. E é
que a influencia de esta inusitada montante de capitais fictícios acumulados por décadas já se haviam
convertido em algo fundamental para o sistema. De fato, esta foi una das razões porque se aprovaram a
“injeções de capital” no sistema financeiro. Os resgates financeiros de 2009 evidenciaram que a injeções
de capital só podiam servir para saldar as dívidas dos especuladores quebrados, principalmente dos mais
importantes, já que as taxas de juros dos bancos não baixaram, nem tampouco subiu o volume dos
empréstimos (necessários para a atividade econômica), enquanto que se recuperaram os valores que estas
instituições possuíam como valores “tóxicos” que se esfumaçaram com a crise. Ou seja, as injeções de
capital com que os governos imperialistas beneficiaram os bancos quebrados, foram usadas novamente
para a especulação. Atrás de uma diminuição de somente 2,4% nos ativos dos bancos, aparece una
redução de dois dígitos no oferecimento de empréstimos à indústria e à construção.
Enquanto é certo que a especulação é um “jogo de soma zero” relacionado à real produção de valor,
tudo muda quando analisamos ainda que seja só o caminho do sistema monetário capitalista e vemos na
geração espontânea, repetida e catastrófica destas “bolhas” especulativas nada mais nem nada menos que
a dívida crónica, estrutural do sistema capitalista como um todo. Dívida gerada a partir da recuperação
económica dos anos ´20, que explodiu no Crash de ´29, ou das fortes políticas de endividamento estatal
de pré-guerra e durante a guerra, como também durante os mesmíssimos anos do “boom”, quando o
sector privado e também a potencia hegemónica EEUU adquiriram imensas dívidas.
Conclusão
Como pode se visto no transcurso da nota, temos tentado apontar os sintomas da decomposição
capitalista tanto no sistema monetário como no sistema financeiro. Estes desenvolveram, durante décadas
de políticas económicas monetaristas, passivos estruturais que expressam o limite máximo do forçamento
do processo de reprodução capitalista através do crédito. A falência capitalista à que assistimos
atualmente tem então uma dimensão estrutural. Ou seja, não falamos aqui de uma crise a mais que se une
ao seguimento de crises especulativas que explodem sucessivamente desde os anos ´90. De fato,
podemos dizer que cada uma destas crises “parciais” na realidade estava preparando o terreno para a
seguinte, que seria mais profunda que a anterior. Temos visto como o desenvolvimento capitalista através
do século XX, se manifestou através do endividamento crônico e desenvolvimento hipertrofiado do
sistema financeiro. Justamente por isto podemos apontar na crise que hoje se desenvolve, uma dimensão
histórica, que vem a atualizar as contradições históricas do capitalismo imperialista.
O limite histórico apontado com a guerra mundial faz quase cem anos não pôde ser superado ainda
através dos massacres imperialistas, o aprofundamento do desenvolvimento do mercado mundial e o
desenvolvimento contraditório das forças produtivas sob o imperialismo. Não é possível para o
capitalismo em decomposição desenvolve-las sem cair em terríveis desequilíbrios que alimentam a crise
seguinte de forma mais profunda, destrutiva e depois de um intervalo de tempo sempre menor. Para o
41
marxismo este limite histórico do capitalismo está determinado por uma tendência general inevitável e
própria do sistema capitalista: a tendência decrescente da taxa de lucro. No entanto é imprescindível
passar a um nível de análise mais concreto, em que possam delinear-se com maior certeza elementos
como a aceleração do processo aberto de crise.
A atual crise pode resumir-se no fato de que a economia mundial se encontra diante de um problema
estrutural, já que não pode seguir sustentando o esquema de intercambio mundial vigente até o momento.
Os esforços dos governantes capitalistas para impedir os efeitos mais nocivos da defasagem que existe
entre as instituições criadas durante o equilíbrio de pós-guerra (ainda vigentes, mas estabelecidos através
de uma configuração particular das relaciones entre estados que hoje tende a desaparecer) e as urgências
das crises geram inumeráveis contradições.
De fato todo o arsenal teórico da burguesia parece fazer chegado ao limite da caducidade. Podemos dizer
que durante todo o século XX o debate entre monetaristas (keynesianos e ortodoxos) simplesmente foi
configurando a historia económica mundial com idas, vindas e combinações ecléticas de ambas as teorias.
Já passada a primeira década do século XXI a atual crise atua à maneira de balanço concreto de tais
políticas que só prorrogaram os efeitos mais prejudiciais da crise. De fato ambas correntes de pensamento
económico burguês contribuíram a sua maneira ao acúmulo de contradições, cujas manifestações
monetárias e sobre o sistema financeiro vimos más arriba.
É importante recordar que o epicentro da crise está nos países imperialistas. EEUU concentra hoje as
maiores contradições da economia mundial. Seu papel de motor do capitalismo foi seguindo o
desenvolvimento caótico da economia, que após cada crise de envergadura golpeava o centro imperialista
que foi nestes sessenta anos os EEUU. A partir dos anos ´80, após as crises de dívida e da ofensiva
burguesa contra os trabalhadores e contra a URSS (que encarnaram Tatcher e Reagan), EEUU começou
a desenvolver ainda mais seu sistema financeiro a partir de políticas desreguladoras e também a partir dos
novos montantes de capital que se acumulavam após cada crise económica (`73, `82. y `87). Apesar de
que esta liberalização dos mercados financeiros melhorou a situação relativa dos EEUU (comparados com
Japão e Europa) em realidade estava aprofundando sua decadência. Os déficits públicos e o
endividamento privado que aumentaram exponencialmente a partir dos anos´90 falam que essa
momentânea prosperidade teria um alto custo. É que o capitalismo não era uma “propriedade” dos EEUU,
o que hoje se vê com a crise que está carcomendo os cimentos da economia norte-americana desde
adentro.
Este país-continente é vítima de seu próprio papel na cadeia imperialista. Sua presencia hegemónica serviu
para impor-se sobre seus concorrentes e para obter sempre a melhor colocação sobre as semicolônias.
Mas também o pôs no centro da tormenta, absorvendo as contradições do capitalismo mundial. O peso
de sua própria economia, de seu sistema financeiro e sua moeda convertida em “moeda mundial” o ajudou
a manter-se como potencia mundial indiscutível. Por outra parte, o uso de sua moeda como reserva e
dinheiro mundial, se expressou finalmente no grande déficit comercial e na imensa proliferação e
dependência aos novos “produtos” do sistema financeiro: o mercado de derivados. Todos estes
elementos, somados a certa escassez de mercados solventes para a grande oferta da economia mundial,
converteram os EEUU no principal consumidor global. Hoje diante da atual crise capitalista o país se
encontra ante o maior endividamento de sua historia, sendo de fato o principal devedor do mundo. La
dívida pública total é de aproximadamente 14,2 bilhões de dólares (quase o 100% de seu PBI), enquanto
que o déficit orçamentário do Estado é de 1,65 bilhões de dólares, equivalente a quase 11% do PBI.
A mudança de credor a devedor não é só sinal de sua decadência geral, já que de fato não existe um
retador serio a sua hegemonia (como ocorreu em relação entre Inglaterra e os EEUU em princípios do
século. XX). Em realidade seu debilitamento não é em proveito de outro país “em ascensão” senão uma
consequência direta da influencia violenta que têm as contradições do capitalismo atual. Sua hegemonia
sobre a Europa com a persistência da concorrência Inter imperialista é algo que tem sido muito custoso
para a saúde da economia norte-americana, devendo financiar a dívida histórica de uma Inglaterra que
42
começou sua desindustrialização, ou por contratara, de uma Alemanha “exportadora”, a qual EEUU
compra bens de capital e de consumo duráveis. Estas relações “insanas” dentro do capitalismo,
prolongadas no tempo, são as que chegaram a deformar a mesma economia norte-americana. Estados
Unidos não deixará de ser em imediato una potencia mundial, pero mudará muito comparado com que foi
no século XX. Não poderá dominar efetivamente o mundo, mas que deverá concorrer com os demais
países imperialistas para estabelecer neles suas zonas de influencia exclusiva. Esta tendência é a maior
força centrífuga que sofre o equilíbrio capitalista atualmente e é a que pode leva-lo a sua anulação
completa. O imperialismo americano é uma enfermidade também para a economia dos EEUU.
A crise capitalista, que para os burgueses é hoje uma “crise de dívida”, introduziu nos EEUU a forma da
velha discussão da “dicotomia” entre “estado o mercado”. Concretamente, nos EEUU, com as severas
convulsões que sofre (com as que faz sofrer também ao resto do mundo) nos relação a este tema, a
questão se converte em algo mais profundo e imediato do que aparenta.
Nos últimos meses se vinha desenvolvendo a atual crise política que vive a democracia imperialista. O
debate sobre o “teto da dívida”, que historicamente tem sido um mero “trâmite” que se tem feito 72 vezes
desde 1962, se converteu nestas circunstancias em uma crise política de carácter histórico, donde o
presidente Obama foi literalmente chantageado pela oposição republicana que obteve o favor de ameaçar
com deixar que ocorresse um “default técnico” com tal de obter melhoras impositivas e cortes na
seguridade social. Mas além de estes fatos próprios de uma “república bananeira”, o substancial ocorre
debaixo dos fogos de artifícios do ultradireitista Tea Party versus os democratas do medicare.
Em realidade o que se está pondo em jogo é a política económica que aplicará o Estado imperialista ante
uma crise que está fazendo esfumaçar enormes somas de valor acumulado pela economia mundial. La
própria posição do Partido Democrata, se mostra como continuísta com a linha de aumento do gasto
estatal e de fazer mais ou menos caso omisso da dívida, para assim tratar de domar a crise. Esta posição
que defendem, entre outros, economistas como Paul Krugman, significaria de fato a eventual caída no
default para os EEUU. Logico que não à maneira do “Tea Party”, senão no sentido de um acionar
unilateral dos EEUU a respeito da economia mundial. Este foi sempre o limite absoluto do pensamento
keynesiano: a estreiteza chauvinista do burguês imperialista diante da crise. O endividamento monstruoso
do Estado gerado pelas políticas de aumento do gasto público só pode ser resolvido à custa dos
concorrentes. Enquanto isto asseguraria certa recomposição à economia em recessão, tal como disse
Krugman, redundaria também na liquidação final da hegemonia norte-americana tal como conhecemos até
agora, dinamitando sua ferramenta mais importante para sua hegemonia económica mundial que é o dólar.
Por outra parte, a posição dos republicanos parece ser deixar que a crise “faça a coisa”, deixando que a
crise despedace a economia e o construa ao redor do endividamento. Todas as linhas de ajuste, como as
que impõem Alemanha sobre Grécia, por exemplo, tem a mesma estrutura e objetivos que as velhas
políticas “deflacionarias” (já que como temos mostrado inflação e endividamento são duas formas do
mesmo fenómeno). Estas políticas que tentam levar a dívida “a zero” condenam a imensas partes da
indústria a bancarrota, o qual demonstrará tarde ou cedo como a crise especulativa será paga pelo
conjunto da economia. E como o caso de aplicação das políticas “ortodoxas” é igual, mas ao inverso: o
cancelamento das dívidas através da liquidação da economia não significa que levará a economia a um
novo amanhecer, já que a recessão muito possivelmente se some a uma inflação proveniente dos
galopantes custos em energia e alimentos.
Na Europa, por sua parte, a crise está questionando profundamente o projeto reacionário de unidade
capitalista do continente. O euro provou ser só um instrumento de espoliação das economias más débeis
do continente. El euro possivelmente termine sua historia tendo sucesso em ser só um remédio tardio,
fracassado e regional do dólar. A unidade capitalista tão almejada pelos ideólogos “Europeístas” só se
sustentava no aumento e na exportação de imensas quantidades de dívida. A decomposição do
capitalismo europeu mostra que seus mais de 100 anos de imperialismo não foram em vão. Nenhuma das
43
economias europeias escapa a esta questão, nem nos casos mais evidentes, como o Inglês, onde a
desindustrialização e o desenvolvimento inusitado da especulação financeira deformaram completamente a
economia, nem tampouco nos casos “enganosos” como o de Alemanha, que detrás uma fachada de país
industrial exportador esconde a sujeição dos países da periferia Europeia (do leste e do Mediterrâneo)
mediante a exportação de capitais excedentes e fictícios. As massas europeias começam a pagar com esta
crise os custos reais da aventura do euro e da reunificação capitalista alemã.
Com relação às semicolônias, a política internacional mostrará em um prazo, curto ou médio, que
qualquer teoria de desacoplamento é um grande engano. Em primeiro lugar, a desordem do sistema
monetário levará a crise à semicolônias que haviam poupado nos anos de “bonança” de venda de matérias
primas a China, em dólares, bônus do tesouro, euros, e demais papéis que cotizaram de acordo com os
interesses imperialistas em jogo. Por outra parte, a mesma situação de ofensiva aventureira dos países
imperialistas pode pôr as semicolônias entre a espada e a parede, terminando com suas ideais de um
mundo de países emergentes. Um indicador que muitos dos entusiastas das teorias do desacoplar, ou do
mundo multipolar, etc., é do fluxo de capitais entre países, que tende a crescer entre países imperialistas e
semicolônias e não entre países imperialistas como era o usual. Interpretam isto como o crescimento das
economias emergentes esquecendo o pequeno detalhe da propriedade destes capitais.
Outro ponto fundamental das relaciones interestatais que modifica substancialmente com a crise é dos
processos de assimilação ao capitalismo de Rússia e China. Em primeiro caso, este país desmantelado,
devenido em produtor de petróleo e gás para Europa, pode ver comprometida sua estabilidade interna
devido às redobradas ameaças dos países imperialistas ávidas de este recurso que se encarecerá cada vez
más. Por outra parte, o caso de China será mais complexo ainda. O crescimento económico chinês
dependeu nos últimos vinte anos de seu comercio com ocidente, em especial com os EEUU (o que se
expressou em suas reservas compostas em grande parte por T-bonds). A queda abrupta da demanda do
grande consumidor mundial não poderá ser trocada pela insustentável demanda de seu mercado interno.
Assim mesmo, desde 2009 em diante, China tem sido receptáculo de toda classe de capitais que fugiam
da crise nos mercados especulativos europeus e norte-americanos, gerando um tipo especial e enorme de
bolha composta por investimentos em infraestrutura, no setor imobiliário e até em indústrias manufatureiras.
Então é possível que a China esteja pronta a sofrer em cheio o golpe da crise sob a forma de uma crise de
superprodução, o qual por sua parte, arrastrará ao resto dos países atados a sua economia, sobretudo as
semicolônias grandes exportadoras de matérias primas.
Voltando à discussão sobre a crise de hegemonia norte-americana, falta agregar que em EEUU nenhuma
das facções da burguesia imperialista enfrentadas possui uma orientação burguesa que represente uma
política coerente a longo prazo. De fato, a linha dos republicanos que mencionamos mais acima não
necessariamente está renhida com a ideia de “deixar falir” e abrir a disputa Inter imperialista contra seus
competidores. Mais ainda, isto ocorre tanto a um como ao outro lado do atlântico. Poderíamos dizer que
o que ha primado até agora tem sido as combinações ecléticas entre intervenção estatal no estilo
keynesiano (injeções de capital no sistema bancário), como as políticas mais “ortodoxas” de ajuste
estrutural, como as que se estão aplicando a Grécia e Irlanda. A discussão febril entre republicanos y
democratas evidencia a situação de crise política a partir das tensões, da incerteza e a debilidade que tem
mostrado até agora o estado norte-americano.
O que é certo é que qualquer das “opções” de política monetarista colocada por democratas ou
republicanos redundará em um ataque direto às massas trabalhadoras, dado que já seja com a inflação
“keynesiana”, ou com o ajuste e o desemprego estrutural dos “ortodoxos”, os trabalhadores receberão
todo o peso da crise sobre suas costas. Ademais, outro elemento sempre ocultado, mas que é palpável em
cada reunião bilateral, em cada desencontro a cada lado dos oceanos, é das tendências à fragmentação do
mercado mundial. Isto se vê na cada vez mais difícil unificação de critérios diante da crise. De fato, se as
linhas erráticas que hoje vemos continuam aprofundando-se, poderemos ver quem serão os atores
principais na explosão da UE, e na crise política histórica dos EEUU. Temos dito como o uso e abuso do
44
dólar por parte de EEUU pode fazer perder su posição hegemónica absoluta, mas não seu poder. Por su
parte, os demais países tentarão também impor-se em zonas de influencia mais ou menos exclusiva. A
possível queda do sistema monetário imposto, ainda com modificações a partir de 1945, pode ser um
indicador muito sério de processos de mudanças muito violentos na dinâmica de classes e nas relações
interestatais como temos conhecimento à longa data.
45
46
SOBRE A MECÂNICA DO PROGRAMA DE TRANSIÇÃO
Guillermo Costello- Carolina Vidal
Nota Preliminar
A ideia de que um programa nasce ou surge das necessidades materiais, que impulsam a ação do homem
e a lucha de classes, poderia aparecer um tanto obvia para um marxista que se coloca como tal, e, no
entanto é uma das tantas “obviedades” que o centrismo trotskista esqueceu. O que se destacou durante o
pós-guerra no meio das correntes marxistas, seja em sua versão mais sofisticada como o “neocapitalismo”
de Mandel, a versão politicista das frentes únicas de Lambert ou Pablo, ou sua expressão bárbara em
Nahuel Moreno com a inversão da Lei de Causalidade histórica, foi a hierarquização idealista dos fatores
subjetivos sobre os objetivos.
Mandel caracterizou o pós-guerra como o período de desenvolvimento do “neocapitalismo”, assinalado
por uma onda de expansão económica a largo prazo. Segundo ele, foi justamente esta expansão a que
ampliou a níveis inéditos a margem de negociação entre a burguesia e o proletariado. Colocando que,
desta maneira, os regimes se consolidaram sobre a base de concessões feitas aos trabalhadores nos países
imperialistas, melhor dizendo, um regime baseado na colaboração estreita entre a burguesia expansiva e as
forças conservadoras do movimento operário, e fundada em uma elevação tendencial do nível de vida de
um sector dos trabalhadores.
Mas ao mesmo tempo, para Mandel, a natureza mesma do neocapitalismo implicava a intervenção
crescente do Estado na vida económica, para evitar a todo custo, que em meio da “guerra fria”
desenvolve-se uma crise grave como a de 1929-1933. A intervenção estatal se converte assim então em
“anticíclica”, ou “anticrises”, de onde são os fatores políticos os que impedem que se desatem as leis
objetivas do capital.
Mediante una “revolução tecnológica permanente” (sic) e o surgimento de novos segmentos de
trabalhadores ligados a este fenómeno, -o pleno emprego e as concessões- a classe operária satisfaz suas
necessidades materiais mínimas e, portanto deve concentrar-se, como parte da resistência ativa contra o
neocapitalismo e ao questionamento de seu regime, nos aspectos políticos, culturais, de género, etc. Mas,
sobretudo, e baseado nestes novos segmentos assalariados com maior nível cultural e tecnológico, se
podia desenvolver a luta pela planificação económica mediante a autogestão e a luta pela verdadeira
democracia. Poderia pensar-se então que a irrupção de uma crise que truncasse esta larga onda expansiva
lançaria por terra a teoria mandelista. Ao contrario, com a crise de 81- 83 não só a sustenta, como se
aprofunda.
Por isso na conferencia de Atenas de um de junho de 1983 dirá:
“A defesa da teoria marxista das crises não é só um dever de honestidade científica, de capacidade de
compreender, de explicar e prever a marcha da economia mundial. Desempenha também um papel
preciso na lucha ideológica que se desenvolve hoje em no seio da opinião pública, ou seja, da luta de
classes política, da lucha de classes no sentido mais direto. Desempenha um papel ainda mais preciso nas
linhas divisórias no interior do movimento operário internacional, entre aqueles que, sob as formas mais
diversas e com as desculpas mais contraditórias, aceitam a crise como inevitável e se contentam com
propor receitas para administrar esta crise com doses graduais de austeridade, e aqueles que querem
organizar, ampliar e generalizar o rechaço de toda política de austeridade, a resistência militante e ativa
contra a ofensiva do capital, a luta contra desemprego mediante a introdução imediata da semana de 35
horas sem redução de salario semanal e com contratação obrigatória, a luta por uma alternativa
anticapitalista de conjunto com a política de austeridade. Esta linha divisória contrapõe em última análise a
todos os defensores da colaboração de classes e a todos os partidários irredutíveis da independência
política de classe do proletariado, pelo qual Marx se bateu toda sua vida a partir de 1850. Esta crise só
47
será resolvida se as massas tomam em suas mãos a gestão de seus próprios assuntos, da economia, do
Estado, da sociedade. Esta crise só será resolvida pela socialização dos grandes meios de produção,
posta em funcionamento planificada sobre a base de objetivos prioritários fixados democraticamente com
o pluralismo político indispensável à democracia, pela massa dos produtores-consumidores mesmos, pela
gestão da economia pelos produtores associados, pela criação de uma Federação Socialista Mundial,
baseada no poder dos trabalhadores, o poder dos conselhos operários e populares no mundo inteiro.”
O programa que Mandel defende se restringe a uma medida «anticrises» de impor as 35 horas e a
contratação obrigatória (para voltar ao pleno emprego), mais autogestão pluralista e democrática.
Lambert, no mesmo ano em que Mandel publicava seus escritos sobre o neocapitalismo, dizia: “[tanto a
política do] imperialismo norte-americano como as que procuram tomar os imperialismos secundários e
em particular, aquele que nos concerne, o imperialismo francês, expressam a tendência inerente do
capitalismo agonizante a deslocar o mercado mundial. Estas medidas expressam também a vontade de
fazer pagar os trabalhadores em cada país à sobrevivência do regime da propriedade privada dos meios
de produção, para tentar superar o caos económico, financeiro, político e social que o deslocamento do
mercado mundial comporta”1.
Mas curiosamente, semelhante a Mandel, sustenta que a linha do capitalismo desde 1949 é evitar a todo
custa una crise como a de 1929, injetando orçamentos militares na economia norte-americana e cedendo
algumas reivindicações aos trabalhadores.
“Mas, -disse- ¿podemos qualificar de “progresso económico sem precedentes” este gigantesco
desperdiçar de trabalho humano de que as forças produtivas acionadas pelos explorados se transformem
em forças destrutivas, como definiram Marx, Lenin e Trotsky? ¿Cabe falar de um salto adiante das forças
produtivas quando os fatos demostram até que ponto tinham razão Marx e Engels ao prever que em certa
fase de seu desenvolvimento, o custo da sobrevivência do regime capitalista seria mais elevado que o que
este regime dá à humanidade? Com o imperialismo, reação em toda a linha, tal como Lenin definia, a força
do trabalho dos trabalhadores se desperdiça; com a militarização da economia, pesa sobre a civilização
humana a ameaça de ver-se afundada a barbárie da terceira guerra mundial, barbárie cujos primeiros
sintomas encontramos na guerra de Vietnam e o extermínio dos ‘bengalíes’.
Afundamento da economia, crise monetária, crise de superprodução que ameaça. De bancarrota em
bancarrota, se o proletariado mundial não acaba com o regime capitalista em cada país, os capitalistas do
mundo inteiro arrastarão a humanidade à bancarrota final da barbárie.”.
No entanto, frente a todas estas calamidades que se avizinham, ¿qual será o programa da OCI em 1971?
Indenização de 200F; escala móvel… de preços! Nacionalização sob controle operário de todos os
trustes, “remodelação” das empresas de serviços nacionalizadas, e um governo operário, chamando a
construir um verdadeiro partido operário e ser parte da OCI.
A princípios dos anos 80s, enquanto Mandel propunha medidas anticíclicas para enfrentar a crise,
Lambert desenvolvia sua teoria dos campos burgueses progressivos e afirmava que “nesse combate contra
a burguesia, sem tomar a menor responsabilidade pelo governo de Mitterrand, estamos no campo de
Mitterrand em suas ações de resistência á burguesía”2 para- já nos anos 90- desenvolver a “linha da
democracia” e o “programa da democracia”.
Como vemos, evolucionistas e catastrofistas terminam levantando um programa de medidas capitalistas de
estado, cuja efetivação garantiria tal ou qual corrente. A superdimensão dos fatores políticos sobre os
económicos os levou de cheio ao regime burguês e à luta pela democracia. Não nos deteremos aqui a
versões mais bizarras como a de Moreno que namorou em seu devido momento tanto com mandelistas
como com lambertistas, sob a bandeira da frente único anti-imperialista.3
1
(Declaração do Buró Político da Organização Comunista Internacionalista, 20 de agosto de 1971)
Projeto de informe político preparatorio ao XXVI Congresso da OCI (U) extraído de, Correspondencia
Internacional Nro. 15, 1981.
3
Ao respeito, ver atas do Bureau Internacional Corci em discussões com o SU 1979 e também a letra da
CORCI ao SU 1979.
2
48
Moreno deslocou de maneira tão extrema o eixo da política, destruindo a concepção materialista do
programa revolucionário, que chegou ao ponto de colocar que havia um “programa de transição moral”4.
Programa anticrise, programa da democracia, programa de transição moral, são as consequências de
abandonar o método marxista da elaboração de um programa, condição necessária para que uma corrente
se constitua em um partido revolucionário e não em um mero grupo de intelectuais.
Introdução
“A concepção materialista da historia parte da tese que a produção, e com ela o intercambio de seus
produtos, é a base de toda ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam pela historia, a
distribuição dos produtos, assim como a divisão social em classes o estamentos, se rege pelo que se
produz e como se produz e pelo modo de troca do que foi produzido. Segundo isso, as causas últimas de
todas as mudanças sociais e de todas as revoluções políticas não devem buscar-se nas mentes dos
homens nem na ideia cada vez mais clara que não se forjam da verdade e da justiça eternas, mas nas
mudanças operadas no regime de produção de trocas; há de buscar-se não na filosofia mas na economia
da época de que se trata. Quando nasce nos homens a consciência de que as instituições sociais vigentes
são irracionais e injustas, de que a razão se tornou em sem razão, e a caridade em praga, isto não é mais
que um indicio de que nos métodos de produção e formas de troca se produziram imperceptivelmente
mutações com as que já não concordam com a ordem social, cortado pelo patrão de condiciones
económicas anteriores. Com o qual fica dito que nas novas condições de produção tem que conter-se
forçosamente –mais ou menos desenvolvidos- os meios necessários para por fim aos males descobertos.
E esses meios não serão retirados da cabeça de ninguém, mas é a mente a que tem que descobri-los nos
fatos materiais que nos oferece a produção”5.
Este documento surge da necessidade de retornar à premissa marxista -lamentavelmente esquecida pela
maioria- da superioridade dos fatores objetivos sobre os subjetivos, ou melhor, dizendo, a expressão
material da relação entre estes fatores na produção e a relação de forças que se estabelecem a partir dela.
Isto é justamente o que Trotsky esclarecia ao colocar a contradição entre a maturidade das condiciones
objetivas necessárias para a vitória da revolução socialista e a imaturidade das condições subjetivas,
questão que foi mal interpretada ao limitar o Programa de Transição à simples tarefa de “superar as
insuficiências do fator subjetivo” (Mandel).
O que tentamos demonstrar com este documento é que existe una mecânica no Programa de Transição
ideado por Trotsky que parte da relação entre as tarefas históricas e as reivindicações demandas da classe
operária, já que, parafraseando o grande revolucionário, as normas programáticas só se realizam se são a
expressão generalizada das tendências progressivas do processo histórico objetivo.
Por ele, com este esboço, tentamos recuperar essa norma programática como guia para a ação
revolucionaria nesta situação assinalada por uma decadência imperialista sem precedentes e cuja
expressão constitui a atual crise capitalista mundial. Queremos demostrar que existe uma continuidade
teórica política na elaboração do programa revolucionário e a superação histórica do programa mínimo e
programa máximo iniciado pela III internacional, desenvolvidos por Trotsky e os revolucionários da IV.
Ao mesmo tempo buscaremos estabelecer a relação entre o Programa de Transição -incompleto- e o
programa comunista, que para Trotsky não era outro que o programa da Revolução Permanente.
Neste sentido, partimos da concepção marxista de que o programa revolucionário é parte da elaboração
teórica de um partido, já que implica a totalização das experiências anteriores para o desenvolvimento das
experiências posteriores do proletariado.
4
5
Ver “La Moral y la actividad revolucionaria” 1987.
F. Engels, Anti Dühring, p. 217. Ed Cartago.
49
Como Nasce Um Programa
O programa revolucionário é fundamental para a existência de todo partido. Trotsky dizia que o mesmo é
a expressão da compreensão comum das tarefas (“Completar o programa e coloca-lo em marcha”). Para
Lenin, sem programa não existe partido, mas um mero grupo de intelectuais, já que o programa é um guia
para a ação revolucionaria.
Toda concepção materialista, não idealista do programa, deve partir das necessidades materiais como
força motriz, condicionante da existência humana.
Isto significa que o programa não parte de uma ideia caprichosa na cabeça de um intelectual nem das
especulações idealistas ao redor de “o que as massas querem”, mas que deve inspirar-se na premissa
marxista de que os fatores objetivos se impõem por sobre os subjetivos.
Na dinâmica entre economia e política, entre estrutura e superestrutura, entre objetivo e subjetivo, é que se
configura o programa e portanto, a política e a tática.
Como Trotsky colocou em 1923:
“O paralelismo dos sucessos políticos e as mudanças económicas é, sem dúvida, muito relativo. Como
regra geral, a “superestrutura” registra e reflete novas formações na esfera económica com uma
considerável demora. Mas esta lei deve apoiar-se em uma concreta investigação daquelas complexas
inter-relações. Si a troca periódica de auges “normais” por crises “normais” encontra sua projeção em
todas as esferas da vida social, então uma transição de toda uma época inteira de ascensão a outra de
declinação, ou vice-versa, engendra os maiores distúrbios históricos, e não é difícil demonstrar que em
muitos casos as revoluções e guerras se espalham entre a linha de demarcação de duas épocas diferentes
de desenvolvimento econômico, por exemplo, a união de dois segmentos diferentes da curva capitalista.
Analisar toda a historia moderna desde este ponto de vista é realmente uma das tarefas mais gratificantes
do materialismo dialético”.
Esta “falta de sincronização” ou defasagem entre as mudanças na economia e sua expressão na esfera
política é central para determinar como se articula o programa no terreno da orientação política, que inclui
todo o trabalho do partido em uma situação determinada,... já que “As oscilações da conjuntura
económica (auge–depressão–crises) configuram as causas e efeitos de impulsos periódicos que dão
surgimento a mudanças, ora quantitativas, ora qualitativas, e a novas formações no campo político. O
rendimento das classes proprietárias, o orçamento do Estado, os salários, o desemprego, a grandeza do
comercio exterior, etc., estão intimamente ligados com a conjuntura económica, e por sua vez, exercem a
mais direta influência sobre a política. Isto só é suficiente para entender o quanto importante e frutífero é
seguir passo a passo a historia dos partidos políticos, as instituições estatais, etc., em relação com os
ciclos do desenvolvimento capitalista. Mas nós não podemos dizer que estes ciclos explicam tudo: ele está
excluído pela simples razão que os ciclos mesmos não são fenômenos econômicos fundamentais, mas
derivados. Eles se desdobram sobre a base do desenvolvimento das forças produtivas através do
mecanismo das relações de mercado. Mas os ciclos explicam uma boa parte, formando como o fazem,
através das pulsações automáticas, um indispensável recurso dialético na mecânica da sociedade
capitalista. Os pontos de ruptura da conjuntura comercial e industrial nos levam a um contato muito mais
íntimo com os nós críticos na trama do desenvolvimento das tendências políticas, da legislação, e todas as
formas de ideologia”.
No entanto, as grandes convulsões como as crises, as guerras e as revoluções, tendem a unir economia e
política. Por isso, diante da atual crise capitalista é o desafio dos marxistas revolucionários compreender a
fundo esta conexão, como diria Trotsky, entre uma “economia capitalista, que chegou ao ponto de sua
saturação, com a política capitalista, que se transformou até ser completamente desenfreada”.
50
Reivindicação, Demanda, Consigna
Um debate estendido entre os marxistas é como estabelecer a relação entre as reivindicações comuns da
classe operária, produto de sua condição de assalariados, e da relação específica entre patrões operários,
junto com as demandas que impulsam os movimentos espontâneos ou sindicalistas, e o programa e as
consignas dos revolucionários. Um programa que negue as reivindicações e as demandas é um programa
morto, próprio de uma seita. Um programa que se base exclusivamente ou que incorpore de maneira pura
as reivindicações de uma classe ou sectores de classe é um programa sindicalista, parcial ou espontâneo.
Como temos dito fazer programa é fazer teoria revolucionaria. Como generalização, o programa e as
consignas dos revolucionários devem estabelecer uma relação particular com a demanda espontânea, para
transcender a simples relação trabalhador-patrão e assentar as bases para a luta política, ou seja,
fortalecer as organizações operárias para romper o mando capitalista.
O não compreender isto, reduz o programa a uma serie de demandas mínimas ou em todo caso a medidas
de capitalismo de estado. Mas justamente, é esta relação dialética entre reivindicação-demanda-consigna,
a base da mecânica do Programa de Transição que se baseia em uma dinâmica de classes dada para
desenvolver um movimento revolucionário e sua “potencia efetiva”. Para estabelecê-la ou mesmo
aborda-la devemos fazer um trajeto histórico sobre as discussões dos marxistas revolucionários.
Programa Mínimo e Máximo
“… em lugar do programa mínimo dos reformistas e dos centristas, a IC coloca a luta pelas necessidades
concretas do proletariado, por um sistema de reivindicações que, em seu conjunto, demolem a potencia da
burguesia, organizam ao proletariado e constituem as etapas da luta pela ditadura do proletariado, e em
que cada uma destas reivindicações em particular da sua expressão a uma necessidade das grandes
massas, inclusive se estas massas não se colocam ainda, conscientemente, no terreno da ditadura do
proletariado”6.
Este sistema de reivindicações é um grande avanço na dinâmica do programa e nas tácticas que se
desprendem dela.
Toma em consideração o elemento temporal (que Lenin desenvolve em sua Teoria do Imperialismo) como
um eixo central da política revolucionaria e a análise da dinâmica concreta entre as classes em um
momento histórico dado, por assim dizer, o passo do período orgânico do capitalismo, a seu período
crítico, onde se perde equilíbrio político e social, que é um período de transição (que cria uma nova base
para a táctica). Para a III, este período está entre estes dois momentos, (o orgânico e o crítico) tomado
desde o ponto de vista da teoria do imperialismo (ausência de reformas a largo prazo).
Desta maneira, a III internacional em sua etapa revolucionaria abandona a ideia de programa mínimo e
máximo superando-o por um “sistema de reivindicações”.
É interessante esmiuçar esta mecânica que estabelece a III. Para a direção da internacional, este sistema
de reivindicações deve servir para destruir o poder da burguesia, organizar o proletariado e constituir as
etapas da ditadura do proletariado.
A III internacional se dirigia aos partidos comunistas de vanguarda para arma-los teórica, política e
programaticamente, para dirigir os processos revolucionários que cortam a Europa e que permitem à
Terceira caracterizar a situação de “objetivamente revolucionaria”.
Podemos dizer então que foi um fato material, histórico concreto, o que determinou as velhas discussões
entre os marxistas ao redor do programa “mínimo e máximo”. Foi a revolução Russa, o surgimento de uma
direção revolucionaria internacional, o que pôs fim à velha distinção entre programa mínimo e máximo e
assentou as bases para sua superação dialética.
6
Tese da IC, “Os combates e reivindicações parciais”, redatadas por Radek e aprovadas pelo III Congresso,
junho 1921.
51
Trotsky no entanto, parte de condições bastante diferentes, com uma brutal crise de direção
revolucionaria, com o esmagamento de processos revolucionários pela ações das frentes populares e do
fascismo, e as políticas do estalinismo e da social-democracia; tudo isso combinado com processos de
movimentos de massas nos países oprimidos e nos EEUU, mas com una grande experiência de haver sido
líder da revolução russa e da construção da III internacional. A ideia de Trotsky de colocar o carácter
transitório do sistema de reivindicações estava relacionado com a necessidade de estabelecer esse ponto
entre duas gerações, e encarar esse salto histórico que marcou o giro que fazia a contra-revolução da III
Internacional. Pela ausência desses partidos de vanguarda, Trotsky teve que recuperar o programa que
estava sendo destruído pela burocracia estalinista e foi continuidade do método da III; enquanto devia
basear-se na intervenção nos movimentos de massas e impulsionar uma vanguarda que aprendera lições
das derrotas e preparar a ofensiva.
Justamente por isto, o Programa de Transição escrito por Trotsky não podia abarcar os três elementos
fundantes da concepção programática da III internacional em sua etapa revolucionaria: destruir o poder da
burguesia, organizar o proletariado e constituir as etapas da ditadura do proletariado, senão que –como
bem advertia Trotsky em “Completar o programa coloca-lo em marcha”- o Programa de Transição levava
o proletariado até a porta da revolução proletária, ou dito de outro modo, se colocava em primer aspecto
da concepção programática da III. O Programa de Transição de Trotsky não se colocava organizar o
proletariado no sentido da III, ou seja, a preparação imediata e consciente de partidos de vanguarda,
constituídos e agrupados em una internacional revolucionaria para a tomada do poder e a insurreição.
Tampouco busca constituir as etapas da ditadura do proletariado, já que como T. coloca não se está
falando da revolução social, “da tomada do poder mediante a insurreição, da transformação da sociedade
capitalista na ditadura, da ditadura na sociedade capitalista”; com o qual o Programa de Transição só se
constitui como um programa de ação “até o começo da revolução socialista”7.
Portanto falamos de um programa incompleto, cujo objetivo é destruir o poder burguês, já que como
coloca o mesmo Trotsky no Programa de Transição:
“…a quarta internacional propõe um sistema de reivindicações transitórias, cujo sentido é o de dirigir-se
cada vez mais aberta resolutamente contra as bases do regime burgués”8.
Desde a concepção de Trotsky, portanto, completar o programa não significa agregar-lhe consignas, mas
superar a crise de direção revolucionaria e construir a IV internacional, e em este aspecto se coloca como
continuidade do leninismo.
Sob esta perspectiva, Trotsky coloca uma relação concreta entre reivindicação, demanda e consigna. A
articulação programática não nega, mas contém as reivindicações elementares do proletariado, mas por
sua vez condensa a preparação da classe operária para as tarefas de sua ditadura, ainda que não as
desenvolva.
Como conclusão, podemos dizer que Lenin e Trotsky compartem o mesmo método ao estabelecer una
relação determinada entre demanda-reivindicação-programa revolucionário, na ideia de um “sistema” de
reivindicações: o primeiro, com a necessidade da luta imediata pelo poder, e o segundo, na necessidade
de superar a crise de direção revolucionaria. Não compreender este método significa separar “sistema” de
“reivindicação”, pela via de colocar “bloco de consignas”, ou simplesmente levantar as reivindicações
imediatas.
Por último, é necessário assinalar que o internacionalismo da III Internacional e do Programa de Transição
tem diferente expressão concreta. Para a III se encarnava em partidos constituídos e agrupados na
internacional revolucionaria, com a autoridade de uma revolução e um estado operário. Para Trotsky
significava recuperar o programa internacional, abandonado pelo estalinismo para enfrentar o chauvinismo
imperante no início da segunda guerra, construir a IV internacional ao calor desta grande prova para o
7
L. Trotsky “Completar o programa e coloca-lo em marcha” da compilação “Escritos”. Traduzido ao espanhol
por Victoria Rojo.
8
L. Trotsky “O Programa de Transição”. 1938.
52
proletariado mundial, e realizar a revolução política na URSS para recuperá-la como direção da revolução
mundial.
Método E Sistema
A superação da distinção entre programa mínimo e máximo em um sistema de reivindicações colocou para
os revolucionários a tarefa da revolução mundial e a construção de partidos comunistas de massas. Mas,
produto da derrota posterior, se viram obrigados a um recuo táctico mantendo as posições teórico
políticas, já que não só desde a burguesia, mas também desde o estalinismo que falava em nome do
Estado Operário, se tentava liquidar a memória histórica de nossa classe. Por ele não é casual a utilização
em Trotsky da palavra “transitório”, já que tentava recuperar o programa em uma etapa donde a
ingerência socialista do estado operário na sociedade capitalista alcançava outra Dimensão histórica.
Trotsky enfrentou o etapismo estalinista à luz da experiência da Revolução Russa e o processo de
transição.
“Em outras palavras, a coalizão democrática de operários e camponeses só podia considerar-se una forma
preliminar do Ascenso ao poder, uma tendência, mas não um fato. A conquista do poder devia romper a
envoltura democrática, impor à maioria dos camponeses a necessidade de seguir os operários, permitir
que o proletariado realizara sua ditadura de classe, e por razão idêntica, por a ordem do dia, paralela à
democratização radical das relações sociais, a ingerência socialista do estado operário nos direitos da
sociedade capitalista“.9
Desde este ponto de vista, a ditadura do proletariado era compreendida como um processo que tinha seus
inicios ainda antes da tomada do poder, em su preparação. A existência do estado operário colocou o
caráter internacional deste processo e teve implicâncias programáticas. Mas a burocratização da direção
da revolução proletária veio a interromper este processo para convertê-lo em seu contrario.
Já não se tratava de uma situação objetivamente revolucionaria como era para a III Internacional, mas que
em 1938, se combinava um “período pré-revolucionário de agitação, propaganda e organização” com
uma brutal crise de direção.
Na III internacional Lenin opinava que a vanguarda mundial havia sido ganha ideologicamente e portanto
se tratava de levantar um programa que fosse a “expressão da necessidade das grandes massas, mesmo
que estas massas ainda não se colocassem conscientemente no terreno da ditadura do proletariado”10,
enquanto que Trotsky devia forjar uma nova vanguarda, e desde o ponto de vista prático, o mais
importante era como podiam guiar os “diferentes estratos do proletariado na direção da revolução social”.
11
Trotsky, com o sistema de reivindicações transitórias, buscava estabelecer uma ponte, ou melhor, a
ligação das reivindicações atuais e a consciência atual do proletariado, e o programa de ação para a
conquista do poder.
No entanto, este programa não está “acabado” nem poderia estar, já que é um programa de ação, que
deixa o proletariado no limiar da revolução. Ou seja, está incompleto, o melhor é parte de um programa
mais histórico que é o programa do comunismo.
Trotsky esclarece os limites do Programa de Transição de 1938:
“O projeto do programa não é um programa acabado. Podemos dizer que neste projeto de programa
faltam coisas contém outras que, por sua natureza não pertencem ao programa. As coisas que não
pertencem ao programa são os comentários. Este programa não só contém consignas, mas também
comentários e polêmicas contra os adversários. Mas não é um programa acabado. Um programa acabado
deve ter uma explicação teórica da moderna sociedade capitalista em sua fase imperialista. As razões da
9
10
11
L. Trotsky “Lições de Outubro”.
V. Lenin “Tese sobre a táctica” aprovadas pelo III Congresso da IC junho 1921.
L. Trotsky “Completar o programa…”
53
crise, o crescimento do desemprego, etc.; e neste projeto, esta análise está brevemente resumida somente
no primeiro capítulo, pois escrevemos sobre estas coisas em artigos, livros, etc. Escreveremos mais e
melhor. Mas para fins práticos, o que se disse aqui basta, já que todos somos da mesma opinião. O
começo do programa não está terminado. O primeiro capítulo é só um aponte, e não uma expressão
acabada. Também o final do programa está incompleto, pois que não falamos aqui da revolução social, da
tomada do poder mediante a insurreição, da transformação da sociedade capitalista na ditadura, da
ditadura na sociedade capitalista. Isto leva ao leitor só ao portal. É um programa para a ação, desde agora
até o começo da revolução socialista. E, desde o ponto de vista prático, o mais importante agora é como
podemos guiar os diferentes estratos do proletariado na direção da revolução social”12
No entanto, o fato de que seja um programa incompleto não significa que não conserve toda a vigência de
seu método, já que estabelece a mecânica correta entre reivindicação e programa. Por um lado, o
Programa de Transição não nega as reivindicações, mas as contém, enquanto mantiver sua força vital.
O que importa não são as reivindicações em si, como consignas isoladas, senão “o carácter que pode e
deve tomar a luta por estas reivindicações nas condições da crise social atual”. E isso não implica outra
coisa que, para obrigar os capitalistas a fazer concessões sérias, é necessário quebrar sua vontade, ou
seja, quebrar o mando capitalista.
Por isso não se deve confundir sistema de reivindicações transitórias com sistema de reivindicações
“imediatas”. Parece um jogo de palavras, mas esta confusão resulta fatal para a política revolucionaria.
Como coloca Trotsky, trata-se da tese marxista geral:
“as reformas sociais não são mais que os subprodutos da luta revolucionária; na época da decadência
capitalista tem a importância mais forte e imediata. Os capitalistas não podem ceder algo aos operários, a
não ser quando estão ameaçados pelo perigo de perder tudo”.
Este sistema de reivindicações transitórias permite por em movimento as demandas cotidianas em função
de tarefas históricas, e isso condensa a preparação do proletariado como classe dominante, sua
organização e sua intervenção despótica no direito de propriedade. O programa de transição condensa as
tarefas do futuro estado operário, porque prepara o proletariado para as tarefas de dominação, enquanto
o deixa no limiar (da revolução).
Dito em outras palavras, o sistema de reivindicações transitórias condensa uma etapa histórica
determinada -transicional- e contém a experiência da classe e a vanguarda na etapa das crises, das guerras
e das revoluciones.
Ao contrario do que comumente se interpretou, quando Trotsky se refere faz uma espécie de distinção
esquemática entre reivindicações democráticas, transitórias e tarefas socialistas, o faz referindo-se como se
expressam nos países atrasados, mas não para estabelecer “blocos de consignas” -método que nada tem
que ver com o marxismo- mas para demonstrar distintos estágios da luta de classes que o programa
generaliza como um todo e por isso, para a concepção programática transicional de Trotsky “não estão
separadas na luta por etapas históricas distintas, senão que surgem imediatamente uma da outras”13.
Como exemplo
Enquanto afirmamos que é um erro separar os elementos programáticos de Trotsky em vê-los
isoladamente, com fins analíticos e só a modo de exemplo, tomaremos alguns aspectos para ilustrar a
mecânica à qual estamos nos referindo.
Por isso queremos mostrar em como Trotsky parte do papel fundamental da produção e distribuição
capitalista para estabelecer seu método programático.
Neste sentido, o controle operário, por exemplo, não se coloca como uma saída eventual anticrises e
democrática senão como ataque à desorganização económica da burguesia. Como dizia Engels,
12
13
Idem.
L. Trotsky, “Programa de Transção.”
54
“A contradição entre a produção social e a apropriação capitalista se manifesta agora como o
antagonismo entre a organização da produção dentro de cada fábrica e da anarquia da produção em toda
a sociedade”.14
Na época imperialista, o colapso capitalista e as crises exacerbam esta contradição, e é neste sentido, que
Trotsky coloca a ideia de controle operário, como escola de economia planificada.
Mas quando Trotsky defende a necessidade da escala móvel de horas de trabalho e salario, não o faz só
como medida para aliviar os efeitos de uma crise, senão que se trata do “sistema de trabalho de uma futura
sociedade socialista”. Só desde aqui pode entender-se porque “escala” e não “distribuição”. Colocar a
escala móvel é tentar apontar a raiz dos problemas da produção e distribuição do capital, enquanto que
distribuição só é uma medida anticíclica.
Engels, discutindo contra Dühring sobre a equivalência do tempo de trabalho, dizia: “se a equivalência do
tempo de trabalho pretende dizer que cada operário produz no mesmo espaço do tempo valores iguais,
sem que, por conseguinte haja necessidade de estabelecer um meio, a tese é falsa de todas as maneiras.
Entre dois operários, do mesmo ramo industrial, o produto do valor criado em cada hora de trabalho se
distinguirá sempre em razão da intensidade do trabalho e da habilidade do trabalhador”.15
Embora Trotsky coloque a expropriação parcial, ou seja, de certos grandes setores, tem o objetivo de
preparar o proletariado, desorganizando a burguesia, e toma como base a expropriação dos possuidores
como restauração da propriedade individual, mas baseada na propriedade social da terra e dos meios de
produção fabricados pelo próprio trabalho; no dizer de Engels “isto significa que a propriedade social se
entende à terra e demais meios de produção e da propriedade individual aos produtos, isto é, aos artículos
de consumo”.16
Por isso para Trotsky, em seu Programa de Transição, a necessidade de levantar a expropriação parcial
na agitação cotidiana, e não só desde um ponto de vista propagandista e geral, se deriva do fato de que
“os diversos ramos da indústria se encontram em um distinto nível de desenvolvimento, ocupam lugares
diferentes na vida da sociedade, e passam por diferentes etapas da lucha de classes”17.
A ligação que programaticamente estabelece Trotsky entre o partido e as massas se encontra expressada
em sua política para os sindicatos:
“A finalidade do partido comunista é levar a classe operária ao poder. Só pode cumprir esta missão
revolucionaria se ganha-se a maioria do proletariado e, portanto, suas organizações de massas,
especialmente os sindicatos. A luta do partido por influenciar aos sindicatos deve ser levada de forma que
não freie as tarefas presentes da organização de massas, que não a divida, que não faça germinar entre os
operários a ideia de que os comunistas desorganizam o movimento de classe. Os princípios desta lucha já
foram enunciados no Manifesto do Partido Comunista, desenvolvidos pela teoria e a prática posteriores
do movimento operário, e encontraram sua expressão mais elevada no bolchevismo.”
Desta perspectiva, Trotsky inclusive chega a colocar que o Programa de Transição é o programa para os
sindicatos: “Neste sentido, o programa de consignas de transição adoptado pelo último congresso da IV
Internacional não é só um programa para a atividade do partido senão que, em traços gerais, é o
programa para a atividade dos sindicatos”18. No entanto, não o coloca no sentido de que estes o
absorvam no abstrato, mas para aproximar o partido das organizações de massas, partindo da hipótese de
que, diante da crise de direção revolucionaria, luta pelo poder podia começar com o controle das mesmas.
Esta é uma singular expressão se temos em conta que o Programa de Transição, como dizíamos, se
circunscreve ao primeiro dos três aspectos ou tarefas que coloca a III Internacional, isto é, desorganizar a
burguesia; e por isso deve dirigir-se aos sindicatos, já que são estas organizações as que tem relação
direta com a produção e portanto, uma política revolucionaria nos sindicatos implica um ataque à base do
14
15
16
17
18
F. Engels, “Anti Dühring”.
Idem.
Idem.
Ob. Cit.
L. Trotsky, “Os sindicatos na era imperialista”.
55
regime burguês.
Como podemos ver, de conjunto ao estabelecer una relação marxista entre bases econômicas e suas
expressões políticas, permite preparar as condiciones económicas e políticas para um regime socialista.
Programa, Ditadura Do Proletariado E Ponte
Neste ponto é muito importante desenvolver o que significa a ditadura do proletariado para os marxistas
revolucionários e a relação entre esta e o programa. A ditadura do proletariado não é uma “perspectiva”
ou estratégia distante pela qual há que lutar enquanto levantamos um programa de reivindicações
imediatas, mas que de fato articula o conjunto do programa comunista e, como veremos também o
Programa de Transição.
Mas a esta altura cabe perguntar-se: se o Programa de Transição deixa “limiar” ao proletariado…¿Que
relação encontra com sua ditadura de classe? ¿O Programa de Transição só é um programa para enfrentar
o colapso capitalista? Cremos que assim a pregunta estaria mal formulada. Se o Programa de Transição é
parte do programa comunista, que ao dizer de Trotsky é o programa da revolução permanente, quer dizer
que há una relação, ou em todo caso inclui os elementos da ditadura do proletariado. Para abordar isto,
novamente nos vemos na necessidade de tomar as elaborações da III Internacional em sua etapa
revolucionaria a IV internacional de Trotsky.
Como vimos, para a III, se tratava de elaborar um “sistema de reivindicações” que permitiria desorganizar
a burguesia, organizar o proletariado e prepara-lo para as etapas da ditadura do proletariado.
Neste ponto, devemos deter em o que considera o marxismo revolucionário como “etapa” da ditadura.
Para Marx, “entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista media o período da transformação
revolucionaria da primeira para a segunda. A este período corresponde também um período político de
transição, cujo estado não pode ser outro que a ditadura revolucionaria do proletariado”19.
Disto, Lenin interpreta que:
“Em consequência, a ditadura do proletariado é ‘um período político de transição’: é evidente que também
o Estado deste período é uma transição ao não-Estado, ou seja, ‘não é mais um Estado no verdadeiro
sentido’…”20.
Mas este período político de transição até o não-Estado, ou seja, até sua extinção, atravessa diferentes
momentos ou etapas.
Como coloca Marx, discutindo contra Lasalle em sua crítica ao programa de Gotha, “do que temos que
ocupar-nos aqui não é de una sociedade comunista, tal como se desenvolveu em suas próprias bases, mas
pelo contrario, tal como acaba de nascer da sociedade capitalista; portanto, uma sociedade que em todos
os seus aspectos, económico, moral e intelectual, leve ainda os estigmas da velha sociedade de cujo seio
surgiu, (…) mas estas dificuldades são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como surgiu
da sociedade capitalista depois de um prolongado e doloroso nascimento. O direito não pode jamais
superar o nível da forma económica da sociedade e seu correspondente desenvolvimento cultural”21.
Marx distingue duas fases da sociedade comunista, a primeira o inferior, assinalada pela desigualdade da
distribuição, na qual, como dirá Lenin, ainda subsiste o direito (semiburgues) e portanto Estado
(semiburgues), e a segunda o superior, donde se supera esta desigualdade, “cada um segundo sua
capacidade, a cada um segundo suas necessidades”; acabando-se o antagonismo entre trabalho intelectual
e manual, deviniendo o trabalho na primeira necessidade da existência, e com um poderoso
desenvolvimento das forças de produção que propiciarão a completa extinção do Estado.
Mas a fase inferior do comunismo implica partir do mais avançado que tenha deixado o capitalismo, como
dirá Trotsky:
19
20
21
K. Marx, “Crítica ao Programa de Gotha”.
Notas de V. Lenin ao Programa de Gotha.
Ob. Cit.
5S
“… Marx entendia por ‘etapa inferior do comunismo’ a de uma sociedade cujo desenvolvimento
económico fosse, desde um principio, superior ao capitalismo avançado”22.
Analisando o Estado operário russo, Trotsky chega à conclusão de que “é mais exato, pois, chamar ao
regime soviético atual, com todas suas contradições, transitório entre o capitalismo e o socialismo, ou
preparatório ao socialismo, e não socialista” é dizer, na URSS nem sequer se havia alcançado a primeira
fase comunista. E não obstante, existe um período político de transição que é a ditadura do proletariado.
Tudo isto significa que a época imperialista complica o problema das etapas, agregando novas, já que o
imperialismo se converteu em obstáculo principal para o progresso económico e político.
Pero si também entendemos a ditadura do proletariado não como um ato mas como um movimento, não
só a insurreição (que para Lenin era parte constitutiva da ditadura), mas as tarefas preparatórias mesmas
são parte de estas etapas.
Por isso temos dito: “A ditadura do proletariado não é algo uniforme, em todos os momentos da
revolução. Segundo Lenin, possui distintas etapas: de preparação, que inclui primordialmente a construção
do partido revolucionário e sua ligação com as massas; a mesma tomada do poder, o momento da
insurreição como coroamento da guerra civil iniciada a última etapa preparatória. Finalmente, a ditadura
não culmina com a tomada do poder, mas que melhor se agudiza na etapa de transição ao socialismo, que
abre o novo poder obrero”23.
Para Trotsky, o Programa de Transicional e um programa de ação para uma das etapas da ditadura
(preparatória) ainda que não a ditadura mesma (por isso se fica no limiar). Esta mecânica é complexa mas
nos distancia 100% dos intelectuais que pretendiam converter o Programa de Transicional em um
programa acabado da IV internacional, cuja resultante sempre é e tem sido separá-lo da lucha pela
ditadura do proletariado, tirando-lhe sua coesão estratégica e convertendo-o, portanto, em um conjunto
de medidas anticíclicas ou de capitalismo de estado.
Por isso, quando Trotsky estabelecia que o Programa de Transicional era uma “ponte” por um lado, entre
as reivindicações atuais e as tarefas da ditadura do proletariado e por outro, com um componente
geracional (superar a confusão e desmoralização da velha direção, por um lado a falta de experiência da
jovem) não pensava em encontrar una fórmula mágica para elevar a consciência das massas, mas em
como encarar as tarefas preparatórias da ditadura do proletariado, ou melhor, como desenvolver o
proletariado como classe dominante, o qual constitui una tarefa fundamental de sua ditadura de classe.
Por isso Trotsky assegurará que: “a ditadura do proletariado por sua própria força, pode e deve ser a
suprema expansão da democracia proletária. Para realizar una grandiosa revolução social, o proletariado
necessita a manifestação suprema de todas suas forças e de todas suas capacidades: se organiza
democraticamente precisamente para terminar com seus inimigos”24.
O Programa de Transição prepara o partido para a direção das massas (ou melhor, das instituições de
massas), enfrentando as instituições do Estado burguês. Mas sob a perspectiva do programa comunista se
prepara (e prepara a seus quadros) para exercer a ditadura do partido como parte da ditadura do
proletariado e como parte do estado maior proletário que é a internacional. Negar este papel, para
troca-lo por um papel de educador ou simples elevador da consciência, é não enfrentar o Estado burguês
e levar a luta revolucionaria aos estreitos marcos da democracia capitalista.
O “Permanentismo” Do Processo Programático
Se o programa de transição é um programa de ação até a tomada do poder, temos que nos deter aqui na
distinção com o programa comunista, o programa de edificação do socialismo mediante a ditadura do
proletariado. Quando falamos de “programa comunista” não nos referimos a questões gerais ou de mística
22
23
24
L. Trotsky, “A Revolução Traída”
J. Morelli, I. Arana “Sobre la dictadura del proletariado”.
L. Trotsky, “Aonde vai França”.
57
revolucionaria, como gostam de fazer os campeões da distinção entre programa mínimo e máximo, senão
das tarefas concretas do partido e da ditadura proletária em uma sociedade de transição ao socialismo
concreta, e dada historicamente. Para isto, a experiência da revolução russa será de vital importância e o
foi, de fato, para um dos maiores aportes programáticos de Trotsky: a revolução política. O programa de
transição prepara a aplicação do programa comunista, por isso é muito importante compreender os
processos transicionais históricos. Por exemplo, o Manifesto Comunista também era um programa de
transição do capitalismo ao socialismo, em uma etapa determinada do capitalismo, mas na era imperialista
o programa votado pela IV internacional expressa lãs tarefas transicionais da época.
Nessa transição de um estagio a outro, a distinção mais importante entre programa de transição e
programa comunista, é que o primeiro está pensado para uma etapa donde as forças produtivas sociais
não estão sendo organizadas de maneira voluntaria e consciente por parte de certa sociedade. Ao
conseguir superar o primer estágio transicional do limiar da tomada do poder, a transição tem um carácter
estatal de destruição e criação colocando outras tarefas, porque para o programa comunista a tarefa
primordial é a planificação, o desenvolvimento dirigido das forças produtivas e a extensão da revolução
mundial.
Na era da decadência imperialista, programa transicional e programa comunista se inter-relacionam de um
modo histórico determinado e essa inter-relação será dada de acordo a mecânica da revolução mundial.
Por isso não se pode pensar o programa de transição só desde o ponto de vista nacional, ainda que as
particularidades sejam nacionais. E tampouco o programa de edificação do socialismo pode ser pensado
meramente no terreno nacional, - lógica estalinista que os trotskistas souberam combater- ainda que as
revoluciones sejam nacionais e a ditadura do proletariado tenha -eventualmente- um carácter nacional.
E dado que as revoluções não tendem a ser simultâneas, o programa de transição e o programa comunista
coexistirão e se articularão de maneira específica conforme vá avançando o processo revolucionário
internacional e será desafio da IV internacional reconstruída, generalizar sua mecânica. Por último, o
programa de transição e o programa comunista dependerão das condições específicas da ditadura do
proletariado, do desenvolvimento da revolução em países atrasados e países imperialistas.
Conclusões
“Transição” significa um salto em qualidade. É por isso que a luta por impor um programa é una luta
permanente com nossos inimigos de classe.
Neste sentido, é importante assinalar que o Programa de Transição tem um carácter “permanentista”, já
que é expressão concreta do programa comunista em uma época dada -de crises, guerras e revoluções e
parte de uma relação particular entre as forças motrizes da revolução e a crise de direção revolucionaria.
Nesta dinâmica-esta contradição entre classe, partido e direção-que se debate o Programa de Transição e
coloca as tarefas objetivas do proletariado na luta por sua liberação.
Como já marcamos no inicio, é importante ter em conta que quando a III internacional discute sobre a
necessidade de um “sistema de reivindicações“ o coloca, entre outros elementos, por causa do passar do
período orgânico do capital a seu período crítico, e este período dava uma nova base para a táctica.25
É neste ponto que queremos nos deter. Neste ensaio, temos recorrido aos elementos de continuidade
marxista que prevalece entre o programa da Internacional Comunista em sua etapa revolucionaria o
Programa de Transição de Trotsky e a IV Internacional. O primeiro se enfrenta a uma nova relação com
as instituições burguesas e os Estados capitalistas que já não se encontra em “formação” (tarefas
encaradas pelas burguesias no período orgânico do capital), senão em decadência e mostrando seus
aspectos mais reacionários, que se aprofundam produto da fase imperialista do capitalismo, assinalados
pelo “período crítico”, questão que nem sequer o desenvolvimento das forças produtivas no segundo
25
Ver por exemplo, V. Lenin “A nova época e o novo parlamentarismo”, Comp. “Os Cuatro Primeiros
Congressos da IC”.
58
pós-guerra pôde ocultar. No entanto, a curva descendente do capitalismo implicou, na saída do
pós-guerra, um salto na decadência imperialista, com importantes níveis de decomposição.
Isto implica que o “período crítico” caracterizado por Lenin, adquire certos elementos catastróficos que
determinaram o próximo período que e que afetarão o conjunto das relações de classe. Já estamos vendo
os primeiros avanços, donde toda a ideologia burguesa está sendo questionada e portanto suas
instituições.
Por isso a classe operaria não pode esperar que as bases do capitalismo caiam por seu próprio peso, e
muito menos substitui-las por “novas” instituições burguesas “democráticas”. O desafio do proletariado e
sua vanguarda é por em pé suas próprias instituições para quebrar o mando capitalista. Há que adiantar-se
aos planos imperialistas, que ante a impossibilidade de cooptar economicamente, tentará faze-lo
politicamente, gerando novas mediações, quebrando a vontade do inimigo; e com base nisto, construir a
direção revolucionaria internacional.
Se pelo contrario, as Correntes de esquerda persistem em tomar o Programa de Transição como um
método de pressão sobre o Estado ou de exigência ao mesmo, não poderão sair do fetichismo (ilusão)
democrático e afastarão a vanguarda das tarefas de preparação das etapas da ditadura do proletariado.
O Programa de Transição a propor-se desorganizar a burguesia, tenta liberar a sociedade das ataduras de
produção capitalista; toma este desafio tratando de dar as linhas gerais para enfrentar a burguesia em seu
terreno e delinear as futuras instituições proletárias do futuro Estado operário, recuperando as
organizações de massas como os sindicatos e criando o partido revolucionário.
Por isso, o Programa de Transição não pretende “desorganizar a burguesia” no terreno do regime político
-por mais de que incorpore demandas democráticas- como creem os centristas, mas que a concepção de
desorganização é na produção, e desde ali se irá formando uma nova direção operaria que possa tomar
em suas mãos as rendas do Estado e da economia planificada.
Neste sentido, é importante entender que “completar” o programa implica entender sua mecânica desde
uma ideia de totalidade, em quanto aos diferentes estágios dos processos revolucionários e nível
internacional, já que nosso programa se nutre das distintas experiências da lucha de classes.
Nossa corrente aceita o desafio proposto por Trotsky: completar o programa e colocá-lo em marcha.
Entendemos que completar o programa não se circunscreve a sua melhor aplicação ou á somatória de
consignas e medidas. Significa recuperar o programa abandonado pelas Correntes herdeiras da IV
internacional e seus desvios centristas do pós-guerra. Por isso, entendemos que a melhor forma de
completar o programa coloca-lo em marcha implica colaborar, recuperar sofisticar o método de análises
das tendências imperialistas e as tarefas dos revolucionários, na superação da crise de direção
revolucionaria mundial e a reconstrução da IV.
Também, completar o programa significa compreender seu carácter permanentista, e histórico, e nos
negamos a converter o programa na mecânica dos “momentos” (sindical, político, militar…), que não é
outra coisa que teoria burguesa enfeitada, como dizia Marx, com a “ladainha da democracia”, em outras
palavras, adaptar o programa aos estados de animo das massas abstratas; porque entendemos as palavras
de Trotsky: “o programa deve expressar as tarefas objetivas da classe operaria além do atraso dos
operários”26.
Esperamos que este trabalho possa aportar a este desafio. Como podemos ver, de conjunto, ao
estabelecer uma relação marxista entre bases económicas e suas expressões políticas, permite preparar as
condições econômicas e políticas para um regime socialista.
Notas
1
26
(Declaración del Buró Político de la Organización Comunista Internacionalista, 20 de agosto de 1971).
L. Trotsky, “El atraso político de los obreros norteamericanos” de la compilación “Escritos” año 1938
59
2 Proyecto de informe político preparatorio al XXVI Congreso de La OCI (U) sacado de, Correspondencia
Internacional Nro. 15, 1981.
3 Al respecto, ver actas del buró internacional de la CORCI en discusiones con el SU 1979 y también la carta de la
CORCI al SU 1979.
4 Ver La Moral y la actividad revolucionaria 1987.
5 F. Engels, Anti Dühring, pág. 217. Ed Cartago.
6 Tesis la IC, “Los combates y reivindicaciones parciales”, redactadas por Radek y aprobadas por el III Congreso,
junio 1921.
7 L. Trotsky “Completar el programa y ponerlo en marcha” de la compilación “Escritos”. Traducción de Victoria Rojo.
8 L. Trotsky “El Programa de Transición” 1938.
9 L. Trotsky “Lecciones de Octubre”.
10V. Lenin “Tesis sobre la táctica” aprobadas por el III Congreso de la IC junio 1921.
11 L. Trotsky “Completar el programa…”.
12 Idem.
13 L. Trotsky, “Programa de Transición”.
14 F. Engels, “Anti Dühring”.
15 Idem.
16 Idem.
17 Op. Cit.
18 L. Trotsky, “Los sindicatos en la era imperialista”.
19 K. Marx, “Crítica al Programa de Gotha”.
20 Notas de V. Lenin al Programa de Gotha.
21 Op. Cit.
22 L. Trotsky, “La Revolución Traicionada”.
23 J. Morelli, I. Arana “Sobre la dictadura del proletariado”.
24 L. Trotsky, “A dónde va Francia”.
25 Ver por ejemplo, V. Lenin “La nueva época y el nuevo parlamentarismo”, Comp. “Los Cuatro Primeros Congreso
de la IC”.
26 L. Trotsky, “El atraso político de los obreros norteamericanos” de la compilación “Escritos” año 1938
60 
Download

EQUILÍBRIO, ESTATISMO E POLÍTICA ECONÔMICA BURGUESA