EQUILÍBRIO, ESTATISMO E POLÍTICA ECONÔMICA BURGUESA FRENTE A CRISE1 Isabela Arana- Joaquín Morelli Na reunião do G-20 em Seul, o documento assinado pelos representante dos países membros continuou com a linha de compromissos para alcançar o “equilíbrio”, sem definir todavia uma linha clara no que diz respeito ao funcionamento da economia mundial, em particular, em relação ao sistema financeiro, os fluxos de capitais e as taxas de cambio das moedas. A declaração surgida da reunião se debate sem um fim claro entre a regulação dos mecanismos financeiros, que levaram ao estalo da crise, junto com a pretensão de assegurar o “livre mercado” e a livre circulação de capitais. Estas contradições nos termos para a economia burguesa se conseguiram devido a que o objetivo fundamental que tem é o de alcançar o equilíbrio econômico em nível mundial supostamente atacando as causas dos desequilíbrios gerados a partir da crise. Justamente, esta declaração tenta resolver – sem êxito – profundas diferenças que não são só “teóricas” mas na realidade, político-econômica, já que existem interesses muito diferentes (encontrados) entre, por exemplo, os países com superávit de sua balança de pagamentos e os países com déficits. Como disse o economista burguês Nouriel Roubini, “as reuniões do G-20 parecem ser mais as do G-0”, porque a combinação das forças dos interesses doa principais participantes da reunião dão como resultante uma força igual a zero. Formalmente, as declarações destas instancias se centralizam ao refor de determinados desequilíbrios tais como a divida pública e os déficits fiscais; a relação entre a poupança privada e a divida privada, e por outro lado, os desequilíbrios no comercio exterior, seja na balança comercial e nos fluxos de inversão e transferências. Para a análise que interessa aos quadros burgueses nos Estados, como opinólogos, é fundamental levar em conta além das taxas de cambio as políticas fiscais e monetárias. Agora, é importante remarcar aqui que esta divisão dos desequilíbrios em partes, para além da pertinência de analisar os prazos e os casos especialmente graves de crise, tenta ocultar o caráter estrutural da crise capitalista. Analisamos em outra notas deste número o argumento de determinados setores burgueses na discussão entre os países com superávit da balança comercial e os países com déficit, como o é a discussão de Pettis com relação à China. Entretanto, esta não é a única expressão do problema dos desequilíbrios. Também, tal como afirmam as diversas declarações emitidas pelas diferentes instituições supra-estatais, tem surgido na superfície os graves problemas das taxas de cambio, desenvolvido em uma “guerra de moedas”. Outro ponto de conflito é o dos fluxos de capital, que se destinam em massa aos países com maior taxa de juros (países exportadores, que tentam manter “desvalorizada” sua moeda, como China, Brasil e Índia). Assim mesmo tem que assinalar a questão dos déficits estatais. Estes problemas e debates ressurgiram na recente reunião que mantiveram os principais chefes de Finanças do G-20 onde ficaram manifestas as maiores rusgas (pujas) entre EUA e a UE e entre a Alemanha, Grã Bretanha e França em particular e entre estes com a China. As discussões com relação a como evitar o desequilíbrio e descalabro da economia mundial frente ao “risco sistêmico” que apresentam os bancos não poderão ser solucionadas com supostas políticas regulatórias nem com supostas linhas de recapitalização que já mostraram sua ineficácia ao exacerbar os problemas já existentes. A atual crise capitalista não pode ser resolvida, desde o ponto de vista burguês, com uma mescla eclética de linhas implantadas nos anos 30 ou 70, Uma vez que a economia política burguesa mostra a caduquice (caducidad) histórica de suas colocações. 1 Artículo elaborado em setembro-outubro de 2011. 1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE “EQUILÍBRIO” NA TEORIA ECONÔMICA BURGUESA Como vemos, os debates burgueses com relação à crise se reduzem a uma questão de somatória destes desequilíbrios. É licito perguntar sobre o por que desta obsessão por alcançar esse “equilíbrio perdido” que, dito de passagem, nunca se realizou. É que a noção burguesa de equilíbrio, tanto no econômico, como no político, se refere mais a uma noção abstrata de estabilidade absoluta. Ou seja, é um conceito de equilíbrio mais ligado a um dever ser abstrato que à realidade concreta. Existem diversas definições, e leis associadas às mesmas, que na economia burguesa determinam estes supostos “equilíbrios”. Um dos pioneiros em incursionar no campo da teoria do equilíbrio geral foi F. Quesnay (1694-1774). Este economista francês partia da descrição de uma economia agrária de subsistência. Quesnay colocava que uma nação se reduz a três classes de cidadãos: a produtiva, a classe dos proprietários e a classe estéril. Realizou esta classificação a partir do lugar que ocupam os indivíduos no processo de criação de riquezas. Neste esquemas os ingressos das três classes sociais estão vinculados com a geração de riquezas sob a forma de bens de consumo que se produz com o trabalho da sociedade. Daqui surgiu a noção de “estado estacionário”, em uma economia fechada, como um fluxo circular que se repete cada período e que possibilita um equilíbrio econômico e social a partir da igualdade entre os ingressos e os gastos de cada classe social. Posteriormente, desde o liberalismo, Adam Smith (1723-1790) analisou o funcionamento do sistema manufatureiro, nascido com a Revolução Industrial, onde existiriam três classes sociais: os donos de terras (terratenientes), os trabalhadores e os empresários com seus respectivos ingressos monetários, ou seja, renda, salário e benefícios. Adam Smith sustentava que o mercado tende naturalmente a um equilíbrio econômico e social. Segundo o economista escocês, a busca para satisfazer o próprio interesse beneficiaria a toda a sociedade e estava limitado pelo próprio interesse do próximo. Os produtores tentariam obter o Maximo beneficio mas, para consegui-lo, deviam produzir os bens que desejava a comunidade. Além disso, deviam produzi-los nas quantidades adequadas, do contrário, um excesso daria lugar a um benéfico preço baixo, enquanto que uma oferta muito pequena originaria um aumento do preço e finalmente um aumento da oferta. O mecanismo de Smith da “mão invisível” entrava em jugo assim mesmo no mercado dos fatores de produção, assegurando a harmonia sempre que os fatores buscavam as rendas máximas possível. Se produziriam os bens adequados aos preços adequados e o conjunto da sociedade obteriam a máxima riqueza possível enquanto regesse a livre concorrência; entretanto, se fosse restringida a livre concorrência, a “mão invisível” deixaria de funcionar e a comunidade arcaria com as conseqüências. Desde essa concepção, o equilíbrio econômico seria algo natural em uma sociedade onde existiria uma “mão invisível” que faria que os interesses particulares se corresponda com o interesse geral. Sem duvida houve duas mudanças históricas transcendentais que questionaram o desenvolvimento destas teorias do “equilíbrio geral”. A Revolução Francesa de 1789 e a situação da sociedade inglesa após a sanção das Leis dos Pobres de Speenhamlnd (1795) questionaram de alguma maneira seus postulados harmônicos e instalaram o problema da evolução da população na ciência econômica. Thomas Malthus (1766-1843) formulou naquele período sua colocação sobre a “escassez dos recursos” ao considerar que o ritmo de crescimento da população superaria o ritmo de crescimento da produção de alimentos. Um de seus discípulos mais reconhecidos David Ricardo (1772-1823) cuja obra se centrou na disputa entre proprietários de terras e empresários na teoria da renda diferencial (1817) onde os empresários, frente a escassez de terras férteis na Inglaterra, deveriam pagar aos proprietários de terras, renda cada vez mais altas por terrenos cada vez menos férteis para satisfazer as necessidades de uma população que aumentava. Uma das principais tese de Ricardo consistia em considerar que o valor dos bens se divide em duas proporções: a que constitui o beneficio e a que constitui a mão de obra, definindo ao capital atual 2 como trabalho anterior. Ricardo, crítico da teoria do valor de Smith, sustentou entre suas teses principais que não se devia confundir p trabalho investido na produção da mercadoria com o trabalho que se comprava na mercadoria; que o valor só se achava determinado pelo trabalho investido e que a determinação do valor por tempo de trabalho conservava sua plena vigência sob o capitalismo. Considerou o salário e o lucro como duas partes do valor criado pelo trabalho, e chegou à conclusão de que a diminuição do salário eleva o lucro e sua elevação reduz este último, reconhecendo desta forma a divergência de interesses entre o proletariado e a classe dos capitalistas. Jean B. Say (1767-1832) criticou duramente estas colocações de Ricardo pondo novamente o eixo do estudo econômico nas teses da harmonia ao subtrair da economia a análise das classes sociais. Seu principal aporte foi a lei dos mercados onde sustentou que toda oferta cria sua própria demanda2. Posteriormente Schumpeter (1883-1950) retomou as colocações de Say ao sustentar que a produção aumentaria não só a oferta de bens no mercado, senão normalmente também sua demanda. Neste sentido considerava que a oferta cria o fundo do qual flui a demanda de seus produtos. Considerava que demanda, oferta e equilíbrio som conceitos para descrever ralações quantitativas dentro do universo das mercadorias e dos serviços, e em particular, que a demanda e a oferta agregam não só independência a uma da outra, pois as demandas que compõem a demanda total do produto de uma indústria, ou empresas, ou indivíduos, procedem das ofertas de todas as demais indústrias, ou empresas, u indivíduos, e, portanto, aquela aumenta na maioria dos casos se aumentam estas ofertas, e descende se elas diminuem. A partir destes argumentos conclui que as crises não achavam sua causa no fato de que a sociedade houvesse produzido demais. Walras, influenciado por Jevons, partia de consideras a economia como ciência matemática. Desde esta idéia se esforçou por demonstrar empiricamente que os diferentes mercados estão interconectados como se fossem um sistema de equações matemáticas compatíveis, de maneira que a igualdade entre o número de equações e incógnitas possibilitaria uma solução onde se verifique o equilíbrio simultâneo dos mercados. Walras situava a empresa no centro da economia e se interessava por sua ação no marco de uma competição entre agentes, assim como em uma independência de todos os mercados econômicos: os percados de produtos (bens e serviços) e os de fatores de produção (trabalho, terra e capital). Neste esquema Walras opinava que a solução ao problema do equilíbrio geral passava pela determinação simultânea do preço dos bens e dos fatores de produção, supondo um mercado de concorrência perfeita com pleno emprego. Estas idéias influenciariam posteriormente A. Marshall quem considerou que o equilíbrio de mercado era estável, ou seja, que se o preço se separasse dele, tenderia a voltar ao mesmo, como um pendulo oscila ao redor de seu ponto inferior. O interesse na “estabilidade dos equilíbrios”, especialmente dos mercados, caracterizou aos integrantes da Escola de Lausana, particularmente ao sucessor de Walras, Wilfredo Pareto. Uma versão mais desenvolvida da teoria do equilíbrio é expressa pelo “Ótimo de Pareto” que postula que nenhum individuo pode melhorar sua situação sem que piore a de algum outro. Para iesto é necessário que haja um sistema de competição pura e perfeita. Este tipo de competição supõe o cumprimento de cinco condições: atomicidade dos mercados (tantos compradores e vendedores onde nenhum deles possa influir individualmente no preço do produto); transparência e perfeita informação (todo individuo conhece perfeitamente quais são as condições do mercado); livre entrada e saída do mercado (não existem restrições para que qualquer empresa possa produzir o que deseje); livre mobilidade dos fatores produtivos (tanto o capital como o trabalho se dirigem aquela situação segundo o preço dos fatores), e homogeneidade do produto (aos consumidores lhes dá igual a quem compra se todo os produtos são iguais). Junto ao austríaco Carl Menger e ao britânico Stanley Jevons, Walras foi considerado um dos fundadores 2 “A Treatise on Political Economy, or the production, distribution and consumption of wealth" (1803) 3 da corrente neoclássica e do marginalismo. Schmpeter considerava o equilíbrio de Walras como indispensável para chegar a conhecer as relações fundamentais que tem lugar em um sistema econômico, e sustentava que não é possível compreender o processo de desenvolvimento sem levar em conta as condições que supõem a ruptura do equilíbrio estacionário. As característica fundamentais do estado estacionário walrasiano segundo a visão schmpeteriana, é que se considera que a situação econômica se repete, seja na esfera da produção, seja na esfera do consumo. Uma vez que a competição haja conduzido ao sistem para a posição de equilíbrio, que coincide com a de Maximo rendimento, o processo se repete em um ciclo sempre idêntico a si mesmo. Toda empresa deve produzir sempre os mesmos tipos e as mesmas quantidades de bens, combinando sempre na mesma forma os fatores de produção3. Para Schmpeter a ruptura deste estado estacionário e, como conseqüência, o inicio de um processo de desenvolvimento, ocorre quando no âmbito da produção se introduz modificações que mudam profundamente os sistemas produtivos anteriores. As mudanças podem ser do seguinte teor: 1) a introdução de um novo bem, ou uma nova qualidade de um certo bem; 2) a introdução de um novo método de produção; 3) a abertura de um novo mercado para uma industria determinada na consideração de que os produtos esta industria não havia tido nunca acesso; 4) a conquista de uma nova fonte de matérias primas ou de produtos semi elaborados; 5) o estabelecimento de uma nova organização de uma determinada industria. Tais mudanças são denominadas inovações. As categorias fundamentais de seu discurso são o conceito de inovação e o conceito de empresário. O empresário capitalista é quem acaba continuamente com o estado estático e estacionário, modificando os processos produtivos mediante inovações. O fator que causa a mudança é a inovação, que se considera que é fazer as coisas de maneira diferente dentro do campo da vida econômica.4 O período entre guerras e a crise de 1929 questionaram profundamente estes argumentos. Foi neste contexto que John M. Keynes (1883-1946) desenvolveu os postulados principais de sua obra polemizando parcialmente com as idéias predominantes. Em sua critica da Lei de Say, Keynes sustentava que a mesma só funciona quando um ato de poupança individual conduz inevitavelmente a outro paralelo de inversão e que não é apropriado supor a existência de um elo que liga as decisões de abster-se do consumo presente com as que provêem do consumo futuro. Para Keynes há um motivo especulativo que favorece que uma massa de dinheiro que se gera na produção fuja para o setor financeiro a fim de obter rendas mais seguras. Esta tese questiona a idéia de equilíbrio geral dos mercados baseada no livre jogo da oferta e da demandam,presente nos esquemas anteriores. Keynes considerava que durante as crises, o mercado não pode garantir o equilíbrio econômico, razão pela qual se requer a intervenção do estado para favorecer as inversões, o produto e o emprego, a partir de estimular a demanda agregada via o consumo público e privado, ainda que isto implique um aumento do nível geral de preços. Mais adiante, voltaremos sobre esta colocação. Décadas mais tarde, os postulados de Keynes foram questionados pelos neoclássicos. Um de seus maiores expoentes é Milton Friedman que retomou os postulados da lei dos mercados de Say e a idéia de equilíbrio geral. Nos tópicos seguintes aprofundaremos e polemizaremos com tais postulados da economia política burguesa para apreender melhor os debates atuais entre os diferentes funcionários e representantes das correntes. ALGUNS ELEMENTOS DE CRÍTICA METODOLÓGICA À ECONOMIA BURGUESA A teoria marxista, diferente da economia política burguesa, toma a questão do equilíbrio como um conceito contraditório. Equilíbrio e desequilíbrio são, na teoria econômica marxista, justamente não excludente, senão que formam uma unidade diferenciada, como conceito dialético. 3 4 D. Guerrero, et al. Manual de economía, vol 1. 2001, pág 258. Ibídem. 4 A razão principal que tem o marxismo para fazer uso deste tipo de conceitos é que justamente empreende o estudo do fenômeno vivo, e, portanto contraditório, do capitalismo. Nesta formulação metodológica consiste sua principal vantagem em relação às teorias econômicas burguesas, as quais se reduzem a uma serie de deduções que se fazem a partir de um equilíbrio abstrato e estacionário. Para desenvolver esta importante questão da noção de equilíbrio na economia burguesa tomaremos a critica que Henryk Grossmann realizou em “Marx economia política clássica e o problema da dinâmica”, onde tenta elaborar a noção de dinâmica da economia marxista a partir de explorar as contradições dos postulados dos economistas burgueses. O objetivo de elaborar uma teoria econômica que capte a dinâmica e contradição dos fenômenos concretos foi possível para Marx a partir de uma critica das teorias econômicas dos clássicos como Smith e Ricardo, a partir do método dialético, o qual busca capturar o concreto no pensamento. Nesse sentido, as categorias postuladas pela economia política clássica, em particular a de valor, foram tratadas pro Marx em suas contradições inerentes. Ou seja, para Marx os conceitos elaborados por estes economistas tinham, como toda idéia dentro de nossa sociedade, uma parte mistificada e uma parte real. O objetivo então, não era anular uma categoria mistificadora e trocá-la por outra, mas, explicar a conexão necessária entre ambas e a partir disso assinalar o caráter aparente das mesmas. Para Marx os fenômenos monetários não deviam ser tomados como os elementos principais dos fatos econômicos, mais sim como formas reflexivas dos mesmos, e que o processo real que afeta as mercadorias devia ser buscado na produção, atrás do “véu monetário”. Entretanto, Marx estava longe de postular uma oposição categórica entre o “real e o aparente”. Marx estabelecia a conexão entre mercadoria e dinheiro ao considerar que “a contradição oculta entre valor de uso e valor de troca que existe no interior da mercadoria se faz palpável na oposição entre as mercadorias, na qual uma é considerada por seu valor de troca e a outra por seu valor de uso.” UMA BREVE INTRODUÇÃO AO PROBLEMA: O DUPLO CARÁTER DO TRABALHO E O ERRO FUNDAMENTAL DA TEORIA ECONOMICA BURGUESA Ao desenvolver o caráter contraditório da categoria mais comum da sociedade capitalista, a mercadoria, Marx se introduz ainda mais na mesma analisando o caráter especial do trabalho como mercadoria. Desta maneira Marx pode determinar o duplo caráter do trabalho, assinalando o fato de que este cria o valor de um produto destinado ao mercado, e por sua vez cria um valor de uso necessário socialmente. A partir desta distinção fundamental, a critica marxista à economia burguesa se dirige justo ao centro dos objetivos ideológicos e políticos da mesma, como o é o da idéia de conseguir um “equilíbrio” abstrato, que não é mais que o reflexo ideológico dos interesses de classe da burguesia e seu Estado. O mesmo Marx dizia que o assinalamento do caráter contraditório do trabalho sob o capitalismo era um descobrimento fundamental para a ciência econômica. Este duplo caráter do trabalho assinala por sua vez o duplo caráter da mercadoria, o valor de troca e o valor de uso das mercadorias. Esta dualidade das categorias econômicas se dá em Marx em todos os níveis da exposição de sua teoria, desde os mais abstratos como a analise da mercadoria, como nos mais concretos, como a analise das contradições entre capital fixo e circulante, etc. Esta metodologia dialética é fundamental para empreender a analise da dinâmica do capitalismo, sem cair no estudo matematizado das mudanças quantitativas de variáveis da economia burguesa, que dessa maneira segue sendo uma teoria “estática”. O importante é reconhecer aqui o ponto de apoio que tem os conceitos estáticos da economia burguesa. Ou seja, encontrar onde se assenta sua concepção de equilíbrio. Em primeiro lugar mencionaremos o fato assinalado por Grossman de que “a economia política clássica foi sempre uma teoria abstrata do valor de troca”. Isto no sentido de que seu desenvolvimento se encaminhou sempre se enfocando nos aspectos da 5 dinâmica da oferta e da demanda (circulação) em detrimento dos processos relacionados com a produção de valor. E aqui podemos retomar o dito anteriormente sobre “a parte de verdade” das categorias econômicas que a critica deve levar em conta. Marx assinalou que a expressão mais pura da dinâmica capitalista era a da relação entre “valor de troca” e “aumento no valor de troca”. Esta lógica nascida da visão que possui o agiota ou o comerciante se abstrai completamente da origem, não só do valor de troca, senão, sobretudo da razão do aumento do valor. Como marxistas reconhecemos o valor central do trabalho na produção e reprodução do valor, aspecto que, se bem os clássicos como Ricardo ou Smith reconheciam, não desenvolviam em suas conseqüências para a análise do capitalismo. Mas, voltando ao que nos ocupa, necessitamos determinar quais são as conseqüências deste pensamento abstraído da centralidade do trabalho na noção de equilíbrio. Tanto para Smith como para Ricardo o equilíbrio abstrato era um conceito fundamental em sua teoria. Justamente, a teoria dos “preços naturais”, parte de um equilíbrio entre demanda e oferta que é só um equilíbrio entre valores de troca, e que só reflete em todo caso, as flutuações dos preços ao redor dos valores (fato existente e que a economia marxista desenvolve). Como dizíamos mais acima, o que a analise clássica deixa de lado é o aspecto contraditório do valor, neste caso, a outra cara da dinâmica dos preços, que não ocorre na superfície dos “intercâmbios comerciais”, senão na profundidade da produção. O que nos interessa assinalar aqui é o fato de que uma teoria econômica que absolutiza o valor de troca termina por deixar completamente de lado a fundamental dinâmica do valor de uso das mercadorias, não pode compreender os fenômenos subjacentes ao mesmo desenvolvimento capitalista ao longo de sua historia. A dinâmica dos valores de troca abstraída de sua contraparte em relação ao valor de uso das mercadorias se converte então em um elemento estático que pode descrever os movimentos dentro das margens estabelecidas para condições de reprodução dadas. Desta maneira ficam de lado os aspectos relacionados com a reprodução ampliada e os fenômenos da acumulação capitalista, os quais são centrais para compreender a dinâmica do capitalismo mais além da conjuntura. Descartando o estudo da dinâmica dos valores de uso, ou seja, anulando a contradição que está no centro da problemática do valor, o único que se elimina é a possibilidade de compreender um fenômeno que se faz cada vez mais habitual e violento à medida que se desenvolve o capitalismo, como são as crises. É assim como pela omissão que se faz da contradição inerente da categoria do valor no capitalismo se termina operando uma oposição categórica entre equilíbrio e crise, que logo seria deduzida como um postulado fundamental pelos economistas posteriores aos clássicos. Justamente esta absolutização do valor é o que para Marx está na base do erro da teoria de Adam Smith, que postula um equilíbrio entre oferta e demanda que determinaria os “preços naturais” das mercadorias, como um equilíbrio de valores. Em relação a Ricardo, esta absolutização da dinâmica do valor em detrimento daquela do valor de uso, se expressava também no interesse de Ricardo em estudar a “renda liquida (neta)” – lucro entendido como mais valor obtido da relação dos preços sobre os custos – e em menosprezar o estudo da “renda bruta”, no sentido dos valores de uso necessários para sustentar a reprodução do trabalho. Para Ricardo o fundamental era o estudo da uma teoria da distribuição dos valores. Inclusive postulava que a determinação de uma relação matemática parte de uma totalidade dada que era o único objeto real da ciência. Este tipo de fundamentos levara a teoria ricardiana a sua característica apriorista e dedutiva própria da economia política clássica e de seus sucessores. Estes postulados denotam como foi mencionado anteriormente, as profundas contradições da teoria ricardiana mesma, onde convivia uma teoria do valor trabalho, com uma absolutização da dinâmica do valor acima do verdadeiro comportamento complexo Fo valor. A partir disto se pode compreender a existência posterior das opostas escolas reicardianas “de esquerda” (os igualitaristas), e “de direita”, que tentaram descartar (desechar) as conseqüências da teoria do valor trabalho (no concreto, de que os trabalhadores não recebem o produto total de seu trabalho) ressaltando o estudo dos fenômenos do mercado como o intercambio. Como dizia depois o fundador da escola de Lausana, Leon Walras, a economia política “é a 6 teoria do valor e do intercambio do valor”, renegando assim a possibilidade ou o interesse de estudar a produção e a distribuição do valor na economia. Justamente, a teoria econômica burguesa começou a desenvolver, a partir das incongruências da teoria clássica, um método que tinha por objetivo fazer da economia uma serie de postulados o mais abstrato e formal que fosse possível, com o fim de ocultar toda relação com o processo concreto da produção e da exploração do trabalho. Concretamente , e seguindo o objetivo de Ricardo, se tentou criar uma teoria da distribuição baseada na dinâmica do mercado, para fundamentar a “teoria dos fatores”, segundo a qual todos os fatores da produção (terra, capital e trabalho) são recompensados proporcionalmente a sua intervenção na produção das mercadorias, sendo então o salário o pagamento total do trabalho realizado e não uma parte do mesmo como postulava inclusive Ricardo. Uma vez tirada (borrada) da teoria a questão do intercambio desigual entre capital e trabalho, era necessário enunciar uma teoria do valor de acordo com a teoria dos fatores. Neste sentido se desenvolveu, tal como mencionamos anteriormente, as teorias psicologistas do valor postuladas primeiro pó J. B. Say e logo continuada pela escola marginalista. Estas “teorias subjetivas do valor” postulavam a necessidade de medir a “utilidade subjetiva” dos produtos e serviços. Desta maneira a teoria da utilidade marginal tentava converter a questão do valor em uma questão psicológica. A respeito da cientificidade desta metodologia, quanto a medição certeira do valor concreto produzido pelo trabalho, não havia mais preocupações. O importante é que esta escola já havia construído uma teoria do valor na medida da teoria dos fatores de produção, e a partir dela, da necessidade de um equilíbrio entre os mesmos (distribuição de acordo a sua “participação na produção”). Justamente, a lei de Say e seu postulado de que a toda produção corresponde sua própria demanda, como lei do equilíbrio fundamental da economia, também é subsidiária destas concepções. Assim mesmo, em sua critica à teoria econômica burguesa, Grossmann sustentou que, a razão pela qual todas as tendências dentro da teoria dominante fincaram o pé no caráter estático da economia, foi a necessidade de justificar a ordem social atual como “razoável”, como um sistema que tende a se auto regulamenta. Mas como vimos mais acima, os economistas burgueses clássicos desde Ricardo até Say, começaram a fundamentar paulatinamente suas teorias em uma idéia de equilíbrio que se abstrai particularmente do problema da exploração do trabalho e do intercambio desigual que a mesma encarnava. Grossmann assinalava a respeito que: “De qualquer maneira, se alguém busca estabelecer a direção especifica do conjunto da economia, deve investigar não só as relações de intercambio a partir de variáveis dadas, senão também seu desenvolvimento, crescimento e fenecimento ou (como disse Mayer) o ‘processo de formação do preço’. Não basta olhar para as relações de intercambio, deve também estudar tanto o processo de produção como o processo de circulação, ou seja, o processo como um todo. Desta maneira se clarifica o fato de que as trocas positivas e negativas não se estabilizam até alcançar um grau zero, senão que assumem valores definidos (por exemplo, a queda da taxa de lucro). Isto é, revelam a direção do movimento do sistema como um todo, as tendências de seu desenvolvimento”5. Grossmann pensa que a ênfase da economia política burguesa no conceito de “auto-regulação” tem a intenção de desviar a atenção da realidade prevalecente no sistema capitalista, caracterizada pela destruição caótica e frenética de capital; a quebra das empresas e fábricas; o desemprego massivo; as crises monetárias e, a distribuição arbitraria da riqueza. Partindo destas considerações, Grossmann considerava que se pode entender perfeitamente porque os conceitos de “estática” e “dinâmica”, que se originaram na física teórica, foram introduzidos na teoria econômica burguesa sem nenhum tipo de discussão sobre se tal divisão antagônica e mecânica da teoria estava justificada. Neste sentido, Grossman conclui que: “O insustentável de tal separação fica claro quando se considera que não existem processos ‘sem movimento’ na economia: que a chamada economia ‘estacionaria’ se ‘ move’, e que é um processo 5 Grossmann, “A economía política clásica e o problema da dinâmica”. 7 circular. Daí que a caracterização distintiva das estáticas e das dinâmicas não podem descansar no fato de que uma delas investigue o ‘não movimento’, e a outra os fenômenos moveis ou variável. Mais ainda, caracterizamos como ‘estático’ a um processo econômico cinético que alcançou um completo equilíbrio de seus movimentos, como resultado da persistência de todas as condições objetivas e subjetivas se repetem interminavelmente, sem mudanças, de um período ao seguinte (um circulo). Conseqüentemente, uma economia dinâmica se deve compreender, não como uma ‘economia em movimento’ (já que a economia ‘estática’ também se move), mas sim como um processo econômico que não alcançou o equilíbrio, ou seja, um processo que se move para o desequilíbrio enquanto passa o tempo, o que simplesmente significa que as condições do processo econômico mudam de um período para o outro, resultando na situação final do processo econômico – a estrutura econômica – também em mudança permanente.6” AS TENTATIVAS DE ATUALIZAÇÃO DA ECONOMIA BURGUESA AO PROBLEMA DA DINÂMICA Apesar das teorias do equilíbrio, foi o desenvolvimento do capitalismo o que pressionou mais aos economistas burgueses para introduzir o problema da dinâmica em suas teorias econômicas. A maior complexidade e os novos problemas que apareciam sob a forma da crise cada vez mais violentam induziram aos economistas a considerar aspectos de movimento em suas teorias fundamentalmente estáticas. O primeiro deles foi J. S. Mill que quis introduzir “correções ao esquema estático”. Também desenvolveram teorias como as de A. Marshall, que tentou levar adiante, como já mencionamos, uma “teoria de equilíbrios parciais”, dependentes de um “equilíbrio fundamental”, o qual não era explicado. Estas formas nas teorias acusavam a pressão das contradições do capitalismo que se expressavam de forma cada vez mais violenta. No entanto, deixavam em pé seus postulados fundamentais em relação ao problema do equilíbrio. Já vimos como a concepção se sustenta em determinada concepção de valor, pelo que o abandono da idéia estática era praticamente impossível. É por isso que frente ao problema das crises, as teorias burguesas começam a desenvolver uma serie de aditamentos teóricos que partiam de um novo colorário da teoria do equilíbrio e que pode se resumir no seguinte: os fenômenos que alteram o equilíbrio são de caráter externo ao sistema. Desta maneira, se mantinha em pé o edifício dedutivo da teoria do equilíbrio e se podia, ao menos, tentar explicar o fenômenos recorrente das crises capitalistas. Como disse Grossmann: “Como teorias de equilíbrio, as teorias dominantes não podem, desde seus próprios princípios, derivarem as crises generalizadas a partir do sistema, já que desde seu ponto de vista os preços representavam um mecanismo automático de restauração do equilíbrio e para a superação das alterações. Qualquer tentativa destas teorias para incluir algum dos momentos de alteração empiricamente provados acabaria chocando com a seguinte contradição: uma aplicação consistente dos argumentos da teoria do equilíbrio (que eles utilizam) pode somente explicar tais rupturas do equilíbrio como produzidas externamente, ou seja, como mudanças nas variáveis econômicas dadas.7” Se bem que os economistas acima mencionados tentaram levar adiante estas modificações, outros como os da escola da utilidade marginal levaram a um extremo as conclusões abstratas da teoria do equilíbrio. O passo seguinte dado por estas correntes foi o de levar ao extremo seu método de deduzir relações entre variáveis dadas. Para estes economistas a evolução das formas de organização era inerente ao capitalismo, mas consideravam que o estudo de tais mudanças ficava por fora do objeto de estudo da ciência econômica, já que justamente a “noção de equilíbrio” não podia ser aplicada a tais mudanças. Para autores como W. Jevons, “as leis de intercambio são análogas às leis que governam o equilíbrio de uma 6 7 Ibídem. Ibídem, pág 68. 8 palanca”. Para F. Knight, a economia era uma ciência de “quantidades econômicas”, pelo que a tarefa da mesma era a de estabelecer as relações entre as variáveis a partir de equações. Desta maneira se recorria à “matematização” como critério de rigor para a economia, enquanto se abandonava o desenvolvimento conceitual da seleção de alguns (não todos, por exemplo, a lei do valor trabalho) dos postulados da economia clássica. É claro que estas concepções tendem a agudiza a miopia própria da economia burguesa, ao estabelecer como única possibilidade de movimento o estudo das mudanças de estado de uma variável no tempo. Neste sentido a teoria do equilíbrio se vê fortalecida, já que todos os elementos da realidade que podem impor relações de não equivalentes, e movimentos interdependentes não ficariam dentro da analise da ciência econômica “matematizada”. Entre estes dois pólos começou a se desenvolver a idéia de uma “auto-regulação”, que sendo externa ao desenvolvimento das variáveis econômicas, se sustentava em um suposto mecanismo que, conduzido além das posições estacionarias, nunca podia ser alcançado, mas que era a única razão pela qual uma economia que carece de um centro de comando não fique um caos. Um elemento fundamental da critica marxista à concepção formal de equilibrio, é a que menciona Grossman: “O método estático não pode explicar um sistema que se expande ... o modo de pensar estático não pode explicar o desenvolvimento dos novos estados sucessivos precisamente pela razão de que o equilíbrio da analise estática não concebe o crescimento.8” O conceito vulgar de equilíbrio próprio da teoria neoclássica, não pode então explorar o caráter dinâmico do capitalismo, já que não considera o fato da ampliação do processo produtivo (reprodução ampliada – acumulação capitalista). O equilíbrio “formal” de acordo com a “lei de Say” só é possível em uma economia que não acumula, que não amplia a base de sua reprodução. Estas variáveis relacionadas com a acumulação capitalista são deixadas de lado pela “matematização”. Um exemplo claro disto é constituído pelo “paradoxo de Jevons” com relação ao uso da energia e das melhoras de eficiência tecnológica: dado empírico de ampliação da reprodução do valor que não é interpretado como tal, senão como um “paradoxo”, ou seja, uma contradição anunciada mas não resolvida.9 Exemplo deste pensamento absoluto foram as colocações de Haberler, para quem só o equilíbrio podia ser interpretado como crescimento, enquanto que o equilíbrio era igual a crise. Esta oposição formal dos aspectos do movimento real da economia justamente não conceitualiza a sucessão de fatos em sua contradição. Pelo contrario, para Grossmann a questão da totalidade era de fundamental importância. Dizia a respeito da escola de Pareto que a mesma rompia com a idéia de totalidade, desmembrando-a em diferentes setores individuais. Disse Grossman: “As questões de equilíbrio de Pareto se desenvolveram a partir da conexão entre variáveis dadas, excluindo o fator dinâmico do processo de produção ou em outras palavras, conseguindo a completa des-dinamização do sistema.”10 De fato se pode dizer que até fins do século XIX se assistia a uma “bancarrota da escola matemática”. Os equilíbrios matematizados de Walras e Pareto chegavam a postular como os que postulavam as “equações de indiferença” de Pareto. Vemos assim que estes métodos são basicamente dedutivos, já que partem de uma situação dada, e se abstrai a mudança que gera o mesmo desenvolvimento econômico a partir de sua lógica. Método estático que atribui a tarefa da mudança à “historia” entendida como relato e interpretação da sucessão de fatos que acontecem. 8 Ibidem, pág 70-72. 9 O Paradoxo de Jevons, denominado asím pelo descubridor, William Stanley Jevons (ou também Efeito Rebote), afirma que à medida que o aperfeiçoamento tecnológico aumenta a eficiência com a qual usa-se um recurso, o mais provábel é que aumente o consumo desse recurso, antes que diminua. Concretamente, o paradoxo de Jevons implica que a introdução de tecnologías com maior eficiència energética podêm, eventualmente, aumentar o consumo total de energía. 10 Grossmnann, op cit, pág 74. 9 A “CRÍTICA PRAGMÁTICA” DENTRO DA ECONOMIA BURGUESA Analisar a ruptura de um setor dos economistas burgueses com a corrente “neoclássica”, é um ponto importante, porque permite traçar o nexo entre as teorias do equilíbrio mais vulgares (por exemplo, dos marginalistas) com as que propôs esta corrente “crítica-pragmática” burguesa na qual podemos englobar a Hicks, Wicksell e Keynes, que foi determinante durante o século XX. É importante assinalar que o que subjas (subyace) a esta ruptura foi a erupção violenta do problema da crise na economia política burguesa. Tal ruptura com a noção de equilíbrio se expressa metodologicamente na comprovação empírica das observações clássicas sobre a tendência à crise de sobreacumulación (em Keynes “eficiência marginal dependente do capital”). Daí que a busca de mecanismos “contracíclicos” é um objetivo melhor, próprio dos economistas do século XX, uma vez que se desenvolvia uma nova ideologia sobre os fenômenos econômicos, que incluía a possibilidade de crise, à qual só podia se enfrentá-la como ferramenta com a erupção do Estado nos mecanismos do mercado. Frente a estas aporias, alguns economistas burgueses começaram a estabelecer alinhamentos parciais críticos com o fim de adaptar o pensamento neoclássico à realidade do capitalismo desenvolvido que se fazia cada vez mais divergente a respeito de tais teorias do equilíbrio absoluto. Exemplo disto foi Hicks que junto com outros economistas de sua epopca se viu obrigado a criticar a noção de equilíbrio estático por ser “irreal”. Para Hicks, “o conceito de ‘estado estacionário da economia’ é uma das causas do estancamento no desenvolvimento das ciências econômicas porque nega o problema das dinâmicas”. É que, como vimos, as “equações de indiferença” de Pareto só são validas em uma economia estacionaria onde não existe acumulação de capital, nem nenhuma outra mudança na situação dada. Mas foram economistas que desenvolveram seus trabalhos depois da revolução russa e a instauração do primeiro estado operário e das crises cada vez mais grave que começaram já ao final dos século XIX e que se aprofundaram durante o século XX, os que começaram a desenvolver teorias que buscavam assimilar a noção de crise sem alterar as bases monetaristas de sua teoria. Um expoente desta linha de pensamento foi Knut Wicksell, economista sueco que ao final do século XIX tentou incorporar o problema das crises à economia burguesa, tentando pensar novas ferramentas para mitigar seus efeitos. Para Wicksell era um fato que a conexão da economia com o credito havia transladado o centro de gravidade do sistema econômico para o monetário. É por isso que para ele a chave era atacar as conseqüências cada vez mais nefastas das crises capitalistas mediante a regulamentação das taxas de juros (estabelecendo assim uma “teoria monetária das crises”). Ou seja, postulava a necessidade de conseguir um equilíbrio entre as balanças internacionais de pagamento junto com o nível geral dos preços, que permaneceria constante. Neste sentido afirmava, dentro da mais rançosa tradição quantitativa, que se o fluxo de dinheiro se estabilizava, as flutuações na atividade econômica desapareceriam e a prosperidade podia continuar indefinidamente. Knut Wicksell tentou, desde os mesmos fundamentos teóricos que seus predecessores, superar a impotência das concepções estáticas sobre o equilíbrio capitalista que haviam sido questionadas pelas recorrentes crises. Tentou faz-lo a partir de ensaiar uma síntese entre elementos da teoria marginalista de Walras com os da economia política clássica de Ricardo. Em 1889, em seu trabalho mais importante “Juros e Preço”, começou a traçar os fundamentos do que seria uma idéia de controle dos preços a partir das manipulações feitas sobre a taxa de juros. Desta maneira diferenciava entre uma “taxa de juros natural”, que correspondia ao suposto ponto de equilíbrio entre a oferta e a demanda (o que a fazia “externa” ao mercado de capitais) e uma taxa de juros bancaria, própria do mercado de capitais. Estas taxas determinavam, segundo Wicksell, todo o processo de acumulação, já que se ambas as taxas não se igualavam, então tampouco o faria a demanda de inversão e a poupança. Neste sentido se, por exemplo, a taxa de juros do mercado de capitais aumentava acima da taxa natural de juros, então diminuiria a 10 demanda de dinheiro para inverter e aumentariam as poupanças, diminuindo o consumo e toda a atividade econômica. Evidentemente par Wicksell o necessário era conseguir uma expansão econômica, já que alguns traços de estancamento se vislumbravam no horizonte dos primeiros anos do século XX. Esta álgebra das taxas de juros (e da fantasmagórica “taxa natural”) tinha sua base na velha teoria quantitativa do dinheiro. De fato, o conceito de “taxa natural de juros” parte da idéia de que existiria uma certa quantidade de circulante que manteria os preços estáveis. Mas o importante nesta teoria é o lugar que se atribui a ação dos bancos, ou mais ainda, dos governos no comando da economia. Para Wicksell era fundamental que se incidisse através dos mecanismos monetários para solucionar ou minimizar os problemas gerados pelo desenvolvimento do sistema capitalista. Nesse sentido, a política de emissão dos bancos centrais era a ferramenta fundamental, ou seja, devia existir a quantidade de circulante exata (justa) para o desenvolvimento equilibrado entre a oferta e a demanda. Agora, para Wicksell este ponto exato (justo) se determinava pela taxa de juros com a qual os bancos emprestavam dinheiros: se esta taxa era inferior à natural, se geraria um impulso à inversão (já que seria mais conveniente investir na produção do que emprestar a juros), e no caso contrario se ela seria restringida. Se o que se requeria era gerar um equilíbrio, a taxa de juros dos bancos devia ser igual à taxa natural, assim, os preços se manteriam equilibrados (equilíbrio entre oferta e demanda). Como se pode ver a aporía do ponto “ideal” de equilíbrio segue em pé, sobretudo porque seguem em pé as teorias das que se deriva. Mas, já para tentar dar uma solução pratica a problemas que já não eram apenas de índole teórica, senão de acuciante necessidade imediata, Wicksell dizia que a taxa natural de juros não devia se fixar “quantitativa mente” senão que os bancos deveriam tatear o terreno pragmaticamente, seguindo a regra de que se os preços permaneciam iguais, também a taxa de juros devia manter-se assim, e se os preços aumentavam, também devia fazê-lo a taxa de juros bancaria e vice-versa, mantendo-se idêntica até que se produza uma nova variação. Esta “álgebra” derivada da teoria quantitativa do dinheiro seria de grande influencia sobre Keynes e também sobre a escola austríaca “rival” deste. Desta maneira os governos capitalistas teriam uma ferramenta para o controle dos ciclos econômicos, que começavam a ser uma forte preocupação para os capitalistas de sua época, que já não acreditavam na mágica da mão do mercado. A “TEORIA GERAL” DE KEYNES A partir destes desenvolvimentos, e frente ao aprofundamento catastrófico da crise capitalista e da luta de classes ocorrida no primeiro pós-guerra, surge a figura de J. M. Keynes. Este buscava incorporar o problema da crise a analise da economia burguesa tentando superar as limitações que induzia a concepção formal de equilíbrio e introduzindo, na linha de Wicksell, a necessidade da intervenção estatal no mercado com o fim de contrabalançar as tendências à crise. Keynes se opunha a alguns postulados da “teoria clássica” (à que igualava com o marxismo, ao qual odiava visceralmente) deixando o fundamental em pé, a saber, a teoria quantitativa do dinheiro e as idéias subjetivistas do valor. Poderia se dizer que criticou de forma pragmática algumas das teorias neoclássicas mais desacreditadas, impondo a idéia da necessidade da intervenção estatal sob o conceito de “política fiscal”. Afirmava que as políticas estatais nos campos fiscais e monetário podiam atenuar as severas e destrutivas tendências à crise cuidando por sua vez de não alterar seus fundamentos, como a propriedade privada. Particularmente Keynes devia reconhecer o fato de que a crise era um fenômeno que se havia tornado (vuelto) a regra e não a exceção. Nesse sentido propôs conceitos como a “diminuição da eficiência marginal do capital” que buscava descrever o fenômeno da queda tendencial da taxa de lucro, a qual nos anos 20 já se manifestava na superfície do sistema capitalista. As políticas fiscais eram importantes para Keynes justamente como atenuante, através do gasto fiscal, desta queda geral na rentabilidade. O gasto do Estado que geraria um efeito multiplicador a partir do incremento na demanda agregada, gerado pela abundancia de circulante tal como reza a teoria quantitativa. Este conceito de 11 multiplicador da demanda agregada foi quiçá o rasgo característico de sua teoria. Esta adaptação dos fundamentos neoclássicos se vê em sua obra mais importante, “Teoria geral da ocupação, dos juros e do dinheiro”, claramente baseada nos mesmos fundamentos da economia burguesa, mas incorporando, através das idéias subjetivistas do valor, o elemento da crise, ausente nos neoclássicos. Como dizíamos mais acima, Keynes buscava refutar a idéia da tendência natural ao equilíbrio. Postulava que em todo caso, tal equilíbrio do livre mercado dependia de muitos fatores não reconhecidos pelo que chamava a “teoria clássica”, pelo que concepções como a lei de Say “não eram de todo corretas”, já que o equilíbrio entre oferta e demanda era só um caso excepcional e não a regra. No entanto, a critica de Keynes estava presa das mesmas concepções que buscava superar, pelo que sua ruptura com Say era mais uma inversão nos termos da famosa lei do equilíbrio. Se para Say a produção determinava a demanda, para Keynes era a demanda a que determinava a produção. Como se pode ver neste “paradoxo do ovo e da galinha”, o que segue fora é o problema da produção do valor, pelo que a lei de Say segue intacta. Para Keynes tal “inversão nos termos” se produzia devido ao fato de que a propensão a investir por parte dos capitalistas dependia da relação existente entre a taxa de juros e a taxa de lucro para um determinado momento. Como podemos ver este conceito é claramente um calco do postulado por Wicksell, pelo qual aquela álgebra da taxa de juros se mantinha inalterada na “teoria geral” de Keynes: se a diferença entre as duas “taxas” é em favor da taxa de lucro, então haverá maior propensão ao investimento. Mas, como o lucro depende da demanda (e aqui vemos outro postulado intacto da “teoria clássica” na “teoria geral”), se os consumidores e os investidores se comportam sob as pautas “racionais” estipuladas pela teoria clássica, e poupam devido a “taxa de juros muito altas” (ou a uma percepção negativa por parte destes a respeito de seus ingressos, como também a uma possível baixa futura nos preços) então se afetaria negativamente o lucro, pelo qual o problema inicial de taxas de juros maiores que as taxas de lucro se retro alimentaria, gerando um circulo vicioso que Keynes chamaria do “paradoxo da poupança (ahorro)”. Desta maneira uma “taxa de juros muito alta” reduziria a demanda agregada, já que reduziria a demanda de capital para o investimento produtivo (demanda de investimento) e portanto reduziria o emprego e a massa dos salários, pelo que se reduziria ainda mais o consumo (demanda de consumo) gerando assim uma crise. Desta maneira, como a necessária “propensão ao consumo” (que Keynes igualava ao investimento e ao gasto estatal) não se estabeleceria através da mera ação do mercado, era fundamental para esta que interviesse uma força que harmonizaria tais necessidades do sistema para evitar a crise. É assim então como aparece a necessidade da intervenção estatal, já que só o Estado podia ter a força necessária para modificar a situação dos mercados, afetando a pensada relação entre a taxa de juros e a taxa de lucro. Rapidamente vejamos agora alguns conceitos importantes que ilustram esta questão. Em Keynes é fundamental o conceito de demanda agregada, sobre tudo se colocamos no centro da analise as perspectivas estatizantes (estatistas) que contem esta teoria.11 Para Keynes, a demanda de consumo, somada ao que chamava a “demanda inversão” (a intenção dos capitalistas de investir) e o gasto estatal configuram a “demanda agregada”. Este conceito é utilizado para definir uma curva que busca estabelecer o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda, em um gráfico que representa a quantidade de “bens e serviços” que os habitantes, as empresas e as entidades públicas de um país compram para diferentes níveis da taxa de juros (ou dos preços). O ponto onde a bissetriz do gráfico corta a curva de demanda agregada seria, segundo este esquema, o ponto de equilíbrio entre a oferta e a demanda. Assim mesmo, a pendiente desta curva, representa outro conceito fundamental do keynesianismo que é a propensão marginal ao consumo (pmc). A propensão marginal ao consumo é 11 Na teoria keynesiana, a demanda efetiva é a variável essencial que determina o nível de emprego. Um conceito que Keynes adiciona aqui é o de “preço de oferta global”, o qual se define para um nível dado de emprego, e é “o produto esperado que, aos olhos dos empresários, é justo o suficiente para que valha a pena oferecer esse volume de emprego”. No é um preço no sentido corrente do termo, mas o produto mínimo exigido pelos empresários para que aceitem contratar os trabalhadores que permitam obtê-lo. Como pode se ver , nesta economia ao contrario, o trabalho necessita do capital, e não o capital do trabalho. A demanda efetiva é a demanda antecipada que é igual a oferta global. Ao nível da demanda efetiva assim obtida lhe corresponde um nível de emprego determinado. 12 definida por Keynes como “a variação do consumo quando o ingresso possível varia em uma unidade, ou seja, a relação entre uma variação no ingresso e a modificação correspondente no gasto em consumo". O conceito oposto é a “propensão marginal à poupança (al ahorro) (pms). É claro aqui a persistência de um rasgo próprio da economia neoclássica, a ideia de utilidade marginal, da que provem a matematização e o caráter formal e fechado (dedutivo) que traz consigo o conceito. É importante assinalar aqui a propensão marginal ao consumo, porque sontitui ao mesmo tempo o famoso multiplicador. Então, fica assim “matematizada” a idéia de Keynes a respeito da relação (inversamente proporcional) estabelecida entre poupança e investimento (ahorro e inversión). Resumindo: a pmc é a pendiente da curva de “demanda de consumo”, que é por sua vez a mesma pendiente da curva de demanda agregada. A demanda de inversão e o gasto estatal simplesmente “se somam” à demanda de consumo, elevando a curva e dando a curva de demanda agregada. Esta pendiente (pmc) é o que busca se aumentar, já que segundo a teoria burguesa, em situações de crise e estancamento (de diminuição generalizada da eficiência marginal do capital, segundo Keynes), é necessário recuperar o equilíbrio entre oferta e demanda mediante um incremento da pmc para melhorar o fluxo de inversões, e do gasto estatal para comprar a oferta que não encontra demanda e conseguir alcançar a produção potencial, ou seja, o pleno emprego dos recursos (capital, terra e trabalho). Para que a política estatal possa conseguir isso, a teoria keynesiana estabelece duas classes de mecanismos: o primeiro deles é o que chama a “política monetária”, que se baseia na alteração da relação postulada pela economia burguesa12 entre as taxas de juros e a taxa de lucro em favor desta última. Se a “eficiência marginal do capital” é maior que a “taxa de juros”, então aumentará a inversão e vice-versa. Manipulando as taxas de juros pode se beneficiar a “demanda de inversão”. O outro mecanismo empregado é o de “política fiscal”, ou seja, aumentar simplesmente o gasto público para solucionar a oferta que não encontra compradores e o uso dos fatores de produção que permanecem ociosos. Em ambos os casos o objetivo buscado pela política econômica keynesiana é chegar ao velho “equilíbrio”, representado pelo ponto onde a curva de demanda agregada corta a bissetriz (ponto de equilíbrio entre oferta e demanda). Segundo esta teoria, se em meio a uma crise, se aumenta o gasto estatal e a demanda de inversão, mais pode aproximar-se o “ponto de equilíbrio entre oferta e demanda” (o ponto onde se interceptam a “curva demanda agregada com a bissetriz) ao “pleno uso dos recursos” ou “produção potencial” (a qual não tem relação necessária com as variáveis econômicas, de fato para Keynes pode haver equilíbrio sem “pleno emprego”). Desta maneira a teoria keynesiana continua sustentando uma concepção baseada na analise do consumo e não da produção. A centralidade da pmc o demonstra claramente. Para Keynes, se a propensão para consumir é débil e as oportunidades de inversão não são o suficientemente atraentes para os capitalistas, então uma parte do ingresso que não se consome tampouco inverterá e a demanda efetiva se reduzirá pelo que a economia se contrairá e o nível de emprego descenderá. Mas, para além das vicissitudes desta “álgebra” dedutiva que propõe Keynes, o importante é remarcar o fato de que como a poupança (el ahorro) e a inversão nem sempre estão em “equilíbrio” (equilíbrio de Say), considera imprescindível a intervenção do Estado com o fim de assegurar o “nível de inversão necessário” para aumentar a atividade econômica (melhorar o “multiplicador”) e garantir o pleno emprego. Se bem que a “política monetária” já pensada por Wicksell ao final do século XIX continuava sendo uma “ferramenta valida” para Keynes, considerava que na situação de estancamento generalizado da eficiência do capital, era necessário priorizar as políticas de aumento do gasto público, isto é, a “política fiscal”. Nesse sentido postulava ao menos três maneiras de financiar os novos gastos: aumentando os impostos, emitindo mais papel moeda, ou recorrer ao endividamento fiscal. O endividamento fiscal demonstrou ser o preferido pelos keynesianos que preferiram não alterar o valor da moeda, nem tampouco aumentar os 12 É importante notar a diferença que existe entre relação externa e indiferente que coloca tanto Wicksell como Keynes, e a relação marxista entre taxa de juros e taxa de lucro, que se bem não é “necessária” é interna, já que em M arx o interesse é una dedução de do lucro. 13 impostos, optando pelo recurso de pagar com os ingressos futuros (por impostos em uma economia que devia crescer obviamente) as dividas do presente. A CRISE CAPITALISTA: ESTATISMO E DECADÊNCIA IMPERIALISTA Depois de repassar os mecanismos postulados pelo keynesianismo recorreremos a sua analise através de algumas das ferramentas do marxismo. Mencionávamos mais acima que Keynes operava em sua teoria com a igualdade entre gasto e inversão. Esta questão é muito importante já que determina todo o sentido da teoria keynesiana como ideologia que regem as políticas econômicas estatistas que a burguesia aplicou durante quase todo o século XX. A ideologia “estatista” se baseou nos conceitos teóricos onde é possível confundir trabalho produtivo com improdutivo, dividas com ativos, etc. Tal confusão é possível desde uma concepção subjetiva do valor e da aplicação de velha “formula trinitária” (a chamada igualdade dos fatores de produção: terra, capital, e trabalho). Frente a isto diremos rapidamente que a lei do valor estabelece um critério que diferencia entre gasto improdutivo, como o é o consumo das classes improdutivas ou o gasto estatal, e inversão de capital. Isto é assim devido a que uma massa de dinheiro não atua como capital se não é usada para valorizar e ampliar o valor do mesmo. Mesmo assim, podemos agregar que a partir dessa idéia errônea da determinação do valor, também ocorre a confusão entre taxa de lucro e taxa de juros (Wicksell falava só de “diferentes taxas de juros”, ainda que com gênese “muito diferentes”). Como dizíamos, a teoria keynesiana busca um ponto de “equilíbrio” na curva de demanda agregada na qual se alcance um equilíbrio (entre vários) entre oferta e demanda que por sua vez alcance o nível da “produção potencial” (a “máxima utilização dos recursos”) e por fim o “pleno emprego”. Basicamente este é o que sustenta o objetivo político do keynesianismo: ser a teoria que justifique ideologicamente e estabeleça as políticas da burguesia como classe atrás de seu Estado para superar as ameaças da luta de classes desatada com a decomposição do capitalismo e frente a ameaça que representava a URSS. Agora, desde o ponto de vista da critica à economia burguesa, sabemos que o problema da teoria keynesiana radica em sua deficiente concepção do valor, ou seja, que não concebe o valor em sua contradição; como valor de troca e como valor de uso.. Mesmo assim, vimos como os mecanismos keynesianos possuem uma rigidez derivada da absolutização dos fenômenos monetários (ao qual justapõe certos princípios psicologistas, na tradição de Böhm-Bawerk e demais economistas vulgares) acima de suas relações internas como produção do valor. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DO “EQUILÍBRIO EM MARX As políticas econômicas propostas por Keynes são colocadas essencialmente ao redor dos fenômenos monetários. Isto se deve naturalmente à visão que os economistas burgueses têm a respeito do problema do valor. Para Marx a analise dos processos monetários que ocorrem na superfície do sistema só pode se compreender adequadamente a partir das dificuldades que ocorrem na reprodução dos valores e da acumulação. Atrás das aparências, os problemas monetários na realidade são a expressão dos problemas inerentes à economia de mercado e sua relação contraditória com as necessidades da produção e do consumo. Só a partir de constatar as relações conflitavas entre “compradores e vendedores” como relações sociais dentro das normas capitalistas de produção, é que se pode superar a busca infrutífera pelo equilíbrio entre “oferta e demanda”. As contradições inerentes da produção e circulação, derivadas do duplo caráter do valor das mercadorias (valor de uso/valor de troca), não podem ser analisadas desde um corpo conceitual que esconde (elude) a questão das relações de produção. Por outro lado, também as faltas ou as abundancias relativas de capital podem chegar a problemas econômicos, que também aparecerão para a teoria burguesa como crise própria do sistema monetário, sobretudo se considera-se que através do desenvolvimento do sistema financeiro e seu caráter especulativo que levou as expressões mais irracionais 14 da competição (competencia) capitalista a afetar fortemente as inversões.Os aspectos de verdade do qual partiam as concepções de equilíbrio entre oferta e demanda da economia política clássica se fundamentava no fato da flutuação dos preços ao redor dos valores que se da na dinâmica do mercado. Se bem que é um fato que a soma dos valores deve ser igual à soma dos preços, as teorias do valor da economia burguesa, que não reconhece o problema da realização do valor, absolutiza esta dinâmica ao conjunto do sistema, deixando obvia a contradição entre valor de troca e valor de uso que está na base das crises capitalistas. Daí que, a partir de tal absolutização surge a confusão de que intervindo externamente (mediante medidas monetárias e ficais) e alterando assim o volume de oferta ou demanda se acreditava que se pode regenerar o “equilíbrio” perdido pela economia em crise. Esta visão parcial e reduzida aos atos de compra e venda, se relaciona com a visão estreita do processo social de produção através dos olhos do interesse individual cuja maximização magicamente significaria a asignación a cada individuo do equivalente de seu aporte ao processo de produção, gerando assim o bem estar social. Longe disso, o processo social de produção é muito mais complexo e sob o capitalismo muito mais contraditório já que, como disse Marx: “o próprio interesse privado é já um interesse socialmente determinado e pode ser alcançado somente no âmbito das condições que fixa a sociedade e com os meios que ela oferece; está ligado, por conseguinte à reprodução destas condições e destes meios.”13 A luta de todos contra todos que se gera sob a competição (competencia) capitalista não produz a ordem necessária para o “equilíbrio” que busca a economia burguesa. O fato de que a lei do valor imponha pela força um ponto ao redor do qual flutuem os preços e um nível de competitividade mínimo para os capitalistas, não significa que as mesmas condições individuais desde as que os capitalistas realizam sua atividade não caiam sob as condições gerais da produção social, as quais caem fora do controle deles, e terminam sendo para os capitalistas uma dinâmica objetiva sobre a qual não têm uma incidência suficiente. Esta perda de controle, esta alienação, anula toda pretensão de vontade subjetiva que realmente seja significativa para a dinâmica da acumulação capitalista, a qual prossegue seu caminho em base a uma lógica cega que, como descobriu Marx, leva a semente da crise estrutural do capitalismo. Tudo o que ocorre na dinâmica dos mercados depende essencialmente da dinâmica da produção do valor e da distribuição. É importante destacar que isto não significa que não exista nenhuma incidência dos preços sobre o comportamento dos mercados, mas esta incidência terá que ver essencialmente com as mudanças estruturais ocorridas na esfera da produção. Para Marx, longe de constituir o sistema de preços um regulador da economia, são os preços os que refletem as forças que geram as necessidades de produção determinadas pela sede de lucros da acumulação capitalista. Inclusive, a mesma lei do valor que expressa estas forças internas da produção capitalista também pode ser vista como “regulada” pelas necessidades sociais concretas (valor de uso) da população que supostamente escapam à lógica da acumulação capitalista. Este último se expressa no fato de que a sociedade não pode deixar de produzir nem de consumir, pelo que se garante a continuidade do processo de produção social, o qual é na realidade um processo de reprodução ampliada da vida social. Finalmente diremos que o aparente equilíbrio buscado pela economia burguesa só ocorre como uma força imposta pela lei do valor (para além de suas flutuações eventuais), mas não de forma gradual e ordenada, como uma tendência à reprodução sem interrupções, senão pelo contrario, expressando-se como mais ou menos violentas interrupções da reprodução, que se eventualmente “alcança o equilíbrio” o faz a mercê da destruição de capitais acumulados, com a carga de miséria e conflitos sociais inerente uma crise de importância. Desta forma, o equilíbrio nunca pode ser “estacionário”, mas na realidade é um momento no qual as contradições inerentes ainda não se desenvolveram o suficiente para fazer saltar pelos ares as condições da acumulação capitalista. A forma adequada de ver ao “equilíbrio” buscado pela economia burguesa desde os clássicos até Keynes e seus seguidores é a de uma erupção da lei do valor que não equilibra de nenhuma maneira a contradição entre produção e consumo (baseada na dualidade do valor entre valor de uso e valor de troca), senão que só restabelece uma dinamica relativamente previsível entre 13 K. Marx, Grundrisse t.I cap 2 p.84 15 a produção e a acumulação capitalista. AS POLÍTICAS KEYNESIANAS E A CRISE CAPITALISTA O problema da tendência inerente à crise que esconde a dinâmica da acumulação capitalista é justamente um aspecto central da economia, que inclusive na economia burguesa foi incorporado quase por contrabando pelas teorias burguesas mais pragmáticas que buscavam dar ferramentas para a resposta burguesa à crise capitalista. De fato, se bem toda a tradição burguesa a partir de Malthus até Keynes não reconhece a centralidade do trabalho como fonte do valor, é certo que teve que se adaptar ao fato de que ao menos deviam contabilizar a ingerência dos salários para poder quantificar as magnitudes que manejava sua “macroeconomia”. O outro fato que a economia burguesa “teve que reconhecer” foi o da queda tendencial da taxa de lucro, vista como um descenso paulatino da rentabilidade media dos capitais. Sem duvida, este reconhecimento do problema básico da acumulação capitalista não se reconhecia como tal, e o atribuíam a problemas como a baixa na fertilidade da terra (Malthus), ou das contradições nas relações entre produção agrícola e industrial, etc. Para Marx a lei da tendência decrescente da taxa de lucro era uma “lei fundamental” da dinâmica capitalista. Agora, isto era assim porque em um modo de produção como este, baseado no antagonismo entre os proprietários e os produtores, toda a produção está encaminhada a gerar um aumento quantitativo da magnitude do valor em dinheiro contido no capital dos proprietários. Assim todo o sistema, toda a produção, é só um meio para incrementar os lucros, o qual só poderia ser conseguido se fossem reproduzidas as condições que permitem a sobrevivência da classe que produz e amplia o valor dos capitais. Esta ampliação constante requer que para que a propriedade dos capitalistas siga sendo capital, e não uma mera quantidade de dinheiro se aplique uma quantidade maior de força de trabalho, o que implica por sua vez uma maior ampliação da produção e, portanto uma maior acumulação de capitais; e de novo uma maior necessidade de extração de mais trabalho para valorizar as massa cada vez maior de capitais, o que define um circulo vicioso que resulta na cada vez mais difícil utilização dos valores como capitais e, em particular, a realização dos valores produzidos no consumo. É assim como o próprio êxito do sistema capitalista em sua acumulação é o que define sua própria crise. Este é o fenômeno que buscou ser explicado pro Keynes sem modificar suas concepções subjetivas sobre o valor como “eficiência marginal decrescente dos capitais”. A esta tendência à crise que se havia feito evidente em sua época, foi formada por Keynes como um problema a resolver através das alterações externas da dinâmica da oferta e da demanda através da ação das políticas fiscais e monetárias que só os Estados podia levar a cabo. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O VERDADEIRO CARÁTER DAS POLÍTICAS ESTATISTAS DA BURGUESIA Marx desenvolveu sua descoberta sobre a tendência decrescente da taxa de lucro em suas contradições internas. Desta maneira desenvolveu a questão das contra tendências existentes no processo de acumulação capitalista que evitavam que o sistema colapsara sob seu próprio peso no imediato. Henryk Grossmann que estudou profundamente as implicações das contra tendências no desenvolvimento do capitalismo, afirmava que: “... a acumulação prossegue a um ritmo cada vez mais acelerado, devido a que o volume da acumulação não se desenvolve em proporção ao nível da taxa de lucro senão em relação ao potencial possuído pelo capital já acumulado.14” Grossmann se baseia para isto no que assinalava Marx, quando dizia que “para além de determinados limites, um grande capital com uma taxa pequena de lucro acumula com maior 14 Grossmann, “Lei da acumulação capitalista…”. 16 rapidez que um capital pequeno com uma grande taxa de lucro.15” Um elemento central no que coloca Marx sobre a crise de sobre acumulação inerente ao desenvolvimento capitalista, é o fato de que para que o sistema não colapse de forma acelerada, a acumulação de capitais deve crescer em uma progressão mais acelerada que a diminuição da taxa de lucro. Isto deve ser assim porque quanto menor seja o consumo social em relação à produção social, mais mais-valia se acumulará, simultaneamente, uma parte maior de mais valor deve ser convertida em capital variável (isto é, a evolução (adelanto) de capital sob a forma de salários) para o que se necessita uma taxa de ampliação do capital muito maior. Mas justamente – e aqui está a encerrona da lógica da acumulação do capital – tal aceleração produziria finalmente uma queda quase absoluta da taxa de lucro devido ao aumento acelerado da composição orgânica do capital. Ou seja, se faria realidade o colapso do capitalismo sob o próprio peso de sua acumulação, de sua completa maturidade histórica. Sabemos muito bem, entretanto, pelo mesmo estudo das contra tendências de Marx, e pela experiência histórica concreta, que não existe um mecanismo cego que conduza diretamente para o colapso do capitalismo (ainda que não está descartado um caminho mais ou menos indireto para a destruição da economia e o retrocesso para a “barbárie”). De fato o processo de acumulação capitalista é retardado pelas contra tendências estudadas por Marx, que determinaram o desenvolvimento do capitalismo até sua fase imperialista. No entanto, já dentro desta fase madura do capitalismo, onde já não pode superar suas próprias barreiras (como o atesta a competição de vida ou morte das economias capitalistas nacionais pelo mercado mundial), quem sabe se poderia dizer que os “gastos de capital não produtivo”, ou seja, do consumo dos valores ao não ser reproduzidos pelo trabalho, não são mais que diversas formas de destruição de capital. As políticas destrutivas são levadas a cabo durante as guerras me forma direta, mas também através das intervenções estatais na economia. KEYNESIANISMO E DECOMPOSIÇÃO IMPERIALISTA É significativo agregar que a critica marxista às políticas estatistas burguesas se fundamentou sempre na lei do valor, o que lhe permitiu assinalar a confusão keynesiana entre “gasto e inversão”. Paul Mattick, em seu livro “Marx e Keynes”, realiza uma critica às idéias estatistas keynesianas. Para este autor, Keynes gera uma confusão ao enunciar a idéia de que o gasto deficitário pode ser financiado com os ganhos (ahorros) que ele mesmo engendrou. Realiza neste sentido uma critica ao conceito de multiplicador que afirma, cria a idéia de que “ ... qualquer quantidade dada de ingresso adicional pode se multiplicar simplesmente ao se transladar de um grupo de ingresso a outro ...”, quando na realidade “não multiplicação do ingresso mediante o gasto inicial em si mesmo, ainda que pode haver produção de novo ingresso; e é somente uma vez que (en tanto) que o gasto original leva a um aumento da produção que aquele pode aumentar o ingresso.16” Igualmente, também critica a idéia do crescimento baseado no endividamento fiscal através do credito, já que como passa com a especulação e o capital fictício, se cria representações de valores a partir da idéia de que se materializaram como tais, quando isso depende do próprio desenvolvimento sem interrupções do processo de acumulação de capitais. É importante frisar, no entanto, que a analise de Mattick tende a absolutizar as questões do gasto estatal devido à pressão do gasto armamentista durante a guerra fria17. Cremos que para além de haver refletido em sua analise um fato de sua época, o problema do gasto improdutivo e o estatismo excedem em muito a essa situação especifica. Prova disto é a incapacidade das políticas neo-ortodoxas (neoliberais) para 15 M arx, “O capital”, t.III, cap. 15. 16 Mattick, Grossmann, Keynes. Citado por D. Guerrero. 17 Por issta raçã Mattick lhe otorga um caráter de contratendência. 17 superar a questão do gasto estatal que além de dever-se a políticas estatais tem sua razão na pressão que exercem os interesses monopolistas que são a base mesma do estatismo. Para Mattick, nas políticas keynesianas existe uma obsessão pela incorporação de certos elementos de redistribuição do ingresso, a partir do desvio de valores para a produção em setores não rentáveis. Justamente, o que Mattick assinala é a igualdade que faz o keynesianismo entre inversão e consumo, através dos conceitos derivados do multiplicador e a curva de demanda agregada. Para Mattick, nas políticas keynesianas existe “um elemento de redistribuição do ingresso porque canaliza fundos para esferas da produção não lucrativas.18” Este desvio gera um efeito de crescimento na produção absoluta de bens que são consumidos de forma “não lucrativa”, isto é, de capitais que não se reproduzem. É por isto que assinala que tal destruição de capitais sob a forma de consumo, seria a razão pela qual pode se desacelerar a acumulação, o que redunda finalmente em que a intervenção estatal signifique no curto prazo um atenuante à crise de sobre acumulação já que “em vez de ser capitalizada, uma parte crescente do lucro social se dissipa em gasto adicional do governo.19” O problema com esta linha, levada adiante pelas políticas estatistas, é que no largo prazo se gera um aumento inusitado da divida pública que, alterando todo o equilíbrio fiscal, produz um novo golpe sobre os lucros, seja diretamente através dos impostos (que como se sabe são uma dedução das mesmas), ou indiretamente, através da especulação financeira ao redor dos “bônus da divida soberana”, que impondo-se como valores fictícios, significa de fato um desconto sobre o lucro sob a forma de juros.20 Durante os últimos 40 anos este último mecanismo foi o que mais se desenvolveu devido ao imenso auge da especulação financeira ao redor não só do mercado de bônus soberano senãop também ao redor do mercado de derivados financeiros. A analise desta importante questão, da ingerência do grande peso que cobrou o capital fictício sobre o processo de acumulação na economia mundial, é parcialmente abordado em outro artigo deste número. Finalmente podemos agregar uma observação provisória acerca do problema das relocalizações. É um fato que estas últimas se desenvolveram como uma forma de destruição de capitais. As deslocalizaciones são uma política de curto prazo que só expressa a anarquia do capital, suas tendências destrutivas. A crise atual mostra que a lógica do capital é seu próprio limite e que o capitalismo não pode levar suas tendências até o final. As discussões abertas na “intelligentzia” burguesa em torno dos custos econômicos que lhes trousse a política de deslocalizaciones e terceirizações em matéria de dinheiro, qualidade, etc., em empresas como Toyota, Boeing, entre outras, ilustra esta tendência de curto prazo e demolidoras do capital. O ponto fundamental, no entanto, é o mecanismo de financiamento daquelas. O alto custo de inversões em capital fixo e a simultânea destruição de capitais já investidos em equipamentos, instalações, etc., só pode ser “rentável” dentro da dinâmica do grande desenvolvimento do capital fictício acontecido nas últimas décadas. Estas imensas inversões dificilmente foram amortizadas devido a que se apóiam na expectativa sobre os lucros futuros que hoje podemos dizer, frente a esta crise, que nunca se realizarão. A partir disto podemos dizer que o fenômeno das relocalizações possivelmente constitua, em certo grau, um gasto improdutivo. UM EXEMPLO DAS POLÍTICAS BURGUESAS FRENTE A CRISE ATUAL O desenvolvimento cada vez mais ameaçador da crise capitalista começou a levantar as vozes dos publicitários de diversos setores burgueses que, frente a incerteza e o pessimismo, buscam resgatar linhas de ação e de pensamento econômico que expressem os interesses dos países ou facções da classe 18 Ibídem Ibídem. 20 Ver en este número: “Crisis del sistema monetario mundial y desarrollo de las fuerzas productivas bajo la descomposición imperialista” 19 18 dominante que representam. O “periodismo econômico”, que levam adiante conhecidas figuras como Joseph Stiglitz ou Paul Krugman, se converteu nos últimos anos na ponta de lança de toda uma linha política dirigida aos setores que, frente aos golpes que sofrem frente a crise, devem ser convencidos a todo custo sobre as supostas possibilidades de se reinventar o capitalismo. Como exemplo do raciocínio estatista podemos citar as opiniões de economistas como J. Stiglitz que realiza a anos uma publicidade sistemática das idéias estatistas neo-keynesianas. Frente a crise que desabou a partir de 2008, muitos keynesianos como ele tiveram um tom mais profético e de advertência que é tomado de forma completamente acrítica, não só pelos setores ligados à burocracia sindical, senão também por parte de grupos que afirmam ser parte da esquerda. Em um artigo publicado intitulado pomposamente “Para curar a economia” (To cure the economy), Stiglitz da uma imagem breve mais fidedigna sobre a essência das políticas estatistas frente à crise. Evidentemente, o tom pessimista que reflete a incerteza é claro quando afirma que “A crise econômica iniciada em 2007 continua, entretanto, uma pergunta obvia ronda as cabeças de todos: por quê? Se não conseguimos uma melhor compreensão das causas da crise não poderemos implementar uma estratégia eficaz de recuperação. E pelo momento não temos nem um nem outro.”21 Ao começar sua analise caracteriza que se a crise estalou no setor financeiro por sua “imprudência imperdoável”, as razões da mesma são de maior profundidade. Mas os elementos reais, que para este economista definem a crise, não propõem um maior alcance, senão a recuperação e a imposição das velhas “políticas estatistas”. Em primeiro lugar afirma que a atual é uma crise de “superprodução”, no sentido sub consumista do termo, ao afirmar que “... EUA e o mundo foram vitimas de seu próprio êxito. O acelerado aumento da produtividade no setor industrial superou o crescimento da demanda, o que supuso uma redução do nível de emprego no setor. Isto implicava um deslocamento de mão de obra ao setor de serviços.22” Agrega a esta consideração uma questão adicional com o desemprego afirmando que este se deve também a uma suposta diminuição do emprego industrial em países desenvolvidos, pela pressão das vantagens comparativas dos países subdesenvolvidos. Além desta última explicação superficial sobre o problema do desemprego no capitalismo, Stiglitz se centra no sub consumo para se dirigir logo ao problema – tão caro ao keynesianismo – como é o da demanda. Para Stiglitz há diversas razões pelas quais existe uma baixa na “demanda agregada”. Em primeiro lugar devido à “concentração do ingresso” que produziria um deslocamento destes das “pessoas que os gastam” para “pessoas que não os gastam”. Aqui diremos que, partindo se sua bagagem keynesiana, iguala gasto com inversão, ao afirmar que “existe dinheiro, mas não se gasta”, quando na realidade falamos de capitais imobilizados. Isto é claro quando, assombrado, afirma frente a falta de inversões das empresas que “As grandes empresas guardam (atesoran) uns quantos bilhões de dólares em reservas de efetivo, u seja, que não é a falta de dinheiro o que as impedem de investir e contratar trabalhadores. Mas para algumas empresas pequenas, quem sabe para muitas, a situação é muito diferente: estão tão necessitadas de fundos que não podem crescer, e muitas se vêem obrigadas a minguar.23” Esta concentração de capitais, que Stiglitz confunde com concentração de simples dinheiro, como o que brinda o salário ao trabalhador, é na realidade a acumulação ou sobre acumulação de capitais que não podem se reinvestir sem desaparecer (consumidos como gastos improdutivos em investimentos não rentáveis) nas atuais condições do mercado. Evidentemente que esta afirmação se baseia em determinada concepção rudimentar acerca do dinheiro (teoria quantitativa), mas é importante para assinalarmos a rapidez com que saem à luz as limitações conceituais frente a um fato tão manifesto como a crise. 21 22 23 To cure the economy, outubro 2011. Ibídem Ibídem 19 Mas justamente, a partir desta confusão, o problema que se coloca deixa de ser o da operação adequada e eficiente dos recursos da sociedade (os capitais reais e suas representações em dinheiro (dinerarias)) senão o da distribuição de tais recursos, que seja dito de passagem, são despojados de todo seu caráter concreto e especifico que lhes dá seu valor de uso. A destruição de capitais mediante a repartição do dinheiro, sob a forma de renda, subsídios, gastos estatal, e demais, é o primeiro grande mal entendido que busca impor a política de endividamento keynesiano. Como vimos, a igualdade entre investimento e gasto improdutivo é a operação fundamental para a justificação das políticas de gasto estatal propostas pelo keynesianismo. Mas como vemos, a idéia de fomentar a demanda mediante o gasto (o famoso “multiplicador”) parte basicamente desta idéia de que a crise tem um elemento de “sub consumo” por “concentração de dinheiro em poucas mãos” e que seu remédio natural é a “redistribuição do dinheiro”, confundindo-o com a riqueza real, material, da sociedade, acumulada sob a forma de capitais. A mesma operação ocorre com as afirmações sobre o dinheiro existente nas reservas dos países subdesenvolvidos que não se gasta, e nos cortes de gasto estatal em saúde e educação que os governos capitalistas combinaram com as muito keynesianas políticas de subsídios ou injeções de capital no sistema financeiro. É importante assinalar aqui também sobre a questão dos serviços sociais básicos de saúde e educação como, a partir da lógica keynesiana, o “gasto” que se realiza nos mesmos estão dirigidos para fomentar a demanda e não para cumprir com as necessidades de tais serviços. De fato, o destino concreto desses gastos temina sendo uma consideração de índole “extra econômica” (“ética”, ou “política”) já que desde a lógica do multiplicador da demanda agregada, não importa se o estado gasta os capitais acumulados pela sociedade para armar um grande exercito invasor, ou para enterrar garrafas para logo pagar para desenterrá-las (na imagem que usava Keynes para explicar sua política)24. Isto é importante, porque na publicidade destes autores existe um grande componente demagógico que logo é posto de contrabando como o centro das políticas keynesianas, quando na realidade, tudo se trata de manter a dinâmica de concentração dos capitais iniciada pela crise, somada a uma nova relação de forças entre capital e trabalho que beneficie ao primeiro com taxas superiores de exploração. A partir de tais argumentos Stiglitz afirma finalmente que “A receita para o mal que aqueja à economia global se deduz imediatamente a partir do diagnostico: faz falta sólidos programas de gasto público que apontem para facilitar a reestruturação, promover o ahorro energético e reduzir a desigualdade; e junto com isto, uma reforma do sistema financeiro internacional que crie alternativas para a acumulação de reservas.” Para além da essência burguesa das colocações que analisamos mais acima, que permanentemente buscam ocultar o problema da origem do valor sobretudo frente a um momento como o da crise onde se manifesta na superfície, surgem duas questões adicionais muito importantes. Como disse Stiglitz, existe um problema com relação aos custos energéticos. Frente estes a única proposta é a do “ahorro” energético, que se não redunda na mesma diminuição do consumo deve colocar ao menos um salto tecnológico que permita resolver um problema estrutural do capitalismo e que não casualmente está intimamente relacionado com a sobre acumulação (os gastos em matéria prima, fundamentais na industria da energia, se tornam cada vez mais importantes na medida que progride a tendência à sobre acumulação pelo aumento da composição orgânica do capital). No entanto, como o capitalismo em crise não está em condições de realizar tal revolução tecnológica (as mesmas não podem ter causas “endógenas” referidas a um suposto avanço da tecnologia por si mesma, senão que se deve a um determinado salto na produtividade das 24 “Quando existe desemprego involuntário (…) inclusive a construção de pirâmides, os terremotos e até as guerras podem servir para aumentar a riqueza. (…) Se a Tesouraria (o Estado) se pusesse a encher garrafas velhas com bilhetes de banco, as enterrasse a profundidade conveniente em minas de carvão abandonadas, que logo se cobrissem com escombros da cidade, e deixasse para a iniciativa privada, de conformidade com os bens experimentados princípios do laissez-faire, o cuidado de desenterrar novamente os bilhetes no teria por que haver mais desemprego e, com ajuda das repercussões, o ingresso real da comunidade e também sua riqueza de capital provavelmente rebaixaria em boa medida seu nível atual. Claro está que seria mais sensato construir casas ou algo semelhante; mas se existem dificuldades políticas e práticas para realizá-lo, o procedimento anterior seria melhor que não fazer nada.” Keynes, Teoria Geral da ocupação, do juro e do dinheiro (1935). 20 forças produtivas), é previsível que o ahorro energético seja simplesmente uma das tantas formas da carestia que a burguesia obrigará a manter às grandes massas. A outra questão importante é a velada, mas às vezes forte critica a acumulação soba a forma de fundos soberanos existente nos países subdesenvolvidos, esse “dinheiro que não se gasta”. Esta observação pode significar um chamamento à expropriação de tais capitais por parte das potencias que podem “gastá-los”, seja direta ou indiretamente. Quando Stiglitz fala de “alternativas à acumulação de reservas” se refere claro à implementação de políticas de gasto público também nestes países carentes de capital em comparação com os países imperialistas. É que a implementação de políticas de gasto publico ao estilo keynesiano em países que não possuem um sistema financeiro próprio, nem uma indústria forte e que portanto não podem decidir sobre suas economias, significa simplesmente a exposição extrema frente a força econômica das potencias imperialistas, o que só pode redundar em uma maior penetração imperialista. Tomando um exemplo autóctone, podemos dizer que a política econômica dos dois primeiros governos de Perón seja um dos exemplos mais claros a respeito. Evidentemente tais dinâmicas ficaram mais complexas frente a dinâmica da crise das relações inter estatais, a qual bullirá no cenário das disputas comerciais que gerará a médio prazo o protecionismo e a intervenção estatal em geral. A crise capitalista tende a abrir um manto com que se cobrem as verdadeiras causas da catástrofe social do capitalismo. Mas é justamente nestes momentos quando a vanguarda da classe operária deve ahondar e superar suas concepções próprias do senso comum e explorar os mecanismos reais da exploração para finalmente aboli-los ao superar verdadeiramente a causa do atual desastre: o modo de produção capitalista. Superar a ideologia estatista, tão arraigada em setores de massas e tão cara à esquerda, é uma das tarefas a levar adiante pela nova geração de revolucionários para enfrentar a maior decomposição imperialista. 21 22 CRISE DO SISTEMA MONETÁRIO MUNDIAL E DO DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS SOB A DECOMPOSIÇÃO IMPERIALISTA1 Isabela Arana- Joaquín Morelli A crise que explodiu em 2008 tem particularidades que a fazem a mais profunda dos últimos sessenta anos. Neste sentido podemos apontar como, dentro de suas particularidades, aparecem mudanças fundamentais como o é, por exemplo, a crise do sistema monetário mundial. Na seguinte nota trataremos de apontar como estes mudanças tem sua raiz no desenvolvimento anárquico do capitalismo em sua fase imperialista. É necessário apontar aqui, contra as visões monetaristas da economia, que justamente a fisionomia particular do sistema monetário mundial está estreitamente ligada ao desenvolvimento explosivo do sector financeiro especulativo, o qual cresceu explosivamente a partir da importante sobrevida que lhe deram as catástrofes militares do século XX com sua imensa destruição de capital acumulado, a derrota do movimento operário e o esmagamento e isolamento dos processos revolucionários iniciados desde princípios do século. Daí que quando falamos do aprofundamento das contradições que gera a maior importância das especulações financeiras (e o sistema monetário que corresponde, neste caso o dólar flutuante como moeda mundial), realmente estamos partindo de reconhecer r como o desenvolvimento das chamadas “forças contrarias” estão no fundo do aprofundamento das contradições. Como dizia Marx, o crédito leva até o limite a natural elasticidade do processo de reprodução, isto é, leva até um máximo a tensão entre o potencial desenvolvimento que permitem as forças produtivas e as barreiras que o próprio capitalismo levanta diante si. Acreditamos pertinente levar adiante esta analise sobre as particularidades do sistema monetário e sua crise atual no sentido de continuação e aplicação da teoria do imperialismo de Lenin. Contra a visão vulgar, a teoria leninista do imperialismo não assinala uma “opção política” dos países poderosos, mas o desenvolvimento do capitalismo quando suas barreiras próprias o introduzem em uma crise estrutural. Lenin estuda este fenómeno a partir de “contra tendências” (ou forças contrárias da queda tendencial da taxa de lucro) descritas por Marx. Em particular, como dissemos mais acima, a respeito da extensão inusitada do capital financeiro, expressada no maior poder dos bancos e a generalização da especulação. A outra contra tendência que podemos verificar em seu grande desenvolvimento, é a da expansão do comercio exterior a escala mundial, que não deve ser entendida somente como a extensão da troca de mercadorias em nível mundial (coisa já existente desde o inicio do capitalismo), mas da exportação de capitais e a criação de mercados capitalistas, própria da expansão colonial e que continuou, apesar de estar elo mundo “já repartido” (questão que não diminuiu, mas que acentuou tal tendência). O imperialismo pode ver-se então, como um desenvolvimento das contra tendências do capital, que como tais, adiam as crise aumentando sua força destrutiva. Aas forças centrífugas que liberaram esta crise tendem a destruir o sistema monetário estabelecido a partir de 1944 e que se manteve, não sem importantes modificações, durante a segunda parte do século XX. Com isto, naturalmente, se vê questionado todo o equilíbrio capitalista do pós-guerra. Por outra parte, a eleição realizada neste artigo de desenvolver brevemente a historia e fisionomia do sistema monetário atual foi tomada a partir de que consideramos o mesmo como o lugar donde se expressam condensados os movimentos de todo o sistema capitalista em nível mundial. Longe de ver nisto o núcleo do capitalismo, como creem os economistas burgueses monetaristas, cremos que nestas sombras projetadas do sistema monetário se expressam movimentos fundamentais como a exportação de capitais à semi-colonias, à concorrência inter-imperialistas (e suas particularidades de pós-guerra), o auge da especulação e a acumulação de capital fictício, e incluso o processo de assimilação ao capitalismo que buscam impor os países imperialistas sobre Rússia e China. 1 Artigo elaborado em agosto de 2011. 23 Por outra parte podemos dizer que a crise do sistema monetário baseado no dólar y em concreto, na potencialidade da economia norte-americana, em realidade é a principal força “centrípeta” que hoje afeta os EEUU como núcleo principal do capitalismo mundial. O sistema monetário em crise, constituído a imagem e semelhança da economia norte-americana, fez marchar a seu ritmo a todo o mundo (incluídos seus competidores) por mais de sessenta anos. Isto significou una vantagem estratégica adicional para os EEUU que obteve os privilégios de senhorios sobre a economia mundial. No entanto, esta crise é a reação proporcionalmente contraria dirigida justamente ao centro de sua economia. A diferença do desenvolvimento da crise em Europa e Japão, que caem pelo peso de suas próprias contradições, no caso da crise dos EEUU podemos dizer que é o peso das contradições de todo o sistema capitalista mundial o que o leva ao desastre. Sua hegemonia se trocou finalmente em exposição à decadência e decomposição históricas do capitalismo imperialista. Finalmente queremos assinalar que este trabalho tenta colocar-se no debate aberto dentro do trotskismo a respeito do problema do desenvolvimento das forças produtivas sob o imperialismo. Esta discussão dividiu as fileiras do trotskismo, todavia o faz, já que a partir da mesma se determinam importantes questões estratégicas. No centro do debate está à afirmação de Marx acerca de que: “Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que cabem dentro dela, e jamais aparecem novas e mais elevadas relações de produção antes que as condições materiais para sua existência tenham amadurecido dentro da própria sociedade anterior2”. Também Trotsky afirmava no Programa de Transição que as forças produtivas (FP) estavam estancadas em 1938, o que definiria una maturidade extrema de das condições objetivas para a revolução. Justamente, o que se encontra no centro do debate com relação a das FP (Frente Popular?) é a questão da revolução, ou mais precisamente, de se as condições para a mesma estão madura hasta até putrefação (o que definiria que a revolução é “objetivamente possível” desde várias décadas) ou se, pelo contrário, a recuperação da economia capitalista desmentiria tais afirmações, abrindo passo ao programa reformista. De nossa parte, nos colocamos o objetivo de superar esta dicotomia absoluta em a que caiu o debate do centrismo de pós-guerra, que tem mal interpretado de forma abstrata e falsamente histórica as posições de Trotsky, e que em concreto levou a muitas correntes a todo tipo de posicionamentos unilaterais e finalmente impotentes quando são levados a política. O Sistema Financeiro no Pós-guerra. O desenvolvimento Do Sistema Financeiro Sob a Hegemonia De EEUU: De Bretton Woods Ao Dólar Flutuante e O Auge Do Mercado De Derivados. A atual crise capitalista expõe de forma clara os fundamentos da crítica ao modo de produção baseado na exploração assalariada. O desenvolvimento das forças produtivas no segundo pós-guerra teve características derivadas das já vistas por Marx no século XIX, mas desenvolvidas em um grau nunca antes visto. O “giro monetarista” que a burguesia imperialista realizou no pós-guerra, do qual Bretton Woods é o maior expoente, descreve una ideologia económica baseada no fetiche do capital que se valoriza a si mesmo, é dizer, a preponderância de participação do capital. Por sua parte, a teoria monetarista burguesa, deriva a totalidade dos fenómenos económicos de uma particular teoria do dinheiro que tem suas origens nas bases mesmas da economia política de Ricardo, a “teoria quantitativa do dinheiro”. É por isto que enquanto eles podem expor-se a serie de crises que o sistema capitalista sofre a partir de seus próprios limites, é necessário encontrar um argumento que penetre nas questões fundamentais, a saber: que detrás de toda fantasmagoria da teoria quantitativa do dinheiro, e de seu desenvolvimento nas modernas teorias monetaristas, somente pode existir como amálgama que explique a miríada de fenômenos monetários o funcionamento da lei do valor-trabalho. Mas para conquistar isto, é necessário por sua vez partir da crítica 2 C. Marx, Prefácio à contribuição da crítica da economia política. 24 marxista à teoria do dinheiro. Nesta crítica Marx define as “determinações” que sofre o dinheiro e que configuram sua dinâmica contraditória (que esta na base das explosões periódicas que se veem na superfície do sistema capitalista, mas que expressam por sua vez as contradições profundas do mesmo.). Justamente, o poder analítico da teoria marxista no que se refere aos fenômenos monetários está na descrição minuciosa que se pode fazer dos mesmos, a diferença do que ocorre na teoria burguesa, donde nunca fica definido o papel do dinheiro, o funcionamento do capital, e as interações entre os diferentes agentes capitalistas. As diferentes “determinações formais” do dinheiro explicam as distintas formas em que se apresenta o valor em circulação (já que o dinheiro é a mercadoria universal que domina a circulação das mercadorias). Justamente, neste momento, no qual a operação sobre o tempo é um elemento qualitativo, o desenvolvimento do “conceito dinheiro”, explica o desenvolvimento da diversidade de fenómenos monetários que a ideologia burguesa fetichista em descrições pragmáticas que carecem de um eixo articulador. Breve Explicação Das Determinações Formais Do Dinheiro Segundo Marx A teoria marxista do dinheiro desenvolve, a partir do método dialético, as diferentes “determinações formais” do dinheiro, ou se quiser suas diferentes funções, às quais ajudam a descrever os diferentes momentos desta “mercadoria universal” dentro da fase da circulação. Para Marx3 o dinheiro cumpre três funções: como medida de valor, como meio de circulação, e como dinheiro propriamente dito, seja como meio de pagamento, ou meio de acumulação, ou dinheiro mundial. Como disse Marx: “A primeira função do ouro consiste em proporcionar ao mundo das mercadorias o material para a expressão de seu valor, ou bem em representar os valores mercantis como grandezas de igual denominação, qualitativamente iguais e quantitativamente comparáveis. (…) Enquanto medida de valor, o dinheiro é a forma de manifestação necessária da medida de valor próprio das mercadorias: o tempo de trabalho”. (Marx, 1999, p. 115). Para cumprir esta função de medida de valor o dinheiro deve ser um tipo especial de mercadoria que encarna a expressão geral de valor de todas as mercadorias, como uma mercadoria especial “existente ao lado e à margem das demais mercadorias”. O seguinte “momento” de desenvolvimento do conceito do dinheiro é do dinheiro em circulação propriamente dito. Aqui o dinheiro tem assinalada a função de meio de troca, donde no somente se expressa o valor que tem o dinheiro, mas o “preço provisório” com que as mercadorias chegam ao mercado. Recordemos que preço não é igual a valor, já que o preço se encontra mediado pela concorrência entre os capitais, situação donde se determina a taxa media de lucro. Como disse Marx: “Nesta determinação de puro meio de circulação, a determinação do próprio dinheiro consiste somente nesta circulação que ele efetiva tanto em sua quantidade está predeterminada4”. Na circulação o dinheiro se converte em puro meio, e nesse sentido, está voltado para resto da mercadoria como valor de troca frente ao valor de uso de cada uma daquelas. O dinheiro na fase de circulação permite o desdobramento do ato de troca na compra e na venda. Marx disse que justamente a circulação: “… divide-se, nas antíteses de venda e compra, a identidade direta existente aqui entre dispor o produto de trabalho próprio e adquirir o produto de trabalho alheio.5” Estabelece-se assim uma diferença entre o momento da venda a compra que pode estender-se mais ou menos no tempo. Este manejo de tempo entre vendas e compras é o que abre a possibilidade ao dinheiro de converter-se durante a circulação em diversas formas de crédito, pelo que se abre a porta à criação 3 4 5 Contribuição da crítica da economia política. O Capital, 1989, t. 1, p. 144. Ibídem, p. 138. 25 fictícia de valores. No entanto, enquanto se estabelece este excesso entre valor de cambio e valor de uso, e também entre venda e compra, é importante sinalar que a unidade do ato de intercambio não se perde nunca. De fato enquanto a mercadoria realiza seu “salto mortal” (a venda se produz separada da compra) se a última se realiza em um tempo demasiado largo ou não se realiza, a volta violenta à unidade de intercambio se coloca sob a forma de uma crise. Por outro lado, é neste momento de dinheiro como meio de circulação propriamente dito donde, a partir do desdobramento, o dinheiro pode ser também representado por signos de valor, por papelões que representam um valor ausente no mesmo momento de intercambio, mas existente como garantia. Desta maneira é possível o surgimento de papel moeda, ou billetes de curso legal. Como afirma Marx: O fato que o próprio curso do dinheiro se desassocie do conteúdo real da moeda seu conteúdo nominal, de sua existência metálica sua existência funcional, implica a possibilidade latente de substituir o dinheiro metálico, em sua função monetária, por outro material, ou símbolos6”. O desenvolvimento deste momento do dinheiro em circulação alcança inclusive formas que têm que ver com valores não existentes que circulam como dinheiro, como ocorre com os créditos monetizados, como são, por exemplo, os cheques e as letras de cambio. Finalmente, o dinheiro cumpre a função de ser dinheiro em si mesmo, já seja como meio de acumulação, como meio de pagamento e como dinheiro mundial. É dizer, falamos aqui do dinheiro “constante sonoro”, não à estimativa do valor de uma mercadoria, ou circulação dos valores nos atos (desdobrados) que compõem o intercambio, mas do dinheiro como mercadoria a ser trocada por outras mercadorias. É por isto que esta mercadoria-dinheiro se pode guardar como reserva o que constitui acumulamento. Por outra parte, sua segunda função como dinheiro propriamente dito é de servir de meio de pagamento de dívidas ou de mercadorias como ocorre, por exemplo, no intercambio entre países. Justamente a partir de este último caso o dinheiro propriamente dito adquire a função de equivalente mundial ante as mercadorias que intercambiam os diferentes países no comercio internacional. Desta maneira, o dinheiro “propriamente dito” é o meio aceito globalmente para definir os valores. Para Marx o ouro contém, oculto, toda a riqueza material implantado no mundo das mercadorias. Historicamente o papel de mercadoria dinheiro foi sempre do ouro, e em menor medida a prata. Somente o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento da produtividade do trabalho (y por assim os maiores requerimentos de dinheiro) fizeram do “dinheiro metálico” una base monetária no sustentável, que foi substituído parcialmente pelo uso na função de equivalente mundial de papeis moedas emitidos pelos bancos centrais dos países com as economias mais fortes, sendo o dólar estadunidense o mais importante deles. Estas distinções não são compreendidas pela economia burguesa que tem sempre a confundi-las, sobre tudo a respeito das funções de meio de circulação com as de meio de pagamento, diferença que poderíamos sintetizar dizendo que enquanto o dinheiro em circulação pode não ser intercambiado por um equivalente (devido ao desdobramento no tempo entre a venda e a compra), no caso do meio de pagamento, é imprescindível o intercambio por um equivalente, (gerando-se de volta a unidade do intercambio ou a simultaneidade dos atos de venda e compra). O Papel Do Crédito Na Produção Capitalista O outro eixo fundamental é do crédito7. Tomaremos aqui algumas referencias importantes que Marx desenvolveu a respeito dos juros do capital. É importante mencionar que para Marx o crédito aparece como una “alavanca” que “acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a instauração do mercado mundial”. É dizer, tem a importância de permitir a realização da missão histórica do capital. Mas 6 7 Ibídem, Libro 1º, cap 3. Ver O Capital, tomo 3. 26 ao mesmo tempo esta alavanca “acelera as explosões violentas que são as crises”, a o forçar ao máximo a elasticidade do processo de reprodução, devido ao simples fato de que os principais agentes no manejo das grandes massas de capital não são já seus proprietários diretos, mas especuladores e banqueiros que manejam a massa do capital social com um maior desembaraço. Convertem assim o sistema capitalista no “mais puro e gigantesco sistema de jogo e especulação, reduzindo cada vez mais o número dos contados indivíduos que exploram a riqueza social”. Mas ao mesmo tempo este movimento que acelera as contradições do capital determina para Marx o estabelecimento da “forma de transição até um regime de produção novo”, justamente devido a que a centralização e concentração dos capitais tendem a fazer que a expressão “capital social” seja uma realidade cada vez mais imediata. Para Marx o papel do crédito é então a tendência constante a romper as barreiras próprias do capital baseadas no carácter privado da propriedade e o antagonismo da produção, tendência que não pode levar-se nunca até o final, gerando contradições mais profundas que são a base da tendência a crises própria do capitalismo. Dito isto podemos enunciar algumas características sobre o papel do crédito na economia capitalista. Em primeiro lugar para Marx o crédito era um veiculo necessário da nivelação da taxa de lucro. Em segundo lugar, contribui para a “redução dos custos de circulação”, economizando o custo do dinheiro (metálico) ao ser diretamente omitido em grande parte das transações reais. Também se reduzem seus custos ao acelerar-se sua circulação quando o substitui por papel. Também mediante o crédito se acelera a “metamorfose mercantil”. Uma terceira característica importante é a constituição das “sociedades por ações” que implica a expansão da escala da produção pela centralização e concentração de capitais que permite, então, o carácter mais bem “social” destas empresas constituídas por uma enorme quantidade de capitais privados. Por outra parte, destaca o fato do aparecimento dos rentistas, mas sobretudo do aparecimento dos “administradores de capital estrangeiro”, enfrentado a “todos os indivíduos realmente ativos na produção, desde o diretor até o último trabalhador”, o qual implica um ponto de inflexão necessário para a futura reconversão do capital em “propriedade dos produtores”. Outra característica que Marx assinala no comportamento do capital sob o crédito é o fato de que os dividendos que pagam as empresas por ações aos investidores são regulados pela taxa de juros, sem participar na nivelação da taxa general de lucro. Desta maneira, o crédito funciona como uma contra tendência que tende a postergar a baixa da taxa de lucro. Finalmente, assinala o importante fato de que os capitalistas que operam com o crédito podem dispor do trabalho social sem arriscar seu capital, sua propriedade, mas a propriedade social, fazendo da expropriação dos pequenos e médios capitalistas o núcleo mesmo da tendência a centralização dos capitais. Marx assinala, por outra parte, a constituição do “capital bancário” a partir da reserva monetária (liquidez), e mais, os “títulos e obrigações”. Atualmente isto é o que se expressa com as distinções M1 (dinheiro líquido) e M2 y M3 (depósitos a prazo fixo, ações e bonos). O importante disto é que Marx assinala o fato de que para os banqueiros todo crédito que surja de suas operações aparece para eles como “juros sobre o capital”. É dizer, os bancos não diferenciam a respeito da origem de seus lucros o fato de que somente una parte provem de riqueza “real” e que outra parte (cada vez mais importante a medida que se desenvolvam as forças produtivas e o crédito) somente constituem o juro que provem de una dívida que aparece como capital. Neste sentido se assinala como as operações com capital fictício (bônus de dívida estatal por exemplo) são parte importante das operações dos banqueiros, ainda que em realidade sejam somente representações nominais de capitais já gastos (créditos a Estados) ou de capitais que existem na indústria ou o comercio. Neste sentido esta “acumulação” de capitais fictícios não soma em nada para a “riqueza da nação”. De fato estes valores que se assentam sobre outros valores são cotizados não a partir de, por exemplo, as melhoras na produtividade; mas a partir do que “se espera” que esses capitais industriais ganhem em um futuro (caso das ações), ou pior ainda, dos impostos que se cobrarão no próximo ano (caso da dívida pública). 27 Alguns Pontos Relevantes Sobre A Análise Marxista Dos Juros sobre Capital Em primeiro lugar, nomearemos a complexa relação entre capital dinerário e capital real que se estabelece a partir da existência de plétoras de capital dinheiro disponíveis fora da produção e do comercio. Marx se pergunta duas coisas a respeito: se esta (excesso) de capital–dinheiro é um indicio de excesso de capital real (produtivo ou comercial), e se, pelo contrario, sua eventual “estreiteza” tem que ver com uma escassez real de capital, ou melhor, uma escassez de meios de circulação. Marx nos disse que os ativos financeiros (títulos acionários, letras, etc.) tendem a cotizar e a aumentar seu valor com a baixa tendencial da taxa de juros (baixa que é reflexo da baixa tendencial na taxa de lucro). Desta maneira este “dinheiro creditício” sempre tenderá a crescer a níveis ilimitados. No entanto, por outro lado, Marx assinala com respeito do crédito comercial. Seu crescimento vai de mãos dadas com crescimento do capital industrial, pelo que a parte que intervém como capital dinheiro imprestável representa em realidade aquele capital fixado o que se encontra no processo de reprodução, e no capital sobrante ocioso. É por isto que a possibilidade de expandir o crédito ao máximo equivale a utilização mais plena do capital industrial. Por outra parte, também as crises fazem com que exista capital ocioso que a no é usado pelo encolhimento da base do processo de reprodução. Desta maneira, Marx nos disse que em todo aumento do capital dinheiro para financiamento equivale à ampliação do processo de reprodução. Outro tema importante é a situação do meio de circulação sob o sistema creditício. Além das aparências que emergem da dinâmica do dinheiro creditício, Marx afirma que a massa de dinheiro sempre está determinada pelos preços, além de que o crédito regule a velocidade de circulação do dinheiro. A massa de circulante depende das necessidades do comercio e não o inverso. Desta massa de circulante há que diferenciar o que efetivamente circula, da que permanece como reserva nos bancos. Esta proporção variável entre as duas massas de circulante determina a taxa de juros, ou como se diz, a “abundancia” (quando aumenta a quantidade de dinheiro no banco) ou a “escassez” (quando se reduzem as reservas do banco). A taxa de juros se determina de acordo com a evolução destas proporções durante o ciclo industrial. Por exemplo, em momentos de crises o juro é máximo, porque o que se requer é meios de pagamento, dinheiro líquido. Justamente a respeito deste ponto, Marx assinala o fabuloso poder que obtiveram os especuladores a partir da fixação das famosas “taxas de juros de equilíbrio” por parte dos bancos centrais, os quais permitem alterar a determinação da taxa de juros segundo seja a conveniência dos grandes financistas. Em sua polêmica contra a “Escola da moeda” Marx y Engels assinalam fato de que toda modificação do nível dos preços é “totalmente Independiente do fluxo e refluxo áureos e do tipo de juros”, ainda que entre os dois últimos se tenha uma estreita vinculação, tal como mencionamos mais acima respeito da “escassez” ou da “abundancia” de dinheiro. Marx discute aqui com uma teoria derivada da teoria quantitativa ricardiana e afirma inclusive que, contrariamente, a redução da quantidade de ouro somente aumenta a taxa de juros. Finalmente citaremos a discussão de Marx respeito da relação entre o cambio e o fluxo de metais preciosos a uma economia. Enquanto Marx analisa a dinâmica que se gera em um sistema monetário de base metálica (e não um padrão baseado em um papel moeda como o dólar como é na atualidade), algumas de suas apreciações podem ser de muita utilidade ao analisar a dinâmica do sistema monetário e do sistema financeiro atual. É importante a menção que faz da afluência do dinheiro mundial (ouro na época de Marx) a partir da qual se produzem fortes perturbações na economia quanto mais desenvolvido esteja o sistema creditício (fala de uma “hipersensibilidade”), devido às flutuações que se produzem na taxa de juros, pelo que o sistema de conjunto se arrisca à alta possibilidade de que se gerem corridas (necessidade de transformação súbita dos ativos financeiros em dinheiro líquido). Por isso, para Marx, enquanto o capital dinheiro é só uma espécie particular e marginal de capital quando se analisa ao sistema 28 capitalista em sua origem, sua dinâmica se converte na mais importante quando se trata de analisar ao sistema bancário, e constitui uma parte fundamental da análise da reprodução ampliada do capital. Daqui a conhecida ironia de Marx a respeito do sistema capitalista e seu desenvolvimento através do sistema creditício, quando diz que o sistema monetarista (de base metálica) seria “essencialmente católico”, e o sistema creditício “essencialmente protestante”, de modo que assim como o protestantismo não se pode abandonar de seus fundamentos no catolicismo, tampouco pode o sistema creditício deixar sua base monetária real. Após retomar estes eixos fundamentais da crítica marxista a estes aspectos complexos e simultaneamente “próximos à superfície”, vamos trabalhar a questão da historia recente do capitalismo, em particular dos alinhamentos que se estabeleceram após a segunda guerra mundial e que hoje se encontram em uma profunda crise. O Fim Do Sistema De Bretton Woods E A Inflação O sistema monetário baseado na convertibilidade ouro-dólar Breton Woods expressou em seus inicios a situação do capitalismo mundial após a segunda guerra mundial, onde Europa estava devastada e os EEUU se impunham, como a maior economia do mundo. A maior produtividade de sua economia, assim como seu imenso tamanho, lhe permitiam produzir com igual, ou melhor, qualidade que seus concorrentes, em maior quantidade e a menores custos. Esta era à base do dólar estadunidense que se expressou nos acordos de 1944. A reconstrução do pós-guerra e a exportação de capitais fazia Europa, no marco da existência da URSS e do surgimento da revolução na China, determinaram a recuperação do imperialismo europeu, sob a “proteção” norte-americana. Ao fim de uns poucos anos, novamente o capitalismo se viu envolto em novas crises derivadas da superacumulação. A expressão destas crises teve formas variadas, começando pela típica crise de balança de pagamentos que começou a sofrer EEUU em seu papel de emissor do dólar-ouro. Mas também se expressou em crises monetárias, em especial, em uma “espiral inflacionaria” derivada justamente das contradições do dólar como papel moeda (signo de valor) e dinheiro mundial convertível com o ouro. Justamente a burguesia buscou atacar esta expressão inflacionaria da crise do capitalismo, que era o problema que mais claramente se colocava. Uma causa imediata da espiral inflacionaria em nível mundial se devia à relação insustentável de convertibilidade ouro-dólar. Basicamente, o aumento da produtividade devido a desenvolvimento das forças produtivas ocorrido após a segunda guerra mundial, não se condizia com a relativamente baixa produtividade que se obtinha na produção do ouro. Mas o ouro não ajusta seus preços à produtividade de seu setor. O ramo da produção de ouro, em um sistema de convertibilidade em ouro, não se ajusta à formação de preços que sofrem s demais ramos, já que sua demanda é sustentada pelas mesmas necessidades de meios de circulação que têm o sistema capitalista, sobretudo em épocas de expansão. Então, o que se gerava era um valor “artificialmente” alto do ouro, e preços cada vez mais baixos (em ouro) do resto das mercadorias cujos ramos haviam conquistado melhoras substanciais na produtividade. Disse Mandel a respeito: “A expressão “preço do ouro”, que obviamente é um absurdo sob padrão ouro, toma um sentido indireto quando falamos de um sistema baseado em papel moeda, donde se registram flutuações na massa monetária e variações nos valores das diversas moedas nacionais nos finais das flutuações deste total. Se não consideramos a tremenda inflação que ocorreu em escala universal durante a última metade do século, vemos que os preços da maioria das mercadorias em términos de preços em ouro declinaram consideravelmente” ¿Significa isto que sob um sistema monetário baseado no papel moeda atado ao padrão ouro, cada expansão da massa monetária automaticamente causa aumentos nos preços? Isso só seria certo se o total da produção e a produtividade do trabalho se mantivessem estáveis. “Apenas a produção e a produtividade cresçam, a massa monetária total pode expandir-se consideravelmente sem um incremento nos preços.” 29 A produtividade dos Estados Unidos abaixou em determinados ramos a respeito de seus concorrentes Europeus e Japoneses. Isto gerou uma progressiva degradação de sua balança de pagamentos que passou a ser deficitária. Desde já que o debilitamento de sua hegemonia no económico por parte de EEUU não se deveu só ao comercio com seus concorrentes. Em realidade poderia dizer-se que o papel de centralizador mundial da economia que começou a cumprir EEUU após a segunda guerra, expôs a sua economia às contradições do sistema capitalista em nível mundial. Mas voltando às particularidades do assunto, é necessário prestar atenção à questão da emissão de papel moeda sob um sistema como de Bretton Woods. Enquanto não é certeza que a expansão nos meios de circulação conduza a um aumento dos preços (como reza aquele ditado da teoria quantitativa ricardiana), quando falamos de papel moeda, pode ocorrer que, se junto com a emissão de bilhetes , não existe uma ampliação da base produtiva e da produtividade dos principais ramos, é possível que se gere um aumento generalizado dos preços. Isto significaria tanto, que mais além das aparências de uma “inflação gerada pela simples emissão”, em realidade a inflação se deva ao estancamento económico, e que a emissão adicional só amplifique o efeito inflacionário inicial. É importante agregar aqui que este fenómeno ocorre principalmente nos países imperialistas, já que as causas da inflação nas economias semicoloniais é muito mais complexa e em grande parte é um fato derivado de seu caráter dependente (por exemplo, o caso da “inflação importada”). É possível que a relação entre um estancamento da produtividade dos EEUU, relativa aos concorrentes internacionais (Alemanha e Japão) em determinados ramos da economia, e a consequente queda em uma balança de pagamentos deficitária, junto com a possibilidade de “senhorio” dos EEUU, de poder emitir dinheiro papel moeda como se fossem meios de pagamentos internacionais, tenham configurado o núcleo da espiral inflacionaria que começou a sofrer a economia mundial, e que se acentuou em fins dos anos´608. Resta dizer como é que esta inflação se converteu em “patrimônio” do conjunto da economia. A convertibilidade ouro-dólar, já seja em um sistema puramente “metálico”, como o que imperou até 1914, ou em um sistema como de Bretton Woods (em que as reservas se compunham de una combinação de ouro, dólares, libras esterlinas, e inclusive créditos internacionais), tem a particularidade de requerer o ajuste do dinheiro circulante à quantidade de reservas, estabelecida por uma porcentagem disponível pelo banco central (por ex. 25% do circulante está respaldado por reservas). El problema ocorre aqui quando por um eventual déficit na balança de pagamentos no país emissor da moeda de reserva (como ocorreu a fins dos anos´60) permite a este país saldar suas dívidas simplesmente com emissão de papéis, ou seja, convertendo o papel moeda, desvalorizado pela simples impressão de papéis, como meio de pagamento internacional. Desta maneira, estes dólares que entraram no mercado mundial ampliaram a existência de dólares, não só como meio de circulação, mas também como reservas (o que é igual, como meio de pagamento e como dinheiro mundial). Se produziu assim uma generalização até o conjunto dos países do aumento da inflação que se gerou no país emissor do dólar. Crise De Super-acumulación E Políticas Monetaristas É importante recordar o fato de que a mesmas contradições internas da lógica do capital (as barreiras que o mesmo capital levanta ante si, como dizia Marx)9 são a forças que em determinado momento no permitem a continuidade da expansão da base económica. De fato estas barreiras se expressaram repetidas vezes na historia capitalista através das crises dos sistemas monetários10. Podemos verificar isto na existência da imensa acumulação de capitais e a consequente baixa tendencial da taxa de lucro. A impossibilidade de superar esta barreira imanente comprometeu o capitalismo a tentar superar seus 8 E dizemos isto numa dimensão desde a qual se pode explicar desde a queda dos imperialismos coloniales europeios (França e Inglaterra), até a destruição dos imperialismos alemão e japonês, asim como a “ paradoxica” reconstruição destos como países imperialistas por parte dos EEUU em contra da URSS. Seu rol como potencia imperialista principal, como hegemón, expôs sua economía relativamente sana respeito das europeias, à descomposição histórica do capitalismo. 9 10 30 problemas superdimensionando-os. Mandel afirmava em esse sentido que a economia de ocidente se encaminhou à prosperidade em um oceano de dívidas, de créditos e de inflação de papel moeda. Isto é algo que se fez muito mais palpável nas últimas décadas. Por outra parte, devemos recordar que uma das razões profundas da crise do capitalismo é crise de superacumulação, cujas variadas expressões configuram a fisionomia do imperialismo da segunda metade do século XX. Respeito deste último foi através das políticas monetaristas estabelecidas na segunda parte do século XX que se tentou recuperar a taxa de ganancia a costa de alterar a taxa de acumulação efetiva do capital. E é que sob a pressão da super-acumulación, as possibilidades intrínsecas do sistema capitalista não permitiam já aos mercados e os lucros crescerem o suficiente como para assegurar a utilização da capacidade instalada (do capital acumulado que está imobilizado como capital fixo) que por sua vez determinara una taxa de desemprego que não degenerou em uma crise social e política desestabilizadora dos regímenes burgueses. É por isto que os capitalistas, através de seus principais ideólogos, como Keynes, compreenderam no século XX que no podiam deixa livremente às suas próprias determinações a dinâmica do sistema capitalista. O estancamento no crescimento e na taxa de lucro não permite ao capitalismo reduzir o alto desemprego ou inclusive realizar uma utilização plena da capacidade instalada. A intervenção estatal através de políticas monetaristas que tendiam a gerar inflação e endividamento (próprias do keynesianismo) foi uma solução pragmática e temporária entre a realidade da crise permanente do sistema capitalista em sua declinação e os interesses da burguesia como classe. As políticas neokeynesianas aplicadas no pós-guerra tiveram a intenção De garantir um crescimento na base da expansão do crédito e o endividamento que, enquanto teve vigência o padrão-cambio ouro, repercutiam diretamente na inflação dos preços em dólares. Depois, e com a crise gerada pela “solução keynesiana”, a burguesia continuaria o intervencionismo monetarista seguindo a teorias “neo-ortodoxas” de Friedman y Hayek (o que vulgarmente se conhece como “neoliberalismo”), que postulavam una enganosa “volta ao libre mercado”, e que puseram como objetivo acabar com a inflação, ainda que em realidade só eram a continuação do endividamento keynesiano por outros meios. Por que as Politicas Neokeynesianas Implicaram Crescimento Através Da Inflação Por Endividamento Após o estalar da crise de 1929-32 o capitalismo mostrou claramente sua incapacidade para prever a crise da maneira que o havia feito em seu período de ascenso (por exemplo, como ocorreu na crise dos anos 1870). A partir de 1914 em diante a crise do capitalismo se havia feito insuperável sem a destruição de imensas somas de capital acumulado (tanto fixo como circulante). As políticas econômicas dos anos `20, havia feito que o crescimento próprio da reconstrução do pós-guerra e do ascenso dos EEUU foi a base para que as contradições do capitalismo explodissem novamente a partir da bolha especulativa gerada no ascendente EEUU, mas que rapidamente se propagaria por todo o mundo a través de um sistema monetário sumido na crise a partir da primeira guerra mundial. Neste contexto de crise generalizada, que era a continuação sob formas das crises estruturais que o capitalismo sofria já desde princípios do século XX, surgem a teorias burguesas baseadas na intervenção estatal através de mecanismos monetários, como a teoria keynesiana. O postulado keynesiano do multiplicador da demanda agregada é como se sabe um conceito destinado a colocar o suposto papel motor da economia que teria o gasto estatal, ou melhor, a partir do endividamento estatal. A partir de esta teoria aplicada desde princípios dos anos ’30, a política da burguesia se centrou na intervenção estatal da economia, não só através da regulamentação, mas sobretudo através do endividamento. De fato, desde a política norte-americana do new deal (Novo Acordo), até o corporativismo fascista, 31 passando pelo estatismo francês e inglês dos anos ´30, o conjunto da burguesia fez entrar a economia mundial em una espiral de endividamento a través do gasto estatal, na mesma medida em que aumentava o protecionismo e acentuava a fratura de um mercado mundial que ainda não se havia podido recompor depois da comoção da I Grande Guerra. Igualmente é importante assinalar o fato de que as tendências a resolver o crescimento da economia a partir de capital fictício não começam só com o estatismo, mas que vinham desenvolvendo-se sob a bolha especulativa da segunda parte da década de `20, donde ocorreu um “boom creditício”. O endividamento estatal dos ano30 tomou muito desta dinâmica, mas em uma escala muito maior e destinada conscientemente ao esforço militarista que constituía um elemento de vital importância para o imperialismo naqueles anos. Desta maneira os governos burgueses adotaram técnicas inflacionistas keynesianas para a superação da crise. Como forma monetarista de controlar superprodução, estimulando a demanda mediante o gasto público (em infraestrutura e equipamento militar), e controlando o desemprego, da mesma forma e também com o subsidio direto (seguro de desemprego). É importante fazer notar que o endividamento estatal não significava gasto no sentido corrente da palavra, mas que se converteu em uma maneira de sustentar as grandes empresas e trustes que organizavam o trabalho na preparação para a iminente segunda guerra mundial. Em todos os países imperialistas se deu o caso das corporações automotoras, siderúrgicas, químicas, petroleiras, mineiras, e demais que cresceram de forma espetacular de mãos dadas com o “gasto estatal” dos benefícios do “lobby” do Estado. A concorrência capitalista estaria a partir daí muito mais mediada pela intervenção do Estado imperialista. E é que justamente, o aumento sem precedentes do endividamento estatal propiciado pelas políticas keynesianas foi o determinante de uma tendência permanente à inflação monetária11 que chegou a um extremo nos anos ´60. O imenso desenvolvimento desta inflação e sua relação com o endividamento podia ver-se na expansão artificial do crédito respaldado na emissão de títulos de dívida soberanos que possuíam os bancos como garantia desses empréstimos. A inflação da segunda parte do século XX já não aparece só como um aumento do circulante em papel moeda, mas que aparece sob forma de incentivos na existência de capital fictício baseado na negociação dos títulos de dívida pública. Desta maneira começa a generalizar-se o uso dos títulos de dívida como capital fictício, ou inclusive como capital dinheiro fictício, configurando algo que depois seria o mais comum, o uso dos bônus de dívida como dinheiro, em suas funções de meio de pagamento e de reserva. Como disse Mandel: “Ao contrário, diversas características da fase de decadência do capitalismo reforçam a tendência inflacionista fundamental de nossa época. Falemos sobretudo das práticas de amortização acelerada, o autofinanciamento e, em geral, a excessiva liquidez dos grandes monopólios. Esta liquidez tem como consequência a alta dos preços, incrementando assim o volume da circulação monetária sem que este dinheiro encontre uma contrapartida no mercado, já que a duração do ciclo de renovação real do capital fixo não se reduziu nas mesmas proporções que a do ciclo de amortização financeira e contábil. Se estão depositados no banco, estes efetivos reingressam no circuito monetário, estimulando assim a inflação do 11 Sobre o papel de inflação em relação ao nível dos salarios: “A inflação permanente, inclusive quando é mais ou menos ”moderada” ou ”congelada”, como acontece atualmente com os Estados Unidos (e como aconteceu com a Alemanha nazi), implica sempre uma redistribuição da renda nacional. Suas primeiras víctimas são os titulares de ingresos estáveis, mesmo como todas as capas de asalariados que não dispõem dos meios e da força sindical necessarios para defender seus ingresos reais. No entanto, quando a economía continúa em expansão geral, ista redistribuição não implica necessariamente uma agravação absoluta do nível de vida dos trabalhadores (lo que no ocurrió, por ejemplo, en Estados Unidos, entre 1945 y 1958). Pero implica que la parte correspondiente a los asalariados no produto social crescente é menor do que lhes houvese correspondido com uma moeda estável. A inflação é neste caso um meio de neutralização relativa da força sindical, e não, como afirmam imprudentemente os meios conservadores, o “resultado da pressão sindical”. E. Mandel: “TRATADO DE ECONOMÍA MARXISTA –Tendência permanente à inflação monetaria”. 32 crédito. Ou são usados para a compra de papel do Estado a prazo curto ou mediano, que “financiam” os déficits ou gastos orçamentários improdutivos, e criam assim a inflação pura y simple.12” Depois da grande destruição das forças produtivas e de capitais que gerou a guerra, o capitalismo encarou rapidamente uma expansão inusitada, que superou a reconstrução das potencias devastadas (ao contrário de URSS e depois China), através da aplicação de muitas inovações tecnológicas e organizativas na produção que, ou não haviam podido aplicar-se antes da guerra, ou que haviam sido desenvolvidas durante a mesma. Operou-se assim uma grande renovação do capital fixo e a reconstrução ampliação de toda a infraestrutura danificada ou destruída na guerra. No entanto, cabe perguntarmos aqui acerca da natureza desta recuperação capitalista, que tão somente 25 anos depois mostraria fortes sinais de esgotamento. ¿Foram os mecanismos da acumulação capitalista do segundo pós-guerra similares a do capitalismo em plena expansão do século XIX? ¿Ou este crescimento teve em sua dinâmica muito do “aprendido” nos anos do crescimento mediante o endividamento que deformou completamente as economias da pré-guerra? Em primeiro lugar retomaremos a caracterização de que a crise de super-acumulación, estrutural e histórica do capitalismo engloba todas as manifestações parciais que se sucederam desde 1914 em diante. De fato pode assinalar-se que o mesmo “boom de pós-guerra” configurou uma continuidade com os mecanismos de endividamento implementados a partir dos anos ´30. No entanto, esta continuidade teve suas modificações no fato de que a maior porção do endividamento foi tomado pelas empresas privadas, as quais foram o motor da reconstrução em Europa da expansão da economia de EEUU. Neste sentido foi a inflação do crédito o principal meio pelo qual se garantiu o estímulo para o chamado “boom de pós-guerra”. Isto basicamente por duas razões: porque permitia ampliar os mercados de consumo além da capacidade de pagamento dos assalariados e rentistas, e sobretudo, porque permitiu às empresas expandir-se e crescer em seus investimentos a partir de imensos créditos que colocar-se a estas empresas ante a possibilidade de fazer-se de quantidades de mais-valia muito maiores às que lhes tinham correspondido de acordo com a grandeza de seu verdadeiro capital acumulado. Desta maneira, o desenvolvimento da economia do pós-guerra foi real, e expressou um crescimento da capacidade das forças produtivas, que redundou depois em um crescimento do mercado mundial que permitiu por sua vez um maior desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo nas semicolônias. É possível dizer então que o capitalismo continuou desenvolvendo-se de forma anárquica através do endividamento, o qual equivale a aquilo que afirmava Marx a respeito do funcionamento do crédito na economia capitalista que aperta ao máximo a natural elasticidade do processo de reprodução, já que permite os capitalistas dispõe de capitais estrangeiros e manejar-se de maneiras muito mais arriscadas. A outra face de este crescimento foi em todo momento a permanente e crescente tendência inflacionaria, expressão direta do endividamento estatal e privado da economia mundial. Retomando então o fio da questão sobre os fatos que culminaram com o fim do padrão cambio ouro-dólar de 1971, devemos analisar, a partir dos apontamentos que fizemos dos mecanismos de que se valeu o capitalismo para desenvolver-se sem superar a barreiras insuperáveis da superacumulação, que determinou o aguçamento da tendência decrescente da taxa de lucro, e finalmente uma nova queda em direção à crise na ordem imperialista. Neste sentido se podem mencionar algumas contradições que desenvolvidas dentro do chamado “boom” ocorrido entre 1945 y 1968, foram determinantes para seu estancamento. Retomaremos aqui a Mandel, quem aponta varias tendências que conduziram à crise em fins dos anos ´60. Em primeiro lugar apontava o aumento da composição orgânica do capital que inevitavelmente ocorreria após a reconstrução da Europa y Japão, mas também relacionada com o 12 Ibídem. 33 encarecimento dos preços das matérias primas, em especial das necessárias para produzir energia, devido a que desenvolvimento destes setores não era compatível com o grande desenvolvimento ocorrido nos setores manufatureiros destinados ao consumo. Por outro lado também aponta o fato da generalização das vantagens tecnológicas que proporcionavam lucros extras a determinadas empresas, o que por sua vez, determinou um aumento do capital necessário para fazer inovações no que respeita à rotação dos capitais, cuja aceleração melhora a taxa de lucro, também observou um freio na aplicação de estas melhorias devidos em parte aos impedimentos que significam para o capital a existência de fronteiras nacionais. Também aponta o aumento da tendência à crise de superprodução devido à saturação da capacidade de consumo, que tardava em assimilar-se ao aumento na produtividade. O principal efeito negativo desta tendência se expressava para Mandel em uma significativa baixa tendencial na ocupação da capacidade instalada, principalmente nos EEUU. Por último, afirma que o fato reconhecido pelos próprios burgueses de que a inflação se convertia cada vez más em um freio para o crescimento, já que não permitia a execução de planos de investimento em grande escala. Em palavras de Mandel: “a taxa negativa de juros “real”, a tendência a fazer mais duvidosos (e por ele mais difíceis) os projetos de investimentos a longo prazo do ponto de vista dos cálculos das expectativas de lucros.13”. Ao repassar estas contradições pode se ver como estão inter-relacionadas, e como ao ser uma expressão das outras, fica claro porque não se pode domá-las por separado, com risco de cair na unilateralidade. A forma em que as políticas imperialistas tentaram postergar o efeito crítico das mesmas pode servir para explicar como prosseguiu com outros instrumentos o desenvolvimento do endividamento, que mais além de formas particulares, continuou na mesma linha de postergar e aumentar as contradições inerentes e intransponíveis do capitalismo. O Sistema Monetário Depois De Bretton Woods Definitivamente, o quadro que mostrava o capitalismo em fins dos anos´60 do século passado era o de um sistema que sofria de crescentes dificuldades para sua expansão, e que se havia tornado dependente da inflação e do endividamento (em especial para poder resolver os investimentos necessários). A pressão inflacionaria criada pela insustentabilidade de Bretton Woods (envio de ouro a bancos centrais por cada dólar emitido por EEUU) por parte de um EEUU que necessitava financiar seus déficits emitindo moeda, foi resolvido de alguma maneira pelos EEUU com a desvalorização de 1971. Isto se pode ver na ilustrativa frase de J. Connally, ministro de finanças de Nixon: “O dólar é nossa moeda mas é de vocês o problema”. Isto era justamente o que apontou o economista norte-americano R. Triffin, e que se conheceu depois como o “paradoxo Triffin”. Ante o grave problema inflacionário, a política da burguesia americana, através do governo de Nixon, foi a de abolir a convertibilidade fixa do dólar com o ouro (estabelecida por Bretton Woods) e permitir a “libre flutuação do dólar” com relação ao ouro. Isto teve um impacto direto, tal como se esperava. Aquele crescimento artificial que se dava apelando à inflação, testemunhava a maior emissão de dólares-moeda mundial por parte de EEUU, continuou fundamentando-se no endividamento, mas modificou parte de seu mecanismo a través da utilização massiva do “dinheiro de crédito”, ou seja, da utilização de bônus soberanos (t-bonds) à maneira de dinheiro em dólares”. Foi esta expansão do dinheiro de crédito o que freou a inflação em nível mundial (e que significou um giro monetarista ortodoxo) e permitiu a continuidade do dólar como meio de pagamento e dinheiro mundial, já liberado do padrão cambio com o ouro. Como no podia ser de outra maneira, estas mudanças não anularam, mas aprofundaram aquela contradição do dólar como meio de circulação (os sectores que dependiam do mercado de EEUU) e do dólar como meio de pagamento e dinheiro mundial (os que possuem dólares como reservas). Daí em mais as contradições do capitalismo imperialista expressadas em suas crises monetárias se 13 Ibídem 34 expressariam fundamentalmente através do desenvolvimento do dinheiro de crédito. No entanto, isto no mudou da noite para o dia, sendo justamente os anos ´70 uma década em que a que a inflação continuou se desenvolvendo. Mas significou uma mudança completa nas políticas econômicas que começariam a estabelecer um “giro monetarista” na versão da Escola de Chicago de Milton Friedman em combinação com as políticas mais estratégicas do monetarismo de linha keynesiana. Em todo caso, o capitalismo se enfrentou de repente em princípios dos anos ´70 com a ressaca do crescimento do “boom” de pós-guerra. A inflação, que os monetaristas apontaram como a causa e a por sua vez o efeito de todas as crises, era em realidade a expressão superficial das contradições acumuladas pelo capital, tanto dos problemas históricos não solucionados pelas duas guerras mundiais, como também dos problemas gerados no pós-guerra. A instabilidade monetária era o sinal da crise, mas por sua vez foi utilizada, a partir das políticas neokeynesianas dos anos ´50 y ´60, como o motor do crescimento. A expressão da inflação denota seu caráter de simples manifestação quando se analisa junto com os demais problemas típicos da crise capitalista como os problemas nas balanças de pagamentos, o aumento dos custos para a ampliação da indústria, e o crescimento descontrolado dos índices de preços ao consumidor. Ante tudo isto, a resposta burguesa se deu através de políticas monetaristas que tentaram reduzir a quantidade de dinheiro circulante e de levantar as taxas de juros (partindo das noções mais básicas de sua teoria quantitativa do dinheiro). A espiral inflacionaria gerada nas primeiras décadas do pós-guerra se transformou finalmente em uma explosão do crédito, e em especial do dinheiro creditício. Após a anulação do padrão cambio-ouro que estabelecia Bretton Woods com o dólar norte-americano, as políticas monetaristas mais “ortodoxas” que vinham dos ideólogos da Escola de Chicago, tentaram controlar a inflação na superfície do sistema mediante políticas deflacionistas. No entanto, e como testemunha o “ato fundacional” da liberação do padrão- cambio ouro que fundamentou a imposição das políticas monetaristas logo conhecidas como “neoliberais”, o que realmente ocorreu foi que a espiral inflacionaria continuou se desenvolvendo através da expansão do crédito e do endividamento estatal (primeiro nos estados semicoloniais, logo inclusive nos estados imperialistas) e privado (tanto nas grandes corporações como nos consumidores individuais). O fundamental é que as diferentes políticas burguesas denotam essa relação necessária entre, por um lado, os limites internos da acumulação capitalista; e por outro, o crescimento da “grande quantidade de capital” e o excesso de capacidade instalada. Por sua parte, o desemprego crescente e estrutural também está relacionado com estes limites inerentes do capitalismo. Desenvolvimento Da Especulação Financeira E O Desenvolvimento Dos Mercados De derivados O crescimento expansivo da “oferta de dinheiro” que propiciou o abandono do padrão câmbio ouro mostrou desde o principio uma defasagem a respeito da capacidade de acumulação do capitalismo de conjunto. Isto é, o aumento de grande quantidade de capital no se condizia com um aumento à acumulação do capital. Este “dinheiro excedente” teve que reverter-se então em alguma forma que o valorizasse ainda que fosse através de juros. É assim como a especulação financeira teve um forte impulso com o novo esquema monetário. O crescimento do capital fictício através do endividamento e a criação de títulos negociáveis com os mesmos foi o correlato da baixa que se expressava na taxa de lucros (a princípios dos anos´70) e o aparecimento de uma grande quantidade de capitais que ou bem provinham da retirada da atividade produtiva ou bem provinham das possibilidades que abria a partir de 1973 o dólar flutuante e a especulação com valores sustentados em matérias primas (em especial o petróleo). Além disso, nesses anos existia uma grande acumulação de dívidas em nível mundial. Esta acumulação logo cresceu mais ainda com o aparecimento dos “petrodólares”, que eram grandes depósitos de valor, propriedade dos países produtores de petróleo que foram usados pelos grandes bancos internacionais para concessão de empréstimos volumosos aos Estados semicoloniais da Ásia e América Latina. 35 Assim como no período de vigência do padrão-cambio ouro, o Estado carregou una importância fundamental no desenvolvimento das tendências inflacionarias após o “default-inadimplência” encoberto de 1971. A intervenção estatal continuou tendo uma importância similar continuando com a linha de endividamento estatal. Procedeu-se a desenvolver a monetarização das dívidas soberanas, o qual colocou à disponibilidade dos especuladores financeiros imensas somas de valor fictício que seriam a base para a próxima etapa no desenvolvimento do capitalismo imperialista. Como temos afirmado mais acima, o Estado é uma fonte primordial do dinheiro de crédito. A base destes créditos está na mais-valia que o Estado pode embolsar no futuro mediante os impostos. Com certeza, estes “valores” sustentados nas dívidas do Estado configuram o capital fictício por antonomásia (figura de linguagem que significa a substituição de um nome por outro), já que se referem aos impostos que se podem cobrar, os quais não guardam nenhuma relação com o uso que se deu aos capitais que o Estado recebeu título de empréstimo. O mecanismo pelo qual se desenvolve este endividamento em uma nova plétora (grande quantidade) de capitais que passam à disponibilidade dos especuladores o seguinte: Especialmente nos países imperialistas ocorre que os bancos centrais transferem estes bônus de dívida aos bancos comerciais sob a forma de letras comerciais que se intercambiam por títulos. Como contraparte, o banco central também pode controlar esta “massa de valor” fictícia através da venda de títulos em seu poder contra os bônus que inicialmente transferiu. Sob este mecanismo a dívida pública se transforma em circulante aparentemente tão válida como o dinheiro real. Com certeza, que esta suposta igualdade repousa abstração o ocultamento do fato de que todo crédito é essencialmente diferente do dinheiro, em que representa em realidade um faltante, o qual se expressa no momento do pagamento da obrigação que encarna. A possibilidade destes desenvolvimentos fictícios de valor vêm dada pelo importante papel do crédito na economia capitalista. Enquanto a acumulação de dinheiro que gera os capitais produtivos é a fonte decisiva para o capital para empréstimo, também é certo que sem um sistema creditício a reprodução ampliada do capital dependeria completamente da escala da própria acumulação do capital em questão. Através da concentração de fundos acumulados se abre para os capitalistas a possibilidade de dispor do capital acumulado pela sociedade. A partir desta situação, o capital dinheiro aparece também como uma mercadoria, cujo valor de uso é fornecido a preço com juros. Após a transformação do capital em mercadoria que rende juros, chega a vez da transformação do crédito e o investimento em mercadorias, convertidas em ativos financeiros. A isto as teorias burguesas chamam “capitalização”. Nesta expansão dos valores do circulante monetário via endividamento creditício se encontra a possibilidade do capitalismo desenvolvido de aumentar a massa monetária a partir dos ativos financeiros. Esta tendência expressa à necessidade do capital de ampliar a base de sua reprodução, neste caso, com a possibilidade de estender-se mais além de seu carácter de mercadoria como expressão universal do valor do resto das mercadorias. As possibilidades de desenvolvimento destes valores fictícios se encontram justamente no fato de que, enquanto tem sua base real num direito de apropriação de parte da mais-valia produzida, sua mesma lógica de valorização imanente (o efeito aparente do “dinheiro que produz dinheiro”) faz que a determinação de sua cotização tenha um carácter aparentemente Independiente de movimento dos valores, e que é determinado pela taxa de juros. Temos visto como a determinação irracional do capital a partir de seu valor de uso, que determina o juro, pode às vezes contradizer momentaneamente seu fundamento na lei do valor-trabalho (na confusão entre taxa de juros e preço do dinheiro, própria da economia burguesa). Mas justamente, o central é este aspecto momentâneo do mesmo, este tempo em que estes valores fictícios aparecem, se desenvolvem e desaparecem é por sua vez a confirmação do limite fundamental para a lógica irracional de valorização do capital levada até sua última expressão (D-D). Mais acima desenvolvemos sinteticamente como durante a etapa decadente do capitalismo, ele continuou a se desenvolver em um contraditório e instável a partir do endividamento, que teve sua expressão mais palpável na inflação monetária estrutural, gerada principalmente pela intervenção distorcida do Estado na 36 economia. O que nos interessa chegado este ponto é mostrar os mecanismos que se sobressaíram após o fim do padrão-cambio ouro em 1971. Atualmente o desenvolvimento dos mercados de derivados impôs novas formas de desenvolvimento do capital dinheiro que têm sido a base do crescimento da economia, particularmente nos últimos 40 anos. Isto determinou um crescimento baseado no alavancamento especulativo, que criou imensas somas de valores fictícios a partir de capitais relativamente pequenos. Esta tendência que sempre acompanhou o capital, se desenvolveu muito mais sob sua fase imperialista. Mas em especial, as últimas décadas do século XX, depois da liberação do dólar de sua paridade com o ouro, foram momentos quando o desenvolvimento da especulação e dos capitais fictícios cresceu enormemente. Enquanto após a crise dos anos ´30 os capitalistas tentaram regular o desenvolvimento destas tendências especulativas mais extremas, da qual os acordos de Bretton Woods foram uma pedra fundacional, foi a impossibilidade de sustentar estas rigidez (a inflação galopante gerada pela paridade ouro-dólar) o que levou novamente a “desregular” e a abrir o passo à especulação sob novas asas que lhe dava o fato de que a moeda mundial era um papel moeda como qualquer outro, com una relação flutuante com o dinheiro metálico. Enquanto isto dava a EEUU novas possibilidades para o desenvolvimento da especulação e a possibilidade (ao menos no curto prazo) de super-endividar-se quase sem limites, ao controlar a emissão do dinheiro mundial, os demais países imperialistas sob a hegemonia americana puderam superar as pressões inflacionarias imediatas. Como se citou anteriormente, o fundamental para o imperialismo após Bretton Woods era acabar com a inflação. Isto teve seu reflexo ideológico no enaltecer das teorias monetaristas de Friedman, Hayek e demais ideólogos da economia burguesa. O paradoxo, se quiser, é que esta resposta anti-inflacionária se fazia fundamentalmente contra os postulados de outra teoria de cunho monetarista como a keynesiana, que havia sido aplicada na arquitetura do sistema monetário mundial do pós-guerra, em especial concernente à ideia de paridade fixa entre una moeda forte e o ouro. No entanto não se passou muito tempo para que algumas das manifestações destrutivas destas orientações “monetaristas” se expressassem (crises de dívida soberana nos anos `81-`82, crise especulativa de 1987, etc.) pelo que se fez necessário novamente estabelecer “regulações” à atividade bancaria comercial. Produto destas discussões surgiram os Acordos de Basileia-Suíça (1988), os quais exigiam limites máximos para o alavancamento, e limites mínimos para os capitais de base com que podiam operar os bancos. A crise empurrou a “modificar” dos acordos de Basileia os quais, em sua segunda versão, tentam contemplar os “novos instrumentos” especulativos, mas dando aos bancos um prazo de dez anos para mudar modo de ação. A Expansão Do Dinheiro De Crédito A partir do desenvolvimento do sistema financeiro, e em especial do processo de “capitalização” das dívidas, se gera a possibilidade de fazer com que todo tipo de ativo financeiro pudesse circular como dinheiro. Desta forma, a determinação da taxa de juros começou ter um papel fundamental nas políticas monetaristas que encararam os governos capitalistas. É um fato que no capitalismo desenvolvido o dinheiro de crédito se converte na forma dominante de dinheiro, sem por isso ficarem anuladas as bases reais do dinheiro como “mercadoria universal”. Desde já que isto no é nada novo; ocorre desde a época de Marx com a especulação em volta das letras comerciais. No entanto a grandiosidade com que isto ocorre na atualidade é inédita. Contudo, estes ativos financeiros que circulam como dinheiro (dinheiro creditício) determinam seu preço em referencia à taxa de juros vigente. Desta maneira se chega ao absurdo de que este “dinheiro” determina seu valor através da taxa de juros. O preço deste circulante subirá ou abaixará de acordo a taxa de juros em uma relação inversamente proporcional, isto é, se a taxa 37 de juros cai, o valor dos bônus aumenta, e vice-versa. Isto porque as altas ou baixas de seu valor dependem da magnitude do desconto que se faz ao vender o bônus antes de sua fecha de expiração. Se a taxa de juros é alta, o “rendimento” para quem venda esse bônus antes de seu fechamento de expiração será menor, porque será maior o desconto, e vice-versa. Este funcionamento indireto, abstraído da lei do valor, é como todo juro, uma dedução do mais-valor produzido efetivamente, pelo que finalmente o “valor” deste dinheiro creditício é só indiretamente similar ao valor que tem o dinheiro real. O que és importante assinalar neste ponto é que este mecanismo determina grande parte do valor que circula e se acumula segundo a contabilidade capitalista14. É importante também apontar o papel fundamental do sistema bancário na criação destes valores fictícios já que deles, e de seus próprios objetivos para fazer lucros, surgem as flutuações da taxa de juros, que encontra aqui sua importância dentro dos mercados da atualidade. De fato, eis a suposta eficácia das medidas monetaristas que encaram os governos burgueses ao subir ou baixar as taxas de juros para controlar a “emissão monetária”, quando tentam controlar a inflação ou superar a deflação. É assim como nos anos de boom económico (o50 e60) existia um aumento na quantidade de dinheiro, enquanto que nos anos de recessão (o70 e80) existia uma contração do mesmo. No entanto nos ano90, após a liberalização dos mercados financeiros que permitiu um explosivo desenvolvimento do mercado de derivados, da maior abertura para entrada imperialista nas semicolônias e nos países do e bloco socialista, foi que se desenvolveu um forte fluxo de investimentos imperialistas baseadas em ativos financeiros (derivados, bônus, etc.). Nos EEUU, depois da saída da crise dos primeiros anos da década de `90, se assistiu a um aumento do circulante. Entre 1980 e 1997, a composição da massa de dinheiro variou substancialmente. Se considerarmos dividida em M1, M2, M315 e comparamos cada uma com o PBI, pode se ver que desde a última década do século XX a atualidade M1 permaneceu constante, enquanto que M2 cresceu em um 100% M3 em um 145%. Não só isto, a quantidade dos ativos M3 era em 2008 quase um 700% mais alta que a quantidade de ativos “líquidos” M1. Desta maneira, a expansão do “dinheiro creditício” continuou sendo una mera expansão de dívidas, mas a um ritmo muito acelerado, o qual fez desta “abundancia de dinheiro” (e seu correlato de baixas taxas de juros de referência que retroalimentavam o processo) um elemento fundamental das bolhas especulativas que estalaram em diferentes oportunidades a partir da crise do “efeito tequila” em 1995, a crise dos “tigres asiáticos” em 1997, a crise russa de 1998, e a crise das “pontocom” (Setor de informática) em 2001. Estas seguidas crises que culminaram no estalido de 2008 expressam a natureza volátil desta acumulação de valores fictícios. Isto ocorre por que estes ativos não possuem verdadeiro valor, senão que não é através do fato de que são derivados dos juros constituem meros títulos de propriedade sobre mais-valia ainda não existente (ou já gasta, como no caso dos bônus de dívida soberana). Isto o testemunha o fato de que em momentos de tensão nos mercados de dinheiro estes valores caem quando sobe a taxa de juros ou quando são postos à venda simultaneamente de forma massiva para ser convertidos em dinheiro líquido. A pergunta que surge é ¿por que a destruição destes valores fictícios mediante a constatação de seu caráter especulativo tem efeitos tão fortes sobre a economia? De fato, quando são destruídos estes capitais, também são destruídos capitais reais que se valorizavam através da circulação destes valores fictícios. A resposta a isto está novamente na importância do crédito na reprodução capitalista. A expansão destes valores creditícios cumpre a função de levar a um extremo a elasticidade natural do processo de reprodução. Desta maneira, sua presencia é constante e sua influencia se estende aos últimos rincões da 14 O fluxo de operações dos mercados de derivados teve um desenvolvimento explosivo durante as últimas duas décadas. Passaram de ser 50 billões de dólares em 1995 á representar um valor de 500 billões de dólares em 2007. Esta cifra significa casi cinco veces o PBI mundial dese ano. 15 Existem “ diversos grados de liquidez” dos depósitos. A forma mais líquida de todas é a que existe como dinhero contante e sonante, como dólares, euros ou ouro. Estes são denominados ativos “ M1”. Logo, os depósitos á prazo fixo são denominados “ M2”. Finalmente, os menos “ líquidos” de todos, são os bonos de dívida, as ações e todo tipo de derivados financeiros, os quais são denominados “ M3”. 38 produção e da circulação capitalistas. A Crise E A Contradição Do Dólar Como Meio De Circulação e Como Moeda Mundial Como temos mencionado antes, o endividamento sob diversas formas foi uma tendência dominante no desenvolvimento do capitalismo imperialista no segundo pós-guerra. Também mencionamos o fato particular de que a partir da liberação do dólar referente a sua base metálica em 1971, o dinheiro creditício teve uma expansão inédita na historia do capitalismo. Este auge explosivo do endividamento com forma monetária teve desde então seu epicentro na economia dos EEUU, fazendo do dólar a moeda mundial por sua vez o receptáculo do imenso processo de endividamento que crescia em nível mundial. Os EEUU aumentaram sua dívida de forma violenta, chegando a perder sua condição de credor líquido em 1985. Sob todo este movimento existia o postulado de que a dívida pública dos EEUU (que já não se convertia em “inflação”) podia aumentar-se sem limites. Para os capitalistas, isto se sustentava na forte demanda que sempre tinham os títulos do tesouro (T-bonds) pelos investidores internacionais, pelo que as taxas de juros sempre permaneciam baixas (ou eram baixadas por imposição do FED). A isto se somam os benefícios arbitrários que EEUU pode exercer ao controlar a moeda de reserva mundial. Mas além de algumas vantagens que obtém no processo técnico de circulação de mercadorias e capitais, o principal benefício de EEUU é a possibilidade de liquidar suas dívidas subitamente através da desvalorização. Claro que este tipo de manobras não acaba realmente com as dívidas contraídas, senão que as faz “patrimônio” do conjunto da economia, ou seja, altera sua expressão como déficit em uma diminuição geral do valor dos capitais em todo o mundo (com consequências nefastas para a economia), e remove do centro da tempestade, ao menos por um tempo, os EEUU, fortemente expostos aos violentos vaivéns do capitalismo em crise. Este caos continha uma contradição intransponível para o sistema monetário baseado no dólar: o déficit fiscal associado com o endividamento geral da economia começou a alterar a relação entre o dólar como equivalente nacional e sua função como dinheiro mundial. Ao ser o dólar a moeda de reserva internacional 16 , a tendência geral que se desenvolveu durante mais de vinte anos, tinha que explodir em algum momento fazendo imediato o perigo de uma desvalorização generalizada de ativos baseados no dinheiro de crédito norte-americano. No entanto dado importante é que um volume crescente das reservas deixou de acumular-se inclusive em dólares, e com o auge da especulação, começou a acumular-se em “ativos financeiros”, melhor dizendo, como capital fictício. À acumulação de títulos do tesouro, se somaram nos últimos anos bônus emitidos por empresas dívidas hipotecarias ações e outros. O crescimento da acumulação de ativos financeiros como reservas, como os T-bonds, implica um grave perigo de default para o conjunto da economia mundial. Se recordarmos que o bônus sobre as rendas em impostos de um estado está relacionado diretamente com a saúde de suas contas fiscais, o problema do déficit norteamericano17 se converte em um problema que transcende amplamente as fronteiras nacionais. Enquanto o Estado norte-americano “pagará” suas dívidas, tudo indica que começará a fazê-lo através da utilização do privilegio de seu manejo discricional do dólar. Desta maneira, a bancarrota será generalizada, 16 O dólar é a moeda mais utilizada nas transações internacionais. Segundo Goldberg seu uso representa o 85% (sobre 200%), enquanto que o euro o 39%. T ambém é a moeda na qual denominan-se a maioría dos preços mundiais. O mesmo autor estima que em março de 2009 circulavam por afora dos EEUU 580.000 millões de dólares em dinhero físico. Em 2009 o 46% dos títulos de dívida se emitíam em dólares; o 52% dos créditos internacionais se realizavam em dólares; e o 59% dos depósitos internacionais. Além, o dólar é demandado como reserva de valor. Em 2007, 89 países tinham seus tipos de cambio fixados com respeito ao dólar, e outros 7 tinham suas economías dolarizadas, ou baixo alguma forma de regime de convertibilidade (Goldberg, 2010). 17 Varios analistas adviertem que está disminuindo a capacidade fiscal dos EEUU com relação à envergadura da economía mundial. Exemplo: o stock de dívida dos EEUU em 2011 equivale ao 99,5% do seu PBI; a dívida neta ao 72,4%, e o déficit do balanço primario ao 9% do PBI. mn 2011 a soma da dívida que vence e do déficit fiscal equivale ao 28,8% do PBI (IMF, 2011). 39 através da violenta desvalorização dos ativos do resto das economias do mundo. Neste sentido alguns economistas falam que é possível que se esteja desenvolvendo um cenário de desvalorização súbita de ativos como que previu nos anos´60 Robert Triffin, quando o preço-ouro do dólar desapareceu em una desvalorização que exportou a dívida aos competidores através da desvalorização dos ativos baseados em dólares. A Crise Capitalista Mundial E A Faísca De 2008 Enquanto os acordos de Basileia cercaram de um cordão sanitário o núcleo dos bancos comerciais nos países imperialistas, no determinaram limites para todos os novos instrumentos financeiros que se criaram a partir do impulso que tiveram as ideias da Universidade de Chicago, entre outros. Entre estas novas formas que adquiriu a especulação se encontravam os “bancos de investimento” e toda a arquitetura especulativa dos mercados de derivados (que haviam aparecido em 1973, a partir dos futuros de matérias primas da bolsa de Chicago). Já nos ano90, os bancos de investimento podiam operar quase sem capital próprio, trabalhando com depósitos em curto prazo que a partir de complexos alavancamentos, podiam oferecer altíssimos rendimentos aos investidores, que acetavam o alto risco dos investimentos que faziam estes bancos. A partir disto os negócios de esta banca “desregulada” se expandiram de forma explosiva. Já em 2007 os cinco maiores bancos de investimentos dos EEUU tinham uma valorização de seus ativos que somavam mais de dois terços de todo o sistema bancário comercial dos EEUU. Algumas de estas instituições operavam com capitais de base (equity) que eram ao menos trinta vezes menores que seus ativos. Em comparação, os bancos comerciais operavam com capitais que representavam 12 vezes seus ativos. Esta “banca nas sombras” apareceu nos anos´90. Operavam através dos chamados “bancos de investimentos” com muito baixos ou nenhum recurso próprio, mas asseguravam a quem investiam com depósitos neles altíssimos lucros graças a enormes manobras de alavancamento. O “alavancamento”, é a base do negócio dos bancos, os quais justamente, recebem depósitos a curto prazo aos que voltam baixas taxas de juros, e por sua vez emprestam a mais longo prazo com altas taxas de juros. Enquanto a atividade do banco é normal, o banco pode fazer frente a suas obrigações de curto prazo (pagamento de juros de prazos fixos, por ex.) sem maiores problemas. Mas se um banco deve recorrer para pagar suas obrigações com seus clientes com seu próprio capital de base, então o banco está com problemas. Os altos níveis de “alavancamento” característicos dos bancos de investimentos, fazem com que qualquer interrupção em seus negócios (voláteis) redundem rapidamente com uma “corrida bancaria”, ou seja, com a retirada abrupta dos depósitos e na cobrança imediata das obrigações contraídas pelo banco. “A partir da chamada crise subprime”, que foi a faísca que começou o incêndio, é amplamente conhecido o fato da forte especulação que se deu no sector dos bienes raízes, donde também imensas massas de capital foram investidas para obter ganhos especulativos, aproveitando as baixas taxas de juros devido à “abundancia de dinheiro” (o velho mal-entendido da teoria quantitativa). O aumento da demanda de bens imobiliários fez crescer o preço das mesmas, garantindo aos primeiros investidores ganhos e descontando suas dívidas através delas. O repassar destas dívidas de mão em mão como forma de pagamento que fazia crescer a bolha especulativa, cada vez mais termina como é de esperar-se, na falência daqueles que chegam em último a nesse momento no “incrível negócio” da especulação, seja porque não cumpriu com as irreais expectativas que existiam sobre os ganhos ou porque o custo de endividar-se aumenta devido ao aprofundamento da crise (recessão). Mais ainda, a partir das grandes expectativas de ganhos rápidos, se taxaram fortemente os “valores” dos derivados, os quais, dado o grande auge da especulação, tinham também altas taxações. El desenvolvimento do sistema financeiro a partir da incrementada de capitais excedentes, junto com a livre flutuação do dólar, permitiram a criação de todo tipo de artifícios especulativos. Mas inclusive no sector mais tradicional do mercado de ações começaram a aparecer possibilidades de investimento de 40 “alta rentabilidade e alto risco”, que acumulam grandes somas de capital de proprietários que são literalmente enganados com estes negócios. Outro tanto é o que fazem os fundos de investimento (hedge funds) os quais aumentam artificialmente sua cotização através da aquisição míope de ativos. O essencial do capital financeiro se expressa então de forma acentuada nestas práticas usurarias que, dada à magnitude das operações que levam a cabo, se tornam “relevantes para o sistema” (tal como se disse sobre os bancos de investimento que quebravam em 2008), pelo que o conjunto da sociedade deve, segundo os governos capitalistas, financiar seus socorros. Todo este grande mercado de derivados foi o que permitiu depois o desenvolvimento das imensas bolhas especulativas que haviam explodido ano após ano desde 1995 a la fecha. A crise financeira de 2008 mostrou que o risco próprio da banca de investimento se havia espalhado por todo o sistema bancário, já que era a fonte de financiamento direta e indireta de inumeráveis atividades produtivas e comerciais. O alcance do poder destrutivo deste Crash financeiro gerou como alcunha um novo termo: “toxicidade”. E é que a influencia de esta inusitada montante de capitais fictícios acumulados por décadas já se haviam convertido em algo fundamental para o sistema. De fato, esta foi una das razões porque se aprovaram a “injeções de capital” no sistema financeiro. Os resgates financeiros de 2009 evidenciaram que a injeções de capital só podiam servir para saldar as dívidas dos especuladores quebrados, principalmente dos mais importantes, já que as taxas de juros dos bancos não baixaram, nem tampouco subiu o volume dos empréstimos (necessários para a atividade econômica), enquanto que se recuperaram os valores que estas instituições possuíam como valores “tóxicos” que se esfumaçaram com a crise. Ou seja, as injeções de capital com que os governos imperialistas beneficiaram os bancos quebrados, foram usadas novamente para a especulação. Atrás de uma diminuição de somente 2,4% nos ativos dos bancos, aparece una redução de dois dígitos no oferecimento de empréstimos à indústria e à construção. Enquanto é certo que a especulação é um “jogo de soma zero” relacionado à real produção de valor, tudo muda quando analisamos ainda que seja só o caminho do sistema monetário capitalista e vemos na geração espontânea, repetida e catastrófica destas “bolhas” especulativas nada mais nem nada menos que a dívida crónica, estrutural do sistema capitalista como um todo. Dívida gerada a partir da recuperação económica dos anos ´20, que explodiu no Crash de ´29, ou das fortes políticas de endividamento estatal de pré-guerra e durante a guerra, como também durante os mesmíssimos anos do “boom”, quando o sector privado e também a potencia hegemónica EEUU adquiriram imensas dívidas. Conclusão Como pode se visto no transcurso da nota, temos tentado apontar os sintomas da decomposição capitalista tanto no sistema monetário como no sistema financeiro. Estes desenvolveram, durante décadas de políticas económicas monetaristas, passivos estruturais que expressam o limite máximo do forçamento do processo de reprodução capitalista através do crédito. A falência capitalista à que assistimos atualmente tem então uma dimensão estrutural. Ou seja, não falamos aqui de uma crise a mais que se une ao seguimento de crises especulativas que explodem sucessivamente desde os anos ´90. De fato, podemos dizer que cada uma destas crises “parciais” na realidade estava preparando o terreno para a seguinte, que seria mais profunda que a anterior. Temos visto como o desenvolvimento capitalista através do século XX, se manifestou através do endividamento crônico e desenvolvimento hipertrofiado do sistema financeiro. Justamente por isto podemos apontar na crise que hoje se desenvolve, uma dimensão histórica, que vem a atualizar as contradições históricas do capitalismo imperialista. O limite histórico apontado com a guerra mundial faz quase cem anos não pôde ser superado ainda através dos massacres imperialistas, o aprofundamento do desenvolvimento do mercado mundial e o desenvolvimento contraditório das forças produtivas sob o imperialismo. Não é possível para o capitalismo em decomposição desenvolve-las sem cair em terríveis desequilíbrios que alimentam a crise seguinte de forma mais profunda, destrutiva e depois de um intervalo de tempo sempre menor. Para o 41 marxismo este limite histórico do capitalismo está determinado por uma tendência general inevitável e própria do sistema capitalista: a tendência decrescente da taxa de lucro. No entanto é imprescindível passar a um nível de análise mais concreto, em que possam delinear-se com maior certeza elementos como a aceleração do processo aberto de crise. A atual crise pode resumir-se no fato de que a economia mundial se encontra diante de um problema estrutural, já que não pode seguir sustentando o esquema de intercambio mundial vigente até o momento. Os esforços dos governantes capitalistas para impedir os efeitos mais nocivos da defasagem que existe entre as instituições criadas durante o equilíbrio de pós-guerra (ainda vigentes, mas estabelecidos através de uma configuração particular das relaciones entre estados que hoje tende a desaparecer) e as urgências das crises geram inumeráveis contradições. De fato todo o arsenal teórico da burguesia parece fazer chegado ao limite da caducidade. Podemos dizer que durante todo o século XX o debate entre monetaristas (keynesianos e ortodoxos) simplesmente foi configurando a historia económica mundial com idas, vindas e combinações ecléticas de ambas as teorias. Já passada a primeira década do século XXI a atual crise atua à maneira de balanço concreto de tais políticas que só prorrogaram os efeitos mais prejudiciais da crise. De fato ambas correntes de pensamento económico burguês contribuíram a sua maneira ao acúmulo de contradições, cujas manifestações monetárias e sobre o sistema financeiro vimos más arriba. É importante recordar que o epicentro da crise está nos países imperialistas. EEUU concentra hoje as maiores contradições da economia mundial. Seu papel de motor do capitalismo foi seguindo o desenvolvimento caótico da economia, que após cada crise de envergadura golpeava o centro imperialista que foi nestes sessenta anos os EEUU. A partir dos anos ´80, após as crises de dívida e da ofensiva burguesa contra os trabalhadores e contra a URSS (que encarnaram Tatcher e Reagan), EEUU começou a desenvolver ainda mais seu sistema financeiro a partir de políticas desreguladoras e também a partir dos novos montantes de capital que se acumulavam após cada crise económica (`73, `82. y `87). Apesar de que esta liberalização dos mercados financeiros melhorou a situação relativa dos EEUU (comparados com Japão e Europa) em realidade estava aprofundando sua decadência. Os déficits públicos e o endividamento privado que aumentaram exponencialmente a partir dos anos´90 falam que essa momentânea prosperidade teria um alto custo. É que o capitalismo não era uma “propriedade” dos EEUU, o que hoje se vê com a crise que está carcomendo os cimentos da economia norte-americana desde adentro. Este país-continente é vítima de seu próprio papel na cadeia imperialista. Sua presencia hegemónica serviu para impor-se sobre seus concorrentes e para obter sempre a melhor colocação sobre as semicolônias. Mas também o pôs no centro da tormenta, absorvendo as contradições do capitalismo mundial. O peso de sua própria economia, de seu sistema financeiro e sua moeda convertida em “moeda mundial” o ajudou a manter-se como potencia mundial indiscutível. Por outra parte, o uso de sua moeda como reserva e dinheiro mundial, se expressou finalmente no grande déficit comercial e na imensa proliferação e dependência aos novos “produtos” do sistema financeiro: o mercado de derivados. Todos estes elementos, somados a certa escassez de mercados solventes para a grande oferta da economia mundial, converteram os EEUU no principal consumidor global. Hoje diante da atual crise capitalista o país se encontra ante o maior endividamento de sua historia, sendo de fato o principal devedor do mundo. La dívida pública total é de aproximadamente 14,2 bilhões de dólares (quase o 100% de seu PBI), enquanto que o déficit orçamentário do Estado é de 1,65 bilhões de dólares, equivalente a quase 11% do PBI. A mudança de credor a devedor não é só sinal de sua decadência geral, já que de fato não existe um retador serio a sua hegemonia (como ocorreu em relação entre Inglaterra e os EEUU em princípios do século. XX). Em realidade seu debilitamento não é em proveito de outro país “em ascensão” senão uma consequência direta da influencia violenta que têm as contradições do capitalismo atual. Sua hegemonia sobre a Europa com a persistência da concorrência Inter imperialista é algo que tem sido muito custoso para a saúde da economia norte-americana, devendo financiar a dívida histórica de uma Inglaterra que 42 começou sua desindustrialização, ou por contratara, de uma Alemanha “exportadora”, a qual EEUU compra bens de capital e de consumo duráveis. Estas relações “insanas” dentro do capitalismo, prolongadas no tempo, são as que chegaram a deformar a mesma economia norte-americana. Estados Unidos não deixará de ser em imediato una potencia mundial, pero mudará muito comparado com que foi no século XX. Não poderá dominar efetivamente o mundo, mas que deverá concorrer com os demais países imperialistas para estabelecer neles suas zonas de influencia exclusiva. Esta tendência é a maior força centrífuga que sofre o equilíbrio capitalista atualmente e é a que pode leva-lo a sua anulação completa. O imperialismo americano é uma enfermidade também para a economia dos EEUU. A crise capitalista, que para os burgueses é hoje uma “crise de dívida”, introduziu nos EEUU a forma da velha discussão da “dicotomia” entre “estado o mercado”. Concretamente, nos EEUU, com as severas convulsões que sofre (com as que faz sofrer também ao resto do mundo) nos relação a este tema, a questão se converte em algo mais profundo e imediato do que aparenta. Nos últimos meses se vinha desenvolvendo a atual crise política que vive a democracia imperialista. O debate sobre o “teto da dívida”, que historicamente tem sido um mero “trâmite” que se tem feito 72 vezes desde 1962, se converteu nestas circunstancias em uma crise política de carácter histórico, donde o presidente Obama foi literalmente chantageado pela oposição republicana que obteve o favor de ameaçar com deixar que ocorresse um “default técnico” com tal de obter melhoras impositivas e cortes na seguridade social. Mas além de estes fatos próprios de uma “república bananeira”, o substancial ocorre debaixo dos fogos de artifícios do ultradireitista Tea Party versus os democratas do medicare. Em realidade o que se está pondo em jogo é a política económica que aplicará o Estado imperialista ante uma crise que está fazendo esfumaçar enormes somas de valor acumulado pela economia mundial. La própria posição do Partido Democrata, se mostra como continuísta com a linha de aumento do gasto estatal e de fazer mais ou menos caso omisso da dívida, para assim tratar de domar a crise. Esta posição que defendem, entre outros, economistas como Paul Krugman, significaria de fato a eventual caída no default para os EEUU. Logico que não à maneira do “Tea Party”, senão no sentido de um acionar unilateral dos EEUU a respeito da economia mundial. Este foi sempre o limite absoluto do pensamento keynesiano: a estreiteza chauvinista do burguês imperialista diante da crise. O endividamento monstruoso do Estado gerado pelas políticas de aumento do gasto público só pode ser resolvido à custa dos concorrentes. Enquanto isto asseguraria certa recomposição à economia em recessão, tal como disse Krugman, redundaria também na liquidação final da hegemonia norte-americana tal como conhecemos até agora, dinamitando sua ferramenta mais importante para sua hegemonia económica mundial que é o dólar. Por outra parte, a posição dos republicanos parece ser deixar que a crise “faça a coisa”, deixando que a crise despedace a economia e o construa ao redor do endividamento. Todas as linhas de ajuste, como as que impõem Alemanha sobre Grécia, por exemplo, tem a mesma estrutura e objetivos que as velhas políticas “deflacionarias” (já que como temos mostrado inflação e endividamento são duas formas do mesmo fenómeno). Estas políticas que tentam levar a dívida “a zero” condenam a imensas partes da indústria a bancarrota, o qual demonstrará tarde ou cedo como a crise especulativa será paga pelo conjunto da economia. E como o caso de aplicação das políticas “ortodoxas” é igual, mas ao inverso: o cancelamento das dívidas através da liquidação da economia não significa que levará a economia a um novo amanhecer, já que a recessão muito possivelmente se some a uma inflação proveniente dos galopantes custos em energia e alimentos. Na Europa, por sua parte, a crise está questionando profundamente o projeto reacionário de unidade capitalista do continente. O euro provou ser só um instrumento de espoliação das economias más débeis do continente. El euro possivelmente termine sua historia tendo sucesso em ser só um remédio tardio, fracassado e regional do dólar. A unidade capitalista tão almejada pelos ideólogos “Europeístas” só se sustentava no aumento e na exportação de imensas quantidades de dívida. A decomposição do capitalismo europeu mostra que seus mais de 100 anos de imperialismo não foram em vão. Nenhuma das 43 economias europeias escapa a esta questão, nem nos casos mais evidentes, como o Inglês, onde a desindustrialização e o desenvolvimento inusitado da especulação financeira deformaram completamente a economia, nem tampouco nos casos “enganosos” como o de Alemanha, que detrás uma fachada de país industrial exportador esconde a sujeição dos países da periferia Europeia (do leste e do Mediterrâneo) mediante a exportação de capitais excedentes e fictícios. As massas europeias começam a pagar com esta crise os custos reais da aventura do euro e da reunificação capitalista alemã. Com relação às semicolônias, a política internacional mostrará em um prazo, curto ou médio, que qualquer teoria de desacoplamento é um grande engano. Em primeiro lugar, a desordem do sistema monetário levará a crise à semicolônias que haviam poupado nos anos de “bonança” de venda de matérias primas a China, em dólares, bônus do tesouro, euros, e demais papéis que cotizaram de acordo com os interesses imperialistas em jogo. Por outra parte, a mesma situação de ofensiva aventureira dos países imperialistas pode pôr as semicolônias entre a espada e a parede, terminando com suas ideais de um mundo de países emergentes. Um indicador que muitos dos entusiastas das teorias do desacoplar, ou do mundo multipolar, etc., é do fluxo de capitais entre países, que tende a crescer entre países imperialistas e semicolônias e não entre países imperialistas como era o usual. Interpretam isto como o crescimento das economias emergentes esquecendo o pequeno detalhe da propriedade destes capitais. Outro ponto fundamental das relaciones interestatais que modifica substancialmente com a crise é dos processos de assimilação ao capitalismo de Rússia e China. Em primeiro caso, este país desmantelado, devenido em produtor de petróleo e gás para Europa, pode ver comprometida sua estabilidade interna devido às redobradas ameaças dos países imperialistas ávidas de este recurso que se encarecerá cada vez más. Por outra parte, o caso de China será mais complexo ainda. O crescimento económico chinês dependeu nos últimos vinte anos de seu comercio com ocidente, em especial com os EEUU (o que se expressou em suas reservas compostas em grande parte por T-bonds). A queda abrupta da demanda do grande consumidor mundial não poderá ser trocada pela insustentável demanda de seu mercado interno. Assim mesmo, desde 2009 em diante, China tem sido receptáculo de toda classe de capitais que fugiam da crise nos mercados especulativos europeus e norte-americanos, gerando um tipo especial e enorme de bolha composta por investimentos em infraestrutura, no setor imobiliário e até em indústrias manufatureiras. Então é possível que a China esteja pronta a sofrer em cheio o golpe da crise sob a forma de uma crise de superprodução, o qual por sua parte, arrastrará ao resto dos países atados a sua economia, sobretudo as semicolônias grandes exportadoras de matérias primas. Voltando à discussão sobre a crise de hegemonia norte-americana, falta agregar que em EEUU nenhuma das facções da burguesia imperialista enfrentadas possui uma orientação burguesa que represente uma política coerente a longo prazo. De fato, a linha dos republicanos que mencionamos mais acima não necessariamente está renhida com a ideia de “deixar falir” e abrir a disputa Inter imperialista contra seus competidores. Mais ainda, isto ocorre tanto a um como ao outro lado do atlântico. Poderíamos dizer que o que ha primado até agora tem sido as combinações ecléticas entre intervenção estatal no estilo keynesiano (injeções de capital no sistema bancário), como as políticas mais “ortodoxas” de ajuste estrutural, como as que se estão aplicando a Grécia e Irlanda. A discussão febril entre republicanos y democratas evidencia a situação de crise política a partir das tensões, da incerteza e a debilidade que tem mostrado até agora o estado norte-americano. O que é certo é que qualquer das “opções” de política monetarista colocada por democratas ou republicanos redundará em um ataque direto às massas trabalhadoras, dado que já seja com a inflação “keynesiana”, ou com o ajuste e o desemprego estrutural dos “ortodoxos”, os trabalhadores receberão todo o peso da crise sobre suas costas. Ademais, outro elemento sempre ocultado, mas que é palpável em cada reunião bilateral, em cada desencontro a cada lado dos oceanos, é das tendências à fragmentação do mercado mundial. Isto se vê na cada vez mais difícil unificação de critérios diante da crise. De fato, se as linhas erráticas que hoje vemos continuam aprofundando-se, poderemos ver quem serão os atores principais na explosão da UE, e na crise política histórica dos EEUU. Temos dito como o uso e abuso do 44 dólar por parte de EEUU pode fazer perder su posição hegemónica absoluta, mas não seu poder. Por su parte, os demais países tentarão também impor-se em zonas de influencia mais ou menos exclusiva. A possível queda do sistema monetário imposto, ainda com modificações a partir de 1945, pode ser um indicador muito sério de processos de mudanças muito violentos na dinâmica de classes e nas relações interestatais como temos conhecimento à longa data. 45 46 SOBRE A MECÂNICA DO PROGRAMA DE TRANSIÇÃO Guillermo Costello- Carolina Vidal Nota Preliminar A ideia de que um programa nasce ou surge das necessidades materiais, que impulsam a ação do homem e a lucha de classes, poderia aparecer um tanto obvia para um marxista que se coloca como tal, e, no entanto é uma das tantas “obviedades” que o centrismo trotskista esqueceu. O que se destacou durante o pós-guerra no meio das correntes marxistas, seja em sua versão mais sofisticada como o “neocapitalismo” de Mandel, a versão politicista das frentes únicas de Lambert ou Pablo, ou sua expressão bárbara em Nahuel Moreno com a inversão da Lei de Causalidade histórica, foi a hierarquização idealista dos fatores subjetivos sobre os objetivos. Mandel caracterizou o pós-guerra como o período de desenvolvimento do “neocapitalismo”, assinalado por uma onda de expansão económica a largo prazo. Segundo ele, foi justamente esta expansão a que ampliou a níveis inéditos a margem de negociação entre a burguesia e o proletariado. Colocando que, desta maneira, os regimes se consolidaram sobre a base de concessões feitas aos trabalhadores nos países imperialistas, melhor dizendo, um regime baseado na colaboração estreita entre a burguesia expansiva e as forças conservadoras do movimento operário, e fundada em uma elevação tendencial do nível de vida de um sector dos trabalhadores. Mas ao mesmo tempo, para Mandel, a natureza mesma do neocapitalismo implicava a intervenção crescente do Estado na vida económica, para evitar a todo custo, que em meio da “guerra fria” desenvolve-se uma crise grave como a de 1929-1933. A intervenção estatal se converte assim então em “anticíclica”, ou “anticrises”, de onde são os fatores políticos os que impedem que se desatem as leis objetivas do capital. Mediante una “revolução tecnológica permanente” (sic) e o surgimento de novos segmentos de trabalhadores ligados a este fenómeno, -o pleno emprego e as concessões- a classe operária satisfaz suas necessidades materiais mínimas e, portanto deve concentrar-se, como parte da resistência ativa contra o neocapitalismo e ao questionamento de seu regime, nos aspectos políticos, culturais, de género, etc. Mas, sobretudo, e baseado nestes novos segmentos assalariados com maior nível cultural e tecnológico, se podia desenvolver a luta pela planificação económica mediante a autogestão e a luta pela verdadeira democracia. Poderia pensar-se então que a irrupção de uma crise que truncasse esta larga onda expansiva lançaria por terra a teoria mandelista. Ao contrario, com a crise de 81- 83 não só a sustenta, como se aprofunda. Por isso na conferencia de Atenas de um de junho de 1983 dirá: “A defesa da teoria marxista das crises não é só um dever de honestidade científica, de capacidade de compreender, de explicar e prever a marcha da economia mundial. Desempenha também um papel preciso na lucha ideológica que se desenvolve hoje em no seio da opinião pública, ou seja, da luta de classes política, da lucha de classes no sentido mais direto. Desempenha um papel ainda mais preciso nas linhas divisórias no interior do movimento operário internacional, entre aqueles que, sob as formas mais diversas e com as desculpas mais contraditórias, aceitam a crise como inevitável e se contentam com propor receitas para administrar esta crise com doses graduais de austeridade, e aqueles que querem organizar, ampliar e generalizar o rechaço de toda política de austeridade, a resistência militante e ativa contra a ofensiva do capital, a luta contra desemprego mediante a introdução imediata da semana de 35 horas sem redução de salario semanal e com contratação obrigatória, a luta por uma alternativa anticapitalista de conjunto com a política de austeridade. Esta linha divisória contrapõe em última análise a todos os defensores da colaboração de classes e a todos os partidários irredutíveis da independência política de classe do proletariado, pelo qual Marx se bateu toda sua vida a partir de 1850. Esta crise só 47 será resolvida se as massas tomam em suas mãos a gestão de seus próprios assuntos, da economia, do Estado, da sociedade. Esta crise só será resolvida pela socialização dos grandes meios de produção, posta em funcionamento planificada sobre a base de objetivos prioritários fixados democraticamente com o pluralismo político indispensável à democracia, pela massa dos produtores-consumidores mesmos, pela gestão da economia pelos produtores associados, pela criação de uma Federação Socialista Mundial, baseada no poder dos trabalhadores, o poder dos conselhos operários e populares no mundo inteiro.” O programa que Mandel defende se restringe a uma medida «anticrises» de impor as 35 horas e a contratação obrigatória (para voltar ao pleno emprego), mais autogestão pluralista e democrática. Lambert, no mesmo ano em que Mandel publicava seus escritos sobre o neocapitalismo, dizia: “[tanto a política do] imperialismo norte-americano como as que procuram tomar os imperialismos secundários e em particular, aquele que nos concerne, o imperialismo francês, expressam a tendência inerente do capitalismo agonizante a deslocar o mercado mundial. Estas medidas expressam também a vontade de fazer pagar os trabalhadores em cada país à sobrevivência do regime da propriedade privada dos meios de produção, para tentar superar o caos económico, financeiro, político e social que o deslocamento do mercado mundial comporta”1. Mas curiosamente, semelhante a Mandel, sustenta que a linha do capitalismo desde 1949 é evitar a todo custa una crise como a de 1929, injetando orçamentos militares na economia norte-americana e cedendo algumas reivindicações aos trabalhadores. “Mas, -disse- ¿podemos qualificar de “progresso económico sem precedentes” este gigantesco desperdiçar de trabalho humano de que as forças produtivas acionadas pelos explorados se transformem em forças destrutivas, como definiram Marx, Lenin e Trotsky? ¿Cabe falar de um salto adiante das forças produtivas quando os fatos demostram até que ponto tinham razão Marx e Engels ao prever que em certa fase de seu desenvolvimento, o custo da sobrevivência do regime capitalista seria mais elevado que o que este regime dá à humanidade? Com o imperialismo, reação em toda a linha, tal como Lenin definia, a força do trabalho dos trabalhadores se desperdiça; com a militarização da economia, pesa sobre a civilização humana a ameaça de ver-se afundada a barbárie da terceira guerra mundial, barbárie cujos primeiros sintomas encontramos na guerra de Vietnam e o extermínio dos ‘bengalíes’. Afundamento da economia, crise monetária, crise de superprodução que ameaça. De bancarrota em bancarrota, se o proletariado mundial não acaba com o regime capitalista em cada país, os capitalistas do mundo inteiro arrastarão a humanidade à bancarrota final da barbárie.”. No entanto, frente a todas estas calamidades que se avizinham, ¿qual será o programa da OCI em 1971? Indenização de 200F; escala móvel… de preços! Nacionalização sob controle operário de todos os trustes, “remodelação” das empresas de serviços nacionalizadas, e um governo operário, chamando a construir um verdadeiro partido operário e ser parte da OCI. A princípios dos anos 80s, enquanto Mandel propunha medidas anticíclicas para enfrentar a crise, Lambert desenvolvia sua teoria dos campos burgueses progressivos e afirmava que “nesse combate contra a burguesia, sem tomar a menor responsabilidade pelo governo de Mitterrand, estamos no campo de Mitterrand em suas ações de resistência á burguesía”2 para- já nos anos 90- desenvolver a “linha da democracia” e o “programa da democracia”. Como vemos, evolucionistas e catastrofistas terminam levantando um programa de medidas capitalistas de estado, cuja efetivação garantiria tal ou qual corrente. A superdimensão dos fatores políticos sobre os económicos os levou de cheio ao regime burguês e à luta pela democracia. Não nos deteremos aqui a versões mais bizarras como a de Moreno que namorou em seu devido momento tanto com mandelistas como com lambertistas, sob a bandeira da frente único anti-imperialista.3 1 (Declaração do Buró Político da Organização Comunista Internacionalista, 20 de agosto de 1971) Projeto de informe político preparatorio ao XXVI Congresso da OCI (U) extraído de, Correspondencia Internacional Nro. 15, 1981. 3 Ao respeito, ver atas do Bureau Internacional Corci em discussões com o SU 1979 e também a letra da CORCI ao SU 1979. 2 48 Moreno deslocou de maneira tão extrema o eixo da política, destruindo a concepção materialista do programa revolucionário, que chegou ao ponto de colocar que havia um “programa de transição moral”4. Programa anticrise, programa da democracia, programa de transição moral, são as consequências de abandonar o método marxista da elaboração de um programa, condição necessária para que uma corrente se constitua em um partido revolucionário e não em um mero grupo de intelectuais. Introdução “A concepção materialista da historia parte da tese que a produção, e com ela o intercambio de seus produtos, é a base de toda ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam pela historia, a distribuição dos produtos, assim como a divisão social em classes o estamentos, se rege pelo que se produz e como se produz e pelo modo de troca do que foi produzido. Segundo isso, as causas últimas de todas as mudanças sociais e de todas as revoluções políticas não devem buscar-se nas mentes dos homens nem na ideia cada vez mais clara que não se forjam da verdade e da justiça eternas, mas nas mudanças operadas no regime de produção de trocas; há de buscar-se não na filosofia mas na economia da época de que se trata. Quando nasce nos homens a consciência de que as instituições sociais vigentes são irracionais e injustas, de que a razão se tornou em sem razão, e a caridade em praga, isto não é mais que um indicio de que nos métodos de produção e formas de troca se produziram imperceptivelmente mutações com as que já não concordam com a ordem social, cortado pelo patrão de condiciones económicas anteriores. Com o qual fica dito que nas novas condições de produção tem que conter-se forçosamente –mais ou menos desenvolvidos- os meios necessários para por fim aos males descobertos. E esses meios não serão retirados da cabeça de ninguém, mas é a mente a que tem que descobri-los nos fatos materiais que nos oferece a produção”5. Este documento surge da necessidade de retornar à premissa marxista -lamentavelmente esquecida pela maioria- da superioridade dos fatores objetivos sobre os subjetivos, ou melhor, dizendo, a expressão material da relação entre estes fatores na produção e a relação de forças que se estabelecem a partir dela. Isto é justamente o que Trotsky esclarecia ao colocar a contradição entre a maturidade das condiciones objetivas necessárias para a vitória da revolução socialista e a imaturidade das condições subjetivas, questão que foi mal interpretada ao limitar o Programa de Transição à simples tarefa de “superar as insuficiências do fator subjetivo” (Mandel). O que tentamos demonstrar com este documento é que existe una mecânica no Programa de Transição ideado por Trotsky que parte da relação entre as tarefas históricas e as reivindicações demandas da classe operária, já que, parafraseando o grande revolucionário, as normas programáticas só se realizam se são a expressão generalizada das tendências progressivas do processo histórico objetivo. Por ele, com este esboço, tentamos recuperar essa norma programática como guia para a ação revolucionaria nesta situação assinalada por uma decadência imperialista sem precedentes e cuja expressão constitui a atual crise capitalista mundial. Queremos demostrar que existe uma continuidade teórica política na elaboração do programa revolucionário e a superação histórica do programa mínimo e programa máximo iniciado pela III internacional, desenvolvidos por Trotsky e os revolucionários da IV. Ao mesmo tempo buscaremos estabelecer a relação entre o Programa de Transição -incompleto- e o programa comunista, que para Trotsky não era outro que o programa da Revolução Permanente. Neste sentido, partimos da concepção marxista de que o programa revolucionário é parte da elaboração teórica de um partido, já que implica a totalização das experiências anteriores para o desenvolvimento das experiências posteriores do proletariado. 4 5 Ver “La Moral y la actividad revolucionaria” 1987. F. Engels, Anti Dühring, p. 217. Ed Cartago. 49 Como Nasce Um Programa O programa revolucionário é fundamental para a existência de todo partido. Trotsky dizia que o mesmo é a expressão da compreensão comum das tarefas (“Completar o programa e coloca-lo em marcha”). Para Lenin, sem programa não existe partido, mas um mero grupo de intelectuais, já que o programa é um guia para a ação revolucionaria. Toda concepção materialista, não idealista do programa, deve partir das necessidades materiais como força motriz, condicionante da existência humana. Isto significa que o programa não parte de uma ideia caprichosa na cabeça de um intelectual nem das especulações idealistas ao redor de “o que as massas querem”, mas que deve inspirar-se na premissa marxista de que os fatores objetivos se impõem por sobre os subjetivos. Na dinâmica entre economia e política, entre estrutura e superestrutura, entre objetivo e subjetivo, é que se configura o programa e portanto, a política e a tática. Como Trotsky colocou em 1923: “O paralelismo dos sucessos políticos e as mudanças económicas é, sem dúvida, muito relativo. Como regra geral, a “superestrutura” registra e reflete novas formações na esfera económica com uma considerável demora. Mas esta lei deve apoiar-se em uma concreta investigação daquelas complexas inter-relações. Si a troca periódica de auges “normais” por crises “normais” encontra sua projeção em todas as esferas da vida social, então uma transição de toda uma época inteira de ascensão a outra de declinação, ou vice-versa, engendra os maiores distúrbios históricos, e não é difícil demonstrar que em muitos casos as revoluções e guerras se espalham entre a linha de demarcação de duas épocas diferentes de desenvolvimento econômico, por exemplo, a união de dois segmentos diferentes da curva capitalista. Analisar toda a historia moderna desde este ponto de vista é realmente uma das tarefas mais gratificantes do materialismo dialético”. Esta “falta de sincronização” ou defasagem entre as mudanças na economia e sua expressão na esfera política é central para determinar como se articula o programa no terreno da orientação política, que inclui todo o trabalho do partido em uma situação determinada,... já que “As oscilações da conjuntura económica (auge–depressão–crises) configuram as causas e efeitos de impulsos periódicos que dão surgimento a mudanças, ora quantitativas, ora qualitativas, e a novas formações no campo político. O rendimento das classes proprietárias, o orçamento do Estado, os salários, o desemprego, a grandeza do comercio exterior, etc., estão intimamente ligados com a conjuntura económica, e por sua vez, exercem a mais direta influência sobre a política. Isto só é suficiente para entender o quanto importante e frutífero é seguir passo a passo a historia dos partidos políticos, as instituições estatais, etc., em relação com os ciclos do desenvolvimento capitalista. Mas nós não podemos dizer que estes ciclos explicam tudo: ele está excluído pela simples razão que os ciclos mesmos não são fenômenos econômicos fundamentais, mas derivados. Eles se desdobram sobre a base do desenvolvimento das forças produtivas através do mecanismo das relações de mercado. Mas os ciclos explicam uma boa parte, formando como o fazem, através das pulsações automáticas, um indispensável recurso dialético na mecânica da sociedade capitalista. Os pontos de ruptura da conjuntura comercial e industrial nos levam a um contato muito mais íntimo com os nós críticos na trama do desenvolvimento das tendências políticas, da legislação, e todas as formas de ideologia”. No entanto, as grandes convulsões como as crises, as guerras e as revoluções, tendem a unir economia e política. Por isso, diante da atual crise capitalista é o desafio dos marxistas revolucionários compreender a fundo esta conexão, como diria Trotsky, entre uma “economia capitalista, que chegou ao ponto de sua saturação, com a política capitalista, que se transformou até ser completamente desenfreada”. 50 Reivindicação, Demanda, Consigna Um debate estendido entre os marxistas é como estabelecer a relação entre as reivindicações comuns da classe operária, produto de sua condição de assalariados, e da relação específica entre patrões operários, junto com as demandas que impulsam os movimentos espontâneos ou sindicalistas, e o programa e as consignas dos revolucionários. Um programa que negue as reivindicações e as demandas é um programa morto, próprio de uma seita. Um programa que se base exclusivamente ou que incorpore de maneira pura as reivindicações de uma classe ou sectores de classe é um programa sindicalista, parcial ou espontâneo. Como temos dito fazer programa é fazer teoria revolucionaria. Como generalização, o programa e as consignas dos revolucionários devem estabelecer uma relação particular com a demanda espontânea, para transcender a simples relação trabalhador-patrão e assentar as bases para a luta política, ou seja, fortalecer as organizações operárias para romper o mando capitalista. O não compreender isto, reduz o programa a uma serie de demandas mínimas ou em todo caso a medidas de capitalismo de estado. Mas justamente, é esta relação dialética entre reivindicação-demanda-consigna, a base da mecânica do Programa de Transição que se baseia em uma dinâmica de classes dada para desenvolver um movimento revolucionário e sua “potencia efetiva”. Para estabelecê-la ou mesmo aborda-la devemos fazer um trajeto histórico sobre as discussões dos marxistas revolucionários. Programa Mínimo e Máximo “… em lugar do programa mínimo dos reformistas e dos centristas, a IC coloca a luta pelas necessidades concretas do proletariado, por um sistema de reivindicações que, em seu conjunto, demolem a potencia da burguesia, organizam ao proletariado e constituem as etapas da luta pela ditadura do proletariado, e em que cada uma destas reivindicações em particular da sua expressão a uma necessidade das grandes massas, inclusive se estas massas não se colocam ainda, conscientemente, no terreno da ditadura do proletariado”6. Este sistema de reivindicações é um grande avanço na dinâmica do programa e nas tácticas que se desprendem dela. Toma em consideração o elemento temporal (que Lenin desenvolve em sua Teoria do Imperialismo) como um eixo central da política revolucionaria e a análise da dinâmica concreta entre as classes em um momento histórico dado, por assim dizer, o passo do período orgânico do capitalismo, a seu período crítico, onde se perde equilíbrio político e social, que é um período de transição (que cria uma nova base para a táctica). Para a III, este período está entre estes dois momentos, (o orgânico e o crítico) tomado desde o ponto de vista da teoria do imperialismo (ausência de reformas a largo prazo). Desta maneira, a III internacional em sua etapa revolucionaria abandona a ideia de programa mínimo e máximo superando-o por um “sistema de reivindicações”. É interessante esmiuçar esta mecânica que estabelece a III. Para a direção da internacional, este sistema de reivindicações deve servir para destruir o poder da burguesia, organizar o proletariado e constituir as etapas da ditadura do proletariado. A III internacional se dirigia aos partidos comunistas de vanguarda para arma-los teórica, política e programaticamente, para dirigir os processos revolucionários que cortam a Europa e que permitem à Terceira caracterizar a situação de “objetivamente revolucionaria”. Podemos dizer então que foi um fato material, histórico concreto, o que determinou as velhas discussões entre os marxistas ao redor do programa “mínimo e máximo”. Foi a revolução Russa, o surgimento de uma direção revolucionaria internacional, o que pôs fim à velha distinção entre programa mínimo e máximo e assentou as bases para sua superação dialética. 6 Tese da IC, “Os combates e reivindicações parciais”, redatadas por Radek e aprovadas pelo III Congresso, junho 1921. 51 Trotsky no entanto, parte de condições bastante diferentes, com uma brutal crise de direção revolucionaria, com o esmagamento de processos revolucionários pela ações das frentes populares e do fascismo, e as políticas do estalinismo e da social-democracia; tudo isso combinado com processos de movimentos de massas nos países oprimidos e nos EEUU, mas com una grande experiência de haver sido líder da revolução russa e da construção da III internacional. A ideia de Trotsky de colocar o carácter transitório do sistema de reivindicações estava relacionado com a necessidade de estabelecer esse ponto entre duas gerações, e encarar esse salto histórico que marcou o giro que fazia a contra-revolução da III Internacional. Pela ausência desses partidos de vanguarda, Trotsky teve que recuperar o programa que estava sendo destruído pela burocracia estalinista e foi continuidade do método da III; enquanto devia basear-se na intervenção nos movimentos de massas e impulsionar uma vanguarda que aprendera lições das derrotas e preparar a ofensiva. Justamente por isto, o Programa de Transição escrito por Trotsky não podia abarcar os três elementos fundantes da concepção programática da III internacional em sua etapa revolucionaria: destruir o poder da burguesia, organizar o proletariado e constituir as etapas da ditadura do proletariado, senão que –como bem advertia Trotsky em “Completar o programa coloca-lo em marcha”- o Programa de Transição levava o proletariado até a porta da revolução proletária, ou dito de outro modo, se colocava em primer aspecto da concepção programática da III. O Programa de Transição de Trotsky não se colocava organizar o proletariado no sentido da III, ou seja, a preparação imediata e consciente de partidos de vanguarda, constituídos e agrupados em una internacional revolucionaria para a tomada do poder e a insurreição. Tampouco busca constituir as etapas da ditadura do proletariado, já que como T. coloca não se está falando da revolução social, “da tomada do poder mediante a insurreição, da transformação da sociedade capitalista na ditadura, da ditadura na sociedade capitalista”; com o qual o Programa de Transição só se constitui como um programa de ação “até o começo da revolução socialista”7. Portanto falamos de um programa incompleto, cujo objetivo é destruir o poder burguês, já que como coloca o mesmo Trotsky no Programa de Transição: “…a quarta internacional propõe um sistema de reivindicações transitórias, cujo sentido é o de dirigir-se cada vez mais aberta resolutamente contra as bases do regime burgués”8. Desde a concepção de Trotsky, portanto, completar o programa não significa agregar-lhe consignas, mas superar a crise de direção revolucionaria e construir a IV internacional, e em este aspecto se coloca como continuidade do leninismo. Sob esta perspectiva, Trotsky coloca uma relação concreta entre reivindicação, demanda e consigna. A articulação programática não nega, mas contém as reivindicações elementares do proletariado, mas por sua vez condensa a preparação da classe operária para as tarefas de sua ditadura, ainda que não as desenvolva. Como conclusão, podemos dizer que Lenin e Trotsky compartem o mesmo método ao estabelecer una relação determinada entre demanda-reivindicação-programa revolucionário, na ideia de um “sistema” de reivindicações: o primeiro, com a necessidade da luta imediata pelo poder, e o segundo, na necessidade de superar a crise de direção revolucionaria. Não compreender este método significa separar “sistema” de “reivindicação”, pela via de colocar “bloco de consignas”, ou simplesmente levantar as reivindicações imediatas. Por último, é necessário assinalar que o internacionalismo da III Internacional e do Programa de Transição tem diferente expressão concreta. Para a III se encarnava em partidos constituídos e agrupados na internacional revolucionaria, com a autoridade de uma revolução e um estado operário. Para Trotsky significava recuperar o programa internacional, abandonado pelo estalinismo para enfrentar o chauvinismo imperante no início da segunda guerra, construir a IV internacional ao calor desta grande prova para o 7 L. Trotsky “Completar o programa e coloca-lo em marcha” da compilação “Escritos”. Traduzido ao espanhol por Victoria Rojo. 8 L. Trotsky “O Programa de Transição”. 1938. 52 proletariado mundial, e realizar a revolução política na URSS para recuperá-la como direção da revolução mundial. Método E Sistema A superação da distinção entre programa mínimo e máximo em um sistema de reivindicações colocou para os revolucionários a tarefa da revolução mundial e a construção de partidos comunistas de massas. Mas, produto da derrota posterior, se viram obrigados a um recuo táctico mantendo as posições teórico políticas, já que não só desde a burguesia, mas também desde o estalinismo que falava em nome do Estado Operário, se tentava liquidar a memória histórica de nossa classe. Por ele não é casual a utilização em Trotsky da palavra “transitório”, já que tentava recuperar o programa em uma etapa donde a ingerência socialista do estado operário na sociedade capitalista alcançava outra Dimensão histórica. Trotsky enfrentou o etapismo estalinista à luz da experiência da Revolução Russa e o processo de transição. “Em outras palavras, a coalizão democrática de operários e camponeses só podia considerar-se una forma preliminar do Ascenso ao poder, uma tendência, mas não um fato. A conquista do poder devia romper a envoltura democrática, impor à maioria dos camponeses a necessidade de seguir os operários, permitir que o proletariado realizara sua ditadura de classe, e por razão idêntica, por a ordem do dia, paralela à democratização radical das relações sociais, a ingerência socialista do estado operário nos direitos da sociedade capitalista“.9 Desde este ponto de vista, a ditadura do proletariado era compreendida como um processo que tinha seus inicios ainda antes da tomada do poder, em su preparação. A existência do estado operário colocou o caráter internacional deste processo e teve implicâncias programáticas. Mas a burocratização da direção da revolução proletária veio a interromper este processo para convertê-lo em seu contrario. Já não se tratava de uma situação objetivamente revolucionaria como era para a III Internacional, mas que em 1938, se combinava um “período pré-revolucionário de agitação, propaganda e organização” com uma brutal crise de direção. Na III internacional Lenin opinava que a vanguarda mundial havia sido ganha ideologicamente e portanto se tratava de levantar um programa que fosse a “expressão da necessidade das grandes massas, mesmo que estas massas ainda não se colocassem conscientemente no terreno da ditadura do proletariado”10, enquanto que Trotsky devia forjar uma nova vanguarda, e desde o ponto de vista prático, o mais importante era como podiam guiar os “diferentes estratos do proletariado na direção da revolução social”. 11 Trotsky, com o sistema de reivindicações transitórias, buscava estabelecer uma ponte, ou melhor, a ligação das reivindicações atuais e a consciência atual do proletariado, e o programa de ação para a conquista do poder. No entanto, este programa não está “acabado” nem poderia estar, já que é um programa de ação, que deixa o proletariado no limiar da revolução. Ou seja, está incompleto, o melhor é parte de um programa mais histórico que é o programa do comunismo. Trotsky esclarece os limites do Programa de Transição de 1938: “O projeto do programa não é um programa acabado. Podemos dizer que neste projeto de programa faltam coisas contém outras que, por sua natureza não pertencem ao programa. As coisas que não pertencem ao programa são os comentários. Este programa não só contém consignas, mas também comentários e polêmicas contra os adversários. Mas não é um programa acabado. Um programa acabado deve ter uma explicação teórica da moderna sociedade capitalista em sua fase imperialista. As razões da 9 10 11 L. Trotsky “Lições de Outubro”. V. Lenin “Tese sobre a táctica” aprovadas pelo III Congresso da IC junho 1921. L. Trotsky “Completar o programa…” 53 crise, o crescimento do desemprego, etc.; e neste projeto, esta análise está brevemente resumida somente no primeiro capítulo, pois escrevemos sobre estas coisas em artigos, livros, etc. Escreveremos mais e melhor. Mas para fins práticos, o que se disse aqui basta, já que todos somos da mesma opinião. O começo do programa não está terminado. O primeiro capítulo é só um aponte, e não uma expressão acabada. Também o final do programa está incompleto, pois que não falamos aqui da revolução social, da tomada do poder mediante a insurreição, da transformação da sociedade capitalista na ditadura, da ditadura na sociedade capitalista. Isto leva ao leitor só ao portal. É um programa para a ação, desde agora até o começo da revolução socialista. E, desde o ponto de vista prático, o mais importante agora é como podemos guiar os diferentes estratos do proletariado na direção da revolução social”12 No entanto, o fato de que seja um programa incompleto não significa que não conserve toda a vigência de seu método, já que estabelece a mecânica correta entre reivindicação e programa. Por um lado, o Programa de Transição não nega as reivindicações, mas as contém, enquanto mantiver sua força vital. O que importa não são as reivindicações em si, como consignas isoladas, senão “o carácter que pode e deve tomar a luta por estas reivindicações nas condições da crise social atual”. E isso não implica outra coisa que, para obrigar os capitalistas a fazer concessões sérias, é necessário quebrar sua vontade, ou seja, quebrar o mando capitalista. Por isso não se deve confundir sistema de reivindicações transitórias com sistema de reivindicações “imediatas”. Parece um jogo de palavras, mas esta confusão resulta fatal para a política revolucionaria. Como coloca Trotsky, trata-se da tese marxista geral: “as reformas sociais não são mais que os subprodutos da luta revolucionária; na época da decadência capitalista tem a importância mais forte e imediata. Os capitalistas não podem ceder algo aos operários, a não ser quando estão ameaçados pelo perigo de perder tudo”. Este sistema de reivindicações transitórias permite por em movimento as demandas cotidianas em função de tarefas históricas, e isso condensa a preparação do proletariado como classe dominante, sua organização e sua intervenção despótica no direito de propriedade. O programa de transição condensa as tarefas do futuro estado operário, porque prepara o proletariado para as tarefas de dominação, enquanto o deixa no limiar (da revolução). Dito em outras palavras, o sistema de reivindicações transitórias condensa uma etapa histórica determinada -transicional- e contém a experiência da classe e a vanguarda na etapa das crises, das guerras e das revoluciones. Ao contrario do que comumente se interpretou, quando Trotsky se refere faz uma espécie de distinção esquemática entre reivindicações democráticas, transitórias e tarefas socialistas, o faz referindo-se como se expressam nos países atrasados, mas não para estabelecer “blocos de consignas” -método que nada tem que ver com o marxismo- mas para demonstrar distintos estágios da luta de classes que o programa generaliza como um todo e por isso, para a concepção programática transicional de Trotsky “não estão separadas na luta por etapas históricas distintas, senão que surgem imediatamente uma da outras”13. Como exemplo Enquanto afirmamos que é um erro separar os elementos programáticos de Trotsky em vê-los isoladamente, com fins analíticos e só a modo de exemplo, tomaremos alguns aspectos para ilustrar a mecânica à qual estamos nos referindo. Por isso queremos mostrar em como Trotsky parte do papel fundamental da produção e distribuição capitalista para estabelecer seu método programático. Neste sentido, o controle operário, por exemplo, não se coloca como uma saída eventual anticrises e democrática senão como ataque à desorganização económica da burguesia. Como dizia Engels, 12 13 Idem. L. Trotsky, “Programa de Transção.” 54 “A contradição entre a produção social e a apropriação capitalista se manifesta agora como o antagonismo entre a organização da produção dentro de cada fábrica e da anarquia da produção em toda a sociedade”.14 Na época imperialista, o colapso capitalista e as crises exacerbam esta contradição, e é neste sentido, que Trotsky coloca a ideia de controle operário, como escola de economia planificada. Mas quando Trotsky defende a necessidade da escala móvel de horas de trabalho e salario, não o faz só como medida para aliviar os efeitos de uma crise, senão que se trata do “sistema de trabalho de uma futura sociedade socialista”. Só desde aqui pode entender-se porque “escala” e não “distribuição”. Colocar a escala móvel é tentar apontar a raiz dos problemas da produção e distribuição do capital, enquanto que distribuição só é uma medida anticíclica. Engels, discutindo contra Dühring sobre a equivalência do tempo de trabalho, dizia: “se a equivalência do tempo de trabalho pretende dizer que cada operário produz no mesmo espaço do tempo valores iguais, sem que, por conseguinte haja necessidade de estabelecer um meio, a tese é falsa de todas as maneiras. Entre dois operários, do mesmo ramo industrial, o produto do valor criado em cada hora de trabalho se distinguirá sempre em razão da intensidade do trabalho e da habilidade do trabalhador”.15 Embora Trotsky coloque a expropriação parcial, ou seja, de certos grandes setores, tem o objetivo de preparar o proletariado, desorganizando a burguesia, e toma como base a expropriação dos possuidores como restauração da propriedade individual, mas baseada na propriedade social da terra e dos meios de produção fabricados pelo próprio trabalho; no dizer de Engels “isto significa que a propriedade social se entende à terra e demais meios de produção e da propriedade individual aos produtos, isto é, aos artículos de consumo”.16 Por isso para Trotsky, em seu Programa de Transição, a necessidade de levantar a expropriação parcial na agitação cotidiana, e não só desde um ponto de vista propagandista e geral, se deriva do fato de que “os diversos ramos da indústria se encontram em um distinto nível de desenvolvimento, ocupam lugares diferentes na vida da sociedade, e passam por diferentes etapas da lucha de classes”17. A ligação que programaticamente estabelece Trotsky entre o partido e as massas se encontra expressada em sua política para os sindicatos: “A finalidade do partido comunista é levar a classe operária ao poder. Só pode cumprir esta missão revolucionaria se ganha-se a maioria do proletariado e, portanto, suas organizações de massas, especialmente os sindicatos. A luta do partido por influenciar aos sindicatos deve ser levada de forma que não freie as tarefas presentes da organização de massas, que não a divida, que não faça germinar entre os operários a ideia de que os comunistas desorganizam o movimento de classe. Os princípios desta lucha já foram enunciados no Manifesto do Partido Comunista, desenvolvidos pela teoria e a prática posteriores do movimento operário, e encontraram sua expressão mais elevada no bolchevismo.” Desta perspectiva, Trotsky inclusive chega a colocar que o Programa de Transição é o programa para os sindicatos: “Neste sentido, o programa de consignas de transição adoptado pelo último congresso da IV Internacional não é só um programa para a atividade do partido senão que, em traços gerais, é o programa para a atividade dos sindicatos”18. No entanto, não o coloca no sentido de que estes o absorvam no abstrato, mas para aproximar o partido das organizações de massas, partindo da hipótese de que, diante da crise de direção revolucionaria, luta pelo poder podia começar com o controle das mesmas. Esta é uma singular expressão se temos em conta que o Programa de Transição, como dizíamos, se circunscreve ao primeiro dos três aspectos ou tarefas que coloca a III Internacional, isto é, desorganizar a burguesia; e por isso deve dirigir-se aos sindicatos, já que são estas organizações as que tem relação direta com a produção e portanto, uma política revolucionaria nos sindicatos implica um ataque à base do 14 15 16 17 18 F. Engels, “Anti Dühring”. Idem. Idem. Ob. Cit. L. Trotsky, “Os sindicatos na era imperialista”. 55 regime burguês. Como podemos ver, de conjunto ao estabelecer una relação marxista entre bases econômicas e suas expressões políticas, permite preparar as condiciones económicas e políticas para um regime socialista. Programa, Ditadura Do Proletariado E Ponte Neste ponto é muito importante desenvolver o que significa a ditadura do proletariado para os marxistas revolucionários e a relação entre esta e o programa. A ditadura do proletariado não é uma “perspectiva” ou estratégia distante pela qual há que lutar enquanto levantamos um programa de reivindicações imediatas, mas que de fato articula o conjunto do programa comunista e, como veremos também o Programa de Transição. Mas a esta altura cabe perguntar-se: se o Programa de Transição deixa “limiar” ao proletariado…¿Que relação encontra com sua ditadura de classe? ¿O Programa de Transição só é um programa para enfrentar o colapso capitalista? Cremos que assim a pregunta estaria mal formulada. Se o Programa de Transição é parte do programa comunista, que ao dizer de Trotsky é o programa da revolução permanente, quer dizer que há una relação, ou em todo caso inclui os elementos da ditadura do proletariado. Para abordar isto, novamente nos vemos na necessidade de tomar as elaborações da III Internacional em sua etapa revolucionaria a IV internacional de Trotsky. Como vimos, para a III, se tratava de elaborar um “sistema de reivindicações” que permitiria desorganizar a burguesia, organizar o proletariado e prepara-lo para as etapas da ditadura do proletariado. Neste ponto, devemos deter em o que considera o marxismo revolucionário como “etapa” da ditadura. Para Marx, “entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista media o período da transformação revolucionaria da primeira para a segunda. A este período corresponde também um período político de transição, cujo estado não pode ser outro que a ditadura revolucionaria do proletariado”19. Disto, Lenin interpreta que: “Em consequência, a ditadura do proletariado é ‘um período político de transição’: é evidente que também o Estado deste período é uma transição ao não-Estado, ou seja, ‘não é mais um Estado no verdadeiro sentido’…”20. Mas este período político de transição até o não-Estado, ou seja, até sua extinção, atravessa diferentes momentos ou etapas. Como coloca Marx, discutindo contra Lasalle em sua crítica ao programa de Gotha, “do que temos que ocupar-nos aqui não é de una sociedade comunista, tal como se desenvolveu em suas próprias bases, mas pelo contrario, tal como acaba de nascer da sociedade capitalista; portanto, uma sociedade que em todos os seus aspectos, económico, moral e intelectual, leve ainda os estigmas da velha sociedade de cujo seio surgiu, (…) mas estas dificuldades são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como surgiu da sociedade capitalista depois de um prolongado e doloroso nascimento. O direito não pode jamais superar o nível da forma económica da sociedade e seu correspondente desenvolvimento cultural”21. Marx distingue duas fases da sociedade comunista, a primeira o inferior, assinalada pela desigualdade da distribuição, na qual, como dirá Lenin, ainda subsiste o direito (semiburgues) e portanto Estado (semiburgues), e a segunda o superior, donde se supera esta desigualdade, “cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades”; acabando-se o antagonismo entre trabalho intelectual e manual, deviniendo o trabalho na primeira necessidade da existência, e com um poderoso desenvolvimento das forças de produção que propiciarão a completa extinção do Estado. Mas a fase inferior do comunismo implica partir do mais avançado que tenha deixado o capitalismo, como dirá Trotsky: 19 20 21 K. Marx, “Crítica ao Programa de Gotha”. Notas de V. Lenin ao Programa de Gotha. Ob. Cit. 5S “… Marx entendia por ‘etapa inferior do comunismo’ a de uma sociedade cujo desenvolvimento económico fosse, desde um principio, superior ao capitalismo avançado”22. Analisando o Estado operário russo, Trotsky chega à conclusão de que “é mais exato, pois, chamar ao regime soviético atual, com todas suas contradições, transitório entre o capitalismo e o socialismo, ou preparatório ao socialismo, e não socialista” é dizer, na URSS nem sequer se havia alcançado a primeira fase comunista. E não obstante, existe um período político de transição que é a ditadura do proletariado. Tudo isto significa que a época imperialista complica o problema das etapas, agregando novas, já que o imperialismo se converteu em obstáculo principal para o progresso económico e político. Pero si também entendemos a ditadura do proletariado não como um ato mas como um movimento, não só a insurreição (que para Lenin era parte constitutiva da ditadura), mas as tarefas preparatórias mesmas são parte de estas etapas. Por isso temos dito: “A ditadura do proletariado não é algo uniforme, em todos os momentos da revolução. Segundo Lenin, possui distintas etapas: de preparação, que inclui primordialmente a construção do partido revolucionário e sua ligação com as massas; a mesma tomada do poder, o momento da insurreição como coroamento da guerra civil iniciada a última etapa preparatória. Finalmente, a ditadura não culmina com a tomada do poder, mas que melhor se agudiza na etapa de transição ao socialismo, que abre o novo poder obrero”23. Para Trotsky, o Programa de Transicional e um programa de ação para uma das etapas da ditadura (preparatória) ainda que não a ditadura mesma (por isso se fica no limiar). Esta mecânica é complexa mas nos distancia 100% dos intelectuais que pretendiam converter o Programa de Transicional em um programa acabado da IV internacional, cuja resultante sempre é e tem sido separá-lo da lucha pela ditadura do proletariado, tirando-lhe sua coesão estratégica e convertendo-o, portanto, em um conjunto de medidas anticíclicas ou de capitalismo de estado. Por isso, quando Trotsky estabelecia que o Programa de Transicional era uma “ponte” por um lado, entre as reivindicações atuais e as tarefas da ditadura do proletariado e por outro, com um componente geracional (superar a confusão e desmoralização da velha direção, por um lado a falta de experiência da jovem) não pensava em encontrar una fórmula mágica para elevar a consciência das massas, mas em como encarar as tarefas preparatórias da ditadura do proletariado, ou melhor, como desenvolver o proletariado como classe dominante, o qual constitui una tarefa fundamental de sua ditadura de classe. Por isso Trotsky assegurará que: “a ditadura do proletariado por sua própria força, pode e deve ser a suprema expansão da democracia proletária. Para realizar una grandiosa revolução social, o proletariado necessita a manifestação suprema de todas suas forças e de todas suas capacidades: se organiza democraticamente precisamente para terminar com seus inimigos”24. O Programa de Transição prepara o partido para a direção das massas (ou melhor, das instituições de massas), enfrentando as instituições do Estado burguês. Mas sob a perspectiva do programa comunista se prepara (e prepara a seus quadros) para exercer a ditadura do partido como parte da ditadura do proletariado e como parte do estado maior proletário que é a internacional. Negar este papel, para troca-lo por um papel de educador ou simples elevador da consciência, é não enfrentar o Estado burguês e levar a luta revolucionaria aos estreitos marcos da democracia capitalista. O “Permanentismo” Do Processo Programático Se o programa de transição é um programa de ação até a tomada do poder, temos que nos deter aqui na distinção com o programa comunista, o programa de edificação do socialismo mediante a ditadura do proletariado. Quando falamos de “programa comunista” não nos referimos a questões gerais ou de mística 22 23 24 L. Trotsky, “A Revolução Traída” J. Morelli, I. Arana “Sobre la dictadura del proletariado”. L. Trotsky, “Aonde vai França”. 57 revolucionaria, como gostam de fazer os campeões da distinção entre programa mínimo e máximo, senão das tarefas concretas do partido e da ditadura proletária em uma sociedade de transição ao socialismo concreta, e dada historicamente. Para isto, a experiência da revolução russa será de vital importância e o foi, de fato, para um dos maiores aportes programáticos de Trotsky: a revolução política. O programa de transição prepara a aplicação do programa comunista, por isso é muito importante compreender os processos transicionais históricos. Por exemplo, o Manifesto Comunista também era um programa de transição do capitalismo ao socialismo, em uma etapa determinada do capitalismo, mas na era imperialista o programa votado pela IV internacional expressa lãs tarefas transicionais da época. Nessa transição de um estagio a outro, a distinção mais importante entre programa de transição e programa comunista, é que o primeiro está pensado para uma etapa donde as forças produtivas sociais não estão sendo organizadas de maneira voluntaria e consciente por parte de certa sociedade. Ao conseguir superar o primer estágio transicional do limiar da tomada do poder, a transição tem um carácter estatal de destruição e criação colocando outras tarefas, porque para o programa comunista a tarefa primordial é a planificação, o desenvolvimento dirigido das forças produtivas e a extensão da revolução mundial. Na era da decadência imperialista, programa transicional e programa comunista se inter-relacionam de um modo histórico determinado e essa inter-relação será dada de acordo a mecânica da revolução mundial. Por isso não se pode pensar o programa de transição só desde o ponto de vista nacional, ainda que as particularidades sejam nacionais. E tampouco o programa de edificação do socialismo pode ser pensado meramente no terreno nacional, - lógica estalinista que os trotskistas souberam combater- ainda que as revoluciones sejam nacionais e a ditadura do proletariado tenha -eventualmente- um carácter nacional. E dado que as revoluções não tendem a ser simultâneas, o programa de transição e o programa comunista coexistirão e se articularão de maneira específica conforme vá avançando o processo revolucionário internacional e será desafio da IV internacional reconstruída, generalizar sua mecânica. Por último, o programa de transição e o programa comunista dependerão das condições específicas da ditadura do proletariado, do desenvolvimento da revolução em países atrasados e países imperialistas. Conclusões “Transição” significa um salto em qualidade. É por isso que a luta por impor um programa é una luta permanente com nossos inimigos de classe. Neste sentido, é importante assinalar que o Programa de Transição tem um carácter “permanentista”, já que é expressão concreta do programa comunista em uma época dada -de crises, guerras e revoluções e parte de uma relação particular entre as forças motrizes da revolução e a crise de direção revolucionaria. Nesta dinâmica-esta contradição entre classe, partido e direção-que se debate o Programa de Transição e coloca as tarefas objetivas do proletariado na luta por sua liberação. Como já marcamos no inicio, é importante ter em conta que quando a III internacional discute sobre a necessidade de um “sistema de reivindicações“ o coloca, entre outros elementos, por causa do passar do período orgânico do capital a seu período crítico, e este período dava uma nova base para a táctica.25 É neste ponto que queremos nos deter. Neste ensaio, temos recorrido aos elementos de continuidade marxista que prevalece entre o programa da Internacional Comunista em sua etapa revolucionaria o Programa de Transição de Trotsky e a IV Internacional. O primeiro se enfrenta a uma nova relação com as instituições burguesas e os Estados capitalistas que já não se encontra em “formação” (tarefas encaradas pelas burguesias no período orgânico do capital), senão em decadência e mostrando seus aspectos mais reacionários, que se aprofundam produto da fase imperialista do capitalismo, assinalados pelo “período crítico”, questão que nem sequer o desenvolvimento das forças produtivas no segundo 25 Ver por exemplo, V. Lenin “A nova época e o novo parlamentarismo”, Comp. “Os Cuatro Primeiros Congressos da IC”. 58 pós-guerra pôde ocultar. No entanto, a curva descendente do capitalismo implicou, na saída do pós-guerra, um salto na decadência imperialista, com importantes níveis de decomposição. Isto implica que o “período crítico” caracterizado por Lenin, adquire certos elementos catastróficos que determinaram o próximo período que e que afetarão o conjunto das relações de classe. Já estamos vendo os primeiros avanços, donde toda a ideologia burguesa está sendo questionada e portanto suas instituições. Por isso a classe operaria não pode esperar que as bases do capitalismo caiam por seu próprio peso, e muito menos substitui-las por “novas” instituições burguesas “democráticas”. O desafio do proletariado e sua vanguarda é por em pé suas próprias instituições para quebrar o mando capitalista. Há que adiantar-se aos planos imperialistas, que ante a impossibilidade de cooptar economicamente, tentará faze-lo politicamente, gerando novas mediações, quebrando a vontade do inimigo; e com base nisto, construir a direção revolucionaria internacional. Se pelo contrario, as Correntes de esquerda persistem em tomar o Programa de Transição como um método de pressão sobre o Estado ou de exigência ao mesmo, não poderão sair do fetichismo (ilusão) democrático e afastarão a vanguarda das tarefas de preparação das etapas da ditadura do proletariado. O Programa de Transição a propor-se desorganizar a burguesia, tenta liberar a sociedade das ataduras de produção capitalista; toma este desafio tratando de dar as linhas gerais para enfrentar a burguesia em seu terreno e delinear as futuras instituições proletárias do futuro Estado operário, recuperando as organizações de massas como os sindicatos e criando o partido revolucionário. Por isso, o Programa de Transição não pretende “desorganizar a burguesia” no terreno do regime político -por mais de que incorpore demandas democráticas- como creem os centristas, mas que a concepção de desorganização é na produção, e desde ali se irá formando uma nova direção operaria que possa tomar em suas mãos as rendas do Estado e da economia planificada. Neste sentido, é importante entender que “completar” o programa implica entender sua mecânica desde uma ideia de totalidade, em quanto aos diferentes estágios dos processos revolucionários e nível internacional, já que nosso programa se nutre das distintas experiências da lucha de classes. Nossa corrente aceita o desafio proposto por Trotsky: completar o programa e colocá-lo em marcha. Entendemos que completar o programa não se circunscreve a sua melhor aplicação ou á somatória de consignas e medidas. Significa recuperar o programa abandonado pelas Correntes herdeiras da IV internacional e seus desvios centristas do pós-guerra. Por isso, entendemos que a melhor forma de completar o programa coloca-lo em marcha implica colaborar, recuperar sofisticar o método de análises das tendências imperialistas e as tarefas dos revolucionários, na superação da crise de direção revolucionaria mundial e a reconstrução da IV. Também, completar o programa significa compreender seu carácter permanentista, e histórico, e nos negamos a converter o programa na mecânica dos “momentos” (sindical, político, militar…), que não é outra coisa que teoria burguesa enfeitada, como dizia Marx, com a “ladainha da democracia”, em outras palavras, adaptar o programa aos estados de animo das massas abstratas; porque entendemos as palavras de Trotsky: “o programa deve expressar as tarefas objetivas da classe operaria além do atraso dos operários”26. Esperamos que este trabalho possa aportar a este desafio. Como podemos ver, de conjunto, ao estabelecer uma relação marxista entre bases económicas e suas expressões políticas, permite preparar as condições econômicas e políticas para um regime socialista. Notas 1 26 (Declaración del Buró Político de la Organización Comunista Internacionalista, 20 de agosto de 1971). L. Trotsky, “El atraso político de los obreros norteamericanos” de la compilación “Escritos” año 1938 59 2 Proyecto de informe político preparatorio al XXVI Congreso de La OCI (U) sacado de, Correspondencia Internacional Nro. 15, 1981. 3 Al respecto, ver actas del buró internacional de la CORCI en discusiones con el SU 1979 y también la carta de la CORCI al SU 1979. 4 Ver La Moral y la actividad revolucionaria 1987. 5 F. Engels, Anti Dühring, pág. 217. Ed Cartago. 6 Tesis la IC, “Los combates y reivindicaciones parciales”, redactadas por Radek y aprobadas por el III Congreso, junio 1921. 7 L. Trotsky “Completar el programa y ponerlo en marcha” de la compilación “Escritos”. Traducción de Victoria Rojo. 8 L. Trotsky “El Programa de Transición” 1938. 9 L. Trotsky “Lecciones de Octubre”. 10V. Lenin “Tesis sobre la táctica” aprobadas por el III Congreso de la IC junio 1921. 11 L. Trotsky “Completar el programa…”. 12 Idem. 13 L. Trotsky, “Programa de Transición”. 14 F. Engels, “Anti Dühring”. 15 Idem. 16 Idem. 17 Op. Cit. 18 L. Trotsky, “Los sindicatos en la era imperialista”. 19 K. Marx, “Crítica al Programa de Gotha”. 20 Notas de V. Lenin al Programa de Gotha. 21 Op. Cit. 22 L. Trotsky, “La Revolución Traicionada”. 23 J. Morelli, I. Arana “Sobre la dictadura del proletariado”. 24 L. Trotsky, “A dónde va Francia”. 25 Ver por ejemplo, V. Lenin “La nueva época y el nuevo parlamentarismo”, Comp. “Los Cuatro Primeros Congreso de la IC”. 26 L. Trotsky, “El atraso político de los obreros norteamericanos” de la compilación “Escritos” año 1938 60