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Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 1 • Número 4 • julho 2011
ESTUDO DO GERÚNDIO – A TRANSFORMAÇÃO DE [ND] EM [N] NO
PORTUGUÊS FALADO NA REGIÃO DE FRONTEIRA1
Ivone da Silva Martins (Professora do Ensino Fundamental e Médio em Dourados-MS)
[email protected]
Elza Sabino da Silva Bueno (UEMS/FUNDECT)
[email protected]
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo analisar os desvios linguísticos referentes ao
uso do gerúndio, presente na linguagem falada de moradores da região de Dourados e Ponta
Porã-MS. O corpus foi constituído da amostragem da fala de doze informantes homens e
mulheres, distribuídos por duas faixas etárias distintas e que tenham cursado até o ensino
fundamental, para detectar na fala espontânea dessas pessoas, os possíveis fatores linguísticos
ou sociais que interferem no uso desse fenômeno linguístico, uma vez que sabemos que a fala
espontânea não obedece à risca as normas gramaticais, mas nos afastamos delas dependendo da
situação em que nos encontramos no momento da conversação. Com relação à variável
linguística, pretendemos analisar como se dá o uso reduzido do gerúndio. No que diz respeito às
variáveis sociais, verificaremos quem usa mais a redução, se os homens ou as mulheres, e com
que frequência; se os mais jovens ou os mais velhos; se os não alfabetizados ou os escolarizados
e a percentagem desse uso nas comunidades de Dourados e Ponta Porã.
PALAVRAS-CHAVE: Língua falada; linguística; gerúndio.
ABSTRACT: This work has as a goal to analyze some linguistic deviations concerning about
the use of gerund in the language spoken by inhabitants of the region of Dourados and Ponta
Porã-MS. The ‘corpus’ of the work consisted of sampling the speech of twelve men and women
informants, distributed in two distinct age groups and that have studied up to primary school, to
detect in the spontaneous speech of these people, the possible linguistic or social factors that
could interfere in the use of this language phenomenon, since we know that spontaneous speech
does not obey strictly to the grammatical rules, but we have abandoned them depending on the
situation in which we find ourselves at the time of the conversation. Regarding the linguistic
variable, we intend to analyze how the use of the reduced gerund takes place. As regards the
social variables, we will verify who uses the reduction more frequently, if men or women, and
how often; if the young or the elderly; if the not literate or educated and the proportion and
percentage of this use in the communities of Dourados and Ponta Porã.
KEYWORDS: spoken language; gerund; linguistics.
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Pesquisa desenvolvida como Trabalho de Conclusão do Curso de Letras – Português/Inglês da UEMS/
Dourados – MS, no ano de 2009, sob orientação da Profa. Dra. Elza Sabino da Silva Bueno.
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Introdução
Esse trabalho tem por objetivo discutir as variações linguísticas presentes na
linguagem de moradores das regiões de Dourados e Ponta Porã em Mato Grosso do Sul,
considerando a variante falada da língua, de acordo com os conceitos de diferentes
linguistas. Pretendemos mostrar que a língua falada é diversificada e heterogênea, e
cabe ao linguista e ao sociolinguista o papel de desmistificar os seus diferentes usos, em
especial nas comunidades selecionadas para o estudo.
Para que isso seja possível, trabalhamos diferentes teóricos, que nos ajudaram a
entender melhor o mundo linguístico em que vivemos, pois nenhuma língua é melhor
ou pior que outra, todo sistema linguístico é capaz de expressar adequadamente a
cultura de seu povo (BAGNO, 2004).
Esperamos com essa pesquisa contribuir de alguma forma para os estudos
sociolinguísticos, sobretudo, com relação ao uso do gerúndio e refletir sobre a redução
do [nd] do gerúndio em [n] na língua falada, já que se tornou uma tendência na
modalidade coloquial da língua falada, para compreendê-la e vê-la sem preconceitos e
estigmas, sem ser considerada “certa” ou “errada”, e sim, como uma forma diferente do
falante expressar (BAGNO, 2007) seus conhecimentos e experiências do mundo que o
cerca.
A linguagem é um dos ingredientes fundamentais para a vida em sociedade e
está relacionada à maneira como interagimos com nossos semelhantes. Neste sentido, o
indivíduo fala e age de acordo com o meio sócio-histórico e cultural em que vive, e com
relação ao que é “certo” e “errado”, uma pessoa que não pode ter uma educação mais
privilegiada não deve ser condenada por sua maneira de falar, pois o homem é fruto do
meio em que vive, influenciando-o e dele recebendo influências, sejam linguísticas,
sociais, históricas ou culturais.
Cada falante tem um jeito próprio de se expressar, as pessoas mais velhas se
comunicam de uma maneira. Em sua fala é possível identificar aspectos mais formais e
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conservadores da língua, já as pessoas de menos idade falam de forma mais
descontraída, é possível encontrar em sua fala o uso de gírias e de neologismos. Os
grupos sociais que sofrem maior pressão social quanto à norma culta costumam
preservar a forma padrão na fala, como as pessoas que exercem atividades socioeconômicas que lhes exigem uma boa apresentação em público. E uma única pessoa
pode escolher uma forma conservadora numa situação formal e uma forma mais
descontraída em uma conversa informal.
Para que possamos dissertar sobre a variação linguística existente nas regiões
mencionadas e sobre o preconceito devido às diversidades linguísticas, históricas e
culturais comuns na língua falada, trabalhamos autores como Bagno (2007), Tarallo
(2007), Bortoni-Ricardo (2004), Bueno (2003), Lemle (1978), Lopes (1989), Mollica
(1994), Saussure (1989), e outros que se fizerem necessários.
Nesta pesquisa, analisamos as variações linguísticas existentes na fala de um
grupo de informantes, selecionados de acordo com a idade, gênero e grau de
escolaridade, que tenham cursado até o ensino médio, pois o modo de falar revela
características individuais e regionais, possibilitando a interferência de fatores sociais.
Também analisamos a forma padrão utilizada por estes falantes, para uma comparação
de uso do gerúndio na sua forma padrão e na contraída.
Essa pesquisa está dividida em três partes distintas, em que a primeira trata da
fundamentação teórica, que consiste em conceituar a linguística enquanto ciência da
linguagem humana, a sociolinguística como responsável pelo estudo da variação e
mudança e da variação no uso da forma de gerúndio no português falado em Dourados e
em Ponta Porã.
Na segunda parte falamos da metodologia utilizada para o desenvolvimento do
estudo como: a seleção dos informantes, a constituição do corpus da pesquisa e as
variáveis linguísticas e sociais. Na terceira analisamos os dados e discutimos os
resultados de uso do gerúndio nas comunidades pesquisadas com o objetivo de
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apresentar os percentuais de uso da forma padrão [nd] de gerúndio ou a sua contração
em [n], comum no falar descontraído em situações reais de comunicação linguística.
Fundamentação teórica
Linguística enquanto ciência da linguagem humana
De acordo com Saussure (1989), a linguística é o estudo científico da
linguagem humana. A linguagem, por sua vez, é usada para distinguir as pessoas, as
classes sociais a que elas pertencem, revestindo-as de poderes e de fraquezas, de
estigmas e de preconceitos, é o que pretendemos verificar nessa pesquisa sobre a
transformação do [nd] do gerúndio em [n] em situações reais de comunicação
linguística, tomando por base os ensinamentos da linguística e da sociolinguística como
suporte teórico e prático para o desenvolvimento do estudo, sendo assim, trabalhamos
com estudiosos como: Tarallo (2007), Mollica (1994), Votre (1994), Paiva (1994),
Saussure (1989) e outros.
Já no século XIX, em seus estudos sobre linguística, Saussure (1989) propôs
uma distinção entre língua e fala, procurando viabilizar os estudos das línguas e da
linguagem verbal humana. Para ele, língua é um sistema abstrato, partilhado por uma
comunidade de falante que ganha realidade concreta na fala.
Saussure (1989) privilegia o caráter formal e estrutural do fenômeno
linguístico, e institucionaliza a distinção entre Linguística Interna e Linguística Externa,
ressaltando que esta acumula fatos relativos ao crescimento de uma língua fora de seu
território, de acordo com a necessidade de clareza. Estuda relações existentes entre
fatores socioculturais e a evolução linguística. Com a interna, as coisas se passam de
forma diferente, já que ela não admite uma disposição qualquer, pois a língua é um
sistema com uma ordem própria, ela trata da evolução estrutural. Saussure estabelece a
comparação da língua a um jogo de xadrez. Nesse jogo, se trocarmos as peças de
marfim por peças de madeira, não haverá nenhuma interferência, mas se aumentarmos
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ou diminuirmos o número de peças, ocorrerão mudanças significativas. Assim também
é a língua, uma vez que é interno tudo o que provoca mudanças no seu sistema
linguístico.
Essa distinção entre linguística interna e externa dividirá de maneira
permanente o campo de estudos linguísticos contemporâneos, opondo as orientações
formais das contextuais. Esse estudioso considerou prioritário o estudo sincrônico, que
permite revelar a estrutura essencial da linguagem.
As aulas de Saussure foram publicadas postumamente por seus discípulos e
deram direção ao “estruturalismo” e à “análise estruturalista”. Anos depois Noam
Chomsky, retoma a distinção entre língua e fala, com alterações, propondo a dicotomia
competência e desempenho.
Desenvolve um modelo formal de linguagem, conhecido como gramática
gerativa transformacional. A teoria desenvolvida por Chomsky consiste no
conhecimento que o falante tem de um conjunto de regras que lhe permite produzir e
entender um número finito de sentenças e reconhecer as bem formadas de acordo com
um sistema linguístico de regras linguísticas. De acordo com o conceito chomskyano de
competência, todas as sentenças produzidas pelos falantes de uma língua são bem
formadas, seja ela padrão ou de outras variedades. As mal formadas seriam aquelas
produzidas por estrangeiros que não falam bem a língua, ou crianças, que estão em
pleno processo de internalização das regras da língua. Um falante nativo de português,
por exemplo, independente de seu nível de escolaridade, do local onde mora, seja na
área rural ou urbana, produz sentenças bem formadas, que estão de acordo com as
regras do sistema que este falante internalizou, ou seja, da língua-padrão ou não padrão.
Bortoni-Ricardo (2004) salienta que não se pode confundir o conceito de sentenças bem
formadas, que provém da noção de competência, com a noção de “erro” que as
gramáticas normativas defendem.
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Após Chomsky propor essa dicotomia, muitos pesquisadores começaram a
levá-la em conta em seus estudos e alguns desses estudiosos fazem lhe críticas e
reformulações. Bortoni-Ricardo (2004, p. 75), por sua vez, nos faz refletir sobre
competência comunicativa, ao afirmar que:
a competência comunicativa de um falante lhe permite saber o que
falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer
circunstâncias... quando faz uso da língua, o falante não só aplica as
regras para obter sentenças bem formadas, mas também faz uso de
normas de adequação definidas em sua cultura.
Refletindo sobre a passagem acima, um falante aplica as regras em situações
que exijam mais formalidade, porque o assunto ou a pessoa com quem fala exige um
tratamento mais formal, selecionando um estilo monitorado. E em situações mais
descontraídas, o falante vai sentir-se mais relaxado e pode até usar um estilo mais
informal.
Bagno (2004), em sua obra “A língua de Eulália”, procura mostrar que o uso da
linguagem “diferente” nem sempre pode ser considerado “erro de português”. Esse
modo diferente da pessoa falar pode ser explicado por ciências como a Linguística, a
Sociolinguística, a História, a Sociologia e até mesmo a Psicologia, que consideram as
diferenças reais de comunicação de cada indivíduo.
O conceito de “erro” é sociocultural e depende da avaliação do meio em que o
falante está inserido. Para a linguística, o erro não existe, ele é um fenômeno explicável
por teorias linguísticas de uso da língua em situações reais de comunicação verbal e
pelo contexto linguístico de uso da língua.
A sociolinguística enquanto ciência da variação linguística
O termo “sociolinguística” é relativo a uma área da linguística e apareceu pela
primeira vez em 1953, num trabalho de Haver C. Currie. O ano de 1964 é um marco
para os estudos em sociolinguística com publicações de Labov, Bright e Fishman, que
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trabalham a língua considerando o seu contexto de uso, em situações reais de
comunicação.
A Sociolinguística é a ciência que estuda a língua na perspectiva de sua estreita
ligação com a sociedade onde se origina. Se para certas vertentes da linguística é
possível estudar a língua de forma autônoma, como entidade abstrata e independente de
fatores sociais, para a sociolinguística, a língua existe enquanto interação social,
criando-se e transformando-se em função do contexto sócio-histórico e cultural em que
é utilizada. Assim, uma comunidade de fala se caracteriza pelo fato de seus membros se
relacionarem uns com os outros, por meios comunicativos diversos, que orientam seu
comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras linguísticas de uso da língua
em situações reais de interação verbal, Monteiro (2000).
Para Elia (1987), a sociolinguística tem procurado estudar a covariação entre a
estrutura social e a estrutura linguística, em uma perspectiva sincrônica, porém, os
resultados não são muitos satisfatórios, pois as estruturas morfossintáticas não têm
muito a ver com a estrutura social. Já para Mussalim e Bentes (2001) linguagem e
sociedade estão ligadas de modo inquestionável. Ressaltam as autoras que a história da
humanidade é a história de seres organizados em sociedade e detentores de um sistema
de comunicação oral, ou seja, de uma língua. A estrutura da língua depende de uma
estrutura que tem raízes mais profundas que a estrutura social, como nos lembra Elia
(1987, p. 67).
Em toda a sociedade há uma classe que produz e que se apropria da
produção; são os explorados e os exploradores, a classe dominada e a
classe dominante. A forma de exploração do trabalho pelos
dominadores varia ao longo da história em função dos avanços
tecnológicos; mas, na essência, o esquema seria sempre o mesmo:
toda sociedade possuindo uma infraestrutura econômica, uma
estrutura social e uma superestrutura ideológica.
Partindo dessas concepções, podemos dizer que a língua não foi criada por uma
classe, mas por toda uma sociedade, para satisfazer todas as classes, para que as pessoas
possam se entender e se fazer compreender no complexo processo da comunicação
linguística, Lopes (1989).
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Assim sendo, qualquer língua, falada por qualquer comunidade, apresenta
variações, porque ela é representada por um conjunto de variedades. A língua
portuguesa, por exemplo, engloba os diferentes modos de falar utilizados por uma série
de falantes, sejam no Brasil, em Portugal, Moçambique e em outros países que têm o
português como língua oficial, Coutinho (1976).
Nessa pesquisa, verifica-se a importância dos estudos sociolinguísticos no uso
do gerúndio, seja na sua forma padrão, isto é, o [nd], que a caracteriza ou na forma
contraída [n] que trata de uma peculiaridade da língua falada, nas diferentes regiões do
país, porém nossa pesquisa concentra-se apenas nas regiões fronteiriças de Dourados e
Ponta-Porã-MS.
Variação linguística no uso do gerúndio
A variação de uma língua é a forma pela qual ela se difere de outras formas de
linguagem. Esta pode variar de acordo com fatores como, tempo, espaço, cultura e a
forma pela qual o indivíduo se manifesta verbalmente.
Do ponto de vista diacrônico, o pesquisador estabelece ao menos dois
momentos sucessivos de uma determinada língua, descrevendo-os e distinguindo as
variantes em desuso, isto é, os chamados arcaísmos.
Segundo Mussalin e Bentes (2001), os falantes adquirem as variedades
linguísticas próprias a sua região e de sua classe social. Geralmente podemos descrever
as variedades linguísticas a partir de parâmetros básicos: a variação geográfica
(diatópica), a variação social (diastrática) e outras.
A variação geográfica ou diatópica está relacionada às diferenças linguísticas
referentes ao espaço físico, entre falantes de origens geograficamente diferentes. Como
por exemplo: brasileiros e portugueses, que se distinguem em muitos aspectos de sua
fala; brasileiros originários de regiões diferentes, como a região nordeste e sudeste, em
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que podemos observar diferenças fonéticas distintas, como a pronúncia de vogais
pretônicas que ocorre na palavra “melado”; expressões urbana ou rural, como a que
ocorre com a palavra “de primeiro” [di primero], em lugar de “antigamente” entre
outras, Bortoni-Ricardo (2004).
A variação social ou diastrática relaciona-se com a identidade do falante e sua
organização sociocultural, por exemplo: classe social, como o uso de dupla negação,
presença de [r], em lugar de [l]; idade do falante em que a forma de falar pode variar
significativamente, uso de gírias como na palavra “maneiro”, que tem sentido de coisa
positiva; o gênero do falante também funciona como uma variável importante em que
pode-se destacar o uso frequente do diminutivo que costuma ocorrer mais na fala
feminina do que na masculina; situação ou contexto social, em que todo falante varia
sua fala de acordo com a situação em que se encontra. Essas são algumas variáveis que
podem influenciar o uso da língua para que ocorra a variação linguística que é um
fenômeno inerente às línguas vivas e em constante processo de evolução lingüística
comum às línguas vivas.
De acordo com Mussalim e Bentes (2001, p 39), os parâmetros linguísticos são
diversos “no ato de interagir verbalmente, um falante utiliza a variedade linguística
relativa a sua região de origem, classe social, idade, escolaridade, gênero e segundo a
situação em que se encontra”. Assim, toda língua é adequada à comunidade que a
utiliza, além de funcionar como um sistema completo que permite a uma população
entender o “mundo” em que vive e divulgar a cultura do povo que a fala.
Com relação ao gerúndio, Bagno (2004), explica porque é tão comum as
pessoas dizerem falano, comeno, cantano, em vez de falando, comendo, cantando, até
mesmo os falantes escolarizados em situação informal e ambiente descontraído, ou
numa fala acelerada, costumam pronunciar os verbos no gerúndio com a terminação [n]
no lugar da terminação [nd]. Às vezes, isso ocorre também com o advérbio quando, que
é pronunciado quano. Isso pode ocorrer porque as variantes padrão e não-padrão nem
sempre se relacionam ao que é prescrito pela gramática tradicional como “correta”. Vale
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ressaltar que a redução de [ndo] para [no] desvia-se do esperado como padrão. Contudo,
é um fenômeno amplamente difundido entre falantes do português do Brasil e, de modo
especial, do português local.
Ainda tratando do gerúndio Bagno (2004) diz que os fonemas /n/ e /d/
pertencem à família das consoantes dentais, por serem produzidas na mesma zona de
articulação, ou seja, no mesmo lugar dentro da boca. Essas consoantes vão sofrer o
ataque de uma força muito viva na língua: a assimilação, que é a força que tenta fazer
com que dois sons diferentes, mas com algum parentesco, se tornem iguais ou
semelhantes.
No caso de falando que se torna falano, o que ocorre é uma assimilação do [nd]
em [n]. Primeiro, falando passou a falano, com um [n] duplo, logo esse n duplo se
simplifica. Bagno (2007), ressalta que o português não-padrão é diferente, porque não é
o mesmo português da classe social dominante. É considerado errado pelos indivíduos
que pertencem a esta classe por não obedecer às regras do português padrão, pois de
acordo com o autor (op. cit, p.18) “não existe uma língua que seja uma só”, mas uma
língua repleta de variedades linguísticas, geográficas, de gênero, socioeconômica,
etárias, de nível de instrução, urbanas, rurais, entre outras. É como se cada pessoa
falasse a sua língua que, ao mesmo tempo, pode ser entendida por todos os demais
falantes, uma vez que falam um código comum em sua base linguística.
Essa assimilação [nd] [nn] [n] não é exclusividade da Língua Portuguesa falada
no Brasil, uma vez que há informações de que ela também está presente em região de
Portugal, principalmente em Beira Alta e que pode ser encontrada em textos escritos do
século XVI. Além disso, ela também agiu em outras línguas da mesma família, isto é,
nas línguas românicas. Por exemplo, em alguns dos chamados dialetos italianos, e
também no catalão, língua falada na região sudeste da Espanha. Em Catalão o latim
mandare (que deu o nosso mandar) se transformou em mana, Faraco (2005).
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Para melhor entender o uso do gerúndio vamos a uma breve definição, de
acordo com a visão de estudiosos do assunto, que entendem o gerúndio, infinitivo e
particípio como formas nominais do verbo, que exercem a função de nome. Podemos
observar que no Português do Brasil, ocorre o uso de tempos compostos por gerúndio
para exprimir o valor imperfeito ou inacabado de uma ação. O emprego do gerúndio
pode servir para marcar uma ação em andamento ou uma ação simultânea a outra.
Segundo Faraco e Moura (1996), o gerúndio apresenta duas formas: simples:
andando, comendo, unindo; e composta: tendo ou havendo andado, comido, unido.
Emprega-se no início de período, nesse caso pode exprimir uma ação que é realizada
imediatamente antes da ação expressa na oração principal, p.e.: Obtendo a notícia
necessária, não estudou mais.
Uma ação que ainda continua, mas que foi iniciada antes da indicada na oração
principal, como em: Falando alto, começou a repreender todos os presentes.
Ao lado do verbo principal. Nesse caso, exprime uma ação simultânea que tem
o valor de advérbio de modo, p.e: Falava gesticulando o tempo todo.
O gerúndio pode vir também junto de um substantivo, tendo, portanto, função
de adjetivo. Exemplos: água fervendo (=fervente) - jovens estudando (=estudantes).
Depois da oração principal, nesse caso, o gerúndio expressa uma ação
posterior, tendo o valor de uma ação introduzida pela conjunção e, Ex.: As mulheres
faziam ferver uma lata de querosene cheia de água, abanando o fogo com um chapéu de
palha muito sujo e remendado. (R. Queiroz)
Segundo Sacconi (1999), o gerúndio equivale a um advérbio, mas pode
também funcionar como adjetivo, p. e: pele ardendo, água fervendo, casa contendo
muitos quartos. Ele pode ainda ser empregado no lugar do imperativo, nas ordens
coletivas.
Exemplo: Circulando! Todos circulando! Escrevendo!
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O gerúndio aparece nas locuções verbais, ex.: estar chorando, andar pedindo,
vêm vindo. E nas orações reduzidas, ex: Não dispondo de combustíveis, os países
escandinavos utilizam energia elétrica em grande escala.
Em sua gramática descritiva do Português, Perini (1995, p. 78) faz um breve
comentário sobre o gerúndio e a sintaxe do português. Segundo o autor, em frases em
que ocorre o gerúndio, há falta de clareza para a classificação do sujeito, como em
“Marivânia chegando, a farra vai começar”, pois não há concordância entre o verbo e
nenhum termo exposto na oração e, “Marivânia funciona apenas como um sujeito, o que
cria um problema quanto a sua análise”, sendo que no uso real do Português, tanto em
língua escrita como oral, é bem compreendido pelos interlocutores que a farra começará
quando Marivânia chegar, ou seja, Marivânia assume o papel de sujeito desta oração.
O fenômeno linguístico referente ao uso do gerúndio no português falado será
tratado mais detalhadamente na terceira parte deste estudo, que analisa os dados do
material linguístico que compõe o corpus da pesquisa, e os resultados obtidos das
variáveis linguísticas e sociais pesquisadas e apresenta os seus percentuais de uso de
amplas as formas de gerúndio, a padrão e a contraída.
Metodologia usada para o desenvolvimento da pesquisa
Seleção dos informantes
Para analisar o uso de gerúndio, seja na sua forma padrão ou na contraída,
selecionados doze informantes, homens e mulheres residentes nas cidades de Dourados
e Ponta Porã, pertencentes a duas faixas etárias distintas: de 20 a 50 anos e de 51 anos
em diante e com nível diferente de escolaridade.
O recorte na faixa etária do falante se deu porque sabemos que a língua muda
com o tempo, e essas mudanças linguísticas acontecem de maneira lenta e gradual, às
vezes o falante nem percebe que a língua mudou, mas não há como nem por que
interrompê-la, uma vez que a mudança é um fato inerente às vivas e em processo de
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evolução, Bueno (2003). Para este estudo procedemos a comparações de acordo com a
idade do falante, para saber como o falante se expressa de acordo com cada faixa etária,
e se há distinção na fala ao tomar por base a idade do falante, e se tal distinção é
perceptível quando o falante faz uso da forma verbal no gerúndio.
Quanto ao grau de instrução, selecionamos falantes analfabetos e alfabetizados
que tenham cursado até o ensino fundamental, com o objetivo de encontrar informantes
para preencher os requisitos propostos pela pesquisa, que é verificar como os
entrevistados fazem uso das formas de gerúndio em sua fala, se as reduzem ou se as
usam de acordo com os preceitos das gramáticas normativas.
Apesar de deixarmos os informantes à vontade e criar uma situação informal e
natural de comunicação, sentimos um pouco de dificuldade para a realização das
entrevistas, pois alguns informantes ficaram inibidos ao falar, mas depois das
eventualidades normais em uma pesquisa de campo, conseguimos realizar as entrevistas
com sucesso e acreditamos ter atingido os objetivos propostos inicialmente.
Constituição do corpus
O material linguístico analisado foi coletado pelos alunos do terceiro ano do
curso de Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, inclusive
por esta pesquisadora, nas aulas da disciplina de Linguística, ministradas pela Profa.
Elza Sabino da Silva Bueno. As entrevistas foram realizadas em diferentes pontos das
cidades de Dourados e Ponta Porã e transcritas seguindo as normas do projeto
NURC/SP2, perfazendo um total de trinta entrevistas. Mas, para a análise linguística
aqui realizada, selecionamos apenas doze, ou seja, aquelas que atendiam os critérios
previamente estabelecidos, isto é, o falante deve residir em Dourados ou Ponta Porá,
uma vez que pretendemos analisar a língua falada nessas duas cidades sul-matogrossenses que fazem fronteira com o país vizinho, Paraguai; ter idade mínima de vinte
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. Projeto desenvolvido nas cinco capitais do país para trabalhar a linguagem padrão falada por falantes
com nível superior de escolaridade.
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anos, pois a partir dessa idade o indivíduo já está inserido no mercado de trabalho, e
possuir nível de escolaridade oscilando entre analfabeto e alfabetizado até o ensino
fundamental.
O critério utilizado para a escolha das doze entrevistas foi a maior incidência
de uso do fenômeno linguístico em estudo, ou seja, o uso da redução do gerúndio em
diferentes contextos linguísticos da língua falada desses informantes.
Após a realização das entrevistas, em que o informante foi deixado à vontade
para falar sobre sua vida, infância, brincadeiras, escola/ensino, casamento, filhos, festas
e outros assuntos de seu interesse, partimos para a transcrição dos relatos de vida e de
experiências enunciados pelos falantes entrevistados. A próxima etapa foi o
levantamento dos fenômenos de variação linguística no uso do gerúndio, presente nas
entrevistas e a análise de dados, com o objetivo de verificar a frequência de uso das
formas de gerúndio cujos resultados serão apresentados na terceira parte deste estudo,
por meio de gráficos e tabelas, para uma melhor visualização dos resultados obtidos.
Variáveis linguísticas e sociais pesquisadas
A linguagem é importante para a organização do pensamento, mas também
para a compreensão do mundo que nos cerca. Ela é um dos ingredientes fundamentais
para a vida em sociedade e está relacionada ao modo como interagimos com os outros,
refletindo tendências de comportamentos sociais e linguísticos. Cada grupo social tem
um comportamento diferente e isso influencia diretamente a sua fala, o modo como cada
grupo se expressa e que lhe é peculiar. Assim, como a linguagem varia de acordo com
cada região, ela também pode mudar de acordo com a classe social a que pertence o
falante, além disso, um mesmo indivíduo muda o seu modo de falar para se adequar a
cada situação e às necessidades reais de comunicação linguística, Tarallo (2007).
A variação de uma língua é a forma pela qual ela se difere de outras formas da
linguagem. Um povo apresenta vários traços de identificação, e um deles é a língua. E
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esta pode variar de acordo com o espaço, o tempo, o nível cultural e a situação em que
um indivíduo se manifesta verbalmente.
A variação social agrupa alguns fatores de diversidade, como, o nível sócioeconômico, determinado pelo meio social onde vive o indivíduo; o grau de instrução; a
idade e o gênero. Assim, podemos dizer que o uso de certas variantes pode indicar qual
o nível sócio-econômico de uma pessoa, e existe a possibilidade de alguém que pertença
a um grupo menos favorecido atinja o padrão de maior prestígio na língua, seja falada
ou escrita, por meio do estudo e da dedicação.
Nesta pesquisa, para a análise do grau de instrução do falante, selecionamos
analfabetos e alfabetizados que tenham cursado até o ensino fundamental, pois
pretendemos verificar se o falante alfabetizado faz a redução do gerúndio tanto quanto
os não alfabetizados, ou seja, se o ensino formal influencia no modo de falar do
indivíduo, pois de acordo com Votre (1994, p.75), “as formas de prestígio ocorrem em
contextos mais formais, mais ‘nobres’, entre interlocutores que ocupam posições mais
elevadas na escala social.” Isto quer dizer que um indivíduo pertencente a uma classe
social menos favorecida tem características de fala diferentes das de indivíduos de
classes mais favorecidas. Acredita-se que as classes mais elevadas são detentoras da fala
mais formal ou de prestígio, pois têm mais acesso aos bens culturais.
A idade do falante foi considerada de duas formas distintas nesta pesquisa, em
que entrevistamos falantes de 20 a 50 anos e de 51 anos em diante, uma vez que esta é
uma variável importante no sentido de verificar se o fenômeno em estudo, redução de
gerúndio, encontra-se em um processo de variação estável ou em mudança linguística.
A hipótese levantada aqui diz respeito ao fato de que se pretende verificar se a idade do
falante influencia, e de que forma influencia no uso das formas verbo nominais de
gerúndio.
Um outro fator importante a considerar em uma pesquisa de cunho
sociolinguístico, é o gênero do falante, cujo objetivo é demonstrar se homens e
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mulheres têm o mesmo grau de entendimento linguístico, sobre determinados
fenômenos linguísticos variáveis, uma vez que, segundo Paiva (1994) as mulheres têm
maior sensibilidade ao valor social da linguagem, pois muitos papéis atribuídos a
mulher exigem dela uma conduta irrepreensível, é ela quem tem, na maioria das vezes, a
responsabilidade na educação dos filhos, e toma para si a transmissão de normas e
comportamentos, dentre eles os linguísticos. Quem nunca ouviu a frase, “isso não fica
bem na boca de uma mulher dizer”, é comum em nossa sociedade que as mulheres se
preocupem mais com a aparência, e isso acaba refletindo inclusive na linguagem.
De acordo com Paiva (1994, p. 72) “de certa forma, os homens estão mais
sujeitos à influência do prestígio das formas linguísticas do que as mulheres, uma vez
que eles possuem uma vida social mais intensa e são mais requeridos à convivência em
grupo, se os homens tendem a favorecer a forma menos prestigiada de linguagem, as
mulheres, ao contrário, têm maior sensibilidade às formas mais prestigiadas. Estas
questões serão discutidas na parte que trata das análises dos dados desta pesquisa.
Para os sociolinguistas, a idade do falante pode influenciar na fala da
sociedade, pois a língua está em constante transformação e existe a necessidade de
renovação do vocabulário. Assim, as pessoas mais velhas geralmente conservam
vocábulos mais arcaicos, pois elas têm menor contato com as mudanças que surgem na
realidade que as rodeia e as pessoas mais jovens tem mais contato com essa forma
inovadora de falar, sendo cada vez menos utilizada à medida que a idade do falante
avança. Como muito bem explica Naro (1994, p. 81):
...os falantes mais velhos costumam preservar as formas mais antigas,
o que pode acontecer também com as pessoas mais escolarizadas, ou
das camadas da população que gozam de um maior prestígio social, ou
ainda de grupos sociais que sofrem pressão social normalizadora, a
exemplo do sexo feminino de maneira geral, ou das pessoas que
exercem atividades socio-econômicas que exigem uma boa
apresentação para o público.
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Análise dos dados e discussão dos resultados
Resultado do uso do gerúndio com relação às variáveis linguísticas
Este trabalho apresenta resultados de estudo realizado acerca da redução do
gerúndio em uma amostragem da fala gravada da comunidade douradense e
pontaporaense, procurando considerar a língua e as variáveis que podem influenciá-la,
como cultura, sociedade e ambiente em que o falante está inserido. Com isso,
pretendeu-se demonstrar que as ocorrências de redução do gerúndio não se dão
aleatoriamente, nem por acaso, mas sim condicionadas por uma realidade linguística ou
social que rodeia o indivíduo que estiver sendo objeto de investigação de uma pesquisa
de natureza sociolinguística.
Apresentamos os resultados do uso do gerúndio em um corpus linguístico
fornecido pelos doze informantes entrevistados, que foi analisado para verificar se essas
pessoas, ao se comunicar, utilizam as estruturas gramaticais prescritas pelas gramáticas
normativas, ou se fazem uso de desvios linguísticos que caracterizam a linguagem
popular falada.
Observe a tabela abaixo com os resultados e porcentagens das ocorrências do
fenômeno linguístico trabalhado nas entrevistas com os doze informantes, em que
verifica-se que o desvio linguístico predomina nos dados selecionados das entrevistas
com os informantes.
Tabela 1 – totais e percentuais gerais de uso das formas de gerúndio
Ocorrências
ND
N
Total
Totais
48
56
104
Percentuais
46,16%
53,84%
100%
Os dados da tabela mostram que os totais e os percentuais de ocorrências
registrados no corpus da pesquisa são que 46,16% dos falantes fazem uso do gerúndio
na sua forma padrão, isto é, com a presença do [nd], enquanto 53,84% fazem uso da
forma reduzida, isto é, transformam o [nd] do gerúndio em [n] no momento de se
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expressarem oralmente, o que confirma a nossa hipótese inicial de que os falantes
tendem a reduzir a forma padrão representativa do gerúndio na língua portuguesa falada
no Brasil e, em especial no falar local.
Resultados do uso do gerúndio com relação às variáveis sociais testadas
A variação social agrupa alguns fatores de diversidade, em que o nível
socioeconômico pode representar o meio social onde vive um indivíduo; o grau de
educação, a idade e o seu gênero. Porém, vale ressaltar que a variação social não
compromete a compreensão do indivíduo, com relação aos fenômenos linguísticos
variáveis.
Ao analisar os resultados obtidos nesta pesquisa, com a variável linguística que
caracteriza o uso do gerúndio, percebemos que os falantes entrevistados apresentaram a
variável de modo diversificado, de acordo com o seu gênero, faixa etária e nível de
escolaridade.
A variável gênero do falante
Alguns estudos nos mostram que existem algumas diferenças linguísticas
importantes na linguagem do falante de acordo com o seu gênero do falante.
Passamos agora para a análise dos dados da variável de acordo com o gênero
do falante, para melhor entender essa divergência na linguagem, uma vez que o nosso
objetivo é verificar quem reduz mais o gerúndio, se são os homens ou as mulheres, pois
de acordo com Paiva (1994), os homens estão mais sujeitos às influências das formas de
prestígio, mas são as mulheres que têm mais sensibilidade ao valor social da linguagem.
Vejamos os resultados na tabela a seguir.
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Tabela 2 – percentuais de uso do gerúndio conforme o gênero do falante
VARIÁVEL
ND
N
TOTAL
HOMENS
41
23
64
GÊNERO
%
%
64,06
35,94
100%
MULHERES
7
33
40
17,5
82,5
100%
Observando os resultados da tabela, percebemos que as mulheres reduzem
mais o gerúndio com um percentual de 82,5% do que os homens que reduzem em
35,94% das ocorrências. E que os homens utilizam mais a norma padrão do gerúndio
com 64,06% das ocorrências do que as mulheres que utilizam 17,5% delas.
Os resultados mostram que há diferenças sensíveis na linguagem no que se
refere ao gênero do falante, em que os homens se mostram mais sujeitos ao uso da
linguagem formal do que as mulheres, utilizando mais a forma considerada “correta”,
pelos gramáticos, o que contraria a nossa hipótese inicial, de que as mulheres são mais
sensíveis ao uso da forma dita de prestígio.
A variável faixa etária do falante
Com relação à faixa etária do falante, esta variável vem nos mostrar as
mudanças linguísticas ocorridas de acordo com a idade do indivíduo, podemos perceber
que os falantes mais jovens, entre 20 a 50 anos, estão utilizando as reduções do
gerúndio em sua fala com um percentual de 53% para os homens e 79,2% para as
mulheres, e entre os falantes mais velhos, de 51 em diante, os homens têm um
percentual de 20,6% e as mulheres de 82,36% das ocorrências. De acordo com esta
amostragem, os homens mais jovens utilizam mais a redução do gerúndio do que os
mais velhos, isso ocorre, de acordo com a literatura sociolinguística, porque as pessoas
mais velhas são mais conservadoras em sua forma de falar, têm um cuidado maior ao se
comunicar, dando preferência à forma de prestígio. O mesmo não acontece com as
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mulheres, pois percebemos a maior frequência na redução do gerúndio entre as falantes
mais velhas.
E na ocorrência da norma padrão os homens de 20 a 50 anos estão com o
percentual de 47% das ocorrências e as mulheres com 20,8% das ocorrências, e os mais
velhos com idade acima de 51 anos, os homens estão com o percentual de 47% sendo
que as mulheres estão com o percentual de 17,64% das ocorrências.
Tabela 3 – uso de gerúndio de acordo com a faixa etária do falante
FAIXA ETÁRIA
HOMENS
MULHERES
VARIÁVEL
20 a 50
%
51...
%
20 a 50 %
51...
%
ND
14
47
27
79,4
5
20,8
3
17,64
N
16
53
7
20,6
19
79,2
14
82,36
TOTAL
30
100%
34
100% 24
100% 17
100%
Estes resultados mostram que os homens mais velhos estão mais expostos à
linguagem padrão do que os mais jovens. E as mulheres mais jovens estão utilizando
com maior frequência a linguagem formal do que as mais velhas. Vale ressaltar que os
resultados aqui apresentados não condizem com a literatura sociolinguística, relacionada
ao comportamento linguístico das mulheres, que diz que as marcas mais formais e
conservadoras são encontradas na fala dos mais velhos, pois estes tendem a conservar a
forma padrão na linguagem. Aqui no fenômeno linguístico se deu de forma invertida.
A variável escolaridade do falante
Com relação ao grau de instrução do falante, trabalhamos com os não
alfabetizados (AN) e os alfabetizados até o ensino fundamental (AL), e podemos
constatar que os AL tiveram um menor índice de redução do gerúndio do que os AN,
com o percentual de 34,2% das ocorrências de redução do gerúndio para os homens AL,
e 39,1% para a ocorrência dos AN, confirmando, mais uma vez que o ensino formal
influencia o modo de falar das pessoas e, que a escola está cumprindo o seu papel de
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mediadora
do ensino aprendizagem e
da modalidade padrão formal da língua
portuguesa.
Nos resultados da redução do gerúndio para as mulheres, tivemos o percentual
de 79% para as AL, e 81,8% para AN, sendo assim, as mulheres alfabetizadas também
diminuíram a porcentagem de redução de gerúndio com relação às não alfabetizadas,
corroborando os dados da literatura sociolinguística.
Com relação ao uso da linguagem formal, os homens e as mulheres tiveram um
resultado significativos de ocorrências da linguagem formal. Os homens apresentaram
um percentual de 65,8% para os AL, e 60,9% para os AN. E as mulheres um resultado
de 21% para as AL e 18,2% para as AN, o que confirma que o ensino escolar é de suma
importância na vida das pessoas.
Tabela 4 – uso do gerúndio de acordo com a escolaridade do falante
NÍVEL DE ESCOLARIDADE
HOMENS
MULHERES
VARIÁVEL Alfabetizado
Não alfabetizado
Alfabetizado
Não alfabetizado
ND
27
65,8% 14
60,9%
4
21%
4
18,2%
N
14
34,2% 9
39,1%
15
79%
18
81,8%
TOTAL
41
100% 23
100%
19
100% 22
100%
Vale ressaltar que os resultados aqui apresentados com a ocorrência do uso da
redução do gerúndio e a sua forma padrão fazem parte de uma pequena amostragem dos
fenômenos linguísticos presentes na linguagem falada pelos referidos informantes e que
podem ser trabalhados de diferentes aspectos, seja morfológico, sintático, semântico, no
sentido de comprovar a eficácia do ensino formal como um fator importante e
auxiliador na forma de se expressar do indivíduo falante.
Considerações finais
Ao longo desta pesquisa nos propusemos a analisar as variações linguísticas
sobre o aspecto padrão e não padrão no uso do gerúndio, presentes na fala de moradores
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das regiões de Dourados e Ponta Porã-MS, com base na análise de dados reais de
situações naturais e espontâneas de fala. Na análise percebemos que a língua falada é
diversificada, heterogênea e dinâmica e é um importante ingrediente para vida em
sociedade, uma vez que está relacionada ao nosso modo de interagir socialmente. A
língua em uso, tanto a escrita como a oral tem de encontrar um ponto de equilíbrio
entre, a adequabilidade e o da aceitabilidade linguística que o usuário do sistema
linguístico faz em diferentes situações de uso concreto dessa língua.
Para a execução da pesquisa, partimos de grupos distribuídos por gênero, idade
e nível de escolaridade e observamos que os desvios linguísticos, objeto de estudo dessa
pesquisa, ocorreram bem menos na fala de homens do que na fala das mulheres, isso
quer dizer que as mulheres de Dourados e de Ponta Porã têm inovado a sua forma de
usar o gerúndio em situações de comunicação oral, porque quando falamos, tentamos
nos adequar à situação de uso da língua em que nos encontramos, se é uma situação
formal, tendemos a uma linguagem mais rebuscada, de formalidade; se for uma situação
informal, usaremos então uma linguagem mais descontraída, um estilo menos
monitorado, foi o que observamos entre os entrevistados, que utilizaram uma forma
mais descontraída da língua, uma vez que foi lhes propiciado essa descontração ao
deixá-los à-vontade para se expressar sobre assuntos de seu interesse e do seu cotidiano.
Com relação à idade do falante, podemos afirmar que os resultados dos dados
estão de acordo com a literatura sociolinguística sobre o assunto tratado, principalmente
no que diz respeito aos falantes do gênero masculino, o mesmo não ocorre com o gênero
feminino, pois o maior índice de redução se deu entre as falantes mais velhas com um
percentual de 82,36%, contrariando a literatura sociolinguística, acreditamos que tal fato
justifica-se tendo em vista que a redução da forma de gerúndio já se tornou um
fenômeno bastante recorrente no português falado em Dourados e região.
Ao final da pesquisa foi possível constatar que a variação é um fenômeno
recorrente em diferentes situações de uso concreto da língua, haja vista as constatadas
na fala dos pesquisados em questão.
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capitulo 1 – fundamentação teórica