PROBLEMATIZANDO OS DISCURSOS DA MÍDIA ELETRÔNICA
(JORNAL) A RESPEITO DO MITO DE UMA EDUCAÇÃO PARA O
CONFLITO NA PEDAGOGIA DO MST (MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES SEM TERRA)1
Alexandre Prinzler Karpowicz2
Resumo
O presente trabalho é decorrente de uma pesquisa realizada a partir das contribuições dos
Estudos Culturais em sua vertente pós-estruturalista e dos Estudos desenvolvidos por
Michel Foucault, que tem como objetivo problematizar a Pedagogia do MST (Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra), a partir da análise textual dos discursos presentes em
reportagens veiculadas em mídia eletrônica (jornais), a respeito do mito de uma Educação
para o conflito supostamente trabalhada nas práticas pedagógicas escolares das escolas
itinerantes. A metodologia utilizada pela pesquisa consistiu na análise documental das
reportagens de jornais em sua versão eletrônica. Desta forma, o estudo procurou destacar e
discutir os elementos discursivos recorrentes nas matérias jornalísticas sobre o processo
educacional desenvolvido pelos/pelas educadores/educadoras do MST. Nesse sentido, o
objetivo da pesquisa foi o de problematizar os discursos presentes nas reportagens,
evidenciando os jogos de verdade que constituem o mito de uma educação orientada para
os conflitos, praticada pelos/as educadores/as das escolas do MST. A pesquisa evidenciou
que esta suposta Educação para o Conflito, descrita nas reportagens analisadas, pode ser
considerada como um processo de não reconhecimento, por parte dos jornais pesquisados,
das práticas pedagógicas que são desenvolvidas nas escolas e que estão diretamente
vinculadas ao trabalho e a conquista de terras. Nesse sentido, a pesquisa também
problematizou o processo de pasteurização promovido por estas reportagens, que
desconsideram os elementos de ordem social, política, cultural e educacional, que
constituem o universo social dos alunos/as e professores/as das escolas itinerantes. Tal
processo auxilia na criação de uma imagem unívoca das escolas do MST, uma vez que
atores sem subjetividades, significam indivíduos sem identidades, portanto, personagens
sem história. Que buscam permanentemente seus direitos, ideais e reconhecimento.
Palavras-chaves: Educação no campo. Mídia. Discurso. MST.
Introdução
Nas cartilhas preparadas pelo Coletivo Nacional de Educação do MST, às
quais Zero Hora teve acesso e que são utilizadas pelos professores das
escolas, a velha pedagogia do “vovô viu a uva” ganhou o reforço de
expressões ideologicamente engajadas. Nos cadernos rabiscados pelos
jovens ‘sem-terrinhas’ proliferam mantras do tipo “ocupar, resistir, organizar.
(TREZZI, Humberto. ZERO HORA, Porto Alegre, 8 de mar. 2009.p. 34).
1
Este trabalho foi decorrente da disciplina Concepções Educacionais Contemporâneas, do curso de
Especialização em Gestão Educacional das Faculdades Porto-Alegrenses (FAPA). O Trabalho foi orientado pelo
Prof. Dndo. Rodrigo Saballa de Carvalho do PPGEdu-UFRGS.
2
Sociólogo. Licenciado em Ciências Sociais (PUCRS). Professor de Sociologia no Ensino Médio.
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De que forma a educação “não formal”, em uma sociedade que se acostumou a
refletir as buscas e utopias de indivíduos/grupos sociais, como desvios, atos ilegais e/ou
criminalizados, pode conquistar a sua legitimidade? Como pedagogias tidas como
desviantes, não educacionais, ou para o conflito, podem desencadear um processo de
contestação dos modelos e práticas educacionais, bem como, dos lugares institucionais em
que estes discursos são forjados?
Vivemos em um período no qual o principal mediador da relação entre informação e
comunicação é materializado pela mídia. A mídia ocupa um lugar de destaque em uma
organização social em que os discursos, identidades culturais, comportamentos e o próprio
desenvolvimento social, são construídos a partir do interior de sistemas midiáticos que
“produzem” de modo eficiente, parâmetros “adequados” de interação social aos/as
seus/suas leitores/leitoras.
Pretendo problematizar, a partir da série de reportagens denominada “O X da
educação”, o discurso midiático, em específico, o da versão eletrônica do jornal Zero Hora,
sobre o modo como ocorrem os processos educacionais de alfabetização no interior das
escolas do Movimento Sem Terra (MST). Desta forma, compreendo os discursos
formadores de opinião sobre a pedagogia das escolas do MST, a partir de Foucault (1999)
não como conjunto de signos (ideias, opiniões), mas como práticas que formam
sistematicamente os objetos de que falam.
A forma como são construídas as imagens, ideias ou até mesmo conceitos sobre a
metodologia de ensino praticada pelas escolas itinerantes do MST, pelo jornal analisado,
não refere em nenhum momento, o aspecto histórico da formação da identidade subjetiva
deste movimento. Mas por que analisar a dimensão histórica de um movimento social? Ou
melhor, a dimensão histórica das características sociais, políticas e culturais da pedagogia
de um movimento social?
A análise dos elementos sociais característicos desta pedagogia, em uma dimensão
histórica, permitiria um melhor entendimento por parte dos veículos mídiáticos responsáveis
pela formação da opinião pública, da natureza de tal pedagogia.
A partir do estudo das reportagens de ZH eletrônica, referente aos mecanismos
pedagógicos
praticados
pelas
escolas
itinerantes
do
MST,
percebeu-se
a
não
problematização do modo de vida características dos/das estudantes a quem são dirigidas
tais práticas pedagógicas. Ou seja, conforme Caldart (2003, p.51) as notícias não relatam o
que torna genuíno, o ato pedagógico das escolas do MST, revelando como necessário o
“contexto da reflexão que permite pensar em um movimento social de trabalhadores do
campo como um lugar onde se produzem lições sobre como desenvolver processos de
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formação humana.”. Neste sentido, o modo de abordagem manifestado pelos discursos
sobre a pedagogia das escolas do MST, apresentado na versão eletrônica de ZH, reflete
uma dissonância entre as dimensões humana, política e cultural de estudantes que
encontram-se inseridos em processos de ensino-aprendizagem que necessitam, justamente,
de uma outra lógica de construção do conhecimento escolar, tendo em vista a
especificidade social deste grupo de estudantes. Todos os indivíduos, independentes de sua
classe, posição social, educação ou formação, constituem-se em sujeitos históricos,
portadores de vivências que orientam e conferem significado, a todo o seu modo de viver
em sociedade.
Desta forma, ao se elaborarem discursos onde não sejam levados em consideração
as dimensões históricas, sociais, políticas e culturais próprias de um determinado modo de
se fazer educação, de auxílio ao processo constitutivo da identidade cultural de um
homem/uma mulher, não se estaria tornando este sujeito sem significado? Pois, justamente
aquelas referências histórico-pedagógicas características de seu aprendizado, são excluídas
dos enunciados que constituem as formações discursivas que darão conta da prática
pedagógica do MST, possibilitando, assim, a circulação, bem como, a materialização de um
mito educacional.
1 Características Sociais, Políticas e Culturais do MST
A pregação da invasão de terra é tema de aula nas cerca de 12 escolas
itinerantes do MST, onde estudam cerca de 500 crianças e cujo o
fechamento foi determinado pelo Ministério Público em meados de
fevereiro, segundo reportagem (...). (TREZZI, Humberto. ZERO HORA,
Porto Alegre, 8 de mar. 2009.p. 34).
Para compreendermos aquilo que dá sentido ao pedagógico, convém que possamos
perceber as dinâmicas que participam, ou melhor, que animam uma determinada prática
pedagógica. Por exemplo, não questionamos os valores, espíritos, que orientam a educação
de meninos e meninas que estudam tanto em escolas privadas, quanto em escolas públicas
(em nível municipal e estadual). As análises praticadas nas reportagens, dão conta de um
caráter deformador existente na educação das escolas itinerantes do MST, porém, e as
escolas de nossa sociedade, dos comuns, daqueles que não buscam mais a transformação
social, não seriam escolas deformadoras na mesma medida?
Um movimento social se constitui em muito mais do que só a sua dimensão
ideológica, política. Ele, em si, é um sujeito propriamente dito, que manifesta e constrói suas
ações, procurando elaborar mecanismos de orientação que deem sentido aos seus
desdobramentos sociais, políticos, culturais e, neste caso, educacionais. Neste contexto, o
movimento social, conforme Reichwald (2006, p. 55) “é em si educativo, ou seja, o
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pedagogo é próprio movimento, pois além de educar seus membros a serem sujeitos de sua
história, também educa a sociedade, que passa a ser tocada por ele (...).”.
Portanto, mais do que serem apenas formas alternativas, desviantes de educação, o
MST, enquanto movimento social encontra-se em uma zona de tensão do poder, onde
sujeitos e discursos disputam a legitimidade do reconhecimento, perante a opinião pública.
Desta forma, as notícias, reportagens, analisadas, constituem um tipo de saber, que acaba
por definir a subjetividade da ação pedagógica das escolas itinerantes do MST, esse saber
construído pela mídia, através de suas reportagens, reforça todo um modo de percepção
que outros setores da sociedade terão sobre esta pedagogia, pois, conforme Machado
(1999, p. XXI) “não há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como
também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder”.
Assim, a existência de um saber prévio, cristalizado em determinados setores de
nossa sociedade, contribui para o enquadramento negativo dos indivíduos pertencentes a
este movimento, pois as estruturas enunciativas que circulam nos discursos referentes a
práticas pedagógica do MST, contribuem para o enrijecimento do processo de
estranhamento dos locais de onde se originam tais discursos, informações.
2
Contexto Educacional das Escolas
Essas escolas fazem lavagem cerebral. (Entrevista: Gilberto Thums,
Procurador de Justiça do Ministério Público Estadual. ZERO HORA. 8 de
mar. 2009, p. 35).
O panorama educacional percebido a partir do estudo das reportagens analisadas no
jornal ZH, em sua versão eletrônica, permite visualizar um conjunto de discursos oriundos
de arenas institucionais que, tradicionalmente, estão em oposição às buscas de legitimidade
dos setores historicamente colocados à margem em nossa sociedade. Neste contexto,
dentro do conjunto de reportagens, chama a atenção o esforço de órgãos não vinculados a
Educação, em promover um ambiente de alarmismo pedagógico, ou seja, de que o
processo educacional praticado no interior das escolas do MST estaria “deformando” a
compreensão/visão de sociedade de meninos e meninas.
Paralelamente a este movimento de depuração ideológica promovido por setores
externos ao ambiente da educação em movimentos sociais, que neste caso, materializa-se
em um processo pedagógico que surge a partir de uma matriz popular – diferente das
matrizes pedagógicas tradicionais (escolas públicas ou privadas) – temos o posicionamento
de atores que estão envolvidos diretamente nas dinâmicas de construção da educação. A
“unidade” em torno da ideia de ideologização do ensino nas escolas do MST, é expressada
até por dirigentes da Educação do Estado do Rio Grande do Sul, conforme trecho da
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entrevista concedida pela Secretária de Educação, senhora Mariza Abreu, ao jornal Zero
Hora
Escola não é lugar de textos com concepção político-programática. Para
isso existem partidos políticos, sindicatos... Não tenho dúvida que as
crianças acampadas, ao frequentarem escolas regulares, terão um ensino
de melhor qualidade. Receberão uma formação plural, tolerante, sem essa
visão unilateral que lhes é repassada nos acampamentos. (ZERO HORA. 8
de mar. 2009, p. 34).
Portanto, uma primeira constatação que poderíamos realizar, a partir das
reportagens de ZH, seria a de que as instituições/estruturas do poder, nas quais são
originados/legitimados os discursos em torna da educação das escolas do MST,
reproduzem comportamentos historicamente estabelecidos em nossa sociedade. Desta
forma, nos aproximamos ao que Machado (1999, p. X) reflete, quando descreve que o
“poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída
historicamente”.
O enquadramento político referente ao modo de educar das escolas do MST, está
ligada diretamente a uma estrutura de tensão política, em nível das esferas do Estado, do
que propriamente ao modo de ser da pedagogia social das escolas itinerantes. Se a questão
fosse exclusivamente à ideologização pedagógica praticada nas escolas itinerantes, então
as esferas governamentais responsáveis pela educação, teriam que se preocupar com o
modo de ensinar de todas as escolas (públicas e privadas) do Estado do Rio Grande do Sul.
3
Construindo um Mito: Análise das Reportagens
O discurso é uma prática não apenas de representação do mundo, mas de
significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.
(FAIRCLOUGH, 2001, p.91).
Nesta seção, desenvolverei algumas problematizações com base em alguns trechos
retirados de reportagens do jornal Zero Hora em sua versão eletrônica. Utilizo como ponto
de partida para a análise destes enunciados, a noção de prática não-discursiva como
mecanismo de reforço da ideia de uma pedagogia ideologizante existente nas escolas do
MST.
Como prática não-discursiva, compreendo o conjunto de noções/pré-noções
construídas nos espaços de interação políticos de nossa sociedade, que apresentam como
característica principal, o fato de serem a “base” analítica dos processos de construção das
estruturas hegemônicas que irão atuar no controle da atuação de organizações/estruturas
sociais que de alguma forma, operam ações de questionamento das estruturas do poder em
nossa sociedade.
O alastramento do mito de uma educação panfletária e ideologizante, promovido
pelas escolas itinerantes, ganharia significado dentro da sociedade, pois estes discursos são
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reconhecidos por indivíduos que, de alguma forma, possuem um conjunto de informações
pré-estabelecidas (apreendidas ao longo do tempo, através de mecanismos midiáticos) que
irão sustentar todo um imaginário, que neste caso, seria o imaginário de que as escolas
itinerantes deformariam os sentidos dos processos de alfabetização das crianças.
A compreensão da relação entre prática discursiva e prática não-discursiva, ganha
sentido durante o processo de análise destas reportagens, pois, conforme Pinto (1988, p.
24) de acordo com o discurso através do qual é dada significação à prática não-discursiva,
aplaude-se
ou
critica-se
a
cena,
constroem-se
diferentes
sujeitos,
atribuem-se
excludentemente a condição de marginal ou cidadão.
A seguir, passo a análise de algumas reportagens:
Matéria 1
Título: “Doutrina sem consenso” [reportagem]
Divergência é pouco para definir os extremos de opiniões entre especialistas em educação e
MST consultados por Zero Hora a respeito das cartilhas de ensino. Para uns, os
ensinamentos das escolas itinerantes deseducam. Para outros, são instrumentos legítimos
de aprendizado da realidade que cerca os acampados. Para um terceiro grupo, parte do que
está nas cartilhas – como “valorizar a ocupação” e “temer a polícia” – é tolerável, desde que
os alunos não aprendam apenas só isso. ZERO HORA DIGITAL Porto Alegre: RBS.
Disponível em
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&newsID=a2430626.htm
Acesso: 18 abri. 2009
Na matéria 1, temos os seguintes termos que apresentam o contexto educacional
das escolas itinerantes do MST, de acordo com a reportagem: “deseducam” e “valorizar a
ocupação/ temer a polícia”.
Ao analisar esta matéria, parto da dimensão do sujeito, do modo como este/estes
sujeito/sujeitos (crianças) são expostos aos processos de normalização e adequação
característicos da contemporaneidade, em que os diferentes modos de se educar devem se
adaptar ao referencial educacional iluminista, que prevê um determinado tipo de ensino,
para um determinado tipo de estudante, não levando em consideração as peculiaridades
culturais, sociais e políticas destes/destas educandos/as.
Uma das características da educação defendida por alguns setores ligados às
esferas governistas refere-se ao grande movimento de aproximação das práticas
pedagógicas realizadas nos diferentes espaços educacionais, a um modo de atuação que
seja “isento” de intenções políticas (no sentido de transformação da realidade) durante a
prática pedagógica. Portanto, ao destacarmos os termos da matéria 1 acima mencionados,
vamos em direção ao que Castro (2009, p. 309) desenvolve, no sentido de que o conceito
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de normalização refere-se a esse processo de regulação da vida dos indivíduos e das
populações. Neste sentido, nossas sociedades, são sociedades de normalização.
Desta forma, o elemento central dentro do processo educacional praticados pelas
escolas do MST, seriam os contextos sócio-culturais em que estão inseridos/inseridas os/as
estudantes. Ou seja, compreender as características que compõe os cenários de
aprendizagem destas crianças, ao invés de confundir os elementos próprios da
subjetividade destas escolas com comportamentos que se encontram desarticulados com o
modo de vida normal3 dos indivíduos em nossa sociedade.
Matéria 2
Título: “Em defesa das Escolas Itinerantes” [reportagem]
As Escolas Itinerantes do MST são espaços de conhecimento, criação, socialização com
base em valores ético-políticos libertários e democráticos. São espaços públicos de
formação humana, de crítica e de renovação do pensamento pedagógico brasileiro e latinoamericano. As Escolas Itinerantes são lugares que estão propiciando reflexões que
permitem construir um melhor futuro para a educação pública, gratuita, laica e autônoma
(...). Disponível em: http://www.mst.org.br/mst/especiais.php?ed=87 Acesso: 18/04/2009.
A matéria 2 apresenta um contexto em que a educação dos/das meninos/meninas
está mais próxima das necessidades de formação do conhecimento, conhecimento que é
produzido a partir da realidade social, cultural e políticas destes indivíduos. Nesta
reportagem, a relação sujeito e contexto sócio-cultural está colocada de forma coesa, pois
os enunciados estão estruturados de modo a darem ao discurso destes sujeitos, um sentido
real e concreto do contexto onde estão inseridos.
Mas por que reportagens como estas não são veiculadas em nossa grande mídia?
Elas não ajudariam a fortalecer uma nova consciência por parte da sociedade em relação à
subjetividade do modo de ensinar das escolas do MST? Analisando-se o contexto discursivo
da matéria 1, podemos perceber a influência que o histórico de articulações desenvolvidas
sem o estabelecimento dos traços políticos, culturais e sociais de um determinado setor da
nossa sociedade, reforça uma ideia/compreensão que é aceita como “verdade”, e que é
introduzida sobre os mecanismos de legitimação dos discursos produzidos em esferas
midiáticas. Este movimento de legitimação dos discursos dominantes é desenvolvido por
Pinto (1988, p. 39) quando nos descreve que a
permanência de um discurso – isto é, sua condição de poder – está
altamente relacionada com sua capacidade de por um lado transformar as
condições de emergência em condições de existência e por outro construir
3
Neste contexto, compreendo como modo de vida normal, o estilo de vida de indivíduos que não
problematizam/estranham mais as suas condutas, bem como, os processos de implantação de senso crítico,
promovidos por alguns setores dos meios midiáticos de comunicação.
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no seu interior suas próprias condições de existência. Tais operações
permitem ao discurso institucionalizar-se.
Portanto, ao compararmos os discursos da matéria 1 e da matéria 2, evidencia-se o
modo como são elaboradas as estruturas de representação dos estudantes das escolas do
MST. Pois, na matéria 1, colocam-se os sujeitos em uma condição de vulnerabilidade de
sua condição de ser-aprendente, pelo fato de que a matéria 1 apresenta o discurso
estabelecido sobre as escolas do MST, logo, sem a observância das subjetividades próprias
do modo de educar das escolas itinerantes.
Enquanto que na matéria 2, evidencia um movimento de reconhecimento desta
subjetividade, elemento fundamental para a existência de formas educacionais alternativas
das existentes em nossa sociedade e que se aproximam das identidades destes/destas
meninos/meninas.
Matéria 3
Título: “A Escola Itinerante vai aonde está o povo” [entrevista]
Isabela Camini há 18 anos acompanha o processo de educação de filhos de Sem Terra que
acompanham o MST. Ela ajudou a construir as Escolas Itinerantes e, por toda essa
experiência, resolveu pesquisar, em sua tese, o processo de funcionamento, de educação e
de formação das Escolas Itinerantes do MST.
Quais são os principais destaques desse formato de escola?
Primeiro é porque esta escola é itinerante. Ela vai aonde está o povo, se desloca e
acompanha a luta. Esta é uma das grandes diferenças em relação às escolas tradicionais. A
segunda questão é que ela não se fecha atrás dos muros como a maioria das escolas
urbanas faz. É uma escola que está dentro de um acampamento, ou na beira da estrada ou
na frente de um prédio público, mas ela não precisa ficar fechada dentro de quatro paredes
para as crianças poderem estudar. Disponível em:
http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=6539. Acesso: 06/04/2009
Na matéria 3 (trecho de uma entrevista) com a Doutora em Educação pela UFRGS,
Isabela Camini temos alguns elementos referentes ao modo de educar das escolas do MST.
Conforme o que é destacado pela entrevistada, a possibilidade de a escola ir ao encontro
dos/das estudantes, faz com que se inicie uma outra mentalidade em relação ao processo
pedagógico. Pois neste contexto, é a própria escola que tem que se adaptar ao modo de
ser, ou melhor, ao ser-saber destes indivíduos. Desta forma, VEIGA-NETO (2007, p. 44)
analisa que o sujeito moderno constitui-se em três objetos: o mundo da linguagem, o mundo
das trocas e do trabalho e o mundo da vida, elementos que juntos darão a característica
subjetiva do saber deste sujeito.
A linguagem, as experiências aprendidas com o trabalho e o próprio mundo da vida
(local onde as experiências são vivenciadas) correspondem ao contexto pedagógico das
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escolas do MST, que na contemporaneidade auxiliam no processo de desconstrução do
ideário educacional que busca um único tipo de educação e que, portanto, forma indivíduos
iguais. As escolas itinerantes ganham destaca na modernidade, pelo fato de se organizarem
de acordo com as necessidades de seus/suas estudantes, e não por eles/elas se
adequarem dentro de um grande esquema de pasteurização de subjetividades.
4
Identidades Desconhecidas: Problematizando Algumas Conclusões
O discurso contribui para a constituição de todas as estruturas da estrutura
social que, direta ou indiretamente o moldam e o restringem: suas próprias
normas e convenções, como também relações, identidades e instituições
que lhe são subjacentes. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91)
Neste trabalho, procurei refletir sobre o modo como os processos educacionais
praticados pelas escolas itinerantes do MST, são descritos a partir dos discursos de mídia
eletrônica (jornal). Os discursos analisados demonstram o quanto a existência de práticas
não-discursivas estão presentes durante a construção de notícias/informações que
legitimam a existência de uma suposta educação ideologizante, bem como, com uma
orientação para o conflito.
Mais do que uma orientação para o conflito, a análise das reportagens selecionadas,
evidenciam o quanto, na contemporaneidade, os mecanismos de construção dos discursos
estabelecidos no interior dos meios midiáticos de comunicação – neste caso, mídia
eletrônica (jornal) – estão distantes de incorporarem em suas notícias/discursos, as
dimensões identitárias dos sujeitos dos quais fazem referência para a sociedade. Nossa
sociedade apresenta como uma de suas características mais fortes, a ênfase dada pelos
meios
midiáticos
de
comunicação,
por
uma
padronização/homogeneização
do
comportamento de algumas coletividades, como forma de torná-las desprovidas de
elementos que caracterizem suas dimensões social, política e cultural e, consequentemente,
enfraquecendo a legitimidade de suas buscas, e, também, daquilo que delimita a sua
singularidade: sua identidade.
Referências
CALDART, Roseli Salete. Movimento Sem Terra: lições de pedagogia. Currículo Sem
Fronteiras,
v.3,
n.1,
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50-59,
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<http://www.curriculosemfronteiras.org>. Acesso: 16/05/2009.
CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. 477
p.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2001. 320 p. Coordenação de tradução: Izabel Magalhães.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1999.
294 p.
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PINTO, Céli. Com a palavra o senhor presidente José Sarney. São Paulo: Editora Hucitec,
1988. 193 p.
SILVA, Tomaz Tadeu. O que é, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2004. 240 p.
REICHWALD, Guilherme Jr. Sujeitos adultos no campo: sua formação nos movimentos
sociais. In: CALDART, Roseli Salete; PALUDO, Conceição; DOLL, Johannes. (Orgs.)
Como se formam os sujeitos do campo? Idosos, adultos, jovens e educadores.
Brasília: PRONERA: NEAD, 2006. 160 p.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2007.
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